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A SOCIEDADE

INDUSTRIAL E SEU FUTURO


A SOCIEDADE
INDUSTRIAL E SEU FUTURO
THEODORE J. KACZYNSKI
A PRESENTAÇÃO E A PÊNDICE POR ÚLTIMO R EDUCTO

T RADUÇÃO DE R CMUI . AYER

São Paulo 2015

Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda

Criação de Capa Jacilene Moraes


Diagramação Aline Benitez
Revisão Textual Priscila Loiola
Revisão da Tradução Gonzalo García Gómez

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________
K13s

Kaczynski, Theodore J.
A sociedade industrial e seu futuro/Theodore J. Kaczynski; tradução Rui C. Mayer. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2014.

Tradução de: Industrial society and its future


ISBN 978-85-437-0127-1

1. Ensaio americano. I. Título.

14-18504 CDD: 814


CDU: 821.111(73)-4
________________________________________________________________
09/12/2014 09/12/2014

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA


EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA
www.EditoraBarauna.com.br

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CEP 01012-010 – Centro – São Paulo - SP
Tel.: 11 3167.4261
www.EditoraBarauna.com.br

Sumário
Apresentação

Prólogo

Sobre a Versão Espanhola de


Industrial Society And Its Future

Principais Ideias dessa Obra

Algumas Razões pelas quais


Interpretam-se Mal as Ideias do Manifesto

A Sociedade Industrial
e Seu Futuro

Freedom Club — FC
Introdução

A Psicologia do Esquerdismo Moderno

Sentimentos de Inferioridade

Sobressocialização

Atividades Substitutivas

Autonomia

Causas dos Problemas Sociais

Perturbações do Processo de Poder


na Sociedade Moderna

Como Algumas Pessoas se Adaptam

Os Motivos dos Cientistas

A Natureza da Liberdade

Alguns Princípios Acerca da História

A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada

A Restrição da Liberdade É Inevitável


na Sociedade Industrial

As Partes “Más” da Tecnologia


Não Podem Ser Separadas das Partes “Boas”

A Tecnologia É uma Tendência Social


Mais Poderosa que o Desejo de Liberdade
Os Mais Simples Problemas Sociais
Têm-se Demonstrado Insolúveis

A Revolução É Mais Fácil que a Reforma

O Controle do Comportamento Humano


A Humanidade numa Encruzilhada

O Sofrimento Humano

O Futuro

A Estratégia

Os Dois Tipos de Tecnologia

O Perigo do Esquerdismo

Nota Final

Notas

Posfácio ao Manifesto
— Industrial Society and Its Future

Ted Kaczynski
31 de julho de 2007
Nota sobre o Manifesto
— Industrial Society and Its Future (ISAIF)
Ted Kaczynski
20 de junho de 2012

Apêndice
— Esquerdismo:
Função da pseudocrítica e da pseudo-
-revolução na sociedade tecnoindustrial
Por Último Reducto
Definição

Valoração
Conclusão
Apresentação

A Sociedade Industrial e Seu Futuro, também conhecida como O


Manifesto Unabomber, é uma das mais famosas argumentações contra a
tecnologia moderna e o sistema social acarretado por ela. Tal popularidade,
entretanto, deve-se antes, lamentavelmente, à forma como essa obra se
tornou conhecida (mediante um ultimato antecedido por uma longa
campanha de ataques terroristas) e às circunstâncias que se seguiram à sua
publicação (os desdobramentos midiáticos em torno da prisão daquele que se
supunha que fosse o único membro do grupo Freedom Club: Theodore John
Kaczynski1) que a uma verdadeira compreensão, da parte do público em
geral, das ideias expressas nessa obra. O que a maioria daqueles que
conhecem a existência desse manifesto sabe é, única ou principalmente, que
foi escrito por um doutor em matemática pela Universidade de Michigan, o
qual se supunha que enviasse bombas, e que vivia sozinho em uma cabana
na floresta. Ou seja, pouca gente realmente conhece ou recorda o conteúdo
dessa obra. E, no entanto, é justamente esse conteúdo que faz dela
particularmente interessante e digna de ser considerada.
Quais são as características mais notáveis que fazem com que essa obra
mereça ser lida e levada em consideração por aqueles que estão interessados
no problema provocado pelo desenvolvimento tecnológico? Os principais
aspectos que fazem essa obra merecer uma consideração especial são:

— O enfoque com que o problema da tecnologia moderna é tratado em A


Sociedade Industrial e Seu Futuro, em muitos aspectos, é diferente ou até
mesmo incompatível com os enfoques de outras obras e discursos
supostamente críticos da sociedade tecnoindustrial.
A maioria das críticas à tecnologia moderna ou bem não chega, no fundo,
a tomar realmente uma posição contrária a tal tipo de tecnologia e ao modelo
de sociedade inevitavelmente acarretado por ela, ou então são baseadas em
pressupostos errôneos que as tornam ineficazes ao se tratar de combater
seriamente a sociedade tecnoindustrial. Ou ambas as coisas ao mesmo
tempo.
Um exemplo das primeiras, o temos no discurso de certos filósofos e
intelectuais supostamente radicais que, apesar de reconhecer e denunciar que
a tecnologia moderna é incontrolável, e que ela inevitavelmente causa graves
transtornos à sociedade e ao mundo natural, sequer se prestam a levar suas
próprias análises e críticas às últimas consequências, e se detêm em propor
tímidas reformas ou simplesmente se calam acerca do que fazer.
Um exemplo das segundas estaria constituído por grande parte do
chamado movimento primitivista, em que muitos de seus membros, apesar
de odiarem real e sinceramente a sociedade tecnoindustrial, adotam valores e
ideais que, na realidade, são próprios dessa sociedade moderna que
pretendem estar a combater (e, em especial, adotam valores e ideais próprios
do esquerdismo). Com isso, tombam em cheio numa das principais
armadilhas que a sociedade tecnoindustrial utiliza para defender-se das
críticas e das correntes que, de outro modo, poderiam chegar a ser
potencialmente perigosas para ela: o descontentamento, legítimo e genuíno,
é aliviado através de atividades de protesto e reivindicações estereotipadas,
fúteis, inócuas ou até mesmo úteis para a sociedade tecnoindustrial, apesar
de que aqueles que as praticam acreditarem que estão a afrontá-la.
Já em outro exemplo, para as terceiras, temos o caso de certas correntes
críticas autodenominadas “anti-industriais”, descendentes diretas de outras
correntes históricas centradas na crítica social e política (marxismo e
anarquismo). Essas correntes “anti-industriais”, apesar de seu nome, não se
baseiam em valores incompatíveis com os da sociedade tecnoindustrial. Para
essas correntes, bem como para suas antecessoras, o problema principal é a
falta de democracia, a dominação capitalista ou a opressão do Estado, e não
chegam jamais a defender a eliminação total da tecnologia moderna em si.
Assim é que, em A Sociedade Industrial e Seu Futuro, não se encontrarão
as banais alusões contrárias à competitividade, ao individualismo, à falta de
solidariedade, à discriminação, à repressão estatal, ao poder, ao capital, etc.,
tão típicas de praticamente todos os discursos supostamente críticos da
sociedade atual. Ao contrário, A Sociedade Industrial e Seu Futuro centra-se
em expor, de maneira desapaixonada e objetiva, o modo pelo qual o
desenvolvimento tecnológico interfere negativamente e de uma forma
inevitável na livre expressão da verdadeira natureza humana. Além disso,
nessa obra, mostra-se frequentemente como essa interferência por vezes
consiste, precisamente, no impedimento da tendência humana natural para
praticar, por exemplo, certas formas de poder ou de discriminação numa
escala individual ou em pequenos grupos.
Sua conclusão também é clara e convincente: a tecnologia moderna, e,
com ela, a sociedade tecnoindustrial devem ser destruídas.

— Numa estreita relação com o que foi antes exposto, outro dos atrativos
dessa obra é a advertência quanto ao perigo expressado pelo esquerdismo
para qualquer corrente ou movimento que realmente pretenda combater a
sociedade tecnoindustrial.

— Outra parte importante dessa obra é aquela dedicada à argumentação


sobre por que se há de desprezar e rechaçar os intentos de se reformar a
sociedade tecnoindustrial; por que se há de deixar de lado as tentativas de
manter o desenvolvimento tecnológico sob controle e dentro de certos
limites; e por que não se há de esboçar nem tentar alcançar modelos
alternativos de sociedade que substituam a sociedade tecnoindustrial.

— Igualmente importante é a exposição que nessa obra se faz de uma


tendência e necessidade psicológica humana fundamental: o processo de
poder. Boa parte de A Sociedade Industrial e Seu Futuro trata dos sintomas
que produzem as perturbações no desenvolvimento desse processo e de
como a sociedade tecnoindustrial inevitavelmente afeta o processo de poder
dos indivíduos. E as ideias dessa parte são fundamentais para se entender
corretamente o restante da obra (por exemplo, em que consiste a verdadeira
liberdade humana, o que realmente é o esquerdismo, por que a tecnologia
moderna inevitavelmente interfere na liberdade humana, etc.).

Todos esses aspectos dessa obra se encaixam e se entrelaçam, dando lugar,


no geral, a um conjunto sobremaneira consistente e firme, que serve para
montar a base teórica de um dos discursos mais contundentes e lúcidos
jamais empunhados contra a tecnologia moderna.
Ao mesmo tempo, deve-se ressaltar que A Sociedade Industrial e Seu
Futuro não é a única obra de Ted Kaczynski.2 Muitas das ideias de A
Sociedade Industrial e Seu Futuro, ali apresentadas de uma forma básica,
são desenvolvidas com muito mais profundidade em vários artigos escritos
posteriormente por Kaczynski. É de se lamentar que muitos desses artigos
ainda não se encontram traduzidos e publicados em português.3
A tudo isso vale acrescentar, finalmente, que A Sociedade Industrial e Seu
Futuro está escrita em um estilo sóbrio e conciso, o que torna a sua leitura e
compreensão relativamente fáceis, sem que se perca por isso a sua seriedade
e a sua profundidade.

Último Reducto4 — 2013

Prólogo 5

Temos aqui, enfim, já agora em língua portuguesa, uma nova edição


completa, formal e impressa da obra intitulada Industrial Society And Its
Future, a qual também ficou conhecida como The Unabomber Manifesto,
pela associação que dela se fez com a alcunha de seu único signatário
conhecido: Theodore J. (Ted) Kaczynski — vulgo “The Unabomber”. De
outra antes, impressa em português, só encontramos referências à edição de
uma versão que foi chamada de “Manifesto do Unabomber — o futuro da
sociedade industrial”, publicada em Portugal pela editora Fenda, em 1997,
cerca então de dois anos após a publicação da primeira versão do texto
original.
A presente tradução dessa obra para o português, feita desde sua mais
recente versão espanhola — La Sociedad Industrial y Su Futuro —, foi
acompanhada pelo seu tradutor do inglês e pelo seu editor na Espanha, e
detalhadamente comparada, parágrafo por parágrafo, com a mais nova
edição do texto em inglês, que apareceu na coletânea Technological Slavery
— Theodore J. Kaczynski, Feral House, 2010. Foi dada esta preferência a
uma tradução para a língua portuguesa desde a versão espanhola para
podermos, assim, bem aproveitar o detalhado acompanhamento que o
próprio Ted Kaczynski pôde fazer da tradução para a língua espanhola
(língua essa, em se respeitando as proporções devidas, tão próxima à
portuguesa), e que já agora não poderia mais se repetir. E por fim, durante a
preparação da versão em português, alguns pontos específicos também
chegaram a ser discutidos com Ted Kaczynski — por correspondência, em
inglês.

Sobre a Versão Espanhola de


Industrial Society And Its Future

As Ediciones Isumatag6 trouxeram a público, em 2011, uma nova versão


espanhola de Industrial Society And Its Future, com uma tradução
totalmente nova. A versão de Isumatag manteve a estrutura original dessa
obra: 232 parágrafos, com 36 notas. E vale a pena indicar essa precisão, pois
houve outras edições que simplesmente incorporaram essas notas ao texto
principal. A tradução publicada por Isumatag procedeu de uma versão em
inglês que Ted Kaczynski, preso nos Estados Unidos sob a acusação de
pertencer ao grupo signatário desse manifesto — o Freedom Club —, pôde
finalmente revisar apenas no ano de 2005, apesar do seu original ter sido
publicado em 1995.
Basicamente, essa tradução para o espanhol esteve a cargo de Último
Reducto e foi revisada pelos demais membros do grupo editor da publicação,
bem como por outros colaboradores. O trabalho da nova tradução esteve
dificultado por diversas razões. Uma delas é que, justamente quando se ia
enviar a Ted Kaczynski um esboço da tradução para que ele mesmo a
revisasse, as autoridades estadunidenses ordenaram que as cartas e os textos
dirigidos a aprisionados acusados de terrorismo, se estivessem em um
idioma diferente do inglês, deveriam ser analisados através de uma perícia
oficial. Isso provocou atrasos, praticamente impossibilitando que se
mantivesse uma correspondência em espanhol (idioma em que Ted
Kaczynski é fluente) e fazendo com que a continuação da discussão sobre os
aspectos técnicos da tradução tivesse de ser feita exclusivamente em inglês.
E o pior de tudo: grande parte da tradução não pôde ser revisada por Ted
Kaczynski, para o grande pesar do grupo de Isumatag. Ainda assim, os
próprios membros desse grupo creem e afirmam que o derradeiro resultado
desse trabalho foi de boa qualidade, já que se apoia em debates e discussões
tais, nalguns casos de anos até, que facilitaram a compreensão dessa obra —
no todo e em seus numerosos detalhes.7
Ted Kaczynski chegou a dar sua permissão, ao grupo de Isumatag, para
que fizesse pequenas modificações no texto traduzido; todavia, essas
modificações seriam e foram feitas somente quando necessárias à sua
adaptação ao contexto espanhol, facilitando assim a compreensão desse
manifesto — modificações que, em geral, facilitam também sua
compreensão em português. Algumas dessas modificações estão indicadas e
explicadas como notas de tradução. O próprio Ted Kaczynski redigiu outras
novas notas, que tratam de explicar com mais precisão alguns dos conteúdos
da obra, as quais o leitor poderá ir acompanhando ao longo do texto.
A publicação original desse manifesto foi precedida pelo envio de uma
série de pacotes-bomba, o que foi reivindicado pelo grupo Freedom Club —
FC. Ao longo de mais de 15 anos, nos Estados Unidos, esses pacotes-bomba
causaram três mortes e deixaram vários feridos. Em 1995, o FC propôs um
acordo à imprensa nacional estadunidense: abandonaria o envio de pacotes-
bomba em troca da publicação de um manifesto. Esse manifesto era A
Sociedade Industrial e Seu Futuro, que foi publicado em vários periódicos, e
também na Internet, poucos meses depois. No ano seguinte, Ted Kaczynski
seria detido, acusado de pertencer ao FC.
Apesar de ser obra de um grupo terrorista, não se pode considerar, sob
uma ótica racional, que esse manifesto seja um argumento em favor do
terrorismo. O objetivo tanto daquela edição em espanhol quanto o desta
nossa edição em português é o de se fazer conhecer as ideias do Freedom
Club, pela importância histórica de seu manifesto e pela atualidade das
questões que este propõe. Com a publicação dessa obra, pois, não se
pretendia nem se pretende justificar ou fomentar atos ilegais, e sim veicular
ideias que ainda não teriam encontrado outros caminhos melhores, ao menos
não na língua portuguesa.

Principais Ideias dessa Obra

Sem qualquer dúvida, uma ideia que essa obra trata de transmitir é a de
como e por que o desenvolvimento tecnológico converteu-se em uma
ameaça para a liberdade individual e para a Natureza selvagem. Daí então
que seu texto analisa, pormenorizadamente, um dos transtornos mais
importantes na atualidade: a sensação de vazio, de ausência de plenitude da
vida que afeta muitas pessoas. O texto detecta uma incompatibilidade entre
alguns traços da natureza humana, o que se denomina “processo de poder”, e
as formas de vida que os humanos têm de adotar sob o condicionamento da
sociedade tecnoindustrial. Ora, o modo pelo qual as pessoas tratam de
escapar a essa incompatibilidade, ou de minimizá-la, costuma afetar seus
comportamentos. O texto ilustra isso com os exemplos das motivações dos
cientistas e dos esquerdistas. Esses últimos são considerados, nesse
manifesto, como mais uma evidência dos problemas que causa a sociedade
tecnoindustrial, ao se intrometer na necessidade humana de experimentar o
processo de poder. Tal intromissão costuma levar muitas pessoas a se
envolverem em atividades políticas para tratar de satisfazer a essa
necessidade, ainda que as justifiquem de outras maneiras. Desse modo, o
texto adentra pelo núcleo de uma crítica ao esquerdismo que é digna de ser
mantida sempre, e muito em conta.
A crítica e a caracterização do desenvolvimento tecnológico ocupa a
maioria das páginas do livro. Nessa obra, se analisa a sociedade tecnológica
atual como um todo indivisível, do qual umas partes dependem de outras,
irremediavelmente, e no qual é bastante complicado fazer modificações em
umas partes sem que as outras, por sua vez, encontrem-se afetadas. De fato,
quando se trata de modificações importantes em setores tecnológicos e
econômicos, é inevitável que se produzam mudanças em outras partes da
sociedade. Desde a publicação desse manifesto, quando do ano de 1995, os
avanços tecnológicos sucederam-se sem parar e num ritmo muitíssimo
intenso, e alguns dos tópicos que por então eram tratados como
possibilidades relativamente remotas, já hoje são ameaças iminentes.
Além de oferecer explicações sobre o conjunto interconectado de
tecnologias que forma o sistema tecnoindustrial, o texto do manifesto
adverte sobre a tendência deste sistema de ser independente das vontades
humanas, isto é, de definir seu próprio curso de desenvolvimento. Isso
implica que, cada vez mais, esse sistema se constitui em uma trava à
liberdade dos indivíduos e dos pequenos grupos. O manifesto tampouco quer
dar a entender que seja essa a única trava, e sim, porém, que é a
fundamental, aquela da qual derivam, indireta ou diretamente, mais
restrições à liberdade. Mas a liberdade da qual se está então a falar tem uma
relação direta com o processo de poder: seria como um gozar de autonomia
— ao defrontar-se com esse processo — com finalidades verdadeiramente
importantes e com sentido (por exemplo, as necessidades físicas vitais).
(Conferir os seus parágrafos 93-98: “A natureza da liberdade”.)
Assim como essa liberdade, entendida como autonomia no processo de
poder, é proposta como um valor básico, outro ideal fundamental proposto é
o da Natureza selvagem (parágrafos 183-184). Isso está bem apontado e
comentado pelo tradutor para o espanhol, em várias das notas; nelas se
destaca como esse ideal está mais bem espraiado pela cultura anglo-saxã
que, por exemplo, pela cultura hispânica — e o mesmo podemos dizer
quanto às culturas lusófonas (em países como Angola, Brasil ou Portugal).
Espera-se que essa característica diferencial não se constitua em uma
barreira intransponível, e que o leitor dela se aproxime mais com curiosidade
que com prejuízo.
Outro aspecto notável desse manifesto é sua visão da história humana e da
evolução das sociedades (conferir os parágrafos 99-110: “Alguns princípios
acerca da história”). No seu texto, é reconhecida a complexidade dessa
evolução (e, desta, derivam mesmo dois desses tais “princípios”); entretanto,
se reconhece também que existem algumas tendências gerais ao longo do
tempo, e que estas devem ser levadas em conta ao se esboçar uma solução
para o problema do desenvolvimento tecnológico. De fato, tais padrões no
comportamento das sociedades ao longo do tempo relacionam-se com
muitos outros problemas, conquanto as pessoas que pretendem solucioná-
los, normalmente, nem mesmo o percebam, tendo seus esforços convertidos
em meras tentativas inúteis.
E, finalmente, a estratégia proposta para solucionar o problema do
desenvolvimento tecnológico — uma revolução cujo único objetivo é a
eliminação da sociedade tecnoindustrial — pode ser qualificada de muitas
maneiras, contudo é algo que bem merece uma séria discussão.

Algumas Razões pelas quais


Interpretam-se Mal as Ideias do Manifesto

A principal razão pela qual as ideias apresentadas nesse manifesto, tantas


vezes, não puderam ser avaliadas em sua completude, está relacionada com
o modo pelo qual foram dadas a conhecer. Ao ser apresentada nos meios de
comunicação de massas, o que se ressaltou dessa obra foram seus aspectos
mais espetaculares e apelativos. Esses meios introduzem, em sua forma de
mostrar as coisas, efeitos tais de distorção e de desfiguração das ideias até
que estas possam ser tratadas do modo como convém à mídia. E isso tão
somente no caso de que sequer as tratem, pois há ocasiões em que esses
meios se limitam a especular sobre o perfil psicológico de quem defende tais
ideias — como ocorreu, em muitos casos, nos Estados Unidos, após a
publicação dessa obra.
Parece haver até mesmo, da parte de alguns editores e comentaristas, uma
séria dificuldade em se compreender algumas das ideias de A Sociedade
Industrial e Seu Futuro (por exemplo, a crítica ao esquerdismo), e a
excessiva facilidade de se contornar aspectos básicos da obra (por exemplo,
sua defesa da Natureza selvagem como ideal principal e básico). Certo é que
esse manifesto não oferece uma definição concisa do termo “esquerdismo”;
oferece, contudo, uma série de características definidoras e de critérios úteis
para se discernir, suficientemente, certos pontos importantes. Assim, por
exemplo, quando alguns dos que anteriormente editaram essa obra criticam o
seu suposto “machismo”8, de certa maneira, se estão revelando como
elementos aproximados do esquerdismo. Essa impressão fica confirmada
pelas temáticas que são tratadas pelo resto das obras publicadas por esses
editores. A sua necessidade psicológica de se rebelar leva-os a concentrar
sua atenção em assuntos que são insignificantes (como, por exemplo, o uso
de uma linguagem politicamente correta), quando comparados com os da
restrição da liberdade e da destruição da Natureza selvagem.
É costumeiro, também, identificar-se o esquerdismo — que esse
manifesto tanto põe-se a criticar — unicamente com o reformismo, e isso é
um erro. Boa parte dos grupos e indivíduos habitualmente considerados
revolucionários, na atualidade e no passado, mostram de fato muitas das
características disso que o FC chama de esquerdismo.
O próprio texto desse manifesto terá dado, talvez, algum embasamento a
essa confusão, ao não ser suficientemente preciso em sua definição de
esquerdismo, ou por usar como exemplos revoluções e movimentos
revolucionários históricos de caráter marcadamente esquerdista;9 no entanto,
claro está que a crítica do FC ao esquerdismo não tem sido bem
compreendida — e isso, por muita gente.

A Sociedade Industrial
e Seu Futuro

Freedom Club — FC
Introdução

1. A Revolução Industrial e suas consequências têm sido um desastre para


a espécie humana. Têm aumentado consideravelmente a expectativa de vida
daqueles de nós que vivem em países “avançados” — todavia, têm também
desestabilizado a sociedade, têm feito com que a vida não tenha plenitude,
têm submetido os seres humanos a indignidades, têm levado a um
incremento do sofrimento psicológico (também do sofrimento físico, no
Terceiro Mundo) e têm infligido severos danos ao mundo natural. O
contínuo desenvolvimento da tecnologia irá piorar essa situação. É certo que
isso submeterá os seres humanos a grandes indignidades e que infligirá
maior dano ao mundo natural; provavelmente, acarretará mais transtornos
sociais e sofrimento psicológico, e pode até ser que incremente o sofrimento
físico, inclusive em países “avançados”.

2. O sistema tecnoindustrial pode sobreviver ou pode desagregar-se. Se


sobreviver, PODE ser que, afinal, alcance um baixo nível de sofrimento
físico e psicológico, porém somente após passar por um longo e bem
doloroso período de ajustamento, e somente ao custo de reduzir
permanentemente os seres humanos e muitos outros organismos vivos à
condição de produtos de engenharia e de meras engrenagens da maquinaria
social. E, mais que isso, se o sistema sobreviver, essas consequências se
tornarão inevitáveis: não há qualquer maneira de se reformar ou modificar o
sistema de modo a impedi-lo de privar as pessoas de dignidade e autonomia.

3. Se o sistema desagregar-se, as consequências serão ainda muito


dolorosas. Contudo, quanto mais o sistema cresça, mais desastrosos serão os
efeitos de sua desagregação; por isso, havendo de desagregar-se, melhor que
o seja o quanto antes.

4. Por conseguinte, nós advogamos uma revolução contra o sistema


industrial. Essa revolução pode fazer uso da violência ou pode não fazê-lo;
pode ser repentina ou pode ser um processo relativamente gradual, que dure
por algumas décadas. Isso é algo que nós não podemos prever. Mas
apresentaremos aqui, de um modo bem geral, medidas que aqueles que
odeiam o sistema industrial deveriam tomar para preparar-se o caminho para
a revolução contra essa forma de sociedade. Essa não será uma revolução
POLÍTICA. O objetivo não será derrubar governos, e sim derrubar as bases
econômicas e tecnológicas da sociedade atual.

5. Neste texto, mantivemos nossa atenção somente sobre alguns dos


efeitos negativos do sistema tecnoindustrial. Outros desses efeitos nós
mencionamos apenas brevemente, ou desconsideramos totalmente. Isso não
significa que consideremos esses outros efeitos como desprovidos de
importância. Por motivos práticos, limitamos nossa discussão àquelas áreas
que não têm recebido suficiente atenção por parte do público, ou acerca das
quais temos algo novo a dizer. Por exemplo, dado que já existem
movimentos ecologistas e de defesa dos ecossistemas selvagens,10 e
movimentos até bem desenvolvidos, temos pouco escrito aqui acerca da
degradação ambiental ou da destruição dos sertões selvagens, mesmo que
consideremos que tais temas sejam muito importantes.

A Psicologia do Esquerdismo Moderno

6. Quase todo mundo concordará que vivemos em uma sociedade


profundamente transtornada. Uma das manifestações mais amplas da loucura
do mundo atual é o esquerdismo, de modo que uma discussão sobre a
psicologia do esquerdismo pode servir como introdução à discussão dos
problemas da sociedade moderna em geral.

7. Mas o que é o esquerdismo? Durante a primeira metade do século XX,


o esquerdismo podia praticamente ser identificado com o socialismo. Mas,
hoje em dia, esse movimento está fragmentado, e já não está claro a quem,
com propriedade, se pode chamar de esquerdista. Neste texto, quando
falamos dos esquerdistas, temos em mente principalmente os socialistas,
coletivistas, tipos “politicamente corretos”, feministas, ativistas por direitos
dos homossexuais e dos incapacitados, defensores dos direitos dos animais e
gente assemelhada. Entretanto, nem todo mundo relacionado com algum
desses movimentos é um esquerdista. Em nossa discussão, tratamos de nos
referir menos a um movimento ou a uma ideologia, e mais a um tipo
psicológico, ou melhor, a um conjunto de tipos relacionados entre si. De
qualquer modo, o que queremos dizer com “esquerdismo” terá de ser
esclarecido no transcurso de nossa discussão da psicologia esquerdista.
(Vejam-se também os parágrafos 227-230.)

8. Ainda assim, nossa concepção de esquerdismo ficará bem menos


esclarecida do que nos agradaria — porém não parece haver qualquer
solução para isso. Tudo o que aqui pretendemos fazer é indicar, em linhas
gerais e de um modo aproximado, as duas tendências psicológicas que
acreditamos serem as principais forças diretrizes do esquerdismo moderno.
De nenhuma maneira pretendemos dizer TUDO o que realmente pode ser
dito acerca da psicologia esquerdista. Nossa discussão é aplicável somente
ao esquerdismo moderno. Deixamos aberta a questão de até onde poderia ser
aplicada nossa discussão aos esquerdistas do século XIX e dos princípios do
século XX.

9. As duas tendências psicológicas nas quais o esquerdismo moderno se


embasa, nós iremos chamá-las de sentimentos de inferioridade e de
sobressocialização. Os sentimentos de inferioridade são característicos de
todo o esquerdismo moderno, enquanto a sobressocialização é característica
somente de certo setor do esquerdismo moderno; esse setor, contudo, é
muito influente.

Sentimentos de Inferioridade

10. Por “sentimentos de inferioridade” entendemos não apenas os


sentimentos de inferioridade em sentido estrito como também todo um
espectro de traços com os quais podemos relacioná-los: baixa autoestima,
sentimentos de impotência, tendências depressivas, derrotismo, sentimentos
de culpa, desprezo por si mesmo, etc. Afirmamos que os esquerdistas
modernos tendem a apresentar alguns desses sentimentos (mais ou menos
reprimidos), e que tais sentimentos são decisivos na determinação da direção
do esquerdismo moderno.

11. Quando alguém interpreta como depreciativo quase tudo o que se diga
acerca dele (ou acerca de grupos com os quais se identifica), consideramos
que sofre de sentimentos de inferioridade ou baixa autoestima. Essa
tendência é bem definida nos ativistas a favor dos direitos das minorias,
pertençam ou não aos grupos minoritários cujos direitos defendam. São
hipersensíveis acerca de palavras usadas para designar as minorias e acerca
de qualquer outra coisa que se diga em referência a elas. Os termos “preto”,
“crioulo”, “deficiente” — em respectiva referência a negros africanos e
afrodescendentes em geral, a negros e mulatos (no Brasil) em particular, ou a
pessoas com deficiências físicas ou mentais — não tinham, originalmente,
um sentido depreciativo. “Preto” era o mero equivalente a “pessoa de cor
negra”, e “crioulo” (no Brasil) era simplesmente uma sinonímia para nativos
negros ou mulatos.11 As conotações negativas têm sido associadas a esses
termos pelos próprios ativistas. Alguns ativistas pelos direitos dos animais
têm chegado ao extremo de recusar o uso da palavra “mascote” e insistir em
que seja substituída por “animal de companhia”. Antropólogos de tendência
esquerdista são capazes de tudo para evitar dizer algo acerca dos povos
primitivos que possa ser interpretado como negativo. Querem substituir o
termo “primitivos” por “sem escrita”. Parecem quase paranoicos a respeito
de qualquer coisa que possa sugerir que alguma cultura primitiva seja
inferior à nossa. (Não estamos dizendo que as culturas primitivas SEJAM
inferiores à nossa. Somente destacamos essa hipersensibilidade dos
antropólogos de tendência esquerdista.)

12. Aqueles que são os mais suscetíveis à terminologia “politicamente


incorreta” não são, em geral, o habitante comum de um “gueto negro”, o
imigrante estrangeiro asiático,12 a mulher vítima de maus-tratos ou a pessoa
deficiente, porém, sim, uma minoria de ativistas, muitos dos quais nem
mesmo pertencem a qualquer grupo “oprimido”, provenientes que são de
estratos mais privilegiados da sociedade. A correção política cerca-se de
seus mais firmes defensores entre os professores universitários, os quais têm
empregos seguros com uma boa remuneração, e são, em sua maioria, varões
brancos heterossexuais de famílias de classe média alta.

13. Muitos esquerdistas apresentam uma veemente identificação com os


problemas de grupos tidos como frágeis (mulheres), derrotados (índios
norte-americanos), sórdidos (homossexuais) ou, de algum modo, inferiores.
Os próprios esquerdistas percebem tais grupos como inferiores. Nunca
reconheceriam para si mesmos que têm essa percepção; contudo,
identificam-se com os problemas desses grupos precisamente porque os
visualizam como inferiores. (Não estamos sugerindo que as mulheres, os
índios, etc., SEJAM inferiores; somente estamos tentando explicar algo da
psicologia esquerdista.)

14. As feministas estão sempre desesperadamente ansiosas por provar que


as mulheres são tão fortes e capazes quanto os homens. Claro está que as
oprime o medo de NÃO serem tão fortes e capazes quanto os homens.

15. Os esquerdistas tendem a odiar qualquer coisa que tenha fama de ser
forte, de ser boa e de ter êxito. Odeiam os Estados Unidos, odeiam a
civilização ocidental, odeiam os varões de raça branca, odeiam a
racionalidade. Está claro que as razões que os esquerdistas alegam para odiar
o ocidental, etc., não correspondem aos seus verdadeiros motivos. Eles
DIZEM que odeiam o Ocidente porque é belicista, imperialista, sexista,
etnocêntrico e coisas assim desse estilo; contudo, quando esses mesmos
defeitos ocorrem em países socialistas ou em culturas primitivas, os
esquerdistas encontram desculpas para tudo, ou, no melhor dos casos,
admitem RELUTANTEMENTE sua existência; entretanto, apontam
ENTUSIASTICAMENTE tais falhas (e muitas vezes, com muito exagero)
quando estas aparecem na civilização ocidental. Está claro, portanto, que
esses defeitos não são o verdadeiro motivo pelo qual os esquerdistas odeiam
os Estados Unidos e o ocidental. Odeiam os Estados Unidos e o Ocidente
porque estes são fortes e exitosos.

16. Expressões como “confiança em si mesmo”, “autossuficiência”,


“iniciativa”, “empreendedorismo”, “otimismo”, etc., jogam um papel
insignificante no vocabulário liberal e esquerdista. O esquerdista é anti-
individualista, pró-coletivista. Ele espera que a sociedade resolva os
problemas dos indivíduos em lugar de eles mesmos os resolverem, que
satisfaça as necessidades dos indivíduos em vez de eles o fazerem por si
mesmos, que cuide deles. Ele não é o tipo de gente que acredita ser capaz de
resolver seus próprios problemas e satisfazer suas próprias necessidades —
por si mesmo. O esquerdista é contrário ao conceito de competência porque,
no fundo, sente-se um fracassado.
17. As formas de arte que atraem os intelectuais modernos de orientação
esquerdista tendem a acercar-se da sordidez, da derrota e do desespero, ou,
quando não, assumem um tom orgiástico, abandonando todo o controle
racional, como se não houvesse a esperança de se alcançar o que quer que
fosse por meio do cálculo racional, e tudo o que se pudesse fazer fosse
submergir nas sensações de cada momento.

18. Os filósofos modernos de orientação esquerdista tendem a recusar a


razão, a ciência, a realidade objetiva, e insistem em considerar tudo como
culturalmente relativo. É certo que se pode fazer perguntas sérias acerca das
bases do conhecimento científico e de como se definir, no caso disso ser
possível, o conceito de realidade objetiva. Mas é óbvio que os filósofos
modernos que simpatizam com o esquerdismo não são, tão simplesmente,
uns frios especialistas em lógica que analisam sistematicamente as bases do
conhecimento. Os seus ataques à verdade e à realidade mostram uma
profunda implicação emocional. Eles atacam tais conceitos devido às suas
próprias necessidades psicológicas. De um lado, seu ataque é uma forma de
aliviar sua hostilidade, e, de outro lado, na medida em que o ataque tenha
êxito, satisfaz sua necessidade de poder. E o mais importante ainda: o
esquerdismo odeia a ciência e a racionalidade porque estas classificam certas
crenças como verdadeiras (isto é, exitosas, superiores) e outras crenças como
falsas (isto é, fracassadas, inferiores). Os sentimentos de inferioridade do
esquerdista são tão profundos que ele não pode tolerar classificação alguma,
de umas coisas como exitosas ou superiores e de outras como fracassadas ou
inferiores. Isso subjaz também a rejeição de muitos esquerdistas ao conceito
de enfermidade mental, e à utilidade dos testes de quociente intelectual. Os
esquerdistas são contrários às explicações das capacidades ou do
comportamento humano por determinação genética porque tais explicações
tendem a fazer com que algumas pessoas pareçam superiores e outras
inferiores. Os esquerdistas preferem que o mérito ou a culpa da capacidade
ou da incapacidade dos indivíduos recaia sobre a sociedade. Desse modo, se
uma pessoa é “inferior”, não é culpa sua, senão da sociedade, pois essa
pessoa não terá sido criada e educada adequadamente.

