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Princípios

Psicológicos de
Treinamento e
Competência de Alto
Rendimento
As fases contínuas do treino
Esportivo
atlético e suas chaves mentais

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O treino atlético vai além do desenvolvimento de habilidades atléticas. Ele
não apenas determina as capacidades dos atletas, mas também é a razão
para a existência de um agente responsável por tomar decisões
relacionadas ao conteúdo desse treino: o treinador. O treino gera a
necessidade de um treinador e determina, por sua vez, as capacidades do
atleta.

Muito se escreveu, e ainda há muito a ser escrito, sobre os mecanismos do


treino atlético, conforme a eficácia e a eficiência do treino se alteram com
as características dos que são treinados. ]O treino atlético, compreendido
como um processo de formação comportamental para atletas, deve
respeitar certos aspectos centrais e ajustar-se a determinados padrões que
revelaremos ao longo dos próximos módulos.

O processo de treino atlético tem fases e momentos que interessam mais


para os atletas, assim como momentos não tão atraentes e capazes de
minar sua motivação, mas que não devem ser eliminados ou reduzidos por
essa razão. O segredo está no poder de persuasão do treinador e no senso
de responsabilidade do atleta. Com base nisso, essas fases menos
agradáveis podem acabar sendo produtivas e permitir que os atletas
completem o processo de treino com mais recursos do que quando
começaram.

Ao longo destes módulos, não só discutiremos o treino atlético, mas


também abordaremos a competição esportiva, a fim de encontrar alguns
mecanismos que permitam ao atleta empregar todos os seus recursos
durante momentos de estresse e com o fator do público, que são
condições normais de uma competição esportiva.

Antes de descrever as principais características do treino atlético, devemos


voltar ao objetivo desse processo de formação de habilidades. O objetivo
do treino atlético consiste em expandir os recursos dos atletas,
especificamente seus recursos físicos, técnicos, táticos e mentais. Em
outras palavras, o atleta, no final do processo anual de treino, deve ter
mais recursos disponíveis do que no início do treino anual.

Por sua vez, na competição esportiva, do ponto de vista do treinador, o


objetivo é que os atletas tenham acesso a todos os recursos desenvolvidos

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ao longo do processo de treino, para atingir o objetivo de quebrar um
recorde ou derrotar um determinado adversário.

Nosso primeiro conselho para os que trabalham no contexto do esporte é,


então: lembre-se que o treinador deve organizar a freqüência, a
quantidade, a duração, o estresse e a intensidade do treino de forma a
expandir os recursos de todos os seus atletas. Além disso, o treinador deve
prepará-los mental e fisicamente de maneira que, durante uma
competição, eles possam aproveitar todos os recursos aos quais têm
acesso, vindo a consolidá-los durante o treino. Este é o grande desafio que
define ao treinador esportivo. Isso determina seu presente e seu futuro.

Finalmente, nestes módulos abordaremos um aspecto que afeta de


maneira notável a produtividade e o clima de uma equipe esportiva, e que
nem sempre é analisado com o devido rigor. Esse aspecto é o tratamento
dos atletas durante a pós-competição.

Iniciaremos com o treino atlético, e concentraremos nossa atenção em


suas tarefas básicas, para criar uma primeira impressão dos componentes
desse processo de formação comportamental.

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Figura 1: Tarefas básicas do treino atlético
 Planejamento do treino.
 Adesão às sessões de treino e outros métodos complementares.
 Aprendizado de habilidades e comportamentos relevantes.
 Prática repetitiva de habilidades e comportamentos relevantes.
 Prática e exposição a condições competitivas.
 Preparação específica para a competição.
 Avaliação do treino.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Buceta, 1998, pág. 49.

Assim como expressa o psicólogo espanhol e autor José María Buceta


(1998), o treino atlético tem três tarefas contínuas e mais quatro tarefas
alternativas. As etapas contínuas são aquelas que devem ser realizadas ao
longo de todo o processo de treino atlético, e são elas:

 Planejamento do treino.
 Adesão às sessões de treino e outros métodos complementares.
 Avaliação do treino.

As fases ou etapas transitórias são aquelas programadas para um


determinado período de tempo devido a circunstâncias de competição, as
habilidades funcionais do atleta e o tempo de treino disponível ao
treinador. Os estágios transitórios do treino atlético são:

 Aprendizado de habilidades e comportamentos relevantes.


 Prática repetitiva de habilidades e comportamentos relevantes.
 Prática e exposição a condições competitivas.
 Preparação específica para a competição.

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Figura 2: Árvore de decisão para definir tarefas no treino atlético

Fonte: Buceta, 1998, pág. 49.

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1.1 Planejamento e adesão.
Características e
particularidades
Começaremos focando no desenvolvimento das tarefas do treino atlético
contínuo, aqueles aspectos que precisam estar presentes o tempo todo, ao
londo do processo de formação comportamental.

Nas últimas décadas, muitos avanços e desenvolvimentos surgiram para


auxiliar o treino atlético na área de planejamento esportivo. A necessidade
de antecipar cenários e configurar cargas de trabalho, tempos de
recuperação, competições, viagens, eventos inesperados e outras
alternativas no tempo disponível para treino cria e determina a
necessidade urgente de um planejamento prévio completo.

Esportes de alto desempenho apresentam características distintas e


aspectos que os diferenciam de outras práticas. O planejamento, que é
apenas um desses aspectos, talvez seja um dos mais conhecidos.
Planejamos a carga e descarga, viagens, período de descanso e períodos de
treino simples e duplos. Planejamos absolutamente tudo, nada é deixado
ao acaso. O alto desempenho significa antecipação e direção e, sem
planejamento, nada disso é possível.

Fazemos planos com base no tempo disponível, estabelecemos mesociclos,


macrociclos, microciclos e sessões de trabalho. Também fazemos planos
com base nas cargas de trabalho diárias: turnos simples, duplos e, às vezes,
até triplos. Planejamos os métodos complementares e as sessões de treino,
como sessões de laboratório, estudos médicos, assistência psicológica,
assistência nutricional e outras contribuições das ciências aplicadas ao
esporte. Qualquer estímulo que apresente um efeito no desempenho do
jogador é antecipado, organizado e incluído na linha do tempo.

Exatamente por isso, o planejamento é uma das tarefas em andamento


básicas do treino atlético. Você não pode fazer planos apenas em um

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momento do ano, é preciso planejar e, em seguida, adaptar esse plano ao
longo de todo o ano, no treino e na competição.

As características variáveis do contexto geral, as experiências individuais


dos atletas, os diferentes resultados atléticos, juntamente com uma série
de eventos inesperados, que sempre surgem no momento, tornam o
planejamento uma tarefa contínua, uma parte permanente e muito
exigente do cumprimento do objetivo essencial do treino atlético, que é
expandir os recursos dos atletas. Sem um planejamento adequado, não há
maneira possível de se alcançar o objetivo proposto.

