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Unidade II
5 SISTEMA GASTROINTESTINAL: PATOLOGIAS DO TUBO DIGESTIVO
Atresia de esôfago (AE) é uma anomalia da formação e separação do intestino anterior e primitivo
em traqueia e esôfago, que ocorre na quarta ou quinta semana de desenvolvimento embriológico. Há
interrupção da luz esofagiana, podendo existir ou não comunicação entre ambos.
Atresia é a anomalia congênita mais importante do esôfago, representa mais de 80% das
malformações do órgão, resulta da falta de septação normal do intestino anterior em esôfago e traqueia.
A lesão acontece preferencialmente na altura da carina e pode ser de dois tipos: atresia pura, sem fístula
esofagotraqueal; atresia com fístula esofagotraqueal.
A atresia pura, sem fístula esofagotraqueal, representa 9% das atresias do esôfago e, em metade dos
casos, associa‑se a outras malformações. A porção cefálica do esôfago termina em fundo cego e une‑se
ao estômago através de um fino segmento fibroso, sem luz, de extensão variável.
A atresia com fístula esofagotraqueal é uma anomalia que constitui um dos elementos da síndrome de
Valter (atresia do esôfago com fístula esofagotraqueal, anomalia vertebral, malformação anal e displasia
do rádio, às vezes associada a anomalias renal e vascular), podendo ser dividida em: atresia do esôfago
com fístula esofagotraqueal na porção proximal, atresia do esôfago com fístula esofagotraqueal na porção
distal do esôfago e atresia do esôfago com fístula esofagotraqueal nas porções proximal e distal.
Observação
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Unidade II
O tratamento para a patologia é cirúrgico e depende das condições clínicas da criança e do tipo de
atresia que ela possui.
Saiba mais
Fístula digestiva (FD) ou fístula gastrointestinal (FGI) é conceituada como comunicação anormal entre
duas superfícies epiteliais, entre tubo digestivo e qualquer víscera oca ou cavidade abdominal (fístula
interna), ou ainda com a superfície cutânea (fístula externa), da qual ocorre a drenagem dos líquidos
digestivos. Pode ser congênita ou adquirida, sendo a última de origem pós‑operatória, traumática ou
espontânea. Seu aparecimento constitui sérias complicações, por vezes de alta gravidade, podendo
espontaneamente ser procedente de doenças inflamatórias intestinais, traumas abdominais fechados,
tuberculose intestinal, blastomicose, doenças pancreáticas que evoluem com calcificação e obstrução
ductal, entre outros.
Cerca de 85 a 90% das fístulas digestivas ocorrem devido a complicações cirúrgicas, sobretudo em
situações de urgência, normalmente entre o quinto e o décimo dia pós‑operatório, por problemas na
linha de sutura como tensão excessiva, má vascularização e técnica inadequada e/ou incorreta.
Há poucos problemas cirúrgicos que necessitam mais de atenção do que a fístula digestiva. A sua
formação procede de qualquer circunstância em que haja um defeito na parede do órgão ou condições
que interfiram de alguma forma na cicatrização normal; as causas menos comuns de ocorrência
espontânea da fístula são isquemias, inflamações, câncer e irradiação.
A incidência das fístulas digestivas está associada à importante taxa de mortalidade, que varia de
10% a 70%. As principais causas de morte são a desnutrição, o desequilíbrio hidroeletrolítico e a sepse.
Entre as diversas etiologias, a deiscência de anastomoses digestivas é a mais frequente (80%), ocorrendo
geralmente entre o 4º e 10º dia pós‑operatório, e ainda há uma mortalidade de 50 a 70% em cerca de
6 a 8% das anastomoses gástricas por ressecções oncológicas. Outro fator relevante relacionado a pior
prognóstico é o alto débito inicial pela fístula. Quando o débito é inferior a 500 ml, define‑se fístula de
baixo débito, e de alto débito, quando maior de 500 ml ao dia; nas doenças benignas, se o débito for
superior a 200 ml/dia, os índices de mortalidade girarão em torno de 40%.
Outros motivos que implicam o aparecimento das fistulas compreendem doença de Crohn,
radioterapias, perfurações durante o ato operatório, traumas e doenças como a tuberculose e a
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PATOLOGIA DOS SISTEMAS
Existem ainda alguns fatores com grande influência, mas que podem ser controlados, diminuindo
o número de incidência das fístulas, como preparo pré‑operatório adequado, técnica cirúrgica precisa
e presença de drenos em tempo adequado, uso correto de antibióticos e/ou corticoides, suturas
adequadas, manutenção de transporte apropriado de oxigênio no pós‑operatório, fatores sistêmicos,
entre outros.
Para o tratamento primário da fístula digestiva, existe a necessidade de reconhecer os fatores que
estabelecem seu aparecimento como tipo de abordagem cirúrgica, correção efetuada, lesões preexistentes,
presença de corpos estranhos, radioterapia prévia, neoplasias, doenças inflamatórias, distúrbios
hidroeletrolíticos, sepse, uso de antibióticos e corticoides etc. Para as complicações mais ameaçadoras,
deve‑se intervir com medidas como hidratação adequada, uso criterioso de antibióticos, correção da
anemia, suporte nutricional adequado, drenagem de abscessos provenientes de inflamações, e controle
do débito fistuloso são indicados. Ainda deve haver investigação do sítio fistuloso em questão por meio
de exames como fistulografia, tomografia computadorizada (TC) e endoscopias. Quando diagnosticada
a fístula digestiva, suas manifestações locais e sistêmicas devem ser controladas. Depois de definida
a opção de tratamento inicial, a princípio com o objetivo de ocorrer fechamento espontâneo, porém
sempre considerando os detalhes anatômicos e fisiológicos.
Acalasia é a mais conhecida doença motora do esôfago, distúrbio motor primário que acomete a
musculatura lisa do órgão; é um transtorno infrequente que pode se apresentar em qualquer idade,
afeta igualmente homens e mulheres, e na maioria das vezes não há relação hereditária.
Na maioria dos casos, a acalasia que tem origem por alterações das estruturas nervosas do esôfago –
falha dos neurônios inibitórios esofágicos distais – é de causa idiopática, por definição acalasia primária.
A acalasia secundária pode surgir na doença de Chagas, consequência de infecção pelo Trypanosoma
cruzi, protozoário flagelado agente etiológico da doença que causa destruição do plexo mioentérico,
falha no peristaltismo e dilatação esofágica. No Brasil, há um número considerável de pacientes que
desenvolvem esofagopatia chagásica.
As manifestações clínicas têm amplo espectro, com sintomas distintos entre faixas etárias. Nas crianças
mais velhas, são semelhantes aos apresentados por adultos, com disfagia para sólidos e sucessivamente
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Unidade II
para líquidos, além de regurgitação logo após as refeições ou durante o sono; é classificada como
disfagia progressiva, por isso muitas vezes é confundida com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE),
retardando seu diagnóstico. Já na criança pequena, a doença é inespecífica, apresentando deficiente
progressão ponderal, dor retroesternal, recusa alimentar, pirose, vômitos, halitose, tosse crônica ou
noturna e pneumonias aspirativas de repetição.
Observação
A hérnia do hiato ocorre quando existe migração ou deslizamento da porção mais alta do estômago
em direção ao tórax através do hiato, orifício natural existente no diafragma. A hérnia muda a dinâmica
da transição esofagogástrica, diminuindo sua capacidade de conter o refluxo, e é comum haver a
associação com refluxo gastroesofágico (RGE), embora haja um grande número de pessoas com refluxo
e sem hérnia de hiato, e aqueles com hérnia de hiato e que não têm refluxo. Existem ainda relatos da
relação de influência da hérnia hiatal na DRGE e no desenvolvimento de suas complicações, como a
esofagite de refluxo (ER) e o Esôfago de Barrett (EB).
A hérnia hiatal ressurgiu nos últimos anos como importante fator patogênico na DRGE, estando
associada à maior exposição ácida esofagiana e sempre presente nas formas mais graves e complicadas
da doença. O mecanismo pelo qual a hérnia hiatal se associa à DRGE mais grave estaria relacionado a
maior alteração na função esfincteriana (aumento dos relaxamentos transitórios do esfíncter inferior do
esôfago (EIE)), promoção do refluxo ácido e, principalmente, redução da depuração esofágica observada,
sobretudo em hérnias volumosas e não redutíveis.
Observação
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PATOLOGIA DOS SISTEMAS
• Tipo I ou esôfago curto, ou ainda, hérnia fixa: é aquela em que parte do estômago é tracionada,
passa através do diafragma e ali permanece.
• Tipo II, hérnia paraesofágica ou por rolamento: a posição distal do esôfago permanece no fundo
gástrico, mas em alguns momentos partes do fundo gástrico infiltram‑se no tórax. Ocorre devido
à evolução geralmente avançada da doença.
• Tipo III: hérnia esofagogástrica ou por deslizamento: é o tipo mais comum de hérnia. Acontece
quando a porção subdiafragmática do esôfago e parte do estômago deslizam para dentro do
tórax. Hérnias por deslizamento tendem a ser pequenas, geralmente assintomáticas e podem não
necessitar de tratamento.
• Tipo IV: além do estômago, outros órgãos como intestinos e baço sofrem herniações. Existem
ainda as hérnias mistas, como é o caso da hérnia hiatal gigante (HHG), enfermidade pouco
frequente; corresponde a uma hérnia de tipo III mista, uma vez que é composta de características
de deslizamento e paraesofágica ao mesmo tempo, contendo mais de 30% do estômago em
âmbito torácico.
A hérnia tipo I é resultado de defeitos ou lesões congênitas que causam encurtamento do órgão, como
esofagites crônicas ou câncer de esôfago; já o que ocasiona o desenvolvimento das hérnias tipo II e III
está descrito em dois fatores: primário, representado por fraqueza do músculo diafragma, que permite
a passagem de parte do estômago pelo hiato (comum depois dos 40 anos de idade ou após doenças
crônicas), e secundárias, associadas a condições que aumentam a pressão intra‑abdominal, por exemplo,
tosse, vômitos, obesidade, gravidez, ascite, cifoescoliose, esforços evacuatórios ou até levantamento de
pesos, entre outros, capazes de empurrar parte do conteúdo abdominal para o tórax.