19. O esquerdista típico não é o tipo de gente cujos sentimentos de


inferioridade façam dele um fanfarrão, um egoísta, um valentão ou um
competidor desapiedado. Essas pessoas ainda não perderam, ao menos
completamente, sua confiança em si mesmas. Elas têm um déficit em sua
sensação de poder e em sua autoestima, contudo, ainda podem imaginar-se a
si mesmas com a capacidade de serem fortes — e são seus esforços por
fazerem-se fortes que produzem seus comportamentos desagradáveis.[NOTA 1]
Mas o esquerdista está muito longe disso. Os seus sentimentos de
inferioridade são tão arraigados que não pode imaginar-se como alguém
individualmente forte e valoroso. Daí o coletivismo do esquerdista. Ele se
sente forte somente como membro de uma grande organização ou de um
movimento de massas com os quais possa se identificar.

20. Note-se a tendência masoquista das táticas esquerdistas. Os


esquerdistas protestam jogando-se na frente de veículos, provocam
intencionalmente a polícia ou os racistas para que estes os maltratem, etc.
Essas táticas, muitas vezes, podem ser efetivas, porém muitos esquerdistas
as utilizam não como um meio para alcançar um fim, e sim porque
PREFEREM as táticas masoquistas. O desprezo por si mesmo é uma
característica esquerdista.

21. Os esquerdistas podem afirmar que os motivos de seu ativismo são a


compaixão ou os princípios morais, e a moral, certamente, desempenha
algum papel no caso do esquerdista sobressocializado. Mas a compaixão e os
princípios morais não podem ser os principais motivos do ativismo
esquerdista. A hostilidade é um componente muito destacado no
comportamento esquerdista; igualmente o é a busca pelo poder. E mais, boa
parte do comportamento esquerdista não está racionalmente calculada de
modo a beneficiar aquela gente a qual os esquerdistas afirmam estar tratando
de ajudar. Por exemplo, se alguém crê que as ações afirmativas13 são boas
para as pessoas negras, qual o sentido de demandá-las em termos hostis ou
dogmáticos? Obviamente, seria mais produtivo tomar uma atitude
diplomática e conciliatória que fizesse, ao menos, algumas concessões
verbais e simbólicas, de modo a tranquilizar as pessoas que porventura
pensassem que as ações afirmativas, em favor dos negros, fossem também
ações contrárias aos brancos. Mas os ativistas esquerdistas não assumem
essa atitude porque isso não satisfaria suas necessidades emocionais. Ajudar
as pessoas negras não é, realmente, o seu objetivo. Em vez disso, os
problemas raciais lhes servem como desculpas para expressar sua própria
hostilidade e tratar de satisfazer sua frustrada necessidade de poder. Ao fazer
isso, na realidade, prejudicam as pessoas negras, pois a atitude hostil dos
ativistas para com a maioria branca tende a intensificar o ódio racial.

22. Se nossa sociedade não tivesse, em absoluto, quaisquer problemas


sociais, os esquerdistas teriam de INVENTÁ-LOS — com a finalidade de
providenciarem a si mesmos desculpas para armarem as suas confusões.

23. Enfatizamos ainda que o que aqui expomos não pretende ser uma
descrição precisa de todos aqueles indivíduos que poderiam ser considerados
esquerdistas. É apenas uma rudimentar indicação de uma tendência geral do
esquerdismo.

Sobressocialização

24. Os psicólogos usam o termo “socialização” para designar o processo


pelo qual as crianças14 são instruídas a pensar e atuar do modo que a
sociedade exige. Diz-se que uma pessoa está bem socializada se ela acredita
no código moral de sua sociedade, se ela o obedece e se adapta bem em ser
um elemento funcional dessa sociedade. Poderia parecer absurdo dizer-se
que muitos esquerdistas estão sobressocializados, posto que os esquerdistas
são tomados comumente por rebeldes. No entanto, essa ideia pode ser
defendida. Muitos esquerdistas não são tão rebeldes como parecem.

25. O código moral de nossa sociedade é tão exigente que ninguém pode
pensar, sentir e atuar de um modo completamente moral. Por exemplo, é
para supormos que nunca devemos odiar os outros; entretanto, quase todo
mundo odeia alguém em algum momento de sua vida, quer o reconheça ou
não. Algumas pessoas encontram-se tão fortemente socializadas que a
exigência de pensar, sentir e atuar moralmente torna-se para eles uma carga
pesada. Assim, têm de se autoiludir continuamente acerca dos verdadeiros
motivos de seus atos e buscar explicações morais para sentimentos e atos
que, na realidade, não têm uma origem moral — para evitar, dessa maneira,
os sentimentos de culpa. Usamos o termo “sobressocializada” para descrever
uma pessoa dessas.[NOTA 2]
26. A sobressocialização pode provocar baixa autoestima, sensação de
impotência, derrotismo, sentimentos de culpa, etc. Um dos meios mais
importantes pelos quais nossa sociedade socializa as crianças é fazendo-as se
sentirem envergonhadas quando o seu modo de se comportar ou de falar é
contrário às expectativas da sociedade. Se isso é feito excessivamente a uma
criança, ou se a criança, em particular, é especialmente suscetível quanto a
esses sentimentos, acabará se sentindo envergonhada de SI MESMA. E
ainda algo mais: o pensamento e a conduta da pessoa sobressocializada
encontram-se mais restringidos pelas expectativas da sociedade que os da
pessoa levemente socializada. As pessoas, em sua maioria, comportam-se
mal em muitas ocasiões. Mentem, cometem pequenos furtos, infringem as
normas de tráfego, ficam vagabundeando, odeiam alguém, praguejam ou
jogam sujo para obter vantagem sobre outras pessoas. A pessoa
sobressocializada não pode fazer coisas desse tipo, ou, se o fizer, isso lhe
provoca uma sensação de vergonha e desprezo por si mesma. A pessoa
sobressocializada não pode, sem sentir-se culpada, sequer experimentar
pensamentos ou sentimentos que sejam contrários à moralidade vigente; não
pode ter pensamentos “impuros”. E a socialização não é somente uma
questão de moralidade; somos socializados para assumir muitas normas de
comportamento que não pertencem ao domínio da moralidade. Assim é que
a pessoa sobressocializada se encontra presa por grilhões psicológicos, e
passa pela vida sem se desviar da trilha que a sociedade lhe determinou. Isso
provoca, em muitas das pessoas sobressocializadas, uma sensação de
restrição e impotência que pode se tornar uma pesada carga. Consideramos,
pois, que a sobressocialização é uma das mais graves crueldades que os seres
humanos infligem uns aos outros.

27. Afirmamos que um segmento muito importante e influente do


esquerdismo moderno está sobressocializado, e que sua sobressocialização
tem grande importância na determinação da direção do esquerdismo
moderno. Os esquerdistas do tipo sobressocializado costumam ser
intelectuais ou membros da classe média alta. Há de se notar que os
intelectuais universitários[NOTA 3] constituem o segmento mais fortemente
socializado de nossa sociedade, e também o mais orientado à esquerda.

28. O esquerdista do tipo sobressocializado, rebelando-se, pretende


despojar-se de seus grilhões psicológicos e afirmar sua autonomia. Mas,
normalmente, não é suficientemente forte para rebelar-se contra os valores
mais básicos da sociedade. De maneira geral, as metas dos esquerdistas da
atualidade NÃO entram em conflito com a moralidade vigente. Ao contrário,
a esquerda toma um princípio moral estabelecido, adota-o como próprio e,
daí então, acusa a sociedade convencional de violar tal princípio. Exemplos:
igualdade racial, igualdade de sexos, auxílio às pessoas pobres, paz em
oposição à guerra, não violência em geral, liberdade de expressão, rejeição
dos maus-tratos aos animais. Algo mais fundamental ainda: o dever dos
indivíduos de servir à sociedade e o dever da sociedade de cuidar dos
indivíduos. Todos esses valores estão profundamente arraigados em nossa
sociedade (ou, ao menos, em suas classes média e alta[NOTA 4]), desde há muito
tempo. Esses valores estão explícita ou implicitamente expressos ou
pressupostos na maior parte das matérias que nos apresentam os grandes
meios de comunicação ou o sistema educacional. Os esquerdistas,
especialmente os do tipo sobressocializado, normalmente não se rebelam
contra tais princípios, porém, justificam sua hostilidade para com a
sociedade afirmando (não sem certo grau de razão) que esta não está
funcionando baseada nesses princípios.

29. Tomemos agora um exemplo ilustrativo do modo pelo qual o


esquerdista sobressocializado demonstra como é real o seu apego pelas
atitudes convencionais de nossa sociedade — enquanto pretende estar
rebelando-se contra ela. Muitos esquerdistas pressionam para que ocorram
ações afirmativas, para que se admita gente negra em postos de trabalho de
alto prestígio, para que se melhore a educação nas escolas dos negros e para
que se destinem mais verbas para essas escolas — considerando como uma
desgraça social o modo de vida das “classes baixas” negras. Querem integrar
o negro ao sistema, fazer dele um homem de negócios, um advogado, um
cientista — à imagem e semelhança dos brancos de classe média alta. Os
esquerdistas replicarão que a última coisa que desejam é converter o negro
numa cópia do branco; que desejam, em lugar disso, preservar a cultura afro-
americana. Mas em que consiste essa tal preservação da cultura afro-
americana? Dificilmente poderá se consistir em algo mais que comer da
comida feita no estilo dos negros, escutar música negra, vestir roupa no
estilo dos negros e ir a uma igreja de negros ou a uma mesquita. Em outras
palavras, essa cultura pode se expressar por si mesma somente em questões
superficiais. Em todos os aspectos ESSENCIAIS, a maioria dos esquerdistas
do tipo sobressocializado quer que o negro se ajuste aos ideais da classe
média branca. Quer que se forme em carreiras técnicas, que se transforme
em um executivo ou em um cientista, que passe sua vida esforçando-se por
aumentar seu status — para provar que os negros são tão bons quanto os
brancos. Quer que os pais negros se tornem “responsáveis”, quer que as
gangues de negros deixem de ser violentas, etc. Mas esses são, precisamente,
os valores do sistema tecnoindustrial. Ao sistema, é indiferente o tipo de
música que as pessoas escutem, ou a roupa que vistam, ou a religião em que
creiam, desde que assistam às suas aulas na escola, tenham um trabalho
respeitável, se esforcem por atingir um status mais alto, sejam pais
“responsáveis”, não sejam violentos e coisas desse tipo. De fato, por mais
que se tente negá-lo, o esquerdista sobressocializado quer integrar o negro ao
sistema e fazê-lo adotar os seus valores.

30. Certamente, não estamos dizendo que os esquerdistas, inclusive os do


tipo sobressocializado, NUNCA se rebelem contra os valores de nossa
sociedade. Está claro que, às vezes, o fazem. Alguns esquerdistas
sobressocializados têm chegado inclusive a rebelar-se contra um dos
princípios mais importantes da sociedade moderna, defendendo o uso da
violência física. Pela sua condição, a violência é, para eles, uma forma de
“libertação”. Em outras palavras, defendendo a violência, eles transgridem
as restrições psicológicas que lhes foram inculcadas. Dado que estão
sobressocializados, essas restrições têm sido mais constritivas para eles que
para os demais; daí que necessitem liberar-se delas. Mas, normalmente,
justificam sua rebeldia baseando-se nos valores predominantes. E se eles se
envolvem em atos violentos, dizem fazê-lo para combater o racismo ou
coisas semelhantes.

31. Somos conscientes de que podem ser feitas muitas objeções a esse
rudimentar esboço da psicologia esquerdista. A situação real é mais
complexa, e propor-se a dela fazer uma descrição completa pressuporia a
escrita de vários volumes, e isso no caso de que todos os dados necessários
estivessem disponíveis. Somente pretendemos haver assinalado muito por
alto as duas tendências mais importantes na psicologia do esquerdismo
moderno.
32. Os problemas do esquerdista são indicativos dos problemas de nossa
sociedade em seu conjunto. A baixa autoestima, as tendências depressivas e
o derrotismo não são apenas coisas da esquerda. Ainda que sejam
especialmente evidentes na esquerda, estão amplamente espalhadas por
nossa sociedade. E a sociedade atual trata de socializar-nos num grau muito
maior que qualquer sociedade do passado. Os especialistas nos ditam
inclusive como comer, como fazer exercícios físicos, como fazer amor, como
criar nossos filhos, etc.

O Processo de Poder

33. Os seres humanos têm a necessidade (provavelmente de origem


biológica) de experimentar o que chamaremos de processo de poder. Isso
está estreitamente relacionado com a necessidade de poder (a qual é
amplamente reconhecida), porém não é exatamente a mesma coisa. Do
processo de poder constam quatro elementos. Aos três mais claramente
definidos vamos chamar de meta, esforço e consecução da meta. (Todo
mundo necessita ter metas cuja consecução requeira esforço e necessita ter
êxito em atingir ao menos algumas de suas metas.) O quarto elemento é mais
difícil de definir, e talvez não seja necessário para todo mundo. Nós o
chamaremos de autonomia e vamos comentá-lo mais adiante (parágrafos 42-
44).

34. Considere-se o caso hipotético de uma pessoa que pudesse ter tudo o
que quisesse quando o desejasse, tão somente. Essa pessoa teria poder,
entretanto, acabaria por desenvolver sérios problemas psicológicos. A
princípio, tudo para ela estaria muito bem; porém, pouco a pouco e cada vez
mais, ela se aborreceria e desmoralizaria. Finalmente, ela poderia acabar
clinicamente deprimida. A história tem nos mostrado que as aristocracias
ociosas tendem a tornarem-se decadentes. Isso não se tem sucedido às
aristocracias guerreiras, que tiveram de lutar para manter o seu poder. As
aristocracias ociosas e acomodadas, que não tiveram a necessidade de
esforçar-se, acabaram normalmente entediadas, convertendo-se em
hedonistas e desmoralizando-se, ainda que tenham tido o poder. Isso
demonstra que o poder não é suficiente. É necessário ter as metas para as
quais se dirigir o exercício do poder.
35. Todo mundo tem metas — mesmo que tais metas tratem apenas de
cobrir as necessidades físicas vitais: o alimento, a água, as vestimentas e
refúgios que o clima faça necessários. Mas os aristocratas ociosos obtiveram
tais coisas sem esforço. Daí, então, que tenham ficado entediados e
desmoralizados.

36. A não consecução de metas importantes tem como resultado a morte,


se as metas são necessidades físicas, e a frustração, se a não consecução de
tais metas é compatível com a sobrevivência. O fracasso continuado na
consecução de metas ao longo da vida desemboca em derrotismo, baixa
autoestima ou depressão.

37. Desse modo, para evitar sérios problemas psicológicos, um ser


humano necessita metas cuja consecução requeira esforço, e terá de
conquistar, quanto à consecução de suas metas, uma quantidade razoável de
êxitos.

Atividades Substitutivas

38. Mas nem todo aristocrata ocioso terá acabado por se aborrecer e
desmoralizar. Por exemplo, o Imperador Hirohito, em vez de se afundar num
hedonismo decadente, dedicou-se à biologia marinha, campo em que se
tornou notável. Quando as pessoas não têm de esforçar-se para satisfazer
suas necessidades físicas, frequentemente impõem metas artificiais a si
mesmas. Em muitos casos, então, perseguem essas metas com a mesma
energia e o envolvimento emocional que, de outra maneira, teriam de
mostrar ao tratar de satisfazer suas necessidades físicas. Dessa maneira, os
aristocratas do Império Romano tinham suas pretensões literárias; muitos
aristocratas europeus, há alguns séculos atrás, investiam uma enorme
quantidade de tempo e energia em caçar, ainda que, certamente, não
precisassem da carne; outros aristocratas têm competido por status através de
elaboradas exibições de riqueza; e uns poucos aristocratas, como Hirohito,
voltaram-se para a ciência.
39. Usamos a expressão “atividade substitutiva” para designar a atividade
dirigida à consecução de uma meta artificial que as pessoas adotam apenas
para ter um objetivo o qual perseguir, ou, digamos assim, apenas pela
“satisfação” que obtenham ao perseguir esse objetivo. Tomemos, então, uma
regra geral para a identificação das atividades substitutivas. Dada uma
pessoa que dedica muito tempo e energia para tratar de alcançar uma meta
X, perguntemos: se tal pessoa tivesse de dedicar a maior parte de seu tempo
e energia para satisfazer suas necessidades biológicas, e se esse esforço lhe
exigisse usar suas faculdades físicas e mentais de uma forma variada e
interessante, ela se sentiria seriamente insatisfeita por não alcançar a meta
X? Se a resposta for negativa, então a perseguição da meta X por parte dessa
pessoa é uma atividade substitutiva. Os estudos de Hirohito sobre biologia
marinha constituíam claramente uma atividade substitutiva, já que não resta
dúvida de que, se Hirohito tivesse de passar seu tempo trabalhando em
tarefas não científicas que lhe interessassem por garantir a obtenção do
necessário para viver, ele não teria se sentido insatisfeito por não saber tudo
acerca da anatomia e dos ciclos vitais dos animais marinhos. Por outro lado,
a busca do sexo e do amor (por exemplo) não é uma atividade substitutiva, já
que a maioria das pessoas, inclusive se sua existência fosse satisfatória em
todos os demais aspectos, sentir-se-ia insatisfeita se passasse suas vidas sem
jamais ter qualquer relação com alguém do sexo oposto. (No entanto, tratar
de se ter uma quantidade excessiva de relações sexuais, além do que alguém
realmente necessita, pode ser uma atividade substitutiva.)

40. Na moderna sociedade industrial é necessário somente um esforço


muito pequeno para se ter satisfeitas as próprias necessidades.15 Basta, para
isso, que se tenha recebido instrução para a aquisição de alguma pequena
destreza técnica e, desde então, que se chegue ao trabalho no seu horário e aí
se realize o modestíssimo esforço que requer a conservação desse emprego.
Os únicos requisitos são um grau de inteligência mediano e, acima de tudo, a
simples OBEDIÊNCIA. Se alguém os cumpre, a sociedade cuida dele desde
o berço até o túmulo. (Há, sim, uma classe muito baixa que não pode
satisfazer facilmente suas necessidades físicas; no entanto, não estamos aqui
falando de grupos minoritários, e sim da maioria da população da
sociedade.) Assim, não é de se surpreender que na sociedade moderna as
atividades substitutivas sejam tão abundantes. Tais atividades incluem o
trabalho científico, as conquistas esportivas, o trabalho humanitário, a
criação artística e literária, a ascensão profissional, o acúmulo de dinheiro e
a aquisição de bens materiais para muito além do ponto da cobertura de
qualquer satisfação física adicional — e o ativismo social, quando centrado
em assuntos que não sejam pessoalmente importantes para o ativista, como
no caso do ativismo dos brancos que trabalham em favor dos direitos das
minorias não brancas. Essas nem sempre são atividades substitutivas
PURAS, já que, para muita gente, podem vir em parte motivadas por outras
necessidades diferentes daquela de se ter uma meta a qual perseguir. O
trabalho científico pode estar parcialmente motivado pela busca de prestígio,
a criação artística por uma necessidade de expressão dos sentimentos, o
ativismo social militante pela hostilidade. Contudo, para a maioria das
pessoas que as levam a cabo, essas atividades são — e em grande medida —
atividades substitutivas. Por exemplo, a maioria dos cientistas
provavelmente concordará que a “satisfação” que alcançam com seu
trabalho é mais importante que o dinheiro e o prestígio que este lhes
proporciona.

41. Para muitas, ou mesmo para a maioria das pessoas, as atividades


substitutivas são menos satisfatórias que a persecução de metas autênticas
(vale dizer, de metas que as pessoas alcançariam inclusive se sua
necessidade de realizar o processo de poder estivesse já satisfeita). Um
indício disso é o fato de que, em muitos ou na maioria dos casos, as pessoas
que estão profundamente envolvidas em atividades substitutivas nunca ficam
satisfeitas, nunca ficam tranquilas. Assim, aquele que ambiciona ganhar
dinheiro se esforça, constantemente, por obter mais e mais riqueza. O
cientista, logo que resolve um problema, já se pretende a resolver o seguinte.
O atleta corredor de longas distâncias, constantemente, se obriga a correr
cada vez mais longe e mais rápido. Muita gente que realiza atividades
substitutivas diz que obtém muito mais satisfação dessas atividades que
obtém da “mundana” tarefa de satisfazer suas necessidades biológicas;
contudo, isso se deve a que, em nossa sociedade, o esforço requerido para
satisfazer as necessidades biológicas tem sido reduzido a algo trivial. Algo
mais importante ainda: em nossa sociedade, as pessoas não satisfazem
AUTONOMAMENTE suas necessidades biológicas, e sim, porém,
funcionando como peças de uma enorme maquinaria social. Em
contrapartida, as pessoas geralmente contam com um elevado grau de
autonomia quando realizam suas atividades substitutivas.
Autonomia

42. A autonomia é uma parte do processo de poder que pode não ser
necessária para todos os indivíduos. Mas a maioria das pessoas necessita de
certo grau de autonomia ao esforçar-se para alcançar suas metas. Seus
esforços devem ser o resultado de sua própria iniciativa e devem estar sob
sua própria direção e controle. Ainda assim, a maioria das pessoas não tem a
necessidade de exercer tal iniciativa, direção e controle de modo
exclusivamente individual. Normalmente, para elas, lhes é suficiente atuar
como membros de um PEQUENO grupo. Desse modo, se meia dúzia de
indivíduos estabelece uma meta comum, deliberando entre si, e realiza com
êxito um esforço conjunto para atingir essa meta, sua necessidade de levar a
cabo o processo de poder se encontrará satisfeita. Mas se trabalha seguindo
ordens rígidas, ditadas desde cima, que não lhe deixem espaço para a decisão
e a iniciativa autônomas, então sua necessidade de experimentar o processo
de poder16 não será satisfeita. O mesmo se sucederá se as decisões, sendo
ainda tomadas de maneira coletiva, forem, contudo, tomadas por um grupo
tão grande que o papel desempenhado por um ou outro indivíduo, ao se
tomar uma decisão, seja insignificante.[NOTA 5]

43. Certo é que alguns indivíduos parecem ter pouca necessidade de


autonomia. Ou a sua necessidade de poder é débil, ou então a satisfazem
identificando-se com alguma organização poderosa a qual pertençam. E
também existem indivíduos irracionais, semelhantes a animais, que parecem
estar satisfeitos com um sentimento de poder puramente físico (o bom
soldado combatente, que obtém sua sensação de poder desenvolvendo
técnicas de luta e que fica bastante contente em pô-las em prática,
obedecendo cegamente a seus superiores).

44. Mas a maioria das pessoas — tendo uma meta, fazendo um esforço
AUTÔNOMO e alcançando essa meta — adquire autoestima, autoconfiança
e a sensação de poder mediante o processo de poder. Quando alguém não
tem a oportunidade adequada para levar a cabo o processo de poder, as
consequências são (dependendo de cada indivíduo e do modo pelo qual o
processo de poder seja perturbado) o tédio, a desmoralização, baixa
autoestima, sentimentos de inferioridade, derrotismo, depressão, ansiedade,
sentimentos de culpa, frustração, hostilidade, maus-tratos ao cônjuge e aos
filhos, hedonismo insaciável, comportamento sexual anormal, transtornos do
sono, transtornos da alimentação, etc.[NOTA 6]

Causas dos Problemas Sociais

45. Quaisquer dos sintomas antes elencados podem ocorrer em qualquer


sociedade, porém estão presentes na sociedade moderna numa escala
massiva. Não somos os primeiros a dizer que, hoje em dia, o mundo parece
estar a enlouquecer. Isso não é o normal nas sociedades humanas. Há boas
razões para se acreditar que o homem primitivo sofria menos estresse e
frustração e que estava mais satisfeito com o seu modo de vida que o homem
moderno. É certo que nem tudo era doçura e suavidade nas sociedades
primitivas. Os maus-tratos às mulheres eram comuns entre os aborígenes
australianos, a transsexualidade era bastante comum entre as tribos indígenas
americanas. Mas parece que, EM TERMOS GERAIS, o tipo de problemas
que enumeramos no parágrafo anterior era muito menos comum entre os
povos primitivos que o é na sociedade moderna.

46. Nós atribuímos os problemas sociais e psicológicos da sociedade


moderna ao fato de tal sociedade cobrar das pessoas que vivam submetidas a
condições radicalmente diferentes daquelas nas quais a espécie humana
evoluiu, e que se comportem de modo a entrar em conflito com os padrões
de comportamento que a espécie humana desenvolveu enquanto vivia
naquelas condições originais. Do que escrevemos até aqui, pode-se deduzir
claramente que consideramos a falta de oportunidades para se experimentar
apropriadamente o processo de poder como a mais importante das condições
anormais às quais a sociedade moderna submete as pessoas. Mas essa
condição não é a única. Antes de começarmos a comentar as perturbações do
processo de poder como causa dos problemas sociais, discutiremos ainda
algumas das outras causas.

47. Entre as condições anormais presentes na sociedade industrial


moderna, cabe se destacar a excessiva densidade populacional, o isolamento
do homem em relação à Natureza, a desmedida rapidez das mudanças sociais
e a decomposição de comunidades naturais de pequena escala, tais como a
grande família, a aldeia ou a tribo.

48. Sabemos bem que a excessiva aglomeração aumenta o estresse e a


agressão. O grau de aglomeração existente hoje em dia e o isolamento do
homem em relação à Natureza são consequências do progresso tecnológico.
Todas as sociedades pré-industriais eram predominantemente rurais. A
Revolução Industrial incrementou enormemente o tamanho das cidades e a
proporção da população que nelas vive. Mesmo assim, a tecnologia agrícola
moderna tornou possível que a Terra suporte uma população muito mais
adensada que qualquer outra das que manteve no passado. (A tecnologia
também agrava os efeitos da alta aglomeração, ao dotar as pessoas com uma
maior capacidade de provocar transtornos. Por exemplo, com uma grande
variedade de aparatos ruidosos: aparadores de plantas, rádios, motocicletas,
etc. Se o uso desses aparatos não é restringido, as pessoas que desejam paz e
silêncio acabam frustradas com o ruído. Se seu uso é restringido, as pessoas
que usam os aparatos acabam frustradas com as normas que regulam esse
uso. Mas se essas máquinas jamais houvessem sido inventadas, não teria
havido qualquer conflito nem haveriam gerado qualquer frustração.)

49. O mundo natural (que normalmente só se transforma lentamente)


oferecia um marco de referência estável para as sociedades primitivas e,
consequentemente, uma sensação de segurança. No mundo moderno, dá-se o
contrário: a sociedade humana domina a Natureza, e a sociedade moderna
transforma-se muito rapidamente, devido à transformação tecnológica. Por
isso, não há um marco de referência estável.

50. Os conservadores são estúpidos: lamentam-se pela perda dos valores


tradicionais enquanto apoiam de maneira entusiástica o progresso
tecnológico e o crescimento econômico. Parece até nunca lhes ter ocorrido
que não se pode fazer mudanças rápidas e drásticas na tecnologia e na
economia de uma sociedade sem causar também mudanças rápidas em todos
os demais aspectos da sociedade, e que essas mudanças rápidas,
inevitavelmente, destroem os valores tradicionais.

51. A destruição dos valores tradicionais, em certa medida, implica a


destruição dos vínculos que mantiveram unidos os grupos sociais
tradicionais de pequena escala. A desintegração dos grupos sociais de
pequena escala também vem sendo provocada pelo fato das circunstâncias
modernas, frequentemente, obrigarem ou incitarem os indivíduos a
mudarem-se para novas localidades, separando-os de suas comunidades.
Ademais, uma sociedade tecnológica TEM DE debilitar os laços familiares e
as comunidades locais, uma vez que pretenda funcionar com eficácia. Na
sociedade moderna, a lealdade individual tem de estar dirigida, primeiro, ao
sistema, e só secundariamente a uma comunidade de pequena escala — uma
vez que, se as lealdades internas das comunidades de pequena escala fossem
mais fortes que a lealdade ao sistema, tais comunidades buscariam seu
próprio benefício a expensas do sistema.

52. Vamos supor que um funcionário público ou um executivo de uma


corporação designa seu primo, seu amigo ou alguém próximo a sua ideologia
para que ocupe um posto, em vez de nomear a pessoa melhor qualificada
para desempenhar esse trabalho. Ele permitiu que a lealdade pessoal
substituísse sua lealdade ao sistema, e isso é “nepotismo” ou
“discriminação”, e ambas as condutas são consideradas terríveis pecados na
sociedade moderna. As sociedades em vias de desenvolvimento, que têm
promovido insuficientemente a tarefa de subordinar as lealdades pessoais ou
locais à lealdade ao sistema são, normalmente, pouco eficientes. (Olhemos,
por exemplo, para a América Latina.) Por isso, uma sociedade industrial
avançada só pode tolerar aquelas comunidades de pequena escala que
tiverem sido castradas, domesticadas e convertidas em ferramentas úteis para
o sistema.[NOTA 7]

53. A aglomeração excessiva da população, a rápida transformação e o


desaparecimento das comunidades têm sido amplamente reconhecidas como
causas de problemas sociais. Mas nós não acreditamos que sejam suficientes
para explicar o alcance dos problemas sociais que se observam hoje em dia.

54. Algumas cidades pré-industriais eram muito grandes, e estavam muito


povoadas; contudo, não parece que seus habitantes sofressem com
problemas psicológicos na mesma medida que o homem moderno. Nos
Estados Unidos, ainda hoje, há zonas rurais pouco povoadas, e nelas
encontramos os mesmos problemas que nas zonas urbanas, apesar desses
problemas tenderem ainda a ser menos graves nas zonas rurais. Assim, pois,
a aglomeração populacional não parece ser o fator decisivo.

55. Nos Estados Unidos, na fronteira de expansão para o extremo Oeste,


durante o século XIX, o deslocamento da população provavelmente
decompôs grandes famílias e grupos sociais de pequena escala ao menos no
mesmo grau em que se decompõem hoje em dia. De fato, naquela época,
muitos núcleos familiares, voluntariamente, decidiam viver num tal grau de
isolamento, sem vizinhos por muitos quilômetros ao redor, que já não
pertenciam a qualquer comunidade em absoluto, e, apesar de tudo, não
parece que isso viesse a resultar no desenvolvimento de problemas
psicológicos.

56. Além disso, a transformação da sociedade no extremo Oeste


estadunidense, no século XIX, foi muito rápida e profunda. Um homem
podia nascer e criar-se em uma cabana de troncos, fora do alcance da lei e da
ordem, alimentando-se em grande medida com carne de animais selvagens; e
antes de alcançar a velhice, podia mesmo chegar a ter um emprego comum e
a viver em uma comunidade ordenada, com instituições voltadas para o
eficaz cumprimento da lei. Essa era uma transformação mais profunda que
aquelas que normalmente se produzem na vida de um indivíduo moderno, e
que, mesmo assim, não aparenta ter acarretado problemas psicológicos. De
fato, a sociedade estadunidense do século XIX mostrava um tom otimista e
de confiança em si mesma, bastante distanciado do tom da sociedade atual.
[NOTA 8]

57. Consideramos, pois, que a diferença está na circunstância de o homem


moderno ter a sensação (em grande medida justificada) da transformação lhe
ser IMPOSTA, enquanto o habitante do extremo Oeste dos Estados Unidos
tinha a sensação (também justificada, em grande medida) de que era ele
mesmo, por vontade própria, quem criava as mudanças que experimentava
em sua vida. Esse era o caso, por exemplo, de um colono assentado em uma
parcela de terreno escolhida por ele mesmo e transformada em uma fazenda
através de seu próprio esforço. Naqueles dias, um condado17, em sua
totalidade, podia contar com apenas algumas centenas de habitantes, e era
uma entidade muito mais autônoma e isolada do que é, hoje em dia, um
condado moderno. Por conseguinte, esse fazendeiro pioneiro participava,
como membro de um grupo relativamente pequeno, da criação de uma nova
e ordenada comunidade. Poderíamos nos perguntar, e o faríamos com toda
razão, se a criação dessa comunidade foi, realmente, uma melhoria —
contudo, de todo modo, isso satisfazia a necessidade do colono de
experimentar o processo de poder.

58. Seria possível dar outros exemplos de sociedades nas quais se


produziram mudanças rápidas e/ou ausência de laços comunitários estreitos
sem que ocorresse o tipo de massivas aberrações do comportamento que
observamos na sociedade industrial atual. Nós afirmamos que a causa
principal dos problemas sociais e psicológicos na sociedade moderna é o
fato das pessoas não terem suficientes oportunidades de experimentar o
processo de poder de um modo normal. Não queremos dar a entender que a
sociedade moderna seja a única na qual se encontrou perturbado o processo
de poder. Provavelmente, a maior parte ou mesmo a totalidade das
sociedades civilizadas tem interferido no processo de poder em maior ou
menor grau. Mas, na sociedade industrial moderna, esse problema tornou-se
especialmente grave. O esquerdismo, ao menos em sua forma recente (desde
meados do século XX), é em parte um sintoma dessa perturbação do
processo de poder.

Perturbações do Processo de Poder


na Sociedade Moderna

59. Dividiremos as necessidades humanas em três grupos: (1) aquelas


necessidades que podem ser satisfeitas com um esforço muito pequeno; (2)
aquelas que, podendo ser satisfeitas, o são, porém, somente ao custo da
realização de um importante esforço; (3) aquelas que não podem ser
adequadamente satisfeitas, seja qual for o esforço que se realize. O processo
de poder é o processo que consiste na satisfação das necessidades do
segundo tipo. Quanto mais as necessidades se situarem no terceiro grupo,
maiores serão a frustração e a raiva, e, finalmente, o derrotismo, a depressão,
etc.

60. Na sociedade industrial moderna, as necessidades humanas naturais


tendem a ser deslocadas para o primeiro e terceiro grupos — e a tendência
do segundo grupo é de ser cada vez mais constituído pelas necessidades
criadas nessa sociedade.
61. Em sociedades primitivas, o atendimento às necessidades físicas
ficaria, geralmente, dentro do grupo 2: elas poderiam ser satisfeitas, porém
somente ao custo de se realizar um esforço importante. Mas a sociedade
moderna tende a garantir a satisfação das necessidades físicas para todo
mundo[NOTA 9] em troca de um esforço muito pequeno; daí que as tentativas de
se atender a essas necessidades as tenham deslocado para o grupo 1. (Pode
haver desacordo sobre se o esforço necessário para alguém se manter em um
emprego é “pequeno”; porém, normalmente, em empregos de um nível baixo
ou médio, o único esforço requerido é meramente a OBEDIÊNCIA.
Permanecer sentado ou em pé onde lhe tenham dito que permanecesse
sentado ou em pé, e fazer o que lhe disseram para fazer do modo como lhe
disseram para fazer. Raras vezes alguém teria de se esforçar seriamente, e,
em qualquer caso, teria bem pouca autonomia ao realizar o seu trabalho, de
modo que a necessidade de experimentar o processo de poder não seria
adequadamente atendida.)

62. Na sociedade moderna, as necessidades sociais — tais como o sexo, o


amor e o status — frequentemente permanecem no grupo 2, dependendo da
situação do indivíduo.[NOTA 10] Mas, salvo no caso das pessoas que têm uma
necessidade especialmente forte de status, o esforço requerido para se
resguardar as necessidades sociais é insuficiente para satisfazer
adequadamente a necessidade de se experimentar o processo de poder.

