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ICTERÍCIA NEONATAL
Porto Alegre, RS
Dezembro de 2022
Introdução
A icterícia corresponde à expressão clínica da hiperbilirrubinemia indireta. Ocorre em cerca
de 60% dos recém-nascidos (RN) termo e 80% dos RN pré-termos na primeira semana de
vida, o que, na maioria das vezes, reflete a adaptação neonatal ao metabolismo da
bilirrubina. É a hiperbilirrubinemia fisiológica.
Os níveis de bilirrubina nos RN a termo atingem o pico entre 48 e 96 horas de vida,
variando entre 8 a 14 mg/dL, geralmente se resolve em torno da primeira a segunda
semana de vida.
Por vezes, a hiperbilirrubinemia indireta decorre de um processo patológico, podendo-se
alcançar concentrações elevadas de bilirrubinas lesivas ao cérebro, colocando-os em risco
de encefalopatia bilirrubínica se não forem monitorados e tratados adequadamente.
Determinação da bilirrubina
● A avaliação visual da icterícia não é confiável, podendo levar a erros.
● Bilirrubina transcutânea (BTC): método não invasivo, utilizando dispositivos que
fornecem uma estimativa da BT, reduzindo a necessidade de coletas de sangue. Há
boa correlação quando o nível de BT é < 15mg/dL, apesar de poder ser afetada pela
pigmentação da pele.
○ Para medir a BTC, aplicar o bilirrubinômetro na face (região glabelar) e tórax
(porção media do esterno), fazendo medidas 3 vezes consecutivas em cada
um dos locais.
○ Não deve ser utilizada em pacientes submetidos a fototerapia.
● Dosagem sérica de bilirrubina: padrão ouro, porém invasivo.
● Sempre que intervenções terapêuticas estiverem sendo consideradas, uma
medida de BTC deve ser confirmada com medida de BT.
Momento da triagem
Os níveis de BT ou BTC devem ser verificados 24 a 48 horas após o nascimento ou
antes da alta, o que ocorrer primeiro.
O nível de bilirrubina é usado em conjunto com a avaliação do risco de desenvolvimento de
hiperbilirrubinemia significante para determinar a necessidade de avaliação e tratamento
adicionais.
Nomograma de Butani
Classifica o risco de hiperbilirrubinemia significativa em RN saudáveis com ≥ 36
semanas e peso de nascimento ≥ 2.000g ou ≥ 35 semanas e ≥ 2.500g.
Idade do RN Baixo risco (P<40) Intermediário inferior Intermediário superior Alto risco (>P95)
(P40-75) (P76-95)
Conduta terapêutica
< 28 5-6 11 - 14
30 0/7 – 31 6/7 8 - 10 13 - 16
32 0/7 – 33 6/7 10 - 12 15 - 18
34 0/7 – 34 6/7 12 - 14 17 - 19
Maisels et al. J Perinatol. 2012;32:660-66z
Fototerapia
Equipamentos: As fontes de luz que utilizam lâmpadas de LED azuis são ideais. Elas
fornecem luz de alta intensidade com comprimento de onda ideal, sem gerar calor ou
radiações ultravioleta.
O uso de luz solar direta não é recomendado!
Irradiância: 8-10 mW/cm2 /nm é “convencional” e a de > 30mW/cm2/nm é "intensiva".
Quando suspender:
● Quando BT sair da zona de tratamento pelos gráficos e ao menos 2 mg/dL menor
que o nível no momento do início da fototerapia.
● Hiperbilirrubinemia de rebote: BT que atinge nível para fototerapia 72 a 96 horas
após a descontinuação. Fatores de risco: IG < 38 semanas, idade < 48h no início da
fototerapia, doença hemolítica, BT próximo ao nível de fototerapia na
descontinuação.
○ Se fatores de risco para hiperbilirrubinemia de rebote, repetir BT entre 6 a 12
horas após a descontinuação e repetida no dia após.
○ Para todos os outros recém-nascidos, a bilirrubina deve ser dosada no dia
seguinte à interrupção da fototerapia.
Efeitos adversos:
● Efeitos associados a luz: erupções cutâneas, hipovolemia por aumento de perdas
insensíveis de água, hipertermia
● Síndrome do bebê bronzeado: raro. Descoloração transitória marrom-acinzentada da
pele que ocorre em recém-nascidos com icterícia colestática tratados com
fototerapia. Resolve-se sem sequelas após algumas semanas da descontinuação da
fototerapia.
● Convulsões: maior risco em meninos. Mecanismo ainda não bem elucidado.
● Alterações retinianas: possíveis após 24h de exposição contínua.
Exsanguineotransfusão
Indicações:
● Presença de sinais de encefalopatia bilirrubínica
● Falha da fototerapia intensiva com elevação dos níveis de BT rapidamente (aumento
≥3,3 mg/dL/hora nas primeiras 24 horas ou ≥0,2 mg/dL/hora depois disso) ou BT
dentro de 2 mg/dL do nível de EST.
● Após o nascimento, na doença hemolítica por incompatibilidade Rh quando BI > 4
mg/dL e/ou hemoglobina < 12g/dL no sangue de cordão.
Preparo:
● Iniciar fototerapia antes do procedimento e manter após.
● Em acesso periférico, manter soro de manutenção com gluconato de cálcio 10%,
8mL/kg/24 horas, para evitar hipocalcemia
● Manter RN sob calor radiante, contido, em monitorização contínua da temperatura e
das frequências cardíaca e respiratória. Realizar HGT na 1º e 2º hora e, após 4/4
horas.
