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Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5

PANCREATITE

A pancreatite aguda grave é definida como quadro de


pancreatite aguda acompanhada de disfunção orgânica
importante e/ou presença de complicações locais
(necrose, abscesso ou pseudocisto). Podem também
ser utilizados como critérios de pancreatite aguda grave
a presença de mais de dois critérios de Ransom ou
ainda escore APACHE II maior que 8 (Quad.1) .

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Colelitíase deve ser solicitada para os pacientes com quadro
clínico compatível com pancreatite aguda que não
É a causa mais comum de pancreatite aguda. De 3 apresentem outra causa óbvia. Normalmente, as
a 7% dos pacientes com litíase biliar desenvolvem elevações da amilase e lipase são pouco acentuadas e
quadro de pancreatite aguda. Este risco é pouco maior a evolução clínica é semelhante aos casos de etiologia
em pacientes do sexo masculino e nos casos de biliar. O tratamento da dislipidemia previne novos
cálculos pequenos, menores que 5mm. episódios de pancreatite aguda.

Há mais de um século, Eugene Opie sugeriu que a Pós-CPRE


pancreatite seria causada pela impactação de cálculos
biliares na ampola de Vater6. Duas teorias foram A pancreatite aguda é a complicação mais comum da
desenvolvidas: a obstrução da papila, pela presença do CPRE, ocorrendo em 5% dos pacientes submetidos ao
cálculo ou pelo edema secundário ao trauma de sua exame. Como é frequente a elevação assintomática da
passagem pela papila, levaria ao refluxo de bile para do amilase após a CPRE, só deve ser considerado como
ducto pancreático principal através de um "canal caso de pancreatite na presença de dor abdominal
comum", denominada Opie 1; ou ocorreria obstrução típica e elevação de, pelo menos, três vezes dos níveis
dos ductos pancreáticos diretamente pelo cálculo, sem séricos de amilase ou lipase.
refluxo biliar, conhecida como Opie 2.
Drogas
Estudos experimentais em modelos animais mostraram
que a infusão de sais biliares nos ductos pancreáticos O uso de diversas drogas foi relacionado com o
leva ao desenvolvimento de pancreatite aguda, desenvolvimento de pancreatite aguda. Foram
corroborando os achados de Opie. Acredita-se que a postulados diversos mecanismos de ação, que podem,
captação destes sais pelas células acinares inclusive, ocorrer simultaneamente (Quad.3). De uma
pancreáticas leve ao aumento do cálcio citoplasmático forma geral, o quadro clínico tende a ser brando,
que, por sua vez, age em vários alvos intracelulares, evoluindo com resolução total após a suspensão do
tais como as mitocôndrias, cujo resultado é necrose fármaco.
celular.

Álcool
O uso crônico de álcool é uma das principais causas de
pancreatite aguda e, certamente, a causa mais comum
de sua forma crônica. A fisiopatologia da pancreatite de
etiologia alcoólica ainda não é bem conhecida e
acredita-se que seja multifatorial. Vários mecanismos
foram propostos, tais como espasmo do esfíncter de
Oddi, obstrução de dúctulos pancreáticos pela
precipitação de proteínas no ducto pancreático com
formação de plugues, ativação de zimogênios
pancreáticos e resposta secretiva exagerada
pancreática à colecistoquinina (CCK).. Como apenas 5
a 10% dos alcoolistas são acometidos pela pancreatite
aguda, a presença de fatores genéticos e ambientais é
fortemente suspeitada. O tabagismo, mutações nos
genes CFTR (cystic fibrosis transmembrane
conductance regulator) e SPINK1 (serine protease
inhibitor kazal type 1) e sexo masculino foram Autoimune
identificados como fatores de risco para o A pancreatite autoimune tem apresentação clínica
desenvolvimento de pancreatite aguda em alcoolistas. característica. O quadro é subagudo e os achados
clínicos apresentam mais semelhança com os
encontrados na pancreatite crônica, tais como dor
Hipertrigliceridemia abdominal de leve a moderada e elevação discreta da
Responde por 2% dos casos. Deve ser suspeitada amilase e lipase.
quando o nível sérico encontra-se acima de 1000mg/dl.
Como ocorre rápida queda do nível sérico ainda nos Os exames de imagem mostram aumento localizado do
primeiros dias de evolução, a dosagem de triglicerídeos pâncreas, geralmente em sua porção cefálica com
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estenose ou irregularidades no ducto pancreático. Por
conta destes achados, a pancreatite autoimune pode
ser confundida com tumores pancreáticos. São
achados característicos da pancreatite autoimune a
elevação dos níveis séricos de IgG4, presença de
infiltrado linfoplasmocítico e elevados níveis de IgG4 no
tecido pancreático.

