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Assédio moral - Comportamento humano não pode ser

desprezado em exame

Por Mário Gonçalves Júnior

Assunto inesgotável, e ainda pouco explorado em Direito do Trabalho, é o assédio


moral, que, no âmbito das relações trabalhistas, pode ser singelamente conceituado
como a perseguição implacável de um colega de serviço por outro.

Já opinamos no sentido de que se aplica por analogia a todos os trabalhadores da


iniciativa privada, o conceito contido no parágrafo único do artigo 1º da lei
municipal paulistana n. 13.288, de 10/01/02 ("todo tipo de ação, gesto ou palavra
que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o
duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho,
à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do
funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de
uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de
outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros;
sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com
persistência; subestimar esforços").

Em outros estudos abordamos, entretanto, a insuficiência de regulamentação


específica desse fenômeno que, apesar de tão antigo quanto as relações de
trabalho, só veio a ser melhor investigado com a catarse científica que marcou o
século XX. A partir de outras ciências, como a psicologia e a psiquiatria, é que o
tema foi amadurecido a ponto de, só então, interessar mais recentemente ao
Direito. Esse é um exemplo da importância da interdisciplinaridade, pois de outras
ciências humanas, como a psicologia e a psiquiatria, é que surgiram os primeiros
estímulos a que o Direito voltasse a sua atenção para o flagelo do assédio.

O desenvolvimento das ciências se dará em maior ou menor rapidez na medida em


que se abrirem para outras disciplinas concorrentes. As especialidades que se
fecharem em seus próprios "mundos" evoluirão menos do que as que se
submeterem à catarse do confronto com outros enfoques sobre o mesmo objeto
estudado. Nessa mesma trilha, em outro bom exemplo, Lídia Reis de Almeida Prado
combinou os conhecimentos de suas duas especialidades para elaborar uma
excelente obra que analisa o ofício de julgar sob o ponto de vista psicológico (O Juiz
e a Emoção - aspectos da lógica da decisão judicial, Ed. Millenium, 2a. ed.),
dedicando o primeiro capítulo, não por acaso, à exposição e compreensão da
interdisciplinaridade. A abertura de cada disciplina para as demais, de molde a
provocar influências recíprocas e renovadoras, é apenas um dos ingredientes ou
nuanças dessa nova maneira de fazer ciência.

"A ênfase dada ao método científico e ao pensamento racional, estendida para as


ciências ditas humanas, gerou uma dificuldade de compreensão do mundo. O
homem, que aprendeu a dissecar o objeto de sua observação para entendê-lo,
tornou-se um especialista em partes, mas ignorante em relação à totalidade" (ob.
cit. pág. 1). É com esse tom que principia a monografia, de maneira afiada, da
psicóloga e procuradora do Município de São Paulo.

"Assim", continua, "a interdisciplinaridade é considerada como a mais recente


tendência da teoria do conhecimento, decorrência obrigatória da modernidade,
possibilitando que, na produção do saber, não se incida nem no radical cientificismo
formalista (objetivismo), nem no humanismo exagerado (subjetivismo). Tal saber
caracteriza-se por ser obtido a partir da predisposição para um encontro entre
diferentes pontos de vista (diferentes consciências), o que pode levar,
criativamente, à transformação da realidade", e que possibilita "a superação de um
tipo de saber feito de especialidades formais, o saber em migalhas (Hilton Jupiassu,
Interdisciplinaridade e patologia do saber, Rio, Imago, 1976), o saber sem sabor,
que provoca a perda da visão da totalidade. Conforme a concepção sistêmica, até
mesmo nas ciências da natureza (como nos mostram, por exemplo, as conquistas
da Física moderna), inexiste distinção entre parte e todo, porque cada sistema é
simultaneamente todo e parte, dependendo do ponto de referência" (idem, pág. 3).

Quem ousa estudar o assédio moral pressente a necessidade de


interdisciplinaridade, porque é impossível captar minimamente o fenômeno
somente com a ciência do Direito. Isto explica, em parte, porque as obras até agora
mais consideradas sobre o assédio, de Marie-France Hirigoyen (Assédio Moral - A
violência perversa no cotidiano, Bertrand Brasil, Rio), não venham das cadeiras
jurídicas. Ao Direito cabe a normatividade desse e de outros tantos assuntos
relevantes para a sociedade. Desde o momento pré-legislativo, em que se
destacam da fenomenologia condutas humanas repetidas, até o momento de se
interpretar e aplicar (bem) as leis que já existem baseadas naqueles modelos, é
preciso cada vez mais emprestar dessas outras "consciências" do saber.

