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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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K13s
Kaczynski, Theodore J.
A sociedade industrial e seu futuro/Theodore J. Kaczynski; tradução Rui C. Mayer. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2014.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sumário
Apresentação
Prólogo
A Sociedade Industrial
e Seu Futuro
Freedom Club — FC
Introdução
Sentimentos de Inferioridade
Sobressocialização
Atividades Substitutivas
Autonomia
A Natureza da Liberdade
A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada
O Sofrimento Humano
O Futuro
A Estratégia
O Perigo do Esquerdismo
Nota Final
Notas
Posfácio ao Manifesto
— Industrial Society and Its Future
Ted Kaczynski
31 de julho de 2007
Nota sobre o Manifesto
— Industrial Society and Its Future (ISAIF)
Ted Kaczynski
20 de junho de 2012
Apêndice
— Esquerdismo:
Função da pseudocrítica e da pseudo-
-revolução na sociedade tecnoindustrial
Por Último Reducto
Definição
Valoração
Conclusão
Apresentação
— Numa estreita relação com o que foi antes exposto, outro dos atrativos
dessa obra é a advertência quanto ao perigo expressado pelo esquerdismo
para qualquer corrente ou movimento que realmente pretenda combater a
sociedade tecnoindustrial.
Prólogo 5
Sem qualquer dúvida, uma ideia que essa obra trata de transmitir é a de
como e por que o desenvolvimento tecnológico converteu-se em uma
ameaça para a liberdade individual e para a Natureza selvagem. Daí então
que seu texto analisa, pormenorizadamente, um dos transtornos mais
importantes na atualidade: a sensação de vazio, de ausência de plenitude da
vida que afeta muitas pessoas. O texto detecta uma incompatibilidade entre
alguns traços da natureza humana, o que se denomina “processo de poder”, e
as formas de vida que os humanos têm de adotar sob o condicionamento da
sociedade tecnoindustrial. Ora, o modo pelo qual as pessoas tratam de
escapar a essa incompatibilidade, ou de minimizá-la, costuma afetar seus
comportamentos. O texto ilustra isso com os exemplos das motivações dos
cientistas e dos esquerdistas. Esses últimos são considerados, nesse
manifesto, como mais uma evidência dos problemas que causa a sociedade
tecnoindustrial, ao se intrometer na necessidade humana de experimentar o
processo de poder. Tal intromissão costuma levar muitas pessoas a se
envolverem em atividades políticas para tratar de satisfazer a essa
necessidade, ainda que as justifiquem de outras maneiras. Desse modo, o
texto adentra pelo núcleo de uma crítica ao esquerdismo que é digna de ser
mantida sempre, e muito em conta.
A crítica e a caracterização do desenvolvimento tecnológico ocupa a
maioria das páginas do livro. Nessa obra, se analisa a sociedade tecnológica
atual como um todo indivisível, do qual umas partes dependem de outras,
irremediavelmente, e no qual é bastante complicado fazer modificações em
umas partes sem que as outras, por sua vez, encontrem-se afetadas. De fato,
quando se trata de modificações importantes em setores tecnológicos e
econômicos, é inevitável que se produzam mudanças em outras partes da
sociedade. Desde a publicação desse manifesto, quando do ano de 1995, os
avanços tecnológicos sucederam-se sem parar e num ritmo muitíssimo
intenso, e alguns dos tópicos que por então eram tratados como
possibilidades relativamente remotas, já hoje são ameaças iminentes.
Além de oferecer explicações sobre o conjunto interconectado de
tecnologias que forma o sistema tecnoindustrial, o texto do manifesto
adverte sobre a tendência deste sistema de ser independente das vontades
humanas, isto é, de definir seu próprio curso de desenvolvimento. Isso
implica que, cada vez mais, esse sistema se constitui em uma trava à
liberdade dos indivíduos e dos pequenos grupos. O manifesto tampouco quer
dar a entender que seja essa a única trava, e sim, porém, que é a
fundamental, aquela da qual derivam, indireta ou diretamente, mais
restrições à liberdade. Mas a liberdade da qual se está então a falar tem uma
relação direta com o processo de poder: seria como um gozar de autonomia
— ao defrontar-se com esse processo — com finalidades verdadeiramente
importantes e com sentido (por exemplo, as necessidades físicas vitais).
(Conferir os seus parágrafos 93-98: “A natureza da liberdade”.)
Assim como essa liberdade, entendida como autonomia no processo de
poder, é proposta como um valor básico, outro ideal fundamental proposto é
o da Natureza selvagem (parágrafos 183-184). Isso está bem apontado e
comentado pelo tradutor para o espanhol, em várias das notas; nelas se
destaca como esse ideal está mais bem espraiado pela cultura anglo-saxã
que, por exemplo, pela cultura hispânica — e o mesmo podemos dizer
quanto às culturas lusófonas (em países como Angola, Brasil ou Portugal).
Espera-se que essa característica diferencial não se constitua em uma
barreira intransponível, e que o leitor dela se aproxime mais com curiosidade
que com prejuízo.
Outro aspecto notável desse manifesto é sua visão da história humana e da
evolução das sociedades (conferir os parágrafos 99-110: “Alguns princípios
acerca da história”). No seu texto, é reconhecida a complexidade dessa
evolução (e, desta, derivam mesmo dois desses tais “princípios”); entretanto,
se reconhece também que existem algumas tendências gerais ao longo do
tempo, e que estas devem ser levadas em conta ao se esboçar uma solução
para o problema do desenvolvimento tecnológico. De fato, tais padrões no
comportamento das sociedades ao longo do tempo relacionam-se com
muitos outros problemas, conquanto as pessoas que pretendem solucioná-
los, normalmente, nem mesmo o percebam, tendo seus esforços convertidos
em meras tentativas inúteis.
E, finalmente, a estratégia proposta para solucionar o problema do
desenvolvimento tecnológico — uma revolução cujo único objetivo é a
eliminação da sociedade tecnoindustrial — pode ser qualificada de muitas
maneiras, contudo é algo que bem merece uma séria discussão.
A Sociedade Industrial
e Seu Futuro
Freedom Club — FC
Introdução
Sentimentos de Inferioridade
11. Quando alguém interpreta como depreciativo quase tudo o que se diga
acerca dele (ou acerca de grupos com os quais se identifica), consideramos
que sofre de sentimentos de inferioridade ou baixa autoestima. Essa
tendência é bem definida nos ativistas a favor dos direitos das minorias,
pertençam ou não aos grupos minoritários cujos direitos defendam. São
hipersensíveis acerca de palavras usadas para designar as minorias e acerca
de qualquer outra coisa que se diga em referência a elas. Os termos “preto”,
“crioulo”, “deficiente” — em respectiva referência a negros africanos e
afrodescendentes em geral, a negros e mulatos (no Brasil) em particular, ou a
pessoas com deficiências físicas ou mentais — não tinham, originalmente,
um sentido depreciativo. “Preto” era o mero equivalente a “pessoa de cor
negra”, e “crioulo” (no Brasil) era simplesmente uma sinonímia para nativos
negros ou mulatos.11 As conotações negativas têm sido associadas a esses
termos pelos próprios ativistas. Alguns ativistas pelos direitos dos animais
têm chegado ao extremo de recusar o uso da palavra “mascote” e insistir em
que seja substituída por “animal de companhia”. Antropólogos de tendência
esquerdista são capazes de tudo para evitar dizer algo acerca dos povos
primitivos que possa ser interpretado como negativo. Querem substituir o
termo “primitivos” por “sem escrita”. Parecem quase paranoicos a respeito
de qualquer coisa que possa sugerir que alguma cultura primitiva seja
inferior à nossa. (Não estamos dizendo que as culturas primitivas SEJAM
inferiores à nossa. Somente destacamos essa hipersensibilidade dos
antropólogos de tendência esquerdista.)
