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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA ICTERÍCIA OBSTRUTIVA NA EMERGÊNCIA

Gilda Guerra
Lucas de Medeiros Corbellini
Angélica Maria Lucchese
Plínio Carlos Baú

UNITERMOS
ICTERÍCIA; OBSTRUÇÃO DAS VIAS BILIARES.

KEYWORDS
JAUNDICE; BILIARY OBSTRUCTION.

SUMÁRIO
Neste breve artigo de revisão serão expostos os principais diagnósticos
diferenciais do paciente que se apresenta ictérico no primeiro atendimento na
emergência, abordando a apresentação clínica e aspectos relacionados aos
exames subsidiários utilizados no diagnóstico dessas patologias, com ênfase na
obstrução biliar extra-hepática.

SUMMARY
These brief review article will expose the major differential diagnosis of
patients who present with jaundice in the first emergency care, approaching the
clinical presentation and aspects related to subsidiary tests used in the diagnosis
of these diseases, with emphasis on extrahepatic biliary obstruction.

INTRODUÇÃO
Icterícia é um sinal clínico caracterizado pela coloração amarelada de pele
e mucosas, que ocorre devido ao aumento da bilirrubina no plasma e nos
tecidos, quando seus níveis excedem 5 mg/ dL.4 Dentre seus mecanismos
fisiopatológicos estão o aumento na produção, diminuição na captação e na
conjugação da bilirrubina e/ou diminuição na excreção. A hiperbilirrubinemia
pode ser as custas de bilirrubina direta ou conjugada ou de bilirrubina indireta
ou não conjugada. A hiperbilirrubinemia indireta pode ser causada por
hemólise, medicamentos (ex. Rifampicina), jejum prolongado, infecções e
síndromes genéticas (ex. Síndrome de Gilbert e Crigler-Najjar). A
hiperbilirrubinemia direta pode ser causada por lesão hepatocelular (ex.
hepatites, álcool, drogas, febre amarela, doença de Wilson) ou por colestase,
definida como uma condição patológica onde há uma diminuição na capacidade
do fígado secretar a bile,10 ou um impedimento à chegada da bile no duodeno
secundário à obstrução das vias biliares intra e/ou extra-hepáticas – a chamada
icterícia obstrutiva,9 destacando-se entre as entidades causadoras a
coledocolitíase e suas complicações, a colangite esclerosante, a estenose biliar
pós-operatória, pancreatite crônica, colangiopatia associada ao HIV e parasitos
na via biliar. Algumas neoplasias se apresentam também com icterícia, dentre
elas o colangicarcinoma, as neoplasias periampulares e as de vesícula biliar.1,2 A
colestase prolongada pode levar, ao longo de meses e anos, à cirrose biliar,
sendo o transplante hepático a melhor alternativa terapêutica nesse caso.9

CAUSAS DE HIPERBILIRRUBINEMIA

↑ PRODUÇÃO ↓ CAPTAÇÃO
- Hemólise -Drogas, sepse

↓ CONJUGAÇÃO ↓ EXCREÇÃO
- S. Gilbert -Intra-hepática: Vírus, drogas,
- Neonatal sepse, tóxicos, auto-imune
- Sepse - Extra-hepática: cálculos,
neoplasias, estenoses

Figura 1 – Causas de Hiperbilirrubinemia

Abordaremos agora os principais exames subsidiários e, posteriormente,


em tópicos, as principais patologias causadoras de icterícia obstrutiva.

EXAMES LABORATORIAIS
Bilirrubinas: Na icterícia obstrutiva há aumento da bilirrubina às custas da
fração direta, eleva-se de acordo com o grau de obstrução biliar (valor de
referência: 0 a 0,4 mg/dL. Na obstrução completa, por exemplo, o valor pode
ultrapassar 25-30 mg/dL. Na coledocolitíase, os valores geralmente variam
entre 2-4 mg/dL, e raramente excedem 15 mg/ dL.1,2
Transaminases hepáticas (TGO/ TGP): O seu aumento indica disfunção
hepatocelular, sendo comum o aumento discreto dessas enzimas na obstrução
biliar. Valores superiores a 1000 U/L sugerem fortemente hepatite, embora
possam ser encontradas, raramente, em pacientes com coledocolitíase e
colangite.1,3
Fosfatase Alcalina (FA): Seu aumento é virtualmente patognomônico de
obstrução biliar,4 Como a elevação dessa enzima pode ser encontrada também
em doenças ósseas e na gestação, ela deve preferencialmente ser avaliada
conjuntamente com a Gama Glutamil Transpeptidase (Gama GT) para confirmar
a origem colestática desse aumento . Elevações superiores a 3 vezes o limite
superior da normalidade podem ser vistas na colestase, já lesões
hepatocelulares podem levar a um aumento discreto.10 Seus níveis de referência
variam de 45 a 115 U/L no homem e 30 a 100 U/L na mulher.1
Gama Glutamil Transpeptidase (Gama GT): É um indicador sensível da
presença de lesão hepatocelular ou dos ductos biliares, no entanto é pouco
específica, pois níveis elevados podem ser encontrados em outras patologias
como diabetes, hipertireoidismo e insuficiência renal.10 Níveis aumentados
podem ser encontrados nas doenças hepáticas com colestase intra-hepática,
extra-hepática e do pâncreas; uso de álcool e barbitúricos. A mensuração
concomitante da Gama GT e FA diferencia o aumento da FA de origem hepática
(com elevação sincrônica de Gama Gt e FA) do da FA de origem óssea (Gama GT
normal).3
Tempo de Protrombina (TP): Está prolongado nas lesões hepatocelulares.
A sua correção com administração de vitamina K sugere diminuição da absorção
intestinal de vitaminas lipossolúveis, quadro compatível com obstrução biliar.1

