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OPINIÃO OPINION
The subject in (of) the collective health
and postmodernism
Abstract Taking into account the influence of Resumo Considerando a influência que a
postmodernist approach in the academic pro- abordagem pós-modernista tem exercido na
duction of social medicine and collective health produção acadêmica da medicina social e da
in the last years, when the importance of au- saúde coletiva nos últimos anos, quando a re-
thors like Michel Foucault is remarkable; one ferência de autores como Foucault é marcan-
intend to dialogue with that kind of produc- te, busca-se dialogar com tal produção parti-
tion specially because the so-called end of man cularmente em função do descentramento do
as the subject of History; and because the im- homem como sujeito da história; da importân-
portance of the categories discourse, gender, cia assumida por categorias como discurso, gê-
ethnic, sexuality, in consequence of searching nero, etnia e sexualidade, em conseqüência da
new identities and fragmentation of reality in- busca de novas identidades e da fragmentação
troduced by that approach, in order to coun- da realidade introduzida por aquela aborda-
teract the idea of totality brought by the Marx- gem, em contrapartida com a idéia de totali-
ist approach. The goal is to rescue the idea of dade proposta pela abordagem marxista. O que
subject updating the notion and the concept of se busca é resgatar a idéia de sujeito, atuali-
social class, in a totality perspective, consider- zando a noção e o conceito de classe social, con-
ing the world reality marked by the globaliza- siderando a realidade mundial em que a glo-
tion, as the imposed on model that must be balização é o modelo que se impõe e que deve
faced by a strategy that overcome the frag- ser enfrentado a partir de uma estratégia que
mented reality as it is seeing by the postmod- supere a realidade fragmentada do olhar pós-
ernist agenda and rescue to the scene the so- modernista e recoloque em cena as classes so-
cial classes, updated in a globalized capital- ciais atualizadas para um capitalismo globali-
ism, while the subject inside the social think- zado, como o sujeito do pensamento social
ing in (of ) the collective health. n(d)a saúde coletiva.
Key words Postmodernism, Subject, Collec- Palavras-chave Pós-modernismo, Sujeito,
tive health, Social class Saúde coletiva, Classe social
1 Centro de Estudos em
Saúde Coletiva (Cesco),
Universidade Federal
de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina.
Rua dos Otonis, 592 –
04025-000 – São Paulo, SP.
cesco@scs.com.br
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Lacaz, F. A. C.
tituído na centralidade pelas relações e deter- cabouço teórico que embasa a abordagem pós-
minações da vontade das instâncias de poder, é moderna, corre-se o risco de, caindo num rela-
outra questão crítica (Lacaz, 1996). Tal asser- tivismo extremo, chegar-se à conclusão de que
tiva de Foucault, de certa forma a-histórica, a história não existe, mas sim... ficções, narra-
leva-nos a perguntar onde, enfim, encontra- tivas, que podemos organizar conforme uma es-
se o sujeito social, na medida em que sua pre- trutura de começo, meio e fim, mas que sempre
sença não é mais reconhecida na dinâmica das irão trair a arbitrariedade básica com a qual ca-
sociedades de classe (Fidalgo, 1996). da sujeito compõe os dados da realidade (Coe-
Por outro lado, considerando-se a outra lho, 1999, grifo nosso).
analítica proposta por Foucault (1994), a ge- Mais ainda: a partir disso, a noção de su-
nealogia, ela irá permitir analisar as relações jeito também torna-se inexistente pois trata-se
entre saber e poder. E é aqui que suas contri- de um espaço onde se cruzam percepções, de-
buições parecem ser mais elucidativas para sejos, linguagens, o que faz com o que a pró-
abordar uma das temáticas hoje colocadas pa- pria realidade também inexista (Coelho, 1999).
ra a saúde coletiva, ou seja, a de promoção à Como referem autores que têm se dedica-
saúde, ao situar o papel da medicina e de seus do à uma análise crítica do pós-modernismo
agentes, como espaço de dominação, assujeita- (Wood & Foster, 1999; Eagleton, 1998; Pieruc-
mento e controle social, daquilo que é chama- ci, 1999), tal culto à fragmentação e à identida-
do de comportamento, de estilo de vida. de seja social, racial, étnica, cultural, sexual,
dentre outras, envolve perigos que podem ter
conseqüências políticas nefastas.