Desta forma é que, tomando-se o que já se investigou a respeito do assédio moral,


ele poderia ser confundido com várias situações limítrofes. Uma delas, que já
abordamos em outro estudo, é a natural pressão decorrente do mercado cada vez
mais competitivo do mundo globalizado, ou o exercício regular do direito do
empregador exigir produtividade de seus empregados ("Não se pode confundir
assédio com natural pressão", www.conjur.com.br , "Perseguição implacável no
trabalho", www.saraivajur.com.br ).

Maria José Gianella Cataldi, em monografia sobre O Stress no Meio AMbiente de


Trabalho (LTr, São Paulo, 2002) lembra a globalização e a evolução tecnológica
como dois fatores que contribuem para o surgimento de stress ocupacional. "Os
empresários e os trabalhadores (…) estão expostos a novos desafios. As empresas
nacionais estão expostas a uma pressão competitiva muito mais forte. Elas
enfrentam os riscos de serem absorvidas pelos grandes líderes do mercado
mundial. Por sua vez, os trabalhadores se submetem à grande pressão, em razão
da exigência de maior produtividade e da necessidade de manter o emprego" (pág.
21).

Sobre a evolução tecnológica, mais precisamente a "cultura do computador" tem


levado a patologias epidêmicas que, no Japão por exemplo, recebeu o nome de
Karoshi, e que "está se tornando um fenômeno mundial. A introdução da tecnologia
computadorizada acelerou significativamente o ritmo e o fluxo da atividade no local
de trabalho, forçando milhões de trabalhadores a se adaptarem à cultura do
nanossegundo, nome que se dá à definição de tempo menor que um segundo,
linguagem bastante utilizada no computador" (pág. 28). "A atual cultura do
computador opera numa medida de tempo menor que o segundo, uma unidade de
duração tão minúscula que nem mesmo pode ser experimentada pelos sentidos
humanos" (pág. 27). (…) "Até o próprio computador está se tornando uma fonte de
stress, à medida que usuários impacientes exigem respostas cada vez mais rápidas.
Um estudo concluiu que o tempo de resposta de um computador, de mais de 1,5
segundo, poderia provocar impaciência e estresse no usuário" (pág. 28). Sendo o
stress um sintoma possível na vítima de assédio, mas que pode ter inúmeras outras
causas não dolosas, é preciso tomar todo cuidado para não se presumir a causa
pelos seus efeitos. Pode uma pessoa assediada apresentar stress, mas nem todo
stress é decorrência de assédio moral.
O assédio moral é necessariamente doloso, não uma decorrência natural das
condições de trabalho, mas de uma conduta pessoal e reiterada entre pessoas que
trabalham juntas, uma objetivando aniquilar psicologicamente a outra, o que se
convencionou resumir emblematicamente na expressão assassinato psíquico
(Hirigoyen, ob. cit., pág. 9): "um processo perverso pode ser ocasionalmente
utilizado por todos nós. Ele só se torna destrutivo quando usado com freqüência e
com a sua repetição no tempo. Todo indivíduo "normalmente neurótico" apresenta,
em determinados momentos, comportamentos perversos (por exemplo, em um
momento de raiva), mas ele também é capaz de passar a outros tipos de
comportamento (histérico, fóbico, obsessivo…), e a seus movimentos perversos
segue-se um questionamento. Um indivíduo perverso é permanentemente
perverso; ele está fixado neste modo de relação com o outro e não se questiona em
momento algum" (idem, pág. 11). Noutro trecho dessa fantástica obra, volta-se a
este aspecto: "Toda pessoa em crise pode ser levada a utilizar mecanismos
perversos para defender-se. Os traços narcísicos de personalidade são muito
comumente encontráveis (egocentrismo, necessidade de ser admirado, intolerância
à crítica). Não são por si só patológicos. (…) O que nos distingue dos indivíduos
perversos é que esses comportamentos ou sentimentos não foram mais que
reações ocasionais, e foram seguidos de remorso ou arrependimento. Um neurótico
assume sua unidade através de conflitos internos. A noção de perversidade implica
uma estratégia de utilização, e depois de destruição do outro, sem a menor culpa"
(pág. 139).