ETIOLOGIA DA ICTERÍCIA OBSTRUTIVA


1-Coledocolitíase: É encontrada em 6 a 12% dos pacientes com
colelitíase.4 Os cálculos de colédoco originam-se predominantemente da
vesícula biliar, após migração pelo ducto cístico, ou podem se formar
diretamente no trato biliar. Como complicações, citamos a colangite e a
pancreatite aguda biliar.3,5 A coledocolitíase primária, entidade menos comum,
geralmente é deflagrada por colestase e infecção biliar devido a patologias que
causam obstrução mecânica do colédoco e, raramente, dilatações congênitas
das vias biliares.
Apresentação clínica: Cálculos na via biliar comum podem ser
assintomáticos ou descobertos incidentalmente, podendo também ser
sintomáticos. Os sintomas predominantes são cólica biliar, icterícia, colúria,
acolia e prurido. A presença de febre e leucograma infeccioso sugere que possa
estar ocorrendo um processo infeccioso associado, chamado colangite,
caracterizado pela Tríade de Charcot: icterícia, febre e dor abdominal.4
Diagnóstico: O aumento da bilirrubina direta tem um valor preditivo
positivo alto (28-50%) para a presença de coledocolitíase. As aminotransferases
e a fosfatase alcalina também encontram-se comumente elevadas. A
ultrassonografia (USG) é o primeiro exame de imagem a ser solicitado, podendo
evidenciar colelitíase e um colédoco com diâmetro aumentado (>5mm). A
colangiografia por ressonância magnética (Colangio RM) tem 95% de
sensibilidade e 98% de especificidade para o diagnóstico, evitando a
necessidade de um exame invasivo como a Colangiopancreatografia
Endoscópica Retrógrada (CPER) em mais de 50% dos pacientes e podendo ser
usada como screening para pacientes com risco baixo a moderado de
coledocolitíase,4 embora seja um exame de elevado custo e esteja pouco
disponível em nosso meio. A CPER é diagnóstica e potencialmente terapêutica,
com taxa de morbidade de menos de 5% em mãos experientes, indicada em
casos de alto risco/ suspeição do diagnóstico ou quando já se tem o diagnóstico,
com a finalidade terapêutica, através de papilotomia endoscópica. A
Ultrassonografia (USG) endoscópica também pode ser utilizada para o
diagnóstico, mas é menos sensível que a CPER.4 Ocasionalmente, o diagnóstico
é confirmado durante a colecistectomia por meio da Colangiografia trans-
operatória.5
2- Colangiocarcinoma: É um tumor raro e com prognóstico ruim, originário
do epitélio dos ductos biliares, que pode surgir em qualquer localização na
árvore biliar.3,5,6 Localizam-se, em 60-80% dos casos, na bifurcação do ducto
hepático comum, sendo chamados então de Tumor de Klatskin.4
Apresentação clínica: Surge tipicamente na sexta década de vida. Inicia
com o surgimento gradual de icterícia e/ou prurido, colúria, acolia, anorexia e
perda ponderal.2,6 A colangite pode ser a manifestação inicial.3,4 O tumor
geralmente não é palpável, porém pode-se palpar um fígado aumentado de
volume. Cirrose, ascite, esplenomegalia e sangramento de varizes esofágicas
denotam um prognóstico sombrio.2,4
Diagnóstico: O nível de bilirrubina usualmente ultrapassa 15mg/ dL, e
ocorre também aumento da fosfatase alcalina.2 O antígeno carcinoembriônico
(CEA) e o CA 19-9 são usados no diagnóstico e no monitoramento pós
tratamento com 89% de sensibilidade e 86% de especificidade quando
associados a outros métodos diagnósticos. A USG e a tomografia
computadorizada (TC) de abdome detectam uma dilatação das vias biliares a
montante da obstrução. A TC é o exame de escolha para o estadiamento
tumoral, avaliando o envolvimento vascular e linfonodal. A CPER e a
colangiografia trans-hepática percutânea (CPT) permitem uma avaliação mais
acurada da extensão da lesão e podem ser usadas para drenagem terapêutica
da árvore biliar. A colangio RNM demonstrou uma eficácia semelhante à CPT e
