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PANCREATITE CRÔNICA

É o resultado da sucessão de episódios inflamatórios, de intensidade variável, que levam à fibrose do parênquima
pancreático, causando desarranjos estruturais e funcionais que se manifestam clinicamente por dor abdominal crônica e
insuficiência exócrina e endócrina do pâncreas = Perda da função do pâncreas.

Histologia da Pancreatite Etiologia


• Infiltrado inflamatório crônico • Alcóolica
• Fibrose peri e intralobular • Pancreatite hereditária – mutações no CFTR e SPINK1
• Atrofia acinar – relacionado a fibrose cística (também causa
• Dilatação canalicular alterações pancreáticas)
• Rolha proteica • Autoimune: associado a outras doenças autoimunes
• Calcificação intraductal  Doença do igG 4, que causa acometimento de
Não faz biópsia para diagnóstico de pancreatite crônica, só vários órgãos, inclusive o pâncreas
em casos suspeitos de neoplasia. • Obstrutiva: pâncreas divisum – alteração na morfologia
do pâncreas, ocorre na fase embrionária.
Pancreatite crônica alcóolica
• Forma mais prevalente (67 a 90%). No Brasil supera 90%
• Homens entre 4ª e 5ª décadas
• 5% dos alcoolistas desenvolvem pancreatite crônica
• Depende da quantidade ingerida ao longo da vida, genética, tabagismo
associado – relação muito forte
• Quantidade: colher dado na anamnese de forma precisa. Quando iniciou?
Qual a frequência? Tipo de bebida? Quantidade?
OBS: em pacientes alcoolistas é mandatório investigas cirrose alcoólica e
pancreatite crônica.

Fisiopatologia
2 causas principais:
• Desnutrição: menor produção de agentes
antioxidantes → processo inflamatório mais
intenso do pâncreas.
• Consumo de álcool faz o suco pancreático rico
em proteínas e pobre em litostatina →
formações de plugs proteicos (rolhas proteicas
vistas na histologia) → deposição de cálcio
nessas rolhas que formam cálculos →
obstrução dos ductos pancreáticos → processo
inflamatório + aumento da pressão intraductal
= isquemia → ao longo do tempo → processo
inflamatório + isquemia + alteração de
morfologia + aumento de radicais livres (menor
produção de agentes antioxidantes) =
pancreatite crônica. Por causas genéticas ainda pode ocorrer produção de autoanticorpos.

Diagnóstico (manifestações clínicas + laboratório + exames de imagem)


Manifestações clínicas
Tétrade clínica
• Dor abdominal: alteração da inervação, hipertensão nos ductos, isquemia recorrente do parênquima
 Epigástrica, irradiada para dorso, com início 15-30 min após alimentação (exige produção do suco pancreático
→ aumento da pressão nos ductos devido as rolhas/cálculos), com aumento progressivo da frequência e da
intensidade.
 Pode irradiar pra dorso como na pancreatite aguda
 Associada a náuseas e vômitos
 Ausente em 20% casos
• Perda de peso
• Esteatorreia
• Diabetes mellitus
Nem sempre esperar ter os 4! Nunca esperar ter os 4, pode fazer diagnóstico tardio.

Insuficiência pancreática
• Esteatorréia: queda da atividade lipolítica (redução da lipase dentro do suco pancreático = menor absorção da
gordura) → fezes espumosas que boiam (aspecto de graxa), amolecidas e de maior viscosidade que aderem a
parede do vaso.
• Sintomas associados à síndrome disabsortiva
• Aspecto de graxa, adere a parede do vaso
• Diabetes secundária: fase tardia da doença, geralmente insulinodependente (destruição do parênquima –
pâncreas não produze insulina ou glucagon). Esses pacientes tendem a fazer hipoglicemias graves ou
hiperglicemias. Controle da glicemia deve ser rígido, são de difícil controle e pode fazer hipo e hiperglicemias graves.

