Você está na página 1de 13

Icterícia

Icterícia é a coloração amarelo-alaranjada que pode ser observada nas mucosas conjuntival e sublingual e na pele,
em decorrência da elevação das concentrações séricas de bilirrubina.

FISIOPATOLOGIA
Metabolismo da bilirrubina
A icterícia resulta de distúrbios em uma ou mais etapas do metabolismo da bilirrubina, com elevação das
concentrações de bilirrubina direta e/ou indireta.
● Bilirrubinas são catabólitos potencialmente tóxicos cuja metabolização depende de um mecanismo
fisiológico complexo.
● As bilirrubinas participam da regulação do metabolismo do colesterol, dos níveis de adipocinas e da
expressão de PPAR gama.
● Existem três etapas principais do metabolismo das bilirrubinas: pré-hepática, intra-hepática e
pós-hepática.
Fase pré-hepática
- A bilirrubina provém do heme liberado com a degradação da hemoglobina, proteína que atua no
transporte e no metabolismo do oxigênio das hemácias.
- A produção diária de bilirrubina no adulto é de aproximadamente 4 mg/kg de massa corpórea, 70 a 90%
provenientes da reciclagem de hemácias degradadas em baço e fígado.
- O restante provém de outras fontes, como mioglobina, citocromo P-450, catalase e peroxidase.
- Na periferia, o heme é convertido em biliverdina pela enzima heme-oxigenase; posteriormente,
transforma-se em bilirrubina sob atuação da biliverdina-redutase. Nessa etapa, a bilirrubina está na forma
não conjugada, também denominada forma indireta.
- Cerca de 96% da bilirrubina plasmática está na forma indireta, que, não sendo hidrossolúvel, liga-se à
albumina para chegar ao fígado.

Fase intra-hepática
- No fígado, a bilirrubina indireta é captada por um processo de transporte facilitado e também por difusão.
- No interior do hepatócito, permanece ligada às proteínas da família da glutationa-S-transferase. Sofre,
então, o processo de conjugação com ácido glicurônico pela ação da enzima UGT1A1, que é uma
UDP-glicuronosil-transferase, e converte-se em mono e diglicuronato de bilirrubina, também
denominadas bilirrubina direta.
- A conjugação torna-a hidrossolúvel e, portanto, incapaz de se difundir através de membranas celulares.
- A atividade enzimática total da UGT1A1 deve ser reduzida a menos de 50% do normal para chegar a
produzir hiperbilirrubinemia não conjugada.
- A excreção biliar depende de uma ATPase transportadora de bilirrubina, conjugada através da membrana
do polo biliar do hepatócito, denominada MRP2 (proteína associada à resistência a múltiplas drogas 2) ou
cMOAT (transportador canalicular multiespecífico de ânions orgânicos).

Fase pós-hepática
- Na bile, a fração direta representa 95% das bilirrubinas, 90% constituída por diglicuronato.
- A bilirrubina é conduzida pelos ductos biliar e cístico, atingindo a vesícula, onde pode permanecer
armazenada.
- Pode, também, prosseguir através da ampola de Vater e atingir a luz do duodeno.
- Nos intestinos, parte da bilirrubina é excretada com o bolo fecal; o restante é metabolizado pela flora
intestinal em urobilinogênios e é reabsorvido.
- A maior parte dos urobilinogênios do sangue é filtrada pelos rins e excretada na urina. Apenas uma
pequena fração dos urobilinogênios é reabsorvida nos intestinos e novamente excretada para a bile.

ASPECTOS CLÍNICOS
A icterícia pode ser um achado incidental em um indivíduo assintomático, sem representar risco à saúde de seu
portador, mas também pode sinalizar a coexistência de uma condição grave.
● Embora os pacientes possam apresentar a queixa de “pele amarelada ou alaranjada”, a confirmação de
icterícia se dá mediante achado de escleróticas e mucosas conjuntival e sublingual com tonalidade
amarelada, examinadas à luz do dia ou em ambiente iluminado artificialmente com luz branca.
● A icterícia pode ser descrita de acordo com a extensão de acometimento
Tonalidades da icterícia:
● A icterícia verdínica ocorre relacionada aos processos obstrutivos das vias biliares.
● A icterícia flavínica, de tonalidade amarelo pálido, ocorre nos portadores de anemias hemolíticas.
● A icterícia rubínica resulta da soma da icterícia com um matiz vermelho da pele, podendo ocorrer nas
hepatites virais.
● Níveis mais elevados de bilirrubina conjugada, por tempo prolongado, como ocorre nas colestases
crônicas, podem se apresentar com uma tonalidade mais escura, marrom-alaranjada.
● Na pseudoicterícia, ou carotenemia, a coloração alaranjada da pele ocorre em decorrência de hábito
dietético rico em betacaroteno (p. ex., consumo de cenoura e mamão), ou associada ao mixedema e ao
hipotireoidismo.
● Deve-se diferenciá-la, também, da tonalidade amarelo-palha, característica da insuficiência renal crônica.
Nesses casos, não há impregnação de escleróticas, mucosas, tampouco hiperbilirrubinemia.