Elas têm complicações além da doença de refluxo gastroesofágico, como estreitamento do esôfago
(estenose esofágica) por danos, devido à exposição prolongada ao ácido, que pode levar à formação
de tecido cicatricial, que, por sua vez, estreita a via alimentar, causando disfagia e EB, pelas longas
exposições ao suco gástrico, que transformam o revestimento normal do esôfago em algo diferente, com
células intestinalizadas, obstrução gástrica etc. Seu diagnóstico é geralmente feito através da realização
de exames como endoscopia digestiva alta e exames de imagem, radiografia de tórax e tomografia
computadorizada torácica ou abdominal. Hérnias assintomáticas não necessitam de tratamento, já
aquelas que apresentam sintomas e compreendem grandes dimensões requerem correção cirúrgica,
seja por cirurgia aberta, seja por laparoscópica. Nos casos de refluxo gastroesofágico, há prescrição
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Unidade II
de medicamentos destinados a diminuir a secreção de ácido pelo estômago; além disso, mudanças
dietéticas adequadas, principalmente em casos de obesidade e também no estilo de vida, melhoram as
condições físicas de pacientes acometidos por esta patologia.
DRGE é uma das afecções mais frequentes na prática médica; condição clínica associada à esofagite
de refluxo, uma das mais importantes afecções digestivas, tendo em vista as elevadas incidências, a
gravidade das complicações, e a variância das características clínicas com sintomas como a pirose
ocasional, a tosse crônica e a asma refratária, além de apresentar condições endoscópicas muito variadas,
como EB, ulceração esofágica, hematêmese, melena, entre outros.
Caracteriza‑se por refluxo e/ou fluxo retrógrado e repetido de conteúdo gástrico para o interior do
esôfago. Em condições normais, aberturas periódicas do esfíncter esofágico inferior, que permitem o
refluxo de pequenas quantidades de conteúdo, podem ocorrer, porém sem repercussões clínicas, uma
vez que são de caráter fisiológico. No entanto, o aumento recorrente deste refluxo gástrico ou maior
sensibilidade da mucosa gástrica em componentes distintos (bile, suco gástrico, entérico e pancreático)
do conteúdo refluído pode ocasionar sintomatologia e injúria da mucosa, principalmente no terço distal
do órgão. As condições que contribuem para a DRGE são aquelas que diminuem o tônus do esfíncter
esofágico inferior ou aumentam a pressão abdominal como tabagismo e etilismo, obesidade, gravidez,
hérnia de hiato e depressores do sistema nervoso central.
A DRGE acomete homens e mulheres, em qualquer idade, embora sua incidência aumente acima dos
40 anos de idade, sendo que mais de 50% dos pacientes acometidos se encontram na faixa de 45 a 65
anos; também ocorre em crianças e bebês, na maioria das vezes de evolução benigna, e caracteriza‑se
pela presença de regurgitações, que, junto à abdominal e à constipação intestinal, constituem uma das
principais causas de consultas ao gastroenterologista pediátrico.
de conteúdos gástricos com sabor ácido. Também há sintomas atípicos, como dor torácica de origem
indeterminada, que podem ser confundidas com dor cardíaca, sendo esta de difícil discriminação em
alguns casos; sintomas otorrinolaringológicos (ORL), que compreendem refluxo laringofaríngeo com
manifestações comuns de laringite, rouquidão, dor de garganta, apneia, espasmo laríngeo; e sintomas
pulmonares como tosse crônica, asma, bronquite crônica e gotejamento pós‑nasal, entre outros.
Ainda que os sintomas da DRGE sejam severos e mesmo assim não estejam diretamente ligados à
gravidade dos danos histológicos, eles tendem a aumentar de acordo com a duração da patogenia.
As úlceras gástricas (UG) são defeitos focais da mucosa gástrica que se desenvolvem agudamente
pelas complicações da terapia dos anti‑inflamatórios não esteroides e também podem aparecer após
estresse fisiológico grave. Algumas úlceras recebem nomes específicos, baseados na localização e nas
associações clínicas, por exemplo: úlceras de estresse, úlceras de Curling e úlceras de Cushing.
As UG variam em profundidade, desde erosões superficiais até lesões profundas que penetram na
mucosa. Podem ser arredondadas e ter menos de 1 cm de diâmetro. A base da úlcera é frequentemente
corada de marrom a preto pela digestão ácida do sangue extravasado e pode estar associada à inflamação
transmural e serosite local.
Diferentemente das úlceras pépticas, as quais surgem na condição de injúria crônica, as úlceras
de estresse aguda são encontradas em qualquer parte do estômago. As pregas rugosas gástricas são
essencialmente normais, e as margens e a base das úlceras não são endurecidas; embora elas possam
ocorrer isoladamente, existem mais frequentemente múltiplas úlceras por todo estômago e duodeno.
Assim, alterações no muco gástrico e lesões epiteliais provocadas diretamente pelo H. pylori parecem
contribuir para a quebra da barreira da mucosa, facilitando a retrodifusão de H+ e, portanto, a digestão
ácido‑péptica.
Os pacientes mais criticamente doentes admitidos nas unidades de terapia intensiva dos hospitais
apresentam evidências histológicas de danos à mucosa gástrica. O sangramento de erosões gástricas
superficiais ou de úlceras que podem requerer transfusões se desenvolve em 1% a 4% dos pacientes.
A cura da UG é ainda discutível. É bem sabido que podem haver cicatrização completa da lesão e
regeneração do epitélio, assim permanecendo por períodos variáveis. No estômago, a cicatriz é retraída
e forma convergência das pregas da mucosa para o centro da úlcera (aspecto estrelado), podendo tal
local ser reconhecido muitos anos depois.
A úlcera péptica (UP) é uma lesão em forma de ferida, na camada mais externa (chamada de mucosa)
do trato digestivo. Quando está localizada no estômago, é chamada de úlcera gástrica, mas quando se
encontra na primeira porção do intestino delgado é denominada úlcera duodenal.
Na maioria das vezes, a lesão se apresenta de forma redonda ou oval, com diâmetro variando de
0,5 a 2,0 cm e bordas regulares, pouco elevadas e cortadas a pique, tendendo a se afunilar na medida
em que se aprofundam na parede do órgão. Geralmente o fundo é limpo, mas pode estar coberto por
material branco, por tecido de granulação avermelhado ou por tecido fibroso.
Embora a doença péptica seja multifatorial, diversos fatores etiológicos estão bem estabelecidos
como infecção pela bactéria Helicobacter pylori (H. pylori) e drogas anti‑inflamatórias não esteroides
(Aines), por exemplo, a aspirina e o ibuprofeno.
Outras causas menos comuns de úlcera incluem gastrinoma, mastocitose, pâncreas anular, doença de
Crohn, infecção gástrica por outras espécies de Helicobacter, como o Helicobacter suis e possivelmente por
outros microrganismos como Herpes simplex tipo I. Também sido descrita em indivíduos que fazem uso de
medicamentos contendo potássio, em pacientes submetidos à quimioterapia, usuários de cocaína, e mais
recentemente sob tratamento para osteoporose com bifosfonatos de cálcio (como alendronato e risedronato).
A grande maioria das úlceras pépticas aparecem devido à presença do H. pylori, a bactéria enfraquece
a cobertura protetora de muco do estômago e duodeno, permitindo a passagem do ácido através dela até
a parede mais sensível do estômago. Com isso, o ácido e a bactéria irritam a parede e ocasionam a úlcera.
A H. pylori é capaz de sobreviver ao ácido clorídrico porque ele secreta enzimas para neutralizá‑lo,
este mecanismo permite que a bactéria faça seu caminho para a zona mais segura do estômago (a
camada protetora de muco), entocando‑se em seu interior a fim de preservar sua sobrevivência.
O tratamento da úlcera péptica consiste em curar a lesão e prevenir possíveis complicações. Caso
o paciente seja etilista ou consuma álcool, é recomendado que o consumo seja cessado e que o uso de
Aines seja o mais adequado possível.
O conceito de hemorragia digestiva alta (HDA) é o sangramento que ocorre desde a cavidade oral
até o ângulo de Treitz. As principais causas de HDA são varizes de esôfago e estômago decorrentes de
hepatopatias, rotura de úlceras e lacerações da mucosa gástrica ou esofagiana.
Clinicamente, a HDA é caracterizada por um sangramento ativo e de sangue vivo através da cavidade
oral (quando em grandes quantidades) ou escurecimento e mau cheiro das fezes (presença de melena),
nos casos de menor intensidade.
Observação
As varizes esofágicas são dilatações das veias localizadas nos plexos submucoso e periesofágico nas
porções média e distal do esófago, próximas do estômago. Geralmente seu aparecimento é secundário à
hipertensão porta ou hipertensão portal (HP), condição na qual o fluxo pelo sistema porta intra‑hepático
fica comprometido e o sangue venoso, que deveria retornar diretamente para o coração, reflui para as
vias hepáticas e é liberado no fígado através da veia porta; trata‑se de uma síndrome caracterizada pelo
aumento da pressão venosa em níveis acima dos fisiológicos. Disfunções que impedem o fluxo podem
ser ocasionadas por doenças que levam à hipertensão porta e consequentemente ao desenvolvimento
das varizes esofágicas.
Tais varizes são semelhantes às veias varicosas encontradas em algumas pessoas ao longo das
pernas, sua ruptura na luz do órgão pode ocorrer pela condição de dilatação associada à localização
muito próxima ao revestimento interno do esôfago e pela condição superficial das veias.
Embora os fatores que levam à ruptura das varizes não estejam bem definidos, há diversos
mecanismos que podem provocar hemorragias: primeiramente citamos o ingurgitamento dos vasos e sua
proximidade à mucosa da superfície do esôfago, que estão sujeitos a traumas e rupturas por alimentos
ásperos e sólidos; a condição fisiológica das paredes das varizes de espessura delgada as tornam frágeis
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Unidade II
e suscetíveis a rupturas; o aumento súbito da pressão venosa hidrostática associada ao vômito e aos
seus esforços; erosão péptica ou ulcerações da mucosa por refluxo do conteúdo gástrico, pois as varizes
alteram a atividade do esfíncter gastroesofágico; em cirróticos, trombocitopenia e hipoprotrombinemia,
que alteram a hemostasia e contribuem para os sangramentos mais graves, entre outros fatores.
Contudo, as hemorragias decorrentes da ruptura das varizes esofágicas deverão ser tratadas como
emergência médica e submetidas a uma série de intervenções com métodos medicamentosos como
escleroterapia por injeção endoscópica de agentes trombolíticos, drogas vasoativas, cirúrgicos, colocação
de balão endoscópico tamponado ou ligação elástica endoscópica. A dieta deverá ser restituída o mais
precocemente possível, 24 horas após a estabilização do sangramento.