O tratamento é feito com corticosteroides, com rápida


melhora clínica e normalização dos achados
tomográficos.

Hereditária e Genética
A pancreatite hereditária tem caráter autossômico
dominante com penetrância variável e, na maioria dos
casos, é decorrente de mutações do gene PRSS1
(protease, serina1)13. Essas mutações levam à
conversão prematura do tripsinogênio e autodigestão
pancreática, que se manifestam clinicamente através
de quadros recidivantes de pancreatite aguda na
infância que evoluem para pancreatite crônica. A idade
mediana de início dos sintomas é 10 anos. Há risco
aumentado de desenvolvimento de câncer pancreático,
principalmente se associado a outros fatores de risco
como tabagismo e etilismo.

Outros genes implicados na pancreatite aguda são o


SPINK1 e gene da fibrose cística (CFTR)

OBS: PÂNCREAS NORMAL

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Aspectos Clínicos
DOR ABDOMINAL é a principal manifestação da
pancreatite aguda. Sua gravidade varia de moderada e
desconfortável a severa e incapacitante. A suspeita de
pancreatite aguda é comprovada principalmente pela
presença de elevados níveis plasmáticos de amilase e
lipase, e pela exclusão de outras causas de dor
abdominal. Em 80% dos casos, a pancreatite aguda
é moderada e autolimitante. Os 20% restantes
desenvolvem um quadro severo da doença.

A pancreatite aguda plenamente desenvolvida


constitui uma emergência médica de primeira
magnitude. As pessoas afetadas geralmente
experimentam a repentina e calamitosa instauração de
dor abdominal “cortante”, com defesa abdominal e
a ameaçadora ausência de sons intestinais.
Caracteristicamente, a dor é constante e intensa,
frequentemente refletida na parte superior do
dorso. Ela deve ser diferenciada das dores que têm
outras causas, como úlcera péptica perfurada, cólica
biliar, colecistite aguda com ruptura e oclusão dos
vasos mesentéricos com infarto intestinal.
As manifestações da pancreatite aguda severa são
atribuídas à liberação sistêmica de enzimas