● A anamnese precisa esclarecer se a instalação foi abrupta ou insidiosa, se é o primeiro episódio ou


recorrente.
● Os quadros agudos podem ser causados por infecções, sendo necessário avaliar se o paciente está febril,
apresentando dor abdominal e sintomas gripais.
● O clínico precisa esclarecer se a icterícia é acompanhada de prurido, emagrecimento, dor abdominal,
colúria, anemia e ascite.
● Sinais de hipertensão portal, como esplenomegalia, circulação colateral evidente em região umbilical da
parede abdominal, denominada sinal de Cruveilhier-Baumgarten ou “cabeça de medusa”, devem ser
pesquisados.
● Evidências de insuficiência hepática, como telangiectasias do tipo “aranhas vasculares”, ginecomastia,
asterixe, rebaixamento do nível de consciência e equimoses, também podem acompanhar a icterícia.
● Xantelasmas, xantomas e arcos córneos acompanham os distúrbios do metabolismo lipídico da cirrose
biliar primária. Hipocolia ou acolia fecal correspondem à obstrução de vias biliares extra-hepáticas.
● O levantamento minucioso de medicações, drogas, fitoterápicos e compostos químicos utilizados nos
meses que antecederam a instalação da icterícia, com caracterização de doses e frequências, pode ser
elucidativo.
● O paciente deve ser questionado a respeito de consumo de álcool e de tóxicos, bem como contato
profissional ou domiciliar com substâncias químicas potencialmente hepatotóxicas.

História Clínica
➢ Idade: a idade de início do quadro pode auxiliar na determinação da etiologia. Exemplo: hepatite A em
crianças e adolescentes e câncer de vias biliares em pacientes idosos.
➢ Profissão: exposição a infecções virais (hepatites B e C e HIV), como ocorre com médicos, enfermeiros,
dentistas, técnicos de laboratório e estudantes da área de saúde, ou a tóxicos.
➢ Procedência/viagens: o paciente pode proceder, ter residido ou viajado para regiões endêmicas de
esquistossomose, hepatites, febre amarela, leptospirose e outras doenças que cursam com Icterícia.
➢ Raça: negros apresentam maior incidência de anemia falciforme.
➢ Hábitos: uso de bebida alcoólica (quantidade, tipo de bebida, tempo de uso, história de abuso recente). As
hepatites B e C são frequentes em usuários de drogas injetáveis e em homossexuais masculinos.
➢ Antecedentes: transfusões de sangue ou derivados, contacto com ictéricos, história familiar de hepatite,
Icterícia ou anemia, antecedente de cirurgias, particularmente em vias biliares, antecedente de tumores,
tatuagens, tratamento dentário, entre outros.
➢ Pródromos de hepatite: queixas de náusea, anorexia e aversão ao cigarro, precedendo o aparecimento de
Icterícia, sugerem hepatite viral.
➢ Uso de medicamentos e exposição a tóxicos: uso ou exposição crônica, recente ou esporádica. Lembrar de
chás ou medicamentos feitos a partir de plantas ou ervas, pois podem produzir lesão hepatocelular ou
hemólise.

