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O sujeito n(d)a saúde coletiva e pós-modernismo

OPINIÃO OPINION
The subject in (of) the collective health
and postmodernism

Francisco Antônio de Castro Lacaz 1

Abstract Taking into account the influence of Resumo Considerando a influência que a
postmodernist approach in the academic pro- abordagem pós-modernista tem exercido na
duction of social medicine and collective health produção acadêmica da medicina social e da
in the last years, when the importance of au- saúde coletiva nos últimos anos, quando a re-
thors like Michel Foucault is remarkable; one ferência de autores como Foucault é marcan-
intend to dialogue with that kind of produc- te, busca-se dialogar com tal produção parti-
tion specially because the so-called end of man cularmente em função do descentramento do
as the subject of History; and because the im- homem como sujeito da história; da importân-
portance of the categories discourse, gender, cia assumida por categorias como discurso, gê-
ethnic, sexuality, in consequence of searching nero, etnia e sexualidade, em conseqüência da
new identities and fragmentation of reality in- busca de novas identidades e da fragmentação
troduced by that approach, in order to coun- da realidade introduzida por aquela aborda-
teract the idea of totality brought by the Marx- gem, em contrapartida com a idéia de totali-
ist approach. The goal is to rescue the idea of dade proposta pela abordagem marxista. O que
subject updating the notion and the concept of se busca é resgatar a idéia de sujeito, atuali-
social class, in a totality perspective, consider- zando a noção e o conceito de classe social, con-
ing the world reality marked by the globaliza- siderando a realidade mundial em que a glo-
tion, as the imposed on model that must be balização é o modelo que se impõe e que deve
faced by a strategy that overcome the frag- ser enfrentado a partir de uma estratégia que
mented reality as it is seeing by the postmod- supere a realidade fragmentada do olhar pós-
ernist agenda and rescue to the scene the so- modernista e recoloque em cena as classes so-
cial classes, updated in a globalized capital- ciais atualizadas para um capitalismo globali-
ism, while the subject inside the social think- zado, como o sujeito do pensamento social
ing in (of ) the collective health. n(d)a saúde coletiva.
Key words Postmodernism, Subject, Collec- Palavras-chave Pós-modernismo, Sujeito,
tive health, Social class Saúde coletiva, Classe social
1 Centro de Estudos em
Saúde Coletiva (Cesco),
Universidade Federal
de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina.
Rua dos Otonis, 592 –
04025-000 – São Paulo, SP.
cesco@scs.com.br
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Lacaz, F. A. C.

Introdução 1996). Ocorre que, em relação a elas, já se re-


conhecia, ainda nos anos 70, algumas questões
O presente ensaio surgiu da preocupação em críticas (Arouca, 1975; Robin, 1977).
dialogar com uma tendência verificada na pro- Assim, como refere Robin, Foucault, em
dução científica dentro do campo da saúde co- sua dèmarche arqueológica, tinha como preo-
letiva que utiliza como referência autores que cupação fundamental não o discurso em si,
se filiam à chamada “corrente pós-moderna” como tal, mas sim as condições de possibilida-
de pensamento, cuja origem situa-se no final de dos discursos, as quais poderiam situar-se
dos anos 50 e início dos 60, na França, con- nos... elementos da infra-estrutura (processo
fundindo-se com a emergência do estruturalis- econômico, trabalho industrial) ... [n]a estru-
mo, considerado por alguns autores uma rea- tura de classe (processos sociais), elementos da
ção ao domínio que era então exercido pela superestrutura ideológica (sistema de normas,
“filosofia” sartreana (Dosse, 1993). leis ...), etc. (Robin, 1977). Para a autora, Fou-
A propósito, é mister considerar que a mo- cault esquivava-se de discutir que hierarquias
dernidade é aqui entendida, no que se refere estabelecem-se entre tais elementos no nível
às artes, à cultura, às ciências e à filosofia, de da formação discursiva. Ao não estabelecer ní-
conformidade com o que propunha o ilumi- veis hierárquicos de determinação Foucault
nismo, como a busca de autonomia pelo ho- também negaria análises que apontam para as
mem, isto é, ... definir-se a partir de suas ques- formações discursivas como meros reflexos da
tões lógicas próprias, internas, e não pela (...) infra-estrutura econômica (Arouca, 1975).
submissão ao poder teológico, (...) político, (...) Tal negação, que para alguns configurava
eclesiástico, (...) estatal (Chauí, 2000). um novo tipo de idealismo, já fora questiona-
Por seu turno, a pós-modernidade alude a da por Marx e Engels, na medida em que con-
outro período histórico e representa corrente siderava que o pensamento e a língua tinham
de ... pensamento que questiona as noções clás- uma existência própria (McNally, 1999). Frise-
sicas de verdade, razão, (...) e objetividade, a se que essa postura tomou conta da esquerda
idéia de progresso ou emancipação universal, intelectual nos anos 60 e... transformou a lín-
(...), as grandes narrativas ou os fundamentos gua não só em um campo independente, mas em
definitivos de explicação (Eagleton, 1998). As- um campo que a tudo satura; uma esfera tão
sim, ao contrariar o iluminismo, percebe o onipresente, tão dominante, que virtualmente
mundo como instável, incerto, imprevisível. extingue a ação humana .... (McNally, 1999).
