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HISTÓRIA CLÍNICA 5 CIRURGIA

História Clínica colhida por Guilherme Afonso


Serviço de Cirurgia do CHPVC, dia 14/10/2019

Dados de Identificação
J.F.A.
77 anos
Sexo masculino
Caucasiano
Reformado (era motorista de camiões)
Natural e Residente em Vila do Conde
Casado
Fonte de informação: o próprio, aparentemente confiável

Queixa Principal
Dor abdominal

História da Doença Atual


Homem de 77 anos, ex-fumador, com hipertensão arterial, dislipidemia, hiperplasia
benigna da próstata; antecedentes de acidente vascular cerebral (2008), colecistectomia
(2010) e internamento recente por colangite; alérgico à penicilina; recorre ao SU do
CHPVC, no dia 11/10/2019. Apresentava a seguinte sintomatologia:

Dor abdominal com início 8 horas antes e evolução insidiosa, localizada no epigastro e
hipocôndrio direito, sem irradiação e intensidade máxima 8/10. Sem fatores aliviantes,
agravantes ou desencadeantes. Associada a episódio de vómito pós-pandreal de
conteúdo alimentar.
Doente desconhece presença de febre, mas refere arrepios e hipersudorese.

Colúria nas últimas 24 horas, descrita como ‘urina cor de vinho’. Nega icterícia, acolia
e prurido. Nega outras alterações urinárias.

Nega alterações do trânsito intestinal, nega disfagia, nega outras alterações do trato
gastrointestinal. Nega astenia, anorexia e perda ponderal. Nega alterações da medicação
habitual, nomeadamente AINEs.

Atualmente no D4 de internamento, assintomático, com dieta zero.

História Médica Passada


Sem histórias relevantes na Infância
PNV atualizado
Nega acidentes ou cirurgias prévias
AVC em 2008, sequelas de hemiparesia direita.
Colecistectomia em 2010, por litíase vesicular sintomática.
Internamento em agosto/2019, no serviço de cirurgia do CHPVC, por colangite.
Internado 10 dias, não refere complicações.

Caracterização do estado de saúde


Hipertensão arterial, diagnosticada pelo médico de família. Medicado. Desconhece
valores habituais.

Dislipidemia, desconhece ano do diagnóstico. Medicado.

Hiperplasia benigna da próstata. Desconhece momento do diagnóstico.Medicado

Medicação habitual:
Permixon 160mg
Carvedilol 6,25mg
Sertralina 50mg
Lansoprazol 15 mg
Sinvastatina 20mg

Alergia à penicilina. Nega alergias alimentares.


Realiza cerca de 4 refeições por dia, dieta equilibrada.
Sono reparador, dormindo cerca de 8h por noite.
Ex-fumador de 60 UMA, cessação há 12 anos.
Consumo de 1 copo vinho tinto maduro à refeição.

História Psico-Social
Casado. Vive com a mulher.
Ambiente familiar agradável, com todas as condições de habitabilidade.

História Familiar
Pai: Faleceu durante a infância do doente. Causa desconhecida.
Mãe: Faleceu com 84 anos. Causa desconhecida.
1 filha, 45 anos, saudável.

Revisão Sistemática por Aparelhos e Sistemas


Nada a acrescentar

Exame Físico

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Aspeto Geral
Doente consciente, colaborante e orientado
Sem sinais de desconforto respiratório, cardíaco ou postural
Sem deformidades evidentes
Presença de cateter no membro superior esquerdo.

P. Antropométricos
Peso 65 Kg
Altura 1,72 m
IMC 22 Kg/m2
Perímetro abdominal não medido.

Sinais vitais
Tensão Arterial: 125/71 mmHg, medida no braço direito, com o doente sentado
Frequência Cardíaca: 60 bpm. Pulso Radial Simétrico, Regular, Rítmico e amplo.
Frequência Respiratória: 16 cpm
SatO2= 93% ; FiO2=0,21, em repouso
Temperatura timpânica: 36,8ºC

Pele e Faneras
Pele corada e hidratada
Temperatura normal e simétrica
Distribuição pilosa de acordo com o sexo e a idade
Nevos melânicos dispersos. Sem lesões cutâneas.
Unhas sem baqueteamento e ausência de cianose.

Cabeça e Pescoço
Cabeça sem tumefações, dismorfias ou outras anormalidades visíveis ou palpáveis.
Olhos: conjuntivas coradas, escleróticas anictéricas.
Boca: língua e mucosa oral hidratadas
Pescoço com movimentação ativa normal, sem dismorfias.
Traqueia centrada na linha média.
Glândula tiroide simétrica, sem nódulos palpáveis.
Ausência de adenopatias occipitais, retro-auriculares, pré-auriculares, submandibulares,
submentonianas, cervicais e supraclaviculares.

Tórax e Aparelho Respiratório


Tórax simétrico, sem assimetrias estáticas ou dinâmicas.
Diâmetro anteroposterior normal
Ausência de dismorfias, cicatrizes ou tumefações visíveis.
Indolor à palpação. Expansibilidade torácica simétrica e preservada.
Frémito toracovocal normal bilateralmente e simétrico.
Campos Pulmonares Ressonantes simetricamente à percussão.
Auscultação pulmonar com MV presente, normal e simétrico em todo o campo pulmonar.
Ausência de Ruídos adventícios.