15. Os esquerdistas tendem a odiar qualquer coisa que tenha fama de ser
forte, de ser boa e de ter êxito. Odeiam os Estados Unidos, odeiam a
civilização ocidental, odeiam os varões de raça branca, odeiam a
racionalidade. Está claro que as razões que os esquerdistas alegam para odiar
o ocidental, etc., não correspondem aos seus verdadeiros motivos. Eles
DIZEM que odeiam o Ocidente porque é belicista, imperialista, sexista,
etnocêntrico e coisas assim desse estilo; contudo, quando esses mesmos
defeitos ocorrem em países socialistas ou em culturas primitivas, os
esquerdistas encontram desculpas para tudo, ou, no melhor dos casos,
admitem RELUTANTEMENTE sua existência; entretanto, apontam
ENTUSIASTICAMENTE tais falhas (e muitas vezes, com muito exagero)
quando estas aparecem na civilização ocidental. Está claro, portanto, que
esses defeitos não são o verdadeiro motivo pelo qual os esquerdistas odeiam
os Estados Unidos e o ocidental. Odeiam os Estados Unidos e o Ocidente
porque estes são fortes e exitosos.
23. Enfatizamos ainda que o que aqui expomos não pretende ser uma
descrição precisa de todos aqueles indivíduos que poderiam ser considerados
esquerdistas. É apenas uma rudimentar indicação de uma tendência geral do
esquerdismo.
Sobressocialização
25. O código moral de nossa sociedade é tão exigente que ninguém pode
pensar, sentir e atuar de um modo completamente moral. Por exemplo, é
para supormos que nunca devemos odiar os outros; entretanto, quase todo
mundo odeia alguém em algum momento de sua vida, quer o reconheça ou
não. Algumas pessoas encontram-se tão fortemente socializadas que a
exigência de pensar, sentir e atuar moralmente torna-se para eles uma carga
pesada. Assim, têm de se autoiludir continuamente acerca dos verdadeiros
motivos de seus atos e buscar explicações morais para sentimentos e atos
que, na realidade, não têm uma origem moral — para evitar, dessa maneira,
os sentimentos de culpa. Usamos o termo “sobressocializada” para descrever
uma pessoa dessas.[NOTA 2]
26. A sobressocialização pode provocar baixa autoestima, sensação de
impotência, derrotismo, sentimentos de culpa, etc. Um dos meios mais
importantes pelos quais nossa sociedade socializa as crianças é fazendo-as se
sentirem envergonhadas quando o seu modo de se comportar ou de falar é
contrário às expectativas da sociedade. Se isso é feito excessivamente a uma
criança, ou se a criança, em particular, é especialmente suscetível quanto a
esses sentimentos, acabará se sentindo envergonhada de SI MESMA. E
ainda algo mais: o pensamento e a conduta da pessoa sobressocializada
encontram-se mais restringidos pelas expectativas da sociedade que os da
pessoa levemente socializada. As pessoas, em sua maioria, comportam-se
mal em muitas ocasiões. Mentem, cometem pequenos furtos, infringem as
normas de tráfego, ficam vagabundeando, odeiam alguém, praguejam ou
jogam sujo para obter vantagem sobre outras pessoas. A pessoa
sobressocializada não pode fazer coisas desse tipo, ou, se o fizer, isso lhe
provoca uma sensação de vergonha e desprezo por si mesma. A pessoa
sobressocializada não pode, sem sentir-se culpada, sequer experimentar
pensamentos ou sentimentos que sejam contrários à moralidade vigente; não
pode ter pensamentos “impuros”. E a socialização não é somente uma
questão de moralidade; somos socializados para assumir muitas normas de
comportamento que não pertencem ao domínio da moralidade. Assim é que
a pessoa sobressocializada se encontra presa por grilhões psicológicos, e
passa pela vida sem se desviar da trilha que a sociedade lhe determinou. Isso
provoca, em muitas das pessoas sobressocializadas, uma sensação de
restrição e impotência que pode se tornar uma pesada carga. Consideramos,
pois, que a sobressocialização é uma das mais graves crueldades que os seres
humanos infligem uns aos outros.
31. Somos conscientes de que podem ser feitas muitas objeções a esse
rudimentar esboço da psicologia esquerdista. A situação real é mais
complexa, e propor-se a dela fazer uma descrição completa pressuporia a
escrita de vários volumes, e isso no caso de que todos os dados necessários
estivessem disponíveis. Somente pretendemos haver assinalado muito por
alto as duas tendências mais importantes na psicologia do esquerdismo
moderno.
32. Os problemas do esquerdista são indicativos dos problemas de nossa
sociedade em seu conjunto. A baixa autoestima, as tendências depressivas e
o derrotismo não são apenas coisas da esquerda. Ainda que sejam
especialmente evidentes na esquerda, estão amplamente espalhadas por
nossa sociedade. E a sociedade atual trata de socializar-nos num grau muito
maior que qualquer sociedade do passado. Os especialistas nos ditam
inclusive como comer, como fazer exercícios físicos, como fazer amor, como
criar nossos filhos, etc.
O Processo de Poder
34. Considere-se o caso hipotético de uma pessoa que pudesse ter tudo o
que quisesse quando o desejasse, tão somente. Essa pessoa teria poder,
entretanto, acabaria por desenvolver sérios problemas psicológicos. A
princípio, tudo para ela estaria muito bem; porém, pouco a pouco e cada vez
mais, ela se aborreceria e desmoralizaria. Finalmente, ela poderia acabar
clinicamente deprimida. A história tem nos mostrado que as aristocracias
ociosas tendem a tornarem-se decadentes. Isso não se tem sucedido às
aristocracias guerreiras, que tiveram de lutar para manter o seu poder. As
aristocracias ociosas e acomodadas, que não tiveram a necessidade de
esforçar-se, acabaram normalmente entediadas, convertendo-se em
hedonistas e desmoralizando-se, ainda que tenham tido o poder. Isso
demonstra que o poder não é suficiente. É necessário ter as metas para as
quais se dirigir o exercício do poder.
35. Todo mundo tem metas — mesmo que tais metas tratem apenas de
cobrir as necessidades físicas vitais: o alimento, a água, as vestimentas e
refúgios que o clima faça necessários. Mas os aristocratas ociosos obtiveram
tais coisas sem esforço. Daí, então, que tenham ficado entediados e
desmoralizados.
Atividades Substitutivas
38. Mas nem todo aristocrata ocioso terá acabado por se aborrecer e
desmoralizar. Por exemplo, o Imperador Hirohito, em vez de se afundar num
hedonismo decadente, dedicou-se à biologia marinha, campo em que se
tornou notável. Quando as pessoas não têm de esforçar-se para satisfazer
suas necessidades físicas, frequentemente impõem metas artificiais a si
mesmas. Em muitos casos, então, perseguem essas metas com a mesma
energia e o envolvimento emocional que, de outra maneira, teriam de
mostrar ao tratar de satisfazer suas necessidades físicas. Dessa maneira, os
aristocratas do Império Romano tinham suas pretensões literárias; muitos
aristocratas europeus, há alguns séculos atrás, investiam uma enorme
quantidade de tempo e energia em caçar, ainda que, certamente, não
precisassem da carne; outros aristocratas têm competido por status através de
elaboradas exibições de riqueza; e uns poucos aristocratas, como Hirohito,
voltaram-se para a ciência.
39. Usamos a expressão “atividade substitutiva” para designar a atividade
dirigida à consecução de uma meta artificial que as pessoas adotam apenas
para ter um objetivo o qual perseguir, ou, digamos assim, apenas pela
“satisfação” que obtenham ao perseguir esse objetivo. Tomemos, então, uma
regra geral para a identificação das atividades substitutivas. Dada uma
pessoa que dedica muito tempo e energia para tratar de alcançar uma meta
X, perguntemos: se tal pessoa tivesse de dedicar a maior parte de seu tempo
e energia para satisfazer suas necessidades biológicas, e se esse esforço lhe
exigisse usar suas faculdades físicas e mentais de uma forma variada e
interessante, ela se sentiria seriamente insatisfeita por não alcançar a meta
X? Se a resposta for negativa, então a perseguição da meta X por parte dessa
pessoa é uma atividade substitutiva. Os estudos de Hirohito sobre biologia
marinha constituíam claramente uma atividade substitutiva, já que não resta
dúvida de que, se Hirohito tivesse de passar seu tempo trabalhando em
tarefas não científicas que lhe interessassem por garantir a obtenção do
necessário para viver, ele não teria se sentido insatisfeito por não saber tudo
acerca da anatomia e dos ciclos vitais dos animais marinhos. Por outro lado,
a busca do sexo e do amor (por exemplo) não é uma atividade substitutiva, já
que a maioria das pessoas, inclusive se sua existência fosse satisfatória em
todos os demais aspectos, sentir-se-ia insatisfeita se passasse suas vidas sem
jamais ter qualquer relação com alguém do sexo oposto. (No entanto, tratar
de se ter uma quantidade excessiva de relações sexuais, além do que alguém
realmente necessita, pode ser uma atividade substitutiva.)