63. Assim, certas necessidades artificiais têm sido criadas para fazer parte
do grupo 2, e, deste modo, satisfazer a necessidade de se experimentar o
processo de poder. A publicidade e as técnicas de marketing têm sido
desenvolvidas de tal modo que muita gente sinta a necessidade de coisas que
seus avós nunca desejaram, ou mesmo que nem sequer imaginaram. É
requerido um sério esforço para se ganhar dinheiro o suficiente para se
satisfazer a essas necessidades artificiais, e, por isso, tais necessidades
pertencem ao grupo 2. (Entretanto, vejam-se os parágrafos 80-82.) O homem
moderno tem de satisfazer sua necessidade de experimentar o processo de
poder principalmente através da persecução de necessidades criadas pela
indústria da publicidade e do marketing,[NOTA 11] assim como através da
realização de atividades substitutivas.
64. Parece mesmo que, para muita gente, talvez para a maioria das
pessoas, essas formas artificiais do processo de poder são insuficientes. Um
tema que aparece repetidamente nos escritos dos críticos sociais da segunda
metade século XX é a sensação de falta de objetivos vitais que aflige muita
gente na sociedade moderna. (Essa falta de objetivos, frequentemente, é
designada com outros nomes, tais como “anomia” ou como “vazio da classe
média”.) Sugerimos que a assim chamada “crise de identidade” é, na
realidade, uma busca pela sensação de se ter um propósito. Nesses casos, a
pessoa geralmente se dedica à realização de uma atividade substitutiva que
seja de seu agrado. É possível que o existencialismo, em uma grande
medida, seja uma resposta a essa falta de objetivos importantes da vida
moderna.[NOTA 12] Algo bem amplamente espalhado na sociedade moderna é a
busca pela “autorrealização”. Mas pensamos que, para a maioria das
pessoas, uma atividade cujo objetivo principal seja a “realização pessoal”
(ou seja, uma atividade substitutiva) não produzirá uma satisfação completa.
Dito de outra maneira, não satisfaz plenamente a necessidade de se
experimentar o processo de poder. (Veja-se o parágrafo 41.) Essa
necessidade só pode ser completamente satisfeita com a realização de
atividades voltadas à conquista de uma meta externa à própria atividade,
como as necessidades físicas, o sexo, o amor, o status, a vingança, etc.

65. E algo mais, ainda: quando as metas têm de ser perseguidas em se


ganhando dinheiro, subindo na hierarquia social ou funcionando de algum
outro modo como peças do sistema, a maioria das pessoas não é capaz de
perseguir suas metas AUTONOMAMENTE. Os trabalhadores, em sua
maioria, são empregados de alguma outra pessoa e, como já assinalamos no
parágrafo 61, devem passar suas vidas fazendo o que lhes digam que tenham
de fazer, do modo como lhes digam que tenham de fazê-lo. Inclusive a
maioria daqueles que tenham seu próprio negócio e trabalhem para si
mesmos têm somente uma autonomia limitada. Uma queixa típica dos donos
de pequenos negócios e dos empresários é que suas mãos estão atadas pela
excessiva regulação que o governo exerce sobre suas atividades
empresariais. Algumas dessas regulações, sem dúvida, são desnecessárias, e,
no entanto, a maioria das regulações governamentais é parte essencial e
inevitável de nossa extremamente complexa sociedade. Uma grande
quantidade dos pequenos negócios, na atualidade, opera como franquias. Há
uns poucos anos, apareceu publicado no Wall Street Journal que muitas das
companhias que outorgam as franquias exigem que os aspirantes à obtenção
destas franquias realizem um teste de personalidade formulado para
EXCLUIR aqueles que mostrem criatividade e iniciativa, já que essa gente
não é suficientemente dócil para funcionar seguindo obedientemente o
sistema de franquia. Isso exclui dos pequenos negócios muitas das pessoas
que mais necessitam de autonomia.

66. Hoje em dia, as pessoas vivem mais pelo que o sistema faz POR elas
ou PARA elas do que pelo que elas fazem por si mesmas. E o que fazem por
si mesmas, o fazem cada vez mais seguindo os caminhos estabelecidos pelo
sistema. As únicas oportunidades tendem a ser aquelas que o sistema
oferece, sendo que tais oportunidades devem ser aproveitadas seguindo-se
suas regras e regulações[NOTA 13] — e aplicando-se técnicas prescritas por
especialistas, se se quiser ter alguma possibilidade de êxito.

67. Assim é que o processo de poder encontra-se perturbado em nossa


sociedade, devido à carência de metas autênticas e à falta de autonomia nas
tentativas de se alcançar as metas. Mas encontra-se impedido também pelas
necessidades que fazem parte do grupo 3: as necessidades que não são
adequadamente satisfeitas, apesar do quanto haja de esforço em tentar-se
isso. Uma dessas necessidades é a de segurança. Nossas vidas dependem de
decisões tomadas por outras pessoas; não temos controle sobre essas
decisões e normalmente nem sequer conhecemos aqueles que as tomam.
(“Vivemos num mundo em que relativamente poucas pessoas — talvez umas
500 ou 1000 — tomam as decisões importantes.” Philip B. Heymann, da
Faculdade de Direito de Harvard; citado por Anthony Lewis — New York
Times de 21 de abril de 1995.) Nossas vidas dependem das normas de
segurança de uma central nuclear serem corretamente cumpridas; de qual
quantidade de pesticida se permita que apresentem os alimentos que
comemos ou quanta poluição o ar que respiramos; do quão hábil (ou
incompetente) seja nosso médico; perder ou conseguir um emprego pode
depender de decisões tomadas pelos economistas do governo ou pelos
executivos das grandes empresas, etc. A maioria dos indivíduos tem apenas
uma capacidade muito limitada de se proteger a si mesma contra essas
ameaças. Dessa maneira, a busca de segurança da parte dos indivíduos vê-se
frustrada, o que lhe provoca uma sensação de impotência.
68. Poderia objetar-se que, como sua menor expectativa de vida
demonstraria, o homem primitivo estava fisicamente menos seguro que o
homem moderno — e que, portanto, o homem moderno sofreria menos, e
não mais insegurança do que tem sido normal para os seres humanos. Mas a
segurança psicológica não guarda relação estrita com a segurança física. O
que nos faz SENTIRMOS seguros não é tanto a segurança objetiva como o é
a sensação de confiança em nossa capacidade para cuidarmos de nós
mesmos. O homem primitivo, ameaçado por feras ou pela fome, podia lutar
em sua própria defesa ou deslocar-se em busca de alimento. Ele não tinha a
certeza de alcançar êxito nesses intentos, contudo, de modo algum sentir-se-
ia indefeso diante das coisas que o ameaçavam. O indivíduo moderno, pelo
contrário, é ameaçado por muitas coisas contra as quais está desamparado:
acidentes nucleares, agentes cancerígenos na comida, contaminação
ambiental, guerra, aumento de impostos, violação de sua vida privada por
parte de grandes corporações, fenômenos sociais ou econômicos em grande
escala que podem transtornar seu modo de vida.

69. É certo que o homem primitivo era impotente diante de algumas


coisas que o ameaçavam; as enfermidades, por exemplo. No entanto, ele
podia aceitar, estoicamente, o risco da enfermidade. Isso era parte da
natureza das coisas, não era culpa de quem quer que fosse, a não ser que
fosse culpa de algum demônio impessoal e imaginário.18 Mas o que ameaça
o indivíduo moderno tende a ser uma OBRA HUMANA. Não é
consequência do azar, e sim do que vem IMPOSTO por outras pessoas em
cujas decisões, ele, como indivíduo, é incapaz de influir. Em consequência,
sente-se frustrado, humilhado e enraivecido.
70. Por conseguinte, tinha o homem primitivo, em grande medida, a sua
segurança em suas próprias mãos (tanto como indivíduo quanto como
membro de um PEQUENO grupo), enquanto que a segurança do homem
moderno está nas mãos de pessoas ou organizações que estão
demasiadamente afastadas de si ou que são demasiado grandes para que ele
seja capaz de nelas influir pessoalmente. Assim é que a necessidade de
segurança do homem moderno tende a ser deslocada para os grupos 1 e 3;
em alguns aspectos (alimentação, refúgio, etc.) sua segurança é garantida ao
custo apenas de um esforço muito pequeno, enquanto que em outros
aspectos NÃO PODE ter segurança. (O esboço anterior implica uma grande
simplificação da situação real, porém indica, em largos traços, e de um modo
geral, em que medida as circunstâncias do homem moderno diferem das do
homem primitivo.)

71. As pessoas têm muitas necessidades ou tendências transitórias que, na


vida moderna, são inevitavelmente frustradas, e que por isso fazem parte do
grupo 3. Alguém pode sentir-se enraivecido, porém a sociedade não pode
permitir qualquer conflito. Em muitas ocasiões não permite sequer a
agressão verbal. Quando alguém vai a algum lugar, pode ser que tenha
pressa, ou pode ser que lhe agrade ir devagar, porém, geralmente, não terá
mais opção de que mover-se no ritmo definido pelo tráfego e pela
sinalização que o controla. Alguém pode querer fazer um trabalho de um
modo diferente, porém, normalmente, só poderá trabalhar seguindo as regras
ditadas por seu patrão. Dessas e também de muitas outras maneiras, pois o
homem moderno fica aprisionado numa rede de regras e regulações
(explícitas ou implícitas) que frustram muitas de suas necessidades ou
tendências, e, portanto, interferem em seu processo de poder. E não se pode
prescindir da maioria dessas regulações, porque são necessárias ao
funcionamento da sociedade industrial.

72. A sociedade moderna, em certos aspectos, é extremamente permissiva.


No que se refere àqueles assuntos que sejam irrelevantes para o
funcionamento do sistema, geralmente, nós podemos fazer o que quisermos.
Podemos crer na religião que mais nos agrade (toda vez e sempre que isso
não nos inspire comportamentos que sejam perigosos para o sistema).
Podemos ter relações com quem nos agradar (toda vez e sempre que
pratiquemos o “sexo seguro”). Podemos fazer qualquer coisa que nos agrade
— toda vez e sempre que isso NÃO SEJA IMPORTANTE. Mas no que diz
respeito aos assuntos IMPORTANTES, o sistema tende, paulatinamente, a
regular cada vez mais o nosso comportamento.

73. O comportamento é regulado não apenas mediante regras explícitas,


nem somente da parte do governo. O controle, muitas vezes, é exercido
através da coerção indireta ou mediante a pressão e manipulação
psicológicas, e da parte de organizações distintas do governo ou da parte do
sistema em seu conjunto. A maioria das grandes organizações usa alguma
forma de propaganda[NOTA 14] para manipular as atitudes ou o comportamento
públicos. A propaganda não se limita aos “anúncios” publicitários e de
outros tipos, e, por vezes, nem sequer é conscientemente planejada como
propaganda pela gente que a realiza. Por exemplo, o conteúdo da
programação televisiva dirigida ao entretenimento é uma poderosa forma de
propaganda. Um exemplo de coerção indireta: não há qualquer lei que
determine que tenhamos de ir trabalhar diariamente, nem que devamos
cumprir as ordens de nosso patrão. Legalmente, nada nos impede de irmos a
uma zona selvagem para viver como gente primitiva ou de montar nosso
próprio negócio. Mas, na prática, restam bem poucas zonas selvagens, e na
economia há espaço somente para um limitado número de proprietários de
pequenos negócios. Por conseguinte, a maioria de nós só pode sobreviver se
trabalhar para outros.

74. Sugerimos que a obsessão que o homem moderno mostra pela


longevidade — e por manter o vigor e a atração sexual até uma idade
avançada — é um sintoma decorrente da insatisfação sofrida por não ter
como experimentar adequadamente o processo de poder. A assim chamada
“crise da meia idade”19 é mais um sintoma disso. E é um sintoma,
igualmente, a falta de interesse em se ter filhos — algo bastante comum na
sociedade moderna, contudo, quase desconhecido em sociedades primitivas.

75. A vida, nas sociedades primitivas, era uma sucessão de etapas. Uma
vez que as necessidades e os objetivos de uma etapa fossem satisfeitos, não
havia daí uma particular reticência em se passar à etapa seguinte. Um
homem jovem experimentava o processo de poder convertendo-se em
caçador, caçando não por desporto nem para realizar-se, senão para obter a
carne que necessitava para comer. (Nas mulheres jovens, o processo era mais
complicado, com maior ênfase na influência e posição sociais — não
passaremos aqui por tal discussão.) Havendo superado essa fase com êxito, o
jovem aceitava, sem problemas, encarregar-se das responsabilidades que
implicava constituir-se uma família. (Em contrário, algumas pessoas
modernas adiam indefinidamente terem filhos, porque estão demasiadamente
ocupadas buscando algum tipo de “realização”. Sugerimos que a realização
de que necessitam é experimentar adequadamente o processo de poder —
com metas autênticas, no lugar das metas artificiais das atividades
substitutivas.) Depois, havendo criado os seus filhos com êxito,
experimentando o processo de poder ao se esforçar por satisfazer suas
necessidades físicas, o homem primitivo sentia que sua obra estava realizada
e se preparava para aceitar a velhice (se sobrevivia até então) e a morte.
Muitas pessoas modernas, ao contrário, estão antes preocupadas com a
perspectiva da deterioração física e a morte, tal como demonstra a grande
quantidade de esforço que realizam tratando de manter sua forma física, sua
aparência e sua saúde. Afirmamos que isso se deverá à insatisfação
resultante de não haverem elas empregado suas capacidades físicas em
qualquer obra prática. Nunca experimentaram o processo de poder usando
seus corpos a sério. Não era o homem primitivo, que usava seu corpo
diariamente para realizar tarefas práticas, quem temia a deterioração devida
à idade; quem a teme, este sim, é homem moderno, que nunca usa seu corpo
para realizar tarefas de tipo prático — para além de um caminhar desde seu
carro até a porta de sua casa. É aquele homem cuja necessidade de
experimentar o processo de poder tiver sido satisfeita ao longo da vida quem
estará mais bem preparado para aceitar o final da mesma.

76. Alguém dirá, em resposta aos argumentos apresentados nesta seção:


“A Sociedade encontrará um modo de dar às pessoas a oportunidade de
experimentar o processo de poder.” Isso não servirá para aqueles que
necessitam de autonomia para experimentar adequadamente o processo de
poder. Para essa gente, o valor de tal oportunidade é anulado pelo próprio
fato de ser a sociedade que a oferece. O que necessitam é encontrar ou criar
suas próprias oportunidades. Enquanto o sistema lhes CONCEDESSE as
oportunidades, ainda se sentiriam agrilhoados. Para conseguir autonomia,
devem desvencilhar-se desses grilhões.

Como Algumas Pessoas se Adaptam

77. Nem todo mundo sofre de problemas psicológicos na sociedade


tecnoindustrial. Algumas pessoas, inclusive, parecem estar bastante
satisfeitas com essa sociedade tal como ela é. Discutiremos agora algumas
das razões pelas quais as pessoas diferem tanto em suas reações frente à
sociedade moderna.

78. Primeiramente, não há dúvidas de que existem diferenças inatas na


intensidade da necessidade de poder. Indivíduos nos quais essa tendência é
débil podem ter relativamente pouca necessidade de experimentar o processo
de poder — ou, ao menos, relativamente pouca necessidade de ter autonomia
ao experimentá-lo. Essas pessoas são de uns tipos dóceis, que teriam vivido
felizes sendo escravos em uma plantação dos antigos estados sulistas dos
Estados Unidos. (Não pretendemos escarnecer dos escravos das plantações.
Em verdade, a maioria dos escravos NÃO estava satisfeita com sua condição
subserviente. Escarnecemos das pessoas que ESTÃO SIM satisfeitas com
sua condição subserviente.)

79. Algumas pessoas podem ter alguma tendência excepcionalmente forte,


e, tratando de desenvolvê-la, satisfazem sua necessidade de experimentar o
processo de poder. Por exemplo, aqueles que têm uma tendência
incomumente forte de elevar seu status podem passar toda sua vida tratando
de ascender na escala social, sem jamais aborrecerem-se com esse jogo.
80. A suscetibilidade das pessoas a respeito da publicidade e das técnicas
de marketing varia muito. Algumas são tão suscetíveis que mesmo tendo
uma grande quantidade de dinheiro, não podem satisfazer seu constante
desejo de adquirir os novos joguinhos deslumbrantes que a indústria do
marketing agita diante de seus olhos. Por isso, sentem-se sempre
financeiramente muito pressionadas, mesmo quando sua renda é grande, e os
seus desejos sempre acabam sendo frustrados.

81. Algumas pessoas mostram pouca suscetibilidade a respeito da


publicidade e das técnicas de marketing. Essas são pessoas do tipo que não
se interessa por dinheiro. A aquisição material não lhes serve para
experimentar o processo de poder.

82. As pessoas que manifestam uma suscetibilidade média a respeito da


publicidade e das técnicas de marketing são capazes de ganhar suficiente
dinheiro para satisfazer seu desejo de bens e serviços, contudo, somente ao
custo de realizarem sérios esforços (trabalhando por horas extras, tendo um
segundo emprego, lutando para conseguir promoções, etc.). Dessa maneira, a
aquisição material lhes serve para satisfazer sua necessidade de experimentar
o processo de poder. Mas isso não implica que consigam satisfazer
completamente tal necessidade. Pode ser que não tenham autonomia
suficiente no processo de poder (seu trabalho pode consistir unicamente em
obedecer a ordens) e algumas de suas tendências e necessidades podem
acabar frustradas (por exemplo: segurança, agressão). (Reconhecemos ter
simplificado excessivamente isso, nos parágrafos 80-82, uma vez que
tínhamos dado por aceito que o desejo de aquisição material é inteiramente
um produto da publicidade e da indústria do marketing. Seguramente, isso
não é algo assim tão simples.)[NOTA 11]

83. Algumas pessoas satisfazem parcialmente sua necessidade de poder


identificando-se com alguma organização poderosa ou com um movimento
de massas. Um indivíduo com falta de objetivos próprios ou de poder se une
a um movimento ou a uma organização, adota suas metas como próprias e,
então, trabalha para alcançar essas metas. Quando algumas das metas são
alcançadas, o indivíduo, mesmo se seus esforços pessoais tiverem jogado um
papel insignificante na consecução dessas metas, sente-se (graças a sua
identificação com o movimento ou organização) como se ele mesmo tivesse
experimentado o processo de poder. Esse fenômeno foi aproveitado pelos
fascistas, nazistas e comunistas. Nossa sociedade também faz uso dele, ainda
que de um modo mais sutil. Exemplo: Manuel Noriega20 tornou-se incômodo
para os Estados Unidos (meta: castigar Noriega). Os Estados Unidos
invadiram o Panamá (esforço) e castigaram Noriega (consecução da meta).
Os Estados Unidos levaram a cabo o processo de poder e muitos
estadunidenses, devido à sua identificação com os Estados Unidos,
experimentaram o processo de poder indiretamente. Daí então a ampla
aprovação pública que obteve, nos Estados Unidos, a invasão do Panamá;
isso deu às pessoas uma sensação de poder.[NOTA 15] Podemos observar o mesmo
fenômeno nos exércitos, nas grandes empresas, nos partidos políticos, nas
organizações humanitárias e nos movimentos religiosos ou ideológicos. Em
particular, os movimentos esquerdistas tendem a atrair pessoas que buscam
satisfazer sua necessidade de poder. Mas, para a maioria das pessoas, a
identificação com uma grande organização ou com um movimento de
massas não satisfaz plenamente sua necessidade de poder.

84. Outra das maneiras pelas quais as pessoas satisfazem sua necessidade
de experimentar o processo de poder é mediante atividades substitutivas.
Como já explicamos nos parágrafos 38-40, uma atividade substitutiva é uma
atividade direcionada para se alcançar uma meta artificial, a qual o indivíduo
persegue devido à “satisfação” que obtém ao persegui-la, não por que
necessite alcançar a meta em si. Por exemplo, não há qualquer motivo
prático para se desenvolver enormes músculos, bater com um taco numa
bolinha branca até se acertar um buraco ou para se adquirir uma série
completa de selos dos correios. Entretanto, muita gente em nossa sociedade
dedica-se apaixonadamente ao fisiculturismo, ao golfe ou à coleção de selos.
Algumas pessoas “dizem amém” mais que as outras, e, portanto, atribuirão
mais facilmente importância a uma atividade substitutiva simplesmente por
que as pessoas de seu círculo a consideram como algo importante, ou porque
a sociedade lhes disse que isso é algo importante. Essa é a razão pela qual
tantas pessoas levam tão a sério atividades essencialmente triviais, como os
esportes, o bridge21, o xadrez ou certos estudos e investigações obstrusas,
enquanto outras pessoas, mais lúcidas, nunca consideram tais coisas mais do
que as atividades substitutivas que são, e, em consequência, nunca lhes
atribuem uma importância tal como se, dessa maneira, fossem satisfazer sua
necessidade de experimentar o processo de poder. Resta apenas assinalar
que, em muitas ocasiões, a forma de uma pessoa ganhar a vida pode ser
também uma atividade substitutiva. Não que seja uma atividade substitutiva
PURA, já que, em parte, o motivo dessa atividade é conseguir a satisfação de
suas necessidades físicas e (no caso de algumas pessoas) alcançar a posição
social e os luxos que a publicidade lhes faz desejar. Mas muita gente põe em
seu trabalho muito mais empenho que o imprescindível para se ganhar a
quantidade de dinheiro e status que necessitam, e este esforço extra
constitui-se em uma atividade substitutiva. Esse esforço extra, junto com a
implicação emocional que o acompanha, é uma das forças mais poderosas
que atuam a favor do contínuo desenvolvimento e aperfeiçoamento do
sistema, com consequências negativas para a liberdade individual. (Veja-se o
parágrafo 131.) Em especial, no caso dos cientistas e engenheiros mais
criativos, o trabalho tende a ser, em grande medida, uma atividade
substitutiva. Esse ponto é tão importante que merece ser discutido à parte, o
que faremos num próximo momento (parágrafos 87-92).

85. Nesta seção, temos explicado como é que, na sociedade moderna,


muita gente satisfaz — em maior ou menor medida — sua necessidade de
experimentar o processo de poder. Mas pensamos que, na maioria dos casos,
a necessidade das pessoas de experimentar o processo de poder não se
encontra plenamente satisfeita. Em primeiro lugar, aquelas pessoas que têm
uma necessidade insaciável de status, aquelas que ficam firmemente
“enganchadas” em uma atividade substitutiva, ou então, aquelas que se
identificam de um modo suficientemente forte com um movimento ou uma
organização, de tal modo a ter satisfeita a sua necessidade de poder, essas
pessoas assim são as menos comuns. As outras pessoas não ficam
plenamente satisfeitas com a realização de atividades substitutivas ou
mediante a identificação com uma organização. (Vejam-se os parágrafos 41 e
64.) Em segundo lugar, o sistema impõe demasiado controle através da
regulação explícita ou através da socialização, o que provoca deficiência na
autonomia e frustração — isso devido à impossibilidade de se alcançar
certas metas e da obrigação que há em se reprimir muitos impulsos.

86. No entanto, até mesmo se a maior parte das pessoas, nessa sociedade
tecnoindustrial, estivesse completamente satisfeita, nós (o FC) ainda
manteríamos nossa oposição a essa forma de sociedade, posto que (entre
outras razões) consideramos degradante que as pessoas tenham de satisfazer
sua necessidade de experimentar o processo de poder mediante atividades
substitutivas ou mediante a identificação com uma organização, no lugar de
perseguir metas autênticas.

Os Motivos dos Cientistas

87. A investigação científica e tecnológica fornece os exemplos mais


importantes de atividades substitutivas. Alguns cientistas afirmam que seus
motivos para investigar são a “curiosidade” ou um desejo de “beneficiar a
humanidade”. Mas é fácil observar que nenhum desses, para a maioria dos
cientistas, é o motivo principal. No que diz respeito à “curiosidade”, essa
aproximação é simplesmente absurda. A maioria dos cientistas trabalha em
problemas tão especializados que nunca seriam objeto de uma curiosidade
normal. Por exemplo, sentem curiosidade um astrônomo, um matemático ou
um entomologista pelas propriedades do isopropil-trimetilmetano? Por certo,
não. Só um químico sente curiosidade por algo assim, e sente curiosidade
por isso somente porque a química é sua atividade substitutiva. Sente o
químico alguma curiosidade por tratar da apropriada classificação de uma
nova espécie de escaravelho? Não. Isso só interessa ao entomologista, e lhe
interessa só por que a entomologia é sua atividade substitutiva. Se o químico
e o entomologista tivessem de se esforçar seriamente para conseguir
satisfazer suas necessidades físicas, e se, ao realizarem esse esforço,
exercitassem suas capacidades de um modo interessante em tarefas não
científicas, consequentemente, não dariam a menor atenção ao isopropil-
trimetilmetano ou à classificação de escaravelhos. Vamos supor que a falta
de fundos para a educação superior tivesse levado o químico a tornar-se um
agente de seguros — em vez de um químico. Nesse caso, ele estaria por
demais envolvido com assuntos relacionados a seguros, enquanto o
isopropil-trimetilmetano não lhe preocuparia em absoluto. Seja como for,
não é normal dedicar à satisfação da mera curiosidade a grande quantidade
de tempo e esforço que os cientistas investem em seu trabalho. A explicação
dos motivos dos cientistas baseada na “curiosidade” resulta ser,
simplesmente, insustentável.

88. A explicação baseada no “bem da humanidade” não é muito melhor.


Alguns trabalhos científicos não têm qualquer relação imaginável com o
bem-estar da espécie humana — a maior parte da arqueologia ou a
linguística comparada, por exemplo. Algumas outras áreas da ciência
implicam evidentes perigos. Ainda assim, os cientistas que trabalham nessas
áreas entregam-se ao trabalho com o mesmo entusiasmo daqueles que
desenvolvem novas vacinas ou estudam a contaminação do ar. Considere-se
o caso do Dr. Edward Teller22, o qual mostrava uma óbvia implicação
emocional em relação à promoção das centrais nucleares. Procedia, essa
implicação, do desejo de beneficiar a humanidade? Se assim tivesse sido,
por que o Dr. Teller não se emocionava com outras causas “humanitárias”?
Se fora assim tão humanitário, então, por que colaborou no desenvolvimento
da bomba H? Da mesma forma que com muitos outros avanços científicos, é
mais que discutível se as centrais nucleares realmente beneficiam a
humanidade. A eletricidade barata compensa a acumulação de resíduos e o
risco de acidentes? O Dr. Teller via só um dos lados da questão. Está claro
que seu envolvimento emocional em relação à energia nuclear não procedia
de um desejo de “beneficiar a humanidade”, porém, isto sim, da satisfação
pessoal que obtinha realizando seu trabalho e vendo como este era posto em
prática.

89. E o mesmo vale para os demais cientistas, em geral. Com raras


possíveis exceções, seu motivo principal não é a curiosidade nem o desejo
de beneficiar a humanidade, porém, sim, a necessidade de experimentar o
processo de poder: ter uma meta (um problema científico a resolver), fazer
um esforço (investigar) e alcançar a meta (resolver o problema). A ciência é
uma atividade substitutiva por que os cientistas trabalham principalmente
pela satisfação que têm com a realização de seu próprio trabalho.

90. Claro está, não é algo tão simples assim. Há outros motivos que jogam
um importante papel para muitos cientistas. O dinheiro e o status, por
exemplo. Alguns cientistas podem fazer parte daquele tipo de pessoas que
têm uma necessidade insaciável de status (veja-se o parágrafo 79), e isso
pode contribuir em grande parte para sua motivação na realização de seu
trabalho. Não há dúvida de que a maior parte dos cientistas, do mesmo modo
que a população em geral, é suscetível, em maior ou menor medida, à
publicidade e às técnicas de marketing, e que necessitam de dinheiro para
satisfazer seu desejo de bens e serviços. Assim, a ciência não é uma
atividade substitutiva PURA. Mas ela é, em grande parte, uma atividade
substitutiva.

91. A ciência e a tecnologia se constituem, também, num poderoso


movimento de massas; e muitos cientistas satisfazem sua necessidade de
poder mediante sua identificação com esse movimento de massas. (Veja-se o
parágrafo 83.)

92. Por conseguinte, a ciência continua adiantando-se cegamente, sem


respeitar o verdadeiro bem-estar da espécie humana nem qualquer outra
medida, obedecendo somente às necessidades psicológicas dos cientistas,
assim como às dos gestores governamentais e dos dirigentes das grandes
empresas, que fornecem os fundos para as pesquisas.

A Natureza da Liberdade

93. Iremos mostrar que não se pode reformar a sociedade tecnoindustrial


de um modo a impedi-la de reduzir progressivamente a esfera da liberdade
humana. Mas, dado que “liberdade” é uma palavra que pode ser interpretada
de bem diversos modos, primeiro deixaremos claro que tipo de liberdade é a
que nos importa.

94. Por “liberdade”, entendemos a oportunidade de experimentar o


processo de poder com metas autênticas, não com as metas artificiais das
atividades substitutivas, e sem interferência, manipulação ou supervisão da
parte de outros, especialmente de qualquer grande organização. Liberdade
significa ter o controle (seja como indivíduo, seja como membro de um
PEQUENO grupo) sobre os aspectos vitais da própria existência: alimento,
vestimenta, refúgio e defesa contra qualquer ameaça que possa haver ao
redor. Liberdade significa ter poder; não o poder para controlar outras
pessoas, porém, sim, o poder para controlar as circunstâncias da própria
vida.23 Ninguém tem liberdade se algum outro (especialmente uma grande
organização) tem poder sobre ele, não importa quão benevolente, tolerante e
permissivamente esse poder seja exercido. É importante não confundir a
liberdade com a mera permissividade (veja-se o parágrafo 72).

95. É costume dizer que vivemos em uma sociedade livre porque temos
uns tantos direitos constitucionalmente garantidos. Esses direitos, porém,
não são tão importantes quanto parecem. O grau de liberdade pessoal que há
em uma sociedade passa pela determinação da estrutura econômica e
tecnológica dessa sociedade, num grau maior que o das suas leis ou de sua
forma de governo. [NOTA 16] A maior parte das nações indígenas da Nova
Inglaterra eram monarquias24, e muitas das cidades da Itália renascentista
estavam controladas por tiranos. Entretanto, ao ler-se acerca dessas
sociedades, tem-se a impressão de que nelas havia muito mais liberdade
pessoal que na nossa sociedade. Em parte, isso era devido à sua carência de
mecanismos eficientes para impor a vontade dos seus governantes: não havia
forças policiais modernas e bem organizadas, nem meios rápidos de
comunicação à longa distância, nem câmeras de vigilância, nem arquivos
com informações acerca das vidas dos cidadãos comuns. Por conseguinte,
era relativamente simples evitar o controle.

96. No que diz respeito aos direitos constitucionais, considere-se como


exemplo o da liberdade de imprensa. Certamente, não pretendemos atacar
esse direito: é uma ferramenta muito importante para limitar a concentração
do poder político e para manter sob controle aqueles que o detêm, mediante
a exposição pública de qualquer má atuação que venham a adotar. Mas a
liberdade de imprensa é bem pouco útil para o cidadão comum, tomado
como indivíduo. Os meios de comunicação de massas estão
majoritariamente sob o controle de grandes organizações que se encontram
integradas ao sistema. Quem quer que tenha um pouco de dinheiro pode
publicar algo, ou pode distribuir pela Internet ou por outros meios similares,
contudo, o que tiver a dizer ficará perdido na vasta quantidade de materiais
publicados pelos meios de massas, de modo que não terá qualquer efeito na
prática. Influir na sociedade com palavras é, portanto, quase impossível para
a maioria dos indivíduos e dos pequenos grupos. Tomemos a nós mesmos (o
FC) como exemplo. Se nunca tivéssemos realizado qualquer ato violento e
tivéssemos remetido o presente manifesto a uma editora, este provavelmente
não teria sido aceito. Se tivesse sido aceito e publicado, provavelmente não
teria atraído muitos leitores, já que é mais divertido assistir aos materiais que
os meios de massas produzem para o entretenimento que ler um ensaio sério.
Até mesmo se esse escrito tivesse conseguido muitos leitores, desses leitores
todos, muitos logo esqueceriam o que tivessem lido, devido ao soterramento
de suas mentes pela avalancha de material ao qual os meios de massas as
submetem. Para fazermos que nossa mensagem pudesse chegar ao público, e
que causasse nele uma duradoura impressão, tivemos de matar pessoas.

97. Os direitos constitucionais são úteis até certo ponto — porém, não
servem sequer para garantir algo a mais do que aquilo a que poderíamos
chamar de uma concepção burguesa da liberdade. Segundo essa concepção
burguesa, um homem “livre” é, essencialmente, um elemento da maquinaria
social, e tem só certo número de liberdades preestabelecidas e delimitadas —
liberdades tais que estão projetadas para servir às necessidades da
maquinaria social, antes de servir às necessidades do indivíduo. Dessa
maneira, o homem “livre” dos burgueses tem liberdade econômica porque
isso promove o crescimento e o progresso; tem liberdade de imprensa
porque a crítica pública contém a má atuação da parte dos líderes políticos;
tem direito a um julgamento justo porque os encarceramentos por capricho
dos poderosos seriam ruins para o sistema. Essa, claramente, era a opinião
de Simón Bolívar. Para ele, as pessoas mereciam a liberdade apenas se a
usavam para promover o progresso (o progresso tal como é concebido pelos
burgueses). Outros pensadores burgueses tiveram uma ideia similar de
liberdade, ao entendê-la como um mero meio para se chegar a fins coletivos.
Chester C. Tan, em Chinese Political Thought in the Twentieth Century, p.
202, explica a filosofia do líder do Kuomintang, Hu Han-min: “A um
indivíduo se concederiam direitos porque é membro da sociedade e a vida de
sua comunidade requer tais direitos. Por comunidade, Hu entendia a
totalidade da sociedade ou nação.” E na página 259, Tan afirma que,
segundo Carsun Chang (Chang Chun-mai, presidente do Partido Socialista
de Estado na China)25, a liberdade teria de ser usada no interesse do Estado e
das pessoas em geral. Mas, que tipo de liberdade tem alguém se este só pode
usá-la do modo que outro estabeleça? A concepção de liberdade do FC não é
a de Bolívar, Hu, Chang ou outros teóricos burgueses. O problema com esses
teóricos é que converteram o desenvolvimento e a aplicação de teorias
sociais em sua atividade substitutiva. Em consequência, as teorias têm sido
elaboradas de modo a satisfazer as necessidades psicológicas dos seus
teóricos, em vez das necessidades dos desafortunados indivíduos que tenham
de viver em qualquer sociedade à qual tais teorias sejam impostas.

98. Um ponto a mais a se comentar nesta seção: não se deve tomar como
aceitável que uma pessoa tenha suficiente liberdade só por que ela DIZ que a
tem. A liberdade encontra-se parcialmente restringida por mecanismos
psicológicos de controle dos quais as pessoas não são conscientes, e, além
disso, as ideias de muita gente acerca do que é a liberdade estão dominadas
mais por uma convenção social que por suas necessidades reais. Por
exemplo: ainda que o esquerdista do tipo sobressocializado pague um caro
preço psicológico pelo seu alto grau de socialização, é provável que muitos
esquerdistas desse tipo dissessem que a maioria das pessoas, incluindo eles
mesmos, está antes bem pouco que por demais socializada.

Alguns Princípios Acerca da História

99. Considere-se a história como a soma de dois componentes: um


componente errático, que consiste em sucessões imprevisíveis que não
seguem qualquer padrão discernível, e outro regular, que consiste em
tendências históricas de longo prazo. O que aqui nos interessa são as
tendências de longo prazo.