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digestivas e à ativação explosiva da resposta A presença de equimose em flanco esquerdo (sinal
inflamatória. A avaliação clínica inicial pode revelar de Gray-Turner) ou na região periumbilical (sinal de
leucocitose, coagulação intravascular disseminada, Cullen) são indicativos de hemorragia
síndrome da angústia respiratória aguda (devido ao retroperitoneal que pode ocorrer em casos de
dano ao capilar alveolar) e esteatonecrose difusa. O pancreatite grave.
colapso vascular periférico (choque) pode rapidamente
ACHADOS LABORATORIAIS
se seguir como resultado da aumentada
Os principais achados laboratoriais são leucocitose e
permeabilidade microvascular e da consequente hiperglicemia moderada como resultado da resposta
hipovolemia, agravada pela endotoxemia (do colapso inflamatória sistêmica. Há também elevação discreta
das barreiras entre a flora gastrointestinal e a corrente das transaminases. Caso haja elevação significativa de
ALT (acima de 150 UI/l), a etiologia biliar deve ser
sanguínea), e da insuficiência renal causada pela fortemente suspeitada.
necrose tubular aguda.
Os principais exames laboratoriais no diagnóstico
O principal sintoma é dor abdominal, presente em mais
da pancreatite são as dosagens de amilase e lipase
de 95% dos pacientes. Geralmente é aguda, de séricas.
instalação súbita, sem pródromos, localizada na porção
A hiperamilasemia é o marcador clássico da
superior do abdome, com irradiação dorsal e de pancreatite. Apresenta alta sensibilidade, mas é pouco
intensidade moderada a forte, apresentando piora com específica, já que em diversas situações - tais como
insuficiência renal, parotidite, após a realização de
a alimentação ou uso de álcool. Nos casos de etiologia
CPRE, perfuração esofágica e gravidez - pode haver
biliar, a dor tende a ser mais localizada no hipocôndrio aumento de amilase sem a presença de pancreatite.
direito e pode ter início mais gradual, já que se Normalmente, a hiperamilasemia é discreta não
ultrapassando três vezes o valor normal. Mesmo nos
confunde com a cólica biliar. pacientes com pancreatite aguda, a dosagem de
amilase pode estar normal em alguns casos
particulares: diagnóstico tardio, já que os níveis de
A dor é acompanhada, em 90% dos casos, de náuseas
amilase tendem a se normalizar após alguns dias de
e vômitos, que podem ser incoercíveis. evolução; hipertrigliceridemia; e surtos de agudização
de pancreatite crônica em decorrência de insuficiência
do parênquima pancreático cronicamente inflamado.
Os achados do exame físico são proporcionais à
gravidade do quadro de pancreatite. O exame A dosagem da lipase sérica é considerada o exame
laboratorial primário para o diagnóstico de
abdominal mostra dor em hipocôndrio direito e/ou
pancreatite, já que apresenta alta sensibilidade e
epigástrio com defesa muscular, mas raramente com especificidade e se mantém elevado por vários
descompressão dolorosa. Pode haver distensão dias, superando assim a dosagem de amilase como
exame diagnóstico.
abdominal e diminuição da peristalse em decorrência
do íleo adinâmico determinado pelo processo Achados laboratoriais incluem amilase sérica

inflamatório pancreático. Taquicardia e hipotensão notoriamente elevada durante as primeiras 24

variáveis são decorrentes da hipovolemia secundária horas, seguida (entre 72-96 horas) dos crescentes

ao sequestro de líquido. níveis de lipase sérica. A hipocalcemia pode resultar


da precipitação do cálcio em áreas de esteatonecrose;

Alguns achados são específicos de algumas se for persistente, é um sinal de mau prognóstico. O

complicações da pancreatite aguda. Alterações da pâncreas aumentado e inflamado pode ser visualizado

ausculta pulmonar podem ser indicativas do derrame por tomografia computadorizada (TC) ou ressonância

pleural, comumente à esquerda, que pode acompanhar magnética (RM).

os casos de maior gravidade.

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EXAMES RADIOLÓGICOS três ou mais critérios nas 48 h da admissão,
classifica a pancreatite como grave.
A tomografia computadorizada helicoidal é o exame
central na avaliação da pancreatite aguda. Sua Apresenta sensibilidade de 75% a 87%, especificidade
realização está indicada nos casos de apresentações de 68% a 77.5%, VPP entre 28.6% e 49% e VPN entre
graves e nas pancreatites leves que não apresentam 91% e 94.5%
melhora após vários dias de tratamento clínico, já que
Como principais desvantagens temos a necessidade de
permite a confirmação do diagnóstico, diagnóstico de
avaliação por 48 horas e a relativa baixa sensibilidade
complicações como necrose pancreática ou coleções e
e especificidade. Seu principal valor é na exclusão da
avaliação prognóstica.
presença de pancreatite grave, graças ao seu alto valor
preditivo negativo.
Os principais achados tomográficos são aumento do
órgão, borramento da gordura peripancreática. O uso
de contraste venoso permite a identificação de áreas
hipocaptantes no parênquima pancreático que são
sugestivas de necrose.

Outros exames complementares que podem ser


empregados são a colangiorressonância, indicada na
avaliação dos casos em que há icterícia associada ou
suspeita de coledocolitíase não demonstrada por
outros exames ou a ultrassonografia endoscópica que
pode ser empregada nos pacientes com
contraindicação à realização de colangiorresonância e
naqueles em que a ressonância não foi conclusiva.

AVALIAÇÃO DA GRAVIDADE
A determinação da gravidade da pancreatite no
momento do seu diagnóstico é fundamental no seu
tratamento, já que permite a identificação precoce
das complicações, a triagem de pacientes para
tratamento em Terapia Intensiva e baliza decisões
terapêuticas.