42. A autonomia é uma parte do processo de poder que pode não ser
necessária para todos os indivíduos. Mas a maioria das pessoas necessita de
certo grau de autonomia ao esforçar-se para alcançar suas metas. Seus
esforços devem ser o resultado de sua própria iniciativa e devem estar sob
sua própria direção e controle. Ainda assim, a maioria das pessoas não tem a
necessidade de exercer tal iniciativa, direção e controle de modo
exclusivamente individual. Normalmente, para elas, lhes é suficiente atuar
como membros de um PEQUENO grupo. Desse modo, se meia dúzia de
indivíduos estabelece uma meta comum, deliberando entre si, e realiza com
êxito um esforço conjunto para atingir essa meta, sua necessidade de levar a
cabo o processo de poder se encontrará satisfeita. Mas se trabalha seguindo
ordens rígidas, ditadas desde cima, que não lhe deixem espaço para a decisão
e a iniciativa autônomas, então sua necessidade de experimentar o processo
de poder16 não será satisfeita. O mesmo se sucederá se as decisões, sendo
ainda tomadas de maneira coletiva, forem, contudo, tomadas por um grupo
tão grande que o papel desempenhado por um ou outro indivíduo, ao se
tomar uma decisão, seja insignificante.[NOTA 5]
44. Mas a maioria das pessoas — tendo uma meta, fazendo um esforço
AUTÔNOMO e alcançando essa meta — adquire autoestima, autoconfiança
e a sensação de poder mediante o processo de poder. Quando alguém não
tem a oportunidade adequada para levar a cabo o processo de poder, as
consequências são (dependendo de cada indivíduo e do modo pelo qual o
processo de poder seja perturbado) o tédio, a desmoralização, baixa
autoestima, sentimentos de inferioridade, derrotismo, depressão, ansiedade,
sentimentos de culpa, frustração, hostilidade, maus-tratos ao cônjuge e aos
filhos, hedonismo insaciável, comportamento sexual anormal, transtornos do
sono, transtornos da alimentação, etc.[NOTA 6]
63. Assim, certas necessidades artificiais têm sido criadas para fazer parte
do grupo 2, e, deste modo, satisfazer a necessidade de se experimentar o
processo de poder. A publicidade e as técnicas de marketing têm sido
desenvolvidas de tal modo que muita gente sinta a necessidade de coisas que
seus avós nunca desejaram, ou mesmo que nem sequer imaginaram. É
requerido um sério esforço para se ganhar dinheiro o suficiente para se
satisfazer a essas necessidades artificiais, e, por isso, tais necessidades
pertencem ao grupo 2. (Entretanto, vejam-se os parágrafos 80-82.) O homem
moderno tem de satisfazer sua necessidade de experimentar o processo de
poder principalmente através da persecução de necessidades criadas pela
indústria da publicidade e do marketing,[NOTA 11] assim como através da
realização de atividades substitutivas.
64. Parece mesmo que, para muita gente, talvez para a maioria das
pessoas, essas formas artificiais do processo de poder são insuficientes. Um
tema que aparece repetidamente nos escritos dos críticos sociais da segunda
metade século XX é a sensação de falta de objetivos vitais que aflige muita
gente na sociedade moderna. (Essa falta de objetivos, frequentemente, é
designada com outros nomes, tais como “anomia” ou como “vazio da classe
média”.) Sugerimos que a assim chamada “crise de identidade” é, na
realidade, uma busca pela sensação de se ter um propósito. Nesses casos, a
pessoa geralmente se dedica à realização de uma atividade substitutiva que
seja de seu agrado. É possível que o existencialismo, em uma grande
medida, seja uma resposta a essa falta de objetivos importantes da vida
moderna.[NOTA 12] Algo bem amplamente espalhado na sociedade moderna é a
busca pela “autorrealização”. Mas pensamos que, para a maioria das
pessoas, uma atividade cujo objetivo principal seja a “realização pessoal”
(ou seja, uma atividade substitutiva) não produzirá uma satisfação completa.
Dito de outra maneira, não satisfaz plenamente a necessidade de se
experimentar o processo de poder. (Veja-se o parágrafo 41.) Essa
necessidade só pode ser completamente satisfeita com a realização de
atividades voltadas à conquista de uma meta externa à própria atividade,
como as necessidades físicas, o sexo, o amor, o status, a vingança, etc.
66. Hoje em dia, as pessoas vivem mais pelo que o sistema faz POR elas
ou PARA elas do que pelo que elas fazem por si mesmas. E o que fazem por
si mesmas, o fazem cada vez mais seguindo os caminhos estabelecidos pelo
sistema. As únicas oportunidades tendem a ser aquelas que o sistema
oferece, sendo que tais oportunidades devem ser aproveitadas seguindo-se
suas regras e regulações[NOTA 13] — e aplicando-se técnicas prescritas por
especialistas, se se quiser ter alguma possibilidade de êxito.
75. A vida, nas sociedades primitivas, era uma sucessão de etapas. Uma
vez que as necessidades e os objetivos de uma etapa fossem satisfeitos, não
havia daí uma particular reticência em se passar à etapa seguinte. Um
homem jovem experimentava o processo de poder convertendo-se em
caçador, caçando não por desporto nem para realizar-se, senão para obter a
carne que necessitava para comer. (Nas mulheres jovens, o processo era mais
complicado, com maior ênfase na influência e posição sociais — não
passaremos aqui por tal discussão.) Havendo superado essa fase com êxito, o
jovem aceitava, sem problemas, encarregar-se das responsabilidades que
implicava constituir-se uma família. (Em contrário, algumas pessoas
modernas adiam indefinidamente terem filhos, porque estão demasiadamente
ocupadas buscando algum tipo de “realização”. Sugerimos que a realização
de que necessitam é experimentar adequadamente o processo de poder —
com metas autênticas, no lugar das metas artificiais das atividades
substitutivas.) Depois, havendo criado os seus filhos com êxito,
experimentando o processo de poder ao se esforçar por satisfazer suas
necessidades físicas, o homem primitivo sentia que sua obra estava realizada
e se preparava para aceitar a velhice (se sobrevivia até então) e a morte.
Muitas pessoas modernas, ao contrário, estão antes preocupadas com a
perspectiva da deterioração física e a morte, tal como demonstra a grande
quantidade de esforço que realizam tratando de manter sua forma física, sua
aparência e sua saúde. Afirmamos que isso se deverá à insatisfação
resultante de não haverem elas empregado suas capacidades físicas em
qualquer obra prática. Nunca experimentaram o processo de poder usando
seus corpos a sério. Não era o homem primitivo, que usava seu corpo
diariamente para realizar tarefas práticas, quem temia a deterioração devida
à idade; quem a teme, este sim, é homem moderno, que nunca usa seu corpo
para realizar tarefas de tipo prático — para além de um caminhar desde seu
carro até a porta de sua casa. É aquele homem cuja necessidade de
experimentar o processo de poder tiver sido satisfeita ao longo da vida quem
estará mais bem preparado para aceitar o final da mesma.
84. Outra das maneiras pelas quais as pessoas satisfazem sua necessidade
de experimentar o processo de poder é mediante atividades substitutivas.
