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Thais Alves Fagundes

ICTERÍCIA
ICTERÍCIA NEONATAL
Hiperbilirrubinemia: concentração sérica acima de 2 mg/dL.

 Praticamente todos os recém-nascidos serão hiperbilirrubinêmicos em sua primeira semana de vida.

Hiperbilirrubinemia detectada por icterícia: concentração superior a 4 a 5 mg/dL.

METABOLISMO DA BILIRRUBINA
Produção:

 Resulta do catabolismo de proteínas heme:


o Hemoglobina, principalmente.
o Mioglobina e enzimas (citocromos, catalases e triptofano pirrolase).
 Proteína heme é catabolizada pela hemeoxigenase microssomial, originando a biliverdina.
 Biliverdina é reduzida pela biliverdina redutase, originando a bilirrubina.

Transporte plasmático:

 Bilirrubina lançada na circulação, na forma não conjugada ou “indireta”.


 Liga-se à albumina, sendo por ela transportada.

Captação hepática:

 Fígado remove a bilirrubina indireta do plasma.


 Bilirrubina dentro do hepatócito se liga novamente a proteínas carreadoras.
o Principalmente a proteína Y (ligandina) e, em menor escala, com a proteína Z.

Conjugação:

 Para ser excretada, a bilirrubina indireta/não conjugada é transformada em bilirrubina direta/conjugada,


que é mais solúvel.
 Conjugação da bilirrubina com o acido glucurônico.
 Dá origem a bilirrubina conjugada ou direta, que na verdade é um diglicuronídio de bilirrubina.
 Biotransformação é catalisada por duas enzimas:
o Glicuroniltransferase: catalisa a conjugação da bilirrubina para monoglicuronídio de bilirrubina.
o Transferase associada à membrana (MGt): catalisa a reação de dois moles de monoglicuronídeo de
bilirrubina, dando origem a um mol de diglicuronídio de bilirrubina e a um de bilirrubina não
conjugada, que volta ao retículo endoplasmático para nova conjugação.

Excreção:

 Após a conjugação a bilirrubina é excretada na rede biliar e desta para a luz do trato gastrintestinal.
 No intestino, a maior parte da bilirrubina é transformada em estercobilina, por ação de bactérias intestinais,
e excretada nas fezes.

Circulação êntero-hepática:

 Reduzida parte da bilirrubina conjugada presente no intestino pode, em vez de se transformar em


estercobilina, ser desconjugada pela ação de uma enzima (beta-glicuronidase).
Thais Alves Fagundes

 Bilirrubina desconjugada/indireta será reabsorvida através da mucosa intestinal e, por meio da circulação
porta, retornar ao fígado, reiniciando o processo metabólico.
 Esse ciclo chama-se circulação êntero-hepática da bilirrubina.

ICTERÍCIA “FISIOLÓGICA” DO RECÉM-NASCIDO


Produção diária de bilirrubina no recém-nascido (6 a 8 mg/kg) é duas vezes mais do que na criança maior e no
adulto, pelas seguintes razões:

 Aumento relativo de eritrócitos circulantes.


 Vida média curta das hemácias fetais (70 a 90 dias) em comparação com a do adulto (120).
 Bilirrubina de pico precoce - eritropoese ineficaz:
o Alta proporção (20 a 25%), comparado ao adulto (15 a 18%), de bilirrubina formada de heme não
eritropoiéticos ou da destruição de hemácias deficientes ou metabolicamente mal estruturadas,
reconhecida como eritropoese ineficaz.
o Essa bilirrubina, por aparecer mais precocemente do que aquela oriunda da destruição normal dos
eritrócitos circulantes, é chamada de bilirrubina de pico precoce.
 Capacidade de ligação da bilirrubina com a albumina está diminuída em recém-nascidos, resultando em
maiores proporções de bilirrubina livre.
 Deficiência de ligandina em fígados de neonatos e recém-nascidos.
 Fatores que interferem na conjugação da bilirrubina:
o Baixa atividade da glicuroniltransferase por restrição calórica e proteica
o Menos glicuronização, por baixas taxas de glicose e altas taxas de estrógenos.
 Fígado, que até então recebia sangue altamente oxigenado da veia umbilical, passa a funcionar sob regime
de hipóxia e hipovolemia relativa após a ligadura do cordão, passando a receber o seu maior suprimento de
sangue, menos oxigenado, da veia porta.
 Perfusão não uniforme dos lobos hepáticos e dos espaços de Disse, tanto pela fuga de sangue para a
circulação sistêmica pelo ducto venoso quanto pela grande quantidade de tecido hematopoiético
extramedular existente no fígado.
 Maior reabsorção intestinal de bilirrubina:
o Enquanto o crescimento da flora bacteriana na luz intestinal do recém-nascido não se estabelece, há
relativo aumento da atividade da beta-glucoronidase, levando à hidrólise da bilirrubina, com
formação de bilirrubina indireta que será reabsorvida na mucosa intestinal, retornando à circulação
sistêmica (circulação êntero-hepática).