As diferentes fases ou momentos que o planejamento esportivo pode


incluir são exibidos na Figura 3, a seguir:
Figura 3: Fases do treino esportivo

DECLARAÇÃO INICIAL DOS OBJETIVOS


 Definição do período de tempo para o objetivo do plano.
 Consideração sobre as competições durante esse período.
 Avaliação das chances de sucesso dos atletas.
 Definição dos objetivos dos resultados.
 Estabelecimento de objetivos de desempenho.

CONSIDERAÇÃO DO CONTEÚDO DO TREINO


 Observação das necessidades e recursos existentes para alcançar os
objetivos dos resultados.
 Definição do trabalho a ser desempenhado.

ADAPTAÇÃO DO PLANO INICIAL AO TEMPO DISPONÍVEL


 Consideração do tempo disponível.
 Reflexão sobre a viabilidade dos objetivos e dos conteúdos do plano.
 Estabelecimento de prioridades.

PROGRAMA DE TRABALHO A SER REALIZADO

CONSIDERAÇÃO DAS POSSÍVEIS DIFICULDADES E MODIFICAÇÕES


 Antecipação de dificuldades interferentes.
 Reconsideração do plano.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Buceta, 1998, pág. 59.

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Algumas ideias centrais surgem dessa sugestão de fases ou passos de
planeamento esportivo, que desenvolveremos ao longo deste módulo. Elas
são as seguintes:

1) A necessidade de avaliar o desempenho: é crucial saber como medir


tanto os recursos existentes como os avanços parciais e, com base
neles, tomar as decisões mais adequadas.
2) A definição de um plano de trabalho: o treino atlético não deve
apenas expandir os recursos dos atletas, mas também deve dissipar
qualquer incerteza sobre o futuro imediato. A presença de uma
estrutura para o trabalho e uma organização funcional a serviço do
desenvolvimento do atleta ajuda a cimentar certezas e dissipa
ansiedades, o que melhora notavelmente o processo de assimilação
comportamental.
3) A adaptação do plano de trabalho: é necessário aprender a gerir o
possível, mas às vezes o possível não é o ideal, por isso não coincide
com o que foi previamente planejado. Portanto, a flexibilidade do
treinador deve permitir a adaptação do plano de trabalho, a fim de
expandir os recursos dos atletas.

1.1.1 Tipos de planejamento esportivo

Como mencionado, o planejamento é uma tarefa que é desenvolvida


durante todo o processo de treino e preparação dos atletas. Esse conceito
simples nem sempre é compreendido em sua totalidade e na realidade
concreta do contexto desportivo, e vemos muitos lapsos na
implementação contínua e permanente do planejamento esportivo ao
longo de todo o processo de treino.

Em relação a erros que podem ocorrer, primeiro os diferenciamos entre


dois tipos de erros:

 Erros no conteúdo do planejamento.


 Erros de concepção do planejamento.

Os erros de conteúdo são os que poderiam estar na definição dos


objetivos, na descrição dos conteúdos do programa de treino, na avaliação
do tempo disponível ou na adaptação do programa de trabalho.

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Os planos esportivos que apresentam erros de conteúdo, devido ao
excesso ou ao déficit deste, são inconsistentes, carecem de formas e
métodos eficazes e são, simplesmente, coleções de fórmulas ou
esperanças e sonhos do treinador.

Ao determinar nossos objetivos, encontramos um erro comum é


estabelecer objetivos de resultados, sem acompanhá-los com objetivos de
desempenho ou de processo. Surpreendentemente, isso não acontece
apenas em espaços amadores, mas também em formatos mais
profissionais e com um grande efeito de audiência.

O objetivo dos resultados estabelece a direção final do processo, o que


queremos alcançar, enquanto o objetivo do processo ou o objetivo de
desempenho determina como vamos alcançar o que queremos. É
necessário vincular a possibilidade de sucesso com comportamentos
específicos por parte do atleta. Essa associação é o que torna o processo de
treino coerente e atrativo. Não conhecemos qualquer outro motivo para
treinar, exceto para desenvolver habilidades que aproximem os atletas de
alcançar a meta.

Muitas vezes, avaliamos os treinadores esportivos com base apenas em


suas vitórias e recordes, e não investimos muito tempo olhando para o
crescimento que eles têm promovido entre as equipes ou entre os atletas
sob seu cuidado.

O resultado é alcançado ao acaso ou pela combinação de talentos dentro


do time? Claro, o resultado pode ser um golpe de sorte, mas, nesse caso,
não será sustentado ao longo do tempo.

O treinador pode desenvolver todos os seus atletas e, ao mesmo tempo,


não alcançar os resultados? A resposta também é sim. Mas se
implementarmos de forma adequada o processo de planejamento dos
recursos a ser desenvolvidos e estabelecermos as prioridades certas, a
curto prazo, os resultados até podem ser diminutos, mas a médio prazo
eles chegarão e poderemos mantê-los de maneira sustentável.

É necessário que um treinador esportivo e todos os seus assistentes sejam


qualificados no campo do planejamento, a fim de aumentar a
probabilidade de se alcançar os resultados desejados. O planejamento

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eficaz permite que os atletas incorporem ou consolidem habilidades
necessárias que se traduzem em alcançar metas para a equipe esportiva
inteira.

É fundamental estabelecer prioridades dentro do conteúdo do programa


de treino, mas isso também pode caminhar de mãos dadas com os erros,
muito comuns no contexto esportivo. Podemos traçar um plano adequado
e vinculá-lo a objetivos de resultados e objetivos de desempenho, mas se
não estabelecermos as ações primárias necessárias para definir
prioridades, podemos cair na armadilha de querer consolidar tudo e acabar
sem desenvolver nada.

É muito importante que o treinador seja capaz de determinar as


prioridades de desenvolvimento ou consolidação em cada um dos seus
atletas. Quando esse aspecto fica claro e um plano de trabalho é
desenvolvido com base nesse objetivo, a distância até o objetivo
certamente encurtará.

Outros erros significativos de conteúdo ocorrem quando não houve uma


avaliação adequada do tempo disponível para o trabalho. Esse aspecto é
cada vez mais significativo nos esportes de alto desempenho, com prazos
cada vez mais apertados, nos quais há diferentes tipos de competições ao
longo do ano e alguns atletas, se não a maioria, competem no mesmo ano,
representando as duas equipes do clube e suas equipes nacionais. A pré-
temporada, considerada um período essencial para definição do modelo
comportamental da equipe, é frequentemente bloqueada por obrigações
comerciais que exigem viagens, passeios e amistosos. Todos esses detalhes
devem ser ponderados ao traçar um plano.