Como as dosagens de amilase e lipase séricas têm


baixa correlação com a gravidade da doença e a
avaliação de clínica tem baixa sensibilidade na
identificação das apresentações graves, diversas
outras formas de avaliação mais objetivas foram
desenvolvidas, podendo ser divididas em escores
clínico-laboratoriais, exames laboratoriais e exames
radiológicos.

Os critérios de Ranson (Tab.1) foram o primeiro escore


largamente utilizado na pancreatite aguda. Inicialmente
desenvolvido para avaliação da pancreatite alcoólica,
foi modificado posteriormente para o uso também nos
casos de etiologia biliar.

Assim sendo, os critérios de Ranson foram modificados


em 1982 e atualmente consistem de 11 parâmetros,
cinco dos quais são avaliados na admissão e os
restantes durante as primeiras 48 h. A presença de

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como A, B ou C apresentavam mortalidade mínima.
Posteriormente, foi descrito o CT Severity Index (CTSI),
em que a extensão da necrose eram somados aos
achados iniciais e resultava em um escore numérico
(Tab.2)19. Valores de CTSI superiores a 5 são
considerados sugestivos de pancreatite grave,
apresentando risco 8 vezes maior de morte, 17 vezes
maior de internação prolongada e 10 vezes maior de
necessidade de necrossectomia, quando comparados
a pacientes com CTSI menor ou igual a 5.

Como a presença de necrose pode ocorrer após alguns


dias do início do quadro, o CTSI pode subestimar a
gravidade da pancreatite na apresentação.

A escala de APACHE II é um escore clínico


amplamente utilizado na avaliação de gravidade em Alguns marcadores laboratoriais também podem ser

pacientes críticos. Inclui uma extensa lista de empregados na tentativa de prognosticar os casos de

parâmetros fisiológicos e laboratoriais, pancreatite. Destes, o mais utilizado é a dosagem de

idade, status neurológico e presença de comorbidades. proteína C reativa. Utilizando o valor de corte de

Valores acima de 8 são muito sugestivos de doença 150mg/l, apresenta sensibilidade e especificidade de,

grave. A reavaliação do escore diariamente pode ser aproximadamente, 80% quando dosado após 48h do

utilizada como parâmetro de resposta ao tratamento início do quadro clínico.

clínico18. A principal desvantagem do APACHE II é sua


complexidade e pouca praticidade. Outros marcadores que também podem ser utilizados
são a procalcitonina sérica, interleucina-6, interleucina-

Como a definição de pancreatite aguda grave prevê a 8, fosfolipase A2, peptídio ativador do tripsinogênio

presença de disfunção orgânica, escores utilizados na urinário e elastase leucocitária.

avaliação de falência orgânica também podem ser


utilizados no acompanhamento do tratamento, tais
TRATAMENTO
como o Sequential Organ Failure Assesment Score
(SOFA) e o Multiple Organ Disfunction Score (MODS). A base do tratamento é o suporte clínico e a suspensão
da ingesta oral, já que ainda não há tratamento

Como a presença de necrose pancreática é um dos específico para a pancreatite. Este suporte clínico

fatores prognósticos mais importantes na pancreatite consiste em manutenção da perfusão tecidual através

aguda grave e a TC é considerada como padrão ouro de reposição volêmica vigorosa e manutenção da

no seu diagnóstico, o uso da TC de abdome como saturação de oxigenação, analgesia e suporte

indicador da gravidade da pancreatite foi estudado por nutricional.