Observação
A mortalidade por HDA varicosa varia entre 30% e 50%, sendo altamente
prevalente, uma vez que quase metade dos pacientes morre do primeiro
episódio de sangramento.
5.9 Lacerações
Em cerca de 75% dos casos, a lesão limita‑se à região cárdica do estômago; nos restantes, atinge
a junção esofagogástrica ou apenas o esôfago. A lesão é mais comum no gênero masculino (75%) e
ocorre em qualquer idade.
Embora mais frequente em alcoólatras, após uso de ácido acetilsalicílico ou em pacientes com hérnia
de hiato, a doença surge também após vômitos ou esforços de qualquer natureza. A lesão foi descrita após
traumatismo abdominal, tosse, defecação, gastroscopia, levantamento de peso e reanimação cardíaca.
Na maioria dos casos, a síndrome acha‑se associada a outras lesões também causadoras de hemorragia
digestiva, como esofagites, varizes esofágicas, lesões agudas da mucosa gastroduodenal, gastrites e
úlcera péptica. Embora para muitos o álcool seja o elemento iniciador da síndrome, outros admitem que
as lesões possam desencadear crises de vômitos, as quais seriam responsáveis pelas lacerações.
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PATOLOGIA DOS SISTEMAS
A manifestação mais importante é a hematêmese (85% dos pacientes), nos casos clássicos precedida
de vômitos ou esforços (afecção é causa de 10 a 15% das HDAs).
Em 80% dos eventos, as lacerações não requerem intervenção cirúrgica, a cicatrização e a cura
tendem a serem rápidas e completas entre 48 e 72h.
Lembrete
Por definição, diverticulose, de etiologia idiopática, em geral, é a existência de bolsas, cuja formação
é externa à mucosa e submucosa colônica através da camada muscular do cólon, denominados
divertículos colônicos, em que a disposição das artérias nutrientes no cólon, com o aumento da pressão
intraluminal no cólon sigmoide, contribui para a ocorrência dos divertículos colônicos. Associa‑se ao
conjunto de manifestações relacionadas à doença diverticular e à diverticulite.
Tais divertículos são sacos em forma de cantil, pequenas dilatações que variam de 0,5 a 1 cm de
diâmetro, formados por uma parede fina composta de uma camada interna de mucosa achatada
ou atrófica, uma submucosa comprimida e uma muscular própria atenuada ou totalmente ausente;
possuem espessuras muito finas e estão próximas aos vasos que nutrem o intestino.
A diverticulose é uma doença adquirida, comum entre homens e mulheres, principalmente entre as
pessoas idosas acima de 60 anos, e rara entre aquelas abaixo dos 30 anos de idade. Acredita‑se que tenha
como principal fator etiológico hábitos dietéticos relacionados à diminuição da ingestão de fibras (legumes,
verduras, frutas e grãos) na dieta e ao refinamento da dieta industrializada. O seu aparecimento ocorreu
no início do século passado, momento no qual a Revolução Industrial trouxe novos hábitos alimentares,
caracterizados pela redução da ingestão de fibras, que levou à produção de fezes volumosas e com baixo
teor de água, o que pode alterar o trânsito intestinal e contribuir para o aumento da pressão intracolônica
e se correlaciona com o aparecimento da doença diverticular sintomática.
Como consequência de uma herniação da mucosa do intestino grosso por entre as fibras musculares
da parede intestinal, a diverticulose pode ter um caráter benigno de evolução e ser totalmente
assintomática. Entretanto, uma pequena parcela dos pacientes portadores de diverticulose pode
expressar sinais e sintomas agressivos, sobretudo dor e/ou desconforto abdominal, distensão e mudança
no hábito intestinal, passando a apresentar a doença diverticular, que, para confirmação do diagnóstico
e identificação das complicações, pacientes sintomáticos devem ser investigados, sendo submetidos a
exames laboratoriais, exames radiológicos e exame endoscópico (colonoscopia). A grande maioria dos
pacientes com doença diverticular necessita de tratamento clínico baseado principalmente na correção
dos hábitos alimentares e eventualmente no uso de analgésicos para alívio das dores.
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Unidade II
Observação
5.11 Enterocolites
O termo enterite (do grego énteron, que significa intestino). É a inflamação do intestino delgado;
quando acompanhada de inflamação do cólon, denomina‑se enterocolite. As enterocolites se dividem em:
enterocolites infecciosas, enterocolites bacterianas, enterocolites virais e enterocolite necrosante.
A enterocolite infecciosa pode se apresentar com uma ampla série de sintomas, incluindo
diarreia, dor abdominal, urgência, desconforto perianal, incontinência e hemorragia. As infecções
bacterianas, tal como a Escherichia coli enterotoxigênica, são frequentemente responsáveis, mas
os patógenos mais comuns variam conforme idade, nutrição e estado imunológico do hospedeiro,
assim como influências ambientais.
Enterocolite bacteriana ocorre quando as bactérias induzem enterocolite e diarreia por diferentes
mecanismos, que incluem invasão da mucosa e produção de toxinas (infecção alimentar); outras vezes,
há a ingestão de toxinas pré‑formadas em alimentos (intoxicação alimentar). Nestes casos, a mucosa
intestinal não apresenta lesões morfológicas, com a secreção de líquidos e eletrólitos, sem evocar resposta
inflamatória. Exemplos das bactérias que causam enterocolite são: Escherichia coli, Campylobacter
jejuni, Shigella, Salmonella, Vibrio cholerae, Clostridium difficile e Clostridium perfringens.
Enterocolite viral é a infecção humana sintomática causada por diversos grupos distintos de vírus,
que são: norovírus, rotavírus e adenovírus. Tais vírus causam diarreias agudas em crianças abaixo de 2
anos, adolescentes e adultos. O diagnóstico é confirmado pela identificação das partículas virais, por
microscopia eletrônica, nas células epiteliais da mucosa intestinal.
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PATOLOGIA DOS SISTEMAS
Trata‑se da emergência gastrointestinal mais comum no período neonatal. Manifesta‑se nas duas
primeiras semanas de vida com quadro de distensão abdominal, diarreia e hemorragia digestiva que
evolui rapidamente para choque e óbito se não for tratada.
Observação
A doença celíaca (DC) é uma intolerância à ingestão de glúten, uma proteína contida em cereais como, por
exemplo: cevada, centeio, trigo e malte. A doença se caracteriza por um processo inflamatório que envolve
a mucosa do intestino delgado, levando à atrofia das vilosidades intestinais, má absorção e variedade de
manifestações clínicas. As proteínas do glúten são relativamente resistentes às enzimas digestivas, resultando
em derivados peptídeos que podem ocasionar resposta imunogênica em pacientes com DC.
A manifestação desta doença não depende somente da presença de glúten na dieta, mas, também,
de fatores genéticos, imunológicos e ambientais. A DC pode afetar qualquer órgão e não somente o
trato gastroentérico. A eclosão e o aparecimento dos primeiros sintomas ocorrem em qualquer idade.
Três formas de apresentação clínica da DC são reconhecidas: clássica ou típica, não clássica ou
atípica e assintomática ou silenciosa.
A forma clássica (típica) é o padrão mais frequente e manifesta‑se nos primeiros anos de vida, com
quadros clínicos de diarreia crônica, vômitos, irritabilidade, anorexia, emagrecimento, dor e distensão
abdominal, diminuição do tecido celular subcutâneo, comprometimento variável do estado nutricional,
palidez por anemia ferropriva e atrofia da musculatura glútea. Esta forma pode ter evolução grave,
conhecida como crise celíaca, ocorrendo quando há retardo no diagnóstico e no tratamento, em
particular entre o primeiro e o segundo anos de vida, e frequentemente desencadeada por infecção.
A forma não clássica (atípica) caracteriza‑se por ser o quadro em que as manifestações digestivas
estão ausentes ou, quando presentes, ocupam um segundo plano. Os pacientes podem apresentar
manifestações isoladas, por exemplo, anemia ferropriva, anemia por deficiência de ácido fólico e
vitamina B12, osteoporose, artralgias ou artrites, irregularidade do ciclo menstrual, esterilidade, abortos
de repetição, epilepsia (isolada ou associada à calcificação cerebral), neuropatia periférica, manifestações
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Unidade II
psiquiátricas (depressão, autismo, esquizofrenia), úlcera aftosa recorrente, edema de surgimento abrupto
após infecção ou cirurgia, dispepsia não ulcerosa, entre outros.
O tratamento da doença celíaca baseia‑se nos seguintes pontos: iniciar uma dieta sem glúten,
controlar o progresso clínico, assegurar apoio regular com dietista, fornecer suplementos de nutrientes,
se necessário ferro, ácido fólico, cálcio, monitorizar adesão à dieta com testes seriados com anticorpos
e realizar a biopsia intestinal se a evolução clínica não for adequada.
5.13.1 Hemorroidas
Hemorroidas – varizes anais –, também referida como doença hemorroidária (DH), é a dilatação
de vasos submucosos de parede fina que se projetam abaixo da mucosa anal ou retal, pressão venosa
persistentemente elevada no plexo hemorroidário, uma estrutura venosa normal que se localiza nas
regiões anorretais submucosas. Isso ocorre porque as veias localizadas na região não possuem válvulas
para impedir o refluxo do sangue e a pressão que propicia seu ingurgitamento.
As hemorroidas são verdadeiros coxins de tecido conjuntivo fibroelástico, ricos em plexos vasculares e
com múltiplas anastomoses arteriovenosas, situados na submucosa da região anorretal, que se comportam
como uma almofada, ajudando na continência anal e permitindo a chamada oclusão anal de repouso.
A DH pode ser categorizada de acordo com a localização anatômica em internas, que se originam
do plexo hemorroidário, cuja dilatação das veias, situadas de 1,5 a 2 cm acima do esfíncter anal,
são recobertas pela mucosa intestinal e classificadas em graus de acordo com o prolapso do canal
anal e com sangramento; hemorroidas externas são dilatações de veias externas ao ânus, formadas
no plexo hemorroidário inferior, situadas abaixo do esfíncter anal, sendo recobertas por pele
modificada do canal anal e classificadas em agudas (trombo hemorroidário) ou crônicas (plicomas),
e mistas, aquelas formadas nas extensões internas do canal anal e da região externa ao ânus, logo
os dois plexos estão envolvidos.
• Primeiro grau: ocorre apenas o sangramento anal sem prolapso (tecido hemorroidário não se exterioriza).
88
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
• Segundo grau: sangramento e prolapso apenas durante o esforço evacuatório, porém com retorno
espontâneo ao interior do canal anal.
