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FMC – 2024.2
Icterícia neonatal
INTRODUÇÃO:
A icterícia neonatal é um dos distúrbios neonatais mais frequentes, acometendo cerca de 60% dos
RN a termo e 80% dos RN prematuros tardios na primeira semana de vida. A icterícia é visível
quando os níveis séricos de bilirrubina são superiores a 5mg/dL, originando uma coloração
amarelada da pele e das mucosas. Na maior parte dos casos, ocorre elevação da fração indireta da
bilirrubina (não conjugada), lipossolúvel e com capacidade de impregnar no SNC,
principalmente nos gânglios da base, originando a complicação mais grave da hiperbilirrubinemia
neonatal: a encefalopatia bilirrubínica.
A hiperbilirrubinemia às custas da fração direta é mais rara e decorrente de outras causas como:
hepatite neonatal, atresia de vias biliares, sepse neonatal, infecções congênitas, fibrose cística e
deficiência de alfa-1-antitripsina.
METABOLISMO DA BILIRRUBINA:
A bilirrubina se origina do catabolismo das proteínas heme, cuja fonte mais significativa é a
hemoglobina, está por sua vez, sofre a ação da heme-oxigenase, originando a biliverdina, que sob a
ação da biliverdina redutase torna-se a bilirrubina indireta no sistema retículo endotelial (SRE).
A BI circula na corrente sanguínea ligada à albumina até ser captada pelo hepatócito, onde é
conjugada com o ácido glicurônico pela ação da glicoruniltransferase, em bilirrubina direta,
fração hidrossolúvel da bilirrubina. A BD é excretada pelas vias biliares para o TGI onde sofre ação
das bactérias da flora, originando o urobilinogênio, sendo posteriormente excretado na forma de
urobilina pelos rins ou transformada em estercobilinogênio e excretada sob a forma de estercobilina
nas fezes.
No período fetal, a BI lipossolúvel era excretada pela placenta (membrana lipofílica), sendo, por isso,
desejável a desconjugação realizada pelas glicuronidases, que transformam a BD em BI, novamente
encaminhada ao fígado (pela circulação êntero-hepática). Após o nascimento, essas enzimas
passam a atrapalhar a excreção de BD pelo TGI, sendo um dos fatores associados a icterícia
neonatal.
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ICTERÍCIA FISIOLÓGICA:
A principal causa de icterícia neonatal é a fisiológica, que sempre aparece depois das primeiras 24
horas de vida. O RN ainda está em fase de adaptação do metabolismo da bilirrubina e tem diversos
motivos para apresentar hiperbilirrubinemia indireta. A hiperbilirrubinemia fisiológica no RN a
termo aparece com cerca de 2-3 dias de vida, atinge o pico entre o terceiro e o quarto dia de
vida (máximo 12mg/dL de bilirrubina em geral) e normaliza em até 7 dias.
Nos RN prematuros, a elevação da bilirrubina sérica tende a ser igual ou discretamente mais lenta,
mais duração mais longa. Aparece entre o 3º-4º dia de vida, atingindo seu pico no 4º-7º dia
(bilirrubina máxima de 15mg/dL) e geralmente desaparece até 10 dias de vida, embora, em
alguns casos, possa durar até 30 dias.
O diagnóstico de icterícia neonatal fisiológica é feito pela identificação dessa evolução característica,
devendo-se ficar atento à presença de fatores de risco para hiperbilirrubinemia significativa e aos
sinais de alerta para icterícia patológica.
AVALIAÇÃO CLÍNICA:
A icterícia neonatal tem progressão cefalocaudal e pode ser avaliada clinicamente por meio das zonas
de Kramer.