Certa feita, discorrendo judicialmente sobre o assédio moral, ressaltamos também


que uma mesma atitude pode ser "recebida" de maneiras diferentes dependendo da
pessoa. Há os que têm maior ou menor sensibilidade. Trata-se de um
comportamento que pode ser constatado empiricamente, e certamente todos já nos
defrontamos com situações assim. A mesma ordem, emanada da mesma pessoa a
várias outras, será "sentida" com intensidades diferentes em cada um dos
destinatários. Os mais sensíveis provavelmente poderão se sentir magoados,
desestimulados ou infelizes de alguma maneira, dependendo da rigidez e da
firmeza com que essa ordem foi externada. Note-se que estamos num contrato (o
de trabalho) no qual a subordinação é essencial (artigos 2o. e 3o. da CLT).
Portanto, não há como evitar que numa relação típica de emprego exista, dentre
outros elementos, a chamada dependência jurídica. O vaticínio à hipersensibilidade,
recomendado pelo senso comum, pode ser parafraseado da uma conhecida música
popular: "Tudo é uma questão de manter / A mente quieta / A espinha ereta / E o
coração tranqüilo" (Coração Tranqüilo, Walter Franco).

A propósito, uma outra obra recentemente lançada, e que já está se transformando


num best seller, que tem título algo semelhante (Mentes Inquietas, Editora Gente,
São Paulo, 2003, 8a. ed.), da brilhante psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, e que
pode também contribuir para a investigação do assédio moral, ainda que esse não
tenha sido o objetivo explícito dessa fascinante obra.

Baseada nos seus estudos, no Brasil e no exterior, e principalmente nas


experiências clínicas acumuladas, a médica brasileira definiu o Distúrbio do Déficit
de Atenção como uma disfunção cerebral (págs. 95 e seguintes), mas não
propriamente decorrente de um cérebro "defeituoso" (pág. 20), que pode ser
responsável por certas características de comportamento de algumas pessoas:
alteração da atenção (pág. 20), impulsividade (pág. 23) e — a que mais nos
pareceu interessar ao fenômeno do assédio moral, do ponto de vista da potencial
vítima — a hiperatividade física e mental (pág. 26).

Os sinais do comportamento de um portador de DDA são típicos e se manifestam


desde a infância. "É muito fácil identificar a hiperatividade física de um DDA.
Quando crianças, eles se mostram agitados, movendo-se sem parar na sala de
aula, em sua casa ou mesmo no playground. Por vezes chegam a andar aos pulos
como se seus passos fossem lentos demais para acompanhar a energia contida em
seus músculos. Em ambientes fechados, mexem em vários objetos ao mesmo
tempo, derrubando grande parte deles no ímpeto de checá-los simultaneamente.
São crianças que costumam receber designações pejorativas como: "bicho-
carpinteiro", "elétricas", "desengonçadas", "pestinhas", "diabinhos", "desajeitadas",
entre outros.

Nos adultos, essa hiperatividade costuma se apresentar de forma menos


exuberante, o que acabou por fazer alguns autores no passado pensarem que tal
alteração tendia a desaparecer com o término da adolescência. Hoje se sabe que
isso não é verdade, o que ocorre é uma adequação formal da hiperatividade à fase
adulta. Nesse sentido, pode-se observá-la nos adultos que "sacodem"
incessantemente suas pernas, "rabiscam" constantemente papéis à sua frente,
roem unhas, mexem o tempo todo em seus cabelos, "dançam" em suas cadeiras de
trabalho, e estão sempre buscando algo para manter suas mãos ocupadas.

A hiperatividade mental ou psíquica apresenta-se de maneira mais sutil, o que não


significa, em hipótese alguma, que seja menos penosa que sua irmã física. Ela pode
ser entendida como um "chiado" cerebral, tal como um motor de automóvel
desregulado que acaba por provocar um desgaste bastante acentuado. É o adulto
que numa conversa interrompe o outro o tempo todo, que muda de assunto antes
que o outro possa elaborar uma resposta, que não dorme à noite, porque seu
cérebro fica agitado a tal ponto que não consegue desligar. Essa agitação psíquica é
parcialmente responsável pela inaptidão social que muitos DDAs apresentam e se
traduzem em problemas para fazer e conservar amigos.