Exame Físico
Para a detecção da Icterícia, é fundamental que o paciente seja examinado em ambiente com luz natural
adequada, uma vez que, com pouca claridade ou com iluminação artificial, sua percepção pode ser prejudicada.
Os locais onde a Icterícia é mais frequentemente percebida são a conjuntiva ocular (em casos mais discretos,
sobrretudo na periferia), a mucosa oral e a pele. Essa distribuição é consequência da afinidade da bilirrubina por
tecido elástico, o que pode explicar ainda a discrepância entre a intensidade da Icterícia e os níveis séricos de
bilirrubina em fases de recuperação de doenças que se acompanham de Icterícia.
➢ Febre: febre baixa, sem calafrios, que pode ocorrer na hepatite aguda viral e na hepatite alcoólica; já a
febre alta com calafrios sugere contaminação bacteriana da bile (colangite) e pode acompanhar-se de
hepatomegalia dolorosa. Em cirróticos, sugere bacteriemia. A febre pode fazer parte de um quadro
infeccioso de qualquer natureza e a Icterícia pode ter a sepse como causa.
➢ Colúria: presença de pigmento biliar na urina indica hiperbilirrubinemia conjugada.
➢ Acolia/hipocolia fecal: deficiência ou obstrução à excreção de bilirrubina para o intestino sugere obstrução
biliar extra-hepática.
➢ Dor abdominal:
● cólica biliar: dor em cólica no hipocôndrio direito ou no quadrante superior direito do abdome
sugere cálculo biliar;
● dor ou desconforto no hipocôndrio direito: ocorre em casos de aumento rápido do volume do
fígado como nas hepatites agudas, nos tumores e na congestão hepática, ou no abscesso
hepático.
● dor pancreática: dor em faixa no andar superior do abdome, acompanhada de vômitos; ocorre em
casos de pancreatites, tumores pancreáticos ou obstrução das vias biliares por cálculo.
➢ Prurido cutâneo: secundário à retenção de sais biliares, pode ser a primeira manifestação de cirrose biliar
primária.
➢ Perda de peso: é comum em doenças hepáticas, principalmente na fase final da doença e nas neoplasias.
➢ Vesícula biliar palpável: sugere obstrução biliar extra-hepática, neoplasia justa-ampolar ou coledocolitíase.
➢ Manifestações de hipertensão portal: circulação colateral portossistêmica, esplenomegalia e ascite.
➢ Manifestações de doença hepática crônica: aranhas vasculares, eritema palmar, diminuição dos pelos,
atrofia testicular, ginecomastia, distúrbios da coagulação (sangramentos), hálito hepático, encefalopatia
hepática.

Exame do fígado:
➔ hepatomegalia dolorosa em hepatites agudas, colangites, tumores, congestão hepática, abscesso hepático
➔ fígado nodular em tumores e cirrose;
➔ fígado diminuído em casos de hepatite grave e de cirrose

➢ Esplenomegalia: pode ser manifestação da síndrome de hipertensão portal, fazer parte do quadro de
hemólise ou acompanhar infecções.
➢ Ascite: pode ser manifestação de hipertensão portal e de carcinomatose peritoneal.
➢ Edema periférico: pode ser manifestação de hipoalbuminemia que acompanha as hepatopatias graves;
nesses casos, o edema é frio, depressível e indolor.
➢ Esteatorreia pode estar presente, muitas vezes associada à perda de peso e à má absorção de cálcio e
vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K); sugere obstrução de vias biliares.
➢ Três achados físicos indicam ingestão de quantidades excessivas de álcool: aumento da parótida,
ginecomastia e contratura de Dupuytren; a ausência destes achados não exclui o diagnóstico.
➢ Manifestações de colestase crônica: a bilirrubina também pode impregnar a urina, o suor, o sêmen e o
leite; em casos de Icterícia intensa, o fluido ocular pode determinar queixas de xantopsia (visão amarelada
dos objetos).
➢ Xantomas, xantelasmas, hiperqueratose e baqueteamento dos dedos podem estar presentes.
➢ Alguns achados sugerem doenças hepáticas especificas: hiperpigmentação (doença biliar crônica ou
hemocromatose); xantomas (encontrado na cirrose biliar primária) e anéis de Kaiser-Fleischer (doença de
Wilson).

ASPECTOS LABORATORIAIS
A concentração total de bilirrubina plasmática do adulto é de 1 a 1,5 mg/dL, conforme a técnica aplicada.
● Em condições fisiológicas, o plasma contém basicamente bilirrubina não conjugada e apenas traços da
conjugada.
● Bilirrubina conjugada plasmática superior a 15% do total, confirmada por detecção de bilirrubinúria, é
sugestiva de que há uma condição patológica que precisa ser identificada.
● Quando a hiperbilirrubinemia direta se prolonga, estabelece-se ligação covalente com albumina, o que
constitui a bilirrubina delta ().
● Deduz-se que há bilirrubina delta quando a hiperbilirrubinemia direta persiste, apesar de se observar
regressão de bilirrubinúria.
● O objetivo de solicitar exames laboratoriais é para definir se a hiperbilirrubinemia é de origem
pré-hepática, hepática ou pós-hepática.