Balthazar. Inicialmente, foi descrito o primeiro escore,


conhecido informalmente como escore de Balthazar. A Pacientes com pancreatite aguda geralmente

presença de escores D ou E acarretavam em apresentam hipovolemia importante secundária ao

mortalidade superior a 13%, enquanto os classificados sequestro de líquido, necessitando de hidratação

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volêmica agressiva para melhorar a perfusão tecidual A pancreatite aguda grave (PAG) deve ser tratada,
pancreática e tentar evitar o desenvolvimento de inicialmente, com medidas gerais de suporte já
necrose pancreática e prevenir a evolução para formas descritas, idealmente em unidade de terapia intensiva.
graves. Como não há como antecipar as necessidades
de reposição volêmica, os pacientes devem ser Como a PAG determina um estado catabólico
monitorados continuamente para avaliar a efetividade importante e antecipado um longo período sem ingesta
do tratamento. Os critérios utilizados são o hematócrito, oral, é fundamental o planejamento de suporte
débito urinário, frequência cardíaca, azotemia e turgor nutricional adequado. Classicamente, o suporte
cutâneo. No caso de pacientes com comorbidades nutricional destes pacientes era realizado através de
como insuficiência renal ou cardiopatias, pode ser nutrição parenteral total (NPT). No entanto, estudos
necessária a utilização de monitorização invasiva. prospectivos randomizados demonstraram que
pacientes que receberam dieta enteral através de
Também com o objetivo de manter a oxigenação cateter nasojejunal apresentaram menos complicações
tecidual, todos os pacientes devem ser monitorados infecciosas e menor mortalidade. Tais resultados
através de oximetria de pulso objetivando uma levaram à adoção da dieta enteral como primeira opção
saturação arterial de oxigênio acima de 95%. na PAG nas recomendações de diversas Sociedades
Médicas.
A analgesia também é essencial, sendo classicamente
utilizados opioides parenterais, como a morfina e a Outra área de controvérsia é o uso profilático de
meperidina, sendo ainda controversa qual a melhor antibióticos. Diversos estudos foram desenvolvidos
opção de droga. com resultados conflitantes em relação à eficácia na
prevenção da necrose infectada. Recentemente dois
A utilização de descompressão gástrica através de estudos multicêntricos e duplo-cegos foram realizados
cateter nasogástrico, antes parte integral do tratamento utilizando profilaxia com ciprofloxacino com
inicial da pancreatite aguda, deve ser reservada aos metronidazol em um estudo e meropenem no outro23,
casos de vômitos incoercíveis ou distensão abdominal 24. Ambos não identificaram vantagem no uso
importante secundário ao íleo adinâmico. profilático de antibióticos. No entanto, meta-análise
realizada pela Cochrane Collaboration25 mostrou
A maioria dos pacientes apresenta quadro de vantagem na utilização de antibióticos, com diminuição
pancreatite aguda leve que responde satisfatoriamente da mortalidade, ainda que não tenha havido diminuição
ao tratamento clínico, com resolução dos sintomas e na taxa de necrose pancreática infectada.
normalização dos níveis séricos de amilase e lipase.
Nestes pacientes, é reiniciada a dieta com líquido sem Apesar do tratamento inicial da PAG ser conservador,
resíduos, e evoluída progressivamente para evitar dor em casos particulares de pancreatite biliar pode ser
pós-prandial e recidiva da pancreatite. necessário o emprego precoce de tratamento invasivo.

Nos casos de pancreatite de etiologia biliar, estes Nos casos de PAG associada à coledocolitíase, há
pacientes devem ser submetidos à colecistectomia com controvérsia na indicação precoce de CPRE com
colangiografia videolaparoscópica precoce, logo após a papilotomia e extração de cálculos. Os que defendem
normalização da amilase e melhora dos sintomas. seu uso acreditam que possa prevenir ou tratar possível
colangite ou, ainda, evitar o desenvolvimento de

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falência orgânica. Estas hipóteses foram testadas em programadas, é realizada ressecção do tecido
diversos estudos que mostraram que a CPRE não necrótico, drenagem de exsudato e debris e
levou à diminuição da mortalidade, mas apresentaram relaparotomias a cada dois dias até que a cavidade seja
dados discordantes em relação ao impacto da CPRE considerada saneada e, finalmente, fechada com
na diminuição da morbidade. drenos na loja pancreática.

