Você está na página 1de 6

ICTERÍCIA FISIOLÓGICA E PATOLÓGICA NO RECÉM-NASCIDO (CUIDADOS NA FOTOTERAPIA).

Introdução
A icterícia é um achado comum no período neonatal e corresponde à expressão clínica da
hiperbilirrubinemia. Na maioria das vezes é benigna, mas em virtude do potencial de
toxicidade da bilirrubina em concentrações elevadas, os recém-nascidos (RN) devem ser
monitorados a fim de prevenir o quadro de encefalopatia bilirrubínica ou kernicterus.

O aumento sérico de bilirrubinas totais (BT) pode ocorrer em decorrência da elevação de


bilirrubina indireta (BI) ou direta (BD). Na prática, 98% dos RN apresentam níveis séricos
aumentados de BI na primeira semana de vida, decorrente da adaptação neonatal ao
metabolismo da bilirrubina (hiperbilirrubinemia fisiológica) ou de um processo patológico.

A icterícia é um dos sinais clínicos mais comuns observados nos recém-nascidos (RNs),
ocorrendo em 60% dos RN a termo e 80% dos RN pré-termo. É causada pelo acúmulo de
bilirrubina na esclera e na pele.

Fisiopatologia
A maior parte da bilirrubina é produzida da quebra da molécula da hemoglobina, formando a
bilirrubina não conjugada. A bilirrubina não conjugada liga-se à albumina do soro, sendo então
transportada para o fígado, entra nos hepatócitos, onde é conjugada com o ácido glucurônico
por ação da enzima uridina difosfogluconuratoglucuronosiltransferase (UGT), tornando-se
hidrossolúvel. A bilirrubina conjugada é excretada para o duodeno através da bile. Nos adultos,
a bilirrubina conjugada é reduzida por bactérias intestinais a urobilina e, então, excretada. Em
recém-nascidos, porém, a quantidade de bactérias no trato digestório é menor, de modo que
menos bilirrubina é reduzida em urobilina e excretada. Eles também têm a enzima beta-
glucuronidase, que desconjuga a bilirrubina. A bilirrubina não conjugada pode agora ser
reabsorvida e reciclada na circulação. Essa via é chamada de circulação êntero-hepática da
bilirrubina.

Mecanismos da hiperbilirrubinemia
Hiperbilirrubinemia pode ser causada por um ou mais dos seguintes processos:
 Produção aumentada
 Redução na captação hepática
 Conjugação diminuída
 Excreção prejudicada
 Fluxo biliar prejudicado (colestase)
 Aumento da circulação êntero-hepática

Diagnóstico Diferencial

Icterícia fisiológica
Icterícia de origem benigna que ocorre em 25-60% dos RN, sem alteração no metabolismo da
bilirrubina. No RN a termo a hiperbilirrubinemia pode atingir valores de 12-15 mg/dl entre o 3º
e o 5º dia de vida e nos pré-termos, o pico é de até 12-17 mg/dl entre o 5º e o 7º dia.3,4 A
hiperbilirrubinemia fisiológica costuma regredir em uma semana nos RN a termo e até o 10º
dia de vida nos prematuros.

Icterícia ligada à amamentação ao seio


Icterícia por baixo aporte de leite, levando ao aumento da circulação entero-hepática de
bilirrubina. Ocorre em até 13% dos RN em aleitamento materno exclusivo, com pico de
hiperbilirrubinemia maior que 12 mg/dl.3

Icterícia pelo leite humano


Icterícia que ocorre em 2-4% dos RN por uma provável interferência de fatores presentes no
leite materno com o processo de conjugação da bilirrubina. A hiperbilirrubinemia pode atingir
um pico de 20 mg/dl por volta do 14º dia de vida, com redução gradual em até 12 semanas.
Em certos casos, intervenção médica se fará necessária.

Icterícia patológica
Icterícia que ocorre por sobrecarga de bilirrubina no hepatócito, deficiência/inibição da
conjugação da bilirrubina ou colestase. Frequentemente, a bilirrubina sérica já atinge nível
maior que 12 mg/dl nas primeiras 24 horas de vida.