CPER na avaliação extensão tumoral.6
3- Neoplasias periampulares: Neste grupo incluem-se os tumores de
cabeça de pâncreas, de duodeno, da ampola de Vater e o colangiocarcinoma
distal. O mais comum é o de cabeça do pâncreas (85% dos casos), sendo o
adenocarcinoma ductal o tipo histológico predominante. O pico de incidência é
entre a quinta e sexta décadas de vida.2,7 Abaixo, serão abordados os sintomas e
diagnóstico dessa neoplasia, por ser a mais prevalente.
Apresentação clínica: Aproximadamente 75% dos pacientes se
apresentam com perda de peso, icterícia e dor abdominal, que costuma ser
descrita como surda e acomete 70% dos pacientes, geralmente na transição
epigástrio – mesogástrio ou hipocôndrio direito, podendo irradiar-se para o
dorso. Dor nas costas ocorre em 25% dos pacientes e está associada a um pior
prognóstico.2 Hepatomegalia pode ocorrer em até 50% dos pacientes sem
denotar necessariamente metastatização ou invasão direta. Massa abdominal
palpável, presente em 20% dos pacientes, quase sempre significa
impossibilidade de cura cirúrgica. A palpação da vesícula biliar (sinal de
Curvoisier – Terrier) é característica. Pode ocorrer também tromboflebite
migratória (síndrome de Trousseau).2,5
Diagnóstico: A elevação da bilirrubina e da fosfatase alcalina reflete
obstrução do ducto biliar comum ou metástase hepática. O nível de bilirrubina
atinge uma média de 20 mg/dL.2 As transaminases raramente estão
aumentadas. O CA 19-9 está elevado na maioria dos pacientes, porém
apresenta baixa sensibilidade para lesões pequenas (< 4cm), não servindo para
screening, sendo a sua principal utilidade a avaliação dos resultados do
tratamento e da recorrência da doença.2 Valores acima de 120 U/mL são
preditivos de neoplasia metastática.8 O CEA também pode se encontrar elevado
em 40-50% dos pacientes.5 A TC mostra uma massa pancreática em 95% dos
casos, e em cerca de 90% desses há sinais de extensão extra-pancreática. Há
dilatação do ducto de Wirsung em 70% dos pacientes, e do colédoco em 60%.
São achados sugestivos de irressecabilidade: extensão local do tumor, invasão
de órgãos adjacentes, metástases à distância, envolvimento dos vasos
mesentéricos superiores e veia porta e ascite. Em pacientes com uma história
clínica típica e uma massa pancreática na TC, a CPER é desnecessária, estando
esta indicada na ausência de uma massa na TC.2 Um achado altamente
sugestivo de câncer de cabeça de pâncreas na CPER é a estenose ou obstrução
do ducto pancreático e do colédoco (sinal do duplo-ducto), porém este achado
não é patognomônico.4 A CPER possibilita a biópsia da lesão e a inserção de
endoprótese para desobstrução biliar e paliação da icterícia.7 O papel da CPER é
controverso, e alguns cirurgiões afirmam que a mesma não é útil pois é incapaz
de excluir completamente uma lesão maligna.4 A tomografia com emissão de
pósitron (PET-CT) também é útil para o diagnóstico, quando disponível. A USG
endoscópica não é empregada rotineiramente no diagnóstico e no
estadiamento por apresentar sensibilidade equivalente à CPER e por
superestimar a profundidade da invasão tumoral, podendo levar a um
overstaging.7
CONCLUSÃO
O diagnóstico diferencial das obstruções biliares extra-hepáticas pode se
constituir num desafio para o médico que realiza o primeiro atendimento do
paciente, tendo em vista que podem ocorrer manifestações exuberantes, que
vão além da icterícia, e quadros menos floridos, exigindo do médico suspeição
para conduzir adequadamente a investigação, selecionar os exames subsidiários
mais apropriados e tomar a conduta terapêutica mais adequada para cada
paciente.

REFERÊNCIAS
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12ª ed. New York (NY): Lange Medical; 2006. p. 573- 628.
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