A principal complicação da PAG é o desenvolvimento Outra técnica utilizada é a necrossectomia com


de infecção nas áreas de necrose pancreática. Ela lavagem peritoneal. Após a necrossectomia, são
ocorre em 10% a 50% dos pacientes com necrose colocados drenos calibrosos na loja pancreática que
pancreática, geralmente após 3 a 4 semanas após o são utilizados para irrigação contínua.
início do quadro clínico. Deve ser suspeitada nos
A terapia de apoio (p. ex., manter a pressão
pacientes com necrose pancreática que não
sanguínea e aliviar a dor) e o descanso do pâncreas
apresentem melhora clínica após três semanas de
pela restrição total de alimentos e líquidos são
tratamento. O diagnóstico é feito através de punção
cruciais no manejo da pancreatite aguda.
com agulha fina (PAF) guiado por TC.
Em 40-60% dos casos de pancreatite aguda
Há inúmeras abordagens descritas para o tratamento necrosante, o debri necrosado torna-se infectado,
da necrose infectada, desde tratamento conservador geralmente por microrganismos gram-negativos do
com antibióticos, tratamento com colocação de drenos trato alimentar, o que complica o transcurso clínico.
percutâneos, até cirurgia minimamente invasiva através
Embora a maioria das pessoas com pancreatite aguda
de cirurgia endoscópica transgástrica e utilização de
acabe se recuperando, cerca de 5% morrem de choque
nefroscópio rígido. No entanto, o tratamento padrão
durante a primeira semana da doença.
ainda é a cirurgia aberta. Há controvérsias quanto ao
momento ideal da intervenção e as técnicas operatórias A síndrome da angústia respiratória aguda e a
empregadas. falência renal aguda são complicações
ameaçadoras. Em pacientes sobreviventes, as

Estudos publicados nos anos 1990 mostraram que o sequelas incluem “abcessos” pancreáticos

adiamento da intervenção cirúrgica levou a quedas estéreis ou infectados ou pseudocistos


expressivas da mortalidade quando comparadas à pancreáticos.

cirurgia precoce (27% versus 65%), o que levou à


recomendação que os pacientes com PAG sejam
submetidos à cirurgia apenas após a 3ª/4ª semanas do
início dos sintomas.

Diversas técnicas foram descritas para o tratamento da


necrose pancreática. Em todas, o objetivo é o controle
do foco infeccioso através da remoção do tecido
necrótico, preservação do tecido pancreático normal e
drenagem do exsudato inflamatório e debris.

Na necrossectomia com tamponamento e relapatomias

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pâncreas por meio de tomografia computadorizada
ou ultrassonografia. Perda de peso e edema
hipoalbuminêmico da má absorção causada por
insuficiência pancreática exócrina também podem
apontar para a doença.

Embora a pancreatite crônica não seja agudamente


uma ameaça à vida, o prognóstico a longo prazo não
é bom, com taxa de mortalidade de 50% ao longo de
20-25 anos. A insuficiência exócrina do pâncreas, a
má absorção crônica e o diabetes melito podem
desenvolver-se.

Em outros pacientes, a dor crônica severa pode


Aspectos Clínicos
dominar o quadro clínico.
A pancreatite crônica se manifesta de diversas formas
distintas. Ela pode anunciar-se por repetidos surtos Os pseudocistos pancreáticos se desenvolvem em
de icterícia transitória, vaga indigestão, dores cerca de 10% dos pacientes. As pessoas com
abdominal e dorsal persistentes ou recorrentes, ou pancreatite hereditária têm 40% de chance de
pode seguir totalmente silenciosa até causar desenvolver câncer pancreático ao longo da vida. O
insuficiência pancreática ou diabetes melito (esta grau em que outras formas de pancreatite crônica
última como consequência da destruição das contribuem para o desenvolvimento do câncer é
ilhotas). incerto.

As crises podem ser desencadeadas por abuso de


álcool, alimentação excessiva (que aumenta a
demanda por secreções pancreáticas), opiáceos ou ou-
tras drogas que aumentam o tônus muscular do
esfíncter de Oddi.

O diagnóstico da pancreatite crônica requer alto


grau de suspeição clínica. Durante uma crise de dor
abdominal, pode haver febre branda e elevação
modesta de amilase sérica. Na doença em estágio
terminal, contudo, a destruição dos ácinos pode ser tão
avançada que as elevações das enzimas fazem-se
ausentes.

A obstrução induzida por cálculos biliares pode


manifestar-se com icterícia ou níveis elevados de
fosfatase alcalina sérica. Um achado muito útil é a
visualização de calcificações no interior do

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