VALOR DE REFERÊNCIA
Adultos:
● Direta: 0,00 a 0,30 mg/dL
● Indireta: 0,20 a 0,80 mg/dL
● Total:0,20 a 1,10 mg/dL

Bilirrubina total - Recém-nascido prematuro:


● 1 dia: 1,00 a 8,00 mg/dL
● 2 dias: 6,00 a 12,00 mg/dL
● 3 - 5 dias: 10,00 a 14,00 mg/dL

Bilirrubina total - Recém-nascido A TERMO:


● 1 dia: 2,00 a 6,00 mg/dL
● 2 dias: 6,00 a 10,00 mg/dL
● 3 - 5 dias: 4,00 a 8,00 mg/dL.

EXAMES COMPLEMENTARES
➔ Para iniciar a investigação é necessário solicitar: hemograma, bilirrubinas totais e frações, aspartato
aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA), Gama-glutamil-transferase
(Gama-GT), tempo de protrombina (TP)
Hemograma
● Presença de anemia; quando houver pancitopenia, pesquisar hiperesplenismo (esferocitose hereditária,
talassemia e anemia hemolítica autoimune).
● Após 7 a 12 dias do início da hemólise, ocorre expansão medular reacional: reticulocitose (de 10 a 80%
das hemácias) e eritroblastose periférica levando a uma macrocitose; policromatofilia; aumento do
número de plaquetas e leucócitos.

Exame de fezes
● Elevação do estercobilinogênio e do urobilinogênio fecal sugerem hemólise.

AST, ALT, TP, TTPA


● Alteração nestes exames sugere hepatopatia.
● A relação entre AST e ALT é um marcador diferencial entre a esteato-hepatite não alcoólica e a doença
hepática alcoólica (AST/ALT < 1 = esteato-hepatite não alcoólica; > 2 = doença hepática alcoólica).
● Na persistência de níveis elevados, solicitar marcadores de autoimunidade (antimúsculo liso, antinúcleo,
anti-LKM 1), perfil férrico e, se necessário, pesquisar mutação no gene HFE (suspeita de hemocromatose),
anticorpos antimitocondriais (cirrose biliar primária), ceruloplasmina e cobre sérico e urinário (doença de
Wilson) e alfa-1-antitripsina (deficiência de alfa-1-antitripsina).

Fosfatase Alcalina e Gama-GT


● Sugerem doença canalicular.
● A elevação da gama-GT colabora para o diagnóstico de abuso de álcool.
● As drogas que mais comumente causam elevações são anti-inflamatórios não hormonais,
anticonvulsivantes e drogas antituberculose.

Sorologias para Hepatites A, B e C


● Devem ser solicitadas para todos os pacientes ictéricos.

Urina I – Urobilinogênio
● Em condições em que há diminuição da excreção de bilirrubina no intestino ou diminuição da flora
intestinal (uso de antibióticos, por exemplo), pode haver diminuição da produção de urobilinogênio.
● Ao contrário, em situações de aumento da produção da bilirrubina, pode haver aumento da síntese de
urobilinogênio e de seus níveis na urina.

Ultrassonografia Abdominal
● É o primeiro exame de imagem a ser solicitado na Icterícia aguda.
● Ele confirma ou exclui obstrução (sensibilidade de 55 a 91% e especificidade de 63 a 96%), identifica sinais
de hepatopatia crônica e lesões expansivas.

Tomografia Computadorizada
● Permite medidas precisas do calibre da árvore biliar (sensibilidade de 63 a 96% e especificidade de 93 a
100%), detecta lesões expansivas menores que 5 mm, mas apresenta o risco do contraste endovenoso.
● Não é tão acurado quanto a ultrassonografia na detecção de coledocolitíase porque apenas os cálculos
calcificados são visualizados.

Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada (CPRE) e Colangiografia Percutânea Trans-hepática (CPT)


● Na presença de obstrução biliar, são os procedimentos de escolha.
● A CPRE permite a visão direta da árvore biliar e do ducto pancreático (sensibilidade de 89 a 98% e
especificidade de 89 a 100%), a realização de biópsias e, na presença de obstrução biliar, permite
manobras de desobstrução (esfincterectomia, extração do cálculo, dilatação, colocação de stent).
● Complicações ocorrem em menos de 3% dos casos (depressão respiratória, aspiração, sangramento,
perfuração, colangite e pancreatite).
● A CPT possui sensibilidade de 98 a 100% e especificidade de 89 a 100%) e é recomendada quando
procedimentos são necessários (dilatação, stent), sendo preferível nas obstruções próximas ao ducto
hepático comum e na presença de anomalias anatômicas que dificultem a CPRE. Necessita da dilatação
dos ductos biliares intra-hepáticos para sua realização e apresenta morbidade 3% e mortalidade 0,2%,
semelhantes à CPRE.