Tal modo de ver a realidade emerge em um Assim, conforme essa posição crítica, quan-
momento histórico em que a nova forma as- do se busca entender o papel da língua (e da
sumida pelo capitalismo ocidental sustenta- linguagem), não se pode analisá-la separada-
se em padrões tecnológicos, de consumo, in- mente da práxis humana (cf. McNally, 1999).
clusive cultural, em que o setor de serviços fi- E, foi esse tipo de esforço que empreenderam
nanceiro e de informação derrotam a forma autores marxistas como Mikhail Baktin e V. N.
de produção até então existente e em que a po- Volshinov, este na União Soviética dos anos
lítica de classes, calcada na noção de desigual- 20, época marcada por contundentes debates
dade, perderia espaço para as políticas basea- na esfera da literatura, arte, língua e cultura,
das na noção de identidade, (Eagleton, 1998) no imediato pós-Revolução de Outubro, o qual
calcadas na diferença. Acompanhando essa tra- foi abortado sob a ditadura estalinista (Mc-
jetória, surge um modo cultural, que vai ter Nally, 1999).
grande repercussão sobre as ciências e a filo- Para aqueles autores, as relações hierárqui-
sofia e que reflete tal mudança, identificada cas e sociais exercem grande influência na lín-
como superficial, pluralista, eclética, descen- gua e na fala e, consequentemente, a confor-
trada – o denominado pós-modernismo (cf. Ea- mação dos signos é determinada, em especial,
gleton, 1998). pela forma de organização social dos sujeitos
Dentre os autores mais representativos do envolvidos, daí porque o signo transformar-se
pós-modernismo, aquele que, no Brasil, teve numa “arena da luta de classes” (McNally, 1999,
grande influência sobre a medicina social (e a citando Volshinov, 1986).
saúde coletiva), está Michel Foucault. Pode-se Embora Foucault insurja-se contra o en-
dizer que tal influência decorre das análises cerramento, o fechamento nos textos, apesar
arqueológica e genealógica por ele formula- de sua visão do discurso como espaço de poder
das (Foucault, 1980, 1982, 1987, 1990, 1994 e articulado ao saber, especialmente em insti-
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tuições como os hospitais, prisões e asilos, ele operários, para fabricar artigos para si pró-
parece admitir, mais tarde, a capacidade de re- prios, os quais serão retirados clandestinamen-
sistir-se às práticas dominadoras (McNally, te da fábrica. Para designá-los cunharam o no-
1999). Ocorre que, enredado pela lógica de sua me “pombos-correio”. E, assim se referem os
própria analítica acaba concluindo que não operários aos seus pombos-correio, que ape-
temos saída e restamos emparedados no espa- sar de serem apropriados individualmente,
ço delimitado pelo discurso (Foucault, 1987). contêm um importante simbolismo:
Entendemos que ao discutir-se a idéia de Ao fabricar pombos-correio recuperamos po-
sujeito, é mister levar em consideração os acon- der sobre a máquina e nossa liberdade em rela-
tecimentos não-discursivos com base na aná- ção a ela ... Fabricar pombos-correio (...) exige
lise das várias instâncias que constituem o mo- cooperação, cooperação voluntária. (...) a maio-
do de produção, ou seja, a econômica, a ideo- ria das amizades começa com a fabricação con-
lógica e a político-jurídica. Assim, por analo- junta de um pombo-correio (Haraszti, apud
gia, quando se trata de uma abordagem pelo McNally, 1999). Pode-se afirmar, a partir de
olhar do materialismo histórico a idéia de pro- tal discurso, que existe história, cooperação,
cesso engloba a de relações. E, as relações no solidariedade de classe, utopia e atividade cria-
processo colocam o sujeito/agente... frente à tiva subversiva na fabricação de um pombo-
natureza e aos seus semelhantes ... sujeito social correio.
determinado pelo conjunto de relações em que Não se trata de um discurso vago de oposi-
é colocado e na atividade que o constituiu como ção; a produção dos pombos-correio envolve prá-
homem, ou seja, o trabalho (Arouca, 1975). ticas de resistência. Eles são a corporificação de
Diante de tal formulação, fica estabeleci- valores e atitudes de oposição e projetam a vi-
da uma tensão entre as duas abordagens, já são de cooperação social e controle da produção
que para Foucault, o sujeito é função da for- pelos operários (McNally, 1999).
mação discursiva, negando que aqueles que Quando aborda a contribuição de Grams-
enunciam são previamente determinados pe- ci na articulação entre língua e hegemonia, o
la estrutura social, no papel de intelectuais/su- autor acima citado indaga por que persiste a
jeitos (Lacaz, 1996). dominação e a exploração de classe se os tra-
E, conforme propõe Gramsci (1968) são os balhadores (os oprimidos) não se deixam do-
intelectuais os agentes da superestrutura jurí- minar inteiramente pelos discursos dominan-
dico-ideológica em um modo de produção, tes e até desenvolvem práticas e linguagens
dando-lhe organicidade. Nesse sentido, os in- (discursos) eficazes de resistência aos patrões?