Em um nível mais amador e com atletas mais jovens, há outras variáveis a


serem consideradas, capazes de interferir no treino atlético. Trabalhos
escolares, períodos de exames finais, atividades extracurriculares,
distâncias a serem percorridas, atividades familiares, doenças crônicas etc.
são variáveis que acabam por tomar o tempo que seria dedicado ao treino
atlético. O treinador deve fazer seu plano com base no tempo real
disponível, e não no tempo ideal indicado pelos manuais de
desenvolvimento esportivo.

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É aí que a tarefa do treinador esportivo se torna de fato arriscada, exigindo
grande flexibilidade e talento para fazer o melhor uso do tempo disponível.
Eles precisam obter resultados e desenvolver ou consolidar
comportamentos entre os seus atletas, mas não dispõem de todo tempo
que gostariam para respeitar o progresso e ajustar todos os detalhes
necessários. Diante dessa situação, propomos duas sugestões: definir
prioridades e adaptar o plano.

Adaptar o plano de trabalho preestabelecido com base em sólidos dados


emergentes é uma das chaves para tornar esse planejamento eficaz, a fim
de alcançar os resultados desejados. De modo surpreendente, tanto em
nível profissional quanto amador, encontramos muitos treinadores que
criam planos de trabalho meticulosos, específicos e detalhados, mas não
veem as mudanças no contexto ou na sua equipe. Como resultado, o
desempenho desejado não aparece e os resultados não são alcançados.

Figura 4: Erros de conteúdo e planejamento esportivos

 Objetivos de resultados inalcançáveis.


 Objetivos de resultados facilmente alcançáveis.
 Objetivos de resultados sem objetivos de desempenho.
 Falta de prioridades de treino.
 Erro na avaliação do tempo disponível ou falta dele.
 Falha ou falta de adaptação do programa de trabalho.

Fonte: Preparado pelo autor.

Os erros de concepção em relação ao planejamento esportivo, por sua vez,


têm a ver com a forma como o treinador compreende o plano, que função
lhe atribui e como gerencia essa ferramenta, que é tão valiosa para
otimizar o desempenho da equipe e para aumentar a possibilidade de
alcançar os resultados desejados.

Para começar, destacaremos dois erros de concepção fundamentais:

 Planejamento inflexível.
 Improvisação.

Em que casos podemos encontrar inflexibilidade no planejamento?


Essencialmente, quando o principal contexto que determina o conteúdo do

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plano (os resultados visados, o desempenho de cada atleta, o calendário da
competição, o tempo disponível, as obrigações comerciais etc.) e quando o
planejamento não é adaptado e, consequentemente, não é realizado da
forma como foi concebido. Quando mudam as situações que determinam
um plano e o tornam útil, o plano deve mudar também. Portanto, no
esporte, é muito mais importante aprender o conceito em si do que
aprender a repetir as fórmulas de outro treinador.

Classificamos essa prática como um de concepção, pois a nosso ver ele


reside na compreensão equivocada do plano. Esta não é uma tarefa a ser
realizada em um determinado momento da temporada e que, mais tarde,
no final da temporada esportiva, podemos conferir seus efeitos. Pelo
contrário, o planejamento é uma ferramenta e uma atividade contínua,
que está em andamento e nunca é passageira. Aqueles que encaram o
planejamento como apenas mais uma fase do treino atlético não
compreendem o conceito e a amplitude dessa tarefa. É necessário rever,
avaliar e adaptar constantemente o plano e o programa de trabalho.

Às vezes, no contexto esportivo, encontramos treinadores que gerenciam


suas equipes aplicando planos que outros treinadores usaram no início da
temporada ou com que foram preparados antes da pré-temporada. Dessa
forma, então, eles seguem imutáveis, seguindo à risca um plano feito
meses antes.

No extremo oposto do planejamento inflexível está a improvisação, outro


tipo de erro de planejamento. Aqui a improvisação não é compreendida
como uma ação ocasional no quadro de um organismo maior de atividade
planejada, e sim como a ausência de planejamento. Em outras palavras,
refere-se à completa falta de programas de trabalho planejados com
antecedência. Todos os planos colocados em prática vem da mente do
treinador e dependem de seu nível de energia, tempo, ideias
preconcebidas, estado emocional etc.

O planejamento é realizado para dar direcionamento à equipe e aos


atletas. A ideia principal é que todo o grupo deve conhecer as realizações
planejadas, a periodização da carga de trabalho, os tempos de recuperação
e os tempos de exposição. Assim, poderíamos considerar todas essas
variáveis no contexto de um programa de trabalho que favoreça a adesão
dos atletas e reduza as suas incertezas.

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A improvisação, ao contrário, gera somente incerteza, desorientação e
preocupação, tanto dentre os atletas quanto no contexto geral. Os
treinadores que optam pela improvisação também estão cometendo um
erro de concepção em relação ao planejamento. Eles encaram isso como
uma tarefa inútil, sem graça, sem efeitos positivos no desempenho ou nos
resultados da equipe. Assim eles percebem o planejamento como um
desperdício de tempo e atribuem a si mesmos capacidades mentais
especiais que são ainda desconhecidas para a ciência do esporte.

Felizmente, hoje quase nenhum treinador opta por esse método de


desenvolvimento de desempenho. É muito importante retornar, por um
momento, ao primeiro parágrafo sobre improvisação. Uma coisa é
improvisar uma atividade dentro de um plano previamente criado, ou seja,
usar a criatividade e o talento para encontrar uma maneira alternativa de
desenvolver um determinado exercício ou prática, e outra coisa é utilizar
esse método, de forma contínua e permanente, dispensando qualquer tipo
de plano ou programa.

Figura 5: Principais erros de concepção

Planejamento inflexível
Planejamento adaptado
Improvisação

+ -

Fonte: Preparado pelo autor.

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1.1.2 Participação quantitativa e qualitativa no treino
atlético

A partir de agora, começaremos a desenvolver e a nos concentrar em outra


tarefa do treino atlético, tão importante quanto o planejamento.
Abordaremos a adesão ao treino atlético.

Desenvolver o melhor plano e fazer todas as adaptações necessárias tem


pouco valor se os atletas não aderem ao programa. A adesão é a presença
quantitativa e qualitativa, tanto no treino atlético quanto nas sessões
complementares que o treinador considere necessárias. A adesão da
equipe ao treino é evidenciada quando os atletas são capazes de realizar
todo o conteúdo planejado com a intensidade e qualidade exigidas.