100. PRIMEIRO PRINCÍPIO. Se ocorrer uma PEQUENA mudança que


afete uma tendência histórica de longo prazo, então o efeito dessa mudança
quase sempre será transitório — sendo que essa tendência logo retornará ao
seu estado original. (Exemplo: um esforço de reforma pensado para eliminar
a corrupção política em uma sociedade raramente surte efeito para além de
um curto prazo; cedo ou tarde, os reformadores relaxam e a corrupção volta
a aparecer. O grau de corrupção política em uma determinada sociedade
tende a permanecer constante ou, quando muito, a variar muito lentamente
com a evolução da sociedade. Normalmente, a eliminação da corrupção
política será permanente somente se for acompanhada de mudanças sociais
em grande escala; uma PEQUENA mudança na sociedade não será
suficiente.) Se uma mudança pequena em uma tendência histórica de longo
prazo parece ser permanente, isso se deve unicamente a que a mudança está
a atuar na mesma direção na qual a tendência estava já se movendo, de modo
que a tendência não se mostra alterada, e sim, porém, apenas impulsionada
adiante, um passo a mais.

101. O primeiro princípio é quase uma tautologia. Se uma tendência não


desse mostras de estabilidade em relação às pequenas mudanças, ela variaria
aleatoriamente, em vez de seguir por uma direção definida; em outras
palavras, não seria em absoluto uma tendência de longo prazo.

102. SEGUNDO PRINCÍPIO. Em se levando a termo uma mudança que


seja suficientemente grande para modificar permanentemente uma tendência
histórica de longo prazo, então essa mudança modificará a sociedade em seu
conjunto. Em outras palavras, uma sociedade é um sistema no qual todas as
partes estão inter-relacionadas, e não se pode mudar permanentemente
qualquer parte importante sua sem mudar também todas as demais.

103. TERCEIRO PRINCÍPIO. Em se realizando uma mudança que seja


suficientemente grande para alterar permanentemente uma tendência de
longo prazo, então as consequências para a sociedade em seu conjunto não
podem ser previstas de antemão. (A menos que outras sociedades tenham
passado pela mesma mudança e tenham todas experimentado as mesmas
consequências, caso no qual se pode prever empiricamente que outra
sociedade que passe por essa mesma mudança provavelmente experimentará
consequências similares.)

104. QUARTO PRINCÍPIO. Não se pode rascunhar sobre o papel um


novo tipo de sociedade. Isto é, não se pode planejar teoricamente, por
projeção, uma nova forma de sociedade, estabelecê-la em seguida e esperar
que funcione tal e qual havia sido planejado que acontecesse.
105. O terceiro e o quarto princípios são consequência da complexidade
das sociedades humanas. Uma mudança no comportamento humano afetará
a economia de uma sociedade e o seu meio físico; a economia afetará esse
meio e vice-versa; as mudanças na economia e no seu meio afetarão o
comportamento humano de modos complexos e imprevisíveis — e assim
sucessivamente. A trama de
causas e efeitos é demasiado complexa para ser desemaranhada e
compreendida.

106. QUINTO PRINCÍPIO. As pessoas não escolhem, consciente e


racionalmente, a forma de sua sociedade. As sociedades se desenvolvem
mediante processos de evolução social que não se encontram sob um
controle humano racional.

107. O quinto princípio é uma consequência dos outros quatro.

108. Em resumo: pelo primeiro princípio, falando-se em termos gerais,


um esforço de reforma social ou bem irá atuar na mesma direção na qual, de
todo modo, a sociedade já estiver desenvolvendo-se (de modo que, tão
somente, acelerará uma mudança a qual, em qualquer caso, teria mesmo
ocorrido), ou bem terá somente um efeito transitório, de modo que essa
sociedade, sem demora, retornará à sua senda antiga. Para mudar-se, de
maneira duradoura, a direção do desenvolvimento de qualquer aspecto
importante de uma sociedade, a reforma é insuficiente, requerendo-se então
uma revolução. (Uma revolução não implica, necessariamente, um levante
armado ou a derrubada de um governo.) Pelo segundo princípio, uma
revolução nunca modifica apenas um aspecto de uma sociedade, sendo que
modifica a sociedade em seu conjunto; e pelo terceiro princípio, produzem-
se mudanças que não eram esperadas ou desejadas pelos revolucionários.
Pelo quarto princípio, quando os revolucionários ou os pensadores utópicos
tratam de estabelecer um novo tipo de sociedade, as coisas nunca saem como
foram planejadas.

109. A Revolução Americana não se configuraria num exemplo contrário


ao que foi exposto. A “Revolução” Americana não foi uma revolução no
mesmo sentido em que estamos usando essa palavra, e sim uma guerra de
independência seguida por uma ampla reforma política. Os Pais
Fundadores26 não mudaram a direção do desenvolvimento da sociedade
norte-americana, nem sequer aspiravam a isso. Eles somente libertaram o
desenvolvimento da sociedade norte-americana do lastro a que estava ligado
pelo domínio britânico. A sociedade britânica, da qual a sociedade norte-
americana derivava, esteve por muito tempo a mover-se em direção à
democracia representativa. E antes da Guerra de Independência dos norte-
americanos já se praticava a democracia representativa, em grande medida,
nas assembleias coloniais. O sistema político estabelecido pela Constituição
tomava como modelo o sistema britânico e as assembleias coloniais — ainda
que, é claro, com grandes modificações. Não há dúvida de que os Pais
Fundadores deram um passo muito importante. Não obstante, foi um passo
que seguiu a senda pela qual o mundo anglófono já estava caminhando.
Prova disso é que a Grã-Bretanha e todas as suas colônias, povoadas
predominantemente por pessoas de ascendência britânica, acabaram por ter
sistemas de governo que são democracias representativas similares àquela
que se deu nos Estados Unidos. Se os Pais Fundadores tivessem fraquejado e
declinado firmar a Declaração de Independência, o modo de vida dos atuais
estadunidenses não seria muito distinto do qual, efetivamente, o é. Talvez
tivessem mantido vínculos mais estreitos com a Grã-Bretanha, e tivessem
um Parlamento e um Primeiro Ministro, no lugar de um Congresso e um
Presidente. Ora, isso não é uma grande coisa. De fato, a Revolução
Americana não é um exemplo que contradiga nossos princípios, e porém,
sim, que bem os ilustra.

110. Apesar de tudo, há que se usar o bom senso quando se aplicar esses
princípios. Eles estão expressos numa linguagem imprecisa, que dá margens
a diversas interpretações, e se poderia encontrar exceções que não os
cumpram. Por isso, não apresentamos esses princípios como leis invioláveis,
porém, sim, como regras gerais, ou como guias para o pensamento, os quais
ajudem a não nos deixar levar por ideias ingênuas acerca do futuro da
sociedade. Tais princípios, com toda constância, deveriam ser trazidos à
mente, e toda vez em que se chegasse a uma conclusão que com eles
conflitasse, haveria que se reexaminar cuidadosamente o que se está
pensando, e manter essa conclusão somente se ainda houvesse boas e sólidas
razões para isso.
A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada

111. Os princípios anteriores facilitam a exposição da dificuldade e da


pouca probabilidade de se reformar o sistema industrial, de um modo tal que
se evitasse que este seguisse estreitando o âmbito de nossa liberdade. Se
voltarmos a vista para o passado, pelo menos até a Revolução Industrial,
observaremos que, desde então, há uma tendência constante de que a
tecnologia reforce o sistema, ao custo de se reduzir a liberdade individual e a
autonomia local. Dessa forma, qualquer mudança social projetada para
preservar a liberdade frente à tecnologia iria de encontro a uma tendência
fundamental do desenvolvimento de nossa sociedade. Por conseguinte, pelos
princípios primeiro e segundo, qualquer mudança desse tipo ou bem seria
transitória — sendo prontamente barrada pela maré da história —, ou bem,
se fosse suficientemente grande para manter-se permanente de alguma
maneira, alteraria a natureza de nossa sociedade em sua totalidade. Além
disso, haveria um grande risco, já que não se poderia predizer a forma que
acabaria adotando tal transformação da sociedade (terceiro princípio). As
mudanças suficientemente grandes para calcar uma diferença duradoura em
favor da liberdade não seriam levadas a termo, porque, evidentemente,
perturbariam gravemente o sistema. Assim sendo, um esforço qualquer de
reforma seria demasiadamente tímido para chegar a ser efetivo. Até mesmo
se as mudanças se iniciassem suficientemente grandes, para calcar uma
diferença duradoura, elas seriam paralisadas e revertidas quando seus efeitos
perturbadores começassem a se fazer patentes. Dessa maneira, as mudanças
permanentes em favor da liberdade poderão ser levadas a termo somente por
pessoas dispostas a aceitar uma alteração radical, perigosa e imprevisível da
totalidade do sistema. Em outras palavras, por revolucionários, não por
reformistas.

112. As pessoas que anseiam salvar a liberdade sem sacrificar os supostos


benefícios devidos à tecnologia irão sugerir ingênuas ideias sobre uma nova
forma de sociedade, a qual fizesse compatíveis a liberdade e a tecnologia.
Deixando de lado o fato de que as pessoas que fazem tais sugestões
raramente propõem algum meio prático pelo qual essa nova forma de
sociedade poderia ser estabelecida, se levarmos em conta o quarto princípio,
veremos que — inclusive no caso de que em algum momento se pudesse
tentar estabelecer a tal nova forma de sociedade — esta bem poderia vir
abaixo ou bem dar resultados muito diferentes dos esperados.

113. Assim é que, inclusive em termos gerais, parece altamente


improvável que se chegue a encontrar algum modo de se conseguir que a
liberdade e a tecnologia moderna sejam compatíveis. Nas seções que desde
aqui se seguem, daremos razões mais concretas para mostrar que a liberdade
e o progresso tecnológico são incompatíveis.

A Restrição da Liberdade É Inevitável


na Sociedade Industrial

114. Como foi explicado nos parágrafos 65-67 e 70-73, o homem


moderno está enleado num emaranhado de normas e regulações, e seu
destino depende das ações de pessoas que estão distantes dele — em cujas
decisões, portanto, não pode influir. Isso não é algo acidental, nem um
resultado da arbitrariedade de burocratas arrogantes. É necessário e
inevitável, em qualquer sociedade tecnologicamente avançada. O sistema
TEM DE regular estritamente o comportamento humano para poder
funcionar. No trabalho, as pessoas têm de fazer o que lhes for dito que
façam, quando é dito que façam e do modo como lhes digam que façam,
pois, se assim não fosse, a produção se converteria num caos. As burocracias
TÊM DE atuar de acordo com normas rígidas. Permitir que os burocratas de
níveis inferiores atuassem seguindo um critério pessoal ao decidir sobre
assuntos importantes iria perturbar o sistema, e também iria acarretar
acusações de injustiça, uma vez que cada burocrata aplicaria seu critério de
maneira diferente. Claro que algumas restrições à nossa liberdade poderiam
ser eliminadas, contudo, EM GERAL, a regulação de nossas vidas por parte
de grandes organizações é necessária para o funcionamento da sociedade
tecnoindustrial. Como resultado disso, as pessoas comuns desenvolvem um
sentimento de impotência. Pode acontecer, de toda maneira, que as regras
explícitas tendam progressivamente a ser substituídas por ferramentas
psicológicas que nos façam querer fazer o que o sistema necessita que
façamos. (A propaganda,[NOTA 14] as técnicas educacionais, os programas de
“saúde mental”, etc.)
115. O sistema TEM DE obrigar as pessoas a se comportarem de um
modo que está cada vez mais afastado dos padrões naturais da conduta
humana. Por exemplo, o sistema tem necessidade de cientistas, matemáticos
e engenheiros. Não pode funcionar sem eles. Por isso, então, as crianças são
fortemente pressionadas a se sobressaírem nessas matérias. Não é natural
que um ser humano adolescente passe a maior parte de seu tempo sentado
diante de uma escrivaninha, a estudar. Um adolescente normal quer passar
seu tempo em contato ativo com o mundo real. Entre os povos primitivos, as
coisas que ensinavam as crianças a fazer tendiam a estar, de um modo
razoável, em harmonia com os impulsos humanos naturais. Nos povos
indígenas norte-americanos, por exemplo, os garotos aprendiam a realizar
atividades ao ar livre — justamente o tipo de coisas que, por então, lhes
agrada. Mas, em nossa sociedade, induzem-se as crianças e os jovens a
estudar assuntos técnicos, o que fazem, em sua maior parte, a contragosto.

116. Devido à constante pressão que o sistema exerce para modificar o


comportamento humano, há um número crescente de pessoas que não podem
ou não querem se adaptar às necessidades da sociedade: parasitários da
assistência social, membros de gangues juvenis, certas seitas excêntricas,
rebeldes contrários ao governo27, ecossabotadores radicais,
automarginalizados e outros tipos de gente que resiste em se adaptar às
exigências da sociedade moderna.

117. Em qualquer sociedade avançada, o destino do indivíduo depende


NECESSARIAMENTE de decisões nas quais ele mesmo, em grande
medida, não pode influir. Uma sociedade tecnológica não pode ser dividida
em pequenas comunidades autônomas, já que a produção depende da
cooperação de um enorme número de pessoas e máquinas. Tal sociedade
NECESSITARÁ estar altamente organizada, e, para isso, TERÃO DE ser
tomadas decisões que afetam grande quantidade de pessoas. Quando uma
decisão afeta, por exemplo, a um milhão de pessoas, aí, então, para cada um
dos indivíduos afetados lhe corresponderá tomar, em média, só a
milionésima parte dessa decisão. O que se sucede na prática, normalmente, é
que tais decisões são tomadas por gestores públicos ou dirigentes de grandes
empresas, ou por especialistas técnicos — e até mesmo quando o público
vota para tomar uma decisão, o número de votantes, normalmente, é
demasiado grande para que o voto de qualquer indivíduo seja significativo.
[NOTA 17]
Por conseguinte, a maioria dos indivíduos é incapaz de influir de
maneira palpável nas principais decisões que afetam as suas vidas. Não há
uma maneira possível de isso ser solucionado em uma sociedade
tecnologicamente avançada. O sistema trata de “solucionar” esse problema
mediante o uso de propaganda, para fazer que as pessoas DESEJEM as
decisões que não têm sido tomadas por elas mesmas; entretanto, até mesmo
se esta “solução” tivesse um êxito total e fizesse que as pessoas se sentissem
melhor, isso ainda seria degradante.

118. Os conservadores28 e alguns tantos outros pedem mais “autonomia


local”. As comunidades locais tiveram tal autonomia no passado, contudo,
essa autonomia foi ficando cada vez menos possível, na medida em que as
comunidades locais foram se tornando mais complexas e dependentes de
sistemas de grande escala, como os serviços públicos, as redes informáticas,
os sistemas de rodovias, os meios de comunicação de massas e as modernas
redes de saneamento. Também atua contra a autonomia o fato de que a
tecnologia aplicada num lugar muitas vezes afeta as pessoas de outros
lugares distantes. Assim, os pesticidas ou produtos químicos usados
próximos a um ribeirão podem contaminar o abastecimento de água por
várias centenas de quilômetros pela sua corrente jusante, e a emissão
industrial de gases causadores do efeito estufa afeta o mundo em sua
totalidade.

119. O sistema não existe nem pode existir para satisfazer as necessidades
humanas. Ao contrário, é o comportamento humano que tem de ser
modificado para adequar-se às necessidades do sistema. Isso se produz
independentemente da ideologia política ou social a qual, por sua vez, tenha
a pretensão de estar dando a orientação tomada no sistema tecnológico. A
culpa não é do capitalismo, nem do socialismo. A culpa é da tecnologia, já
que o sistema não é dirigido por ideologias, e sim pela necessidade técnica.
[NOTA 18]
É claro que o sistema satisfaz muitas das necessidades humanas —
porém, no geral, só o faz na medida em que isso lhe favorece. O principal
são as necessidades do sistema, não as do ser humano. Por exemplo, o
sistema fornece alimentos às pessoas porque não poderia funcionar se todo
mundo morresse de fome; ocupa-se das necessidades psicológicas das
pessoas toda vez e sempre que isso lhe resulta CONVENIENTE, já que não
poderia funcionar se demasiadas pessoas ficassem deprimidas ou se
rebelassem. Mas o sistema, por boas e sólidas razões práticas, deve exercer
uma pressão constante sobre as pessoas para que estas modelem o seu
comportamento às necessidades do sistema. Acumulam-se resíduos
demasiadamente? O governo, os meios de comunicação, o sistema
educacional, os ecologistas, todo mundo nos bombardeia com um montão de
propaganda em favor da reciclagem. Necessita-se de mais pessoal técnico?
Um coro de vozes exorta os garotos a estudar ciências. Ninguém se detém a
perguntar se seria inumano forçar os adolescentes a passar a maior parte de
seu tempo estudando temas que a maior parte deles abomina. Quando os
operários qualificados perdem seu trabalho devido aos avanços técnicos e
têm de se submeter a programas de “atualização profissional”, ninguém se
pergunta se é humilhante para eles serem manejados desse modo.
Simplesmente se dá por aceito que todo mundo deve se curvar diante das
necessidades técnicas. E por bons motivos: se as necessidades humanas
fossem antepostas às necessidades técnicas, haveria problemas econômicos,
desemprego, escassez ou coisas ainda piores. Em nossa sociedade, o
conceito de “saúde mental” se refere, numa grande medida, à maior ou
menor capacidade dos indivíduos de se comportarem de acordo com as
necessidades do sistema, sem apresentar sintomas de estresse.

120. Os esforços realizados dentro do sistema, que tratam de considerar as


necessidades humanas, de dar um sentido às atividades promovidas e de
levá-las a cabo autonomamente, esses então, são ridículos. Por exemplo,
uma empresa, em vez de fazer que cada um de seus empregados montasse
uma seção do catálogo, fazia que cada empregado montasse o catálogo
completo, supondo que isso dava aos trabalhadores a sensação de ter um
propósito e de alcançar um objetivo. Algumas companhias têm tratado de
dar a seus empregados mais autonomia no trabalho, porém, normalmente,
isso só se pode fazer de uma maneira muito limitada, por motivos práticos, e,
em qualquer caso, aos empregados nunca se concede autonomia suficiente
para estabelecerem os objetivos eles mesmos — seus esforços “autônomos”
não podem jamais ser aplicados na consecução de metas que eles tenham
pessoalmente escolhido, e sim somente na consecução dos objetivos de seus
patrões, como o são, por exemplo, a sobrevivência e o crescimento da
empresa. Qualquer empresa deixaria de ser rentável se permitisse a seus
empregados atuar de outra maneira. De modo semelhante, em qualquer
empresa dentro de um sistema socialista, os trabalhadores devem dirigir seus
esforços para a consecução dos objetivos da empresa, pois, de outro modo, a
empresa não cumpriria sua função como parte do sistema. E uma vez mais,
por motivos puramente técnicos, não é possível que a maioria dos indivíduos
ou dos pequenos grupos tenha muita autonomia em uma sociedade
industrial. Inclusive os proprietários de pequenos negócios; eles têm, em
geral, somente uma limitada autonomia. Ainda que se deixe de lado a
necessidade de regulação da parte do governo, sua autonomia se encontra
restringida pelo fato de que têm de se ajustar ao sistema econômico e de se
adaptar às suas exigências. Por exemplo, quando se desenvolve uma nova
tecnologia, os donos de pequenos negócios têm de utilizar essa tecnologia,
queiram ou não, para que possam continuar sendo competitivos.

As Partes “Más” da Tecnologia


Não Podem Ser Separadas das Partes “Boas”

121. Outra razão pela qual a sociedade industrial não pode ser reformada
— de um modo a favorecer a liberdade — é que a tecnologia moderna é um
sistema integrado, no qual cada parte depende de todas as demais. Não é
possível se desfazer das partes “más” da tecnologia e se manter só as partes
“boas”. Tome-se como exemplo a medicina moderna. O progresso da ciência
médica depende do progresso da química, da física, da biologia, da
informática e de outros ramos da ciência. Os tratamentos médicos avançados
requerem caros equipamentos de alta tecnologia, dos quais só se pode dispor
em uma sociedade economicamente rica e em constante desenvolvimento
tecnológico. Está claro que não se pode conseguir que a medicina avance
muito sem a totalidade do sistema tecnológico e o que este implica.

122. Mesmo se o progresso médico pudesse ser mantido sem a


necessidade de se manter o resto do sistema tecnológico, por si mesmo ele
acarretaria certos males. Vamos supor, num exemplo, que se descobre uma
cura para o diabetes. As pessoas com tendência genética ao diabetes serão,
então, capazes de sobreviver e reproduzir-se tão bem quanto as demais. A
seleção natural contrária aos genes do diabetes cessará, e estes genes se
estenderão pela população. (Isso pode já estar ocorrendo em certa medida, já
que o diabetes, ainda que incurável, pode ser controlado mediante o uso da
insulina.) O mesmo aconteceria com muitas outras enfermidades, para as
quais a tendência ao seu padecimento seja afetada por fatores genéticos (por
exemplo, o câncer infantil), dando lugar a uma degradação genética massiva
da população. A única solução seria algum tipo de programa eugênico ou de
manipulação genética dos seres humanos, de modo que, no futuro, o homem
já não seja uma criação da Natureza, ou do acaso, ou de Deus (no que
depender das crenças religiosas ou das opiniões filosóficas de cada qual) —
para ser, isso sim, um produto industrial.

123. Se muitas pessoas pensam que os grandes governos JÁ interferem


demasiadamente em suas vidas, esperem então que esses governos comecem
a regular a dotação genética de seus filhos. Essa regulação, inevitavelmente,
seguir-se-á à aplicação prática da engenharia genética aos seres humanos,
posto que as consequências da não regulação da engenharia genética seriam
desastrosas.[NOTA 19]

124. A típica resposta diante de tais preocupações é a de se falar da


“bioética”. Mas um código ético não servirá para proteger a liberdade frente
ao progresso médico; só irá mesmo piorar as coisas. Um código ético
aplicável à engenharia genética seria, de fato, um meio de se regular a
dotação genética dos seres humanos. Alguns (provavelmente membros da
classe média-alta, em sua maioria) decidirão que certas aplicações da
engenharia genética são “éticas” e que certas outras não o são, de modo que,
na realidade, estarão impondo seus próprios pontos de vista acerca da
dotação genética do conjunto da população. Mesmo se se elegesse um
código ético de uma maneira completamente democrática, a maioria estaria
impondo seus próprios valores sobre quaisquer minorias que pudessem ter
uma ideia diferente do que se consistisse num uso “ético” da engenharia
genética. O único código ético que verdadeiramente protegeria a liberdade
seria aquele que proibisse TODA forma de engenharia genética em seres
humanos, e, seguramente, um código assim nunca irá vigorar numa
sociedade tecnológica. Nenhum código que reduzisse a engenharia genética
a um papel secundário poderia manter-se vigente por muito tempo, já que a
tentação que representa o imenso poder da biotecnologia seria irresistível,
especialmente quando, para a maioria das pessoas, muitas de suas aplicações
parecessem óbvia e inequivocamente boas (eliminar enfermidades físicas e
mentais, conceder às pessoas capacidades de que necessitam para adaptar-se
adequadamente ao mundo moderno). Inevitavelmente, a engenharia genética
será usada em grande escala, somente, porém, da maneira que for compatível
com as necessidades do sistema tecnoindustrial.[NOTA 20]

A Tecnologia É uma Tendência Social


Mais Poderosa que o Desejo de Liberdade

125. Não é possível estabelecer um equilíbrio DURADOURO entre


tecnologia e liberdade, já que a tecnologia é, de longe, uma força social mais
poderosa, e que, continuamente, restringe a liberdade mediante
SUCESSIVAS negociações e acordos. Imagine-se o caso de dois vizinhos,
cada um dos quais, a princípio, possuindo a mesma quantidade de terra,
sendo um deles, contudo, mais forte que o outro. O mais forte reivindica um
pedaço da terra do outro. O mais fraco se recusa a dar-lhe. O mais forte diz:
“Que seja, negociemos. Dê-me metade do que eu pedi.” O mais fraco não
tem outra opção que não a de ceder. Ao final de algum tempo, o vizinho
mais forte reivindica outro pedaço de terra, negociam novamente, e o mais
fraco cede. E, assim, sucessivamente. Forçando o vizinho mais fraco a
chegar a uma série de acordos, o vizinho mais forte acaba por conseguir toda
a terra do outro. E o mesmo se passa no conflito entre tecnologia e liberdade.

126. Iremos explicar, pois, por que a tecnologia é uma força social mais
poderosa que o desejo de liberdade.

127. Um avanço tecnológico que de início parece não ameaçar a


liberdade, frequentemente, passado algum tempo mostra-se então capaz de
ameaçá-la. Como exemplo, considere-se o transporte motorizado. Um
caminhante de antigamente podia ir aonde quisesse, em seu próprio ritmo,
sem ter de respeitar qualquer norma de tráfego, e não estava dependente de
sistemas de assistência tecnológica. Quando os veículos a motor apareceram,
pareciam incrementar a liberdade humana. Não tomavam qualquer liberdade
do caminhante, ninguém estava obrigado a ter um automóvel se não quisesse
tê-lo, e, ainda mais, quem decidisse comprar um automóvel podia viajar
muito mais rápido e mais longe do que faria a pé. Entretanto, a generalização
do transporte motorizado logo transformou a sociedade de um modo tal que
reduziu, em grande medida, a liberdade de locomoção dos homens. Quando
os automóveis começaram a ser numerosos, fez-se necessário regular
consideravelmente o seu uso. Uma pessoa não pode simplesmente ir de carro
até aonde quiser, e em seu próprio ritmo, especialmente em áreas
densamente povoadas; o seu deslocamento encontra-se governado pelo fluxo
do tráfego e por diversas normas de circulação. Tal pessoa está sujeita a
diversas obrigações: exigência de permissões, exames de condução,
renovação da carta de condutor, seguros, requisitos de manutenção por
motivos de segurança, mensalidades da aquisição do veículo. Ainda mais, o
uso do transporte motorizado já não é opcional. Desde o aparecimento do
transporte motorizado, o ordenamento de nossas cidades tem mudado de um
modo tal que a maioria das pessoas já não vive a uma distância de seu local
de trabalho, das áreas comerciais e de opções de diversão que, caminhando,
possa chegar a esses lugares com facilidade, e por isso TEM QUE depender
do automóvel para deslocar-se. Ou, então, terá de usar o transporte público,
caso em que terá ainda menos controle sobre seus próprios movimentos do
que teria conduzindo um automóvel. Agora, até a liberdade do caminhante
encontra-se enormemente reduzida. Na cidade, ele tem continuamente de
parar e esperar que mudem as luzes dos sinais de trânsito, que estão
pensados, principalmente, para servir ao tráfego de automóveis. No campo, o
tráfego motorizado torna perigoso e desagradável caminhar ao longo da
beira de uma estrada. (Note-se o importante ponto que ilustramos com o
exemplo do transporte motorizado: quando um novo elemento tecnológico é
introduzido na sociedade como uma opção, a qual um indivíduo possa ou
não aceitar — de acordo com sua decisão —, não necessariamente
CONTINUA SENDO opcional, de um modo indefinido. Em muitos casos
essa nova tecnologia transforma a sociedade de tal modo que, ao final, as
pessoas se OBRIGAM a usá-la.)

128. Enquanto o progresso tecnológico, EM SEU CONJUNTO, reduz


paulatinamente a esfera de nossa liberdade, cada avanço tecnológico, sendo
CONSIDERADO EM SI MESMO, parece ser desejável. A eletricidade, as
instalações de água corrente, as comunicações rápidas em longa distância...
como alguém poderia argumentar em contrário a essas coisas, ou em
contrário a qualquer outro dos inumeráveis avanços técnicos que fazem parte
da sociedade humana moderna? Teria sido absurdo resistir-se à introdução
do telefone, por exemplo. Parecia oferecer muitas vantagens e nenhum
inconveniente. Entretanto, tal qual explicamos nos parágrafos 59-76, todos
esses avanços técnicos, tomados conjuntamente, têm criado um mundo no
qual o destino do homem comum já não está em suas próprias mãos, nem
nas mãos de seus vizinhos e amigos, e sim, porém, nas mãos de políticos,
dirigentes de grandes empresas, técnicos e burocratas distantes e anônimos,
sobre os quais esse homem, como indivíduo, não tem a capacidade de influir.
[NOTA 21]
O mesmo processo seguir-se-á produzindo no futuro. Tome-se a
engenharia genética como exemplo. Pouca gente resistirá à aplicação de uma
técnica genética que elimine uma enfermidade hereditária. Não parecerá
causar dano algum, e evitará muito sofrimento. Todavia, um grande número
de melhorias genéticas, tomadas em conjunto, converterá o ser humano num
produto de engenharia, em lugar de manter-se ele como uma livre criação do
acaso (ou de Deus, ou do que for, a depender das crenças religiosas de cada
qual).

129. Outra razão pela qual a tecnologia é uma força social tão poderosa é
que, dentro do contexto de uma determinada sociedade, o progresso
tecnológico se move em uma só direção — não pode jamais ser invertido29.
Tendo sido introduzida uma inovação técnica qualquer, normalmente, as
pessoas se tornam suas dependentes, de modo que já não podem passar sem
ela — a menos que ela seja substituída por alguma inovação ainda mais
avançada. Acontece não apenas dessas pessoas converterem-se em
indivíduos dependentes de um novo elemento tecnológico, como também, e
antes de tudo, o sistema em seu conjunto torna-se dele dependente.
(Imaginem o que ocorreria ao sistema atual se os computadores, por
exemplo, fossem todos eliminados.) Dessa forma, o sistema pode mover-se
em uma só direção, que é para uma maior tecnologização. A tecnologia força
a liberdade a ir retrocedendo sucessivamente, passo a passo; entretanto, a
tecnologia mesma nunca dá um passo atrás — a menos que se derrube o
sistema tecnológico em sua totalidade.

130. A tecnologia avança em grande velocidade e ameaça a liberdade,


concomitantemente, desde ângulos bem diferentes (aglomeração da
população, normas e regulações, crescente dependência dos indivíduos em
relação a grandes organizações, propaganda e outras técnicas psicológicas,
engenharia genética, invasão da privacidade pelo uso de sistemas de
vigilância e computadores, etc.). Fazer retroceder sequer UMA SÓ dessas
ameaças à liberdade requereria uma longa e difícil luta social. Aqueles que
desejam proteger a liberdade encontram-se largamente ultrapassados pelo
imenso número de novas ameaças e pela rapidez com que estas se
desenvolvem, de modo que acabam caindo na apatia e deixando de opor-lhes
resistência. Combater cada uma das ameaças separadamente seria um
esforço inútil. Só se pode esperar ter êxito ao se combater o sistema
tecnológico em seu conjunto; isso, porém, implica a realização de uma
revolução, e não de meras reformas.

131. Os técnicos (usamos tal termo em sentido amplo, para designar


aqueles que executam qualquer tarefa especializada que requeira formação)
tendem a ficar tão absorvidos pelo seu trabalho (sua atividade substitutiva)
que, quando surge um conflito entre seu trabalho técnico e a liberdade, quase
sempre decidem em favor de seu trabalho. No caso dos cientistas, isso é
óbvio; contudo, isso também ocorre em qualquer outro tipo de trabalho
técnico: educadores, associações humanitárias, organizações ecologistas...
ninguém tem dúvidas em fazer uso de propaganda[NOTA 14] ou de outras técnicas
psicológicas que lhes possam ajudar a atingir seus “louváveis” objetivos.
Grandes empresas e agências governamentais30, quando isto lhes parece útil,
não têm dúvidas em proceder à obtenção de informações acerca dos
indivíduos, sem preocuparem-se em respeitar sua privacidade. A polícia e os
promotores, frequentemente, têm o seu trabalho dificultado pelos direitos
constitucionais dos suspeitos, e, muitas vezes, até mesmo pelos direitos de
pessoas completamente inocentes, e daí que fazem tudo o que for legalmente
possível (ou, às vezes, até o ilegal) para restringir ou evitar esses direitos.
Muitos desses educadores, funcionários públicos e agentes da lei creem na
liberdade, na privacidade e nos direitos constitucionais; todavia, quando isso
entra em conflito com o seu trabalho, eles normalmente sentem que o seu
trabalho é mais importante.

132. Bem sabemos que, geralmente, as pessoas trabalham com mais


afinco e melhor quando se esforçam para alcançar uma recompensa de que o
fazem quando a sua intenção é a de evitar um castigo ou uma consequência
negativa. Os cientistas e outros técnicos são motivados, principalmente,
pelas recompensas que obtêm do seu trabalho. Mas aqueles que se opõem às
restrições que a tecnologia impõe à liberdade estão trabalhando para evitar
uma consequência negativa — como resultado disso, são poucos os que
trabalham bem e com afinco, nessa desalentadora tarefa. Se os reformadores,
em algum momento, obtivessem uma vitória significativa, a qual parecesse
estabelecer uma sólida barreira contra posteriores reduções da liberdade pelo
progresso técnico, a maioria deles tenderia a relaxar e a desviar sua atenção
para atividades mais agradáveis. Mas os cientistas continuariam com a sua
ocupação nos seus laboratórios, e a tecnologia, na medida em que fosse
progredindo, iria encontrando os seus caminhos — não obstando-lhe
qualquer barreira que viesse a surgir — para exercer mais e mais controle
sobre os indivíduos e fazê-los cada vez mais dependentes do sistema.

133. Nenhum acordo social — seja uma lei, uma instituição, um costume
ou um código ético — pode oferecer uma proteção permanente contra a
tecnologia. A história mostra que todo acordo social é transitório; em algum
momento, todos são modificados ou infringidos. Entretanto, os avanços
tecnológicos se mantêm sempre — dentro de uma determinada civilização.
Vamos supor, num exemplo, que fosse possível se chegar a certo acordo
social que impedisse a aplicação da engenharia genética em seres humanos,
ou que impedisse que ela fosse aplicada de qualquer maneira que ameaçasse
a liberdade e a dignidade. Ainda assim, a tecnologia permaneceria à espera.
Cedo ou tarde, o acordo social seria infringido. Cedo, provavelmente — haja
vista o ritmo das modificações em nossa sociedade. Aí então, a engenharia
genética começaria a reduzir a esfera de nossa liberdade, e essa redução seria
irreversível (salvo no caso da derrocada da própria civilização tecnológica).
Qualquer ilusão de se alcançar algo duradouro mediante acordos sociais
deveria desvanecer-se ao se observar o que está ocorrendo, atualmente, com
a legislação ambiental. Até há alguns poucos anos, parecia que havia limites
legais invulneráveis que impediriam, ao menos, ALGUMAS das piores
formas de degradação ambiental. Uma mudança qualquer nas tendências
políticas... e essas barreiras começam a desmoronar.31
134. Por todas as razões antes expostas, a tecnologia é uma força social
mais poderosa que o desejo de liberdade. Mas essa afirmação requer uma
importante matização. Parece que, durante as décadas que se seguem, o
sistema tecnoindustrial estará submetido a severas pressões, devidas aos
problemas econômicos e ambientais, e também devidas, de um modo
especial, aos problemas de comportamento humano (alienação, rebeldia,
hostilidade, diversas complicações sociais e psicológicas). Esperamos que as
pressões às quais o sistema provavelmente ficará submetido provoquem sua
derrocada, ou que, ao menos, debilitem-no o suficiente, até que se faça
possível promover uma revolução contra ele. Se essa revolução ocorre e tem
êxito, aí então, nesse exato momento, o desejo de liberdade terá sido mais
poderoso que a tecnologia.