telectuais orgânicos têm a... função de dar ho- (McNally, 1999). Na verdade, Gramsci (1968)
mogeneidade e consciência para um grupo so- propõe que todo homem é um intelectual e que
cial nos campos econômico, social e político. Es- apesar de existir uma hegemonia das idéias de
te intelectual é criado (...) por aquele grupo so- mundo da classe dominante, esta jamais é com-
cial, e [há] (...) organicidade do discurso quan- pleta, existindo sempre uma disputa com as
do estes são enunciados para dar uma coerên- idéias e posturas “contra-hegemônicas”, que se
cia e homogeneidade aos projetos, análises, pro- opõem aos valores e idéias ainda dominantes.
postas (...) de um determinado grupo social Frise-se que, ao transitar pela superestru-
(Arouca, 1975, grifado no original). tura, Foucault com o conceito de saber distin-
Assim, um discurso orgânico é também gue ciência e saber, fazendo uma crítica às aná-
uma prática que opera dando coerência a prá- lises de Althusser relativas à ciência e à ideo-
ticas das classes sociais. E, é disso que está fa- logia, diferenciando saber de ideologia (Arou-
lando McNally (1999) quando cita o autor Mi- ca, 1975).
klos Haraszti, a respeito da resistência operá- Ocorre, porém, que para o materialismo
ria, cuja história é construída a partir da vida histórico, a ideologia, esclarece Arouca (1975),
aqui entendida como processo, e das relações ... não é o reverso da ciência (...) [é] dotada de
sociais estabelecidas nas fábricas da Hungria uma materialidade, (...) com função real den-
na década de 1970, que se compõe e se reflete tro de uma dada formação social, determinada
d(n)a elaboração do discurso captada na pró- historicamente. Dessa maneira, assume as ca-
pria língua dos operários. Para o autor hún- racterísticas atribuídas por Foucault ao saber ...
garo, os operários que ele estudou conseguem Para a discussão que se pretende desenvol-
arrumar tempo, mesmo dentro da jornada con- ver neste texto, ... o descentramento do sujeito
trolada pela gerência, isto é, eles, na fala dos na história promovido por Foucault, (...), subs-
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Lacaz, F. A. C.

tituído na centralidade pelas relações e deter- cabouço teórico que embasa a abordagem pós-
minações da vontade das instâncias de poder, é moderna, corre-se o risco de, caindo num rela-
outra questão crítica (Lacaz, 1996). Tal asser- tivismo extremo, chegar-se à conclusão de que
tiva de Foucault, de certa forma a-histórica, a história não existe, mas sim... ficções, narra-
leva-nos a perguntar onde, enfim, encontra- tivas, que podemos organizar conforme uma es-
se o sujeito social, na medida em que sua pre- trutura de começo, meio e fim, mas que sempre
sença não é mais reconhecida na dinâmica das irão trair a arbitrariedade básica com a qual ca-
sociedades de classe (Fidalgo, 1996). da sujeito compõe os dados da realidade (Coe-
Por outro lado, considerando-se a outra lho, 1999, grifo nosso).
analítica proposta por Foucault (1994), a ge- Mais ainda: a partir disso, a noção de su-
nealogia, ela irá permitir analisar as relações jeito também torna-se inexistente pois trata-se
entre saber e poder. E é aqui que suas contri- de um espaço onde se cruzam percepções, de-
buições parecem ser mais elucidativas para sejos, linguagens, o que faz com o que a pró-
abordar uma das temáticas hoje colocadas pa- pria realidade também inexista (Coelho, 1999).
ra a saúde coletiva, ou seja, a de promoção à Como referem autores que têm se dedica-
saúde, ao situar o papel da medicina e de seus do à uma análise crítica do pós-modernismo
agentes, como espaço de dominação, assujeita- (Wood & Foster, 1999; Eagleton, 1998; Pieruc-
mento e controle social, daquilo que é chama- ci, 1999), tal culto à fragmentação e à identida-
do de comportamento, de estilo de vida. de seja social, racial, étnica, cultural, sexual,
dentre outras, envolve perigos que podem ter
conseqüências políticas nefastas.