Ciências sociais e pós-modernismo Assim, é mister alertar para o fato de que
esse verdadeiro “elogio da diferença” que tan-
Esta longa introdução é pertinente na medi- to é celebrado atualmente pela “nova esquer-
da em que o diálogo inicialmente almejado vai da” não pode e nem deve abandonar a im-
trazer à baila uma postura observada nos úl- portante e clássica temática da desigualdade
timos anos a respeito das temáticas assumidas (social).
com mais freqüência pelas ciências sociais co- É ainda importante assinalar que diante
mo uma das “pernas” do tripé que sustenta o dessa forma de ver o mundo, influenciada pe-
campo da saúde coletiva. la perda de referências ideológicas, ao se afir-
Melhor explicando: em recente publicação, mar que a luta por direitos iguais, estaria ar-
Nunes (1999) refere que dentre as atuais pers- ticulada com outra luta na qual busca-se tam-
pectivas teóricas das ciências sociais em saú- bém afirmar as identidades e a originalidade
de no Brasil, um dos aspectos mais marcantes de certos grupos sociais, não seja percebida
que ilustram as preocupações dos pesquisa- qualquer idéia de contradição. E, por exemplo,
dores do campo relaciona-se a uma determina- ao se afirmar que “negro é diferente”, que “mu-
da crítica à adoção de teorias de caráter tota- lher é diferente”, repete-se o que racistas e se-
lizante. Para ele, citando Ferreira (1993), dian- xistas sempre disseram! (Coelho, 1999; Pie-
te do que este chama de “crise de explicação”, rucci, 1999).
os investigadores passam a utilizar referências Do ponto de vista da macrossociologia, es-
teóricas que enfatizam a constituição das iden- ta verdadeira idéia fixa do pós-modernismo,
tidades, valorizam a subjetividade, o imaginá- que é a “fragmentação do sujeito” ou o “antiu-
rio e os fenômenos da cultura, em si mesmos, niversalismo” e o “particularismo”, é ainda mais
ou como instâncias mediadoras entre as estru- preocupante e adquire contornos até mesmo
turas/sistemas e a ação social (Nunes, 1999, gri- a(nti)-históricos, quando busca afirmação jus-
fos nossos). Finalmente, ressalta a importân- tamente no momento em que o capitalismo
cia da contribuição que a análise das “práticas globalizado assume caráter e condição totali-
discursivas” tem trazido para as investigações zantes, em níveis nunca imaginados anterior-
histórico-sociais na saúde. mente (Wood, 1999; Jameson, 1999). Ou, co-
Levando-se em consideração as questões mo propõe a dialética de Santos (2000), na
apontadas na introdução, importa assinalar atual fase do desenvolvimento capitalista “o
que com a cada vez maior valorização de ca- que, afinal, se cria, é o mundo como realidade
tegorias como identidade, subjetividade, ima- histórica unitária, ainda que ele seja extrema-
ginário, linguagem/língua/discurso, cultura, mente diversificado” (itálico do autor, grifo
conseqüência de influências tão caras ao ar- nosso).
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qual extraímos o seguinte trecho: O que mu- Unidos, mais rápido se torna esse processo de
dou (...) foi a perspectiva histórica. Por um la- degradação. A produção capitalista, portanto,
do, sinto-me confirmado empiricamente pela desenvolve as técnicas e o grau de combinação
dimensão atingida pela crise e a catástrofe abso- do progresso social da produção minando as fon-
luta deste estágio terminal do capitalismo; por tes originais de toda riqueza – o solo e o traba-
outro, (...) reconheço a paralisia de um hori- lhador.