Como já explicamos nos parágrafos 38-40, uma atividade substitutiva é uma
atividade direcionada para se alcançar uma meta artificial, a qual o indivíduo
persegue devido à “satisfação” que obtém ao persegui-la, não por que
necessite alcançar a meta em si. Por exemplo, não há qualquer motivo
prático para se desenvolver enormes músculos, bater com um taco numa
bolinha branca até se acertar um buraco ou para se adquirir uma série
completa de selos dos correios. Entretanto, muita gente em nossa sociedade
dedica-se apaixonadamente ao fisiculturismo, ao golfe ou à coleção de selos.
Algumas pessoas “dizem amém” mais que as outras, e, portanto, atribuirão
mais facilmente importância a uma atividade substitutiva simplesmente por
que as pessoas de seu círculo a consideram como algo importante, ou porque
a sociedade lhes disse que isso é algo importante. Essa é a razão pela qual
tantas pessoas levam tão a sério atividades essencialmente triviais, como os
esportes, o bridge21, o xadrez ou certos estudos e investigações obstrusas,
enquanto outras pessoas, mais lúcidas, nunca consideram tais coisas mais do
que as atividades substitutivas que são, e, em consequência, nunca lhes
atribuem uma importância tal como se, dessa maneira, fossem satisfazer sua
necessidade de experimentar o processo de poder. Resta apenas assinalar
que, em muitas ocasiões, a forma de uma pessoa ganhar a vida pode ser
também uma atividade substitutiva. Não que seja uma atividade substitutiva
PURA, já que, em parte, o motivo dessa atividade é conseguir a satisfação de
suas necessidades físicas e (no caso de algumas pessoas) alcançar a posição
social e os luxos que a publicidade lhes faz desejar. Mas muita gente põe em
seu trabalho muito mais empenho que o imprescindível para se ganhar a
quantidade de dinheiro e status que necessitam, e este esforço extra
constitui-se em uma atividade substitutiva. Esse esforço extra, junto com a
implicação emocional que o acompanha, é uma das forças mais poderosas
que atuam a favor do contínuo desenvolvimento e aperfeiçoamento do
sistema, com consequências negativas para a liberdade individual. (Veja-se o
parágrafo 131.) Em especial, no caso dos cientistas e engenheiros mais
criativos, o trabalho tende a ser, em grande medida, uma atividade
substitutiva. Esse ponto é tão importante que merece ser discutido à parte, o
que faremos num próximo momento (parágrafos 87-92).
86. No entanto, até mesmo se a maior parte das pessoas, nessa sociedade
tecnoindustrial, estivesse completamente satisfeita, nós (o FC) ainda
manteríamos nossa oposição a essa forma de sociedade, posto que (entre
outras razões) consideramos degradante que as pessoas tenham de satisfazer
sua necessidade de experimentar o processo de poder mediante atividades
substitutivas ou mediante a identificação com uma organização, no lugar de
perseguir metas autênticas.
90. Claro está, não é algo tão simples assim. Há outros motivos que jogam
um importante papel para muitos cientistas. O dinheiro e o status, por
exemplo. Alguns cientistas podem fazer parte daquele tipo de pessoas que
têm uma necessidade insaciável de status (veja-se o parágrafo 79), e isso
pode contribuir em grande parte para sua motivação na realização de seu
trabalho. Não há dúvida de que a maior parte dos cientistas, do mesmo modo
que a população em geral, é suscetível, em maior ou menor medida, à
publicidade e às técnicas de marketing, e que necessitam de dinheiro para
satisfazer seu desejo de bens e serviços. Assim, a ciência não é uma
atividade substitutiva PURA. Mas ela é, em grande parte, uma atividade
substitutiva.
A Natureza da Liberdade
95. É costume dizer que vivemos em uma sociedade livre porque temos
uns tantos direitos constitucionalmente garantidos. Esses direitos, porém,
não são tão importantes quanto parecem. O grau de liberdade pessoal que há
em uma sociedade passa pela determinação da estrutura econômica e
tecnológica dessa sociedade, num grau maior que o das suas leis ou de sua
forma de governo. [NOTA 16] A maior parte das nações indígenas da Nova
Inglaterra eram monarquias24, e muitas das cidades da Itália renascentista
estavam controladas por tiranos. Entretanto, ao ler-se acerca dessas
sociedades, tem-se a impressão de que nelas havia muito mais liberdade
pessoal que na nossa sociedade. Em parte, isso era devido à sua carência de
mecanismos eficientes para impor a vontade dos seus governantes: não havia
forças policiais modernas e bem organizadas, nem meios rápidos de
comunicação à longa distância, nem câmeras de vigilância, nem arquivos
com informações acerca das vidas dos cidadãos comuns. Por conseguinte,
era relativamente simples evitar o controle.
97. Os direitos constitucionais são úteis até certo ponto — porém, não
servem sequer para garantir algo a mais do que aquilo a que poderíamos
chamar de uma concepção burguesa da liberdade. Segundo essa concepção
burguesa, um homem “livre” é, essencialmente, um elemento da maquinaria
social, e tem só certo número de liberdades preestabelecidas e delimitadas —
liberdades tais que estão projetadas para servir às necessidades da
maquinaria social, antes de servir às necessidades do indivíduo. Dessa
maneira, o homem “livre” dos burgueses tem liberdade econômica porque
isso promove o crescimento e o progresso; tem liberdade de imprensa
porque a crítica pública contém a má atuação da parte dos líderes políticos;
tem direito a um julgamento justo porque os encarceramentos por capricho
dos poderosos seriam ruins para o sistema. Essa, claramente, era a opinião
de Simón Bolívar. Para ele, as pessoas mereciam a liberdade apenas se a
usavam para promover o progresso (o progresso tal como é concebido pelos
burgueses). Outros pensadores burgueses tiveram uma ideia similar de
liberdade, ao entendê-la como um mero meio para se chegar a fins coletivos.
Chester C. Tan, em Chinese Political Thought in the Twentieth Century, p.
202, explica a filosofia do líder do Kuomintang, Hu Han-min: “A um
indivíduo se concederiam direitos porque é membro da sociedade e a vida de
sua comunidade requer tais direitos. Por comunidade, Hu entendia a
totalidade da sociedade ou nação.” E na página 259, Tan afirma que,
segundo Carsun Chang (Chang Chun-mai, presidente do Partido Socialista
de Estado na China)25, a liberdade teria de ser usada no interesse do Estado e
das pessoas em geral. Mas, que tipo de liberdade tem alguém se este só pode
usá-la do modo que outro estabeleça? A concepção de liberdade do FC não é
a de Bolívar, Hu, Chang ou outros teóricos burgueses. O problema com esses
teóricos é que converteram o desenvolvimento e a aplicação de teorias
sociais em sua atividade substitutiva. Em consequência, as teorias têm sido
elaboradas de modo a satisfazer as necessidades psicológicas dos seus
teóricos, em vez das necessidades dos desafortunados indivíduos que tenham
de viver em qualquer sociedade à qual tais teorias sejam impostas.
98. Um ponto a mais a se comentar nesta seção: não se deve tomar como
aceitável que uma pessoa tenha suficiente liberdade só por que ela DIZ que a
tem. A liberdade encontra-se parcialmente restringida por mecanismos
psicológicos de controle dos quais as pessoas não são conscientes, e, além
disso, as ideias de muita gente acerca do que é a liberdade estão dominadas
mais por uma convenção social que por suas necessidades reais. Por
exemplo: ainda que o esquerdista do tipo sobressocializado pague um caro
preço psicológico pelo seu alto grau de socialização, é provável que muitos
esquerdistas desse tipo dissessem que a maioria das pessoas, incluindo eles
mesmos, está antes bem pouco que por demais socializada.
110. Apesar de tudo, há que se usar o bom senso quando se aplicar esses
princípios. Eles estão expressos numa linguagem imprecisa, que dá margens
a diversas interpretações, e se poderia encontrar exceções que não os
cumpram. Por isso, não apresentamos esses princípios como leis invioláveis,
porém, sim, como regras gerais, ou como guias para o pensamento, os quais
ajudem a não nos deixar levar por ideias ingênuas acerca do futuro da
sociedade. Tais princípios, com toda constância, deveriam ser trazidos à
mente, e toda vez em que se chegasse a uma conclusão que com eles
conflitasse, haveria que se reexaminar cuidadosamente o que se está
pensando, e manter essa conclusão somente se ainda houvesse boas e sólidas
razões para isso.