Ciências sociais e pós-modernismo Assim, é mister alertar para o fato de que
esse verdadeiro “elogio da diferença” que tan-
Esta longa introdução é pertinente na medi- to é celebrado atualmente pela “nova esquer-
da em que o diálogo inicialmente almejado vai da” não pode e nem deve abandonar a im-
trazer à baila uma postura observada nos úl- portante e clássica temática da desigualdade
timos anos a respeito das temáticas assumidas (social).
com mais freqüência pelas ciências sociais co- É ainda importante assinalar que diante
mo uma das “pernas” do tripé que sustenta o dessa forma de ver o mundo, influenciada pe-
campo da saúde coletiva. la perda de referências ideológicas, ao se afir-
Melhor explicando: em recente publicação, mar que a luta por direitos iguais, estaria ar-
Nunes (1999) refere que dentre as atuais pers- ticulada com outra luta na qual busca-se tam-
pectivas teóricas das ciências sociais em saú- bém afirmar as identidades e a originalidade
de no Brasil, um dos aspectos mais marcantes de certos grupos sociais, não seja percebida
que ilustram as preocupações dos pesquisa- qualquer idéia de contradição. E, por exemplo,
dores do campo relaciona-se a uma determina- ao se afirmar que “negro é diferente”, que “mu-
da crítica à adoção de teorias de caráter tota- lher é diferente”, repete-se o que racistas e se-
lizante. Para ele, citando Ferreira (1993), dian- xistas sempre disseram! (Coelho, 1999; Pie-
te do que este chama de “crise de explicação”, rucci, 1999).
os investigadores passam a utilizar referências Do ponto de vista da macrossociologia, es-
teóricas que enfatizam a constituição das iden- ta verdadeira idéia fixa do pós-modernismo,
tidades, valorizam a subjetividade, o imaginá- que é a “fragmentação do sujeito” ou o “antiu-
rio e os fenômenos da cultura, em si mesmos, niversalismo” e o “particularismo”, é ainda mais
ou como instâncias mediadoras entre as estru- preocupante e adquire contornos até mesmo
turas/sistemas e a ação social (Nunes, 1999, gri- a(nti)-históricos, quando busca afirmação jus-
fos nossos). Finalmente, ressalta a importân- tamente no momento em que o capitalismo
cia da contribuição que a análise das “práticas globalizado assume caráter e condição totali-
discursivas” tem trazido para as investigações zantes, em níveis nunca imaginados anterior-
histórico-sociais na saúde. mente (Wood, 1999; Jameson, 1999). Ou, co-
Levando-se em consideração as questões mo propõe a dialética de Santos (2000), na
apontadas na introdução, importa assinalar atual fase do desenvolvimento capitalista “o
que com a cada vez maior valorização de ca- que, afinal, se cria, é o mundo como realidade
tegorias como identidade, subjetividade, ima- histórica unitária, ainda que ele seja extrema-
ginário, linguagem/língua/discurso, cultura, mente diversificado” (itálico do autor, grifo
conseqüência de influências tão caras ao ar- nosso).
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O pós-modernismo e alguns de seus auto- Frise-se que nessa mesma década de 1970,
res como Lyotard, Foucault, Derrida, que têm a “nova” forma de regulação do capital, basea-
inspirado e influenciado a produção acadêmi- da na tecnologia informacional e na microe-
ca nas ciências sociais em saúde no Brasil, flo- letrônica, traz consigo, dentre outras questões,
resceram como uma postura que questionava uma das mais emblemáticas, que é a substitui-
os pressupostos do iluminismo. Tais pressu- ção da produção “fordista-keynesiana”, mas-
postos são aqui enunciados por serem escla- sificada, de escala, pela economia de escopo,
recedores à discussão em pauta. São eles: “ra- restrita e que, no limite, pode até atender às
cionalização” da organização social; apologia demandas personalizadas, de acordo com o
do progresso científico e tecnológico; disse- desejo de cada consumidor. Tal mudança na
minação da educação universal nas socieda- forma de produção capitalista terá, como vem
des ocidentais avançadas. Para o pós-moder- sendo observado, importantes reflexos no pa-
nismo essa fé no avanço da razão e da liberda- pel do Estado, nas “formas de emprego/desem-
de, baseada na ideologia do liberalismo clás- prego”, nas “ideologias”, nos estilos de vida e
sico e do socialismo igualitário teria entrado comportamentos, com fortes influências so-
em colapso como explicação do mundo e de bre a “luta de classes” (Gorender, 1997).
nós mesmos. Contudo, é preciso também as- E, se aqui está se falando de história, de seu
sinalar que os pós-modernistas parecem par- sujeito, há marxistas como Harvey e Jameson,
tir da aceitação plena do domínio do capita- que também consideram a “pós-modernida-
lismo como forma de convívio social e mode- de”, mas como uma realidade histórica, social
lo político-econômico, o qual teria possibili- e cultural oriunda do capitalismo atual, a qual
tado o florescimento do “bem-estar” e do ca- tem bases materiais e está também sujeita a
pitalismo “consumista” no longo surto de pro- transformações por meio da ação política
gresso do pós-guerra. E, essa convicção na (Wood, 1999).
prosperidade interminável como norma do Mais ainda: para esse “pós-modernismo”
capitalismo foi elemento determinante na teo- de esquerda, cujo maior interesse passa pela
ria social esposada por essa esquerda, a pon- cultura, linguagem, discurso, identidade, di-
to de afirmar que este “novo capitalismo” te- ferença (e não desigualdade); em que o sujei-
ria enfeitiçado as “massas” e a “classe operária” to é descentrado, também não há lugar para
particularmente (Wood, 1999). projetos coletivos, mesmo porque abandona
a explicação de base material. E, paradoxal-
mente, frise-se, numa realidade mundial glo-
Sujeito e pós-modernismo balizada em que a própria cultura assume ca-
da vez mais o caráter de mercadoria ampla-
Diante disso, o papel de sujeito histórico das mente explorada pela chamada indústria cul-
classes operárias como oposição revolucioná- tural (Jameson, 1999).