Colangiorressonância
● Pode ser utilizada em pacientes com contraindicação ou insucesso na CPRE e CPT, quando intervenções
terapêuticas não parecem ser necessárias e como primeiro exame em pacientes com anastomose
biliodigestiva prévia ou Billroth II.
Biópsia Hepática
● Pode ser necessária para confirmar a causa e a severidade da doença hepática.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
As icterícias podem ser classificadas como tendo predomínio de bilirrubina indireta (não conjugada) e direta
(conjugada).
● As icterícias por hiperbilirrubinemia indireta são consequência de alterações em nível pré-hepático ou
hepático.
● Já as por hiperbilirrubinemia direta também podem ocorrer por causas hepáticas ou pós-hepáticas.
CAUSAS PRÉ-HEPÁTICAS
Aumento da produção do heme
A hiperbilirrubinemia indireta resulta de um desbalanço entre a massa de bilirrubina produzida a partir do heme e
seu ritmo de conjugação em nível hepático.
● A medula é o órgão com a maior capacidade vicariante do corpo humano.
● Em situações de estresse, a eritropoiese (e, por conseguinte, a produção de bilirrubina indireta) pode
aumentar em até 10 vezes, mas a excreção de bilirrubina encontra limitações na capacidade hepática de
conjugação.
● A icterícia é considerada pré-hepática quando o distúrbio antecede a entrada da bilirrubina indireta no
hepatócito, como nos pacientes com aumento da produção do heme, hemólise, reabsorção de grandes
hematomas ou transfusões sanguíneas rápidas.
● Anemias megaloblásticas por deficiência de ácido fólico ou de vitamina B12, sideroblástica e ferropriva
grave, porfiria eritropoiética congênita, eritroleucemia, shunt primário (ainda pouco conhecido defeito da
incorporação da hemoglobina ao eritrócito), envenenamento por chumbo, doenças mieloproliferativas ou
mielodisplásicas são exemplos de condições em que a eritropoiese defeituosa promove maior
disponibilidade de heme e, consequentemente, hiperbilirrubinemia indireta.
● As anemias hemolíticas costumam apresentar hiperbilirrubinemias discretas, de cerca de 5 mg/dL, muitas
vezes sem manifestação clínica de icterícia.

Diminuição da captação de bilirrubina pelo hepatócito


● O fígado pode ter sua capacidade de captar bilirrubina inibida pelo efeito competitivo de medicamentos
como rifampicina, ácido flavaspídico, novobiocina e contrastes colecistográficos.
● Esse efeito desaparece em até 48 horas após a interrupção da medicação.