Essa tarefa de treino, que também é contínua, é uma atividade que deve
ser desenvolvida continuamente. O treinador e seus assistentes devem
desenvolver estratégias para promover um aumento na aderência dos
atletas o tempo inteiro. Um treinador pode desenvolver um plano eficaz,
mas se não for capaz de persuadir e convencer seus atletas a investir 100 %
de seu esforço e atenção em cada dia de treino, o planejamento não será
eficaz, o desempenho não aumentará e os objetivos não serão alcançados.

Muitas vezes, os níveis de motivação e vontade de trabalhar entre os


atletas são maiores no início da temporada, e, portanto, a adesão é maior,
mas com o passar do tempo, essa adesão pode variar. Os resultados da
equipe, o papel que cada um dos atletas desempenha nela, o vínculo entre
os atletas e o treinador, as oportunidades para alcançar os resultados
almejados e outros fatores influenciam a adesão da equipe ao treino
atlético.

É importante destacar que o nível de adesão é fundamental para alcançar


os resultados desejados. Se os atletas aderem ao treino, a possibilidade de
alcançar os resultados é maior. Mas é importante esclarecer que a adesão
não deve se concentrar somente no treino atlético, mas também em todas
as sessões complementares que o treinador considere necessárias.

A ciência do esporte desempenha um papel cada vez maior na gestão do


desempenho dos atletas e das equipes. Além disso, fazer com que os

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atletas acreditem nos efeitos positivos desses programas complementares
e, assim, aderir a eles, é uma façanha. Estudos médicos complementares,
sessões de psicologia esportiva, nutrição adequada, preparação física
preventiva, bom descanso e muito mais são ações que preparam os atletas
para enfrentar desafios cada vez mais exigentes. Por exemplo, a
colaboração entre médico, treinador e psicólogo é fundamental para
tornar a recuperação da lesão o mais completa possível (Diego & Sagredo,
1992, pág. 256).

Figura 6: Atividades completares ao treino

 Treino atlético especial (por exemplo, para melhorar certas habilidades).


 Trabalho preventivo para preparação física ou fisioterapia.
 Sessões de fisioterapia para recuperação de lesões.
 Testes e exames médicos periódicos.
 Alimentação adequada.
 Tratamento farmacológico.
 Uso de bandagens, etc.
 Sessões com o psicólogo.
 Autorregistro de dados importantes.
 Preparação pessoal para treino e competição.
 Cuidados pessoais para problemas específicos (odontologia, fadiga etc.).
 Períodos de descanso.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Buceta, 1998, pág. 111.

Recomendamos evitar a imposição de qualquer sessão de treino


complementar; pelo contrário, sugerimos educar, persuadir e convencer os
atletas sobre os benefícios de curto e médio prazos que esses métodos de
treino complementares podem trazer. Outro contexto claro e abrangente
no esporte são as interrupções na dieta e o consumo de substâncias
nocivas. Assim como requerem tratamento especializado, também exigem
uma ação por parte dos não especialistas, que devem aprender a detectar
os sinais dessas condições e encaminhar os atletas que sofrem delas para
os profissionais capazes de proporcionar o tratamento necessário
(Weinberg & Gould, 1996, pág. 483-484 ). Reiteramos que a imposição
dura pouco tempo. Em contraste, a persuasão sustenta-se ao longo do
tempo e não mina a liderança do treinador.

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Há duas perguntas muito comuns entre os treinadores, e ambas revelam as
duas tarefas básicas do treino atlético abordadas até agora. Essas
perguntas são:

 Os atletas têm tempo suficiente para treinar?


 Como os atletas treinam?

A primeira pergunta refere-se ao tempo disponível, enquanto a segunda


aponta diretamente para a adesão.

A fim de se ter uma visão clara da adesão da equipe, é importante fazer a


diferenciação entre dois conceitos importantes: presença e adesão. A
frequência é relativa e quantitativa, e muitas vezes é confundida com a
adesão, que se refere mais ao qualitativo do que ao quantitativo.
Frequentemente, encontramos equipes que têm altos níveis de
comparecimento (ou seja, de presença), mas uma adesão média ou baixa.

Como um atleta pode comparecer sem aderir? Um atleta comparece sem


adesão quando não se sente motivado e não coloca 100 % de sua energia
nos exercícios do treino ou quando tenta realizá-los sem muito esforço e só
desenvolve as ações que achar mais confortáveis, de maneira a evitar
atividades que exigem mais risco ou esforço.

A adesão está ligada a um conceito fundamental para o treino, que é a


cultura de equipe. A cultura de equipe se refere a valores, costumes e
tradições. Em resumo, aos acordos estabelecidos entre todos os membros
da equipe. Ao iniciar um processo de treino, é muito importante que o
treinador disponha do tempo necessário para trabalhar com todos os
integrantes da equipe sobre a cultura de equipe. Ser capaz de transmitir
valores comuns e um acordo entre a equipe sobre o dia a dia de trabalho
dela é uma medida que melhora notavelmente a adesão entre os atletas.

É importante notar que uma cultura de equipe é sempre estabelecida, seja


ou não administrada pelo treinador, razão pela qual recomendamos
desenvolvê-la no início do processo de treino e, assim, evitar lidar com
esses temas importantes em datas posteriores, quando as mudanças
culturais quase sempre carregam um custo significativo, tanto na
produtividade quanto no clima da equipe.

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1.1.3 Definição comportamental para os indicadores de
adesão. Observação e registros
Uma tarefa muito importante para melhorar a gestão da adesão entre os
atletas ao treino e às sessões complementares reside em fazer uma
definição completa dos comportamentos concretos que constituem a
adesão. É necessário que esses comportamentos sejam compreendidos e
compartilhados por todos os membros da equipe, que sejam observáveis e
que possam ser gerenciados pelos dois lados, tanto pelo treinador quanto
pelos atletas. Se esses comportamentos não são definidos com precisão e
não são adequadamente comunicados, abre-se margem para que cada
membro da equipe interprete a adesão de uma forma diferente. Essa
abertura subjetiva é muito arriscada e ameaça tanto a produtividade
quanto o clima da equipe.

É importante chegar a esse nível de definição comportamental, não apenas


para avaliar a adesão de cada atleta, mas também para ser capaz de
gerenciar de forma correta a adesão do grupo como um todo.

Figura 7: Definição comportamental de adesão

1. Presença durante o treino no tempo e em forma.


2. Atenção às instruções do treinador.
3. Execução da habilidade requerida seguindo as instruções do
treinador.
4. Execução da habilidade sem interrupções frequentes.
5. Execução da habilidade com a intensidade e a velocidade final
almejada.
6. Bom nível de comunicação.
7. Tomada de decisões rápida e eficaz.
8. Utilização adequada do foco de atenção.
9. Cumprimento do objetivo do treino.
10. Prazer ao treinar.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Buceta, 1998, pág. 93.