ICTERÍCIA PATOLÓGICA:
A icterícia é dita patológica, quando o momento de aparecimento, a duração ou o padrão variam do
que seria esperado em uma icterícia neonatal fisiológica. Dentre as diferentes etiologias podemos citar
as principais causas de hiperbilirrubinemia indireta patológicas:
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DOENÇAS HEMOLÍTICAS:
A icterícia neonatal precoce, que aparece nas primeiras 24h de vida, frequentemente está associada
a doenças hemolíticas, sendo as mais comuns as doenças hemolíticas hereditárias imunes e, dentre
elas, as incompatibilidades Rh e ABO e por isso, esses pacientes devem ser submetidos à
investigação laboratorial completa e encaminhados a fototerapia:
INCOMPATIBILIDADE RH:
Acomete 1:1000 dos nascidos vivos e ocorre quando uma mãe antígeno D negativo (Rh -) tem um
RN antígeno D positivo (Rh +). Diante do contato com sangue com antígeno D positivo, ocorre a
produção de anticorpos maternos anti-D, que são inicialmente do tipo IgM e não ultrapassam a barreira
placentária. Em uma segunda gestação, ocorre a produção de anticorpos IgG, que ultrapassam
a barreira placentária e se ligam às hemácias do RN, sendo identificada como o teste de
coombs direto +.
INCOMPATIBILIDADE ABO:
A incompatibilidade ABO é a causa mais comum de doença hemolítica no RN, ocorrendo em 20-
25% das gestações, embora, a doença hemolítica só se desenvolva em cerca de 10% dos conceptos.
A mãe deve ser do grupo sanguíneo O e o RN do grupo sanguíneo A, B ou AB. Naturalmente,
por fatores ambientais e microbianos, indivíduos do grupo O já produzem anticorpo anti-A e anti-
B do tipo IgG, portanto a doença hemolítica pode ocorrer na primeira gestação. A doença é mais
leve, com hemólise menos intensa e o coombs direto pode ser positivo ou não, embora o coombs
indireto e o eluato, em geral, sejam positivos. Além disso, podem ser encontrados esferócitos em
sangue periférico.
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QUADROS NÃO IMUNO MEDIADOS – COOMBS DIRETO NEGATIVO:
A deficiência de G6PD, doença genética ligada ao X que atinge cerca de 7% da população
brasileira. A G6PD é uma enzima responsável pela redução dos radicais livres dentro das hemácias,
de forma que na sua ausência ocorre hemólise aguda em situações estresse oxidativo. No
período neonatal, existem duas formas da doença:
1. Hemolítica aguda → rápida ascensão da bilirrubina indireta desencadeada por agentes
oxidantes (medicamentos – dipirona, nitrofurantoina, sulfonamidas e sulfonas, piperazina,
glibenclamida, hidralazina, primaquina, estrógenos e azul de metileno - e infecções)
2. Hemolítica leve → associada ao polimorfismo genético da expressão reduzida da UGT1A1,
que leva a uma conjugação limitada da bilirrubina. Geralmente cursa sem anemia.
Esse paciente se torna assintomático geralmente nos 2 primeiros meses de vida, apresentando
icterícia persistente, hipocolia ou acolia fecal e colúria.
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ATRESIA DE VIAS BILIARES:
A atresia de vias biliares (AVB) decorre de um processo inflamatório idiopático que resulta na
obliteração progressiva dos ductos biliares extra-hepáticos, podendo eventualmente evoluir para
cirrose hepática.
Nas primeiras 8 semanas de vida, evoluem com icterícia progressiva, persistente ou tardia,
acolia fecal, colúria e comprometimento progressivo do estado geral.
Caso os exames anteriores apontem fortemente para o diagnóstico de AVB, o lactente deve ser
encaminhado para cirurgia. Em um primeiro momento, é realizado em sala cirúrgica um
colangiograma intraoperatório, que é padrão-ouro para o diagnóstico de AVB, identificada pela
falha da chegada do contraste em árvore biliar e intestino. Uma vez fechado o diagnóstico, o paciente
já é submetido ao procedimento cirúrgico de escolha, a portoenterostomia, ou também chamada,
cirurgia de Kasai, que desobstrui a via biliar por meio de uma anastomose do intestino delgado
com a porta-hepatis.
Quando, apesar da cirurgia de derivação da via biliar, a drenagem biliar for inadequada, evoluindo
com colangites, cirrose biliar e suas complicações (hipertensão portal, varizes esofagianas), está
indicado o transplante hepático.
FOTOTERAPIA:
A fototerapia controla a maior parte dos quadros de icterícia por meio da transformação da BI
na pele em isômeros mais facilmente excretados pela urina e vias biliares.