As hemorroidas afetam cerca de 5% da população, com maior incidência em pessoas com faixa
etária acima de 50 anos e antes dos 30 anos, sendo esta última pouco comum, exceto em gestantes.
Além de se formarem em consequência do aumento da pressão venosa no plexo hemorroidário, há
influências predisponentes para a doença; as mais comuns são esforço na defecação por causa da
constipação intestinal, estase venosa na gravidez e inflamações locais.
Entre as características clínicas presentes na DH estão o sangramento retal como um dos principais
sintomas relatados pelos portadores da doença, sendo pouco volumoso e intermitente; dor e/ou
desconforto anal e/ou tenesmo anal, prolapso do mamilo hemorroidário, geralmente aumento crônico
do esforço evacuatório, sensação de esvaziamento incompleto do reto pós‑evacuação, presença de
muco, prurido local, irritações e/ou dermatites perianais, entre outros.
Suas complicações mais frequentes são tromboses com ou sem sinais de flebite, estrangulamentos,
hemorragias graves – podem levar a anemias, embora não muito frequentes –, ulcerações com infecção
secundária e abscessos.
É comum a associação da DH com outras doenças anais mais incidentes, como as papilites, as criptites,
as fissuras, as fístulas, os prolapsos e os pólipos inflamatórios, porém doenças mais raras podem estar
associadas, como os condilomas anais acuminados, as DSTs anorretais, a doença de Crohn, os tumores etc.
Lembrete
A isquemia mesentérica ocorre quando a perfusão dos principais órgãos irrigados pela circulação
mesentérica (artéria celíaca, artéria mesentérica superior, artéria mesentérica inferior e ramos colaterais),
incluindo intestino delgado, intestino grosso, estômago, fígado, vesícula biliar e pâncreas, é insuficiente
para supri‑los em suas necessidades metabólicas.
Esta insuficiência pode ocorrer por diferentes mecanismos, por exemplo, obstruções arteriais, venosas
e da microcirculação, ou mesmo na ausência de obstrução vascular, quando existe um transtorno
expressivo da perfusão tecidual, como nos casos de insuficiência cardíaca, choque, desidratação e
89
Unidade II
hipotensão arterial. As lesões intestinais, por sua vez, são consequentes à falta de suprimento sanguíneo
(isquemia) e, também, da reperfusão.
A isquemia mesentérica pode ter consequências clínicas graves, causando necrose intestinal com
repercussão sistêmica intensa, acompanhada de sepse, choque, ocorrendo o óbito ou evoluindo com
síndrome do intestino curto. Portanto, o diagnóstico e o tratamento da doença deve ser realizado em
caráter de urgência.
O tratamento é obtido com o restabelecimento do fluxo sanguíneo, seja por meio de tratamento
clínico, cirúrgico, endovascular, seja pela combinação deles. Com o maior entendimento da doença,
novas alternativas terapêuticas têm sido desenvolvidas para a obtenção de melhores resultados.
As síndromes isquêmicas mesentéricas são classificadas de acordo com vários aspectos: quanto à
obstrução do fluxo – oclusivas x não oclusivas, quanto à apresentação da sintomatologia – aguda x
crônica e quanto à sua origem vascular – arterial x venoso.
A isquemia mesentérica aguda é caracterizada por alterações súbitas do fluxo sanguíneo ao intestino
que são provocadas pela obstrução da artéria mesentérica superior. Raramente, a obstrução da artéria
mesentérica inferior ocasiona infarto intestinal. O infarto é causado por embolia arterial, trombose
arterial aguda ou trombose venosa mesentérica. A revascularização do intestino deve ser realizada até
6 a 8 horas após o início dos sintomas, quando a isquemia é reversível, a fim de evitar a progressão para
a necrose intestinal.
A isquemia mesentérica crônica é uma entidade rara. Ela se apresenta com sintomas inespecíficos,
por exemplo, dor pós‑prandial abdominal, medo de comer, perda de peso e diarreia. Pacientes
sintomáticos não tratados podem evoluir para desnutrição grave e morte devido a complicações
sépticas da isquemia mesentérica. Sua causa mais comum é a aterosclerose, embora possam haver
outros motivos como displasia fibromuscular, trauma, dissecção mesentérica, aneurisma, poliarterite
nodosa, e doença de Takayasu.
90
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
6.1 Cirrose
A cirrose hepática é caracterizada por subversão difusa da arquitetura hepática normal por nódulos
de hepatócitos em regeneração circundados por tecido conjuntivo. É o estágio final comum de uma
grande variedade de doenças de causas diversas, sobretudo alcoolismo, hepatites virais (sendo hepatite
B e C as mais comuns), e autoimunes, além de processos de natureza metabólica e vascular.
Outras etiologias incluem doença biliar e sobrecarga de ferro. A cirrose, como estágio final da doença
hepática crônica, é definida por três características morfológicas principais: fibrose em ponte dos septos,
nódulos parenquimatosos e desorganização da arquitetura de todo o fígado.
A extensão das lesões leva ao comprometimento da arquitetura hepática, resulta em fibrose iniciada
por colapso da trama reticulínica, e, depois, por neoformação de colágeno. A associação de cirrose
hepática com nódulos de regeneração é clássica.
Observação
A perda da função hepática afeta o organismo de diversas maneiras, sendo problemas comuns ou
complicações causadas pela cirrose: edema e ascite, sangramentos, icterícia, prurido, toxinas no sangue
ou cérebro, sensibilidade às medicações, hipertensão portal, varizes de esôfago e problemas em outros
órgãos, por exemplo, insuficiência renal.
Seu dano hepático geralmente é pouco reversível, mas o tratamento pode interromper a progressão
da doença e reduzir suas complicações. O tratamento dependerá da causa e das complicações
presentes. Por exemplo: cirrose causada por álcool é tratada pela cessação do seu consumo, já o
91
Unidade II
6.3 Ascite
De origem patológica, é uma manifestação frequente em inúmeras doenças, um tipo de edema que
na maioria dos casos decorre de hipertensão portal e cirrose hepática (85%). Pode ainda ser consequência
de hiponatremia por lesão dos hepatócitos, síndrome nefrótica ou desnutrição; neoplasia peritoneal e
de órgãos abdominais; e doença infecciosa ou decorrente de insuficiência cardíaca, como é a hiperemia
passiva crônica. Portanto, deve‑se desenvolver um raciocínio clínico com base nas informações de
anamnese e exame físico para que a causa envolvida seja definida.
O aspecto e a composição do líquido variam de acordo com o motivo, podendo se apresentar com
aparência leitosa, quando há ruptura ou obstrução do ducto torácico e a ascite passa a ser denominada
quilosa. O composto líquido seroso possui menos de 3g/dl de proteína, em grande parte albumina e
uma parte de soro, que varia entre 1,1 g/dl. Ainda há um percentual de solutos, como sódio, potássio e
glicose, cuja concentração é semelhante à do sangue.
Na maioria das vezes, cerca de 80 a 90% dos casos de ascite são secundários à cirrose hepática,
sendo que aproximadamente 50% dos pacientes com cirrose compensada desenvolvem ascite em um
período de dez anos, quando observados.
Na maior parte das situações, seu desenvolvimento é lento e gradativo, acompanhado de outros sinais
e sintomas de doença originária que também deverão ser verificados. Assim é de extrema importância
o diagnóstico precoce da ascite, uma vez que, além das formas benignas da doença, que possuem bons
prognósticos, existem aquelas que, no entanto, expressam patologias agressivas com alto potencial de
letalidade, mas quando descobertas no início indicam chances de cura.
Por ser complexa, a patogenia da ascite envolve alguns mecanismos que estão presentes na
hipertensão portal, como: hipertensão sinusoidal que altera as forças de Starling (aumento da pressão
hidrostática e redução da pressão coloidosmótica no território portal), impelindo o líquido para o
espaço de Disse (área existente entre os capilares sinusoides e os hepatócitos), sendo removidos
pelos linfáticos hepáticos; percolação da linfa hepática para a cavidade peritoneal, uma vez que
na cirrose há aumento no fluxo linfático hepático, que excede a capacidade do ducto torácico;
além de vasodilatação esplâncnica e circulação hiperdinâmica, fazendo que a vasodilatação arterial
presente na circulação esplâncnica diminua a pressão arterial – tal evento ativa os vasoconstritores e
a secreção de hormônios diuréticos em busca da estabilidade. A hipertensão portal em conjunto com
vasodilatação e retenção do sódio e água eleva pressão de perfusão dos capilares do interstício, o que
leva ao extravasamento de líquido na cavidade abdominal.
A ascite em estágios iniciais não exibe sintomas, é diagnosticada apenas por exames de imagem,
principalmente a ecografia, que é realizada em pacientes cirróticos; por isso, além da história clínica e
do exame físico, a análise do líquido ascítico é o melhor método para definição diagnóstica. A coleta
93
Unidade II
da amostra em pacientes com suspeita de ascite tem seu diagnóstico confirmado pela ultrassonografia,
que detecta a variação de volumes variados de fluído.
Entre os tratamentos para a ascite estão a abstinência do álcool (em casos de cirrose hepática), uma
vez que tal prática diminui os danos ao fígado, podendo reduzir a hipertensão portal; restrição de sódio
e água, sendo este último nos casos de hiponatremia severa; tratamento com diuréticos, quando a ascite
for secundária à hipertensão portal; e paracentese abdominal, procedimento médico que consiste na
introdução de uma agulha no abdome para a extração do líquido ascítico.
6.4 Icterícia
Icterícia é definida como coloração amarelada da pele, das mucosas e dos fluídos corporais, devido
ao aumento dos níveis plasmáticos de bilirrubina no organismo (hiperbilirrubinemia). Deve‑se levar
em conta que esta condição de amarelamento da pele e das mucosas pode ser ocasionada por outros
fatores como fotoativação de carotenos ou uso de medicamentos específicos, como antimaláricos.
Os níveis de bilirrubina necessários para desenvolver icterícia variam de acordo com a cor da pele
de cada indivíduo; em pessoas claras ela é clinicamente detectada quando a concentração sérica de
bilirrubina total gira em torno de 2,5 mg/dL a 3 mg/dL, uma vez que o valor normal varia de 0,3 a 1,0
mg/dL. No período neonatal mudam os níveis de bilirrubina para diagnóstico de icterícia, que é um dos
problemas mais frequentes desta fase; a hiperbilirrubinemia é definida como a concentração sérica de
bilirrubina indireta (BI) – maior que 1,3 a 1,5 mg/dL, ou de bilirrubina direta (BD) – superior a 1,5 mg/dL,
desde que ela represente mais do que 10% do valor de bilirrubina total (BT).