O "chiado" de seus cérebros muitas vezes os impede de interpretar corretamente


as "deixas" sociais que são tão necessárias no estabelecimento e na manutenção
das relações humanas. É como se sua vida tivesse transcorrido, desde a sua
infância, num redemoinho de atividades e pensamentos, que não lhes deram tempo
nem capacidade de sintonia para aprender a difícil arte de interpretar os outros.

"A energia hiperativa de um DDA pode causar-lhe incômodos cotidianos,


principalmente se ele precisar adequar-se ao ritmo não tão elétrico dos não-DDAs.
Para um DDA hiperativo, até mesmo uma escada rolante pode tornar-se sinônimo
de tortura (…)" (págs. 26/27).

Interessante, aqui, o paralelo que pode ser feito com a "cultura do computador" a
que se referiu Maria José Gianella Cataldi na obra já citada sobre stress.

Os DDA´s, dependendo do tipo (hiperativos, impulsivos etc.) podem apresentar,


segundo Ana Beatriz, os seguintes sintomas: "constante sensação de inquietação
ou ansiedade. Um DDA sempre tem a sensação de que tem algo a fazer ou pensar,
de que alguma coisa está faltando"; "tendência a estar sempre ocupado com
alguma problemática em relação a si ou com os outros. São as pessoas que ficam
"remoendo" sobre suas falhas cometidas, ou ainda sobre os problemas de amigos
ou conhecidos" (ob. cit. pág. 29). Já os DDA´s do tipo impulsivos, por exemplo,
costumam apresentar "baixa tolerância à frustração. Quando quer algo que não
consegue esperar, se lança impulsivamente numa tarefa, mas, como tudo na vida
requer tempo, tende a se frustrar e desanimar facilmente" (pág. 29); "costuma
provocar situações constrangedoras, por falar o que vem à mente sem filtrar o que
vai ser dito. Durante uma discussão, um DDA pode deixar escapar ofensas
impulsivas" (pág. 30); "impaciência marcante no ato de esperar ou aguardar por
algo. Filas, telefonemas, atendimento em lojas ou restaurantes podem ser uma
tortura" (idem); "reage irrefletidamente às provocações, críticas ou rejeição. É o
tipo de pessoa que explode de raiva ao sentir-se rejeitada" (idem);
"hipersensibilidade. O DDA costuma melindrar-se facilmente. Uma simples
observação desfavorável sobre a cor de seus sapatos é suficiente para deixá-lo
internamente arrasado, sentindo-se inadequado" (idem) etc.

Ainda segundo a psiquiatra brasileira, os DDA´s desenvolvem baixa autoestima


porque, tendo sido crianças "pestinhas", foram bastante reprimidas e/ou rejeitadas
na infância: "em geral o DDA sofre desde muito cedo uma grande carga de
repressões e críticas negativas. Sem compreender o porquê disso, ele tende, com o
passar do tempo, a ver-se de maneira depreciativa e passa a ter como referência
pessoas externas e não ele próprio" (pág. 31).

Esse distúrbio já pode, segundo a renomada psiquiatra, ser comprovado


biologicamente. "Em 1990, Alan Zametkin (do National Institute of Mental Health)
constatou que havia uma "ciranda" bioquímica diferente nos cérebros de pessoas
DDAs. Seus estudos abriram as portas para um entendimento mais acertado,
científico e, principalmente, justo, para milhares de pessoas que, em vez de serem
corretamente identificadas e tratadas, eram "discriminadas" pela desinformação do
comportamento DDA. Através de um exame chamado PET-SCAN - uma espécie de
tomografia cerebral sofisticada que utiliza material radioativo -, Zametkin pôde
avaliar o metabolismo cerebral, durante a realização de tarefas que testavam a
atenção e a vigilância em indivíduos com comportamento DDA. Ele observou uma
redução na captação de glicose radioativa no cérebro dessas pessoas. Sabendo-se
que a glicose (açúcar vindo dos alimentos) é a principal fonte de energia das células
cerebrais, tem-se que a redução de seu aproveitamento significa uma diminuição
na atividade energética dos cérebros DDAs.