A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada
119. O sistema não existe nem pode existir para satisfazer as necessidades
humanas. Ao contrário, é o comportamento humano que tem de ser
modificado para adequar-se às necessidades do sistema. Isso se produz
independentemente da ideologia política ou social a qual, por sua vez, tenha
a pretensão de estar dando a orientação tomada no sistema tecnológico. A
culpa não é do capitalismo, nem do socialismo. A culpa é da tecnologia, já
que o sistema não é dirigido por ideologias, e sim pela necessidade técnica.
[NOTA 18]
É claro que o sistema satisfaz muitas das necessidades humanas —
porém, no geral, só o faz na medida em que isso lhe favorece. O principal
são as necessidades do sistema, não as do ser humano. Por exemplo, o
sistema fornece alimentos às pessoas porque não poderia funcionar se todo
mundo morresse de fome; ocupa-se das necessidades psicológicas das
pessoas toda vez e sempre que isso lhe resulta CONVENIENTE, já que não
poderia funcionar se demasiadas pessoas ficassem deprimidas ou se
rebelassem. Mas o sistema, por boas e sólidas razões práticas, deve exercer
uma pressão constante sobre as pessoas para que estas modelem o seu
comportamento às necessidades do sistema. Acumulam-se resíduos
demasiadamente? O governo, os meios de comunicação, o sistema
educacional, os ecologistas, todo mundo nos bombardeia com um montão de
propaganda em favor da reciclagem. Necessita-se de mais pessoal técnico?
Um coro de vozes exorta os garotos a estudar ciências. Ninguém se detém a
perguntar se seria inumano forçar os adolescentes a passar a maior parte de
seu tempo estudando temas que a maior parte deles abomina. Quando os
operários qualificados perdem seu trabalho devido aos avanços técnicos e
têm de se submeter a programas de “atualização profissional”, ninguém se
pergunta se é humilhante para eles serem manejados desse modo.
Simplesmente se dá por aceito que todo mundo deve se curvar diante das
necessidades técnicas. E por bons motivos: se as necessidades humanas
fossem antepostas às necessidades técnicas, haveria problemas econômicos,
desemprego, escassez ou coisas ainda piores. Em nossa sociedade, o
conceito de “saúde mental” se refere, numa grande medida, à maior ou
menor capacidade dos indivíduos de se comportarem de acordo com as
necessidades do sistema, sem apresentar sintomas de estresse.
121. Outra razão pela qual a sociedade industrial não pode ser reformada
— de um modo a favorecer a liberdade — é que a tecnologia moderna é um
sistema integrado, no qual cada parte depende de todas as demais. Não é
possível se desfazer das partes “más” da tecnologia e se manter só as partes
“boas”. Tome-se como exemplo a medicina moderna. O progresso da ciência
médica depende do progresso da química, da física, da biologia, da
informática e de outros ramos da ciência. Os tratamentos médicos avançados
requerem caros equipamentos de alta tecnologia, dos quais só se pode dispor
em uma sociedade economicamente rica e em constante desenvolvimento
tecnológico. Está claro que não se pode conseguir que a medicina avance
muito sem a totalidade do sistema tecnológico e o que este implica.
126. Iremos explicar, pois, por que a tecnologia é uma força social mais
poderosa que o desejo de liberdade.
129. Outra razão pela qual a tecnologia é uma força social tão poderosa é
que, dentro do contexto de uma determinada sociedade, o progresso
tecnológico se move em uma só direção — não pode jamais ser invertido29.
Tendo sido introduzida uma inovação técnica qualquer, normalmente, as
pessoas se tornam suas dependentes, de modo que já não podem passar sem
ela — a menos que ela seja substituída por alguma inovação ainda mais
avançada. Acontece não apenas dessas pessoas converterem-se em
indivíduos dependentes de um novo elemento tecnológico, como também, e
antes de tudo, o sistema em seu conjunto torna-se dele dependente.
(Imaginem o que ocorreria ao sistema atual se os computadores, por
exemplo, fossem todos eliminados.) Dessa forma, o sistema pode mover-se
em uma só direção, que é para uma maior tecnologização. A tecnologia força
a liberdade a ir retrocedendo sucessivamente, passo a passo; entretanto, a
tecnologia mesma nunca dá um passo atrás — a menos que se derrube o
sistema tecnológico em sua totalidade.
133. Nenhum acordo social — seja uma lei, uma instituição, um costume
ou um código ético — pode oferecer uma proteção permanente contra a
tecnologia. A história mostra que todo acordo social é transitório; em algum
momento, todos são modificados ou infringidos. Entretanto, os avanços
tecnológicos se mantêm sempre — dentro de uma determinada civilização.
Vamos supor, num exemplo, que fosse possível se chegar a certo acordo
social que impedisse a aplicação da engenharia genética em seres humanos,
ou que impedisse que ela fosse aplicada de qualquer maneira que ameaçasse
a liberdade e a dignidade. Ainda assim, a tecnologia permaneceria à espera.
Cedo ou tarde, o acordo social seria infringido. Cedo, provavelmente — haja
vista o ritmo das modificações em nossa sociedade. Aí então, a engenharia
genética começaria a reduzir a esfera de nossa liberdade, e essa redução seria
irreversível (salvo no caso da derrocada da própria civilização tecnológica).
Qualquer ilusão de se alcançar algo duradouro mediante acordos sociais
deveria desvanecer-se ao se observar o que está ocorrendo, atualmente, com
a legislação ambiental. Até há alguns poucos anos, parecia que havia limites
legais invulneráveis que impediriam, ao menos, ALGUMAS das piores
formas de degradação ambiental. Uma mudança qualquer nas tendências
políticas... e essas barreiras começam a desmoronar.31
134. Por todas as razões antes expostas, a tecnologia é uma força social
mais poderosa que o desejo de liberdade. Mas essa afirmação requer uma
importante matização. Parece que, durante as décadas que se seguem, o
sistema tecnoindustrial estará submetido a severas pressões, devidas aos
problemas econômicos e ambientais, e também devidas, de um modo
especial, aos problemas de comportamento humano (alienação, rebeldia,
hostilidade, diversas complicações sociais e psicológicas). Esperamos que as
pressões às quais o sistema provavelmente ficará submetido provoquem sua
derrocada, ou que, ao menos, debilitem-no o suficiente, até que se faça
possível promover uma revolução contra ele. Se essa revolução ocorre e tem
êxito, aí então, nesse exato momento, o desejo de liberdade terá sido mais
poderoso que a tecnologia.
138. Claro está, portanto, que a espécie humana tem, no melhor dos casos,
uma capacidade muito limitada para a resolução até mesmo de problemas
sociais tidos como relativamente simples. Como, pois, iria resolver o
problema, muito mais difícil e sutil, de compatibilizar liberdade e
tecnologia? A tecnologia oferece vantagens materiais evidentes, enquanto a
liberdade é uma abstração que significa diferentes coisas para pessoas
diferentes, e sua perda é facilmente dissimulada com propaganda e discursos
sofisticados.