135. No parágrafo 125, usávamos a analogia de um vizinho fraco que é


despojado por um vizinho forte, o qual lhe tira toda sua terra, obrigando-o a
chegar a uma série de acordos. Mas suponhamos, agora, que o vizinho forte
cai adoentado, de modo que não seja capaz de se defender. O vizinho fraco
pode obrigar ao forte que devolva sua terra — ou pode matá-lo. Se deixar
que o vizinho forte sobreviva e apenas o obrigue a devolver a sua terra, será
um estúpido. Afinal, quando o vizinho forte se recuperar, tomará toda a terra
novamente. A única alternativa sensata para o vizinho mais fraco é a de
matar o forte, enquanto tiver a chance de fazê-lo. Do mesmo modo, devemos
destruir o sistema industrial enquanto este estiver adoentado. Se pactuarmos
com ele, e ele se recuperar de sua doença, ao final, acabará por aniquilar
totalmente a nossa liberdade.

Os Mais Simples Problemas Sociais


Têm-se Demonstrado Insolúveis

136. Se alguém ainda imaginar que seria possível reformar-se o sistema de


um modo tal que a liberdade ficasse protegida da tecnologia, deveria
considerar o quão fútil e, na maioria dos casos, ineficientemente nossa
sociedade vem agindo diante de outros problemas sociais que são muito
mais simples e manejáveis. Entre outros casos, o sistema tem fracassado nos
intentos de conter a degradação ambiental, a corrupção política, o tráfico de
drogas ou a violência doméstica.

137. Tome-se como exemplo os nossos problemas ambientais. Nesse caso,


o conflito de valores é patente: a prosperidade econômica de hoje contra a
preservação de alguns de nossos recursos naturais para nossos netos.[NOTA 22]
Mas, com referência a esse assunto, só obteremos um amontoado de palavras
confusas da parte das pessoas com poder, e nada que tenha semelhança com
uma linha de atuação clara e consequente, de modo que vão se acumulando
os problemas ambientais com os quais nossos netos terão de conviver. As
tentativas de se resolver os problemas ambientais consistem em lutas e
negociações entre diferentes facções, algumas das quais chegam a ser
dominantes num momento concreto, e outras, em outros momentos. A linha
pela qual seguem essas lutas varia de acordo com as volúveis tendências da
opinião pública. Esse não é um processo racional, nem é provável que possa
ser dirigido de modo a se alcançar uma solução oportuna e eficaz do
problema. Os principais problemas sociais, mesmo se chegam a ser
totalmente “resolvidos”, raramente — ou mesmo nunca — o são mediante
um plano racional e detalhado. Simplesmente se resolvem por si mesmos,
através de um processo em que vários grupos competidores, que perseguem
cada um dos quais os seus próprios interesses[NOTA 23] (normalmente, em curto
prazo), chegam (por mera sorte, em geral) a uma situação mais ou menos
estável. Na realidade, os princípios que formulamos nos parágrafos 100-106
fazem que pareça duvidoso que um planejamento social em longo prazo
tenha, ALGUMA VEZ, a possibilidade de chegar a ser bem sucedido.

138. Claro está, portanto, que a espécie humana tem, no melhor dos casos,
uma capacidade muito limitada para a resolução até mesmo de problemas
sociais tidos como relativamente simples. Como, pois, iria resolver o
problema, muito mais difícil e sutil, de compatibilizar liberdade e
tecnologia? A tecnologia oferece vantagens materiais evidentes, enquanto a
liberdade é uma abstração que significa diferentes coisas para pessoas
diferentes, e sua perda é facilmente dissimulada com propaganda e discursos
sofisticados.

139. Note-se, ainda, esta importante diferença: talvez os nossos problemas


ambientais (por exemplo) possam algum dia ser resolvidos através de um
plano racional e detalhado; porém, se isso chega a acontecer, será só por que
a resolução desses problemas faz parte dos interesses do sistema, num longo
prazo. Por outro lado, preservar a liberdade ou a autonomia dos pequenos
grupos NÃO faz parte dos interesses do sistema. Ao contrário, o que convém
ao sistema é pôr o comportamento humano sob controle tanto quanto seja
possível.[NOTA 24] Por conseguinte, enquanto as considerações práticas talvez
possam, finalmente, obrigar o sistema a tomar medidas racionais e prudentes
diante dos problemas ambientais, considerações igualmente práticas
obrigarão o sistema a regular o comportamento humano até mesmo mais
estreitamente (preferencialmente através de meios indiretos, que ocultem a
redução da liberdade). Essa não é somente a nossa opinião. Eminentes
cientistas sociais (por exemplo, James Q. Wilson32) têm insistido
especialmente na importância de se socializar as pessoas de um modo mais
efetivo.

A Revolução É Mais Fácil que a Reforma

140. Esperamos que o leitor se tenha convencido de que o sistema não


pode ser reformado de tal modo que se façam compatíveis a liberdade e a
tecnologia. Nosso único caminho possível passará por cima do sistema
tecnoindustrial, em sua totalidade. Isso implica uma revolução; não
necessariamente um levante armado, porém sim, isto certamente, uma
transformação radical e fundamental na natureza da sociedade.

141. As pessoas tendem a considerar como assentado que, se uma


revolução implica uma mudança muito maior que uma reforma, é mais
difícil se promover uma revolução que uma reforma. O fato é que, sob certas
circunstâncias, uma revolução é muito mais fácil que uma reforma. A razão
para isso é que um movimento revolucionário pode inspirar um grau de
comprometimento que um movimento reformista não pode inspirar. Um
movimento reformista se propõe a resolução de algum problema social,
apenas. Um movimento revolucionário se propõe a resolver todos os
problemas de uma vez, e a criar um mundo novo; ele propicia o tipo de ideal
pelo qual as pessoas assumirão grandes riscos e farão grandes sacrifícios.
Por essa razão, será muito mais fácil pôr abaixo a totalidade do sistema que
impor-lhe restrições efetivas e permanentes ao seu desenvolvimento ou à
aplicação de qualquer aspecto da tecnologia — tal como a engenharia
genética, por exemplo. Não será muita gente que se dedicará com uma
completa paixão a impor e manter restrições à aplicação da engenharia
genética; no entretanto, se ocorrem as condições adequadas, um grande
número de pessoas poderá se dedicar apaixonadamente a realizar uma
revolução contra o sistema tecnoindustrial. Tal como assinalamos no
parágrafo 132, os reformadores, ao tratarem de restringir certos aspectos da
tecnologia, estariam se esforçando para evitar uma consequência que lhes
seria negativa. Mas os revolucionários lutam para obter uma grande
recompensa — a materialização de seu ideal revolucionário — e,
consequentemente, se esforçam com mais firmeza e persistência que os
reformistas.
142. A reforma encontra-se sempre contida pelo medo das consequências
dolorosas que se produziriam se as mudanças que promovesse fossem longe
demais. No entanto, uma vez que a febre revolucionária se apossa de uma
sociedade, as pessoas estão dispostas a passar por diversas privações pelo
bem de sua revolução. Isso foi evidente na Revolução Francesa e na
Revolução Russa. Pode ser que, em tais casos, apenas uma minoria estivesse
realmente comprometida com a revolução, contudo, essa minoria era
suficientemente grande e ativa, de tal modo a chegar a se constituir na força
social dominante. Diremos algumas coisas a mais acerca da revolução nos
parágrafos 180-205.

O Controle do Comportamento Humano

143. Desde o início da civilização, as sociedades civilizadas tiveram de


pressionar os seres humanos para manterem o funcionamento do organismo
social. As formas da pressão variam muito, de uma sociedade para outra.
Dentre tais pressões, algumas têm sido físicas (dieta pobre, trabalho
excessivo, contaminação ambiental) e algumas têm sido psicológicas (ruído,
aglomeração populacional, obrigar o comportamento humano a se ajustar
aos moldes que a sociedade exige). No passado, a natureza humana
costumava se manter próxima do invariável, ou então, se variava em algo,
isso se dava apenas dentro de uns fixos limites. Em consequência, as
sociedades vinham sendo capazes de pressionar as pessoas somente até
certos limites. Quando o limite da resistência humana era ultrapassado, as
coisas começavam a se sair mal: ocorriam rebeliões, ou crimes, ou a
corrupção, ou a evitação do trabalho, ou a depressão e outros transtornos
mentais, ou uma elevada taxa de mortalidade, ou uma queda na taxa de
natalidade, ou outras coisas assim, de tal maneira que, ou bem a sociedade
desmoronava, ou bem seu funcionamento se tornava demasiado ineficiente
— e essa, então, seria substituída por alguma outra forma mais eficiente de
sociedade (rápida ou gradualmente, através da conquista, do desgaste ou da
evolução).[NOTA 25]

144. Assim, no passado, a natureza humana colocava determinados limites


para o desenvolvimento das sociedades. As pessoas podiam ser pressionadas
só até certo ponto, e não mais além. Mas, hoje em dia, isso pode estar
mudando, já que a tecnologia moderna está desenvolvendo formas de
modificar os seres humanos.

145. Imaginemos uma sociedade que submetesse as pessoas a condições


que fizessem sua vida terrivelmente infeliz — a qual, entretanto, lhes
administrasse concomitantemente algumas drogas que eliminassem essa
sensação de infelicidade. Ficção científica? Em certa medida, isso é algo que
já está acontecendo em nossa própria sociedade. Sabemos bem que a
frequência da depressão clínica na população tem tido um incremento
importante ao longo das últimas décadas. Pensamos que isso se deva à
perturbação do processo de poder, como já havíamos explicado nos
parágrafos 59-76. Mas ainda que estivéssemos equivocados, a crescente taxa
de depressão seguramente é o resultado de CERTAS condições que existem
na sociedade atual. Em vez de fazer desaparecer as condições que fazem que
as pessoas se deprimam, a sociedade moderna administra-lhes drogas
antidepressivas. Com efeito, os antidepressivos são um instrumento de
modificação do estado interno dos indivíduos, para que eles sejam capazes
de tolerar condições sociais tais que, de outra maneira, resultar-lhes-ia
intoleráveis. (Sabemos, sim, que a depressão muitas vezes tem uma origem
puramente genética. Estamos aqui nos referindo apenas aos casos em que o
ambiente joga um papel predominante.)

146. As drogas psicoativas são somente um exemplo dos novos métodos


de controle do comportamento humano que a sociedade moderna está
desenvolvendo. Examinemos, pois, alguns dos outros métodos existentes.

147. Para começar, temos as tecnologias de vigilância. Já se estão usando


câmeras de vídeo ocultas na maioria das grandes lojas, e, em muitos outros
lugares, os computadores são utilizados para se obter e processar grandes
quantidades de informação acerca dos indivíduos. A informação assim
acumulada aumenta enormemente a eficácia da coerção física (isto é, o
policiamento administrativo e judiciário).[NOTA 26] Para continuar, há os métodos
de propaganda, dos quais os meios de comunicação de massas são um eficaz
veículo de difusão. Têm sido desenvolvidas técnicas eficientes para se
ganhar eleições, vender produtos ou se influir na opinião pública. A indústria
do entretenimento atua como uma importante ferramenta psicológica em
favor do sistema, além de possibilitar também o oferecimento de grandes
doses de sexo e violência. O entretenimento disponibiliza para o homem
moderno um meio essencial de escape psicológico. Enquanto está absorto
diante da televisão, do vídeo, etc., pode esquecer-se do estresse, da
ansiedade, da frustração, da insatisfação. Muitas das pessoas primitivas,
quando não tinham que trabalhar, podiam sentar-se por várias horas seguidas
sem fazer o que quer que fosse, tendo com isso o suficiente para estarem
contentes, pois estavam em paz consigo mesmas e com o mundo. Mas a
maioria das pessoas modernas tende a manter-se constantemente ocupada ou
entretida, posto que, de outro modo, tais pessoas ficam “aborrecidas”, ou
seja, sentem-se inquietas, incomodadas, irritadiças.

148. Outras tecnologias atuam num nível mais profundo que as anteriores.
A educação já não é algo assim tão simples, quanto o era darem-se uns
tabefes em uma criança quando esta não sabia a lição e cumprimentá-la,
então, quando a soubesse. Ela se converteu numa técnica cientificamente
projetada para se controlar o desenvolvimento das crianças. Os Centros de
Aprendizagem Sylvan33, por exemplo, têm obtido um grande êxito na
motivação das crianças aos estudos; e, além disso, em muitos
estabelecimentos convencionais de ensino utilizam-se técnicas psicológicas
mais ou menos eficazes. Os conselhos sobre como se “criar e educar os
filhos”, que estão sendo inculcados aos pais, foram pensados para se fazer
com que as crianças e os jovens aceitem os valores fundamentais do sistema
e se comportem de um modo tal que resulte benéfico ao sistema. Os
programas de “saúde mental”, as técnicas de “intervenção”34, a psicoterapia
e outras coisas desse tipo foram declaradamente pensadas para ajudar os
indivíduos — contudo, na prática, servem normalmente como métodos para
induzir os indivíduos a pensar e a se comportar do modo como o sistema
necessita. (Nisso não há contradição: qualquer indivíduo cujas atitudes ou
cujo comportamento o levem a entrar em conflito com o sistema estará em
rota de colisão com uma força demasiado poderosa para que ele a possa
vencer ou enganar, e, portanto, ele provavelmente sofrerá estresse,
frustração, fracasso. Sua vida será muito mais fácil se pensar e se comportar
da maneira como o sistema exige. Nesse sentido, o sistema atua em
benefício do indivíduo quando consegue que este se conforme, mediante
uma lavagem cerebral.) O abuso infantil, em suas formas mais brutais e
ostensivas, é algo malvisto na maioria das culturas, talvez mesmo em todas.
Maltratar uma criança por motivos triviais ou sem qualquer motivo é algo
que horroriza a quase todo mundo. Mas muitos psicólogos interpretam o
conceito de abuso muito mais amplamente. A surra seria uma forma de
abuso, quando usada como parte integrante de uma forma de disciplina
racional e consistente? A questão posta por esses psicólogos depende de, se
em última instância, essa surra consegue ou não induzir quem a sofre a se
comportar de uma maneira que bem se enquadre no sistema social existente.
Na prática, a palavra “abuso” pode ser interpretada de maneira que inclua
qualquer forma de se criar ou educar uma criança que produza algum
comportamento que resulte inconveniente ao sistema. Desse modo, os
programas contra o “abuso infantil”, quando vão mais além de apenas tratar
de evitar a crueldade manifesta e sem sentido, são direcionados para o
controle do comportamento humano em benefício do sistema.

149. É de se supor que a pesquisa continuará aumentando a eficiência das


técnicas de controle do comportamento humano. Mas consideramos pouco
provável que apenas as técnicas psicológicas serão suficientes para fazer
com que os seres humanos se acomodem ao tipo de sociedade que a
tecnologia está criando. Provavelmente, serão necessários os métodos
biológicos. Já mencionamos, em relação a isso, o uso de drogas. A
neurologia poderá oferecer outras vias para a modificação da mente humana.
A engenharia genética aplicada aos seres humanos está começando já a se
fazer realidade na forma de “terapia genética”, e não há razão para se
acreditar que suas técnicas não acabem por ser utilizadas na modificação
daqueles aspectos do corpo que afetam o funcionamento da mente.

150. Como já mencionamos no parágrafo 134, a sociedade industrial


parece estar entrando em um período de graves dificuldades, em parte
causadas por problemas do comportamento humano e em parte por
problemas econômicos e ambientais. E uma quantidade considerável dos
problemas econômicos e ambientais do sistema é o resultado do modo como
se comportam os seres humanos. Alienação, baixa autoestima, depressão,
hostilidade, rebeldia; crianças que não querem estudar, gangues juvenis,
consumo de drogas ilegais, estupros, abuso infantil, todo tipo de crimes,
sexo inseguro, gravidez precoce, crescimento demográfico, corrupção
política, ódio racial, rivalidade étnica, amargos conflitos ideológicos (como,
por exemplo, a defesa do aborto contra a sua recusa)35, extremismo político,
terrorismo, sabotagem, grupos antigovernamentais, grupos que fomentam o
ódio36. Tudo isso ameaça a própria sobrevivência do sistema. Desse modo, o
sistema será OBRIGADO a usar todos os meios práticos que estejam ao seu
alcance para controlar o comportamento humano.

151. Os problemas sociais que podemos observar na atualidade não têm se


produzido por mera casualidade; eles nada mais são que o resultado das
condições de vida às quais o sistema submete as pessoas. (Afirmamos que a
mais importante dessas condições é a perturbação do processo de poder.) Se
o sistema algum dia chegar a controlar o comportamento humano o
suficiente para assegurar sua própria sobrevivência, esta importante barreira
terá sido superada pela primeira vez na história humana. Enquanto no
passado os limites da resistência humana sempre impuseram entraves ao
desenvolvimento das sociedades (tal como explicamos nos parágrafos 143 e
144), a sociedade tecnoindustrial será capaz de superar esses inconvenientes
mediante a modificação dos seres humanos, fazendo uso de técnicas
psicológicas ou de métodos biológicos. Ou de ambas as coisas. No futuro, os
sistemas sociais não serão modificados para se adaptarem às necessidades
dos seres humanos. Ao contrário, serão os seres humanos os modificados
para se adaptarem às necessidades do sistema.[NOTA 27]

152. Em termos gerais, o controle do comportamento humano


provavelmente não será aplicado como se fosse para cumprir uma função
totalitária, nem sequer com o propósito de restringir a liberdade humana.[NOTA
28]
Cada novo passo na consolidação do controle da mente humana será dado
porque se considerará que essa é uma solução racional para algum problema
que a sociedade tenha de enfrentar, tais como curar o alcoolismo, reduzir os
níveis da criminalidade ou induzir os jovens a estudar as ciências ou algum
tipo de engenharia. Em muitos casos haverá uma justificativa humanitária.
Por exemplo, quando um psiquiatra prescreve um antidepressivo a um
paciente deprimido, é claro que está prestando um favor a esse indivíduo.
Seria desumano negar essa droga a alguém que a necessita. E quando os pais
mandam seus filhos aos Centros de Aprendizagem Sylvan, para que os
manipulem e os façam dar mostras de entusiasmo em seus estudos, fazem
isso pensando no bem de seus filhos. Pode ser que alguns desses pais
preferissem que não se tivesse de receber uma formação especializada para
se conseguir um emprego, e que seu filho não tivesse de sofrer uma lavagem
cerebral que o convertesse em um viciado em informática. Mas... que outra
coisa poderiam fazer? Não podem mudar a sociedade, e seu filho poderia ter
sérias dificuldades para encontrar um emprego, se não chegasse a adquirir
certas habilidades. Assim, pois, que o mandam ao Sylvan.

153. Nessas condições, o controle sobre o comportamento humano não


será introduzido mediante uma decisão calculada das autoridades, e sim
mediante um processo de evolução social (de RÁPIDA evolução, de
qualquer modo). Será impossível resistir-se a esse processo, já que cada
avanço, considerado em si mesmo, parecerá benéfico — ou, pelo menos, o
mal necessário à realização do processo parecerá menor que aquele que
implicaria o não se avançar (ver parágrafos 127 e 128). A propaganda, por
exemplo, muitas vezes é usada para boas finalidades, tais como evitar o
abuso infantil ou o ódio racial. A educação sexual, evidentemente, é algo de
útil; contudo, o efeito da educação social (na medida em que tenha êxito)
será tirar da família a tarefa de orientar as atitudes sexuais dos jovens e pô-la
nas mãos do Estado, representado pelo sistema público de ensino.

154. Vamos supor a possibilidade da descoberta de um traço biológico


condicionante que aumentasse a probabilidade de algumas crianças, ao
crescerem, converterem-se em criminosos, e suponhamos ainda a
possibilidade da elaboração de algum tipo de terapia genética que permitisse
a eliminação desse traço.[NOTA 29] Seguramente, a maioria dos pais cujos filhos
portassem esse traço iria querer submetê-los a essa terapia. Seria desumano
atuar-se de outra maneira, já que a criança, certamente, acabaria por levar
uma vida miserável, se ela se transformasse em um criminoso, ao crescer.
Entretanto, muitas ou a maioria das sociedades primitivas tinham um baixo
índice de criminalidade, em comparação com o que ocorre em nossa
sociedade, mesmo sem dispor de meios de alta tecnologia para educar as
crianças ou de sistemas para reprimir duramente a criminalidade. Já que não
há razão para se supor que as tendências inatas dos homens modernos sejam
mais inclinadas ao crime que as dos homens primitivos, o alto índice de
criminalidade de nossa sociedade haverá de ser o resultado das pressões a
que se encontram submetidas as pessoas pelas modernas condições de vida,
às quais muitos não podem ou não querem se adaptar. Assim, pois, um
tratamento planejado para eliminar potenciais tendências criminosas seria,
ao menos em parte, uma forma de reconstrução dos seres humanos para que
estes se acomodassem às exigências do sistema.

155. Nossa sociedade tende a considerar “doentio” qualquer


comportamento ou modo de pensar que demonstre ser inconveniente ao
sistema. E assim o é por que, quando um indivíduo não se encaixa dentro do
sistema, isso tem um resultado doloroso para o indivíduo ao mesmo tempo
em que causa problemas ao sistema. Por conseguinte, a manipulação dos
indivíduos para adaptá-los ao sistema é vista como a “cura” de uma
“doença”, e, consequentemente, como algo de bom.

156. No parágrafo 127 nós afirmamos que, apesar do uso de um novo


elemento tecnológico INICIALMENTE ser opcional, não necessariamente
este elemento CONTINUARÁ indefinidamente a sê-lo, já que a nova
tecnologia tende a transformar a sociedade de um modo tal até ser difícil —
ou mesmo impossível — para qualquer indivíduo cumprir suas funções sem
o uso dessa tecnologia. Isso também é aplicável à tecnologia para o controle
do comportamento humano. Em um mundo no qual a maioria das crianças
estará submetida a cursos que as façam entusiasmar-se pelos estudos,
qualquer pai estará praticamente obrigado a indicar para seu filho os cursos
desse tipo; afinal, em este pai não fazendo isso, então o seu filho, ao crescer,
será o equivalente a um ignorante, e, consequentemente, a um incapacitado
— quando tiver de optar por algum posto de trabalho. Ou, então,
suponhamos a descoberta de um tratamento o qual, sem efeitos colaterais
indesejáveis, reduza bastante o estresse psicológico sofrido por tantas
pessoas em nossa sociedade. Se um grande número de pessoas escolhesse
submeter-se a esse tratamento, então o nível geral de estresse na sociedade
seria reduzido, e, desse modo, o sistema poderia seguir incrementando as
pressões que geram estresse. Isso levaria ainda mais gente a submeter-se a
tal tratamento — e assim sucessivamente, de modo que, ao termo disso, as
pressões poderiam chegar a ser tão intensas que pouca gente seria capaz de
sobreviver sem ter de submeter-se àquele tratamento de redução de estresse.
De fato, algo assim parece já ter ocorrido com uma das ferramentas
psicológicas mais importantes de acesso à redução do estresse (ou, ao
menos, ao seu escape temporário), em nossa sociedade: o entretenimento de
massas (veja-se o parágrafo 147). Nosso uso do entretenimento de massas é
“opcional”: nenhuma lei nos força a assistir televisão, escutar rádio, ler
revistas. Entretanto, o entretenimento de massas é um meio de escape e de
redução do estresse, e a maioria de nós se tornou dependente disso. Todo
mundo se queixa do lixo transmitido pela televisão — contudo, quase todos
assistem à televisão. Alguns poucos deixaram de lado o hábito de assistir
TV, todavia, é raro encontrar-se hoje em dia uma pessoa que não use
QUALQUER tipo de entretenimento de massas. (No entanto, até um período
bastante recente da história na humanidade, a maior parte das pessoas se
dava por muito contente sem mais entretenimento que aquele que cada
comunidade local criava para si mesma.) Sem a indústria do entretenimento,
o sistema provavelmente não seria capaz de nos ter submetido ao alto grau
de pressão estressante a que nos submete.

157. Se a sociedade industrial sobreviver, é provável que a tecnologia


acabe por adquirir algo muito parecido a um controle total sobre o
comportamento humano. Que o pensamento e o comportamento humanos
tenham, em grande medida, um embasamento biológico, é algo que vem
sendo demonstrado para além de toda dúvida racional. Como os
experimentos têm demonstrado, sensações tais como a fome, o prazer, a ira e
o medo podem ser provocadas ou inibidas através da estimulação elétrica
das zonas cerebrais apropriadas. As recordações podem ser destruídas
causando-se danos em certas áreas do cérebro, ou podem mesmo aflorar à
consciência através da estimulação elétrica. Pelo uso de drogas, pode-se
provocar alucinações ou mudar os estados de humor. Pode ser que exista
algo como uma alma imaterial, ou mesmo que isso não exista — contudo, se
tal coisa existe, evidentemente é menos poderosa que os mecanismos
biológicos que embasam o comportamento humano. Afinal, se assim não
fosse, então os investigadores não seriam capazes de manipular tão
facilmente as emoções e o comportamento humano por meio de drogas e
correntes elétricas.

158. É de se supor que seria impraticável fazer que todas as pessoas


carregassem eletrodos inseridos em suas cabeças — para as autoridades
poderem, assim, mantê-las sob o seu controle. Mas o fato dos pensamentos e
emoções humanos serem tão suscetíveis à intervenção biológica mostra que
o problema do controle de comportamento é, antes de tudo, um problema de
tipo técnico; um problema de neurônios, hormônios e moléculas complexas;
o tipo de problema acessível à abordagem científica. Dado o excelente
histórico de nossa sociedade no que se refere a resolver problemas técnicos,
é muitíssimo provável que se consigam grandes avanços no controle do
comportamento humano.

159. A resistência das pessoas impedirá a introdução do controle


tecnológico do comportamento humano? Certamente que poderia impedi-la,
se se tentasse introduzir essa forma de controle social de uma só feita. Mas
uma vez que o controle tecnológico se irá introduzindo mediante uma
sucessão de pequenos passos, não se produzirá qualquer resistência racional
e efetiva da parte dos populares (vejam-se os parágrafos 128, 132 e 153).

160. A todos aqueles que pensam que tudo isso soa como ficção científica,
recordaremos que aquilo que antigamente era apenas ficção científica
atualmente já é realidade. A Revolução Industrial alterou radicalmente o
meio ambiente e o modo de vida do homem, e é só uma questão de tempo
para que, na medida em que a tecnologia seja paulatinamente aplicada sobre
o corpo e a mente humanos, o próprio homem acabe sendo modificado tão
radicalmente quanto o tem sido o seu meio ambiente e o e seu modo de vida.

A Humanidade numa Encruzilhada

161. Nós avançamos demasiadamente com nosso relato. Uma coisa é


desenvolver-se em laboratório uma série de técnicas psicológicas e
biológicas para manipular o comportamento humano, e outra, bastante
distinta, integrar-se essas técnicas dentro de um sistema social em
funcionamento. Esse último problema é, de ambos, o mais difícil de resolver.
Por exemplo, mesmo que as técnicas de psicopedagogia funcionem bastante
bem nas “escolas” em que são desenvolvidas, não é exatamente simples
aplicá-las de maneira eficaz no conjunto de nosso sistema educacional.
Todos conhecemos a situação pela qual atravessam muitas de nossas escolas.
Os professores estão por demais atarefados, tomando facas e revólveres dos
menores, para poder submetê-los a novas técnicas que façam deles uns
viciados em informática. Por isso, apesar de todos os avanços técnicos
quanto à modificação do comportamento humano, até presentemente, o
sistema não havia tido um êxito total ao se tratar de controlar os seres
humanos. As pessoas cujo comportamento se encontra, em boa medida,
sujeitado ao controle por parte do sistema são aquelas que pertencem ao tipo
que poderíamos qualificar como “burguês”. Mas há uma crescente
quantidade de gente que, de um modo ou de outro, rebela-se contra o
sistema: parasitários de assistência social, gangues juvenis, certas seitas
excêntricas, satanistas, nazistas, ecologistas radicais, membros de milícias37,
etc.
162. O sistema, atualmente, está travando uma batalha desesperada para
superar certos problemas que ameaçam sua sobrevivência, entre os quais os
mais importantes são os problemas do comportamento humano. Se o sistema
chega a adquirir suficiente controle sobre o comportamento humano, rápido
o bastante, provavelmente sobreviverá. Em caso contrário, irá cair. Temos a
convicção de que essa questão irá se resolver nas próximas décadas —
digamos que entre os próximos 40 e 100 anos.

163. Vamos supor que o sistema sobreviva às crises das próximas décadas.
Nesse tanto, haverá necessariamente de ter resolvido, ou ao menos ter
submetido ao seu controle os principais problemas que vem enfrentando, em
particular a “socialização” dos seres humanos; isto é, tornar as pessoas
suficientemente dóceis para que seu comportamento já não represente uma
ameaça para o sistema. Uma vez alcançado isso, não parece que vá haver
ainda qualquer outro obstáculo para o desenvolvimento da tecnologia, e,
seguramente, esta avançará até sua consecução lógica — que não é outra
além do controle total sobre tudo o que existe na Terra, incluídos o ser
humano e qualquer outro organismo importante. Pode ser que o sistema se
converta em uma organização unitária, monolítica, ou ainda que permaneça
mais ou menos fragmentado e se baseie, então, na coexistência de certo
número de organizações que mantivessem relações mútuas tanto de
cooperação quanto de competência, do mesmo modo que o governo, as
grandes empresas e outras grandes organizações cooperam e competem entre
si. A liberdade humana, praticamente, terá desaparecido, já que os
indivíduos e os pequenos grupos serão impotentes frente às grandes
organizações armadas com supertecnologia e com um arsenal de avançadas
ferramentas psicológicas e biológicas para manejar e modificar os seres
humanos, além de instrumentos de vigilância e coerção física. Somente um
pequeno número de pessoas terá algum poder real, e até mesmo essas
pessoas, provavelmente, gozarão de uma liberdade muito limitada, porque
seu comportamento também se encontrará regulado — do mesmo modo que,
hoje em dia, os políticos e os dirigentes de grandes empresas só podem
conservar suas posições de poder se mantiverem seu comportamento dentro
de certos limites bastante estreitos.

164. Ninguém deveria ter a ilusão de que o sistema deixará de


desenvolver tecnologias para controlar os seres humanos e a Natureza,
mesmo chegando a superar a crise das próximas décadas, nem de que, daí
então, já não tenha a necessidade de incrementar esse controle para assegurar
sua sobrevivência. Ao contrário, assim que tiver superado os tempos difíceis,
o sistema irá incrementar o controle sobre as pessoas e a Natureza, pois já
não encontrará obstáculo nas dificuldades que atualmente enfrenta. A
sobrevivência não é o motivo principal para se aumentar o controle. Tal
como explicamos nos parágrafos 87-90, os técnicos e cientistas, em grande
medida, realizam seu trabalho como atividade substitutiva — isto é,
satisfazem sua necessidade de poder resolvendo problemas técnicos. Eles
seguirão fazendo isso, com inesgotável entusiasmo. E dentre os problemas
que lhes parecerão mais interessantes e atrativos a resolver, estarão aqueles
relativos à compreensão do corpo e da mente humanos e à ingerência em seu
desenvolvimento. Pelo “bem da humanidade” — sem qualquer dúvida.

165. Mas, num sentido contrário, suponhamos que as dificuldades das


próximas décadas demonstrem ser excessivas para o sistema. Se o sistema
desmoronar, haverá um período de caos, uma “etapa conflituosa”, como
outras anteriormente ocorridas em diversas épocas ao longo da história. É
impossível prever-se o que surgirá após esse período de incertezas, porém,
de qualquer modo, ofereceria uma nova oportunidade para a espécie
humana. O perigo maior seria de que a sociedade industrial fosse
reconstituída durante os anos imediatamente posteriores ao colapso.
Certamente, haveria muita gente — especialmente aqueles indivíduos
sedentos de poder — que estaria ansiosa por fazer as fábricas voltarem a
funcionar.

166. Por conseguinte, se odiamos o estado de servidão ao qual o sistema


industrial está reduzindo a humanidade temos de enfrentar duas tarefas.
Primeiro, devemos nos esforçar por incrementar as tensões sociais dentro do
sistema, para assim aumentar a possibilidade de que este venha abaixo ou
que se debilite o suficiente para que seja possível confrontá-lo com uma
revolução. Segundo, é necessário desenvolver e propagar uma ideologia que
se oponha à tecnologia e ao sistema industrial. Tal ideologia poderá
converter-se no fundamento para uma revolução contra a sociedade
industrial, quando o sistema estiver debilitado o suficiente (se chegar a se
debilitar o suficiente). E essa ideologia ajudará a assegurar que, quando o
sistema industrial desmorone (se chegar a desmoronar), seus escombros
sejam arrasados para além de toda possibilidade de recuperação, de modo
que o sistema não possa ser reconstruído. As fábricas deveriam ser
destruídas, os livros técnicos queimados, etc.

O Sofrimento Humano

167. O sistema industrial não irá cair pela mera consecução da atividade
revolucionária. Ele não será vulnerável ao ataque revolucionário — a menos
que seus próprios problemas de desenvolvimento acarretem-lhe dificuldades
muito sérias. Desse modo, se o sistema desmoronar, isso se dará de um
modo espontâneo — ou, então, mediante um processo que, por um lado,
manterá essa espontaneidade, conquanto, por outro lado, será favorecido
pelos revolucionários. Se o colapso for repentino, muita gente morrerá, já
que a população mundial se tornou tão desmesuradamente grande que, sem
tecnologia avançada, já não poderá alimentar-se a si mesma. E mesmo se o
colapso se produzir de maneira suficientemente gradual para que seja
possível algum descenso populacional, mediante uma redução na taxa de
natalidade em lugar de uma ampliação na taxa de mortalidade, o processo de
desindustrialização, provavelmente, será demasiadamente caótico e
provocará muito sofrimento. É uma ingenuidade pensar que a tecnologia
poderá ser abandonada tranquila e ordenadamente, sobretudo por que os
tecnófilos resistirão tenazmente. É cruel, portanto, que nos esforcemos para
favorecer o colapso do sistema? Pode ser que sim — ou que não. Em
primeiro lugar, os revolucionários nem mesmo poderão derrubar o sistema se
este não estiver tanto e a tal ponto debilitado que, daí então, já haveria uma
grande possibilidade, de todo modo, de que ele acabasse se afundando por si
mesmo. E quanto maior o sistema se tornasse, mais desastrosas seriam as
consequências de seu afundamento; assim, pode até mesmo ser que, ao
acelerarem a chegada do colapso, os revolucionários estejam, na realidade,
reduzindo a magnitude desse desastre.
168. Em segundo lugar: haverá que se sopesar — ou a luta e a morte, ou a
perda da liberdade e da dignidade. Para muitos de nós, a liberdade e a
dignidade são mais importantes que a longevidade ou que a evitação da dor
física. Ademais, todos haveremos de morrer, antes ou depois, e pode mesmo
ser melhor morrer lutando pela sobrevivência, ou por uma causa, que viver
uma longa vida — porém vazia e sem sentido.

169. Em terceiro lugar, não é certo, em absoluto, que a sobrevivência do


sistema possa nos fazer esperar menos sofrimento que o provocado por seu
colapso. O sistema já tem causado — e vai seguir causando — um imenso
sofrimento em todos os lugares. Culturas antigas, que durante centenas ou
milhares de anos proporcionaram a seus membros formas satisfatórias para
relacionarem-se entre si e com seu meio, têm sido destruídas pelo contato
com a sociedade industrial, e como resultado temos um enorme rol de
problemas econômicos, ambientais, sociais e psicológicos. Um dos efeitos
da intromissão da sociedade industrial foi o de que muitos dos mecanismos
tradicionais de controle demográfico têm sido alterados. Como consequência
disso, vem ocorrendo um crescimento explosivo da população, com tudo o
que isso provoca. Ademais, há o sofrimento psicológico, que se acha
amplamente espalhado entre a população dos supostamente afortunados
países do Ocidente (ver parágrafos 44 e 45). Ninguém sabe que
consequências trarão a destruição da camada de ozônio, o efeito estufa e
outros problemas ambientais que nem sequer podem ser previstos ainda, e,
como já ficou demonstrado com a proliferação das armas nucleares,
nenhuma nova tecnologia pode ser mantida afastada do alcance dos
ditadores ou de irresponsáveis nações do Terceiro Mundo. Pensemos como e
para que utilizariam a engenharia genética, se o pudessem, o Iraque38 ou a
Coreia do Norte.