A bilirrubina não conjugada (BNC) ou indireta surge nos casos de hemólise, sobrecarregando as
vias metabólicas pela grande quantidade de bilirrubina formada, isto ocorre nas anemias hemolíticas,
e destacando a eritroblastose fetal, que leva ao risco de kernicterus (complicação da icterícia neonatal
que provoca lesões cerebrais no RN); a BNC pode ainda derivar da destruição de precursores anormais
de eritrócito, chamado eritropoese ineficaz. Também é encontrada nos fluidos corpóreos de acordo com
seu conteúdo de proteína, o que explica sua maior concentração em exsudatos do que em transudatos,
e liga‑se reversivelmente à albumina para ser transportada no plasma.
94
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
O fígado possui papel central no metabolismo da bilirrubina, sendo responsável por sua captação,
conjugação e excreção, momento no qual a BNC é captada pelos hepatócitos, que adicionam duas
moléculas de ácido glicurônico à bilirrubina por molécula, tornando‑a hidrossolúvel; em seguida
torna‑se bilirrubina conjugada (BC) ou direta, que será secretada pelos hepatócitos para o interior dos
canalículos biliares.
A BC ou direta é polar e não absorvida no intestino delgado, mas no íleo e no cólon é hidrolisada por
enzimas bacteriana (β‑glicuronidases), formando os urobilinogênios, que, por sua vez, são incolores; estes
são oxidados a compostos corados, chamados urobilinas, que dão cor às fezes. Parte das urobilinas são
reabsorvidas pelo intestino (ciclo enterro‑hepático) e excretadas na urina, dando‑lhe a coloração amarela.
6.5 Colestase
O total diário de secreção de bile é cerca de 600 mL, fenômeno osmótico que varia de acordo com
a quantidade da secreção ativa de solutos, principalmente sais biliares, na luz dos canalículos biliares,
seguido de atração osmótica de água. Os íons inorgânicos, em especial, o sólido e a água, passam para
a bile por meio de difusão através de junções íntimas que podem permitir o refluxo da bile para dentro
do hepatócito na colestase.
95
Unidade II
O diagnóstico das suas várias causas é demasiadamente complexo, uma vez que são grandes
as possíveis etiologias a serem investigadas, e a pesquisa de cada uma delas pode ser um processo
demorado; o ideal é que haja diagnóstico precoce e imediata conduta terapêutica para a resolução do
problema e/ou para minimizar os agravos. A definição diagnóstica é através de exames laboratoriais,
exames de imagem, e muitas vezes biópsia hepática; é um procedimento invasivo que não constitui
o método padrão para o diagnóstico pré‑operatório de uma doença hepática, principalmente quando
realizado em crianças.
A obstrução da árvore biliar, seja intra‑hepática, seja extra‑hepática, causa distensão dos ductos biliares
pela bile antes do ponto da lesão. A obstrução extra‑hepática é frequentemente sujeita à intervenção
cirúrgica, no entanto a colestase procedente da obstrução da árvore intra‑biliar ou de insuficiência
secretora hepatocelular não recebe vantagem com a cirurgia, a não ser que ela seja de transplante, mas,
pelo contrário, em caso de intervenção cirúrgica, a condição do paciente pode se agravar.
As insuficiências hepáticas podem trazer diversas complicações, teremos a seguir alguns exemplos.
A encefalopatia hepática (EH) é uma disfunção cerebral, uma das complicações neuropsiquiátricas
mais frequentes e debilitantes causada por insuficiência hepática. Associadas às hepatopatias agudas
ou crônicas, as EHs são graves complicações das cirroses; o comprometimento cognitivo requer maior
utilização de recursos de saúde.
substâncias tóxicas provenientes da alimentação e do próprio fígado, pela destruição das suas células
e/ou porque o sangue que vem do sistema digestivo desvia seu caminho habitual, indo direto para a
circulação geral sem passar pelo fígado.
Existem três tipos de EH, e elas são diferenciadas de acordo com a origem da hepatopatia associada,
com a duração do quadro e com o tipo de manifestações neurológicas apresentadas. A do tipo A é
consequência de insuficiência hepática aguda de uma hepatite fulminante, e sugere‑se que as causas
mais frequentes deste tipo de encefalopatia sejam as hepatites virais e as tóxico‑medicamentosas; a
denominada EH tipo B associa‑se à presença de neurotoxinas na circulação portal devido à existência
de desvios circulatórios, sejam de origem artificial, congênitas ou espontâneas; por fim, EH tipo C, forma
mais comum, tem ligação com a presença de cirrose hepática. Levando em consideração sua evolução
ao longo do tempo, a EH subdivide‑se em EH episódica, com ocorrência de infeções, hemorragias
gastrointestinais, alterações eletrolíticas, constipação, excesso de diurese, entre outros; EH recorrente
indica episódios com intervalo de tempo menor ou igual a seis meses, apresentando as mesmas
intercorrências da EH episódica; e EH persistente, que indica um padrão de alterações comportamentais
que estão sempre presentes.
Não há qualquer exame específico para o diagnóstico da EH, uma vez que ele deve ser um diagnóstico
de exclusão, com a necessidade do conhecimento da existência de doença hepática aguda ou crônica,
de um fator precipitante e a história pregressa de EH. A tomografia computadorizada do crânio, o exame
do líquor e o eletroencefalograma (EEG) são indicados nos pacientes com características sugestivas da
doença, e ainda há os testes psicométricos, que quantificam o comprometimento nas fases iniciais e
intermediárias da doença.
Existem diversos tratamentos para a doença, a maior parte dos pacientes tende a apresentar melhora
clínica dos sintomas de 24 a 48h após o início do tratamento, e a ausência de resposta em 72 horas
indica que outra causa deve ser pesquisada. O tratamento farmacológico possui grande eficácia quando
a maior parte dos fármacos empregados ao tratamento atua diminuindo a produção de amônia, um dos
principais agentes causais; o transplante hepático é uma opção e deve ser considerado como definitivo
à doença e às complicações associadas.
Observação
97
Unidade II
A síndrome hepatorrenal (SHR) é definida como a ocorrência de insuficiência renal oligúrica, uma
condição clínica grave que consiste em uma rápida deterioração da função renal. Trata‑se de uma
complicação comum em pessoas com cirrose, insuficiência hepática e hipertensão portal, uma vez que
a doença hepática grave pode acarretar anormalidades funcionais nos rins.
Esta síndrome atinge cerca 18% dos pacientes cirróticos com ascite no período de um ano, e, se não
for tratada, evolui sistematicamente para a morte; todavia, uma abordagem rápida, correta e eficaz é
essencial para possível reversão do quadro e estabilização da situação do paciente.
Ocasionada por uma patologia hepática aguda ou crônica, a SHR tem como principal causa da
alteração na função renal a vasoconstrição das artérias renais, geralmente pela formação de ascite, que,
por consequência, leva ao hipofluxo renal e à retenção de água e sódio, propiciando insuficiência renal
aguda. Tal falência pré‑renal é também pré‑isquêmica e pode ocasionar necrose tubular, quando há
diminuição da perfusão sanguínea, resultando em morte celular. Na maioria dos casos, a patologia de
base é a cirrose que desencadeia hipertensão portal, influenciando na formação de varizes esofágicas e
consequentemente de hemorragias que causam hipovolemia e infecções.
A SHR é classificada em tipo 1 e 2, sendo a do tipo 1 a mais temível evolução clínica da doença;
caracteriza‑se pelo aumento rápido e progressivo dos níveis de ureia e creatinina séricas em um reduzido
período de tempo e comumente se desenvolve em pessoas que já apresentam a SHR tipo 2 associada
a um fator precipitante, mas também pode ocorrer em pacientes com função renal prévia preservada.
A SHR do tipo 2 define‑se por moderada diminuição da função renal, permanecendo estável durante
o período de meses, e não tende a progredir ao longo do tempo. A SHR do tipo 2 geralmente acontece
em pessoas que apresentam função hepática relativamente preservada, e em grande escala com ascite
refratária; já na SHR do tipo 1, se não tratados, a maioria dos pacientes (95%) morrem depois de duas a
três semanas do início da deterioração da função renal. A sobrevida dos pacientes com SHR é ruim e a
recuperação espontânea muito rara.
Seu diagnóstico baseia‑se em critérios clínicos e laboratoriais e deve ser feito após a exclusão de
outras causas de insuficiência renal. Em primeiro lugar devem ser descartadas as perdas digestivas e
renais decorrentes dos eventos de vômitos, diarreias e doses excessivas de diurético, que podem ser
os fatores causais de insuficiência renal e pré‑renal. O diagnóstico da SHR ainda deve quantificar os
valores séricos de ureia e creatinina, bem como a taxa de filtração glomerular, isto através de exames
laboratoriais que referem os mínimos e máximos para mensurar os índices. Não há nenhum dado clínico
ou laboratorial específico, pois se trata de um diagnóstico de exclusão, por isso se dá a importância ao
descarte de outras possíveis causas de insuficiência renal.
Seu desenvolvimento deve‑se, na maioria das vezes, à vasodilatação das artérias esplâncnicas e à
diminuição do volume circulante. De modo geral, o tratamento dos pacientes portadores da doença
98
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
varia de acordo com o estado severo de insuficiência renal e das complicações associadas. Embora
o transplante hepático seja o único método efetivo de tratamento para a SHR, o tratamento clínico
de cuidados intensivos e intermediários da doença aumenta os índices de sobrevida do paciente que
aguarda o transplante, logo, ele é realizado através do uso de agentes farmacológicos, da administração
de vasoconstritores que melhoram a perfusão renal e também a taxa de filtração glomerular, sendo a
terlipressina o fármaco mais utilizado; albumina, como expansor de volume; nos pacientes com SHR
do tipo 2, emprega‑se o uso de diuréticos para o tratamento de ascite. Tips (transjugular intrahepatic
portosystemic shunt) é um procedimento radiológico percutâneo que consiste em estabelecer uma
comunicação intra‑hepática entre um ramo da veia porta e a veia cava inferior com objetivo da
descompressão da veia porta e diminuição da pressão portal para evitar ou reduzir as complicações em
pacientes com hepatopatia crônica. Parece também ser efetivo no tratamento; enquanto o Tips melhora
a função circulatória e reduz a atividade dos sistemas vasoconstrictores, a perfusão renal se mantém,
resultando em aumento da taxa de filtração glomerular, e redução nos níveis séricos de creatinina.