CAUSAS INTRA-HEPÁTICAS
Diminuição da capacidade de conjugação da bilirrubina
● A icterícia neonatal é comum, sendo considerada fisiológica quando ocorre entre o 2° e 5° dia após o
nascimento. Geralmente, os níveis séricos de bilirrubina total não excedem 10 mg/dL, e normalizam-se
dentro de duas semanas. Decorre dos baixos níveis de UGT1A1, em virtude da imaturidade hepática do
neonato, mais acentuada nos bebês prematuros e com hemólise.
● Outras condições neonatais em que há inibição da UGT1A1 são a icterícia do leite materno, secundária ao
esteroide gestacional 3a,20b-pregnanediol e ácidos graxos do leite materno, e a hiperbilirrubinemia
neonatal familiar transitória (ou síndrome de Lucey-Driscoll), causada por um inibidor presente no soro
materno.
● A icterícia neonatal ganha importância clínica quando os níveis de bilirrubinemia indireta elevam-se
significativamente. A partir de 20 mg/dL, a impregnação da bilirrubina lipossolúvel no cérebro pode
ocasionar alterações neurológicas; em seu estágio mais grave, a encefalopatia bilirrubínica (kernicterus),
os danos são irreversíveis ou letais.
● Também se consideram os fatores de risco de base, como deficiência de G6PD, sepse, incompatibilidade
materno-fetal ABO Rh e a exposição a mentol.
● As síndromes de Gilbert e de Crigler-Najjar tipos 1 e 2 são formas hereditárias de icterícia por bilirrubina
indireta, que resultam de diferentes mutações no gene UGT1A1.
● Os portadores da síndrome de Gilbert preservam de 10 a 33% de atividade da enzima; na síndrome de
Crigler-Najjar do tipo 2, o funcionamento está limitado a 10%; já na tipo 1, a enzima é nula.
● A síndrome de Gilbert apresenta prevalência de 7 a 12% em populações de origem europeia.
Caracteristicamente, os níveis de hiperbilirrubinemia são reduzidos, não ultrapassam 3 a 4 mg/dL, mas se
elevam em situações de estresse como jejum prolongado, infecções intercorrentes e uso de drogas de
metabolização hepática. Não há alteração das demais provas hepáticas, e a administração de fenobarbital
pode normalizar os níveis de bilirrubina. Embora seja condição benigna, que não requer tratamento, os
clínicos devem ser prudentes na prescrição de medicações cuja metabolização depende de glicuronidação.
● Na síndrome de Crigler-Najjar do tipo 1, a icterícia à custa de hiperbilirrubinemia indireta já surge no
período neonatal, situa-se em níveis entre 18 e 45 mg/ dL e não é responsiva ao fenobarbital. No passado,
era condição de elevada letalidade por kernicterus ainda na infância. No tipo 2, a icterícia é mais branda,
com bilirrubinemias entre 6 e 25 mg/dL, que se reduzem em até 75% com a administração de
fenobarbital. Entretanto, em situações de jejum prolongado ou doença intercorrente, o clínico deve estar
atento ao risco de kernicterus, independentemente da idade do paciente.
● Das causas secundárias, destacam-se a inibição parcial da UGT1A1 por medicamentos, como
pregnanediol, novobiocina, cloranfenicol, gentamicina, inibidores da protease do HIV, benzoato de
estradiol e rifampicina. Na prescrição de tais drogas, os médicos devem atentar aos portadores de
síndrome de Gilbert, que estão mais suscetíveis à hiperbilirrubinemia acentuada nessas condições.

Diminuição da capacidade de excreção da bile conjugada


● As síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor caracterizam-se pela icterícia com predomínio de bilirrubina
conjugada ou mista. São condições benignas, cursam sem alterações das provas de função hepática, sem
colestase, e não requerem tratamento específico.
● A síndrome de Dubin-Johnson decorre de mutações no gene MPR2/cMOAT que codifica o transportador
canalicular de ânions orgânicos dependente de ATP. Os portadores dessa síndrome podem eventualmente
apresentar hepatoesplenomegalia. O fígado apresenta-se enegrecido, e a pigmentação centrolobular é
escura e espessa, mas a biópsia hepática não é essencial para o diagnóstico. Os níveis de
hiperbilirrubinemia mantêm-se de 2 a 5 mg/dL, mas podem atingir até 25 mg/dL; há particular
sensibilidade ao estímulo com estrógenos, que, portanto, devem ser evitados.
● A síndrome de Rotor também se caracteriza por hiperbilirrubinemia predominantemente conjugada ou
mista. Geralmente, as bilirrubinas totais séricas estão em torno de 3 a 7 mg/dL, mas níveis de até 20
mg/dL são compatíveis. O defeito molecular da síndrome de Rotor continua desconhecido; acredita-se
que esteja situado em nível pré-canalicular, porque é o processo de secreção ou armazenamento hepático
da bilirrubina conjugada que está prejudicado.

Doenças hepatocelulares
● As hepatopatias por vírus, álcool, medicamentos e autoimunidade podem causar icterícia.
● A inflamação lobular lesa o sistema de transporte das bilirrubinas conjugadas, bem como libera as
bilirrubinas armazenadas no interior do hepatócito.
● Paralelamente, ocorrem alterações das aminotransferases, das enzimas canaliculares e das provas de
função hepática.
● Diante do prejuízo da função hepatocitária, há redução na capacidade de conjugação da bilirrubina
indireta. A icterícia, nesses casos, tende ao padrão misto.