O dado mais importante nesse estudo foi a constatação de que a redução


metabólica era maior na região frontal do cérebro = a parte do cérebro a que os
leigos chamam de "fronte". Considerando-se que o lobo frontal é o grande "filtro"
inibidor do cérebro humano, pode-se entender que muitos dos sintomas DDAs
surgem por uma redução parcial do lobo frontal em bloquear e filtrar estímulos e
respostas impróprias vindas das diversas partes do cérebro com o objetivo de
elaborar uma ação apropriada no comportamento humano. Assim, se o filtro
"falha", a ação final será mais intensa ou precipitada do que deveria ser. Daí a
impulsividade e/ou a hiperatividade no funcionamento desse cérebro tão sem freio
quanto veloz.

(…) Em estudos posteriores realizados por H. C. Lou, este chegou às mesmas


conclusões de Zametkin sobre a diminuição do fluxo sangüíneo (marcado com
glicose) nas regiões frontais dos cérebros DDAs. No entanto, os estudos de H. C.
Lou acrescentaram um pequeno e fundamental detalhe, demonstrando que a
redução da captação da glicose radioativa transportada pelo fluxo sangüíneo era
maior e mais bem definida no hemisfério direito do que no hemisfério esquerdo do
cérebro.

(…) A correção recente entre DDA e região frontal direita evidenciada por
tomografias sofisticadas cria um território favorável a que se pense na existência de
uma assimetria funcional entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro dessas
pessoas" (págs. 95/97).

O cruzamento de todos esses estudos sugere que um portador de DDA pode ser
potencialmente, do ponto de vista da sua hiperatividade, tanto um agente quanto
uma vítima de assédio moral; e do ponto de vista específico de sua tendência à
baixa autoestima, alguém "vocacionado" a se vitimar numa relação perversa.
Da comparação desse perfil DDA desenvolvido por Ana Beatriz, com o
comportamento dos chamados "pré-depressivos" descrito na obra de Hirigoyen, se
pode chegar à mesma perplexidade: "Os pré-depressivos conseguem o amor do
outro entregando-se, pondo-se à disposição do outro, e experimentam uma grande
satisfação em prestar-lhe serviço ou proporcionar-lhe um prazer. E os perversos
narcisistas aproveitam-se disso.

"Essas pessoas têm dificuldade de suportar os mal-entendidos e as negligências,


que elas tentam corrigir. Em caso de dificuldade, eles redobram seus esforços,
sobrecarregando-se, sentem-se ultrapassados pelos acontecimentos, culpam-se,
trabalham cada vez mais, cansam-se, tornam-se menos eficientes e, em um círculo
vicioso, culpam-se cada vez mais, o que pode chegar até a auto-acusação: "É por
falha minha que meu parceiro não está contente ou é agressivo". Se um erro é
cometido, eles tendem a atribuir-se a culpa. Essa consciência exagerada está ligada
ao medo de falhar, pois a pressão da falta, o remorso, neles dão margem a um
sofrimento demasiado grande.

"São igualmente vulneráveis aos juízos do outro e as suas críticas, mesmo


infundadas, o que os leva a permanentemente justificar-se. Os perversos,
percebendo essa falha, têm o maior prazer em implantar neles a dúvida: "Será que
eu não fui mesmo, inconscientemente, culpado daquilo que me acusam?" Embora
as acusações não tenham fundamento, essas pessoas não estão definitivamente
seguras quanto a isso e perguntam-se se não deveriam, apesar de tudo, assumir o
erro.

(…) Sob outro ponto de vista, nelas encontramos um sentimento de inferioridade


subjacente, que chegam em geral a compensar, desde que não tenham ocasião de
sentir-se em erro. Essa vulnerabilidade à culpa constitui uma fragilidade diante da
depressão. Não constitui um estado depressivo, marcado pela tristeza e lassidão; é,
ao contrário, um estado que leva a pessoa a tornar-se hiperativa, em forte
interação com a sociedade" (ob. cit., pág. 159).

Todas estas elucubrações não passam de especulações atrevidas de advogado, sem


conhecimentos em psicologia ou psiquiatria, e, portanto, sujeitas a erros como em
toda leitura leiga. Mas valem pela provocação, e como ilustração dos benefícios da
interdisciplinaridade a que nos referimos desde o início.

Uma coisa, entretanto, pode ser dada como certa: o conhecimento produzido por
todas essas ciências dedicadas à investigação da natureza e comportamento
humano não pode ser desprezado no exame de um possível caso de assédio moral.

Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2003.

Fonte: site http://www.gerenciamentoverde.com.br

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