ria, não mais existiria, havendo mesmo entre Saliente-se que tal posicionamento deve
os marxistas, durante as “revoluções” da dé- ser questionado de forma veemente, em função
cada de 1960, aqueles que passaram a atribuir do observado com o que ocorre no capitalis-
tal papel aos estudantes radicalizados, aos in- mo globalizado, que a tudo procura padroni-
telectuais e à “revolução cultural”, no lugar da zar e homogeneizar, apesar da ilusão da plu-
luta de classes do operariado (Wood, 1999). ralidade, o que implica a rejeição a qualquer
Ocorre, porém, que já nos anos 70, ou se- conhecimento e teoria de caráter “totalizan-
ja, dez anos após as “revoluções” dos anos 60, o te” e da valorização do universal, como as
surto de grande prosperidade econômica aca- idéias de “racionalidade” e de “igualdade” que
bou; todavia hoje, num período de estagnação apóiam a concepção marxista de emancipação
capitalista, sua herança intelectual persiste. (...) humana. Disso decorre uma grande ênfase e
produto de uma consciência formada na cha- uma gritante valorização das “diferenças”, ou
mada idade áurea do capitalismo, por mais que seja, das ... identidades particulares, tais como
se possa insistir na nova forma do capitalismo sexo, raça, etnia, sexualidade; suas opressões e
(“pós-fordista”, “desorganizada”, “flexível”) da lutas distintas, (...) e variadas; e “conhecimen-
década de 1990 (Wood, 1999). E, os exemplos tos” particulares, incluindo mesmo ciências es-
recentes das manifestações de enfrentamento pecíficas de alguns grupos étnicos (Wood, 1999).
ocorridas em Seattle e Washington a propósito A teoria marxista – e sua busca por uma
das reuniões da OMC são claros reflexos disso! explicação de caráter totalizante – acaba sen-
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Lacaz, F. A. C.

do acusada de reducionista, essencialista, não- tância da língua, do discurso, da cultura em


universalista e o sujeito histórico por ela co- um mundo cada vez mais dominado pelo ca-
locado, a classe social, é dado como desprovi- pitalismo globalizado – o que também interfe-
do de valor, na medida em que ela reduz a va- re na constituição atual das classes – e pela ma-
riada complexidade da experiência humana a nipulação e produção de símbolos, imagens
uma visão monolítica do mundo, “privilegian- produzidas e distribuídas por veículos mediá-
do” o modo de produção como um determinan- ticos da indústria de “comunicação de mas-
te histórico; a identidade de classe, e não outras sas” e pela infovia planetária, cuja importância
“identidades” e os determinantes “econômicos” para a informação e educação nos mais varia-
ou “materiais” em lugar da “construção discur- dos campos, inclusive em saúde é inegável. O
siva” da realidade (Wood, 1999). Com tal crí- que não pode ser aceito, no entanto, são as ex-
tica, os pós-modernistas acabam jogando fora plicações pós-modernistas para compreender
a criança juntamente com a água do banho, essa realidade, já que tais fatos exigem uma ex-
pois enfeixam sob o mesmo rótulo explicações plicação de base material (Wood, 1999). Com
verdadeiramente ortodoxas e simplistas do tal mirada pode-se, inclusive, caminhar no
mundo (como um certo estalinismo marxis- sentido de liberar a cultura do fetiche capita-
ta), e qualquer outra explicação de causalida- lista de a tudo transformar em mercadoria.
de e determinação dos fenômenos da realida- A propósito disso é fundamental que, ho-
de social (Wood, 1999). je, diante da realidade mundial caracterizada
É necessário chamar a atenção de que daí pela globalização do capitalismo, pela reestru-
resultam alguns claros desdobramentos polí- turação da produção e flexibilização das rela-
ticos, inclusive para o campo da saúde coleti- ções de trabalho, pela perda de direitos sociais,
va, ou seja, o self humano é tão fluido e frag- pelo “enxugamento” do Estado provedor e o
mentado (...) e as nossas identidades tão variá- conseqüente empobrecimento das políticas
veis, incertas e frágeis que não pode haver base públicas, de saúde, educação; seja rediscutida
para a solidariedade e a ação coletiva funda- a forma de analisá-lo e estudá-lo adotada pe-
mentadas em uma “identidade” social comum la visão pós-modernista. Nela, a realidade é
(uma classe), em uma experiência comum, em fragmentária e, por isso, apreendida somente
interesses comuns (Wood, 1999). pelo conhecimento de caráter igualmente frag-
Assim, as propostas e os projetos de caráter mentado.
