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Resumo Abstract
A doença celíaca é uma enteropatia crónica que permanece um Coeliac disease is a chronic enteropathy that remains a challenge
desafio para a clínica e para a investigação, devido quer às suas to the clinician and the investigator, due to its atypical manifes-
manifestações nem sempre típicas, quer à sua complexidade tations and aetiopathogenic complexity. Recent research in this
etiopatogénica. Os estudos nos últimos anos nesta área, têm area, enables the detection of silent forms of the disease and
permitido a detecção de formas silenciosas, possibilitando a has made possible an assessment of its real prevalence, which
aproximação à prevalência real da doença, muito superior ao is higher than initially thought.
inicialmente suposto. This article reviews clinical, epidemiological and physiopatho-
Pretende-se com este trabalho rever os conceitos clínicos, logical concepts in coeliac disease, bringing up to date concepts
epidemiológicos e fisiopatológicos da doença celíaca, actuali- revealed by the latest research (especially in the genetic domain)
zando-os à luz dos últimos avanços de importantes núcleos de and medical publications; we suggest a schematic approach to
investigação, em particular no domínio da genética. Sugere-se the disease based on these recent developments.
uma esquematização na abordagem da doença, fundamentada We proceeded to research articles from archives of Medline/
nos últimos desenvolvimentos. Pubmed/Medscape, and from specific sites from the World
Procedeu-se à pesquisa de artigos nas bases de dados Me- Wide Web of medical magazines, published in the last years,
dline/Pubmed/Medscape, bem como em endereços específicos particularly review articles and investigational data concerning
da World Wide Web de revistas médicas, publicados nos últimos coeliac disease. We also proceeded, to research the National
anos. Procuraram-se quer artigos de revisão, quer trabalhos de Portuguese journals, textbooks and scientific meetings about
investigação na área da doença celíaca. Procedeu-se ainda à coeliac disease.
pesquisa de artigos nacionais no Índex Revistas Nacionais Por- Key words: coeliac disease, gluten, immunity, genetic, inves-
tuguesas, análise de livros de texto e do registo de conclusões tigation.
de congressos científicos sobre a doença celíaca.
Palavras chave: doença celíaca, glúten, imunidade, genética,
investigação.
Introdução
A doença celíaca é uma enteropatia imuno-mediada,
que se desenvolve em indivíduos susceptíveis, como
consequência da ingestão de glúten, uma proteína
*Interno do Internato Complementar de Medicina Interna, Serviço Medicina II – HUC da farinha de trigo e de outros cereais. Nestes indiví-
(Hospitais Universidade Coimbra) duos, a ingestão desta proteína conduz à infiltração
**Interno do Internato Complementar de Gastrenterologia, Serviço Gastrenterologia da mucosa intestinal por linfócitos intra-epiteliais
– HUC
CD8+ e CD4+ da lâmina própria, levando, em última
***Interno do Internato Complementar Pneumologia, Serviço Pneumologia – HUC;
instância, à hiperplasia criptal e atrofia vilosa.1
§
Assistente Hospitalar Graduado, Serviço Medicina II – HUC
O processo inflamatório desencadeado pode levar
Director do Serviço de Medicina II – HUC, Professor da Faculdade de Medicina da
§§
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Epidemiologia
Há cerca de uma década, a doença celíaca era con-
siderada uma entidade relativamente incomum,
encontrando-se dados epidemiológicos que referiam Patients with latent disease
(potential to develop the disease)
uma prevalência de 1/1000. No entanto, os últimos
estudos demonstram uma prevalência claramente
Modelo Iceberg para a prevalência da Doença Celíaca (Conleth
superior e estima-se actualmente que a doença celíaca
Feighery. Fortnightly review: Coeliac disease. BMJ 1999;319:237)
possa afectar 1 em cada 200 indivíduos. A imagem
do “iceberg” foi proposto no Sétimo Congresso
FIG. 1
Internacional sobre doença celíaca, para explicar
a epidemiologia da doença (Fig.1). Segundo este