● Escolha do sangue:
○ Doença hemolítica Rh, tipo sanguíneo do RN, Rh negativo ou tipo O Rh
negativo.
○ Incompatibilidade ABO, tipo sanguíneo da mãe (O) e o plasma Rh compatível
com o do RN ou hemácias tipo O com plasma AB Rh compatível.
○ Hemólise por outros anticorpos, tipo sanguíneo do RN.
● Sempre realizar prova cruzada entre o sangue do doador e o soro da mãe.
● Volume de sangue equivale a duas volemias (160 a 180ml/kg), substituindo cerca de
85% dos globulos vermelhos circulantes.
● É necessário sangue fresco, irradiado e reconstruído. O sangue deve ser
aquecido 37°C.
● Cateterismo umbilical. O procedimento será realizado no venoso, mas o
arterial é também importante devido a coleta de exames e monitorização
hemodinâmica.
Exames:
● Pré-procedimento: hematócrito, hemoglobina, bilirrubinas, tipagem sanguínea e
prova direta de coombs. Em caso de incompatibilidade Rh conhecida, solicitar os
exames do sangue de cordão.
● Pós-procedimento: hematócrito, hemoglobina, bilirrubinas, eletrólitos, glicemia,
plaquetas e gasometria.
● 4h após o procedimento: bilirrubinas.
Técnica do puxa-empurra:
1. Paramentar-se com gorro, máscara e óculos de proteção.
2. Lavar e escovar as mãos e os antebraços.
3. Colocar avental cirúrgico estéril e luvas estéreis.
4. Fazer antissepsia do local com clorexidina alcoólica, sobretudo ao redor do local de
inserção do cateter na pele e na saída do cateter.
5. Colocar campos estéreis.
6. Montar o sistema: Encaixar as duas torneiras de três vias em sequência no cateter
venoso. Na primeira, acoplar o equipo do sangue e, na segunda, o equipo que sairá
para descarte. Na outra saída do segundo, encaixar a seringa;
7. Abrir as duas vias para o bebê e a seringa.
8. Aspirar o sangue do RN para a seringa, usando inicialmente duas alíquotas.
Posteriormente, cada troca será de uma alíquota.
Trabalhar com alíquotas de acordo com o peso do RN:
<1.500g – alíquotas de 5mL;
1.500–2.500g – alíquotas de 10mL;
>2.500g – alíquotas de até 15mL.
9. Abrir a via para descarte, fechando para o RN, e desprezar o sangue no lixo.
10. Fechar a via para o descarte e abrir a via para o sangue novo, aspirando o sangue
da bolsa.
11. Fechar a via para a bolsa de sangue, abrir a via para o RN; infundir o sangue no
bebê lentamente.
12. Repetir esses passos até que todo o volume programado seja trocado.
Efeitos adversos:
Hipoglicemia, hipercalemia, hipocalcemia, distúrbios ácido-base, enterocolite
necrosante, infecção, trombocitopenia, anormalidades da coagulação, trombose da veia
porta, arritmias cardíacas e doença enxerto versus hospedeiro (prevenção pelo uso de
sangue irradiado).
Indicação de imunoglobulina
Complicações
Encefalopatia bilirrubínica aguda:
● Ocorrem até 14 dias após o nascimento
● Leves (má alimentação, letargia e anormalidades do tônus)
● Moderados ou intermediários (choro agudo, irritabilidade e hipertonia crescente)
● Graves ou avançados (estupor profundo, febre, apneia, incapacidade de se
alimentar, retrocolo, opistótono e obnubilação)
Seguimento ambulatorial
O acompanhamento adequado após a alta hospitalar é essencial, particularmente em bebês
que receberam alta nas primeiras 48 horas após o nascimento.
No momento da alta, orientar retorno ambulatorial em 48 a 72 horas, onde devem ser
abordados: peso do recém-nascido, adequação alimentação, padrão de evacuação e cor
das fezes e inspeção da ictericia.
Além disso, devem ser fornecidas informações à família sobre quando e com quem entrar
em contato em caso de sinais de gravidade e questões médicas envolvendo ictericia.
Referências bibliográficas
Bhutani VK, Johnson L, Sivieri EM. Predictive ability of a predischarge hour-specific serum bilirubin
for subsequent significant hyperbilirubinemia in healthy-term and nearterm newborns. Pediatrics.
1999;103:6-14.
Kemper AR, Newman TB, Slaughter JL, et al. Clinical Practice Guideline Revision: Management of
Hyperbilirubinemia in the Newborn Infant 35 or More Weeks of Gestation. Pediatrics 2022; 150.
Maisels MJ, Watchko JF, Bhutani VK, Stevenson DK. An approach to the management of
hyperbilirubinemia in the preterm infant less than 35 weeks of gestation. J Perinatol. 2012;32:660-4.
Brasil. Ministério da Saúde. Icterícia. In: Brasil. Ministério da Saúde. Atenção à saúde do
recém-nascido: guia para os profissionais de saúde; volume 1. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. p.
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Acesso em 12/12/2022.
Wong RJ, Bhutani BK. Initial management of unconjugated hyperbilirubinemia in term and late
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Wong RJ, Bhutani BK. Escalation of care for term and late preterm newborns with unconjugated
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