No quadro recentemente descrito, apenas alguns comportamentos são


mencionados como exemplos para definir comportamentos de adesão.
Evidentemente, a implementação de cada uma desses indicadores de
adesão necessitam de uma definição completa e uma determinação

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específica do escopo do indicador. Este esclarecimento poderia acabar
sendo redundante, mas a experiência profissional nos mostra que dissipar
quaisquer ambiguidades é fundamental para a melhora do desempenho e
para o alcance de grandes resultados. Por exemplo, concordar com a
definição de utilizar o foco de atenção adequado ou comparecer ao treino
em seu tempo e forma é fundamental, pois essa descrição
comportamental revela dados válidos que nos permitem direcionar o
treino corretamente.

Mencionamos este último comentário, "direcionar o treino corretamente",


pois assim como o registro de adesão ajuda os atletas a identificar quais
tipos de comportamentos são mais ou menos importantes de se dominar,
também ajuda o treinador a avaliar se o treino proposto é apropriado para
as capacidades reais atuais dos atletas. Por exemplo, se o treinador
descobrir que quase nenhum membro da equipe pode executar as
habilidades com a velocidade e a intensidade final desejada, ele deve
adaptar esse aspecto do treino ou fornecer aviso prévio adequado para os
atletas, a fim de que o treino não se transforme em um evento frustrante,
que prejudique a motivação dos atletas.

O registro de adesão ajuda a definir a adesão comportamental e a


compartilhá-la de maneira completa com toda a equipe. Ele também é útil
para mensurar a adesão individual e coletiva, mas, sobretudo, fornece
dados para que o treinador possa gerenciar melhor a adesão.

Finalmente, é muito importante esclarecer que a adesão é afetada tanto


pelo déficit quanto pelo excesso. Ou seja, quando os atletas treinam mais e
aplicam mais esforço do que deveriam, o nível de adesão também é
afetado, como se estivessem treinando em um nível abaixo do seu
potencial.

Nos dias de hoje, em ambientes bem-sucedidos, muitas vezes encontramos


pais que afetam a adesão de seus filhos, fazendo-os realizar sessões de
treino adicionais, tendo como resultado final a deterioração da motivação
dos atletas e o abandono da prática esportiva por um determinado período
ou para sempre. Cada vez mais, temos que ser cuidadosos com esse
aspecto. Mais não é sinônimo de melhor, e, se o treino extra for
necessário, o treinador deve ser sempre o encarregado por ele e o
responsável por determinar a sua necessidade. É importante se comportar

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com calma e respeitar o papel do treinador e os processos de
amadurecimento dos atletas.

1.1.4 Mecanismos mentais para promoção da adesão


ao treino atlético

Um erro grave é a compreensão da adesão a partir da perspectiva do


devemos ser, dessas concepção do potencial ideal de que "devemos ser
respeitosos", "devemos ser pontuais" ou "devemos treinar duro". Este
ideal potencial pode ser cumprido às vezes, mas outras vezes pode oscilar.
Em alguns momentos isso é conquistado, mas em outros, respondendo aos
estados emocionais dinâmicos e mutáveis do ser humano, não é.

O principal desafio do treinador esportivo está na forma de gerir a adesão,


sabendo de antemão que, em alguns momentos durante o ano de
competições, ela apresentará uma queda, e ele, como líder de toda a
equipe, precisa trabalhar duro para elevar os níveis de motivação até
alcançarem o ponto desejado.

“Você deve competir da maneira que treina”: essa máxima, comum em


todos os tipos de esportes, individuais e coletivos, masculinos ou
femininos, implica uma responsabilidade enorme para o treinador. O
treinador não é apenas responsável por planejar a quantidade e o
conteúdo das sessões de treino, os períodos de descanso e as sessões
complementares, ele também – e de maneira fundamental – é totalmente
responsável por conseguir que todos os atletas se sintam satisfeitos com o
processo, divertam-se e dediquem 100 % dos seus esforços ao esporte.
Esse é o desafio diário do líder de alto desempenho.

A adesão não é uma foto, estática, pelo contrário, é um filme dinâmico,


com filmagens diárias. A adesão depende de muitas ações que o líder pode
optar por realizar ou não, mas o impacto dessas decisões será percebido
nos níveis de adesão da equipe.

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Figura 8: Objetivos fundamentais da intervenção psicológica para reduzir o risco
de não adesão ao treino
Desenvolvimento de motivação básica
 Aumento do interesse na atividade atlética.
 Alcance do envolvimento e do empenho pessoal de cada atleta.
 Resolução de conflitos de interesses que possam afetar a motivação.

Fortalecimento diário da motivação


 Conquista de um ambiente de trabalho agradável e relações interpessoais
satisfatórias.
 Fomenta o interesse no trabalho diário.
 Ajuda os atletas a se divertir, aprender, sentirem-se confortáveis, enfrentarem
desafios imediatos interessantes e obterem reforço social.

Gestão de situações estressantes durante o treino


 Consulta com os treinadores para gerenciar as decisões e comportamentos
estressantes dos atletas.
 Gerenciamento adequado da novidade, da dificuldade, do nível de rigor, das cargas
de trabalho, das situações ambíguas e das situações de conflito e dos períodos de
repouso.
 Treina os atletas em habilidades atléticas para autorregulação.
 Modifica crenças e atitudes relevantes.

Fortalece a autoconfiança
 Fomenta a percepção de controle sobre as situações apresentadas durante o treino.

Gestão de regras e orientações para o comportamento, especificamente


relacionadas à adesão
 Melhora as atitudes dos atletas em relação à adesão ao treino.
 Estabelece planos adequados para comportamentos de adesão ou não adesão.

Gerenciar possíveis modelos relevantes


 Gestão dos atletas mais importantes do grupo.
 Gestão de casos que, por qualquer motivo, precisam ser exceções.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Buceta, 1998, pág. 97.

Se entendermos a motivação como o estado ou processo interno que ativa,


direciona e mantém o comportamento visando a um objetivo (Cashmore,
2002 apud Dosil, 2004, pág. 128), o fortalecimento diário da motivação é
uma tarefa que requer avaliação rápida e ágil dos estados emocionais dos

19
atletas. Muitas circunstâncias afetam a vida diária dos atletas e o treinador
deve ter a habilidade de detectar e dissipar os fatores que interfiram com o
treino, a fim de gerar um ambiente interessante e agradável. A monotonia
e a repetição são situações que destroem a motivação diária. Ao mesmo
tempo, a inovação e a criatividade são habilidades necessárias a um
treinador para desempenhar plenamente o seu papel.