Colestases intra-hepáticas
● A colestase intra-hepática recorrente benigna (BRIC) é condição rara, benigna, de herança autossômica
recessiva, relacionada ao gene FIC1. As crises recorrentes de desconforto, prurido e icterícia podem se
iniciar na infância ou na vida adulta. A duração das crises varia de semanas a meses, assim como os
intervalos entre as crises podem ser de meses a anos.
● Já a colestase intra-hepática familiar progressiva (PFIC) também está relacionada a mutações no mesmo
gene FIC1, mas se manifesta com colestase durante a fase de lactação e evolui com gravidade ainda na
infância.
● A hiperbilirrubinemia conjugada nessas síndromes decorre de insuficiência generalizada da secreção biliar.
● Duas condições de natureza autoimune que provocam intensa colestase e icterícia nos estágios mais
avançados de evolução, devendo ser lembradas, são a cirrose biliar primária e a colangite esclerosante
primária.
● As medicações que classicamente provocam colestase são acetaminofeno, penicilinas, anticoncepcionais
orais, clorpromazina, estrógenos e esteroides anabolizantes.
● Devem ser mencionadas as infecções parasitárias, como por Clonorchis sinensis e Fasciola hepatica, cujos
ovos depositados em vias biliares menores podem provocar colestase intra-hepática.
● Icterícia por obstrução das vias biliares intra-hepáticas também pode decorrer de infiltração hepática por
amiloidose, linfoma, sarcoidose e tuberculose.
CAUSAS PÓS-HEPÁTICAS
Nas obstruções das vias biliares, a hiperbilirrubinemia é mista. As bilirrubinas podem sofrer glicuronidação reversa
e difusão ou transporte de volta para o plasma por meio de uma ATPase MRP.
● Elevados níveis de bilirrubina direta e fosfatase alcalina sugerem (mas não definem) obstrução do fluxo
biliar. O diagnóstico diferencial das obstruções de vias biliares depende da idade do paciente.
○ Adultos →colelitíase, tumores intrínsecos e extrínsecos, colangite esclerosante primária,
infecções parasitárias, linfoma, colangiopatia da aids, pancreatite aguda e crônica e estenoses
pós-cirúrgicas.
○ Crianças → cistos coledocianos e colelitíases são mais frequentes, e também podem ocorrer
compressões extrínsecas por tumores.
■ Neoplasias de vesícula e de vias biliares → causam icterícia e prurido intensos.
- O adenocarcinoma de vesícula biliar ocorre associado à hepatomegalia e, ao sinal de Courvoisier,
verifica-se massa palpável em quadrante superior direito do abdome.
- O colangiocarcinoma tipicamente se apresenta com emagrecimento e dor abdominal. O sinal de Mirizzi
corresponde à vesícula biliar dilatada, secundária à impactação de cálculo em colédoco.
■ Colelitíase associada a baixos níveis de fosfolípides (LPAC) → é causa de icterícia em adultos jovens.
■ Ascaris lumbricoides → podem migrar do intestino para os ductos biliares e obstruir o fluxo biliar.
■ Pancreatite aguda, ou na forma crônica exacerbada → a icterícia decorre de compressão extrínseca da via biliar
por edema e/ou pela formação de pseudocistos volumosos.
- Neoplasias pancreáticas também podem comprimir a via biliar comum, impedindo a drenagem da bile
para os intestinos.

SITUAÇÕES ESPECIAIS
Icterícia no cirrótico
A icterícia no paciente cirrótico decorre de alterações em diversas etapas do metabolismo da bilirrubina.
● Há perda de capacidade de transporte das bilirrubinas conjugadas, bem como liberação das bilirrubinas
hepatocitárias para a circulação pela agressão aos hepatócitos, em razão da hepatopatia crônica de base.
● Além disso, parte das bilirrubinas oriundas do baço é desviada do fígado pelas vias colaterais
portossistêmicas. Mesmo quando seguem o fluxo para o interior do fígado, deparam com um sistema
sinusoidal capilarizado, isto é, empobrecido de fenestras, e, assim, com menores chances de adentrarem
os hepatócitos.
● Como agravantes, a esplenomegalia pela hipertensão portal incrementa a hemocatérese, e a redução
volumétrica de parênquima hepático diminui a capacidade de o indivíduo conjugar a bilirrubina.

Icterícia pós-cirúrgica
● Diversos fatores podem provocar a icterícia nos dias que se sucedem a uma cirurgia, como reabsorção de
hematomas volumosos, degradação pós-transfusional de hemácias, lesão hepática transitória por hipóxia
intraoperatória, bacteremia e endotoxemia.
● Caracteristicamente, as enzimas canaliculares elevam-se várias vezes acima do limite da normalidade, ao
passo que as aminotransferases revelam mínima ou nenhuma alteração.
● A função hepática permanece preservada, e a icterícia regride, conforme melhora a condição do paciente.