Hiperbilirrubinemia indireta
 Sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito:
 Doenças hemolíticas – incompatibilidade Rh e ABO, deficiência de glicose-6-fosfato
desidrogenase, esferocitose, infecções bacterianas (sepse, infecção urinária) ou virais
 Coleções sanguíneas extravasculares – hemorragia intracraniana, pulmonar ou
gastrointestinal, cefalohematoma ou equimose
 Policitemia – prematuridade, RN PIG, RN de mãe diabética, transfusão feto-fetal
Circulação êntero-hepática aumentada de bilirrubina – estenose hipertrófica de piloro
 Deficiência ou inibição da conjugação de bilirrubina:
 Hipotireoidismo congênito
 Síndrome de Gilbert

Hiperbilirrubinemia direta
 Colestase neonatal
 Hepatite neonatal
 Atresia biliar
 Infecções congênitas (STORCH)
 Erros inatos do metabolismo

Avaliação do RN Ictérico – diagnostico


Exame físico
A icterícia pode ser visualmente detectada através da digito pressão na pele do RN e percebida
com níveis de BT maior que 4-8 mg/dl, porém a impressão visual não guarda relação estreita
com o nível sérico de bilirrubina. A icterícia apresenta progressão craniocaudal e níveis mais
elevados de bilirrubina estão associados à icterícia abaixo dos joelhos.

Sinais de alerta
Os achados a seguir são particularmente preocupantes:
 Icterícia no primeiro dia de vida
 Bilirrubina total > 18 mg/dL (> 308 micromol/L)
 Taxa de elevação da bilirrubina total > 0,2 mg/dL/h ( > 3,4 micromol/L/h) ou > 5
mg/dL/dia (> 86 micromol/L/dia)
 Concentração da bilirrubina conjugada > 1 mg/dL ( > 17 micromol/L) se
hiperbilirrubinemia < 5 mg/dL (< 86 mcmol/L) ou > 20% da hiperbilirrubinemia
(sugestivo de colestase neonatal)
 Icterícia após 2 semanas de idade
 Letargia, irritabilidade, desconforto respiratório
 Mensuração da bilirrubina transcutânea

Mensuração da bilirrubina transcutânea


Forma não invasiva de estimar os níveis séricos de bilirrubina através do bilirrubinômetro. A
avaliação da bilirrubina transcutânea (BTc) deve ser realizada na face e no esterno. O
equipamento ainda é considerado uma ferramenta de triagem para definir quais RN terão
dosados seus níveis séricos de bilirrubina, mas já é responsável pela diminuição significativa do
número de bebês puncionados. A contínua evolução da técnica provavelmente permitirá, em
futuro próximo, seu uso como método diagnóstico.

Mensuração da bilirrubina sérica


Dosagem de bilirrubina sérica para confirmar o aumento dos níveis de bilirrubina evidenciados
através do BTc ou da avaliação visual. A hiperbilirrubinemia pode ser classificada como
indireta, diagnosticada com níveis de BI maiores que 1,5 mg/dl, ou direta, determinada pelo
valor da BD maior que 2,0 mg/dl, desde que represente mais que 15% do valor de BT.

Diagnóstico etiológico
A investigação etiológica da hiperbilirrubinemia através de exames laboratoriais deve ser feita
nos RN que apresentam icterícia nas primeiras 24 horas de vida ou valores de BT maiores que
15 mg/dl, independentemente da idade pós-natal.

Exames para investigação etiológica da icterícia


 Hemoglobina, hematócrito, reticulócitos
 Tipagem sanguínea da mãe e do RN – sistema ABO e Rh (antígeno D)
 Coombs direto no sangue do cordão ou do RN
 Coombs indireto se mãe Rh negativo
 Teste de função hepática – TGO, TGP
 Sorologias para STORCH
 Avaliação para sepse
 Dosagem sanguínea quantitativa de glicose-6-fosfato desidrogenase
 Dosagem sanguínea de hormônio tireoidiano e TSH (teste do pezinho)

Tratamento
hiperbilirrubinemia indireta
A hiperbilirrubinemia indireta pode ser tratada pelo aumento da excreção – fototerapia – ou
pela retirada mecânica – exsanguinotransfusão.

Icterícia fisiológica
costuma não ser clinicamente significativa e se resolve em 1 semana. Fórmulas usadas na
alimentação podem reduzir incidência e a gravidade da hiperbilirrubinemia, porque aumentam
a motilidade gastrintestinal e a frequência podem reduzir a incidência e a gravidade da
hiperbilirrubinemia, porque aumentam a motilidade gastrintestinal e a frequência das
evacuações, minimizando, portanto, a circulação êntero-hepática da bilirrubina. O tipo da
fórmula não parece ser importante para o aumento da excreção de bilirrubina.