A prevenção da SHR deve ser baseada na melhora da função hepática e redução da vasoconstrição
renal, evitando os fatores precipitantes ou tratando‑os de forma precoce e efetiva, uma vez que a
doença pode aparecer de forma espontânea ou por conta da presença destes fatores. São seus exemplos:
peritonite bacteriana espontânea (PBE) decorrente de infecções bacterianas, cirrose hepática, ascite
refratária, hemorragia gastrointestinal, entre muitos outros.
O termo hepatite inclui o conjunto de lesões necróticas e inflamatórias que acometem o fígado de
modo difuso, embora com distribuição heterogênea, e que se expressam clinicamente por icterícia, colúria,
acolia fecal, astenia e outras manifestações sistêmicas. Hepatites são provocadas sobretudo por vírus, e
são menos frequentemente por outras causas, como medicamentos, distúrbios autoimunes e transtornos
metabólicos. As hepatites existentes (A, B, C, D) são causadas pelos chamados vírus hepatotrópicos.
Saiba mais
O vírus da hepatite A (VHA) ocasiona uma infecção causada por um vírus RNA classificado como
sendo da família Picornavírus. É transmitida por via fecal‑oral e atinge mais frequentemente crianças
e adolescentes. A água e os alimentos contaminados com fezes com VHA são os grandes veículos de
99
Unidade II
propagação da doença. Água contaminada pode provir de esgotos e, de alguma maneira, entrar em
contato com os alimentos.
Os indivíduos afetados por esta infecção apresentam sintomas inespecíficos, como fadiga e perda
do apetite, e frequentemente desenvolvem icterícia. O tratamento mais eficaz para prevenir a infecção
está disponível desde 1992, é a vacina contra o VHA.
O vírus da hepatite B (VHB) é o único vírus de DNA reconhecido como causador de hepatite aguda
na espécie humana, podendo ocasionar também hepatite crônica não progressiva e doença crônica
progressiva, terminando em cirrose, hepatite fulminante com necrose hepática maciça e um estado de
portador assintomático. A doença hepática crônica induzida pelo VHB é um precursor importante para
o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular.
Aproximadamente 70% dos indivíduos com VHB não apresentam sintomas ou eles são leves e não
desenvolvem icterícia. Os demais 30% têm sintomas como anorexia, febre, icterícia e dor no quadrante
superior direito. A VHB pode ser prevenida pela vacinação, tendo em vista que ela eleva a produção
adequada de anticorpos em 95% nos adultos e pela triagem de sangue, órgão e tecido de doadores.
O vírus da hepatite C (VHC) é hoje a principal causa de hepatite crônica no mundo todo. Suas altas
taxas de prevalência estão diretamente relacionadas com os chamados grupos de riscos: hemofílicos;
pacientes hemodialisados; receptores de múltiplas transfusões de sangue; recém‑nascidos de mães
portadoras; toxicômanos.
O VHC cursa de forma assintomática (70 a 80%), fazendo com que estes casos sejam raramente
diagnosticados. Aqueles que apresentam sintomas (20 a 30%) o fazem com intensidade menor do que
nas demais formas de hepatites. Sintomas como náuseas, vômitos, mal‑estar, fadiga, febre e icterícia
podem marcar a hepatite C.
Apesar das múltiplas tentativas, ainda não há vacina contra a hepatite C, tampouco uma
profilaxia eficaz pós‑exposição. A redução da infecção (e das doenças a ela relacionadas) requer
a implementação de atividades de prevenção primárias e secundárias. As primárias, para reduzir a
incidência da infecção; as secundárias, para diminuir o risco de hepatopatia e de outras doenças
entre os portadores do VHC.
100
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
A superinfecção por VHD em um portador crônico de HVB pode se manifestar com hepatite aguda
severa em portador de HVB previamente não reconhecido ou como exacerbação da hepatite B crônica
preexistente. A infecção crônica por VHD ocorre em 80 a 90% destes pacientes.
O VHD é detectável no sangue e no fígado imediatamente antes e nos primeiros dias de doença
sintomática aguda. O tratamento da infecção por VHD é limitado aos agentes antivirais.
O vírus da hepatite E (VHE) é uma infecção de transmissão entérica, pela água, que ocorre
primariamente em adultos jovens até meia‑idade; infecção esporádica e doença manifestada são raras
em crianças. Um aspecto característico da infecção por VHE é a alta taxa de mortalidade entre gestantes,
chegando a 20%. Na maioria dos casos, a doença é autolimitada; ele não está associado à doença
hepática crônica ou viremia persistente.
Observação
Antes do início da doença clínica, o VHE pode ser detectado por PCR
nas fezes e no soro. O período de transmissibilidade ocorre duas semanas
antes do início dos sintomas até o fim da segunda semana da doença.
A hepatite alcoólica, isto é, doença Hepática Alcoólica (DHA), ou ainda esteato‑hepatite alcoólica,
é a hepatopatia induzida pelo consumo abusivo de álcool (etanol), que leva à degeneração do fígado;
este agente é a principal causa de doença hepática nos países ocidentais, moléstia em que convergem
fatores biológicos, clínicos, epidemiológicos e psicológicos.
A hepatite alcoólica é uma doença humana desencadeada por ação do próprio homem, desenvolvida
e articulada por diversos fatores, por isso tem se tornado um grave problema de saúde pública. Dados
epidemiológicos possibilitaram mostrar que em países como Estados Unidos, França, Canadá e Suécia há
relação direta de mortes por cirrose associadas ao consumo per capita de bebidas alcoólicas.
Além da DHA, o alcoolismo crônico pode apresentar padrões de doenças hepáticas em um amplo
espectro, como esteatose, cirrose hepática descompensada e carcinoma hepatocelular. As doenças
alcoólicas estão entre as mais importantes no mundo, uma vez que o álcool pode afetar os mais diversos
órgãos e sistemas, lesionando‑os.
A hepatopatia alcoólica é provocada por uso abusivo e prolongado de etanol, não necessariamente
dependência, e é associada a outros fatores predisponentes, genéticos e ambientais (nutrição, VHB e VHC
etc.). O etanol é absorvido rapidamente pelo trato gastrointestinal e distribuído nos tecidos, menos de 10%
são eliminados pelos pulmões e rins, todo o restante é oxidado no fígado, tornando‑se assim o órgão mais
afetado. O metabolismo nos hepatócitos ocorre por três vias, que, por oxidação no citosol, são responsáveis
pela formação da álcool desidrogenase (ADH). Então, produzem acetaldeído, que é convertido em acetil‑CoA no
retículo endoplasmático pelo CYP2E1 (citocromo P450), gerando radicais livres que reagem com ácidos graxos,
101
Unidade II
formando ésteres (acil etanol ésteres), causando peroxidação das membranas celulares e agressão às células, logo
lesões. O sistema microssomal de oxidação do etanol, que envolve a CYP2E1, quando o aumento da atividade
pode ser induzido pelo maior consumo de álcool, explica a tolerância em alcoolistas crônicos, aumentando assim
o estresse oxidativo e se tornando responsável pela metabolização do álcool quando em altas concentrações. Já
a ADH é o sistema responsável pelo metabolismo do álcool em baixas concentrações.
Na hepatite alcoólica umas manifestações podem ser discretas enquanto outras muito graves, como
a insuficiência hepática. O quadro clínico da doença apresenta sintomas como anorexia, perda de peso,
dor, desconforto abdominal, aumento das enzimas hepáticas e, em alguns casos, febre, tremores, colestase,
leucocitose etc., assim designando a afecção como hepatite aguda alcoólica; isso ocorre porque suas
características advêm das lesões do álcool no organismo transformado em ácidos nocivos às células hepáticas.
O diagnóstico da doença deve se basear em anamnese, exame físico, exames por imagens, exames
histológicos e abstinência alcoólica, que pode resolver o caso para alguns pacientes, enquanto para
outros não impede a progressão para cirrose.
Trata‑se de uma doença grave que pode levar o paciente ao coma e ao óbito. Seu tratamento pode
ser subdividido em específico e não específico. A abstenção total de bebidas alcoólicas pode diminuir
a insuficiência hepática, melhorar o prognóstico e as lesões histológicas, reduzir a pressão portal e a
progressão para a cirrose, contudo só é efetiva através do tratamento da dependência etílica, da correção
da desnutrição, dos distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos, das deficiências vitamínicas e de ácido
fólico; o repouso é uma medida que pode contribuir de modo geral nas formas descompensadas da
DHA, como ascite, icterícia ou encefalopatia. Embora não tenha sido demonstrado como terapêutica
eficaz, ainda há o tratamento dos sintomas com o uso de analgésicos, se necessário.
6.9.1 Hemocromatose
O gene responsável pela hemocromatose é o HFE, que codifica uma molécula similar à MHC classe I, a qual
regula a absorção do ferro da dieta. HFE, presente na superfície basolateral dos enterócitos, com o receptor
de transferrina 1 e a própria transferrina, é responsável pela endocitose de ferro do sangue, mantendo o
pool intracitoplasmático do metal que regula a expressão das proteínas incumbidas pela absorção de ferro
ingerido. Defeito no gene HFE resulta em perda da regulação e, portanto, em absorção excessiva de ferro.
O início da doença é insidioso, com sintomas inespecíficos, que incluem astenia, letargia, fadiga,
artralgias, perda da libido ou impotência sexual entre os homens e amenorreia entre as mulheres. A
102
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
hepatomegalia está presente em cerca de 95% dos pacientes sintomáticos e geralmente precede o
desenvolvimento de sintomas ou alterações dos testes de função hepática.
Com o decorrer do tempo, outros sintomas e sinais aparecem, tais como: dor abdominal, Diabetes
mellitus, anormalidades endócrinas, manifestações cardíacas, hiperpigmentação cutânea, artropatia
hemocromatótica, sinais de insuficiência hepática, crônica e predisposição a infecções.
A hemocromatose pode ser diagnosticada muito antes da ocorrência de dano tissular irreversível. A
pesquisa envolve a demonstração de níveis muito elevados de ferro sérico e ferritina, exclusão de causas
secundárias de sobrecarga de ferro e biopsia hepática se indicada, sendo que a triagem dos familiares é
de suma importância.
O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível, pois em fases em que ainda não há
lesões irreversíveis de órgãos a expectativa de vida é normal. O tratamento tem como base a realização de
sangrias. A frequência delas vai depender da gravidade do caso e da tolerância do paciente ao procedimento.