mais universalista e abrangente tal como uma Contrariamente, entende-se que hoje, A
política ambientalista, por exemplo, chocam- realidade (...) do capitalismo é “totalizante” em
se com os princípios mais caros ao pós-moder- formas e graus sem precedentes. Sua lógica de
nismo, ou seja, enorme ceticismo epistemoló- transformação de tudo em mercadoria, de acu-
gico e derrotismo político (Wood, 1999). mulação, maximização do lucro e competição
Ao negar a existência das relações estrutu- satura toda a ordem social. E entender esse sis-
rais, o pós-modernismo inviabiliza pensar-se tema “totalizante“ requer exatamente o tipo de
mediante análises causais e determinações. Não “conhecimento totalizante“ que o marxismo ofe-
há um sistema social (como por exemplo, o sis- rece e os pós-modernistas rejeitam (Wood, 1999).
tema capitalista), com unidade sistêmica e “leis
dinâmicas” próprias; há apenas muitos e dife-
rentes tipos de poder, opressão, identidade e “dis- O resgate da noção de classe como
curso” (Wood, 1999). sujeito. Sua atualidade e complexidade
O “a-historicismo” do pós-modernismo – como categoria explicativa
o que implica a eleição de sujeitos e agentes
sociais também a-históricos – é a pedra de to- O que se propõe então, diante da realidade his-
que dos egressos da geração dos anos 60. Essa tórica do capitalismo globalizado, é que se de-
é a marca registrada de sua dèmarche, a qual ve mais do que nunca buscar referenciais ex-
pode ser buscada em uma obsessão centrada no plicativos totalizantes para maior eficácia po-
capitalismo consumista e na convicção, já bem lítica visando sua compreensão e a elaboração
visível na década de 60, de que os velhos agentes de projetos alternativos de resistência e de opo-
políticos (o movimento trabalhista/operário, em sição. Compete, pois, arregimentar meios que
particular) foram “dobrados” para sempre pelo unifiquem o conhecimento da realidade, em
consumismo capitalista (Wood, 1999). contraposição à fragmentação para melhor en-
É evidente que não se pode negar a impor- frentar o embate no capitalismo hodierno. E,
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para atingir tal objetivo, deve-se buscar arti- car e definir tais identidades (Waizbort, 1998).
cular os interesses e recursos da classe, a mais A essas indagações, considerando-se o ca-
universal força isolada capaz de unificar lutas pitalismo atual, cabe uma resposta ainda am-
libertadoras diferentes (Wood, 1999, grifo da bígua. A noção é esclarecedora porque ainda
autora). impera uma oposição irreconciliável, uma con-
Assim, dadas as grandes mudanças que tradição em que o capital expropria o trabalho
vêm sendo incorporadas pelo modelo de re- mediante a produção de valores de troca e,
gulação capitalista a partir dos anos 70, quan- mais ainda, em que as estruturas e formas bá-
do foi substituída a fórmula fordista-keyne- sicas do capitalismo não somente ainda estão
siana pelo chamado modelo japonês, com im- presentes na sociedade hoje, como ainda a or-
portantes reflexos para o desenvolvimento da ganizam e a determinam (Waizbort, 1998). Por
luta de classes, parece que, sem sombra de dú- outro lado, ela é pouco convincente, em ter-
vidas, uma das questões mais candentes que mos explicativos, porque a sociedade hoje é
hoje se coloca é analisar, então, o que são as muito mais industrial-financeira (e consumis-
classes sociais nos dias que correm na pers- ta) do que capitalista, com um nível de desen-
pectiva de seu papel como sujeito histórico volvimento tal que permitiu que ... aquela opo-
(Gorender, 1997). sição irreconciliável entre capital e trabalho tor-
E, por ironia, conforme aponta Palmer ne-se não mais irreconciliável, mas passível de
(1999), a abordagem marxista é rejeitada, (...) uma convivência mais calma e até harmoniosa:
no exato momento histórico em que se torna ab- (...) [com um] “enfraquecimento” da luta de
solutamente necessária, sendo a sua insistência classes. (...) O que não significa excluir as zonas
na interpretação da história em termos de clas- de conflito (Waizbort, 1998).
se (...) alimentada por interesses materiais, fun- Apesar de reconfortantes, tais respostas não
damental para a interpretação da evolução do satisfazem, na medida em que a sociedade atual
passado para o presente, especialmente no con- engloba elementos do capitalismo avançado,
texto da vida contemporânea, em que a huma- associados à configuração de uma sociedade
nidade está cada vez mais conectada nas dimen- pós-industrial. Ocorre, porém, que mesmo
sões globais da exploração e da opressão (grifo considerando-se a atenuação das contradições
do autor). entre capital e trabalho sob o Estado prove-
O desafio que então se coloca quando bus- dor, hoje também em crise, até mesmo nos Es-
ca-se resgatar a noção de classe como catego- tados centrais e que, por abandonarem posi-
ria explicativa central dentro das relações so- ções mais igualitárias, advogam a chamada
ciais no modo de produção capitalista é escla- Terceira Via, persistem conflitos de interesse
recer o que são elas e como se constituem, ho- e com grande intensidade (Chauí, 1999). Tal-
je. Frise-se que tentativas de operacionaliza- vez o mais emblemático nos dias que correm
ção do conceito de classe empreendidas por seja o desemprego, cujo caráter estrutural am-
estudiosos “filiados” à saúde coletiva foram plia-se mais e mais, o que homogeneiza iden-
frustrantes e imprecisas, até porque trata-se tidades coletivas subsumidas na desigualdade
de uma categoria que pelo seu caráter não se da exclusão social. A título de exemplo, rela-
presta a interpretações como as acima referi- tório da Organização Internacional do Traba-
das, que sempre pecaram por um reducionis- lho (OIT) intitulado “O emprego no mundo
mo e a uma simplificação. 1996-1997” aponta que cerca de 30% de toda
Assim, diante de um capitalismo em que a a mão-de-obra mundial está marginalizada do
hegemonia é assumida pelo capital financeiro mercado de trabalho, o que implica que no
transnacional, em que o setor de serviços avan- mundo exista hoje, cerca de 1 bilhão de de-
ça em relação ao setor secundário e ao capital sempregados (Waizbort, 1998).