170. “Oh!” — dizem os tecnófilos — “A ciência encontrará uma solução


para todos esses problemas! Acabaremos com a fome, eliminaremos o
sofrimento psicológico, faremos com que todo mundo esteja são e contente!”
— pois sim, vão acreditando. Isso é o mesmo que se dizia já há uns duzentos
anos. Supunha-se, por aquela época, que a Revolução Industrial faria
desaparecer a pobreza, que faria com que todo mundo fosse feliz, etc. As
consequências reais têm sido bem distintas. Os tecnófilos são
irremediavelmente ingênuos (ou se autoiludem) em sua forma de entender os
problemas sociais. Não se apercebem (ou optam pela ignorância) do fato que
quando as grandes mudanças, inclusive as aparentemente benéficas, são
levadas a termo numa sociedade, essas mudanças, por sua vez,
desencadeiam uma longa sequência de outras novas mudanças, a maior parte
das quais são impossíveis de se prever (parágrafo 103). O resultado é a
desestabilização da sociedade. Desse modo, é muito provável que, com seus
intentos de acabar com a pobreza e a doença, produzir personalidades dóceis
e felizes e coisas desse gênero, os tecnófilos acabem por criar sistemas
sociais que serão terrivelmente conflituosos, mais até que o próprio sistema
atual. Por exemplo, os cientistas alardeiam que acabarão com a fome criando
novas formas de cultivo de alimentos através da engenharia genética. Mas
isso permitiria que a população humana continuasse se expandindo
indefinidamente, e bem sabemos que a aglomeração produz um aumento do
estresse e da agressão. Esse é só um exemplo dos problemas PREVISÍVEIS
que iriam surgir. Queremos insistir em que, tal como tem mostrado nossa
experiência passada, o progresso tecnológico acarretará outros novos
problemas que NÃO PODERÃO ser previstos de antemão (parágrafo 103).
De fato, com a Revolução Industrial, a tecnologia tem estado sempre criando
novos problemas para a sociedade, muito mais rapidamente que vem
resolvendo os antigos. Por isso, aos tecnófilos será exigido um longo e difícil
processo de tentativa e erro para livrar seu Admirável Novo Mundo de todos
os defeitos (se é que algum dia o consigam). E, enquanto isso, produzir-se-á
uma grande quantidade de sofrimento. Assim, não está totalmente claro que
a sobrevivência da sociedade industrial implique menos sofrimento que
provocaria o seu colapso. A tecnologia tem metido a humanidade num
imbróglio que não parece ter qualquer solução fácil.

O Futuro

171. Mas suponhamos, agora, que a sociedade industrial chegue a


sobreviver às próximas décadas e que, finalmente, chegue a desvencilhar-se
de seus defeitos, de modo que o sistema funcione, então, sem entraves. Que
tipo de sistema seria esse? Consideraremos algumas possibilidades diversas.
172. Primeiramente, iremos propor a hipótese de que os engenheiros de
computação chegassem a desenvolver máquinas inteligentes, as quais
pudessem fazer melhor tudo o que fazem os seres humanos. Em tal caso,
possivelmente, todo o trabalho seria realizado por vastos e altamente
organizados sistemas de máquinas, e não seria necessário que os seres
humanos realizassem qualquer esforço. Aí então, poderia se produzir um
destes dois cenários possíveis: ou bem se acabaria permitindo que as
máquinas tomassem todas as decisões por si mesmas, sem a supervisão dos
seres humanos, ou bem os seres humanos seguiriam mantendo sua
capacidade de controle sobre as máquinas.

173. Se vier a ser permitido às máquinas que tomem todas as decisões por
si mesmas, não poderemos apontar quais seriam as consequências, já que é
impossível adivinhar como tais máquinas iriam comportar-se. Assinalemos
somente que, nesse caso, o destino da humanidade estaria à mercê das
máquinas. Poderia objetar-se que a espécie humana nunca seria assim tão
estúpida, a tal ponto que deixasse todo o poder nas mãos das máquinas. Mas
o que estamos esboçando aqui não é um caso em que a humanidade fosse
ceder voluntariamente o poder às máquinas, nem que as máquinas fossem
tratar de adonar-se intencionalmente do poder. O que esboçamos é um caso
em que a espécie humana poderia, facilmente, deslizar lentamente e sem
controle para um estado tal de dependência das máquinas que já não teria, na
prática, a opção de escolher — tanto que teria de aceitar todas as decisões
que as máquinas tomassem. Na medida em que a sociedade e os problemas
que ela enfrenta forem cada vez mais complexos, e que as máquinas forem
cada vez mais inteligentes, as pessoas permitiriam, paulatinamente, que as
máquinas seguissem tomando cada vez mais as decisões em seu lugar,
simplesmente por que as decisões tomadas pelas máquinas darão melhores
resultados que aquelas tomadas pelos homens. Ao termo disso, pode ser que
venha um tempo em que as decisões necessárias para se manter o sistema em
funcionamento fiquem tão complicadas que os seres humanos sejam
incapazes de tomá-las com eficácia. Chegando-se a esse ponto, na prática, as
máquinas teriam todo o controle. As pessoas já não poderiam desligar as
máquinas, já que delas estariam tão dependentes que desligá-las equivaleria
a se suicidarem.
174. Por outro lado, é possível que os seres humanos cheguem a manter o
controle sobre as máquinas. Em tal caso, o homem comum poderá ter
controle sobre certas máquinas particulares de sua propriedade, tais como o
seu carro ou o seu computador pessoal; contudo, o controle sobre os grandes
sistemas de máquinas estará nas mãos de uma pequena elite — como o é
hoje em dia, porém, com duas notáveis diferenças. Devido ao avanço das
tecnologias, a elite possuirá maior capacidade de controle sobre as massas;
além disso, pelo fato do trabalho humano já não ser necessário, as massas
serão dispensáveis, um inútil lastro para o sistema. Se a elite for
desapiedada, pode ser que, simplesmente, ela decida exterminar a maior
parte da humanidade. Se ela for compassiva, pode ser que use a propaganda
ou outras técnicas psicológicas ou biológicas para reduzir a taxa de
natalidade, até que a maioria da população humana se extinga, deixando o
mundo, pois, apenas para a elite. Ou então, se a elite for composta por
liberais generosos de coração e mente, pode ser que eles decidam assumir o
papel de bondosos pastores do resto da espécie humana. Seu intento será o
de que todos tenham suas necessidades físicas satisfeitas, que todas as
crianças sejam criadas em condições psicologicamente saudáveis, que todos
tenham um equilibrado e construtivo passatempo para manterem-se
ocupados e que qualquer pessoa que possa chegar a sentir-se descontente
seja submetida a um “tratamento” — para curar esse seu “distúrbio”. Bem
entendido, nesse caso, a vida ficará de tal modo destituída de sentido que as
pessoas terão de ser manipuladas, biológica ou psicologicamente, seja para
eliminar sua necessidade de experimentar o processo de poder, seja para
fazer com que sintam “aplacada” essa necessidade com a mera prática de
algum passatempo inofensivo. Esses seres humanos modificados, numa
sociedade assim como essa, talvez sejam mesmo felizes, até; no entanto,
bem claro está que não serão livres. Terão sido reduzidos, então, a uma
condição de animais domésticos.

175. Mas suponhamos, agora, que os engenheiros de computação jamais


cheguem a desenvolver tal inteligência artificial, de modo que o trabalho
humano siga ainda sendo necessário. Mesmo assim, as máquinas serão
encarregadas de realizar um número cada vez maior de tarefas simples, de
modo que a mão de obra humana será cada vez mais desnecessária nos
níveis mais baixos de qualificação. (Vemos que isso já está ocorrendo. Há
muita gente para quem conseguir um emprego já fica difícil ou impossível,
porque, por motivos intelectuais ou psicológicos, não podem adquirir
formação num nível suficientemente necessário para serem úteis no atual
sistema.) Para aqueles que têm um emprego, serão feitas cada vez mais
exigências: necessitarão cada vez mais de formação, de mais e mais
qualificação, e deverão ser cada vez mais e mais conformistas, dóceis e leais
ao sistema — de um modo tal que serão cada dia mais semelhantes às
células de um gigantesco organismo. Suas tarefas serão cada vez mais
especializadas, de maneira que seu trabalho estará, de certo modo, fora do
contato com o mundo real, centrados numa diminuta fração da realidade. O
sistema terá de utilizar qualquer meio possível, seja psicológico ou
biológico, com o objetivo de manipular as pessoas para mantê-las dóceis,
fazer que apresentem as capacidades que o sistema exige e fazer que sintam
sua necessidade de poder “aplacada” pela realização de alguma tarefa
especializada. Mas essa afirmação, que as pessoas de uma sociedade tal
terão de ser dóceis, exige uma consideração. A competência talvez seja útil
para tal sociedade, sempre que se desenvolvam maneiras de se manter essa
competência dentro de alguns limites — os quais levem-na a servir às
necessidades do sistema. Podemos imaginar uma sociedade futura na qual
ocorra uma interminável concorrência por posições de prestígio e poder. Mas
somente uns poucos chegarão a alcançar o topo, onde se encontra o único
poder real (veja-se o final do parágrafo 163). É de causar repulsa, uma
sociedade tal — na qual, para se alcançar uma satisfação de sua necessidade
de poder, uma pessoa tenha de por muitos outros concorrentes para fora
dessa corrida, privando-os, assim, da SUA própria possibilidade de alcançar
o poder.

176. Pode-se imaginar possíveis cenários que incorporem aspectos de


mais de uma das possibilidades que acabamos de comentar. Num exemplo,
as máquinas poderão encarregar-se da maior parte do trabalho realmente
importante e prático, e contudo, manterem-se ainda ocupados os seres
humanos, encarregando-se-lhes da realização de tarefas relativamente pouco
importantes. Há quem tenha sugerido, por exemplo, que o grande
desenvolvimento do setor de serviços dará trabalho aos seres humanos,
numa sociedade futura. Assim, as pessoas dessa sociedade passariam seu
tempo lustrando os sapatos umas das outras, transportando-se mutuamente
de táxi, servindo-se às mesas entre si, produzindo artesanato umas para as
outras, etc. Isso nos parece um fecho totalmente degradante para a raça
humana, e duvidamos que muitos indivíduos considerassem plena uma vida
dedicada a realizar tais tarefas sem sentido. Buscariam algumas outras
formas perigosas de alívio (drogas, delinquência, certas seitas excêntricas,
grupos que fomentam o ódio), a não ser que fossem manipulados biológica
ou psicologicamente para se adaptarem a semelhante modo de vida.

177. Sem dúvida, os cenários antes mencionados não esgotam todas as


possibilidades. Esses cenários só indicam as situações futuras que, parecem-
nos, são as mais prováveis. Mas, de todo modo, não imaginamos qualquer
possível cenário que se mostre menos repugnante que esses que
descrevemos. É muitíssimo provável que, se o sistema sobreviver nos
próximos 40 ou 100 anos, daí então terá desenvolvido certas características
gerais: os indivíduos (ao menos os de tipo “burguês”, que estão integrados
ao sistema e fazem com que este funcione, e que, em consequência, têm todo
o poder) serão mais dependentes que nunca das grandes organizações;
estarão mais “socializados” que nunca, e suas características físicas e
mentais serão, em certa medida (possivelmente, em grande medida), um
produto da manipulação, em vez de serem o resultado do acaso (ou da
vontade divina, ou seja lá do que for); e tudo o que ainda puder haver da
Natureza selvagem terá sido reduzido a restos preservados para estudos e
mantidos sob a supervisão e gestão de cientistas (pelo que já não serão
verdadeiramente selvagens). Em longo prazo (digamos que seja dentro de
poucos séculos), é provável que nem a espécie humana e nem qualquer outra
espécie importante existam tais como as conhecemos hoje em dia, porque,
uma vez que se comece a modificar os organismos através da engenharia
genética, não haverá motivo para se deixar de continuar a fazê-lo ao se
chegar a um determinado ponto, de modo que as modificações
provavelmente seguirão adiante, até que o homem e outros organismos
tenham sido completamente transformados.

178. Aconteça o que acontecer, é certo que a tecnologia está impondo aos
seres humanos um novo meio físico e social radicalmente diferente do amplo
leque de ambientes aos quais a seleção natural vinha adaptando, física e
psicologicamente, a humanidade. Se o ser humano não se conformar ao novo
meio através de modificações artificiais, terá então de se adaptar através de
um longo e doloroso processo de seleção “natural”. A primeira possibilidade
é bem mais provável que a segunda.

179. O melhor seria rejeitar-se logo o maldito sistema em seu conjunto, e


assumir as consequências.

A Estratégia

180. Os tecnófilos estão nos arrastando, a todos, em sua corrida totalmente


imprudente para o desconhecido. Muitas pessoas entendem parcialmente o
que o progresso tecnológico está ocasionando; entretanto, tomam diante dele
uma atitude passiva, pois consideram que isso é algo de inevitável. Mas nós
(o FC) não pensamos que isso seja inevitável. Entendemos que é algo que
pode ser detido, e oferecemos aqui algumas indicações de como se atuar
para detê-lo.

181. Tal como dissemos no parágrafo 166, na atualidade, as duas


principais tarefas são promover as tensões sociais e propagar uma ideologia
que se oponha à tecnologia e ao sistema industrial. Quando o sistema estiver
já suficientemente perturbado e instável, será possível realizar-se uma
revolução contra a tecnologia. O modelo seria similar ao da Revolução
Francesa e da Revolução Russa. As sociedades francesa e russa, durante
várias décadas antes de suas respectivas revoluções, deram mostras de sinais
de tensão e debilitamento, num crescendo. Nesse ínterim, foram
desenvolvendo-se ideologias que ofereciam uma nova forma de ver o
mundo, bem diferente da antiga. No caso da Rússia, os revolucionários se
dedicaram ativamente a solapar as bases da velha ordem social. Aí então,
quando o sistema já se encontrava submetido a um tensionamento
suficientemente grande (devido à crise financeira, no caso da França, e a
uma derrota militar, no da Rússia), foi destruído pela revolução. O que
propomos é algo parecido.

182. Poderia objetar-se que a Revolução Francesa e a Revolução Russa


fracassaram. Mas a maioria das revoluções tem dois objetivos. Um deles é
destruir a velha forma de sociedade existente, e outro é estabelecer a nova
forma de sociedade imaginada pelos revolucionários. Os revolucionários
franceses e russos fracassaram (por uma feliz sorte!) ao criar o novo tipo de
sociedade com que sonhavam, no entanto foram muito bem sucedidos em
destruir a sociedade antiga. Nós mesmos não temos ilusões acerca da
viabilidade de se criar uma nova forma de sociedade, algo ideal. Nosso único
objetivo é destruir a forma de sociedade por ora existente.

183. Mas para que uma ideologia alcance um apoio entusiástico, deve
oferecer um ideal positivo para além de um negativo; deve estar A FAVOR
DE algo, além de CONTRÁRIO A algo. O ideal positivo que nós propomos
é a Natureza. Ou melhor, a Natureza SELVAGEM: aqueles aspectos do
funcionamento da Terra e dos seres vivos que são independentes do manejo
humano e que se encontram livres da ingerência e do controle humanos. E
consideramos que a natureza humana está incluída na Natureza selvagem,
entendendo-se por natureza humana aqueles aspectos do funcionamento do
indivíduo humano que não se sujeitam a qualquer tipo de regulação por parte
de uma sociedade organizada, sendo antes um produto da sorte, ou do livre
arbítrio, ou de Deus (a depender de quais sejam as crenças religiosas ou
filosóficas de cada um).

184. A Natureza constitui-se em um perfeito ideal o qual opor à


tecnologia — por diversos motivos. A Natureza (aquela que se encontra para
além da influência do poder do sistema) é o oposto da tecnologia (a qual
tende a ampliar indefinidamente o poder do sistema). A maioria das pessoas
terá acordo em que a Natureza é bela; certamente, isso chega a ser algo
tremendamente atrativo para muita gente. Os ecologistas radicais39 JÁ
assumiram uma ideologia que exalta a Natureza e que se opõe à tecnologia.
[NOTA 30]
Não é preciso estabelecer-se qualquer tipo de utopia quimérica, nem
qualquer tipo de nova ordem social para ajudarmos a Natureza. A Natureza
cuida de si mesma: é uma criação espontânea com existência muito anterior
ao surgimento de qualquer sociedade humana, e, no decorrer de incontáveis
séculos, vários tipos diferentes de sociedades humanas coexistiram com ela,
sem causar-lhe um estrago que chegasse a ser demasiadamente grande. Foi
com a Revolução Industrial, e somente então, que o efeito da sociedade
humana sobre a Natureza se tornou, realmente, devastador. Para aliviar-se a
pressão sobre a Natureza, não seria preciso criar qualquer tipo especial de
sistema social — somente será necessário livrarmo-nos da sociedade
industrial. Pois bem, isso não resolverá todos os problemas. A sociedade
industrial causou já um enorme estrago à Natureza, e terá de se passar um
período de tempo bem longo até que suas feridas cicatrizem. Ademais,
mesmo as sociedades pré-industriais podiam provocar significativos estragos
à Natureza. Entretanto, livrarmo-nos da sociedade industrial já seria uma
grande conquista. Aliviaria as piores pressões sofridas pela Natureza, de
modo que suas feridas poderiam começar a sarar. Anularia a capacidade das
atuais sociedades organizadas de estender seu controle sobre a Natureza
(incluída, aí, a natureza humana). Seja qual for o tipo de sociedade que
existir após a desaparição do sistema industrial, o certo é que nela a maioria
das pessoas terá de viver em contato com a Natureza, porquanto, na ausência
de tecnologia avançada, as pessoas NÃO PODERÃO viver de outro modo.
Para poderem se alimentar, terão de ser camponeses, pastores, pescadores,
caçadores, etc. E, em geral, a autonomia local tenderá a aumentar, já que a
falta de tecnologia avançada e das comunicações rápidas limitará os
governos ou outras grandes organizações na sua capacidade de controlar as
comunidades locais.

185. Quanto às consequências negativas da eliminação da sociedade


industrial... pois bem, sempre há um preço a se pagar. Para se conseguir uma
coisa, há que se perder outra.

186. A maioria das pessoas odeia o conflito psicológico. Por essa razão,
evitam pensar a sério acerca de problemas sociais difíceis e preferem que
tais assuntos lhes sejam apresentados de uma maneira simples, o preto no
branco: ISTO é bom em tudo e AQUILO em tudo é mau.
Consequentemente, a ideologia revolucionária deveria ter dois níveis de
desenvolvimento.

187. Em sua forma mais bem elaborada, a ideologia deveria dirigir-se às


pessoas inteligentes, reflexivas e racionais. O objetivo deveria ser a criação
de um núcleo de pessoas que se opusessem ao sistema de um modo racional
e meditado, com uma percepção adequada dos problemas e das
complicações envolvidas, bem como do preço a se pagar em troca de nos
livrarmos do sistema. É especialmente importante atrair esse tipo de gente, já
que esse é um tipo capaz e que será muito útil quando se tratar de influenciar
aos demais. Se haveria de dirigir a essa gente do modo mais racional
possível. Os fatos jamais deveriam ser intencionalmente distorcidos e dever-
se-ia evitar o uso de uma linguagem exacerbada. Isso não significa que
jamais se pudesse apelar às emoções; porém, no caso em que se o fizesse,
haveria que se tomar muito cuidado para evitar a deformação da verdade ou
fazer qualquer outra coisa que abalasse a respeitabilidade intelectual da
ideologia.

188. Num segundo nível, a ideologia deveria ser propagada de uma


maneira simplificada, que permitisse à maioria não reflexiva perceber o
conflito entre a tecnologia e a Natureza de uma maneira inequívoca. Mas,
mesmo nesse nível, a ideologia não deveria ser expressa numa linguagem tão
vulgar, exagerada ou irracional que provocasse o distanciamento das pessoas
de tipo reflexivo e racional. A propaganda torpe e desmedida, por vezes, dá
surpreendentes frutos em curto prazo, contudo, em longo prazo, será mais
vantajoso conservar-se a fidelidade de um pequeno número de pessoas
inteligentes e comprometidas que exaltar as paixões de uma multidão
irreflexiva e volúvel, que trocará de opinião quando alguém mostrar-lhe
maior apelo propagandístico. De todo modo, pode vir a ser necessário agitar-
se as massas quando o sistema estiver próximo de seu ponto de colapso e
ocorrer, então, uma luta final entre ideologias rivais para a definição de qual
será a dominante, após o desaparecimento da antiga forma de visão de
mundo.

189. Antes que chegasse essa luta final, os revolucionários não deveriam
esperar que a maioria das pessoas se pusesse ao seu lado. A história é feita
por minorias decididas e ativas, não pela maioria, a qual raramente tem uma
ideia clara e coerente daquilo que quer. Até que chegue o momento do
impulso final[NOTA 31] para a revolução, a tarefa dos revolucionários deverá ser
menos a de ganhar o apoio superficial da maioria que a de construir um
pequeno núcleo de pessoas profundamente comprometidas. Quanto à
maioria, bastará fazer-lhes saber da existência da nova ideologia e recordá-la
frequentemente; ainda assim, é claro que seria desejável conseguir-se aquele
apoio majoritário, desde que e quando tal apoio pudesse ser conquistado sem
que isso debilitasse o núcleo de pessoas seriamente comprometidas.

190. Qualquer tipo de conflito social contribui para que o sistema se


desestabilize; contudo, há que se ter cuidado com o tipo de conflito que se
favorece. A linha de conflito deverá ser traçada entre a maioria das pessoas e
a elite poderosa da sociedade industrial (políticos, cientistas, dirigentes
empresariais, gestores públicos, etc.). Essa linha NÃO deveria ser traçada
entre os revolucionários e a maioria das pessoas. Por exemplo, seria uma má
estratégia que os revolucionários criticassem os estadunidenses por seus
hábitos de consumo. Em lugar disso, o estadunidense médio deveria ser
apresentado como uma vítima da indústria publicitária e do marketing, que o
tem enganado para que compre um montão de lixo de que não necessita, e
haveria que se lhe explicar que o moderno aumento em sua capacidade de
consumo é uma muito pobre compensação em troca da perda de sua
liberdade. Qualquer uma das duas formas de se propor o assunto terá
correspondência com os fatos. É uma mera questão de atitude escolher entre
jogar a culpa na indústria publicitária, por manipular as pessoas, ou culpar as
pessoas, por deixarem-se manipular. Se quisermos uma estratégia que seja
eficaz, em geral, deveremos evitar jogar a culpa sobre as pessoas.

191. Haveria que se pensar duas vezes antes de se favorecer qualquer


outro conflito social diferente daqueles em que se confrontam a elite
poderosa (que maneja a tecnologia) e as pessoas em geral (sobre as quais a
tecnologia exerce seu poder). Um motivo para isso é que os demais conflitos
tendem a desviar as atenções dos conflitos importantes (os que se dão entre a
elite poderosa e as pessoas comuns, entre a tecnologia e a Natureza); outro
motivo é que os demais conflitos podem tender, na realidade, em favor da
tecnologização, já que cada uma das partes envolvidas nesses conflitos
desejará usar o poder da tecnologia para prevalecer sobre seus adversários.
Isso se percebe claramente nas rivalidades entre nações. Produz-se também
nos conflitos étnicos, dentro de cada nação. Por exemplo, nos Estados
Unidos, muitos líderes negros que anseiam em fazer que os afro-americanos
obtenham poder tratam de introduzir indivíduos negros entre as fileiras da
poderosa elite tecnológica. Querem que os negros ocupem mais postos entre
os gestores públicos, os cientistas, os dirigentes de grandes empresas, etc.
Desse modo, estão contribuindo para que a subcultura afro-americana seja
absorvida pelo sistema tecnológico. Geralmente, deveríamos favorecer
somente aqueles conflitos que se encaixem no marco de confronto entre a
elite poderosa e as pessoas comuns, entre a tecnologia e a Natureza.40

192. Mas a forma de se evitar o favorecimento do conflito étnico NÃO é a


militância na defesa dos direitos das minorias (ver parágrafos 21 e 29). Em
vez disso, os revolucionários deveriam destacar o fato de que, mesmo que as
minorias sofram mais ou menos desvantagens, essas desvantagens têm uma
importância secundária. Nosso verdadeiro inimigo é o sistema
tecnoindustrial, e, na luta contra esse sistema, as desigualdades étnicas
carecem de importância.

193. O tipo de revolução que temos em mente não acarretará,


necessariamente, um levante armado contra qualquer governo. Pode ser que
implique ou que não implique o uso de violência física — no entanto, não
será uma revolução POLÍTICA. Estará centrada na tecnologia e na
economia, e não na política.[NOTA 32]

194. Provavelmente, os revolucionários deverão mesmo EVITAR assumir


o poder político, de modo legal ou ilegalmente, até que o sistema industrial
tenha se debilitado tanto que esteja a ponto de desmoronar, para que seu
fracasso seja, assim, posto em evidência aos olhos da maioria das pessoas.
Vamos supor, por exemplo, que algum partido “verde”41 chegasse ao
controle do Congresso dos Estados Unidos, numa eleição. Para preservar-se
íntegro, evitando atraiçoar ou arrefecer sua própria ideologia, ele teria,
consequentemente, de tomar rigorosas medidas que transformassem o
crescimento econômico em decrescimento econômico. Ao homem comum,
os efeitos disso pareceriam desastrosos: haveria desemprego em massa,
redução das comodidades, etc. Mesmo que se chegasse a evitar os efeitos
mais perniciosos, através de uma gestão com uma habilidade sobre-humana,
as pessoas ainda teriam de abandonar os luxos com os quais se teriam
viciado. A insatisfação cresceria, o partido “verde” seria destituído do
governo e os revolucionários sofreriam um grave revés. Por esse motivo, os
revolucionários não deveriam intentar obter poder político, até que o
sistema, por si mesmo, se tivesse tornado tão desastroso que, em havendo
qualquer privação, esta seria considerada como um efeito do fracasso do
próprio sistema — e não como uma consequência da atuação política dos
revolucionários. A revolução contra a tecnologia, provavelmente, terá de ser
uma revolução daqueles de fora do poder político; uma revolução desde
baixo, e não desde cima.

195. A revolução deverá ser internacional e mundial. Não poderá ser


realizada primeiramente em alguns países, seguidos então pelos outros.
Sempre que se sugere, por exemplo, que os Estados Unidos deveriam
desacelerar seu progresso tecnológico ou o seu crescimento econômico, as
pessoas ficam histéricas e começam a vociferar acerca de que, em se ficando
atrás no desenvolvimento tecnológico, os japoneses tomariam essa dianteira.
Santos robôs! O planeta sairá de sua órbita se os japoneses chegarem a
vender mais automóveis que os estadunidenses! (O nacionalismo é um
grande promotor da tecnologia.) De uma maneira mais razoável, é
costumeiro o argumento que, se os países relativamente democráticos
ficassem para trás no desenvolvimento tecnológico enquanto países
desagradavelmente ditatoriais como a China, o Vietnã ou a Coreia do Norte
continuassem progredindo, ao termo, os ditadores acabariam por dominar o
mundo. Essa é, precisamente, a razão pela qual o sistema industrial deveria
ser atacado simultaneamente em todos os países, na medida em que isso
fosse possível. Certamente, não se pode assegurar que o sistema industrial
seria destruído em todo o mundo aproximadamente ao mesmo tempo, e é até
mesmo possível que, ao se tentar por o sistema abaixo, se chegasse a deixar
que os ditadores tomassem o seu controle. É um risco que se terá de correr.
Além disso, um risco que vale a pena ser corrido, já que é pequena a
diferença entre um sistema industrial “democrático” e um sistema industrial
ditatorial, comparada à diferença entre um sistema industrial e outro não
industrial.[NOTA 33] Poderíamos mesmo argumentar que seria preferível um
sistema industrial controlado por ditadores, já que os sistemas ditatoriais têm
demonstrado serem ineficientes, e, portanto, parece até ser mais provável
que acabem por desmoronar. Não temos que observar mais que o caso de
Cuba.

196. Os revolucionários poderiam mesmo propor-se a favorecer aquelas


medidas que tendam a unificar a economia em escala mundial. Os acordos
de livre comércio como o NAFTA e o GATT,42 provavelmente, são danosos
para o meio ambiente, num curto prazo; porém, futuramente, talvez possam
ser vantajosos, já que fomentam a interdependência econômica das nações.
Será mais fácil destruir o sistema industrial, em nível mundial, no caso em
que a economia internacional esteja tão unificada que o colapso econômico
num país importante levasse à queda nos demais países industrializados.
197. Algumas pessoas são de opinião que o homem moderno tem
demasiado poder, demasiado controle sobre a Natureza; essas pessoas
defendem que a espécie humana deveria adotar uma atitude mais passiva. No
melhor dos casos, essas pessoas estão se expressando de uma maneira pouco
clara, já que não chegam a diferenciar o poder que têm AS GRANDES
ORGANIZAÇÕES e o poder que têm OS INDIVÍDUOS e OS PEQUENOS
GRUPOS. É um erro defender a renúncia ao poder e a passividade, porque
as pessoas NECESSITAM ter poder. O homem moderno, entendido como
ente coletivo — vale dizer, o sistema industrial —, tem um imenso poder
sobre a Natureza; e nós (o FC) consideramos que isso é algo ruim. Mas OS
INDIVÍDUOS e OS PEQUENOS GRUPOS DE INDIVÍDUOS modernos
têm muito menos poder que um dia teve o homem primitivo. Em geral, o
vasto poder do “homem moderno” sobre a Natureza não é exercido por
indivíduos ou por pequenos grupos, e sim por grandes organizações. Até
certo ponto, o indivíduo moderno comum tem a possibilidade de utilizar o
poder da tecnologia, entretanto, só lhe é permitido fazer isso dentro de uns
limites muito estreitos e somente sob a supervisão e o controle do sistema.
(Necessita-se de uma licença para tudo, e junto com a licença vêm as normas
e as regulações.) O indivíduo tem somente aqueles poderes tecnológicos que
o sistema acha por bem outorgar-lhe. Seu poder PESSOAL sobre a Natureza
é escasso.

198. Os INDIVÍDUOS e os PEQUENOS GRUPOS primitivos tinham


realmente um considerável poder sobre a Natureza; ou talvez fosse melhor
dizer que tinham poder DENTRO da Natureza. Quando um homem
primitivo necessitava de comida, ele sabia como encontrar e preparar raízes
comestíveis, como rastrear suas presas e como caçá-las com armas feitas por
ele mesmo. Ele sabia como proteger-se do calor, do frio, da chuva, dos
animais perigosos, etc. No entanto, o homem primitivo causava
relativamente poucos danos à Natureza, já que o poder COLETIVO da
sociedade primitiva era insignificante se comparado com o poder
COLETIVO da sociedade industrial.

199. Em vez da defesa da impotência e a passividade, dever-se-ia defender


que o poder do SISTEMA INDUSTRIAL terá de ser eliminado, posto que
isso AUMENTARIA enormemente o poder e a liberdade dos INDIVÍDUOS
e dos PEQUENOS GRUPOS.

200. Enquanto o sistema industrial não estiver totalmente aniquilado, a


ÚNICA meta dos revolucionários deverá ser a destruição do sistema. Outras
metas desviariam a atenção e a energia dessa meta principal. E o mais
importante, se os revolucionários se permitirem estabelecer qualquer outra
meta que não seja a destruição da tecnologia, ver-se-ão tentados a usar a
tecnologia como meio para alcançarem essa meta. Ora, se cederem a essa
tentação, cairão novamente na armadilha tecnológica, já que a tecnologia
moderna é um sistema unificado e firmemente organizado — de modo que,
para se conservar ALGUMAS tecnologias, estariam obrigados a continuar
mantendo A MAIOR PARTE delas e, como consequência, acabariam
somente se desfazendo de umas poucas tecnologias, de maneira simbólica.

201. Suponha-se, por exemplo, que os revolucionários adotassem a


“justiça social” como meta. Bem conhecemos a natureza humana, a justiça
social não viria sozinha: teriam de impô-la. Para tanto, os revolucionários
teriam de manter algo da organização e do controle centrais. Por isso,
necessitariam de transportes e comunicações, rápidos e à longa distância, e
conseguintemente, de toda a tecnologia necessária à manutenção dos
sistemas de transportes e de comunicações. Para alimentar e vestir as pessoas
pobres, eles teriam de usar tecnologia agrícola e têxtil. E, assim,
sucessivamente. Nesse passo, sua intenção de alcançar a justiça social
obrigá-los-ia a conservar a maioria dos elementos constituintes do sistema
tecnológico. Isso não significa que tenhamos algo em contrário à justiça
social, todavia, não devemos permitir que isso interfira no intento de
livrarmo-nos do sistema tecnológico.

202. Seria um esforço vão dos revolucionários tentarem atacar o sistema


usando tecnologia moderna NENHUMA. Por pouco que seja, ainda deverão
usar os meios de comunicação para difundir a sua mensagem. Mas só
deveriam usar a tecnologia moderna com este ÚNICO propósito: o de atacar
o sistema tecnoindustrial.
203. Imagine-se um alcoólatra sentado diante de um barril de vinho.
Vamos supor que ele comece a dizer a si mesmo: “O vinho não é daninho se
se bebe com moderação. Dizem mesmo que, em pequenas quantidades, é até
benéfico! Se tomo só um traguinho, não me fará mal...” Ora bem, já sabemos
no que isso vai dar. Não devemos esquecer jamais que a humanidade, no que
se refere à tecnologia, é como um alcoólatra diante de um barril de vinho.
204. Os revolucionários deveriam ter tantos filhos quanto pudessem. Há
fortes evidências científicas de que, em grande medida, as atitudes sociais
são herdadas. Não queremos sugerir que as atitudes sociais sejam uma
expressão direta da dotação genética das pessoas; no entanto, parece que os
traços da personalidade são em parte hereditários, e que certos traços da
personalidade, no contexto de nossa sociedade, comumente permitem que
algumas pessoas apresentem mais facilmente tal ou qual atitude social. Têm-
se feito objeções acerca dessas descobertas, entretanto, essas objeções
costumam ser fracas e, aparentemente, estão motivadas ideologicamente. De
todo modo, ninguém nega que os filhos tendem, em geral, a apresentar
atitudes sociais semelhantes às de seus pais. Para o que aqui nos interessa
comentar, não importa muito como essas atitudes são transmitidas aos filhos,
se geneticamente ou por meio da educação. Em qualquer desses casos, elas
SÃO transmitidas.

205. O complicado é que muitas das pessoas que tendem a se rebelar


contra o sistema industrial também se preocupam com o problema da
superpopulação, de maneira que costumam ter poucos ou nenhuns filhos.
Desse modo, pode ser que estejam deixando o mundo nas mãos do tipo de
gente que apoia — ou ao menos aceita — o sistema industrial. Para se
assegurar o vigor da próxima geração de revolucionários, a geração atual
deveria se reproduzir copiosamente. Em fazendo isso, pouco estariam a
piorar o problema da superpopulação. E o realmente importante é se desfazer
do sistema industrial, posto que, em se tendo o sistema industrial
desaparecido, a população mundial decrescerá necessariamente (ver
parágrafo 167); entretanto, se o sistema industrial sobreviver, continuará
desenvolvendo novas tecnologias para a produção de alimentos, o que
permitirá que a população mundial continue crescendo quase que
indefinidamente.