Exames laboratoriais
• Amilase/lipase: geralmente normais mas podem estar elevadas – não ajuda para o diagnóstico de pancreatite crônica,
ajuda nos casos de agudização da pancreatite crônica
• Se houver elevação das bilirrubinas e fosfatase alcalina pensar em obstrução ductal (dificuldade da saída do suco
pancreático)
• Análise indireta da redução da produção enzimática – dosagem tripsinogênio sérico, pesquisa gordura fecal e elastase
fecal (maior sensibilidade, antes era usado pesquisa de gordura fecal)
 Elastase fecal: mede quantidade de elastase nas fezes e indiretamente indica se paciente tem ou não insuficiência
exócrina (deficiência na produção da elastase). Não é feito pelo SUS. Ajuda muito em diagnóstico de casos não
clássicos
• Teste da secretina e colecistoquinina – administração exógena do hormônio com dosagem de bicarbonato e lipase na
secreção ductal) – não é feito na prática clínica.

Exames de imagem
• Radiografia simples abdômen: calcificações em 30%  Terapêutica (dilatação quando tem estenose de
dos casos – baixa sensibilidade ducto)
• Ultrassonografia abdominal: baixa sensibilidade.  Invasiva
Presença de heterogenicidade e calcificações  Complicações em 5 a 8% (pode causar uma
• Tomografia de abdômen (mais importante) pancreatite aguda), era muito usada antes da
 Melhor sensibilidade e especificidade pancreatocolangiorressonância, hoje usada como
 Atrofia: característica da pancreatite crônica terapêutica.
 Massa inflamatória (agudização)  Insucesso de canalização em 5 a 20%
 Tumores > 1cm • Ecoendoscopia ou USG endoscópico
• RNM – pancreatocolangiorressonância  Importante para afastar cálculo de vesícula biliar,
 Método não invasivo microlítiase quando USG abdominal não
 Estuda ductos (estreitamento e cálculos), consegue dar diagnóstico.
parênquima e estruturas peripancreáticas  Diagnóstico e terapêutico (drenagem de
 Superior a TC pseudocisto e neurólise de plexo celíaco)
• CPRE – Colangiopancreatografia endoscópica  Fornece material para biópsia
retrograda  Alto custo e examinador dependente.

Tratamento
Tratamento clínico
• Manejo das agudizações (tratamento igual ao da pancreatite aguda) – identificar a etiologia da pancreatite crônica
e retirar a causa.
• Tratamento do alcoolismo e tabagismo (aumentam o risco de agudizações)
• Tratamento da dor – relacionada a alimentação, pacientes evitam a alimentação para não ter dor = desnutrição,
catabolismo importante.
• Acompanhamento nutricional
• Suplementação enzimática – lipase + protease + amilase (pancrease) – controla a dor e faz a digestão, deixa o
pâncreas mais em repouso (deve ser feito mesmo em quadros leves)
 Enzimas de boa qualidade: deve ser uma enzima não inativada pelo HCl no estômago e chegue na luz duodenal
ativa para sua atuação (conseguem pegar pelo SUS)
 Dose: iniciar com dose mínima de 5 comprimidos ao dia (café da manhã, 2 almoço, 2 jantar) pode chegar até 6
comprimidos de 25000U; deve ser usada durante a refeição para evitar esforço pancreático.
• Triglicerídeos de cadeia média – se houver desnutrição grave, principalmente pacientes internados
• Reposição de vitaminas lipossolúveis, complexo B
• Tratamento de DM – pacientes de difícil controle, necessidade de acompanhamento associado ao endócrino – uso
de insulina + dieta com restrição de açúcar.

Tratamento endoscópico
• Esfincterotomia da papila de Vater Tratamento cirúrgico
• Dilatações dos ductos • Quando não tem acesso ou sucesso no tratamento
• Extração de cálculos endoscópico.
• Colocação de stents • Derivações: em caso de ductos dilatados
Alto custo, mão de obra altamente especializada. Não • Ressecções: doença localizada, suspeita de
consegue ser feito de rotina, indicado em pacientes com câncer.
dores refratárias.

Complicações
• Formação de pseudocistos
• Obstrução duodenal ou do ducto biliar – massas, pseudocistos ou processo inflamatório
• Ascite pancreática – diagnóstico diferencial importante da ascite de cirrose hepática pois são pacientes alcoolistas
crônicos. Dosar amilase do líquido ascítico
• Derrame pleural – processo inflamatório da pleura associado a ascite pancreática
• Trombose da veia esplênica
• Pseuso-aneurismas – podem romper causando sangramentos volumosos que podem levar o paciente a óbito por
choque hipovolêmico.
• Câncer pancreático
• Períodos de agudização do quadro – principalmente em pacientes alcoolistas que não cessam uso de álcool.

PANCREATITE AGUDA
Fisiopatologia
Processo inflamatório agudo do pâncreas de instalação rápida, de inúmeras etiologias.