O líder deve desenvolver treinos desafiadores, com exercícios que


despertem a motivação dos atletas e os inspire a uma melhoria constante.
O jogo, a competição e o desafio são todos componentes que deveriam
constar no treino. Se o treinador não é capaz de mesclá-los corretamente e
não se atentar a esse aspecto fundamental do treino, ele agirá contra a
adesão de seus atletas. Estes poderiam estar com o melhor de todos os
treinos possíveis, mas sua repetição todos os dias, após um certo tempo,
acabaria minando a motivação deles.

Dessa forma, além da importância de planejar o conteúdo do treino,


também é necessário se concentrar basicamente em projetar de forma
específica a apresentação do treino, visando à animação e ansiedade dos
atletas para treinar, para descobrir qual novo desafio enfrentarão naquele
dia. Esta ação de projetar o treino não deve ser uma atividade excepcional
para o treinador, pelo contrário, precisa ser uma atividade diária que ele
deve realizar no desempenho de sua função.

A gestão das condições de treino influencia significativamente a motivação


diária. Se o campo de treino estiver em boas condições, se os elementos de
treino forem suficientes, se o traje de treino estiver limpo e disponível, se
as interrupções e interferência de fatores externos estiverem sob controle,
evidentemente a adesão será muito maior do que quando essas condições
não estão presentes. O treinador é responsável por delegar e direcionar os
membros da equipe na preparação das condições de treino. Estreitamente
relacionado ao já exposto está a atitude que o treinador assume em
relação ao atleta com base nos resultados das responsabilidades de
preparação (Valdés Casañ, 1998, pág. 171).

Outro aspecto muito importante, relevante para alcançar uma melhor


adesão, é a gestão do estresse proveniente do treino. Desde a concepção
dos exercícios altamente complexos, até as punições do treinador, a
repetição prolongada dos exercícios e a duração do treino em si, todos

20
produzem grandes quantidades de estresse e deveriam ser apresentados
de forma adequada. O estresse é uma parte da competição, e o treinador
precisa habituar os atletas a ele. Por isso é necessário que o estresse se
manifeste, mas isso deve acontecer respeitando certos critérios.

Sempre que os atletas forem expostos a situações de estresse elevado, seja


pela sua complexidade ou por sua carga, é necessário que o treinador
antecipe e forneça os recursos necessários para que eles enfrentem a
situação estressante. Em décadas passadas, muitos treinadores
consideraram que esta fase de treino seria realizada aumentando a carga e
a complexidade, e vendo quem se adaptou bem, sem fornecer apoio ou
muito menos, avisos. Aqueles que sobreviveram às sessões de treinos
estressantes foram os verdadeiros atletas de sucesso. Mas isso não é
verdade. Foi demonstrado e comprovado que a exposição deliberada a
condições estressantes não só mina a motivação de todos os atletas, mas
também não acrescenta valor extra ou novos recursos.

Um agente determinante em relação ao nível de estresse em uma sessão


de treino é o próprio treinador. Muitas vezes, o treinador se transforma no
maior fator causador de estresse e gera dependência emocional e uma
certa vulnerabilidade entre os atletas, produto de seus estados emocionais
instáveis que se transformam em repreensões contínuas, explosões
emocionais e comportamentos que distraem, confundem e paralisam os
atletas. O treinador deve regular suas próprias emoções para tornar-se um
colaborador para os atletas, para dominar o estresse no treino e na
competição e não se tornar ele próprio um fator de estresse.

Isso sugere que o treinador não deve apontar erros ou punir


comportamentos disfuncionais? Claro que não. O treinador deve apontar
erros e corrigir ações disfuncionais, mas de forma adequada e com o
objetivo de reorientar e recuperar seus atletas. As emoções do treinador
devem estar a serviço de seus atletas. Por essa razão, ele não deve
descontar suas emoções, mantendo seus atletas à mercê de seu humor.

É muito importante e necessário que o treinador crie sessões de treino que


fortaleçam a confiança dos atletas e seu senso de competência. A
autoeficácia é a sensação de competência e controle que o atleta vivencia
ao ter execuções bem-sucedidas e que afetam positivamente seu estado
emocional. O treinador deve se atentar sobretudo a esse aspecto durante a

21
projeção do treino. Se os atletas estão sempre trabalhando em ações novas
e muito complicadas, será difícil elevar a sensação de autoeficácia e
autoconfiança. Portanto, o treino que apresenta fraquezas mais do que
melhoria dos pontos fortes sempre perderá a adesão.

Então, não devemos trabalhar em ações novas e complexas durante o


treino? Sim, devemos trabalhar nelas, durante um tempo definido e
combinadas com ações previamente consolidadas para que não afetem o
senso de autoeficácia e para que não gerem um impacto negativo na
adesão ao treino.

Finalmente, recomendamos recompensar aqueles que demonstram altos


níveis de adesão ao treino e gerenciar aqueles que apresentam oscilações.
Recompensar significa reconhecer sua contribuição e esforço contínuo
para o desenvolvimento pessoal e da equipe. Gerir, por sua vez, significa
trabalhar junto com o atleta para descobrir os fatores que estão
interferindo em seus estados emocionais e mantê-los com 100 % de seus
esforços focados em cada sessão de treino.

Conclui-se, então, que a adesão é de vital importância no processo de


formação de comportamentos individuais e coletivos, de modo que o
treinador deve ter recursos suficientes para fortalecer, continuamente, o
nível de adesão de seus atletas. A adesão é um filme gravado todos os dias,
e para o qual o diretor precisa projetar o melhor cenário e criar os
melhores enquadramentos.

22
1.2 Avaliação esportiva:
Características e
particularidades
Vamos avaliar a terceira tarefa contínua básica do treino atlético com uma
atividade que deve ser realizada de forma contínua e influencia
diretamente o treino. Aprofundaremos a avaliação do treino atlético.

A medida das capacidades atléticas, a avaliação da eficácia do sistema de


treino e a avaliação específica da tradução das capacidades desenvolvidas
para situações competitivas são, provavelmente, algumas das ações
relacionadas ao treino atlético que têm experimentado os maiores avanços
e adaptações nos esportes nas últimas décadas.

Quase todas as equipes técnicas têm algum software para mensurar o


desempenho, com um sistema de estatística que fornece dados específicos
para cada atleta, em situações de treino. Os avanços tecnológicos no
serviço de avaliação esportiva são cada vez mais relevantes. Um exemplo
concreto disso é o famoso Google Glass, que, no momento, permanece
como uma tentativa precoce de fornecer ao treinador informações em
tempo real.

Figura 9: Google Glass

Fonte: Cazón, 13 de abril de 2014. Retirado do site http://goo.gl/R80Zmb

23
Mas deixaremos um exame mais aprofundado das novas tecnologias, das
novas gerações e da prática esportiva para tópicos posteriores deste
programa de certificação. Agora tentaremos conceituar, delinear e
determinar os componentes principais da avaliação do treino atlético.