Icterícia do leite do peito


pode ser prevenida ou reduzida aumentando-se a frequência das mamadas. Em recém-
nascidos atermo com icterícia precoce associada ao leite materno, se o nível de bilirrubina
continuar a subir > 18 mg/dL ( > 308micromol/L), a troca temporária do leite materno por
fórmulas pode ser apropriada; em níveis mais elevados, pode-se indicara fototerapia. A
suspensão do aleitamento materno é necessária por apenas 1 ou 2 dias, e a mãe deve ser
encorajada a continuar estimulando a secreção do leite do peito regularmente, para que ela
possa reassumir a amamentação assim que os níveis de bilirrubina do neonato começarem a
diminuir. Ela também deve assegurar-se de que a hiperbilirrubinemia não provoca qualquer
prejuízo e que ela pode reassumir a amamentação com segurança. Não é aconselhável
suplementar com água ou glicose, o que pode interromper a produção do leite materno.

FOTOTERAPIA
Esse tratamento vem se mantendo como padrão, usando mais comumente luz branca
fluorescente. (Luz azul, comprimento de onda de 425 a 475 nm, é mais eficiente para
fototerapia intensiva.) Fototerapia é o uso da luz para fotoisomerizar bilirrubina não
conjugada, transformando-a em formas mais hidrossolúveis e que possam ser excretadas
rapidamente pelo fígado sem glucuronidação. Fornece um tratamento definitivo da
hiperbilirrubinemia neonatal e evita icterícia nuclear. Para lactentes nascidos ≥ 35 semanas de
gestação, a fototerapia é uma opção quando a bilirrubina não conjugada for > 12mg/dL ( >
205,2 micromol/L) e pode ser indicada quando a bilirrubina não conjugada for> 15 mg/dL (257
micromol/L) em 25 a48 h, 18 mg/dL (308 micromol/L) em 49 a 72 h e 20 mg/dL (342
micromol/L) em > 72 h ( Risco de hiperbilirrubinemia em neonatos). A fototerapia não é
indicada na hiperbilirrubinemia conjugada.

Para lactentes nascidos em < 35 semanas de gestação, os níveis limiares de bilirrubina para o
tratamento são mais baixos porque prematuros têm maior risco de neurotoxidade. Quanto
mais prematuro, mais baixo é o limiar (Limiares sugeridos*para iniciar fototerapia ou
exsanguinotransfusão em lactentes < 35 semanas de gestação).

Exsanguinotransfusão
Esse tratamento pode remover a bilirrubina da circulação rapidamente e é indicado para
hiperbilirrubinemia grave, que mais frequentemente ocorre com hemólise por processo
imunitário. Com um cateter inserido, ou outro acesso disponível, na veia umbilical, são
retiradas e repostas pequenas quantidades de sangue, para remover hemácias parcialmente
hemolisadas e envoltas por anticorpos, bem como imunoglobulinas circulantes. O sangue é
reposto com eritrócitos não revestidos de doadores que não têm o antígeno da membrana de
eritrócitos que estão ligados aos anticorpos circulantes. Isto é, utiliza-se o tipo sanguíneo O se
o recém-nascido está sensibilizado aos antígenos AB e usa-se sangue Rh-negativo se o recém-
nascido está sensibilizado ao antígeno Rh. Como os eritrócitos de doadores adultos têm mais
locais de antígenos ABO do que as células fetais, a transfusão de tipo específico intensificará a
hemólise. Apenas hiperbilirrubinemia não conjugada pode causar icterícia nuclear, portanto,
se a bilirrubina conjugada está elevada, o nível da não conjugada, em vez de bilirrubina total,
será utilizado para determinar a necessidade de exsanguinotransfusão.

Para recém-nascidos a termo, as indicações específicas são bilirrubina sérica ≥ 20 mg/dL (≥ 342
micromol/L) nas 24 a 48 h ou ≥ 25 mg/dL (≥ 428 micromol/L) em > 48 h e impossibilidade da
fototerapia após 4 a 6 h de seu início baixar 1 a 2 mg/dL (17 a 34 mcmol/L) ou, ainda, aos
primeiros sinais clínicos de icterícia nuclear, independentemente dos níveis de bilirrubina. Se
os níveis de bilirrubina sérica forem > 25 mg/dL (≥ 428 micromol/L) no momento em que o
recém-nascido é inicialmente examinado, deve-se preparar a exsanguinotransfusão para o
caso de a fototerapia intensiva não conseguir baixar os níveis de bilirrubina.

Sugeriram-se limiares para recém-nascidos com < 35 semanas de gestação (ver tabela Limiares
sugeridos* para iniciar fototerapia ou exsanguinotransfusão em lactentes com 35 semanas de
gestação). Anteriormente, alguns médicos utilizavam critérios com base unicamente no peso
do paciente, mas esses critérios foram substituídos pelas diretrizes mais específicas descritas
acima.