esquema, apenas uma minoria dos doentes possui década. O sexo feminino é o mais afectado e, na idade
doença clinicamente reconhecida, o que explica as fértil, o ratio sexo feminino/masculino é de 3:1.15 Em-
imprecisões dos anteriores estudos de prevalência. A bora a doença celíaca seja classicamente relacionada
maioria dos doentes apresenta a denominada doença com a infância, é hoje evidente que a doença celíaca
celíaca silenciosa, assintomática e, por esta razão, de da infância se está a tornar progressivamente menos
diagnóstico mais difícil. comum.16,17 Este facto poderá ser parcialmente justi-
Foram divulgados, nos últimos anos, vários estu- ficado pela exclusão do glúten da dieta infantil, uma
dos internacionais de incidência e espectro clínico prática comum em vários países a partir da década
da doença,4-12 de entre os quais destacamos o estudo de 70. Especula-se ainda que crianças com suscepti-
de Sanders e colaboradores levado a cabo no Reino bilidade para desenvolver a doença celíaca, poderão
Unido, que confirma a existência de uma grande apenas sofrer desta doença numa altura mais tardia da
população de doentes com doença celíaca silenciosa, vida, após exposição a factores desencadeantes.2
detectada em amostra populacional de cuidados de
saúde primários e que também revela a associação de Etiopatogenia
doença celíaca com a síndrome do cólon irritável. O Estudos recentes definiram mais claramente, não só a
estudo compreendia uma amostra de 1200 doentes, base estrutural da intolerância ao glúten existente na
com detecção serológica e confirmação por biopsia doença celíaca, mas também as suas bases genética,
de 12 novos casos (1%); 123 doentes (10,3%) preen- imunológica e bioquímica.
chiam os critérios ROME II para síndrome do cólon A base etiopatogénica da doença é o processo in-
irritável e, destes doentes, 3,3% eram portadores de flamatório causado pela resposta imune inapropriada
doença celíaca. das células T intestinais, reactivas aos peptídeos de
Em Portugal, admite-se uma prevalência da doença glúten. A gliadina é a fracção tóxica do glúten de trigo.
semelhante ao resto da Europa (1/130-300).10 Têm As prolaminas, estruturalmente semelhantes à gliadi-
sido publicadas casuísticas por algumas instituições, na, pertencem ao glúten de outros cereais. A gliadina
com claro destaque para os serviços de pediatria, mas é um componente solúvel no álcool, com quatro
também de doença celíaca no adulto,13,14 neste caso subfracções na electroforese: α, β, γ e ω-gliadina, com
com referência particular para as formas silenciosas diferentes graus de toxicidade para os celíacos.18
da doença. As células T respondem a estes peptídeos que se
A doença celíaca pode ocorrer em qualquer idade, encontram ligados aos haplótipos predisponentes da
mas, nos adultos, com o pico de incidência na quinta doença, HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, libertando IFN- γ,
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celíaca é explicada pela observação que as moléculas polimorfismos no exão 1 é responsável pela redução
HLA-DQ apresentam os peptídeos de glúten ás célu- da função inibitória dos CTLA-4 no processo auto-
las T. Esta associação entre a doença celíaca e o HLA imune parecendo evidente uma associação entre esta
tem sido exaustivamente estudada, verificando-se região e a doença.34,35
que cerca de 95% dos doentes celíacos são portadores
dos alelos DQA1*0501 e DQB1*0201, responsáveis Clínica
pela codificação do tipo HLA DQ2. A maioria dos
restantes doentes que não apresentam este padrão é Sinais e sintomas
portadora dos alelos DQA1*0301 e DQB1*0302, que Os sinais e sintomas da doença celíaca dividem-se
codificam o tipo HLA DQ8.26 As implicações práticas entre manifestações intestinais e sintomas e sinais
destas conclusões são importantes, porque, apesar da causados pela malabsorção. No entanto, muitos do-
pesquisa dos haplotipos HLA DQ2 e HLA DQ8 não entes, particularmente os que manifestam a doença na
serem determinantes para o diagnóstico da doença, idade adulta, têm sintomas mínimos ou atípicos.