Durante a fototerapia, devemos ter cuidado com a temperatura do RN, oferta hídrica e proteção
dos olhos (cobertura radiopaca).
Uma vez em fototerapia, devo reavaliar os níveis séricos de bilirrubina total a cada 4-8 horas. Nem a
avaliação clínica e nem a medida de bilirrubina transcutânea são recomendadas para a
avaliação desses RN, já que a exposição à luz, altera a coloração da pele do RN ictérico.
O normograma de Bhutani foi construído a partir de valores de BT sérica obtidos de RN com diferentes
horas de vida. O objetivo é justamente prever quais RN com IG a partir de 35 semanas apresentam
risco de desenvolver níveis elevados de bilirrubina, auxiliando na decisão de dar alta ou iniciar a
fototerapia. Devo considerar o início da fototerapia em todos os RN que se apresentam acima
do percentil 75 (zona de risco intermediário alto ou risco alto se acima do percentil 95).
EXSANGUINEOTRANSFUSÃO (EST):
Atualmente a EST é indicada quase que exclusivamente na doença hemolítica grave por
incompatibilidade Rh. A BT deve ser determinada a cada 4-6 horas, e a EST, indicada se houver
elevação = ou > a 0,5 a 1mg/dL/hora nas primeiras 36 horas de vida, ou ainda conforme os níveis de
BT, peso ao nascer e presença de fatores agravantes da lesão bilirrubínica neuronal.
ENCEFALOPATIA BILIRRUBÍNICA:
É a complicação mais temida da icterícia neonatal e decorre da lesão cerebral por
concentrações elevadas de bilirrubina indireta, acometendo principalmente núcleos da base e
os núcleos do tronco encefálico.
A forma aguda acontece nos primeiros dias e semanas e se caracteriza por 3 fases:
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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO:
1. Ácido ursodesoxicólico: 10-20mg/kg/dia VO 2-3x/dia após cirurgia de Kasai, utilizado para
melhora do fluxo de ácidos biliares.
2. Sulfametoxazol + trimetoprima (200 + 40mg/5ml solução injetável pediátrica ou 400 +
80mg/5ml solução injetável). 8-12 mg/kg/dia (baseado na trimetoprima) EV de 6/6h. Diluir com
15-30ml de SG5% ou SF 0,9% para casa 1ml da medicação. Infundir em 60-90 minuitos.
PROFILÁTICOS E SINTOMÁTICOS:
ANALGÉSICO:
1. Paracetamol - gotas (200mg/ml ou 13,3mg/gota). Dose pediátrica: 0,75-1,1 gotas/kg/dose (10-
15mg/kg/dose) VO de 4/4h ou 6/6h. Dose máxima: 5,6 gotas/kg/dia (75mg/kg/dia). Não
ultrapassar 5 doses diárias.
2. Dipirona xarope – solução oral infantil (50mg/ml). Administrar 0,4-0,5ml/kg/dose (20-
25mg/kg/dose) VO até de 6/6h
3. Dipirona gotas – solução oral (500mg/ml). Administrar 0,8-1 gota/kg/dose (20-25mg/kg/dose)
até 6/6h VO.
4. Dipirona – solução injetável (500mg/ml). Administrar 0,04-0,05ml/kg/dose (20-25mg/kg/dose)
até 6/6h EV.
5. Ibuprofeno gotas (100mg/ml – 1 gota = 10mg). Administrar 0,5-1 gota/kg/peso (5-
10mg/kg/dose) para menores de 12 anos de idade. Dose máxima: 40mg/kg/dia.
ANTIEMÉTICO:
1. Ondansetrona (2mg/ml): administrar 0,15mg/kg/dose EV.
2. Bromoprida (5mg/ml): administrar 0,5-1 mg/kg/dia de 8/8h por meio de injeção lenta (superior
a 3 minutos diluída em SF ou SG 5%) EV ou IM.
CUIDADOS GERAIS:
1. Monitorização cardíaca
2. Oximetria de pulso contínua
3. Sinais vitais de 3/3h
4. Balanço hídrico de 6/6h
5. Observar e anotar a cor das fezes.
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