Icterícia por nutrição parenteral total


● Nutrição parenteral total (NPT) prolongada também pode estar associada à icterícia colestática,
geralmente de 2 a 3 semanas após o início do tratamento. Os neonatos são mais suscetíveis.
● Diversos fatores podem contribuir para esse processo, a saber, a doença de base, condições hepáticas
preexistentes, medicações concomitantes, supercrescimento bacteriano em intestino delgado com
liberação de endotoxinas para o sistema portal, septicemia bacteriana e produção de ácidos biliares
secundários tóxicos, além de formação de barro biliar após a sexta semana de NPT.

Icterícia na gravidez
● As gestantes com hiperêmese podem manifestar elevação modesta e autolimitada das aminotransferases
e de bilirrubinas no primeiro trimestre.
● A colestase intra-hepática da gravidez ocorre durante o segundo e o terceiro trimestres e desaparece
espontaneamente após o parto.
● A síndrome HELLP (hemólise, elevação de aminotransferases e plaquetopenia) está associada à
pré-eclâmpsia no terceiro trimestre.
● A esteatose hepática aguda pode se apresentar como um quadro de insuficiência hepática fulminante ou
subfulminante, exigindo a interrupção da gestação, frequentemente associada a erros inatos do
metabolismo dos ácidos graxos do feto.

Icterícia neonatal e em lactentes


● Diagnósticos diferenciais das icterícias: atresia de vias biliares, cistos coledocianos, síndrome de Alagille,
fibrose cística, deficiência de alfa-1-antitripsina e erros inatos do metabolismo de carboidratos, lípides ou
ácidos biliares.
● No Brasil, também se destacam as causas infecciosas, que incluem: sífilis, malária, rubéola, toxoplasmose
e tripanossomíase (doença de Chagas) congênitas.

Icterícia aguda febril


● Icterícia acompanhada de febre são manifestações clínicas relativamente frequentes em infecções.
● Das etiologias mais frequentes, a dengue na forma de febre hemorrágica, malária, febre amarela,
hepatites agudas A-E, leptospirose e febre tifoide devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. Mais
recentemente, outras etiologias também devem ser consideradas, de acordo com a região de procedência
do paciente, por exemplo febre chikungunya e Ebola.
● O vírus da dengue não é hepatotrópico, porém, o envolvimento hepático caracteriza os quadros mais
graves, sendo a icterícia um marcador de prognóstico desfavorável. A agressão hepática na dengue ocorre
por ação citopática direta, resposta imune e também como efeito dos distúrbios de perfusão no choque
hemodinâmico. A icterícia também pode ser desencadeada pela utilização de ácido acetil salicílico nos
pacientes com febre.
● Já na malária, outra condição endêmica no Brasil, a icterícia é ainda menos frequente. Quando ocorre, é
secundária à hemólise intravascular, isto é, a icterícia da malária caracteriza-se, basicamente, pelo
predomínio de hiperbilirrubinemia indireta.

Icterícia no paciente com aids


● Estabelecer a etiologia da icterícia no paciente com aids é particularmente complexo, pois o leque
diagnóstico que se abre é muito amplo.
● Além dos vírus das hepatites B e C, há os vírus Herpes simplex, Epstein-Barr, Mycobacterium tuberculosis,
micobacterioses atípicas, infecções fúngicas por Cryptococcus neoformans, Histoplasma capsulatum,
Candida albicans, Coccidioides immitis, outros agentes oportunistas como Pneumocystis carinii, além de
infiltrações tumorais por linfoma, sarcoma de Kaposi e outras doenças induzidas por medicações.
● A colangiopatia da aids pode ser causada por Cryptosporidium sp., Cytomegalovirus ou pelo próprio vírus
HIV.
● Os achados de colangiografia revelam padrão similar ao da colangite esclerosante primária.
PRELEÇÃO
TGO + TGP
● Geralmente aumentos > 5x
● Valores > 1000 → hepatite viral (A,B,C); hepatite isquêmica e intoxicação por paracetamol.
● TGO > 2x TGP → Álcool/cirrose
● Sorologias → hepática??

Remédios lesão hepática


- Amoxi + clavulanato
- Flucloxacilina
- Eritromicina
- Diclofenaco
- Cotrimoxazol
- Isoniazida
- Dissulfiram
- Ibuprofeno
- Nitrofurantoina
- Ceftriaxona, rifampicina e ribavirina

Lesão colestática
- FA + Gama GT
- Geralmente aumento > 5x
- Valores flutuantes? Progressivos?
- Etiologia?
- US abdome
- Se US negativo → pensar em CEB, CEP e remédios

Você também pode gostar