Em resumo, a icterícia “fisiológica” é uma circunstância normal encontrada na primeira semana de vida decorrente
de um conjunto de fatores que leva ao:

1. Aumento da produção de bilirrubina


2. Dificuldade de captação e conjugação hepática
3. Aumento da circulação êntero-hepática, resultando em aumento de bilirrubina não conjugada/indireta.

OBS.: sugere-se o termo “icterícia própria do recém -nascido”fisiológico entre aspas, pois o mecanismo do acúmulo
de bilirrubina é considerado normal para o período neonatal e seu achado é comum nessa faixa etária, mas, em
algumas circunstâncias especiais, principalmente em recém-nascidos prematuros, necessitará de medidas
terapêuticas para evitar danos mais sérios, como a impregnação do sistema nervoso central (encefalopatia
bilirrubínica ou kernicterus).
Thais Alves Fagundes

ICTERÍCIA NÃO FISIOLÓGICA


 Presença de fator etiopatogênico que esteja originando ou agravando o quadro clínico.
 Quase todas as icterícias não fisiológicas acontecem devido à exacerbação dos mesmos mecanismos
causadores da icterícia “fisiológica”, podendo ser divididas em cinco grupos principais:
o Distúrbios da produção
o Distúrbios da captação
o Distúrbios da conjugação
o Distúrbios da excreção
o Alteração da circulação êntero-hepática.
o Icterícia mista: aumenta a bilirrubina direta e indireta.
 Icterícia obstrutiva por defeito de excreção pode levar ao aumento da hemólise por lesão de
hemácias no fígado.
 Quadro infeccioso: aumentam a produção a partir de hemólise, diminuem a excreção,
alterando enzimas responsáveis pela conjugação e por lesão direta dos hepatócitos.

ICTERÍCIA NÃO “FISIOLÓGICA” – COM AUMENTO DA BILIRRUBINA INDIRETA


 Icterícia se inicia antes de 24 horas de vida.
 Frequentemente se deve à doença hemolítica.
 Incompatibilidades sanguíneas materno-fetais, nos sistemas ABO e Rh, são as causas mais frequentes.

Causas: metabolização e reciclagem de sangue sequestrado em hematomas, equimoses ou hemorragias. Aumento


da massa eritrocitária (policitemia) nos casos de retardo na ligadura do cordão umbilical, transfusões materno-fetais
e recém-nascidos grandes para a idade gestacional, filhos de mães diabéticas.

Icterícia do aleitamento materno (precoce): devida à privação calórica e hídrica associada à perda de peso
aumentada (mais de 10% do peso ao nascimento) durante os primeiros dias de vida

 Se a criança está desidratada ou tiver perdido mais de 10% do peso ao nascimento, pode haver
hemoconcentração, levando à falsa interpretação dos valores de bilirrubina.
 Deve-se aumentar a ingesta de leite materno ou hidratar o recém-nascido (hidratação rotineira em crianças
não desidratadas não está indicada).

Icterícia do leite materno (tardia): de início mais tardio, de quatro a sete dias, chamada de icterícia associada ao
leite humano ou icterícia do leite materno.

 Etiologia ainda controversa.


 Relação com concentrações séricas aumentadas de algumas substâncias que inibiriam a captação de
bilirrubina pelas proteínas Y e Z e a ação da glicuroniltransferase.
 Aumento da reabsorção intestinal de bilirrubina (circulação êntero-hepática).
Thais Alves Fagundes

ICTERÍCIA NÃO “FISIOLÓGICA” – COM AUMENTO DA BILIRRUBINA DIRETA


 Icterícia neonatal associada a aumento da bilirrubina direta é sempre patogênica.
 Indicando defeito ou insuficiência na secreção da bile ou do fluxo biliar ou em ambos.
 Na icterícia neonatal precoce e prolongada ou de aparecimento tardio, um sinal indica colestase:
o Descoloração das fezes.

Causas: infecções (ação direta sobre os hepatócitos, seja por reação tóxica- hepatite tóxica); Se o aumento da
bilirrubina aparece após o início da alimentação enteral, pode estar associada a doenças metabólicas como a
galactosemia; Atresia de vias biliares, hepatite neonatal idiopática e deficiência de al-antitripsina.

QUADRO CLÍNICO
 Icterícia geralmente fica visível em progressão cefalocaudal.
 Com início na face e tórax no segundo ou terceiro dia de vida.
 À medida que fica mais intensa, pode ser notada também no abdome e depois nos membros.

Zonas de Kraemer: permite estimar os níveis de bilirrubina séricos.

 Icterícia por deposição da bilirrubina indireta tende a apresentar um aspecto amarelo vivo ou alaranjado.
 Icterícia por deposição de bilirrubina direta tem um tom esverdeado ou amarelo acastanhado e opaco.