Por conta de enzimas ativadas dentro do pâncreas vai ocorrer uma


autodigestão repercutindo em efeitos locais principalmente necrose do
pâncreas e peritonite (peripancreática) química localizada que vão liberar
diversos mediadores de inflamação que vão contribuir para o efeito
sistêmico da pancreatite aguda que causam maior morbimortalidade. Entre
os efeitos sistêmicos estão o choque, complicação intravascular
disseminada e síndrome da resposta inflamatória sistêmica.

Etiologia
• Cálculos biliares: Litíase/ coledocolitíase • Trauma <1% (principalmente fechado, cintos de
• Álcool (consumo por mais de 5 anos > 50g/dia) – carro)
geralmente causa crônica que agudiza. • Infecções (principalmente vírus)
• Hipertrigliceridemia > 1000mg/dL • Neoplasia pancreática – raro, desconfiar
• Drogas < 5% principalmente em paciente idosos onde não
• Autoimune (aguda e crônica - agudizações) encontra outras causas para pancreatite.

Diagnóstico
Presença de pelo menos 2 dos 3 critérios
• Dor abdominal característica
• Aumento amilase e/ou lipase 3x valor de referência
• Alterações características nos exames de imagem

Classificação: Critérios de Atlanta 2013


• Pancreatite leve  Falência de órgão persistente > 48h
 Não há lesão de órgãos  Mortalidade 30%; internação em UTI; maior
 Ausência de complicações locais morbidade; maior tempo internação hospitalar.
 Mortalidade 30% Falência de órgãos
• Pancreatite moderadamente grave  Sangramento TGI
 Complicações locais e/ou  Choque (cardiogênico ou hipovolêmico)
 Falência de órgão transitória <48 h  PaO2 <60% (pulmões)
• Pancreatite grave  Creatinina ≥ 2 mg/dl (lesão renal)
OBS: pacientes com pancreatite aguda devem ficar internados por pelo menos 48 horas para acompanhamento da evolução
do quadro.
― Pancreatite aguda leve: menor mortalidade (3%).
― Pancreatite aguda grave: maior mortalidade (30%), internações em UTI, maior morbidade, maior tempo de internação
hospitalar.

Fatores de risco para evoluir mal (pancreatite grave)


• Idade > 55 anos • Comorbidades
• Obesidade (IMC > 30) • Sinais de SIRS (pulso > 90, respiração > 20min ou
• Alteração nível consciência PaCO2 > 32mmHg, temperatura > 38°C ou <36ºC)

Laboratório
• Hematócrito elevado – hemoconcentrado > 44% Imagem
• Elevação creatinina (lesão renal) • Derrame pleural
• Elevação de uréia • Infiltrado pulmonar
• Múltiplas ou extensas coleções extra pancreáticas
Complicações – mais comuns: necrose (estéril e infectada), coleções de líquido pancreático e pseudocistos.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
• Dor – 95 a 100%
 Intensidade não tem relação com gravidade
 Intensa, contínua, súbita
 Localização: difusa, epigástrica, quadrantes
superiores direito ou esquerdo
 Irradiação: dorso
 Posição antálgica de prece maometana
• Náuseas e vômitos: 80%
• Distensão abdominal: parada de eliminação de gases e
fezes (íleo paralítico) 60%
• Sinal de Cullen (1 a 3%) *
• Sinal de Grey-Turner (1-3%) *
*Sinais de sangramento e necrose no subcutâneo com
extravasamento do suco pancreático para cavidade abdominal –
não é comum ser visto.

EXAMES LABORATORIAIS
A lipase é muito mais específica do que a amilase.
A amilase se normaliza muito mais rápido (72 horas) do que a
lipase que pode persistir por até 2 semanas elevada no soro.
Amilase e Lipase: não se correlacionam com gravidade da
doença. Só usadas para diagnóstico, não tem necessidade de
ficar seriando.