Aparelho Cardiovascular

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Ausência de Turgescência Venosa Jugular a 45º
Pulsos carotídeos regulares, rítmicos, amplos. Sem frémitos ou sopros
PIM não visível nem palpável. Sem deteção de lift paraesternal
S1 e S2 audíveis e regulares. Sem galopes, sopros ou atrito
Tempo de preenchimento capilar < 2 segundos

Abdómen
Configuração normal. Simétrico, sem tumefações, dismorfias ou protusão umbilical. Sem
cicatrizes.
Sem pulsatilidades visíveis.
Ruídos hidroaéreos audíveis, de intensidade e frequência normais. Ausência de sopros
Timpanismo abdominal normal à percussão
Mole e depressível, sem massas ou organomegalias palpáveis. Dor à palpação profunda no
quadrante superior direito. Murphy vesicular negativo.

Membros Inferiores
Sem dismorfias, tumefações ou edemas
Sem atrofia muscular
Sem sinais de estase venosa
Pulso pedioso palpável, simétrico, regular, rítmico, amplo

Resumo
Homem de 77 anos, com fatores de risco CV (dislipidemia, HTA, ex-fumador 60
UMA), hiperplasia benigna da próstata, antecedentes de AVC, colecistectomia e
internamento recente por colangite, recorreu ao SU do CHPVC no dia 11/10/2019, com
dor quadrante superior direito com 8 horas de evolução, intensidade 8/10, associado a
vómito de conteúdo alimentar, arrepios, hipersudorese e colúria nas últimas 24 horas.
No exame objetivo no D4, apresenta dor à palpação profunda do quadrante superior
direito.

Lista de Problemas
#1. Dor quadrante superior direito
#1.1. Arrepios + Hipersudorese
#1.2. Colúria
#1.3. Vómito
#1.4. Alergia à penicilina
#2. Colecistectomia (2010)
#3. AVC (2008)
#3.1. Sequelas de hemiparesia direita
#4. Hiperplasia benigna da próstata
#5. Fatores de Risco Cardiovascular
#5.1. HTA
#5.2. Dislipidemia
#5.3. Ex-fumador (60 UMA)

Cenário Fisiopatológico

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Tendo em conta a sintomatologia atual e antecedentes do doente, a hipótese de colangite
aguda é o principal diagnóstico diferencial. O doente apresenta dor no quadrante
superior direito, os suores e arrepios estarão provavelmente associados a febre e a
colúria poderá ser a manifestação de hiperbilirrubinemia conjugada, podendo se tratar
de uma apresentação precoce da tríade de Charcot. A presença de vómitos também é
característica desta doença. De referir também que este doente teve um internamento
recente por colangite, o que suporta o diagnóstico, pois reforça a possibilidade de outras
causas que não litíase serem responsáveis pelo estado do doente. A principal causa de
obstrução na colangite aguda são cálculos biliares formados na vesícula, no entanto esta
doente foi submetida a colecistectomia, e a formação de cálculos nos próprios canais
biliares é muito rara. Dada a idade da doente e a urgência do diagnóstico é necessário
ponderar uma etiologia neoplásica como causa de obstrução, destacando-se os tumores
da papila de Vater, da cabeça do pâncreas e o colangiocarcinoma. Porém, no caso de
uma neoplasia seria esperado um quadro mais arrastado e não tão agudo, podendo
também ser acompanhado de perda de peso ponderal, o que não se verificou. Por fim,
outras causas de obstrução a ter em conta são estreitamento das vias biliares pós-
cirúrgico (causa iatrogénica), quer por bridas quer por cicatrização com estenose ou
ainda estenose induzida por isquemia, e invasão por parasitas intestinais (Ascaris
lumbricoides).

Pancreatite aguda é menos provável porque a dor não é característica (dor abdominal
em barra e irradiação dorsal) e, apesar do doente ter apresentado vómitos, estes não
foram muito proeminentes no quadro.

A hepatite aguda também é uma hipótese de diagnóstico a considerar visto ser uma
causa de dor abdominal no hipocôndrio direito e colúria. Seria então, importante excluir
uma possível alteração nos marcadores da função hepática (AST, ALT, TGP, TGO, FA
e GGT) concordante com esta patologia.

Meios Complementares de Diagnóstico


 Hemograma (séries eritrocitária, leucocitária e plaquetária)
 Bioquímica
o Ionograma - avaliar se há desequilíbrio electrolítico e caracterizá-lo, se existir
o Transaminases, bilirrubina (sérica total, direta e indireta e urinária),
albumina, fosfatase alcalina, gama-glutamil transferase, DHL,
creatinaquinase total, amílase, lípase
o Proteína C reativa
o Ureia, creatinina (avaliar função renal)
o Estudo da Coagulação (velocidade de sedimentação, tempo de protrombina,
tempo de trombina parcial ativado, fatores da coagulação)
 Raio-x abdominal
 Ecografia abdominal
 TC abdominal
 CPRE

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Terapêutica
A estratégia terapêutica deverá incluir medidas médicas com implementação de dieta
zero, fluidoterapia intravenosa, suporte nutricional, analgesia e antibioterapia
intravenosa. Inicialmente deve ser administrada antibioterapia empírica de largo
espetro, que cubra bactérias anaeróbias e comensais do trato gastrointestinal (como por
exemplo através da associação piperacilina+tazobactam). Após obtenção do resultado
das hemoculturas a antibioterapia empírica deverá ser substituída por antibioterapia
dirigida ao(s) agente(s) isolado(s).

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