Começaremos com uma definição filosófica ligada à avaliação no contexto


atlético. Há não muito tempo atrás, a avaliação em qualquer contexto era
um evento verdadeiramente estressante, não tanto pela medição em si,
mas pelas conseqüências associadas a ela. Por essa razão, muitas gerações
desenvolveram um certo medo das avaliações e, como conseqüência, hoje
ainda há uma certa aversão a elas.

Felizmente, as novas gerações estão crescendo e veem as avaliações como


algo cotidiano e, portanto, figuram como agentes ativos de avaliação. Eles
são treinados para "eu gosto" ou "eu não gosto".

A avaliação nada mais é do que uma medida para determinar o nível de


desenvolvimento ou o nível de transferência de certas capacidades. Sem
mensurar as avaliações, é impossível adaptar o plano de formação ou gerir
a adesão. E, sem medições contínuas, você não pode passar de uma fase
de treino para outra. A avaliação é necessária, é positiva e traz muitos
benefícios associados. A avaliação nos permite reorientar, corrigir ou
passar para fases posteriores.

Os medos associados às avaliações são devidos, principalmente, às


consequências derivadas das medições e à má gestão dos resultados
obtidos pelos treinadores.

Quando afirmamos antes a necessidade de trabalhar com toda a equipe


em torno da cultura de equipe, mencionamos o estabelecimento de
comportamentos comuns necessários para o desenvolvimento da equipe e
de suas capacidades. Este é o momento de apresentar as avaliações como
uma análise e uma ação contínua e necessária para a equipe, sem
conseqüências catastróficas ou dramáticas subsequentes para qualquer
atleta. As avaliações fornecem dados que servem para validar ou corrigir a
direção do processo de formação comportamental que compõe o treino
atlético. Bem-vindo à avaliação do treino atlético.

24
Figura 10: Aspectos de treino atlético a serem avaliados

 O conteúdo do treino.
 O volume e a intensidade do treino.
 Desempenho dos atletas em tarefas do treino.
 Os efeitos do treino no progresso dos atletas.
 Os efeitos do treino no desempenho e nos resultados da competição.
 Os aspectos psicológicos do treino atlético.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Buceta, 1998, pág. 387-388.

A junção de sistemas de medição quantitativos com sistemas de medição


qualitativos permite que o treinador disponha de dados mais completos ao
tomar decisões.

Figura 11: Métodos quantitativos no treino atlético

 Número de sessões de treino.


 Volume do treino.
 Eficácia do treino.
 Aproveitamento do treino.
 Fadiga do treino.
 Transferência para a competição.
 Realização dos objetivos de resultados.

Fonte: Preparado pelo autor.

Os métodos quantitativos foram os primeiros a terem uma função nas


avaliações esportivas. Isso nos permite determinar com precisão as
quantidades, os volumes, os minutos, as distâncias percorridas, a eficácia
na execução, o consumo metabólico e os diferentes indicadores que
fornecem feedback ao treinador e permitem que tome decisões cada vez
mais precisas.

Se o tempo médio real de jogo de uma competição, como o futebol, é de


55 minutos, e o tempo real de treino médio é de 30 minutos, então de fato
há uma deficiência no desempenho decorrente desse intervalo de minutos
entre treino e competição. Hoje, os métodos quantitativos fornecem dados
cada vez mais valiosos, como o tempo real de treino sem interrupções, o

25
que nos permite fazer planos mais precisos e sessões de treino melhor
adaptadas à realidade das demandas da competição.

Atualmente, é inconcebível que os treinadores não contem com métodos


quantitativos de avaliação para coletar dados de qualidade que lhes
permitam maior eficácia na tomada de decisões.

Mas a necessidade de obter informações mais completas levou à


incorporação de métodos qualitativos de avaliação para registrar a
informação subjetiva, indetectável aos instrumentos, que gera impactos na
qualidade do treino atlético e sua elucidação em situações de competição.

Métodos qualitativos incluem entrevistas pessoais, reuniões de grupo,


registros de desempenho, autorrelatos e outros métodos complementares
que facilitam o acesso a informações cada vez mais precisas e confiáveis
sobre o desempenho dos atletas e da equipe como um todo.

O desafio do treinador, hoje, tem menos a ver com os métodos de


avaliação do que com o estilo e a estratégia de sintetizar este volume de
dados quantitativos e qualitativos sobre sua equipe para tomar decisões
mais eficazes.

Figura 12: Métodos qualitativos no treino atlético

 Aderência ao treino.
 Domínio percebido das habilidades.
 Percepção de cansaço e fadiga.
 Nível de autoeficácia.
 Nível de prazer.
 Carga de estresse do treino.
 Carga de estresse pós-competição.
 Nível de coesão da equipe.

Fonte: Preparado pelo autor.

As principais ideias para se avaliar os métodos qualitativos e quantitativos


sugeridos nas figuras anteriores são apenas um conjunto de experiências
de diferentes treinadores. Cada treinador e cada equipe de treinadores
selecionam as variáveis a serem mensuradas e a melhor maneira de fazê-
lo. É certo que, hoje, quantitativa ou qualitativamente, tudo é mensurado.

26
1.2.2 Autoavaliação e avaliação externa Medidas
comparativas
Não só evoluíram as consequências associadas às avaliações esportivas, a
sua frequência e a gestão dos seus resultados, como também o papel do
atleta avaliado na própria avaliação sofreu alterações fundamentais.

Historicamente, o atleta teve um papel passivo no feedback de suas


avaliações esportivas. Eles recebiam um ponto de dados, um ou mais
números e um pouco mais. Hoje, o atleta também tem seus próprios
dados, combina informações quantitativas e qualitativas relacionadas ao
seu desempenho e ao desempenho da equipe. O atleta tem um papel
muito mais ativo, um comprometimento maior com a avaliação, o que
enriquece tanto o treino quanto o perfil competitivo individual e coletivo.

Essas autoavaliações não são feitas para evitar avaliações externas do


atleta, pelo contrário, são realizadas para compreender as percepções do
atleta sobre seus esforços, suas execuções, seu desempenho em treino,
seu desempenho em competição, o papel do jogo na equipe etc.

As autoavaliações não excluem as avaliações externas, pelo contrário,


enriquecem-as e complementam. É muito importante que o treinador e
seus assistentes façam um treinamento para realizar essas entrevistas de
feedback, com o objetivo de aproveitar melhor o comprometimento dos
atletas e do papel de liderança, e não impedi-los de assumir um papel de
liderança indevido.

Esse espaço e tempo para combinar informações relacionadas com o


desempenho do atleta é de vital importância, e o treinador deve aproveitar
esse momento para:

 Detectar se o atleta superestima seu desempenho.