ABORDAGEM PRÁTICA DO RECÉM-NASCIDO ICTÉRICO

DIAGNÓSTICO CLÍNICO
Não será necessário realizar exames laboratoriais:

 Icterícia leve, atingindo apenas face e porção superior do tronco.


 Com início entre 24 e 72 horas de vida.
 Com duração de menos de duas semanas.
 Sem sinais clínicos significativos.
 Criança cuja mãe não possua fatores de risco para hiperbilirrubinemia neonatal, incluindo fator Rh negativo.
Thais Alves Fagundes

AVALIAÇÃO LABORATORIAL
Avaliação laboratorial se torna necessária em caso de fatores de risco:

 Mãe Rh negativo.
 Início da icterícia antes de 24 ou depois de 72 horas de vida.
 Duração maior que duas a três semanas.
 Icterícia moderada ou intensa, em qualquer idade.
 História familiar de hiperbilirrubinemia neonatal.
 Sinais clínicos sugestivos de doença subjacente.

Exames laboratoriais solicitados de rotina:

 Da mãe:
o Determinação do grupo sanguíneo e fator Rh
o Teste de Coombs indireto ou pesquisa de anticorpos irregulares (PAI) - caso não tenham sido
realizados no pré-natal ou pós-parto imediato.
 Do recém-nascido:
o Determinação do grupo sanguíneo e fator Rh.
o Teste de Coombs direto.
o Determinação seriada dos níveis de bilirrubina total e direta.
o Hemograma com determinação da hemoglobina, hematócrito, reticulócitos, morfologia das
hemácias e leucócitos totais com contagem diferencial.

CRITÉRIOS QUE INDICAM ICTERÍCIA NÃO “FISIOLÓGICA”


Ausência desses critérios sugere, mas não afirma, que a icterícia é fisiológica. A presença de qualquer um deles
indica que a icterícia deve ser investigada, à procura de um fator causal ou de sobrecarga.

 Icterícia diagnosticada nas primeiras 24 horas de vida.


 Aumento da concentração sérica de bilirrubinas totais acima de 5 mg/dL por dia.
 Concentração sérica de bilirrubina total acima de 13 mg/dL nos quatro primeiros dias de vida em recém-
nascidos a termo e superior a 15 mg/dL em recém-nascidos pré-termos.
 Concentração sérica de bilirrubina direta superior a 2 mg/dL.
 Icterícia prolonga-se por mais de uma semana em recém-nascido a termo ou duas semanas em recém-
nascidos pré-termo.
Thais Alves Fagundes

FATORES DE RISCO
 Baixa idade gestacional, baixa idade pós-natal, hemólise exagerada (doença hemolítica Rh ou ABO,
deficiência de G-6-PD), acidose, imaturidade, drogas (competição pelos sítios de ligação, inibição da
glicoproteína P), aumento do fluxo sanguíneo cerebral, infecção e outras doenças perinatais.

TRATAMENTO

EXSANGUINEOTRANSFUSÃO
 Remove o excesso de bilirrubina, prevenindo seus efeitos tóxicos.
 Retira anticorpos (imunoglobulinas)  incompatibilidade Rh.
 Corrige anemia.
o Procedimento relativamente seguro.
o Pode ser complicada por arritmias, tromboses, trombocitopenia, enterocolite necrosante, infecção
e, inclusive, morte durante ou após o procedimento.
o Realização tem sido cada vez menos frequente.

Indicação de exsanguineotransfusão (considerando idade pós-natal, bilirrubina total e fatores de risco):

FOTOTERAPIA
 Mecanismo pelo qual a bilirrubina sofre transformações, tornando-se mais hidrossolúvel e sendo eliminada
do organismo sem necessidade de conjugação hepática.

Indicação de fototerapia (considerando causa, idade pós-natal, bilirrubina total e fatores de risco):
Thais Alves Fagundes

CUIDADOS COM A ICTERÍCIA PELO LEITE MATERNO


 Deve-se ou não suspender temporariamente o aleitamento para evitar o aumento da bilirrubina.
 Se o recém-nascido está bem e os níveis de bilirrubinas estão abaixo daqueles considerados de risco, o
aleitamento não deve ser interrompido.
 Se a concentração de bilirrubina continua subindo e atingindo níveis de risco, devem-se pesquisar outras
causas associadas e instituir o tratamento com fototerapia ou exsanguineotransfusão, conforme o caso.
 Se excluídas outras etiologias e os níveis de bilirrubina persistem altos, pode-se, em casos bem selecionados,
fazer um a prova terapêutica com suspensão por 72 horas do aleitamento materno.
o Nesses casos, haverá queda brusca dos níveis de bilirrubinas confirmando a hipótese de icterícia
pelo leite materno.
 Reintrodução do aleitamento, após esse curto período, pode elevar um pouco os níveis de bilirrubina, mas
raramente atingindo novamente níveis de risco.

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