Outros:
• Hemograma, ureia, creatinina, TGO, TGP, FA, GGT, Bb total e frações, íons, gasometria arterial
• PCR > 150 define gravidade (fator de mal prognóstico)

EXAMES DE IMAGEM
• RX simples de abdômen: excluir outras causas de  90% sensibilidade/especificidade
abdômen agudo  Indicação: diagnóstico indefinido, sem melhora
• RX tórax: alterado em 1/3 dos casos clínica ou piora clínica após 48-72 horas do
 Derrame pleural tratamento clínico, avaliação complicações
 Atelectasias basais • US endoscópico
• US abdominal: 35% dos casos não se observam  Útil na pancreatite aguda recorrente de etiologia
alterações devido à distensão das alças não identificada (suspeita de colelitíase)
 Pesquisa de colelitíase e coledocolitíase  Padrão ouro para descartar colelitíase e
 Não identifica necrose pancreática nem avalia coledocolitíase (visualização de microcálculos)
bem o parênquima pancreático.  Avaliação/punção e drenagem de coleções
• TC abdômen/RNM (pesquisa de necrose pancreática e cistos
 Avalia parênquima, presença de necrose e infectados)
coleções
OBS: para ter alterações (inflamação e lesão tecidual) decorrentes inflamação pancreática visíveis na TC e RNM – 48 a
72h. Exames de imagem solicitados antes desse tempo podem não visualizar as alterações causadas pela pancreatite.

TRATAMENTO
• Clínico (conservador) • Sequestro de líquido no 3º espaço – se comporta como
• Cirurgia hipovolêmico (processo inflamatório sistêmico)
• Endoscópico • Hipovolemia pode piorar a lesão pancreática e
ocasionar necrose tubular aguda (isquemia)
Avaliação nas primeiras 48h da internação (reversão do • Agressiva 250-500ml/h de cristaloides (ringer
quadro e das possíveis complicações) lactato) nas primeiras 12-24 horas
• Define local de tratamento (enfermaria x UTI) • Monitorização, principalmente em pacientes idosos
• Buscar sinais de gravidade para não ocorrer congestão
• Identificar complicações sistêmicas • Objetivos: diurese > 0,5 ml/kg/hora e redução da uréia
• Implementar suportes necessários
Dieta
Tratamento clínico • Retorno precoce e gradual
• Hidratação • Carência nutricional piora a cascata inflamatória
• Analgesia • Pancreatite aguda (PA) leve: nutrição oral pode ser
• Dieta restabelecida após melhora da dor abdominal,
náuseas ou vômitos.
Reposição volêmica
 Dieta sólida ou liquida, ambas com baixa gordura
são equivalentes – gordura estimula a liberação
de suco pancreático.
• Pancreatite aguda grave: dieta enteral é a primeira
escolha
 Dieta parenteral: quando há contra-indicação para
dieta enteral. Casos selecionados.

Antibióticoterapia
• Infecção é a principal causa de morbidade e
mortalidade no paciente
• Antibióticos de amplo espectro com boa penetração
pâncreas: carbapenêmicos (imipenem/meropenem)
• Uso terapêutico:
 Infecções extra pancreáticas: colangite,
pneumonia, ITU, infecção associada ao cateter
 Necrose infectada – piora clínica ou falha
tratamento clínico a partir do sétimo a décimo dia
internação
• Uso profilático: não se faz mais!

Tratamento endoscópico
• Colangiopancreatografia Endoscópica Retrograda
(CPRE) com enfincterotomia
 Usado para terapêutica, não mais para
diagnóstico
 Pancreatite biliar com evidência de obstrução
 Presença de colangite associada
 Precoce 24 horas: papiloma com retirada do
cálculo
 Pode piorar a pancreatite aguda ou até mesmo
causar (manipulação do pâncreas ou colédoco -
comunicação com ductos pancreáticos)
OBS: RNM ou Ecoendoscopia é melhor do que CPRE para
diagnóstico de coledocolitíase.

Tratamento cirúrgico
• PA leve e litíase biliar: colecistectomia na mesma
internação (importante para evitar recorrência da
pancreatite que é comum após 1° episódio)
• PA grave e litíase biliar: colecistectomia deve ser
realizada após a atividade inflamatória e as coleções
se estabilizarem.
• Pseudocistos assintomáticos (regridem em 6 meses a
1 ano) e necrose pancreática e/ou extra pancreática
não tem garantia de melhora com cirurgia,
independentemente do tamanho, localização ou
extensão – pâncreas tem tecido muito friável e com
processo inflamatório é difícil de distinguir o tecido
viável ou não)
• Necrose infectada deve receber antibiótico e aguardar
formação do abscesso antes da drenagem (30 dias)

Uma vez tratada a pancreatite aguda a sua etiologia deve


ser obrigatoriamente investigada.

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