206. Em respeito à estratégia revolucionária, os únicos aspectos em que


insistimos, de maneira categórica, são que a única e principal meta deve ser
a eliminação da tecnologia moderna e que não se deve permitir que qualquer
outra meta venha com ela a competir. No que concerne ao restante, os
revolucionários devem adotar um enfoque empírico. Se a experiência indicar
que algumas das recomendações feitas nos parágrafos anteriores não irão dar
bons resultados, seria então um caso em que tais recomendações deveriam
ser descartadas.

Os Dois Tipos de Tecnologia

207. Uma possível objeção que se poderia opor à revolução que propomos
é que esta proposta estaria condenada ao fracasso, posto que (segundo se
afirma), ao longo da história, a tecnologia teria sempre avançado, nunca teria
sofrido retrocessos — pelo que, pois, uma regressão tecnológica seria
impossível. Mas tal afirmação é falsa.

208. Nós distinguimos dois tipos de tecnologia, às quais chamamos de


tecnologia de pequena escala e de tecnologia dependente de grandes
organizações. A primeira é aquela tecnologia que pode ser usada por
comunidades de pequena escala sem uma assistência externa. A segunda é
aquela tecnologia que implica inevitavelmente a existência de organizações
sociais de grande escala. Não conhecemos qualquer caso notável de
regressão na tecnologia de pequena escala.43 Mas a tecnologia dependente
das organizações de grande escala passa SIM a regredir quando a
organização social da qual depende se desagrega. Um exemplo: quando o
Império Romano caiu, a tecnologia romana de pequena escala sobreviveu, já
que qualquer artesão rural habilidoso era capaz de construir, seguindo-se
esse exemplo, a roda de um moinho de água, qualquer ferreiro habilidoso
podia fabricar o aço a partir dos métodos romanos, etc. Mas a tecnologia
romana dependente de grandes organizações passou SIM por uma regressão.
Seus aquedutos deixaram de ser reparados, foram abandonados e nunca
foram reconstruídos. Suas técnicas de pavimentação se perderam. O sistema
romano de saneamento urbano caiu no esquecimento, de uma forma que, até
em épocas recentes, o saneamento das cidades europeias não havia voltado a
se igualar ao da Roma Antiga.

209. A razão pela qual a tecnologia nos aparenta sempre avançar é que
antes — cerca de um ou dois séculos até a Revolução Industrial — a
tecnologia, em sua maior parte, era tecnologia de pequena escala. Mas a
maior parte da tecnologia desenvolvida a partir da Revolução Industrial é
tecnologia dependente de grandes organizações. Tome-se, como exemplo, a
câmara frigorífica. Seria virtualmente impossível que, sem as adequadas
peças de fábrica ou sem as instalações e equipamentos de uma oficina
industrial, um bocado de artesãos locais fabricasse uma câmara frigorífica.
Se mesmo assim, por algum tipo de milagre, conseguissem fabricá-la, ela
ainda seria inútil sem um constante fornecimento de energia elétrica. Daí
então que teriam de represar um riacho, e de fabricar um gerador. Ora, os
geradores requerem uma grande quantidade de fio de cobre. Pensemos no
quão difícil seria a produção desse arame, sem a maquinaria moderna. E
onde encontrariam um gás adequado para a refrigeração? Seria muito mais
simples a fabricação de um depósito para a neve, ou a conservação dos
alimentos secando-os ou salgando-os — como era feito antes da invenção da
câmara frigorífica.

210. Claro está, pois, que a tecnologia da refrigeração, caso o sistema


industrial fosse completamente destruído, perder-se-ia rapidamente. O
mesmo vale para as demais tecnologias dependentes de grandes
organizações. Além disso, tendo transcorrida aproximadamente uma geração
a partir do momento da perda dessa tecnologia, já se levaria séculos para
recuperá-la, como se levou séculos para criá-la pela primeira vez. Os livros
técnicos que sobrassem seriam poucos e estariam dispersos. Uma sociedade
industrial, se for levantada sem ajuda externa desde o zero, só pode ser
construída em se passando por uma série de etapas: são necessárias
ferramentas para fabricar outras ferramentas para fabricar mais
ferramentas... Faz-se necessário um longo processo de desenvolvimento da
economia e da organização social. E, ainda, mesmo que não houvesse
qualquer ideologia que se opusesse à tecnologia, não há razão para se
acreditar que alguém estaria interessado em reconstruir a sociedade
industrial. O entusiasmo com o “progresso” é um fenômeno próprio das
formas modernas de sociedade, e parece não ter ainda existido muito antes
do século XVII.

211. Ao final da Idade Média, as quatro civilizações que se equivaliam


como mais “avançadas” eram: a Europa, o mundo islâmico, a Índia e o
Extremo Oriente (China, Japão e Coreia) — todas com um grau similar de
desenvolvimento. Três dessas civilizações permaneceram mais ou menos
estáveis, e só a Europa veio a tornar-se dinâmica. Ninguém sabe dizer por
que a Europa, por essa época, tornou-se dinâmica; os historiadores têm
elaborado suas teorias, as quais não são, porém, mais que especulações. Seja
como for, está claro que o desenvolvimento acelerado até uma forma
tecnológica de sociedade ocorre apenas em situações especiais. Assim é que
não existe motivo para admitir-se que uma regressão tecnológica duradoura
não possa ser levada a termo.

212. A sociedade acabaria, AFINAL, desenvolvendo-se até adquirir


novamente um caráter tecnoindustrial? Pode ser que sim; porém é inútil, por
ora, preocuparmo-nos com isso, uma vez que não podemos prever nem
controlar acontecimentos que poderão ter vez dentro de 500 ou 1000 anos.
Tais problemas, quem terá de enfrentá-los serão as pessoas que viverem
nessa época.

O Perigo do Esquerdismo

213. Devido à sua necessidade de rebelar-se e de pertencer a um


movimento, os esquerdistas ou outras pessoas de tipos psicológicos
assemelhados, frequentemente, sentem-se atraídos por movimentos rebeldes
ou ativistas cujas metas e membros, de início, não seriam esquerdistas. A
influência exercida por esses tipos de tendência esquerdista poderá
facilmente transformar em esquerdista um movimento qualquer que,
inicialmente, não fosse esquerdista — de modo que as metas esquerdistas
acabam por substituir ou desfigurar as metas originais do movimento.

214. Para evitar que isso se suceda, um movimento que exalte a Natureza
e se oponha à tecnologia deve adotar um posicionamento resolutamente
antiesquerdista, e deve evitar toda colaboração com esquerdistas. O
esquerdismo, em longo prazo, resulta ser incompatível com a Natureza
selvagem, com a liberdade humana e com a eliminação da tecnologia
moderna. O esquerdismo é coletivista; pretende transformar o mundo inteiro
(tanto a Natureza quanto a espécie humana) num todo unificado. Mas isso
implica a gestão da Natureza e da vida humana por uma sociedade humana
organizada, e demanda tecnologia avançada para ser realizado. Não se pode
manter um mundo unido sem transportes nem comunicações rápidos e à
longa distância, não se pode fazer que todo mundo ame a todo mundo sem
sofisticadas técnicas psicológicas, não se pode conseguir uma “sociedade
planificada” sem os meios tecnológicos necessários. Antes de tudo, o
esquerdismo encontra-se impulsionado pela necessidade de poder,44 e os
esquerdistas buscam poder de maneira coletiva, através da identificação com
um movimento de massas ou uma organização. E é pouco provável que o
esquerdismo, algum dia, chegue a abandonar a tecnologia, porque a
tecnologia é uma fonte de poder coletivo demasiado valiosa.

215. Os anarquistas[NOTA 34] também buscam o poder, porém o buscam de


maneira individual ou em pequenos grupos; querem que os indivíduos e os
pequenos grupos sejam capazes de controlar as circunstâncias de suas
próprias vidas. Opõem-se à tecnologia porque ela faz os pequenos grupos
dependerem de grandes organizações.

216. Alguns esquerdistas talvez pareçam opor-se à tecnologia, contudo,


opõem-se a ela somente enquanto são marginalizados pelos círculos de
poder do sistema e este permaneça controlado por gente não esquerdista. Se
o esquerdismo chega a ser predominante na sociedade, de modo a
transformar o sistema tecnológico numa ferramenta nas mãos dos
esquerdistas, estes irão usá-lo e promoverão o seu desenvolvimento de
maneira entusiástica. Ao fazer isso, estarão voltando a atuar segundo um
padrão de comportamento que o esquerdismo tem já manifestado repetidas
vezes no passado. Na Rússia, quando os bolcheviques ainda estavam fora do
poder, opunham-se vigorosamente à censura e à polícia secreta, defendiam a
autodeterminação das minorias étnicas, etc.; porém, tão logo chegaram ao
poder, impuseram uma férrea censura, criaram uma polícia secreta mais
impiedosa que qualquer outra que tivesse havido no regime dos czares e
oprimiram as minorias étnicas — pelo menos tanto quanto os czares tinham
feito. Nos Estados Unidos, há um par de décadas, quando os esquerdistas
eram uma minoria em nossas universidades, os professores esquerdistas
eram firmes defensores da liberdade de cátedra; entretanto, hoje em dia,
naquelas de nossas universidades nas quais os esquerdistas acabaram
predominando, estes têm demonstrado estar dispostos a eliminar a liberdade
de cátedra de todos os demais. (Isto é a “correção política”.) E o mesmo
sucederá aos esquerdistas e à tecnologia: irão usá-la para oprimir as demais
pessoas — se, por fim, alcançarem o seu controle.

217. Nas revoluções anteriores, aqueles esquerdistas com maior sede de


poder, por repetidas vezes, cooperaram com revolucionários não
esquerdistas, assim como com outros esquerdistas de tendências mais
libertárias, e depois os atraiçoaram, com o objetivo de conseguir poder para
si mesmos. Robespierre fez isso na Revolução Francesa, os bolcheviques o
fizeram na Revolução Russa, os comunistas o fizeram na Espanha em 193845
e Castro e seus sequazes o fizeram em Cuba. Vendo-se a história do
esquerdismo, seria totalmente estúpido que os revolucionários não
esquerdistas colaborassem com os esquerdistas, hoje em dia.

218. Vários pensadores têm assinalado que o esquerdismo é uma forma de


religião. O esquerdismo não é uma religião no sentido estrito, porque a
doutrina esquerdista não defende a existência de qualquer ser sobrenatural.
Mas, para o esquerdista, o esquerdismo joga um importante papel
psicológico, similar ao que a religião desempenha para algumas pessoas. O
esquerdista NECESSITA crer no esquerdismo — isso joga um papel vital
em sua psicologia. Suas crenças não podem ser modificadas facilmente,
através da lógica e dos fatos. Tem uma profunda convicção de que o
esquerdismo é moralmente Correto, com “C” maiúsculo, e de que tem não só
o direito como o dever de impor a moralidade esquerdista a todo mundo. (De
qualquer modo, muitas das pessoas às quais estamos nos referindo como
“esquerdistas” não se consideram a si mesmas como esquerdistas e não
chamariam de esquerdismo o seu sistema de crenças. Usamos o termo
“esquerdismo” porque não conhecemos outro termo melhor para designar o
conjunto de crenças aparentadas que engloba o movimento feminista, o
movimento a favor dos direitos dos homossexuais, em defesa da correção
política, etc., e porque esses movimentos guardam uma estreita afinidade
com a velha esquerda. Vejam-se os parágrafos 227-230.)

219. O esquerdismo é uma tendência totalitária. Sempre que o


esquerdismo ascende a uma posição de poder, tende a invadir até o último
recanto de privacidade e a fazer que todo o pensamento fique encerrado
dentro dos moldes esquerdistas. Isso se deve, em parte, ao caráter
semirreligioso do esquerdismo: todo aquele que for contra as ideias
esquerdistas representará o Pecado. Algo mais importante ainda: devido à
necessidade de poder dos esquerdistas, o esquerdismo é um impulso
totalitário. O esquerdista busca satisfazer sua necessidade de poder através
da identificação com algum movimento social, e trata de experimentar o
processo de poder ajudando a perseguir e atingir as metas desse movimento
(ver parágrafo 83). Mas não importa o quanto o movimento tenha avançado
na consecução de suas metas — o esquerdista nunca fica satisfeito, porque
seu ativismo é uma atividade substitutiva (ver parágrafo 41). Vale dizer, o
verdadeiro motivo do ativismo do esquerdista não é a consecução das
supostas metas do esquerdismo; na realidade, o que motiva seu ativismo é a
sensação de poder que obtém ao lutar por uma meta social qualquer e,
depois, alcançá-la.[NOTA 35] Por conseguinte, o esquerdista nunca fica satisfeito
com as metas que já alcançou; sua necessidade de poder o leva a sempre
perseguir alguma nova meta. O esquerdista deseja igualdade de
oportunidades para as minorias. Quando a consegue, insiste em alcançar a
igualdade estatística de ganhos reais pelas minorias. Se alguém abriga, em
algum recanto de sua mente, uma atitude negativa em relação a alguma
minoria, o esquerdista tem de reeducar essa pessoa. E as minorias étnicas
não são o suficiente; não pode permitir a quem quer que seja que mantenha
qualquer atitude negativa em relação aos homossexuais, aos inválidos, aos
gordos, aos velhos, aos feios, etc. Não basta que as pessoas devam ser
informadas acerca dos riscos do fumo — há que se imprimir uma
advertência em cada pacote de cigarros. A publicidade dos cigarros, se não é
proibida, deve ao menos ser restringida. Os ativistas jamais ficarão
satisfeitos até que o tabaco seja tornado ilegal; e depois o álcool,
posteriormente a comida gordurosa, etc. Os ativistas têm combatido os
maus-tratos infantis mais brutais, o que é razoável. Mas, agora, querem
impedir que se aplique qualquer tipo de castigo físico às crianças, até mesmo
dar-lhes uma surra no traseiro. Quando tiverem conseguido tornar ilegais as
surras no traseiro, vão se dedicar a tentar fazer proibir qualquer outra coisa
que considerem prejudicial para as crianças, depois outra, e logo outra mais.
Nunca ficarão satisfeitos até que tenham o completo controle sobre todas as
práticas da criação e da formação das crianças. E, então, buscarão outra
causa pela qual passem a lutar.

220. Vamos supor que se pedisse aos esquerdistas que fizessem uma lista
com TODAS as coisas que quisessem mudar na sociedade, e que depois
TODAS essas mudanças sociais, por eles demandadas, se realizassem.
Podemos ficar seguros de que, em poucos anos, a maioria dos esquerdistas
teria tornado a encontrar alguma outra coisa da qual se queixarem, um novo
“mal” social para se corrigir; isso por que, repetimos, o esquerdista está
motivado menos pela aflição que lhe causam os males da sociedade que pela
satisfação de sua necessidade de poder ao impor suas soluções à sociedade.

221. Devido às restrições que seu alto grau de socialização impõe a seu
pensamento e à sua conduta, muitos esquerdistas do tipo sobressocializado
não podem tratar de conseguir poder46 do modo como o fazem outras
pessoas. Para eles, há somente uma forma moralmente aceitável de satisfazer
sua necessidade de poder, a qual consiste na luta por impor sua moralidade a
todos os demais.

222. Os esquerdistas, especialmente os do tipo sobressocializado, são


fanáticos no sentido a que Eric Hoffer47 se refere em seu livro — The True
Believer48. Mas nem todos os fanáticos são do mesmo tipo psicológico dos
esquerdistas. Seguramente, um nazista fanático, por exemplo, é
psicologicamente muito diferente de um esquerdista fanático. Devido à sua
capacidade de devotar-se obstinadamente a uma causa, os fanáticos são um
ingrediente útil, talvez mesmo imprescindível, de qualquer movimento
revolucionário. Isso representa um problema — e teremos de reconhecer que
não sabemos como tratá-lo. Não estamos seguros acerca de como aproveitar
a energia do fanático em favor de uma revolução contra a tecnologia. No
momento, tudo o que podemos dizer é que nenhum fanático representará um
recrutamento seguro para a revolução, a menos que seu compromisso se
limite única e exclusivamente à destruição da tecnologia. Afinal, se ele se
comprometesse também com qualquer outro fim, talvez pudesse querer usar
a tecnologia como ferramenta para atingir esse outro fim. (Vejam-se os
parágrafos 200-201.)

223. Alguns leitores talvez digam: “Tudo o que esse texto diz sobre o
esquerdismo não é mais que uma sandice. Eu conheço Fulano e Beltrana,
que simpatizam com o esquerdismo, e eles não dão mostras de todas essas
tendências totalitárias.” É certo que muitos dos esquerdistas, possivelmente
mesmo o maior número deles, sejam uma gente honesta que acredita
sinceramente em uma tolerância (esta, até certo ponto) aos valores das outras
pessoas, e que não quereriam usar métodos despóticos para alcançar suas
metas sociais. Nossas afirmações acerca do esquerdismo não pretendem ser
aplicáveis a todo indivíduo esquerdista, porém sim descrever o caráter geral
do esquerdismo, tomado como movimento. E o caráter geral de um
movimento não se faz determinar, necessariamente, pela proporção numérica
dos distintos tipos de pessoas que o constituem.

224. As pessoas que chegam a posições de poder nos movimentos


esquerdistas tendem a ser do tipo de esquerdistas com maior sede de poder,
porque estes últimos são os que mais duramente se esforçam para chegar a
essas posições. Uma vez que os esquerdistas sedentos de poder tomam o
controle do movimento, há muitos outros esquerdistas de um tipo mais
afável que, em seu foro íntimo, desaprovam muitas das ações dos seus
dirigentes; esses, contudo, não são capazes de oferecer enfrentamento à sua
direção. Tais esquerdistas NECESSITAM continuar acreditando no
movimento e, como não podem deixar de acreditar, continuam acatando a
autoridade de seus líderes. É verdade que ALGUNS esquerdistas têm a gana
suficiente para se oporem a essas tendências totalitárias; entretanto, no geral,
fracassam em seu intento, já que os esquerdistas sedentos de poder,
frequentemente, estão mais bem organizados, são mais desapiedados e
maquiavélicos e costumam ter a precaução de construir, previamente, uma
sólida base para seu poder.

225. Fenômenos desse tipo, claramente, ocorreram na Rússia e em outros


países nos quais o poder foi tomado pelos esquerdistas. De um modo similar,
antes que se produzisse a queda do comunismo na URSS, os ocidentais de
orientação esquerdista raramente criticavam esse país. Se atiçados,
acabavam admitindo que a URSS tinha muitas coisas ruins, porém tentavam
escusar os comunistas e passavam a falar dos defeitos do Ocidente. Sempre
se opunham à resistência militar frente às agressões comunistas. Os
simpatizantes do esquerdismo de todo o mundo protestaram energicamente
contra a atuação militar estadunidense no Vietnã, contudo, quando a URSS
invadiu o Afeganistão, nada fizeram. E não é que aprovassem as ações
soviéticas; o que então ocorria é que, devido à sua fé esquerdista, não eram
capazes de se posicionar contrários ao comunismo. Hoje em dia, naquelas
nossas universidades nas quais a “correção política” se tornou dominante, é
provável que haja muitas pessoas com inclinações esquerdistas que,
privadamente, desaprovem a supressão da liberdade de cátedra; porém, de
qualquer maneira, toleram-na.
226. Por conseguinte, o fato de que muitos esquerdistas, tomados
individualmente, sejam pessoas afáveis e tolerantes, não impede de modo
algum que o esquerdismo, tomado como movimento, tenha uma tendência
totalitária.

227. Nossos comentários acerca do esquerdismo sofrem de uma séria


debilidade. Continua pouco claro o que entendemos por “esquerdista”. Não
parece que possamos fazer muita coisa a respeito. O esquerdismo atual está
fragmentado num amplo leque de movimentos ativistas. Contudo, nem todos
os movimentos ativistas são esquerdistas, e alguns movimentos (por
exemplo, o ecologismo radical49) parecem contar em suas fileiras com
pessoas de tipo esquerdista e com pessoas que — em absoluto — não são
esquerdistas, e que deveriam saber que não convém colaborar com os
esquerdistas. Esquerdistas e não esquerdistas de diversos tipos misturam-se
gradualmente e, no caso de alguns indivíduos, nós mesmos muitas vezes
estaríamos atrapalhados se tivéssemos de determinar se são ou não são
esquerdistas. Dado que não está completamente definida, a nossa concepção
do esquerdismo fica expressa pelos comentários que temos feito nesta obra,
e somente podemos aconselhar ao leitor que use sua própria capacidade de
julgamento quando a decidir quem é um esquerdista.

228. Mas pode ser que seja útil enumerar alguns critérios para se
diagnosticar o esquerdismo. Esses critérios não podem ser aplicados de
maneira estrita e matemática. Alguns indivíduos podem se enquadrar em
alguns desses critérios sem serem esquerdistas e alguns esquerdistas podem
não se enquadrar em qualquer um dos critérios. E, novamente, o leitor
deverá usar sua própria capacidade de julgamento.

229. O esquerdista sente inclinação para o coletivismo em grande escala.


Realça o dever do indivíduo de servir à sociedade e o dever da sociedade de
cuidar do indivíduo. Tem uma opinião negativa a respeito do individualismo.
Comumente, adota um tom moralista. Tende a ficar a favor do controle de
armas de fogo,50 da educação sexual e de outros métodos psicopedagógicos
“liberais”, do planejamento social, das ações afirmativas, do
multiculturalismo51. Tende a se identificar com as vítimas. Tende a ficar
contra a competência e a violência; porém, frequentemente, encontra
desculpas para aqueles esquerdistas que levam a cabo ações violentas.
Encanta-lhe usar as expressões clichês típicas da esquerda, como “racismo”,
“sexismo”, “homofobia”, “capitalismo”, “imperialismo”, “neocolonialismo”,
“genocídio”, “mudança social”, “justiça social”, “responsabilidade social”.
Talvez o melhor traço diagnóstico do esquerdista seja sua tendência a
simpatizar com os seguintes movimentos: feminismo, direitos dos
homossexuais, direitos étnicos, direitos dos incapacitados, direitos dos
animais, correção política, etc. Quem quer que demonstre uma forte simpatia
por TODOS esses movimentos é, com quase total segurança, um
esquerdista.[NOTA 36]

230. Os esquerdistas mais perigosos, ou seja, aqueles que têm uma maior
sede de poder, muitas vezes se caracterizam por sua arrogância ou por sua
adesão dogmática à ideologia. No entanto, os esquerdistas mais perigosos de
todos talvez sejam certos indivíduos sobressocializados, que evitam dar as
irritantes demonstrações de agressividade e se abstém de deixar transparecer
seu esquerdismo, entretanto trabalham calada e discretamente para promover
valores coletivistas, técnicas psicológicas “progressistas” para socializar as
crianças, a dependência dos indivíduos em relação ao sistema, etc. Esses
criptoesquerdistas — poderíamos assim chamá-los —, no que concerne à
ação prática, assemelham-se a certos indivíduos de tipo burguês; contudo,
deles se diferenciam na psicologia, na ideologia e na motivação. O burguês
típico trata de submeter as pessoas ao controle pelo sistema para proteger seu
estilo de vida, ou o faz apenas porque suas atitudes são as convencionais. O
criptoesquerdista trata de submeter as pessoas ao controle pelo sistema
porque é um fanático, adepto de alguma ideologia coletivista. O
criptoesquerdista se diferencia do esquerdista sobressocializado pelo fato de
que sua necessidade de rebeldia é mais débil e está mais profundamente
socializado. Ele se diferencia também do típico burguês bem socializado
pelo fato de que há nele alguma profunda carência, a qual obriga-o a
comprometer-se com uma causa e a diluir-se em uma coletividade. E, talvez,
sua (bem sublimada) sede de poder seja maior que a do burguês típico.

Nota Final
231. Ao longo deste artigo, temos feito afirmações imprecisas e
afirmações que merecem ser interpretadas com todo tipo de considerações e
reservas — e algumas dessas afirmações talvez sejam totalmente falsas. A
falta de informação suficiente e a necessidade de brevidade tornam
impossível formular tais asserções de um modo mais preciso ou acrescentar
todas as explicações necessárias. E, certamente, numa discussão desse tipo,
há que se confiar consideravelmente na capacidade de juízo intuitivo, e isso,
por vezes, pode ser um erro. Desse modo, não pretendemos que neste escrito
se expresse mais que uma rudimentar aproximação no sentido da verdade.

232. De qualquer modo, estamos razoavelmente seguros de que os traços


gerais deste quadro que acabamos de pintar são bastante acertados. Só há um
possível ponto frouxo que precisa de menção. Temos retratado o
esquerdismo em sua forma moderna como um fenômeno próprio de nosso
tempo, e um sintoma da perturbação do processo de poder. Mas é possível
que estejamos equivocados a respeito. É certo que, desde há muito tempo,
existem indivíduos sobressocializados que tratam de satisfazer sua
necessidade de poder impondo sua moralidade a todo mundo. Mas
PENSAMOS que é uma peculiaridade do esquerdismo moderno que os
sentimentos de inferioridade, a baixa autoestima, a impotência, a
identificação com as vítimas da parte de pessoas que não são vítimas elas
mesmas desempenhem um papel decisivo em sua psicologia. A identificação
com as vítimas da parte de pessoas que não são vítimas elas mesmas se pode
observar, em certa medida, no esquerdismo do século XIX e entre os
primeiros cristãos, contudo, pelo que sabemos, os sintomas de baixa
autoestima, etc., não eram tão evidentes nesses movimentos, ou em
quaisquer outros movimentos, como o são no esquerdismo moderno. No
entanto, não podemos afirmar com certeza que não tenha havido qualquer
movimento com essas mesmas características e num grau similar antes do
esquerdismo moderno. Essa é uma questão importante, à qual os
historiadores deveriam dedicar sua atenção.

Notas

Nota 1 (§ 19). Não pretendemos dar a entender que todos, nem mesmo
uma maioria dos valentões e dos competidores desapiedados, sofram de
sentimentos de inferioridade.

Nota 2 (§ 25). Durante a época vitoriana, muita gente sobressocializada


sofria sérios problemas psicológicos causados pela repressão ou pela própria
tentativa de reprimir seus sentimentos sexuais. Freud, aparentemente,
embasou suas teorias nesse tipo de gente. Nos dias atuais, a socialização tem
deixado de concentrar-se na repressão do sexo para concentrar-se na
repressão da agressão.

Nota 3 (§ 27). Isso não inclui, necessariamente, os especialistas das


engenharias ou das ciências puras.

Nota 4 (§ 28). Há muitos indivíduos de classe média e alta que resistem a


alguns desses valores, porém, normalmente, sua resistência está encoberta
em maior ou menor medida. Tal resistência aparece nos meios de
comunicação de massas somente de maneira muito limitada. A tendência
dominante da propaganda em nossa sociedade é em favor dos valores
mencionados.
A principal razão pela qual esses valores converteram-se nos valores
oficiais de nossa sociedade, por assim dizer, é que são úteis para o sistema
industrial. A violência é condenada porque perturba o funcionamento do
sistema. O racismo é condenado porque os conflitos étnicos também
desestabilizam o sistema; e a discriminação faz que o talento de membros de
grupos minoritários, que poderia resultar útil para o sistema, não seja
aproveitado. A pobreza deve ser erradicada, já que a classe baixa causa
problemas ao sistema e o contato com ela mina os ânimos das outras classes.
Animam-se as mulheres a desenvolverem carreiras profissionais por que
suas aptidões são úteis para o sistema e, o que é ainda mais importante, por
que, ao terem empregos normais, as mulheres são integradas ao sistema e
ficam atadas diretamente a ele, em lugar de o ficar às suas famílias. Isso
ajuda a debilitar a solidariedade familiar. (Os dirigentes do sistema dizem
que querem favorecer a família, todavia, o que isso realmente significa é que
eles querem que a família sirva como uma ferramenta eficaz para socializar
seus filhos de acordo com as necessidades do sistema. Nos parágrafos 51 e
52, explicamos por que o sistema não pode permitir-se deixar que a família
ou outros grupos sociais de pequena escala sejam fortes ou autônomos.)
Nota 5 (§ 42). Poderia objetar-se que a maioria dos indivíduos não quer
tomar suas próprias decisões, e que preferem sim que os líderes pensem por
eles. Isso, em parte, é certo. Às pessoas lhes agrada tomar suas próprias
decisões acerca de pequenos assuntos, contudo, para tomar decisões
concernentes a questões difíceis e fundamentais, requer-se o enfrentamento
de um conflito psicológico, e a maioria das pessoas odeia os conflitos
psicológicos. Por conseguinte, tendem a buscar a ajuda de outros no
momento de se tomar decisões difíceis. De todo modo, isso não significa que
lhes agrade que se imponham a elas as decisões sem que tenham qualquer
oportunidade de nelas influir. A maioria das pessoas são naturalmente
seguidoras, não são líderes — lhes agrada porém ter acesso pessoal a seus
líderes, querem ser capazes de influenciá-los e, até certo ponto, participar até
mesmo na tomada das decisões difíceis. Necessitam, ao menos, esse grau de
autonomia.

Nota 6 (§ 44). Alguns dos sintomas enumerados são similares aos que
manifestam os animais enjaulados.
Explicamos, a seguir, como se produzem esses sintomas a partir de
perturbações do processo de poder:
A interpretação da natureza humana através do senso comum nos indica
que a falta de metas cuja consecução exija esforço conduz ao tédio, e que
este, quando se mantém por muito tempo, frequentemente acaba provocando
depressão. O fracasso na consecução de metas causa frustração e queda da
autoestima. A frustração produz enfado, o enfado leva à agressão, o que
frequentemente toma a forma de maus-tratos à esposa ou aos filhos.
Observa-se que a frustração contínua, durante um longo período de tempo,
frequentemente conduz à depressão, e que esta tende a causar ansiedade,
sentimento de culpa, transtornos da alimentação e do sono e sentimentos
ruins acerca de si mesmo. Aqueles que tendem à depressão buscam o prazer
como antídoto; daí o hedonismo insaciável e o sexo excessivo, com a prática
de perversões para se desfrutar de novas sensações. O tédio também tende a
provocar uma busca excessiva de prazer, já que, na falta de outras metas, as
pessoas frequentemente tomam o prazer como uma meta. Veja-se o diagrama
ao final desta nota.
O que acabamos de mencionar é uma simplificação. A realidade é mais
complexa e, com certeza, a perturbação do processo de poder não é a
ÚNICA causa possível dos sintomas descritos.
Ademais, quando falamos da depressão, não nos referimos
necessariamente às formas de depressão que são suficientemente graves para
serem tratadas por um psiquiatra. A depressão a que nos referimos toma
frequentemente apenas formas leves. E quando falamos de metas, não nos
referimos, necessariamente, a metas meditadas e em longo prazo. Para muita
gente, talvez para a maioria das pessoas ao longo de grande parte da história
da humanidade, as necessidades imediatas da existência (simplesmente
conseguir o alimento diário para si mesmo e sua família) têm sido metas
mais que suficientes.

Diagrama dos Sintomas Derivados


das Perturbações do Processo de Poder
Ausência de metas cuja Fracasso na consecução
conquista exija esforço de metas

Frustração

Enfado
Aborrecimento
Maus-tratos

Baixa
autoestima

Busca excessiva Ansiedade


de prazer Tendência à
depressão Culpa

Transtornos
do sono

Hedonismo Perversões Excessos na Transtornos da


insaciável sexuais alimentação alimentação

Nota 7 (§ 52). Pode-se fazer exceção parcial de alguns grupos passivos e


fechados, como os “amish”52, os quais têm pouca influência sobre o resto da
sociedade. Esses a parte, existem algumas comunidades genuinamente de
pequena escala nos Estados Unidos da atualidade. Por exemplo, os bandos
juvenis e certas seitas excêntricas53. Todo mundo os considera perigosos, e
realmente o são, porque os membros desses grupos mostram-se leais uns
com os outros antes que com o sistema, e, portanto, o sistema não pode
controlá-los.
Ou tomemos, como exemplo, os ciganos. Os ciganos geralmente saem
impunes das acusações de roubo ou fraude, porque sua lealdade mútua é tal
que sempre encontram outros ciganos que testemunhem em seu favor,
“provando” assim a sua inocência. Obviamente, o sistema teria sérios
problemas se muita gente pertencesse a grupos desse tipo.
Alguns dos pensadores chineses do início do século XX, que estavam
preocupados em modernizar a China, reconheciam a necessidade de se
decompor os grupos sociais de pequena escala, tais como a família:
“[Segundo Sun Yat-sen] o povo chinês necessitava uma nova injeção de
patriotismo, a qual o levasse a transformar sua lealdade à família em
lealdade ao Estado. (...) [Segundo Li Huang,] os vínculos tradicionais,
sobretudo com a família, tinham de ser abandonados, se se quisesse que o
nacionalismo se desenvolvesse na China.” (Chester C. Tan, Chinese Political
Thought in the Twentieth Century, ps. 125 e 297.)

Nota 8 (§ 56). Sim, sabemos que os Estados Unidos, no século XIX,


tinham os seus problemas, e graves; entretanto, a exigência de brevidade fez
com que tivéssemos de nos expressar de maneira simplificada.

Nota 9 (§ 61). Estamos falando da população em geral, ou seja, da sua


maioria. Deixaremos de lado, pois, a classe mais baixa.

Nota 10 (§ 62). Alguns cientistas sociais, educadores, profissionais da


“saúde mental” e gente desse tipo estão fazendo todo o possível para
conseguir que as necessidades sociais sejam situadas no grupo 1, ao
pretender que todo mundo tenha uma vida social satisfatória.

Nota 11 (§§ 63 e 82). É o desejo inesgotável de aquisição de bens


materiais, realmente, uma criação artificial da indústria da publicidade e do
marketing? Na realidade, não existe um desejo inato de aquisição material
nos seres humanos. Tem havido muitas culturas nas quais as pessoas têm
desejado poucas riquezas materiais para além dos objetos que lhes eram
necessários para satisfazer suas necessidades físicas básicas (os aborígenes
australianos, os camponeses tradicionais mexicanos, algumas culturas
africanas). Por outro lado, tem havido também muitas culturas pré-
industriais nas quais a aquisição material terá desempenhado um importante
papel. Desse modo, não podemos afirmar que a cultura atual, baseada na
aquisição material, seja exclusivamente produto da indústria da publicidade
e do marketing. No entanto, está claro que a indústria da publicidade e do
marketing tem muito a ver com a criação de tal cultura. As grandes empresas
que gastam milhões em publicidade não converteriam essas somas sem
sólidos indícios de que as recuperarão com acréscimos. Um membro do FC
conheceu, alguns anos atrás, um chefe de vendas que foi suficientemente
franco para dizer-lhe: “nosso trabalho consiste em fazer que as pessoas
comprem coisas que não querem, que nem sequer necessitam”. Então lhe
explicou que, se um vendedor novato oferecesse ao público um produto
mostrando-o tal como é, poderia nada vender, em absoluto, enquanto que um
vendedor experiente faria muitíssimas vendas desse mesmo produto, às
mesmas pessoas. Isso demonstra como as pessoas são manipuladas para
comprar coisas que realmente não desejam.