zonte cultural pós-moderno, na forma de um Da mesma forma pode-se apontar a im-
mundo aparente e virtual do ciberespaço, que é portância da abordagem marxista de classe em
a prova mais concreta deste estágio do capita- relação à desigualdade e à pobreza, numa pers-
lismo financeiro, o qual acredito não irá durar pectiva que supere a visão largamente difundi-
muito ... [trata-se da] necessidade de descons- da pelos liberais conservadores, nos anos 50 e
truir e acompanhar o capitalismo diacronica- 60, do círculo vicioso da pobreza e da doença,
mente, negando-lhe, já em seu movimento cons- para explicar a ocorrência dos agravos à saúde
titutivo, sua própria legitimidade ... de um pon- como conseqüência da pauperização das po-
to de vista de esquerda. pulações “carentes”. Para eles o rompimento
Se, de um lado surgem análises que consti- de tal “círculo” dar-se-ia através do desenvol-
tuem uma crítica radical ao triunfo do capi- vimento econômico, o que nunca aconteceu em
talismo, a isto se alia um certo questionamen- realidades concretas, mesmo quando da ocor-
to da categoria trabalho como elemento nodal rência de períodos de franco crescimento eco-
dentro da abordagem sociológica das socieda- nômico em países como o Brasil, na década de
des ocidentais (Gorz, 1987; Offe, 1989). E aqui 1970 e que ficou conhecido como o “milagre
interessa indagar como isto afeta as classes. brasileiro”. Exemplo de uma abordagem mar-
Um dado que salta à vista e adquire uma xista dessa questão é o artigo “A falsidade do
tendência mundial é a diminuição da impor- círculo vicioso da pobreza e da doença”, (Cos-
tância da produção de bens como determinan- ta Filho) no hoje longínquo ano de 1978, o
te da estruturação das sociedades, com a queda qual foi publicado num dos periódicos que, à
da necessidade de trabalhadores por parte do época, melhor traduziam o pensamento da
setor secundário e, em contraposição, a amplia- oposição de esquerda na área da saúde ao regi-
ção do mercado de trabalho no setor terciário, me militar, a revista Saúde em Debate.
caracterizado pela precariedade, desqualifica- O que ressalta daquilo que foi acima assi-
ção e pelos baixos salários, comparativamente. nalado é a necessidade de se atualizar a teoria
Se, como tarefas mediadoras e regulariza- marxista para pensar a realidade do capitalis-
doras do Estado provedor, os principais confli- mo vigente, o que coloca a importância de se
tos do lado do trabalho são, hoje, a devasta- re-pensar o conceito de classe e a sua consti-
ção ambiental; a exclusão e o desemprego; a tuição hoje.
desigualdade social; a pobreza, que para al- Tendo como pano de fundo a crise do Es-
guns não se subordinam às visões correntes de tado provedor, o desemprego e a realidade do
classe social (Waizbort) é porque não fizeram capitalismo globalizado, em que a economia
uma leitura atenta dos clássicos marxistas co- de trabalho vivo ressalta devido à chamada re-
mo salienta Foster (1999), particularmente no volução eletrônico-tecnológica dos últimos
que se refere à abordagem de Marx sobre a anos, na qual os processos de trabalho são for-
questão ambiental, em que ele discute a alega- temente modificados; observa-se uma socie-
da, pelos seus críticos e detratores, visão pro- dade, em que o conflito entre aqueles que tra-
meteíca/produtivista dele e de Engels, a res- balham e os que não têm trabalho – e que ao
peito do cada vez maior progresso mediante buscá-lo este lhes é negado – assume um pa-
o domínio da natureza pelo homem. Nada mais pel destacado (Waizbort, 1998). Nesse quadro,
falso, quando se observa o que escreveu Marx pode-se imaginar e existência de ... duas clas-
no Capital, volume 1: ses: ocupados e desocupados. Aqueles (...) liga-
Todo progresso na agricultura capitalista é dos a um núcleo produtivo, estes os que estão ex-
um progresso na arte de roubar não só o traba- cluídos da produção, marginalizados ... (Waiz-
lhador, mas o solo; todo progresso em aumentar bort, 1998).
a fertilidade do solo (...) é (...) para arruinar as Considerando tal realidade, a contradição
fontes de longa duração dessa fertilidade. Quan- de classe capital-trabalho estaria então trans-
to mais um país cresce com a indústria em gran- formada. De um lado, os que têm trabalho e
de escala (...), como acontece com os Estados os capitalistas se juntam para lutar por menor
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