Preconiza‑se a realização de sangrias de 350‑450 ml (retirada de 200‑250 mg de ferro), uma a duas vezes
por semana, com o objetivo de atingir valores de ferritina <50 μg/L e de saturação de transferrina <30%.
O tempo para se atingir tais valores pode ser longo, demorando de dois a três anos. Após alcançar
estes valores, as sangrias devem ser espaçadas para uma sessão a cada dois ou três meses, mantendo‑se
os valores de ferritina <100μg/L e de saturação de transferrina <50%.
Quanto mais precoce o início do tratamento, melhor, pois pode prevenir lesões nos órgãos e
melhorar a sobrevida. Algumas lesões, uma vez estabelecidas, não podem ser revertidas, embora
sua progressão possa ser diminuída. Incluem‑se, neste caso, a cirrose, o hipogonadismo, a artrite
destrutiva e o diabetes insulinodependente.
Descrita pela primeira vez por Kinnear Wilson, em 1912, a doença de Wilson (DW) é uma afecção
transmitida por herança autossômica recessiva que produz defeito no metabolismo do cobre. É associada
ao seu acúmulo no fígado, no sistema nervoso central, nas córneas e nos rins.
Manifestações clínicas são muito variáveis na DW, com sintomatologia caracterizada por
manifestações neurológicas, hepáticas, psiquiátricas e oculares, que podem ocorrer desde os
5 até os 60 anos de vida, sendo o período entre 8 e 20 anos o de maior incidência. Inicialmente
as manifestações em 40% dos casos estão relacionadas ao comprometimento hepático, 40% de
manifestações neurológicas e 20% de manifestações psiquiátricas. Os sintomas hepáticos são diversos,
como alterações no peso, anorexia, ascite, indisposição, icterícia e aminotransferases aumentadas,
podendo ser verificados em intervalos de meses, até anos, ou podendo estar presentes até que os
sintomas neurológicos se desenvolvam; ocorrem discretas alterações do comportamento até psicose
ou manifestações semelhantes às mudanças da doença de Parkinson. A apresentação clínica mais
comum é a doença hepática, aguda ou crônica, e outro sinal clínico importante é o anel corneano de
Kayser‑Fleischer.
Observação
O tratamento precoce é de fato eficaz, evita complicações graves e sem ele o comprometimento
das lesões tornam‑se invariavelmente fatais. Existem tratamentos específicos disponíveis para cada
caso, uma vez que eles são de caráter farmacológico, baseado no uso de drogas quelantes do cobre, a
penicilamina, a trientina e o tetratiomolibdato, que agem removendo e detoxificando o cobre intra e
extracelular e os sais de zinco, que diminuem a absorção intestinal de cobre; por meio do transplante
hepático, para pacientes com doença hepática terminal ou fulminante; e também pela indicação de
dieta com baixa quantidade de cobre, importante principalmente nas fases iniciais da doença, porém
essa terapêutica isoladamente não é suficiente para o tratamento efetivo. O tratamento tem por
objetivo remover o excesso ou prevenir o acúmulo de cobre, e a terapia deverá ser mantida por toda
a vida.
A cirrose biliar primária (CBP) é uma doença autoimune inflamatória que afeta sobretudo os
ductos biliares intra‑hepáticos. A característica principal desta doença é a destruição inflamatória não
supurativa dos ductos biliares intra‑hepáticos de tamanho médio. Ela é acompanhada por inflamação
portal, cicatrização e eventual desenvolvimento de cirrose e insuficiência hepática.
104
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
Os níveis séricos de fosfatase alcalina e colesterol estão quase sempre elevados, mesmo no início da
doença; a hiperbilurrubina é um desenvolvimento tardio e geralmente indica descompensação hepática
incipiente. Anticorpos antimitocondriais estão presentes em 90 a 95% dos pacientes. Estes achados são
altamente característicos de CBP e constituem um elemento essencial para o diagnóstico.
Embora a origem da CBP permaneça desconhecida, vários motivos indicam etiologia autoimune:
elevada associação com outras doenças autoimunes (tireoidite, artrite reumatoide, esclerose sistêmica
etc.). Fatores genéticos também parecem ter importância: a taxa de concordância entre gêmeos
monozigóticos é de até 60%, a mais alta entre as doenças autoimunes; em contrapartida, não há
concordância entre gêmeos dizigóticos.
Outras doenças autoimunes podem associar‑se também à CBP em cerca de 70% dos pacientes. Entre
elas, destacam‑se a esclerodermia, a síndrome de Sjögren e a síndrome de Crest (calcinose, fenômeno de
Raynaud, dismotilidade esofagiana, esclerodactilia, telangiectasia).
Integrando estes aspectos, acredita‑se que a CBP seja uma doença autoimune que se desenvolve em
indivíduos geneticamente suscetíveis expostos a algum fator ambiental ainda desconhecido, que leva à
perda de tolerância imunológica.
Em geral, os pacientes são assintomáticos por anos ou mesmo décadas e não são conhecidos os
indicativos do aparecimento dos sintomas. Não há correlação entre sintomas e gravidade da doença
hepática. Na prática, pacientes assintomáticos são diagnosticados quando se detectam, em exames
de rotina, ou em investigações clínicas de causas de hepatomegalia ou esplenomegalia. É também
frequente o seu diagnóstico nos familiares de portadores de CBP.
As manifestações mais comuns dos pacientes sintomáticos são pruridos (coceira) e fadiga. Outros
ainda incluem icterícia (coloração amarelada dos olhos e da pele), depósitos de colesterol na pele,
retenção de líquidos, e boca e/ou olhos secos. Algumas pessoas com CBP também têm osteoporose,
artrite e problemas de tireoide.
O tratamento específico para CBP é o uso do ácido ursodesoxicólico (UDCA). O UDCA é um ácido
biliar hidrofílico natural com propriedades menos hepatotóxicas do que os ácidos biliares endógenos,
que têm sido amplamente utilizados na atualidade no tratamento da CBP. Seu mecanismo de ação não é
completamente conhecido, mas sabe‑se que tem diversas funções relacionadas, como expansão do total
de ácidos biliares hidrofílicos, ações colerética direta e anti‑inflamatória, além de efeitos antiapoptóticos
sobre o epitélio hepático.
UDCA é uma droga segura e apresenta poucos efeitos colaterais. Cerca de 30% dos pacientes
têm resposta completa ao tratamento, com normalização bioquímica e melhora ou estabilização
das lesões histológicas.
105
Unidade II
A colangite esclerosaste primária (CEP) é marcada por inflamação e fibrose obliterativa dos ductos
biliares intra‑hepáticos e extra‑hepáticos, com dilatação dos segmentos preservados. A formação
de “pérolas” de meio de contraste, característica nas radiografias da árvore biliar intra‑hepática e
extra‑hepática, é atribuída a estenoses e dilatações irregulares dos ductos biliares afetados.
CEP é um distúrbio colestático crônico assinalado por inflamação inespecífica, fibrose e estenoses
dos ductos biliares intra e extra‑hepáticos. Vários aspectos da doença sugerem que ela seja o resultado
de uma lesão mediada dos ductos biliares. Eles incluem a detecção de células T no estroma periductal, a
presença de uma pletora de autoanticorpos circulantes e a associação com a colite ulcerativa.
O curso da doença varia de um paciente para outro, mas na maioria dos casos ocorre de modo lento,
embora irreversível, podendo evoluir para doença hepática terminal, com cirrose biliar e hipertensão
porta. Existe ainda alta associação (até 80%) com adenocarcinoma das vias biliares. Atualmente CEP é a
indicação mais importante para o transplante hepático.
Sua origem ainda é desconhecida, havendo forte associação com colite ulcerativa idiopática (cerca
de 75% dos casos) e, menos frequentemente, com artrite reumatoide, doença celíaca, doença de Crohn,
fibrose retroperitoneal, tireoidite de Riedel, pseudotumor orbitário, lúpus eritematoso sistêmico e
pancreatite crônica.
A manifestação inicial da doença varia desde sintomas inespecíficos de fadiga, astenia e perda
de peso até quadro mais característico de colestase, com icterícia, colúria, acolia fecal e/ou prurido.
Um terço dos pacientes pode apresentar, inicialmente, episódios recorrentes de colangite aguda.
Hoje em dia, a maioria dos pacientes é diagnosticada por elevação de enzimas hepáticas detectadas
em exames de rotina.
Não existe tratamento específico satisfatório para a CEP. Alguns dos tratamentos de suporte
voltados para o controle dos sintomas e das complicações da colestase são: prurido, fadiga, osteoporose
e deficiência das vitaminas hidrossolúveis. Pacientes com colangites agudas intercorrentes devem ser
agressivamente tratados com antibióticos e avaliados para elegibilidade de transplante de fígado. Na
presença de estenoses dominantes, tratamento endoscópico, preferencialmente com dilatação sem
colocação de prótese biliar, pode ser tentado após exclusão de colangiocarcinoma.
106
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
Colelitíase é o termo usado para denominar os cálculos da vesícula, sendo a doença mais prevalente
do trato biliar, afetando de 10 a 20% das populações adultas nos países desenvolvidos. Existem dois tipos
principais de cálculos da vesícula, os cálculos de colesterol, contendo mais de 50% de colesterol cristalino
monoidratado e os cálculos pigmentares, compostos predominantemente de sais de cálcio de bilirrubina.
Cálculos de colesterol são formados quando o colesterol é solubilizado na bile pela agregação aos
sais biliares hidrossolúveis e às lecitinas insolúveis em água, que atuam como detergentes. Quando as
concentrações de colesterol excedem a capacidade de solubilização da bile (supersaturação), o colesterol
pode já não permanecer disperso e é nucleado em cristais monoidratados de colesterol sólido.
Cálculos da vesícula pigmentar são misturas complexas de sais de cálcio insolúveis anormais de
bilirrubina não conjugada com sais de cálcio inorgânicos.
Os cálculos da vesícula biliar são constituídos por várias combinações de componentes insolúveis
da bile, incluindo‑se colesterol, bilirrubinato de cálcio, sais orgânicos e inorgânicos de cálcio, sais
biliares e glicoproteínas.
Os cálculos podem ser pequenos como um grão de areia e grandes como uma bola de golfe. Na
vesícula podem se desenvolver apenas um grande cálculo, centenas de cálculos pequenos, ou qualquer
combinação deles.
Os fatores de risco mais comumente associados ao desenvolvimento de cálculos da vesícula são: idade
acima de 60 anos, sexo feminino, elementos ambientais, distúrbios adquiridos, fatores hereditários, obesidade,
gestações, perda rápida de peso, Diabetes mellitus, dieta rica em gordura e colesterol e pobre em fibras.