industrial; onde as trocas são muito mais de ca- Daí porque surgirem novas formulações
ráter virtual do que real, em que a exclusão so- para definir o caráter central do capitalismo
cial é marcante e o Estado e as políticas sociais como sistema, as quais vão além da apropria-
tornam-se reféns da lógica do mercado, im- ção privada da mais-valia e da caracterização
põe-se uma re-interpretação das classes hoje. de todo trabalho abstrato como um padrão
O que se coloca, então, são questões tais “equivalente-universal” puramente monetá-
como que papel a noção de classe hoje desem- rio, como propõe Kurz (2000) em entrevista
penha como definidora de identidades coleti- concedida a José Galisi Filho e publicada no
vas, dado seu enfraquecimento para qualifi- Caderno Mais! do jornal Folha de S. Paulo, da
240
Lacaz, F. A. C.

qual extraímos o seguinte trecho: O que mu- Unidos, mais rápido se torna esse processo de
dou (...) foi a perspectiva histórica. Por um la- degradação. A produção capitalista, portanto,
do, sinto-me confirmado empiricamente pela desenvolve as técnicas e o grau de combinação
dimensão atingida pela crise e a catástrofe abso- do progresso social da produção minando as fon-
luta deste estágio terminal do capitalismo; por tes originais de toda riqueza – o solo e o traba-
outro, (...) reconheço a paralisia de um hori- lhador.
zonte cultural pós-moderno, na forma de um Da mesma forma pode-se apontar a im-
mundo aparente e virtual do ciberespaço, que é portância da abordagem marxista de classe em
a prova mais concreta deste estágio do capita- relação à desigualdade e à pobreza, numa pers-
lismo financeiro, o qual acredito não irá durar pectiva que supere a visão largamente difundi-
muito ... [trata-se da] necessidade de descons- da pelos liberais conservadores, nos anos 50 e
truir e acompanhar o capitalismo diacronica- 60, do círculo vicioso da pobreza e da doença,
mente, negando-lhe, já em seu movimento cons- para explicar a ocorrência dos agravos à saúde
titutivo, sua própria legitimidade ... de um pon- como conseqüência da pauperização das po-
to de vista de esquerda. pulações “carentes”. Para eles o rompimento
Se, de um lado surgem análises que consti- de tal “círculo” dar-se-ia através do desenvol-
tuem uma crítica radical ao triunfo do capi- vimento econômico, o que nunca aconteceu em
talismo, a isto se alia um certo questionamen- realidades concretas, mesmo quando da ocor-
to da categoria trabalho como elemento nodal rência de períodos de franco crescimento eco-
dentro da abordagem sociológica das socieda- nômico em países como o Brasil, na década de
des ocidentais (Gorz, 1987; Offe, 1989). E aqui 1970 e que ficou conhecido como o “milagre
interessa indagar como isto afeta as classes. brasileiro”. Exemplo de uma abordagem mar-
Um dado que salta à vista e adquire uma xista dessa questão é o artigo “A falsidade do
tendência mundial é a diminuição da impor- círculo vicioso da pobreza e da doença”, (Cos-
tância da produção de bens como determinan- ta Filho) no hoje longínquo ano de 1978, o
te da estruturação das sociedades, com a queda qual foi publicado num dos periódicos que, à
da necessidade de trabalhadores por parte do época, melhor traduziam o pensamento da
setor secundário e, em contraposição, a amplia- oposição de esquerda na área da saúde ao regi-
ção do mercado de trabalho no setor terciário, me militar, a revista Saúde em Debate.
caracterizado pela precariedade, desqualifica- O que ressalta daquilo que foi acima assi-
ção e pelos baixos salários, comparativamente. nalado é a necessidade de se atualizar a teoria
Se, como tarefas mediadoras e regulariza- marxista para pensar a realidade do capitalis-
doras do Estado provedor, os principais confli- mo vigente, o que coloca a importância de se
tos do lado do trabalho são, hoje, a devasta- re-pensar o conceito de classe e a sua consti-
ção ambiental; a exclusão e o desemprego; a tuição hoje.