148. Outras tecnologias atuam num nível mais profundo que as anteriores.
A educação já não é algo assim tão simples, quanto o era darem-se uns
tabefes em uma criança quando esta não sabia a lição e cumprimentá-la,
então, quando a soubesse. Ela se converteu numa técnica cientificamente
projetada para se controlar o desenvolvimento das crianças. Os Centros de
Aprendizagem Sylvan33, por exemplo, têm obtido um grande êxito na
motivação das crianças aos estudos; e, além disso, em muitos
estabelecimentos convencionais de ensino utilizam-se técnicas psicológicas
mais ou menos eficazes. Os conselhos sobre como se “criar e educar os
filhos”, que estão sendo inculcados aos pais, foram pensados para se fazer
com que as crianças e os jovens aceitem os valores fundamentais do sistema
e se comportem de um modo tal que resulte benéfico ao sistema. Os
programas de “saúde mental”, as técnicas de “intervenção”34, a psicoterapia
e outras coisas desse tipo foram declaradamente pensadas para ajudar os
indivíduos — contudo, na prática, servem normalmente como métodos para
induzir os indivíduos a pensar e a se comportar do modo como o sistema
necessita. (Nisso não há contradição: qualquer indivíduo cujas atitudes ou
cujo comportamento o levem a entrar em conflito com o sistema estará em
rota de colisão com uma força demasiado poderosa para que ele a possa
vencer ou enganar, e, portanto, ele provavelmente sofrerá estresse,
frustração, fracasso. Sua vida será muito mais fácil se pensar e se comportar
da maneira como o sistema exige. Nesse sentido, o sistema atua em
benefício do indivíduo quando consegue que este se conforme, mediante
uma lavagem cerebral.) O abuso infantil, em suas formas mais brutais e
ostensivas, é algo malvisto na maioria das culturas, talvez mesmo em todas.
Maltratar uma criança por motivos triviais ou sem qualquer motivo é algo
que horroriza a quase todo mundo. Mas muitos psicólogos interpretam o
conceito de abuso muito mais amplamente. A surra seria uma forma de
abuso, quando usada como parte integrante de uma forma de disciplina
racional e consistente? A questão posta por esses psicólogos depende de, se
em última instância, essa surra consegue ou não induzir quem a sofre a se
comportar de uma maneira que bem se enquadre no sistema social existente.
Na prática, a palavra “abuso” pode ser interpretada de maneira que inclua
qualquer forma de se criar ou educar uma criança que produza algum
comportamento que resulte inconveniente ao sistema. Desse modo, os
programas contra o “abuso infantil”, quando vão mais além de apenas tratar
de evitar a crueldade manifesta e sem sentido, são direcionados para o
controle do comportamento humano em benefício do sistema.
160. A todos aqueles que pensam que tudo isso soa como ficção científica,
recordaremos que aquilo que antigamente era apenas ficção científica
atualmente já é realidade. A Revolução Industrial alterou radicalmente o
meio ambiente e o modo de vida do homem, e é só uma questão de tempo
para que, na medida em que a tecnologia seja paulatinamente aplicada sobre
o corpo e a mente humanos, o próprio homem acabe sendo modificado tão
radicalmente quanto o tem sido o seu meio ambiente e o e seu modo de vida.
163. Vamos supor que o sistema sobreviva às crises das próximas décadas.
Nesse tanto, haverá necessariamente de ter resolvido, ou ao menos ter
submetido ao seu controle os principais problemas que vem enfrentando, em
particular a “socialização” dos seres humanos; isto é, tornar as pessoas
suficientemente dóceis para que seu comportamento já não represente uma
ameaça para o sistema. Uma vez alcançado isso, não parece que vá haver
ainda qualquer outro obstáculo para o desenvolvimento da tecnologia, e,
seguramente, esta avançará até sua consecução lógica — que não é outra
além do controle total sobre tudo o que existe na Terra, incluídos o ser
humano e qualquer outro organismo importante. Pode ser que o sistema se
converta em uma organização unitária, monolítica, ou ainda que permaneça
mais ou menos fragmentado e se baseie, então, na coexistência de certo
número de organizações que mantivessem relações mútuas tanto de
cooperação quanto de competência, do mesmo modo que o governo, as
grandes empresas e outras grandes organizações cooperam e competem entre
si. A liberdade humana, praticamente, terá desaparecido, já que os
indivíduos e os pequenos grupos serão impotentes frente às grandes
organizações armadas com supertecnologia e com um arsenal de avançadas
ferramentas psicológicas e biológicas para manejar e modificar os seres
humanos, além de instrumentos de vigilância e coerção física. Somente um
pequeno número de pessoas terá algum poder real, e até mesmo essas
pessoas, provavelmente, gozarão de uma liberdade muito limitada, porque
seu comportamento também se encontrará regulado — do mesmo modo que,
hoje em dia, os políticos e os dirigentes de grandes empresas só podem
conservar suas posições de poder se mantiverem seu comportamento dentro
de certos limites bastante estreitos.
O Sofrimento Humano
167. O sistema industrial não irá cair pela mera consecução da atividade
revolucionária. Ele não será vulnerável ao ataque revolucionário — a menos
que seus próprios problemas de desenvolvimento acarretem-lhe dificuldades
muito sérias. Desse modo, se o sistema desmoronar, isso se dará de um
modo espontâneo — ou, então, mediante um processo que, por um lado,
manterá essa espontaneidade, conquanto, por outro lado, será favorecido
pelos revolucionários. Se o colapso for repentino, muita gente morrerá, já
que a população mundial se tornou tão desmesuradamente grande que, sem
tecnologia avançada, já não poderá alimentar-se a si mesma. E mesmo se o
colapso se produzir de maneira suficientemente gradual para que seja
possível algum descenso populacional, mediante uma redução na taxa de
natalidade em lugar de uma ampliação na taxa de mortalidade, o processo de
desindustrialização, provavelmente, será demasiadamente caótico e
provocará muito sofrimento. É uma ingenuidade pensar que a tecnologia
poderá ser abandonada tranquila e ordenadamente, sobretudo por que os
tecnófilos resistirão tenazmente. É cruel, portanto, que nos esforcemos para
favorecer o colapso do sistema? Pode ser que sim — ou que não. Em
primeiro lugar, os revolucionários nem mesmo poderão derrubar o sistema se
este não estiver tanto e a tal ponto debilitado que, daí então, já haveria uma
grande possibilidade, de todo modo, de que ele acabasse se afundando por si
mesmo. E quanto maior o sistema se tornasse, mais desastrosas seriam as
consequências de seu afundamento; assim, pode até mesmo ser que, ao
acelerarem a chegada do colapso, os revolucionários estejam, na realidade,
reduzindo a magnitude desse desastre.
168. Em segundo lugar: haverá que se sopesar — ou a luta e a morte, ou a
perda da liberdade e da dignidade. Para muitos de nós, a liberdade e a
dignidade são mais importantes que a longevidade ou que a evitação da dor
física. Ademais, todos haveremos de morrer, antes ou depois, e pode mesmo
ser melhor morrer lutando pela sobrevivência, ou por uma causa, que viver
uma longa vida — porém vazia e sem sentido.
O Futuro
173. Se vier a ser permitido às máquinas que tomem todas as decisões por
si mesmas, não poderemos apontar quais seriam as consequências, já que é
impossível adivinhar como tais máquinas iriam comportar-se. Assinalemos
somente que, nesse caso, o destino da humanidade estaria à mercê das
máquinas. Poderia objetar-se que a espécie humana nunca seria assim tão
estúpida, a tal ponto que deixasse todo o poder nas mãos das máquinas. Mas
o que estamos esboçando aqui não é um caso em que a humanidade fosse
ceder voluntariamente o poder às máquinas, nem que as máquinas fossem
tratar de adonar-se intencionalmente do poder. O que esboçamos é um caso
em que a espécie humana poderia, facilmente, deslizar lentamente e sem
controle para um estado tal de dependência das máquinas que já não teria, na
prática, a opção de escolher — tanto que teria de aceitar todas as decisões
que as máquinas tomassem. Na medida em que a sociedade e os problemas
que ela enfrenta forem cada vez mais complexos, e que as máquinas forem
cada vez mais inteligentes, as pessoas permitiriam, paulatinamente, que as
máquinas seguissem tomando cada vez mais as decisões em seu lugar,
simplesmente por que as decisões tomadas pelas máquinas darão melhores
resultados que aquelas tomadas pelos homens. Ao termo disso, pode ser que
venha um tempo em que as decisões necessárias para se manter o sistema em
funcionamento fiquem tão complicadas que os seres humanos sejam
incapazes de tomá-las com eficácia. Chegando-se a esse ponto, na prática, as
máquinas teriam todo o controle. As pessoas já não poderiam desligar as
máquinas, já que delas estariam tão dependentes que desligá-las equivaleria
a se suicidarem.