 Detectar se o atleta subestima seu desempenho.
 Detectar se o atleta superestima sua contribuição para a equipe.
 Detectar se o atleta subestima sua contribuição para a equipe.
 Alinhar as perspectivas e avaliações do atleta com as do treinador.
 Definir prioridades em conjunto.
 Gerar um novo programa de trabalho para este atleta.

27
Esses espaços para interação entre treinador e atleta, a fim de dialogarem
sobre o desempenho, o treino e outros tópicos de interesse com dados
concretos, fornecidos pelos dois lados, são um exercício que exige tempo e
dedicação e, a curto prazo, esse investimento de energia pode custar
muito, mas se traduz em muita coordenação do direcionamento e da
sustentabilidade para o processo de treino. O papel ativo do atleta e a
posição do treinador como facilitador favorecem a qualidade desses
encontros "comparativos" que são decisivos para o futuro do treino e da
competição da equipe.

1.2.3 Avaliação comportamental dos atletas


Sem nos perdermos nas complexidades do que significa a avaliação
comportamental e ainda menos na análise comportamental, gostaríamos
de sugerir um modelo, muito utilizado no esporte, para registrar os
comportamentos de um atleta e que favorece o desenho de programas de
treino para cada atleta – que, por sua vez, permite um maior
reconhecimento do progresso no treino.

Tabela 1: Registro do comportamento do atleta

Comportamentos que devem ser Comportamentos que devem ser


mantidos consolidados
Comportamentos que devem ser Comportamentos que devem ser
eliminados criados
Fonte: Preparado pelo autor.

Para gerenciar esse registro comportamental de maneira colaborativa


entre o treinador e o atleta, o treinador precisa ter previamente atribuído a
função ou o papel que o atleta deve realizar. A partir daí, é muito
importante definir as prioridades de comportamento atlético para o atleta.

O que fazemos com os comportamentos que o atleta domina mesmo em


situações estressantes? Esses comportamentos estão incluídos na seção a
ser mantido. São comportamentos totalmente consolidados que não são
afetados pelo estresse da competição e que beneficiam tanto o atleta
quanto a equipe.

28
O que fazemos com os comportamentos que o atleta domina, embora de
forma intermitente, durante situações estressantes? Esses
comportamentos estão incluídos na seção a ser consolidado. Esses
comportamentos foram aprendidos pelo atleta, mas seu controle total
durante as situações estressantes ainda é variável.

O que fazemos com os comportamentos que o atleta ainda não aprendeu


ou dominou? Esses comportamentos são necessários para seu
desempenho eficaz e estão incluídos na seção a ser criado. Mudanças
constantes e desafios contínuos sempre trazem novos comportamentos a
serem incorporados. Esse espaço deve sempre contar com uma visão
estratégica que inclua o médio prazo.

O que fazemos com comportamentos disfuncionais que o atleta apresenta


e que impedem o desempenho de sua função? Esses comportamentos
devem ser incluídos na seção a ser eliminado. Esses comportamentos
disfuncionais são os mais difíceis de modificar. É muito importante
estabelecer prioridades e metas parciais.

Como mencionamos antes, esta é apenas uma breve introdução à


avaliação comportamental e ao registro de atletas. Esse registro também é
utilizado em nível de equipe e o resultado é muito positivo, pois torna os
objetivos de desempenho compartilhados mais visíveis, gera adesão entre
os atletas e promove o intercâmbio de dados completos e de alta
qualidade para o treinador e a equipe.

Recomenda-se que esse registro seja desenvolvido por uma colaboração


entre o treinador e o atleta para evitar o sentimento de imposição, mas,
principalmente, recomendamos que esse registro de comportamento seja
implementado. Uma única reunião para avaliar e estabelecer prioridades é
inútil se não houver um programa de trabalho estabelecido para o atleta, e
um cronograma subsequente de entrevistas para o feedback dos dois
lados, a fim de avaliar avanços e definir ou manter prioridades de
desenvolvimento.
As reuniões ou entrevistas com os atletas devem ser proativas, com o
objetivo de gerenciar seus registros comportamentais e devem avaliar
avanços, consolidações e permitir a definição de novos objetivos de
desempenho. Hoje, ainda há treinadores que continuam a utilizar tanto a
entrevista quanto a reunião para punir o atleta por resultados não

29
alcançados, e eles esquecem ou não sabem da importância de utilizar essas
ferramentas para gerenciar o desempenho.

1.2.4 Frequência das avaliações esportivas


Finalizaremos esta discussão sobre a avaliação esportiva esclarecendo em
que horários e com que frequência o desempenho e os resultados dos
atletas devem ser medidos.

Felizmente, não há mais debate sobre se devemos avaliar antes, durante


ou depois do treino ou competição. A necessidade e a disponibilidade de
métodos de avaliação antes, durante e depois da formação e da
competição, é clara.

Quanto mais dados você consegue obter sobre o desempenho individual e


coletivo, melhor é para a tomada de decisões mais eficazes. Então, temos
de nos encontrar todo o tempo com os atletas para gerenciar os
resultados? Claro que não. Os dados devem ser processados pelo
treinador, e ele deve respeitar o cronograma definido de entrevistas e
reuniões, e não aumentar as reuniões ou entrevistas com base no volume
de dados recebido. Se esse fosse o caso, as medições seriam a principal
interrupção para o treino e seriam um aborrecimento para o treinador e
para os atletas.

Eventualmente, o aparecimento de indicadores críticos pode alterar a


agenda de reuniões e entrevistas, mas apenas em casos especiais.

Concentrando-se na frequência não das avaliações, e sim na gestão de seus


resultados, essa freqüência será maior quando os dados emergentes
estiverem relacionados com comportamentos a serem criados e
comportamentos a serem eliminados, enquanto reuniões e entrevistas
para o gerenciamento de desempenho serão menos frequentes quando os
dados emergentes estiverem relacionados a comportamentos a serem
mantidos e comportamentos a serem consolidados.

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Referências
Buceta, J. M. (1998). Psicología del entrenamiento deportivo. Madrid:
Dykinson.

Cazón, P. (April 13, 2014). Google glass [captura de tela de um vídeo]. In


Fútbol as. Retirado de
http://futbol.as.com/futbol/2014/04/13/primera/1397409854_496947.ht
ml

De Diego, S., & Sagredo, C. (1992). Jugar con Ventaja. Madrid: Alianza.

Dosil, J. (2004). Psicología de la Actividad Física y del Deporte. Madrid:


McGraw Hill / Interamericana de España, S.A.U.

Valdés Casal, H. (1998). Personalidad y Deporte. Barcelona: INDE


Publicaciones.

Weinberg, R., and Gould, D. (1996). Fundamentos de Psicología del Deporte


y del Ejercicio Físico. Barcelona: Ariel.

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