desigualdade social; a pobreza, que para al- Tendo como pano de fundo a crise do Es-
guns não se subordinam às visões correntes de tado provedor, o desemprego e a realidade do
classe social (Waizbort) é porque não fizeram capitalismo globalizado, em que a economia
uma leitura atenta dos clássicos marxistas co- de trabalho vivo ressalta devido à chamada re-
mo salienta Foster (1999), particularmente no volução eletrônico-tecnológica dos últimos
que se refere à abordagem de Marx sobre a anos, na qual os processos de trabalho são for-
questão ambiental, em que ele discute a alega- temente modificados; observa-se uma socie-
da, pelos seus críticos e detratores, visão pro- dade, em que o conflito entre aqueles que tra-
meteíca/produtivista dele e de Engels, a res- balham e os que não têm trabalho – e que ao
peito do cada vez maior progresso mediante buscá-lo este lhes é negado – assume um pa-
o domínio da natureza pelo homem. Nada mais pel destacado (Waizbort, 1998). Nesse quadro,
falso, quando se observa o que escreveu Marx pode-se imaginar e existência de ... duas clas-
no Capital, volume 1: ses: ocupados e desocupados. Aqueles (...) liga-
Todo progresso na agricultura capitalista é dos a um núcleo produtivo, estes os que estão ex-
um progresso na arte de roubar não só o traba- cluídos da produção, marginalizados ... (Waiz-
lhador, mas o solo; todo progresso em aumentar bort, 1998).
a fertilidade do solo (...) é (...) para arruinar as Considerando tal realidade, a contradição
fontes de longa duração dessa fertilidade. Quan- de classe capital-trabalho estaria então trans-
to mais um país cresce com a indústria em gran- formada. De um lado, os que têm trabalho e
de escala (...), como acontece com os Estados os capitalistas se juntam para lutar por menor
241

Ciência & Saúde Coletiva, 6(1):233-242, 2001


carga tributária e previdenciária e, com isso, Para fugir desses limites, também impos-
colocam-se em contraposição àqueles que não tos pelos golpes sofridos diante da derrocada
têm trabalho. A isso alia-se a crise financeira do chamado socialismo real, o sujeito da bus-
do Estado, o que compromete sua legitima- ca pela emancipação, ao que se alia o resgate
ção, expressa no desmoronamento do modelo do papel do Estado (de direito, democrático)
keynesiano de Estado provedor, remetendo a e não mais submetido ao mercado, é A classe,
problemas cuja solução passa pela democra- tanto como uma categoria do potencial e do de-
cia e pela constituição de uma sociedade igua- venir quanto como instrumento do ativismo, ...
litária e solidária em termos de classe (Waiz- (Palmer, 1999, grifo nosso).
bort, 1998). E, é sobretudo desse ativismo que se está
Mesmo diante disso, alguns ainda advo- falando quando defende-se aqui uma perspec-
gam a inexistência das classes, transferindo re- tiva de caráter totalizante e universalista para
levância maior aos movimentos sociais arti- se pensar o sujeito na e da saúde coletiva! Ati-
culados em torno de identidades conferidas vismo este que mais do que nunca cabe a esse
por necessidades e ideais compartilhados co- sujeito empreender, para que a saúde como di-
mo os movimentos feminista e das minorias reito (coletivo) de cidadania deixe de ser ape-
em geral, os quais... mais do que as classes (...) nas retórica e assuma, a partir da ação políti-
articulam definições de identidades coletivas. ca, o caráter de uma utopia que precisa estar
E, (...) se põem como inquiridores da legitimi- novamente inscrita nas bandeiras de luta do
dade do Estado contemporâneo e demandantes movimento social, particularmente em tem-
de sua política (Waizbort, 1998). pos nos quais é preconizado o estado mínimo
Mas isso é apenas parte da verdade. No que como corolário das políticas neoliberais que
se refere ao movimento feminista, seu dilema procuram desregulamentar direitos sociais bá-
é assim analisado por (Kurz, 2000) ... para real- sicos, os quais em países como o Brasil nunca
mente superar o patriarcado, ele [o movimen- foram usufruídos pela maioria da população.
to] teria de pôr radicalmente em dúvida todo o Isso configura a paradoxal situação na qual se
modo de produção moderno; não no sentido, vê perdida a possibilidade de consolidar o Es-
claro, de uma idealização retrógrada das rela- tado de Bem-Estar Social, sem nunca ter dele
ções agrárias, mas como exigência de uma forma desfrutado!
de organização fundamentalmente diversa das E, ao defender o Estado de Bem-Estar, a es-
forças produtivas ...Um feminismo, ao contrá- querda classista deve superar pruridos decor-
rio, que se limite à exigência de “direitos iguais” rentes de sua crítica anterior à social-demo-
no interior do modo de produção dominante há cracia, pela... compreensão mais dialética da
necessariamente de sucumbir à forma cindida história que aquela que grande parte da esquer-
da vida social. da possui (Jameson, 1999).
242
Lacaz, F. A. C.

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