visto estarem presentes na população geral em 25% e Os sintomas que classicamente sugerem o diag-
32% respectivamente,27 são de extrema utilidade para nóstico de doença celíaca são distensão abdominal,
a exclusão da doença, uma vez que os doentes celíacos diarreia crónica e perda de peso.27, 36
negativos para os DQ2 e DQ8 são raríssimos. Em crianças com idade inferior a 2 anos, é pos-
Acredita-se que, nos doentes com doença celíaca sível uma forma mais agressiva da doença e podem
com padrão HLA DQ2, a resposta inflamatória das ocorrer diarreia crónica, atraso de crescimento,
células T aos peptídeos de glúten ligados ao HLA- distensão abdominal e vómitos.2 Esta apresentação
DQ2 seja responsável pela doença. Existem dois tipos clínica é hoje menos comum e os doentes em idade
de moléculas HLA-DQ2, denominadas HLA-DQ2.5 e pediátrica tendem a manifestar a doença numa idade
HLA-DQ2.2. E, enquanto a HLA-DQ2.5 predispõe ao mais tardia, cerca dos 4 anos, com predomínio de
aparecimento da doença, a HLA-DQ2.2 não o faz. A manifestações mais subtis, tais como baixa estatura
presença de homozigotia ou heterozigotia para a o tipo e perda de apetite.2
HLA-DQ2, bem como a presença de homozigotia para Os sintomas do foro intestinal podem estar ausen-
o tipo HLA-DQ2.5 ou heterozigotia HLA-DQ2.5/2.2 se- tes em adultos com doença celíaca. Em casos clínicos
rão responsáveis pela gravidade variável da doença.28 com manifestações típicas da doença, são frequentes
Todos os estudos, até à data, demonstraram uma a ulceração oral, a dispepsia e alterações do esmalte
relação evidente da doença com o braço curto do dentário, as quais podem ser a única forma de mani-
cromossoma 6, a região responsável pelo HLA.3 festação da doença.
A associação de outros locais do genoma com a São frequentes as deficiências nutricionais subclí-
doença celíaca tem sido objecto de relatos esporá- nicas e a densidade mineral óssea pode estar alterada,
dicos.29-33 Realça-se a associação encontrada entre a mesmo na infância.37 Poderá estabelecer-se um grande
forma atípica da doença e um polimorfismo existente espectro de mal-absorção, incluindo anemia devido
no exão 5 do gene MICA A5.1. Os genes MICA são à deficiência de ferro e/ou de ácido fólico e, menos
genes incluídos na região HLA 1, do cromossoma 6; frequentemente, de cobalamina. Os níveis de cálcio
a proteína MICA 5.1 encontra-se na região apical dos sérico e das vitaminas lipo-solúveis D e, menos fre-
enterócitos e é reconhecida pelos linfócitos T (γδ+). quentemente, K podem ser baixos.36
O polimorfismo descrito provoca o aparecimento de As alterações neurológicas são frequentes na
uma proteína solúvel e não ligada à membrana, pelo doença celíaca do adulto e incluem a presença de
que isso poderá significar uma alteração na função neuropatia periférica, perdas de memória e ataxia.36
reguladora normal dos linfócitos T na homeostase Podem ocorrer alterações no sistema reprodutor; na
do epitélio intestinal.3 mulher encontram-se perturbações específicas, tais
Outra associação possível entre zonas genómicas como menarca tardia, amenorreia, menopausa pre-
susceptíveis e doença celíaca, é a que se refere ao gene coce e, eventualmente, infertilidade; no homem, a
responsável pela codificação dos linfócitos T citotó- impotência sexual, diminuição da actividade sexual
xicos CTLA-4 (“cytotoxic T-Lymphocyte associated e alterações morfológicas e funcionais dos esperma-
protein-4”), localizado em 2q33. O aparecimento de tozóides27 são também frequentes. Além das mani-
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alguma esperança, realçando-se a descoberta já refe- with celiac disease is directed toward multiple gliadin and glutenin peptides.
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