174. Por outro lado, é possível que os seres humanos cheguem a manter o
controle sobre as máquinas. Em tal caso, o homem comum poderá ter
controle sobre certas máquinas particulares de sua propriedade, tais como o
seu carro ou o seu computador pessoal; contudo, o controle sobre os grandes
sistemas de máquinas estará nas mãos de uma pequena elite — como o é
hoje em dia, porém, com duas notáveis diferenças. Devido ao avanço das
tecnologias, a elite possuirá maior capacidade de controle sobre as massas;
além disso, pelo fato do trabalho humano já não ser necessário, as massas
serão dispensáveis, um inútil lastro para o sistema. Se a elite for
desapiedada, pode ser que, simplesmente, ela decida exterminar a maior
parte da humanidade. Se ela for compassiva, pode ser que use a propaganda
ou outras técnicas psicológicas ou biológicas para reduzir a taxa de
natalidade, até que a maioria da população humana se extinga, deixando o
mundo, pois, apenas para a elite. Ou então, se a elite for composta por
liberais generosos de coração e mente, pode ser que eles decidam assumir o
papel de bondosos pastores do resto da espécie humana. Seu intento será o
de que todos tenham suas necessidades físicas satisfeitas, que todas as
crianças sejam criadas em condições psicologicamente saudáveis, que todos
tenham um equilibrado e construtivo passatempo para manterem-se
ocupados e que qualquer pessoa que possa chegar a sentir-se descontente
seja submetida a um “tratamento” — para curar esse seu “distúrbio”. Bem
entendido, nesse caso, a vida ficará de tal modo destituída de sentido que as
pessoas terão de ser manipuladas, biológica ou psicologicamente, seja para
eliminar sua necessidade de experimentar o processo de poder, seja para
fazer com que sintam “aplacada” essa necessidade com a mera prática de
algum passatempo inofensivo. Esses seres humanos modificados, numa
sociedade assim como essa, talvez sejam mesmo felizes, até; no entanto,
bem claro está que não serão livres. Terão sido reduzidos, então, a uma
condição de animais domésticos.
178. Aconteça o que acontecer, é certo que a tecnologia está impondo aos
seres humanos um novo meio físico e social radicalmente diferente do amplo
leque de ambientes aos quais a seleção natural vinha adaptando, física e
psicologicamente, a humanidade. Se o ser humano não se conformar ao novo
meio através de modificações artificiais, terá então de se adaptar através de
um longo e doloroso processo de seleção “natural”. A primeira possibilidade
é bem mais provável que a segunda.
A Estratégia
183. Mas para que uma ideologia alcance um apoio entusiástico, deve
oferecer um ideal positivo para além de um negativo; deve estar A FAVOR
DE algo, além de CONTRÁRIO A algo. O ideal positivo que nós propomos
é a Natureza. Ou melhor, a Natureza SELVAGEM: aqueles aspectos do
funcionamento da Terra e dos seres vivos que são independentes do manejo
humano e que se encontram livres da ingerência e do controle humanos. E
consideramos que a natureza humana está incluída na Natureza selvagem,
entendendo-se por natureza humana aqueles aspectos do funcionamento do
indivíduo humano que não se sujeitam a qualquer tipo de regulação por parte
de uma sociedade organizada, sendo antes um produto da sorte, ou do livre
arbítrio, ou de Deus (a depender de quais sejam as crenças religiosas ou
filosóficas de cada um).
186. A maioria das pessoas odeia o conflito psicológico. Por essa razão,
evitam pensar a sério acerca de problemas sociais difíceis e preferem que
tais assuntos lhes sejam apresentados de uma maneira simples, o preto no
branco: ISTO é bom em tudo e AQUILO em tudo é mau.
Consequentemente, a ideologia revolucionária deveria ter dois níveis de
desenvolvimento.
189. Antes que chegasse essa luta final, os revolucionários não deveriam
esperar que a maioria das pessoas se pusesse ao seu lado. A história é feita
por minorias decididas e ativas, não pela maioria, a qual raramente tem uma
ideia clara e coerente daquilo que quer. Até que chegue o momento do
impulso final[NOTA 31] para a revolução, a tarefa dos revolucionários deverá ser
menos a de ganhar o apoio superficial da maioria que a de construir um
pequeno núcleo de pessoas profundamente comprometidas. Quanto à
maioria, bastará fazer-lhes saber da existência da nova ideologia e recordá-la
frequentemente; ainda assim, é claro que seria desejável conseguir-se aquele
apoio majoritário, desde que e quando tal apoio pudesse ser conquistado sem
que isso debilitasse o núcleo de pessoas seriamente comprometidas.
207. Uma possível objeção que se poderia opor à revolução que propomos
é que esta proposta estaria condenada ao fracasso, posto que (segundo se
afirma), ao longo da história, a tecnologia teria sempre avançado, nunca teria
sofrido retrocessos — pelo que, pois, uma regressão tecnológica seria
impossível. Mas tal afirmação é falsa.
209. A razão pela qual a tecnologia nos aparenta sempre avançar é que
antes — cerca de um ou dois séculos até a Revolução Industrial — a
tecnologia, em sua maior parte, era tecnologia de pequena escala. Mas a
maior parte da tecnologia desenvolvida a partir da Revolução Industrial é
tecnologia dependente de grandes organizações. Tome-se, como exemplo, a
câmara frigorífica. Seria virtualmente impossível que, sem as adequadas
peças de fábrica ou sem as instalações e equipamentos de uma oficina
industrial, um bocado de artesãos locais fabricasse uma câmara frigorífica.
Se mesmo assim, por algum tipo de milagre, conseguissem fabricá-la, ela
ainda seria inútil sem um constante fornecimento de energia elétrica. Daí
então que teriam de represar um riacho, e de fabricar um gerador. Ora, os
geradores requerem uma grande quantidade de fio de cobre. Pensemos no
quão difícil seria a produção desse arame, sem a maquinaria moderna. E
onde encontrariam um gás adequado para a refrigeração? Seria muito mais
simples a fabricação de um depósito para a neve, ou a conservação dos
alimentos secando-os ou salgando-os — como era feito antes da invenção da
câmara frigorífica.
O Perigo do Esquerdismo
214. Para evitar que isso se suceda, um movimento que exalte a Natureza
e se oponha à tecnologia deve adotar um posicionamento resolutamente
antiesquerdista, e deve evitar toda colaboração com esquerdistas. O
esquerdismo, em longo prazo, resulta ser incompatível com a Natureza
selvagem, com a liberdade humana e com a eliminação da tecnologia
moderna. O esquerdismo é coletivista; pretende transformar o mundo inteiro
(tanto a Natureza quanto a espécie humana) num todo unificado. Mas isso
implica a gestão da Natureza e da vida humana por uma sociedade humana
organizada, e demanda tecnologia avançada para ser realizado. Não se pode
manter um mundo unido sem transportes nem comunicações rápidos e à
longa distância, não se pode fazer que todo mundo ame a todo mundo sem
sofisticadas técnicas psicológicas, não se pode conseguir uma “sociedade
planificada” sem os meios tecnológicos necessários. Antes de tudo, o
esquerdismo encontra-se impulsionado pela necessidade de poder,44 e os
esquerdistas buscam poder de maneira coletiva, através da identificação com
um movimento de massas ou uma organização. E é pouco provável que o
esquerdismo, algum dia, chegue a abandonar a tecnologia, porque a
tecnologia é uma fonte de poder coletivo demasiado valiosa.
220. Vamos supor que se pedisse aos esquerdistas que fizessem uma lista
com TODAS as coisas que quisessem mudar na sociedade, e que depois
TODAS essas mudanças sociais, por eles demandadas, se realizassem.
Podemos ficar seguros de que, em poucos anos, a maioria dos esquerdistas
teria tornado a encontrar alguma outra coisa da qual se queixarem, um novo
“mal” social para se corrigir; isso por que, repetimos, o esquerdista está
motivado menos pela aflição que lhe causam os males da sociedade que pela
satisfação de sua necessidade de poder ao impor suas soluções à sociedade.