Na minoria dos casos, os cálculos podem obstruir o fluxo normal de bile se eles se alojarem em
qualquer dos ductos que levam a bile do fígado ao duodeno. Isto inclui os ductos hepáticos, que trazem
a bile do fígado; o ducto cístico, que conduz bile à vesícula e pelo qual ela se esvazia; e o ducto biliar
comum (ou colédoco), que transporta a bile ao duodeno.
Se qualquer destes ductos persistirem bloqueados por um período significante de tempo, pode
ocorrer a infecção das estruturas do sistema biliar; o que talvez seja grave e até mesmo fatal. Sinais de
alarme de problemas séricos são febre, icterícia e dor persistente.
Observação
A colecistite calculosa aguda é uma inflamação aguda da vesícula biliar, precipitada em 90% das
vezes por obstrução do colo ou do ducto cístico. Esta é a complicação primária dos cálculos biliares
e o motivo mais comum para colecistectomia de emergência. A colecistite sem cálculos, chamada de
colecistite acalculosa, pode ocorrer em pacientes com doenças graves e representa aproximadamente
10% dos pacientes com colecistite.
Além de obstrução por cálculo impactado e contaminação secundária por bactérias (por exemplo,
Escherichia coli, enterococos e alguns anaeróbios), a ação de fosfolipases do epitélio gera lisolecitina, a
qual altera a camada de muco protetora da mucosa e expõe o epitélio à ação de sais biliares. Liberação
de prostaglandinas também contribui para a inflamação.
Em 10% dos pacientes, colecistite aguda não é acompanhada por litíase. Nestes casos, a
inflamação parece ser precipitada por isquemia. As principais condições associadas são traumatismos
graves, cirurgias, parto, queimaduras, doenças sistêmicas (por exemplo, Diabetes mellitus, câncer),
transfusões sanguíneas múltiplas, septicemia, obstrução da vesícula biliar não calculosa (carcinoma,
fibrose, anomalia congênita) e artrites.
O paciente não costuma mostrar sintomas prévios de uma doença da vesícula biliar, até que
experimenta dor repentina e agudíssima na parte superior do abdome, podendo surgir febre de origem
desconhecida, leucocitose e hiperamilasemia, sem dor ou sensibilidade no hipocôndrio direito.
A colecistite crônica pode ser uma sequela de surtos repetidos de colecistites agudas leve à severa,
mas, em muitos casos, se desenvolve na ausência aparente de ataques antecedentes. Uma vez que está
associada à colelitíase em mais de 90% dos casos, as populações de pacientes são as mesmas observadas
para os cálculos de vesícula.
A origem da colecistite crônica é pouco conhecida. Ao contrário da aguda, obstrução biliar não é
necessária. Microrganismos são isolados em cerca de 30% dos casos. A maioria das vesículas removidas
por colelitíase apresenta algum grau de inflamação crônica.
Os sintomas da colecistite calculosa crônica são semelhantes aos da forma aguda e variam desde
cólica biliar até uma dor indolente no quadrante superior direito e desconforto epigástrico.
108
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
A colecistite crônica não apresenta as manifestações notáveis das formas agudas e geralmente
é caracterizada por ataques recorrentes de dor estáveis ou em cólica no epigástrio ou no quadrante
superior direito. Náusea, vômitos e intolerância a alimentos gordurosos são acompanhantes frequentes.
6.12 Pancreatites
Trata‑se de uma doença desencadeada pela ativação anômala de enzimas pancreáticas e liberação
de uma série de mediadores inflamatórios, cuja etiologia corresponde, em cerca de 80% das situações,
à doença biliar litiásica ou à ingestão do álcool. Na maioria das vezes, esta doença é autolimitada ao
pâncreas e com mínima repercussão sistêmica; tal forma leve se caracteriza por apresentar boa evolução
clínica e baixos índices de mortalidade.
Por outro lado, na forma grave, além das complicações locais, há falência de órgãos e sistemas
distantes, o que, via de regra, não responde às medidas iniciais e pode ter duração de semanas ou meses.
As causas menos comuns de pancreatite aguda incluem: obstrução do sistema de ductos pancreáticos
por cálculos, neoplasias periampulares, pâncreas divisum, coledococeles e parasitas; medicações como
furosemida, azatioprina, estrogênios etc.; infecções, incluindo caxumba; distúrbios metabólicos como
hipercalcemia, hipertrigliceridemia, hiperparatireoidismo, entre outros; lesões isquêmicas por choque,
trombose vascular, embolia pulmonar e vasculite; traumas como os abdominais e alterações herdadas
nos genes que codificam enzimas pancreáticas e seus inibidores, com mutações genéticas que ocasionam
a pancreatite hereditária.
109
Unidade II
A pancreatite aguda geralmente começa com dor no abdome superior e pode durar por poucos dias.
A dor se acentua e se torna constante – só no abdome – ou se irradia para as costas e outras áreas.
Ela pode ser súbita e intensa ou começar como uma dor fraca, que se torna pior durante a ingestão
do alimento. Outros sintomas relacionados são: abdome distendido e sensível, náuseas, vômitos, febre,
pulso rápido; nos casos graves podem causar desidratação e queda da pressão sanguínea.
As bases do tratamento são o suporte clínico e a suspensão da ingesta oral, já que ainda não há
tratamento específico para a pancreatite. O suporte clínico consiste em manutenção da perfusão
tecidual através de reposição volêmica vigorosa e manutenção da saturação de oxigenação, analgesia e
suporte nutricional.
A pancreatite crônica é definida como uma inflamação do pâncreas com destruição irreversível
do parênquima exócrino, presença de fibrose, e, na fase tardia, destruição do parênquima endócrino.
De acordo com a extensão das lesões, pode ser classificada como discreta, moderada ou grave.
Habitualmente, evolui com quadro doloroso abdominal e insuficiência pancreática, acompanhada ou
não de crises repetidas de pancreatite aguda.
A maioria das pessoas com pancreatite crônica tem dor abdominal, algumas delas não apresentam
sintomas. A dor pode tornar‑se pior ao beber ou comer, espalhando‑se para as costas ou tornando‑se
constante e incapacitante. Em certos casos, a dor abdominal desaparece com a progressão da doença,
provavelmente porque o pâncreas não está mais produzindo enzimas digestivas.
A doença pode se desenvolver totalmente silenciosa, até que a insuficiência pancreática e o Diabetes
mellitus sejam notados; este último devido à destruição das ilhotas de Langherans. Em outros casos,
ataques recorrentes de icterícia ou esporádicos ataques de ingestão podem sugerir doenças pancreáticas.
A causa mais comum da pancreatite é o alcoolismo. Os pacientes com pancreatite crônica têm
geralmente história de ingestão alcoólica prolongada (10 a 15 anos), são homens em sua maioria e situam‑se
110
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
preferencialmente na 4ª década de vida. A pancreatite crônica pode ainda ser hereditária, estar associada a
outras doenças (por exemplo, hiperparatireoidismo) ou representar complicações de radioterapia abdominal.
Embora comum, o alcoolismo não é a única causa da pancreatite crônica. As principais causas são:
alcoolismo, ducto pancreático estreitado ou bloqueado em virtude de traumatismo ou formação de
pseudocisto, causas hereditárias e idiopáticas.
Suas causas menos comuns incluem: obstruções em longo prazo nos ductos pancreáticos causadas
por cálculos, neoplasias e pâncreas divisum; pancreatite tropical, que é encontrada na Ásia e África,
sendo que alguns casos apresentam base genética e mutações no gene CFTR, que diminuem a
secreção de bicarbonato pelas células dos ductos pancreáticos, promovendo a adesão de proteínas e o
desenvolvimento de pancreatite crônica.
A origem da pancreatite crônica ainda não é bem compreendida. Quase todos os indivíduos com
repetidos episódios de pancreatite aguda a acabam desenvolvendo posteriormente. Tem sido proposto
que a pancreatite aguda inicia uma sequência de fibrose perilobular, distorções ductais e alterações
nas secreções pancreáticas. Os múltiplos episódios ao longo do tempo podem provocar fibrose e levar
à perda do parênquima pancreático. Os eventos sugeridos para a explicação do desenvolvimento da
pancreatite crônica incluem: obstrução ductal por concreções, efeitos tóxicos e estresse oxidativo.
O objetivo do tratamento do paciente é o alívio da dor para que ela não interfira nas atividades
laborais e na vida familiar. Como regra geral, o controle deve seguir abordagem sequencial e escalonada,
começando com a eliminação de fatores exógenos tóxicos como álcool, seguidos pela suplementação de
enzimas pancreáticas e uso criterioso de analgésicos. A abstinência do consumo de álcool é imprescindível,
especialmente quando este é o pilar da causa da doença, uma vez que a manutenção de sua ingestão
excessiva exacerba o dano pancreático e aumenta a mortalidade.
Pacientes com sintomas persistentes após essa abordagem inicial podem ser candidatos a
tratamentos mais invasivos. Estima‑se que até 50% deles desenvolvam sintomas progressivos ou
intratáveis clinicamente e que se tornem, portanto, candidatos ao tratamento cirúrgico A principal
indicação cirúrgica é a dor abdominal intratável. A opção pelo tratamento cirúrgico também é indicada
nas complicações da pancreatite crônica, tais como pseudocistos, fístulas pancreáticas, estenoses,
comprometimento de órgãos adjacentes ou suspeita de neoplasia.
Resumo
Exercícios
Questão 1. (Progepe 2017 (UFPR), adaptada) Com relação à doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE), analise as afirmativas a seguir:
II – Os relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior respondem por pelo menos 90% do
refluxo em pessoas normais ou sem hérnia hiatal.
I – Afirmativa incorreta.
Justificativa: a maior frequência de DRGE está associada com a hérnia de hiato e, quanto maior seu
tamanho, maior o risco de refluxo gastroesofágico anormal.
112
PATOLOGIA DOS SISTEMAS
II – Afirmativa correta.
IV – Afirmativa correta.
Justificativa: os principais sintomas de DRGE são azia persistente, também conhecida como pirose e
regurgitação de ácido.
A) A função de síntese do hepatócito pode ser avaliada através da medida das transaminases séricas.
B) As infecções crônicas pelos vírus das hepatites A, B e C estão entre as principais causas de cirrose
no mundo ocidental.
C) A esteato‑hepatite não alcoólica pode resultar em cirrose, se a condição básica não for corrigida.
E) Em uma fase inicial da cirrose, ocorre um aumento da capacidade renal de excretar sódio.
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