Mais frequentemente, 160 mL/kg (duas vezes o volume de sangue total do lactente) de papa
de hemácias são trocados em 2 a 4 h; uma alternativa é fornecer 2 alíquotas sucessivas de 80
mL/kg a cada 1 ou 2 h. Para efetuar uma troca, um volume de sangue é tirado e
imediatamente reposto pelo sangue transfundido. O volume de cada um pode variar
dependendo do tamanho do lactente, mas os volumes normalmente são próximos de 20 mL
para o lactente a termo médio. Esse procedimento é repetido até que o volume total desejado
seja trocado. Para prematuros criticamente enfermos, são utilizadas alíquotas de 5 a 10 mL
para evitar uma troca de volume grande e súbita. O objetivo é reduzir por volta de 50% da
bilirrubina, lembrando-se de que a hiperbilirrubinemia pode retornar a 60% do nível pré-
transfusional em 1 ou 2 h. É também habitual baixar os níveis-alvo para até 1 a 2 mg/dL (17 a
34 micromol/L) em condições de risco da icterícia nuclear (p. ex., jejum, sepse, acidose). Pode
ser necessário repetir a exsanguinotransfusão se os níveis de bilirrubina continuarem elevados.
Finalmente, esse procedimento também apresenta riscos e complicações, e o sucesso da
fototerapia tem reduzido a frequência das exsanguinotransfusões.

Acompanhamento pós-alta hospitalar


Os pacientes com maior risco de evoluírem com anemia importante, encefalopatia crônica ou
surdez devem ser encaminhados para acompanhamento especializado. São eles:
 RNs com diagnóstico de doença hemolítica perinatal;
 RNs submetidos à exsanguinotransfusão e
 RNs que apresentaram níveis séricos de BT próximos ou superiores a 20mg/dl.

Consequências da hiperbilirrubina
A hiperbilirrubinemia pode ou não provocar danos, dependendo da causa e do grau de
elevação. Algumas causas de icterícia são intrinsicamente perigosas, seja qual for o nível de
bilirrubina. Contudo, a hiperbilirrubinemia de qualquer etiologia é preocupante, uma vez que o
nível é suficientemente alto. O limiar da preocupação varia de acordo com
 Idade
 Grau de prematuridade
 Estado de saúde
Em lactantes saudáveis nascidos a termo, o limiar de preocupação é tipicamente considerado
como sendo um nível > 18mg/dL ( > 308 micromol/L). Entretanto, lactentes prematuros
Pequenos para a idade gestacional e/ou enfermos (p. ex., com sepse, hipotermia ou hipóxia)
têm risco muito maior e pode-se realizar intervenção em níveis mais baixos. Nesses recém-
nascidos, embora o risco seja maior à medida que a hiperbilirrubinemia aumenta, não há um
nível de hiperbilirrubinemia que é considerado seguro; o tratamento é administrado com base
na idade e em fatores clínicos. Há agora limiares operacionais sugeridos para iniciar a
fototerapia com base na idade gestacional.

Neurotoxidade é a principal consequência da hiperbilirrubinemia neonatal. Encefalopatia


aguda pode ser seguida por uma variedade de deficiências neurológicas, incluindo paralisia
cerebral
e déficits senso-motores; a cognição geralmente é poupada. Icterícia nuclear é a forma mais
grave de neurotoxidade. Embora atualmente seja uma situação rara, ela ainda acontece e
quase sempre pode ser prevenida. A icterícia nuclear refere-se à lesão cerebral provocada pela
deposição de bilirrubina não conjugada nos gânglios da base e núcleos do tronco encefálico,
causada pela hiperbilirrubinemia aguda ou crônica. Normalmente, a bilirrubina ligada à
albumina do soro permanece no espaço intravascular. Entretanto, a bilirrubina pode
atravessar a barreira hemoencefálica e causar icterícia nuclear em certas situações:
 Quando a concentração da bilirrubina sérica é acentuadamente elevada
 Quando a concentração da albumina sérica é muito baixa (p. ex., recém-nascidos pré-
termo)
 Quando a bilirrubina é desligada da albumina por ligadores competitivos

Ligadores competitivos incluem fármacos (p. ex., sulfisoxazol, ceftriaxona, ácido acetilsalicílico)
e ácidos graxos livres e íons hidrogênio (p. ex., no jejum, recém-nascidos septicêmicos ou
acidóticos).

Você também pode gostar