221. Devido às restrições que seu alto grau de socialização impõe a seu
pensamento e à sua conduta, muitos esquerdistas do tipo sobressocializado
não podem tratar de conseguir poder46 do modo como o fazem outras
pessoas. Para eles, há somente uma forma moralmente aceitável de satisfazer
sua necessidade de poder, a qual consiste na luta por impor sua moralidade a
todos os demais.
223. Alguns leitores talvez digam: “Tudo o que esse texto diz sobre o
esquerdismo não é mais que uma sandice. Eu conheço Fulano e Beltrana,
que simpatizam com o esquerdismo, e eles não dão mostras de todas essas
tendências totalitárias.” É certo que muitos dos esquerdistas, possivelmente
mesmo o maior número deles, sejam uma gente honesta que acredita
sinceramente em uma tolerância (esta, até certo ponto) aos valores das outras
pessoas, e que não quereriam usar métodos despóticos para alcançar suas
metas sociais. Nossas afirmações acerca do esquerdismo não pretendem ser
aplicáveis a todo indivíduo esquerdista, porém sim descrever o caráter geral
do esquerdismo, tomado como movimento. E o caráter geral de um
movimento não se faz determinar, necessariamente, pela proporção numérica
dos distintos tipos de pessoas que o constituem.
228. Mas pode ser que seja útil enumerar alguns critérios para se
diagnosticar o esquerdismo. Esses critérios não podem ser aplicados de
maneira estrita e matemática. Alguns indivíduos podem se enquadrar em
alguns desses critérios sem serem esquerdistas e alguns esquerdistas podem
não se enquadrar em qualquer um dos critérios. E, novamente, o leitor
deverá usar sua própria capacidade de julgamento.
230. Os esquerdistas mais perigosos, ou seja, aqueles que têm uma maior
sede de poder, muitas vezes se caracterizam por sua arrogância ou por sua
adesão dogmática à ideologia. No entanto, os esquerdistas mais perigosos de
todos talvez sejam certos indivíduos sobressocializados, que evitam dar as
irritantes demonstrações de agressividade e se abstém de deixar transparecer
seu esquerdismo, entretanto trabalham calada e discretamente para promover
valores coletivistas, técnicas psicológicas “progressistas” para socializar as
crianças, a dependência dos indivíduos em relação ao sistema, etc. Esses
criptoesquerdistas — poderíamos assim chamá-los —, no que concerne à
ação prática, assemelham-se a certos indivíduos de tipo burguês; contudo,
deles se diferenciam na psicologia, na ideologia e na motivação. O burguês
típico trata de submeter as pessoas ao controle pelo sistema para proteger seu
estilo de vida, ou o faz apenas porque suas atitudes são as convencionais. O
criptoesquerdista trata de submeter as pessoas ao controle pelo sistema
porque é um fanático, adepto de alguma ideologia coletivista. O
criptoesquerdista se diferencia do esquerdista sobressocializado pelo fato de
que sua necessidade de rebeldia é mais débil e está mais profundamente
socializado. Ele se diferencia também do típico burguês bem socializado
pelo fato de que há nele alguma profunda carência, a qual obriga-o a
comprometer-se com uma causa e a diluir-se em uma coletividade. E, talvez,
sua (bem sublimada) sede de poder seja maior que a do burguês típico.
Nota Final
231. Ao longo deste artigo, temos feito afirmações imprecisas e
afirmações que merecem ser interpretadas com todo tipo de considerações e
reservas — e algumas dessas afirmações talvez sejam totalmente falsas. A
falta de informação suficiente e a necessidade de brevidade tornam
impossível formular tais asserções de um modo mais preciso ou acrescentar
todas as explicações necessárias. E, certamente, numa discussão desse tipo,
há que se confiar consideravelmente na capacidade de juízo intuitivo, e isso,
por vezes, pode ser um erro. Desse modo, não pretendemos que neste escrito
se expresse mais que uma rudimentar aproximação no sentido da verdade.
Notas
Nota 1 (§ 19). Não pretendemos dar a entender que todos, nem mesmo
uma maioria dos valentões e dos competidores desapiedados, sofram de
sentimentos de inferioridade.
Nota 6 (§ 44). Alguns dos sintomas enumerados são similares aos que
manifestam os animais enjaulados.
Explicamos, a seguir, como se produzem esses sintomas a partir de
perturbações do processo de poder:
A interpretação da natureza humana através do senso comum nos indica
que a falta de metas cuja consecução exija esforço conduz ao tédio, e que
este, quando se mantém por muito tempo, frequentemente acaba provocando
depressão. O fracasso na consecução de metas causa frustração e queda da
autoestima. A frustração produz enfado, o enfado leva à agressão, o que
frequentemente toma a forma de maus-tratos à esposa ou aos filhos.
Observa-se que a frustração contínua, durante um longo período de tempo,
frequentemente conduz à depressão, e que esta tende a causar ansiedade,
sentimento de culpa, transtornos da alimentação e do sono e sentimentos
ruins acerca de si mesmo. Aqueles que tendem à depressão buscam o prazer
como antídoto; daí o hedonismo insaciável e o sexo excessivo, com a prática
de perversões para se desfrutar de novas sensações. O tédio também tende a
provocar uma busca excessiva de prazer, já que, na falta de outras metas, as
pessoas frequentemente tomam o prazer como uma meta. Veja-se o diagrama
ao final desta nota.
O que acabamos de mencionar é uma simplificação. A realidade é mais
complexa e, com certeza, a perturbação do processo de poder não é a
ÚNICA causa possível dos sintomas descritos.
Ademais, quando falamos da depressão, não nos referimos
necessariamente às formas de depressão que são suficientemente graves para
serem tratadas por um psiquiatra. A depressão a que nos referimos toma
frequentemente apenas formas leves. E quando falamos de metas, não nos
referimos, necessariamente, a metas meditadas e em longo prazo. Para muita
gente, talvez para a maioria das pessoas ao longo de grande parte da história
da humanidade, as necessidades imediatas da existência (simplesmente
conseguir o alimento diário para si mesmo e sua família) têm sido metas
mais que suficientes.
Frustração
Enfado
Aborrecimento
Maus-tratos
Baixa
autoestima
Transtornos
do sono
Nota 14 (§§ 73, 114 e 131). Quando alguém concorda com a finalidade
para a qual a propaganda é usada num determinado caso, então,
normalmente, chama-a de “educação” — ou utiliza algum outro eufemismo
semelhante para denominá-la. Mas propaganda é propaganda,
independentemente do propósito para o qual se a utiliza.
Nota 29 (§ 154). Isso não é ficção científica! Depois desse parágrafo ter
sido escrito, encontramos um artigo na Scientific American59 segundo o qual
há cientistas que estão desenvolvendo ativamente técnicas para identificar
possíveis futuros delinquentes e para submetê-los a tratamento através de
métodos psicológicos e biológicos. Alguns cientistas defendem a aplicação
compulsória desse tratamento, o qual estará disponível num futuro próximo.
(Ver “Seeking the Criminal Element”, por W. Wait Gibbs — Scientific
American de março de 1995.) Talvez alguém pense que isso esteja bem, já
que o tratamento seria aplicado àqueles que poderiam converter-se em
delinquentes violentos. Mas, seguramente, isso não irá parar por aí. Em
continuidade, se aplicará um tratamento àqueles que poderão se converter
em condutores bêbados (que também põem em perigo a vida humana),
depois, talvez, às pessoas que batem em seus filhos, em seguida aos
ecologistas que sabotem equipamentos da indústria madeireira, e,
finalmente, a qualquer um cujo comportamento viesse a ser inconveniente ao
sistema.
Ted Kaczynski
31 de julho de 2007
Ted Kaczynski
20 de junho de 2012
Apêndice
— Esquerdismo : 67
Valoração
Conclusão
[Este ponto, em especial, vai dirigido a todos aqueles que gostariam poder
fazer algo para, de fato, acabar com o sistema tecnoindustrial — contudo,
por sentirem uma genuína e justa rejeição ao esquerdismo, mostram
acertadamente muita suspeição quanto à maioria das correntes
presumidamente críticas da sociedade industrial atual.]