Nota 12 (§ 64). O problema da falta de objetivos vitais parece ter se


tornado menos agudo durante os últimos quinze anos, aproximadamente54,
porque agora as pessoas se sentem física e economicamente menos seguras
que antes, e a necessidade de segurança proporciona-lhes uma meta. Mas a
falta de objetivos tem sido substituída pela frustração devida à dificuldade de
se alcançar essa segurança. Insistimos quanto ao problema da falta de
objetivos, porque os liberais e os esquerdistas desejariam resolver nossos
problemas sociais fazendo com que a sociedade garantisse a segurança de
todos; entretanto, se esse desejo se realizasse, a única coisa que
conseguiriam seria agravar o problema da falta de objetivos. A questão, na
realidade, não é se a sociedade proporciona bem ou mal segurança às
pessoas; o problema é que as pessoas dependem do sistema para que este
garanta sua segurança, no lugar de tê-la elas mesmas em suas próprias mãos.
Esse, diga-se de passagem, é um dos motivos pelos quais algumas pessoas
consideram tão a sério o direito de se possuir armas; a posse de uma arma de
fogo põe parte de sua seguridade em suas próprias mãos.

Nota 13 (§ 66). Os esforços dos conservadores para reduzir o número de


regulamentos governamentais são de pouca utilidade para o homem comum.
Por um lado, somente uma pequena fração do total de regulamentos pode ser
eliminada, já que a maioria dos regulamentos é necessária. Por outro lado, a
maioria das desregulamentações afeta o mundo dos negócios em vez do
indivíduo médio, pois seu principal efeito é tomar poder do governo e passá-
lo às grandes empresas privadas. O que isso implica para o homem comum é
que a interferência do governo em sua vida privada é substituída pela
interferência em sua vida por parte das grandes empresas, as quais, por
exemplo, poderiam ser autorizadas a derramar mais produtos químicos nas
reservas de água potável e, assim, ocasionar-lhe um câncer. Os
conservadores simplesmente estão enganando o homem comum,
aproveitando seu ressentimento em relação ao governo, para favorecer o
poder das grandes empresas.

Nota 14 (§§ 73, 114 e 131). Quando alguém concorda com a finalidade
para a qual a propaganda é usada num determinado caso, então,
normalmente, chama-a de “educação” — ou utiliza algum outro eufemismo
semelhante para denominá-la. Mas propaganda é propaganda,
independentemente do propósito para o qual se a utiliza.

Nota 15 (§ 83). Não estamos a manifestar-nos nem a favor nem contra a


invasão do Panamá. Nós a estamos usando, unicamente, como exemplo para
ilustrar esse ponto do texto.

Nota 16 (§ 95). Quando as colônias norte-americanas estavam sob o


domínio britânico, a liberdade estava legalmente menos garantida, e de uma
forma menos eficaz que depois da Constituição Estadunidense entrar em
vigor; contudo, havia mais liberdade pessoal na América pré-industrial, tanto
antes como depois da Guerra da Independência, que ocorreu depois da
Revolução Industrial ter sido realizada nesse país. Citamos Violence in
America: Historical and Comparative Perspectives, obra organizada por
Hugo Davis Graham e Ted Robert Gurr, Capítulo 12, escrito por Roger
Lane, ps. 476-478:
“O progressivo aumento das exigências acerca do que era considerado
social e moralmente apropriado, junto à crescente confiança em que o
governo faria cumprir as leis [nos Estados Unidos do século XIX] (...) foi
algo geral em toda a sociedade... [A] mudança no comportamento social se
produziu tão rapidamente, e de um modo tão amplo, que sugere uma
conexão com o processo social contemporâneo mais fundamental, o da
própria urbanização industrial...
“Massachusetts, em 1835, tinha uma população de uns 660.940
habitantes, dos quais 81% era população rural, majoritariamente pré-
industrial e nascida naquela mesma zona. Seus cidadãos costumavam
desfrutar de uma considerável liberdade pessoal. Fossem carroceiros,
fazendeiros ou artesãos, estavam acostumados a estabelecer seus próprios
horários, e a natureza de seu trabalho fazia com que fossem fisicamente
independentes uns dos outros... Os problemas individuais, as faltas
cometidas ou mesmo os assassinatos, normalmente, não causavam uma
preocupação social generalizada...
“Mas o impacto das duas movimentações simultâneas, para a fábrica e
para a cidade, ambas já emergentes em 1835, teve um efeito progressivo no
comportamento pessoal ao logo do século XIX e mesmo adiante, já no
século XX. A fábrica exigia regularidade no comportamento, uma vida
governada pela obediência aos ritmos do relógio e do calendário, às ordens
do capataz e do supervisor. Na cidade ou no povoado, as limitações da vida
em vizinhanças estreitamente apertadas inibiram muitas ações que
anteriormente eram consideradas aceitáveis. Nas grandes instalações, os
empregados de colarinho azul e de colarinho branco eram mutuamente
dependentes;55 como o trabalho de um homem tinha de se encaixar com o
dos outros, a obra de cada homem deixou de ser propriamente sua.
“Os efeitos da nova organização da vida e do trabalho fizeram-se
evidentes ali por 1900, ano em que se considera que aproximadamente 76%
dos 2.805.346 habitantes de Massachusetts viviam em zona urbana. Grande
parte dos comportamentos violentos ou desregrados, que haviam sido
toleráveis na precedente sociedade informal e independente, deixou de ser
aceitável na atmosfera mais formalizada e cooperativa do período posterior...
O deslocamento para as cidades produziu, em resumo, uma geração mais
dócil, mais socializada, mais ‘civilizada’ que suas predecessoras.”

Nota 17 (§ 117). Os partidários do sistema se agradam em citar casos de


eleições nas quais um ou dois votos têm sido decisivos; no entanto, tais
casos são bem raros.

Nota 18 (§ 119). “Hoje em dia, nas regiões tecnologicamente avançadas,


os homens levam vidas muito semelhantes, apesar de suas diferenças
geográficas, religiosas e políticas. As vidas cotidianas de um empregado de
banco cristão em Chicago, de um empregado de banco budista em Tóquio e
de um empregado de banco comunista em Moscou são muito mais parecidas
entre si do que seria a vida de qualquer um deles em relação à vida de
qualquer homem que vivesse há mil anos atrás. Essas semelhanças são o
resultado de terem uma tecnologia em comum...” (L. Sprague de Camp, The
Ancient Engineers, Edições Ballantine, p. 17.)
As vidas dos três empregados de banco não são IDÊNTICAS. A ideologia
exerce também ALGUMA influência. Mas todas as sociedades tecnológicas,
para poderem sobreviver, têm de evoluir seguindo APROXIMADAMENTE
a mesma trajetória.

Nota 19 (§ 123). Imagine-se, por exemplo, que um irresponsável


engenheiro genético criasse uma penca de terroristas.

Nota 20 (§ 124). Outro exemplo adicional das consequências indesejáveis


do progresso médico: suponhamos que se descubra uma cura eficaz para o
câncer. Ainda que o tratamento fosse por demais oneroso para ficar ao
alcance de um qualquer, e só a elite pudesse recebê-lo, isso por si só já
reduziria bastante os interesses em se deter a dispersão de substâncias
cancerígenas no ambiente.

Nota 21 (§ 128). Dado que a muitas pessoas pode parecer paradoxal a


ideia de que um grande número de coisas boas pode acabar se constituindo
em algo ruim, iremos ilustrá-la com uma analogia. Vamos supor que o Sr. A
está jogando xadrez com o Sr. B. O Sr. C, que é um Grande Mestre, está
atrás do Sr. A, olhando por cima de seu ombro. O Sr. A, seguramente, quer
ganhar a partida, de modo que, se o Sr. C indicar ao Sr. A alguma boa jogada
que ele possa fazer, estará fazendo-lhe um favor. Mas suponhamos agora que
o Sr. C diz ao Sr. A como fazer TODAS as suas jogadas. Em cada ocasião
particular, o Sr. C fará um favor ao Sr. A, ao mostrar-lhe a melhor jogada;
contudo, ao fazer TODAS as jogadas por ele, estraga-lhe o jogo, já que não
tem qualquer sentido que o Sr. A siga jogando se, na realidade, é outro quem
realiza todas as suas jogadas.
A situação do homem moderno é análoga à do Sr. A. O sistema torna mais
fáceis inumeráveis aspectos da vida dos indivíduos; porém, ao fazê-lo, priva-
lhes do controle sobre seu próprio destino.

Nota 22 (§ 137). Aqui temos somente considerado o conflito de valores tal


como convencionalmente se manifesta. Por uma questão de simplicidade,
temos deixado de lado valores “marginais”, como a ideia de que a Natureza
selvagem é mais importante que a prosperidade econômica.
Nota 23 (§ 137). Os interesses próprios não são, necessariamente,
interesses próprios MATERIAIS. Podem consistir-se na satisfação de
alguma necessidade psicológica, como, por exemplo, promover a própria
ideologia ou religião.

Nota 24 (§ 139). Uma nuança: permitir certo grau de liberdade


predeterminada em algumas circunstâncias favorece os interesses do
sistema. Por exemplo, a liberdade econômica (com as devidas limitações e
restrições) tem demonstrado ser eficaz para promover o crescimento
econômico. Todavia, só a liberdade planificada, restringida e limitada
favorece os interesses do sistema. O indivíduo deve permanecer sempre
acorrentado, ainda que, por vezes, as suas correntes sejam bastante
alongadas. (Vejam-se os parágrafos 94 e 97).

Nota 25 (§ 143). Não pretendemos dar a entender que a eficiência ou a


capacidade de sobrevivência de uma sociedade tenham sido sempre
inversamente proporcionais à quantidade de incômodos ou pressão que tal
sociedade exerça sobre as pessoas. Esse, certamente, não é o caso. Há boas
razões para se crer que muitas sociedades primitivas submetiam as pessoas a
menos pressão que a sociedade europeia, porém, a sociedade europeia
provou ser muito mais eficiente que qualquer sociedade primitiva, e, a partir
do renascimento, foi sempre vitoriosa nos conflitos com aquelas outras
sociedades, devido à vantagem que a tecnologia lhe conferia.

Nota 26 (§ 147). Se alguém acredita que um aparato policial e judiciário


mais eficiente é algo inequivocamente bom porque reprime a violência,
então deveria considerar que o crime, assim como o sistema o define, não é
necessariamente a mesma coisa que TAL OU QUAL PESSOA chamaria de
crime. Hoje em dia, fumar maconha é um “crime”, e, em alguns lugares dos
Estados Unidos, também o é ter um revólver não registrado.56 Amanhã, a
posse de QUALQUER arma de fogo, registrada ou não, poderá ser um
crime, e o mesmo poderá ocorrer com os métodos politicamente incorretos
de se criar e educar os filhos, como o das surras no traseiro. Em alguns
países, a expressão de opiniões políticas dissidentes é um crime, e não se
pode assegurar que isso não vá acontecer jamais nos Estados Unidos, já que
nenhuma constituição e nenhum sistema político duram para sempre.
Se uma sociedade tem necessidade de um grande e poderoso aparato
policial e judiciário para fazer cumprir a lei, então é que há algo de
gravemente errado nessa sociedade — a qual tem de submeter as pessoas a
enormes pressões, já que tantas pessoas há que se recusam a seguir as
normas, ou que as seguem apenas por que se as obrigam. Muitas sociedades,
no passado, estiveram bem arranjadas com bem poucas ou nenhumas forças
policiais e instituições que velassem pelo cumprimento da lei.
Nota 27 (§ 151). Certamente, as sociedades do passado tinham também
seus métodos para influenciar o comportamento humano, os quais, porém,
eram toscos e pouco efetivos, se comparados com os meios tecnológicos que
estão sendo desenvolvidos na atualidade.

Nota 28 (§ 152). Entretanto, alguns psicólogos têm expressado


publicamente seu desprezo pela liberdade humana. E o matemático Claude
Shannon57, citado na Omni58 (agosto de 1987), dizia: “imagino um tempo em
que os humanos seremos para os robôs como os cães são hoje para os
humanos, e eu estou do lado das máquinas”.

Nota 29 (§ 154). Isso não é ficção científica! Depois desse parágrafo ter
sido escrito, encontramos um artigo na Scientific American59 segundo o qual
há cientistas que estão desenvolvendo ativamente técnicas para identificar
possíveis futuros delinquentes e para submetê-los a tratamento através de
métodos psicológicos e biológicos. Alguns cientistas defendem a aplicação
compulsória desse tratamento, o qual estará disponível num futuro próximo.
(Ver “Seeking the Criminal Element”, por W. Wait Gibbs — Scientific
American de março de 1995.) Talvez alguém pense que isso esteja bem, já
que o tratamento seria aplicado àqueles que poderiam converter-se em
delinquentes violentos. Mas, seguramente, isso não irá parar por aí. Em
continuidade, se aplicará um tratamento àqueles que poderão se converter
em condutores bêbados (que também põem em perigo a vida humana),
depois, talvez, às pessoas que batem em seus filhos, em seguida aos
ecologistas que sabotem equipamentos da indústria madeireira, e,
finalmente, a qualquer um cujo comportamento viesse a ser inconveniente ao
sistema.

Nota 30 (§ 184). Uma vantagem adicional da Natureza como ideal oposto


à tecnologia é que, para muita gente, a Natureza inspira o tipo de reverência
que costuma ser associado à religião, de modo que a Natureza poderia,
quiçá, ser idealizada de uma maneira religiosa. O certo é que, em muitas
sociedades, a religião tem servido para manter e justificar a ordem
estabelecida; contudo, também é certo que a religião tem frequentemente
proporcionado um embasamento para a rebelião. Consequentemente, poderá
vir a ser útil a inclusão de um elemento religioso na rebelião contra a
tecnologia, e, com mais efeito ainda, quando a sociedade ocidental atual está
a carecer de fundamentos religiosos sólidos. A religião é usada, hoje em dia,
de uma maneira torpe e ostensiva, para a manutenção de um egoísmo
estreito e obtuso (alguns conservadores usam-na desse modo), ou é
cinicamente explorada para se conseguir dinheiro fácil (caso de muitos
evangelistas), ou tem degenerado em um irracionalismo grosseiro (seitas
protestantes fundamentalistas, certas seitas excêntricas), ou simplesmente se
tem acabado calcificada (Catolicismo, correntes majoritárias dentro do
Protestantismo). O mais próximo de uma religião forte, dinâmica e
amplamente estendida, que o Ocidente tenha visto em épocas recentes, terá
sido a semirreligião do esquerdismo; no entanto, o esquerdismo atual está
fragmentado e não tem uma meta clara, unificada e estimulante. Por
conseguinte, há um vazio religioso em nossa sociedade que talvez pudesse
ser preenchido por uma religião centrada na Natureza, em oposição à
tecnologia. Mas seria um erro se tentar criar artificialmente uma religião que
cumpra essa função. Uma religião pré-fabricada desse tipo, provavelmente,
seria um fracasso. Tome-se a religião de “Gaia”60, como exemplo. Seus
seguidores REALMENTE creem nela ou, simplesmente, estão fazendo uma
encenação? Se só estão interpretando um papel, sua religião acabará por ser
um fiasco.
Provavelmente será melhor não se tentar incluir a religião no conflito
entre a Natureza e a tecnologia, a menos que haja quem REALMENTE creia
nessa religião e que se descubra que ela provoca uma resposta profunda,
forte e genuína em muitas outras pessoas.

Nota 31 (§ 189). Considerando-se que tal impulso final chegue a produzir-


se. Talvez não seja totalmente descartável cogitar que o sistema industrial
possa ser eliminado de pouco em pouco, de uma maneira mais ou menos
gradual. (Ver parágrafos 4 e 167, e a Nota 32).
Nota 32 (§ 193). É possível até mesmo se imaginar (com algum
distanciamento) que a revolução pudesse se consistir somente numa
transformação massiva das atitudes em relação à tecnologia, a qual traria
como resultado uma desintegração do sistema industrial relativamente
gradual e indolor. Mas, se isso vier a se suceder assim, terá sido que tivemos
muita sorte. É muito mais provável que uma transição para uma sociedade
não tecnológica seja muito difícil e esteja cheia de conflitos e desastres.

Nota 33 (§ 195). A estrutura econômica e tecnológica de uma sociedade é


muito mais importante que sua estrutura política, ao se determinar a forma
pela qual vive o homem comum. (Ver parágrafos 95 e 119, e as Notas 16 e
18.)

Nota 34 (§ 215). Essa afirmação se refere à nossa própria versão do


anarquismo.61 Uma ampla variedade de atitudes sociais tem sido
denominadas “anarquistas”, e é possível que muitos daqueles que se
consideram a si mesmos como anarquistas não aceitem nossa afirmação do
parágrafo 215. Cabe esclarecer, e o fazemos de passagem, que existe um
movimento anarquista não violento cujos membros provavelmente negarão
que o FC seja anarquista, e que, seguramente, não aprovarão os métodos
violentos do FC.

Nota 35 (§ 219). Muitos esquerdistas estão motivados também pela


hostilidade, porém, tal hostilidade provavelmente é o resultado de sua
frustrada necessidade de poder.

Nota 36 (§ 229). É importante entender que nos referimos aos que


simpatizam com esses MOVIMENTOS tais como existem em nossa
sociedade hoje em dia. Nem todo aquele que acredite que as mulheres, os
homossexuais, etc., deveriam estes ter os mesmos direitos que quaisquer
outros, será, necessariamente, um esquerdista. O movimento feminista ou o
movimento a favor dos direitos dos homossexuais, etc., tais como existem
em nossa sociedade mostram um tom ideológico particular que caracteriza o
esquerdismo; entretanto, que alguém acredite, por exemplo, que as mulheres
deveriam ter igualdade de direitos, não necessariamente significa que deva
simpatizar com o movimento feminista, tal como ele existe na atualidade.
Posfácio ao
Manifesto 62

— Industrial Society and Its Future

O Manifesto — A Sociedade Industrial e seu Futuro — tem sido criticado


como “pouco original”, porém isso não é importante. O Manifesto nunca
pretendeu ser original. Seu propósito era expor certas questões acerca da
tecnologia moderna de uma maneira clara e relativamente breve, de modo
que essas questões pudessem ser lidas e entendidas por pessoas que nunca
leriam nem entenderiam um texto tão difícil como The Technological
Society63, de Jacques Ellul64.
A acusação de falta de originalidade, em todo caso, é irrelevante. Seria
importante para o futuro do mundo saber se Ted Kaczynski é original ou
não? Obviamente, não! Mas, ao contrário, é sim importante para o futuro do
mundo saber se a tecnologia moderna está nos levando pelo caminho do
desastre, se algo além de uma revolução poderia evitar esse desastre e se a
esquerda política é um obstáculo para que se produza essa revolução. Se
assim é, por que a maioria dos críticos tem ignorado a essência dos
argumentos levantados no Manifesto e desperdiçado tinta com assuntos sem
importância, como, por exemplo, a alegada falta de originalidade do autor e
seus defeitos de estilo? Está claro, os críticos não podem contestar as ideias
essenciais expressadas nos argumentos do Manifesto, de modo que
pretendem desviar desses argumentos sua própria atenção e a dos demais,
atacando aspectos irrelevantes do Manifesto.
Não é necessário ser original para se dar conta de que o progresso
tecnológico está nos levando pelo caminho do desastre, e que nada menos do
que a completa destruição do sistema tecnológico, em sua totalidade, é o que
irá nos tirar desse caminho. Em outras palavras, somente aceitando um
grande desastre por agora é que poderemos evitar um desastre muito pior no
futuro. Mas a maioria de nossos intelectuais — e uso aqui este termo num
amplo sentido — preferem não afrontar esse dilema aterrador, pois, apesar
de tudo, não são muito valentes, e lhes resulta ainda ser mais cômodo
dedicar seu tempo a aperfeiçoar soluções para velhos problemas da
sociedade do século XIX, tais como as desigualdades sociais, o
colonialismo, a crueldade com os animais e coisas semelhantes.

Eu não cheguei a ler tudo o que foi escrito acerca do problema da


tecnologia, e é possível que o Manifesto tenha sido precedido por algum
outro texto que expusesse o problema de uma forma igualmente breve e
acessível. Mas, mesmo que assim fosse, isso não implicaria que o Manifesto
fosse supérfluo. No entanto, os pontos dos quais trata, por muito familiares
que sejam para os cientistas sociais, esses pontos ainda não são objeto da
atenção de muitas outras pessoas que deveriam deles ser conscientes. Ainda
mais, o conhecimento disponível acerca desse tema não está sendo aplicado.
Eu nem mesmo acredito que, na atualidade, muitos de nossos intelectuais
possam negar que haja um problema tecnológico, contudo, quase todos eles
declinam falar desse problema. No melhor dos casos, discutem problemas
particulares criados pelo progresso tecnológico, tais como o aquecimento
global ou a proliferação de armas nucleares. O problema da tecnologia,
tomada em seu conjunto, é simplesmente desconsiderado.
Por conseguinte, seja quanto for que se chegue a repetir a verdade dos
fatos acerca do progresso tecnológico e das suas consequências para a
sociedade, ainda assim será valido continuar a repeti-la outro tanto mais.
Mesmo as pessoas mais inteligentes podem se recusar a enfrentar uma
verdade dolorosa, até que esta verdade lhes tenha sido insistentemente
calcada muitas e muitas vezes.
Se há algo novo em minha teoria, é que considerei seriamente a revolução
como uma proposta prática. Muitos ecologistas radicais e anarquistas
“verdes” falam de revolução, contudo, ao menos pelo que conheço, nenhum
deles tem demonstrado entender como se produzem as revoluções reais, e
tampouco parecem compreender o fato de que o único objetivo da revolução
deva ser a tecnologia em si mesma, não o racismo, o sexismo ou a
homofobia. Uns poucos pensadores sérios têm sugerido a revolução contra o
sistema tecnológico; por exemplo, Ellul em Autopsy of Revolution65. Mas
Ellul somente sonha com uma revolução que fosse o resultado, vagamente
definido, de uma transformação espiritual da sociedade — e está muito
próximo de admitir que a revolução espiritual que propõe é impossível. Eu
creio, ao contrário, que seja possível que as condições prévias para a
revolução possam estar se desenvolvendo na sociedade moderna, e me refiro
a uma revolução real, não fundamentalmente diferente, em essência, de
outras revoluções que ocorreram no passado. Mas tal revolução não se
tornará realidade sem um movimento revolucionário bem definido, dirigido
por líderes apropriados — líderes que tenham uma compreensão racional do
que estão fazendo, não adolescentes irados atuando unicamente com base na
emoção.

Ted Kaczynski
31 de julho de 2007

Nota sobre o Manifesto 66

— Industrial Society and Its Future (ISAIF)

Ao longo dos anos, ocasionalmente, há quem me tenha perguntado se eu


ainda mantinha os pontos de vista expressos em ISAIF, ou se minhas
opiniões mudaram desde que o documento foi publicado pela primeira vez,
em 1995. Eu tenho respondido que ainda aceito todos os principais pontos
estabelecidos em ISAIF, e que modifiquei minhas opiniões apenas a respeito
de algumas questões de importância secundária. Durante os últimos dois
anos (2010-2012), entretanto, comecei a sentir que ISAIF, em alguns
aspectos, está suficientemente distante daquela época, para que possa ser
retomado em uma grande revisão. Eu não posso empreender um reexame
completo no presente pois, por razões que não devo explicar aqui, tenho
muitas coisas para fazer e bem pouco tempo no qual fazê-las. Então eu vou
mencionar apenas os dois pontos que parecem mais importantes.
Primeiro. Muito do que o tecnófilo Ray Kurzweil prevê para o futuro da
sociedade tecnológica (em seu livro The Singularity Is Near, por exemplo) é
apenas ficção científica. Mas em alguns aspectos importantes, Kurzweil está
absolutamente certo. Entre outras coisas, ele aponta, corretamente, que a
maioria das pessoas, ao pensar sobre o futuro, não leva suficientemente em
conta a aceleração inexorável do progresso tecnológico. As coisas
acontecem mais e mais rápidas, e mais rápido ainda, aparentemente sem
limitações. Até os últimos anos, durante os quais a aceleração da inovação
tecnológica tornou-se demasiado evidente para ser ignorada, eu mesmo não
avaliei suficientemente este fator, e, consequentemente, os prazos sugeridos
em ISAIF, quase certamente, estão bem errados. Veja-se, por exemplo, o
parágrafo 177, em que escrevi sobre o que poderia acontecer dentro de
“poucos séculos”, desde o presente. Por agora, parece muito mais provável
que a tecnologia terá transformado o mundo, para além do que nos fosse
reconhecível, já pelo ano de 2100, ou mesmo talvez até desde várias décadas
antes.
Em conexão com a aceleração tecnológica, há que se tomar o cuidado de
não se deixar enganar pelo fato de que o desenvolvimento de uma
determinada área da tecnologia possa parecer parar, de modo que o seu
progresso seja mais lento que o previsto, pois, enquanto a pesquisa em uma
área está atolada em dificuldades, haverá outras áreas em que a rapidez do
progresso supera todas as expectativas (ou ao menos todas as expectativas
daqueles que não são especialistas no campo em questão).
Segundo. No parágrafo 174 de ISAIF, eu sugeri a possibilidade de uma
sociedade futura em que uma elite de “liberais generosos de coração e
mente” governaria todos os seres humanos como se fossem animais
domésticos, os quais iriam ser mimados e manipulados para seu próprio
bem. Em 2007, quando eu estava preparando The Road to Revolution para
sua publicação, eu ainda estava em dúvida sobre este ponto (isso pode ser
visto ainda em sua segunda edição, a qual apareceu sob o título
Technological Slavery, 2010 — ps. 217-218, nota 2). Mas agora me sinto
razoavelmente seguro de que o futuro verá o apenas o tratamento cada vez
mais cruel dos seres humanos, que estão se tornando supérfluos pelo advento
de uma tecnologia que pode fazer o seu trabalho melhor e mais barato que
eles. Baseio esta opinião tanto em considerações teóricas (como exposto em
um artigo meu, ainda inédito, intitulado “Why the Technological System
Will Destroy Itself” quanto em tendências incipientes que são observáveis
nos Estados Unidos, e talvez também, em menor extensão, em outros países
tecnologicamente “avançados”.

Ted Kaczynski
20 de junho de 2012

Apêndice
— Esquerdismo : 67

Função da pseudocrítica e da pseudo-


-revolução na sociedade tecnoindustrial
Por Último Reducto
Definição

Qualquer corrente ou tendência social que se fundamente nos seguintes


valores: igualdade, solidariedade indiscriminada e compaixão por
presumidos grupos de supostas vítimas (com estes e outros nomes: “justiça
social”, “cooperação”, “fraternidade”, “amor Universal”, “paz”...).
Em geral, inclui quase qualquer corrente aparentemente crítica que não
trate realmente de combater a sociedade moderna, e sim de “melhorá-la”.68 O
esquerdismo, no geral, não pretende acabar com a sociedade tecnoindustrial,
apenas trata de que esta cumpra os valores antes apontados. Que seja (mais)
“justa”, (mais) “igualitária”, (mais) “solidária”, etc. Mesmo que haja
também esquerdismos “radicais” que afirmem sua pretensão de combater o
Sistema (normalmente, acrescentam-lhe o adjetivo “capitalista” e/ou
“patriarcal”), sempre o fazem baseando-se nesses valores básicos.
O esquerdismo inclui, em geral, isso que normalmente se entende por
“esquerda”, porém não apenas isso. O conceito de “esquerda” costuma ser
usado (quase) como sinônimo de “socialismo” (em quase todas as suas
versões — incluídas as libertárias ou “anarquistas”), porém há, também,
“esquerdismos” não socialistas (por exemplo, todas as correntes e iniciativas
humanitárias derivadas exclusivamente do liberalismo filosófico ou da
filantropia cristã — certas associações de base, certas organizações de
caridade, algumas missões, etc.). De fato, ao menos alguns dos valores e
ideais fundamentais da maior parte disso que hoje em dia se costuma chamar
“direita” são, no fundo, os mesmos do que se denomina “esquerda”.
O esquerdismo, concretamente, abarca todas as lutas e iniciativas,
governamentais ou não, pela igualdade e pelos direitos de presumidos
grupos de supostos “oprimidos” (“antipatriarcalismo” em geral e feminismo
em particular, “liberação” homossexual, antirracismo, solidariedade aos
imigrantes, ajuda aos pobres, iniciativas para a integração social dos
marginalizados e excluídos, defesa dos trabalhadores, dos desempregados,
dos inválidos, dos animais...), em favor do desenvolvimento (“sustentável”,
acrescentam frequentemente), da justiça, da paz, das “liberdades” e direitos e
da democracia em geral (lutas pela distribuição da riqueza, correntes
favoráveis à “legalização” das drogas ou à “liberação sexual”,
antimilitarismos, pacifismos, “ecologismos” sociais — correntes aquelas
quais, ainda que denominando-se ecologistas, centram-se prioritariamente
em assuntos meramente sociais, antepondo-os aos problemas realmente
ecológicos — e ambientalismos — correntes cuja função real é manter um
perímetro suficientemente habitável para que a população possa continuar
cumprindo otimamente as exigências da sociedade tecnoindustrial —,
anticapitalismos, etc.). Abarca, pois, praticamente a totalidade disso que se
chama “movimentos sociais”, “contestatórios”, “oposicionistas”,
“alternativos”... assim como a imensa maioria das ONGs, além de qualquer
iniciativa, oficial ou não, baseada em favorecer a igualdade, a solidariedade
(indiscriminada) e a defesa de presumidas vítimas ou deficientes (isso que,
hoje em dia, abarca grande parte das atividades dos governos e instituições).
Costuma-se considerar que “progressismo” e “esquerdismo” são
sinônimos, e, certamente, assim o é, normalmente — porém não sempre. Se
a ideia de progresso que algum progressismo69 defende está baseada em
aumentar-se a igualdade, a solidariedade (indiscriminada) e a defesa de
presumidas vítimas ou de “fragilizados” (que acontece com frequência ser
precisamente a noção de progresso de quase todos os progressismos atuais),
tal progressismo é esquerdismo. Mas nem todo progressismo tem essa ideia
humanitária de progresso: o colonialismo do século XIX, por exemplo,
baseava-se em outra ideia de progresso bem menos “suave”, e em nada
compatível com o progressismo esquerdista.
Por outro lado, ainda que o esquerdismo, frequentemente, seja
abertamente progressista, há também correntes esquerdistas minoritárias
presumidamente contrárias ao progresso, vale dizer, supostamente não
progressistas.70
Hoje em dia, desde ao menos uma década, a ideologia dominante na
sociedade tecnoindustrial é esquerdista. As instituições e os meios de
comunicação de massas baseiam-se nos valores básicos esquerdistas de
Igualdade, Solidariedade (indiscriminada) e vitimismo, e os transmitem e
põem em prática adotando, apoiando e fomentando muitas das propostas
que, antigamente, defendiam-nas exclusivamente uns setores minoritários
(os esquerdistas — há uns poucos anos). Basta observar-se minimamente a
propaganda institucional, as notícias, as formas massivas de arte e
entretenimento, a publicidade... para então dar-se conta disso.
Consequentemente, a população em geral tem assumido os valores
esquerdistas dessa propaganda, em maior ou menor grau.
No entanto, muita gente está convencida de que esses valores esquerdistas
são não apenas minoritários, como são mesmo contrários aos da sociedade
moderna atual, a qual consideram não solidária e promotora de desigualdade.
Essa própria crença é, por sua vez, parte fundamental do esquerdismo, pois o
justifica e o promove.

Valoração

Todo aquele que venha, realmente, aspirar ao combate eficaz do sistema


tecnoindustrial deveria rechaçar o esquerdismo, por que:
a) A igualdade, a solidariedade aos indivíduos e grupos não afins e a
ajuda às presumidas vítimas e “fragilizados” são imprescindíveis para
evitar conflitos, tensões e comportamentos antissociais contrários ao
funcionamento eficiente da maquinaria social. Tais valores são
necessários para se manter a coesão do sistema tecnoindustrial e evitar
sua desagregação e desorganização. Ao assumi-los como próprios e
promovê-los, o esquerdismo ajuda o Sistema.
b) O esquerdismo se baseia, por conseguinte, em valores que são
essenciais para a sociedade tecnoindustrial. Consequentemente, o que o
esquerdismo põe em questão não é o Sistema em si, e sim apenas que,
segundo os esquerdistas, o Sistema não cumpre suficientemente tais
valores, e tampouco, portanto, não persegue suficientemente os fins que
estes implicam. Assim, pois, o efeito do esquerdismo nunca pode ser o
de acabar com o Sistema, e sim o de “aperfeiçoá-lo”, de modo que
funcione mais eficientemente. Por conseguinte, o esquerdismo é
inevitavelmente reformista, e jamais será realmente revolucionário.
Quando o esquerdismo não se reconhece a si mesmo como reformista e
se apresenta como “revolucionário”, é pseudo-revolucionário (coisa
habitual nas formas de esquerdismo mais “radicais”).
c) O esquerdismo é um mecanismo de alarma, autorreparação,
automanutenção e autocatálise do funcionamento e desenvolvimento do
próprio Sistema. Com suas pseudocríticas, o esquerdismo atua como
mecanismo de alarma que indica os pontos frouxos, as contradições, os
limites, as falhas, etc., do Sistema. E com suas propostas, favorece seu
reparo e reajuste, promovendo “melhoras”, ou, no mínimo, paliativos,
atuações que servem para reduzir as tensões sociais, psicológicas ou
ecológicas que possam impedir a manutenção, funcionamento e
desenvolvimento da sociedade tecnoindustrial. O esquerdismo lubrifica
a maquinaria social, não a destrói.
d) Com suas propostas, ativismo, grupos, círculos, estética,
parafernália, ideologia, etc., aparentemente críticos, combativos,
rebeldes e pseudo-radicais, oferece substitutivos artificiais, inócuos
para a sociedade tecnoindustrial, de certas tendências e necessidades
psicológicas humanas naturais incompatíveis com a manutenção e
desenvolvimento do Sistema (por exemplo, substitui a sociabilidade
natural humana que exige, para poder ser plenamente satisfeita, que os
grupos sociais sejam de pequena escala — grupos nos quais todos os
seus membros sejam capazes de se conhecer e relacionar diretamente
entre si —, pela sensação de pertinência a grandes organizações e/ou
aos círculos e subgrupos esquerdistas). Também reconduz, e converte
em inofensivos para o Sistema, certos impulsos e reações que, por
expressarem-se de maneira espontânea, poderiam ser danosos ou até
mesmo destrutivos para a estrutura e o funcionamento da sociedade
tecnoindustrial (por exemplo, o ativismo esquerdista serve para o
desafogo da hostilidade provocada pela frustração crônica gerada pelo
modo de vida tecnoindustrial, de modo que esta não prejudique real e
seriamente o funcionamento e estrutura do Sistema). Assim, o
esquerdismo, com suas propostas, oferece aos indivíduos a falsa ilusão
de que, abraçando-o, possam atuar natural e livremente dentro da
sociedade tecnoindustrial, e, com suas práticas, lhes oferece a
impressão, não menos falsa, de estarem rebelando-se. Funciona, pois,
também como válvula de escape psicológica do Sistema.
e) Ademais, devido à sua função como válvula de escape psicológica e
de seu aspecto, muitas vezes, pseudocrítico e pseudo-revolucionário, o
esquerdismo atua como uma armadilha que atrai pessoas e grupos
realmente críticos e potencialmente revolucionários, desativando-os e
transformando-os, por sua vez, em esquerdistas. Os círculos e correntes
esquerdistas servem-se da sobressocialização politicamente correta
(tabus e dogmas) para prender, dentro dos esquemas ideológicos e
psicológicos esquerdistas, as ideias, os valores, as motivações, os fins,
etc. — naturais, originais e potencialmente revolucionários —, de
muitos dos que estabelecem contato com eles. Assim, aqueles que de
maneira independente chegam a sentirem-se descontentes com o que a
sociedade tecnoindustrial está fazendo com o mundo não artificial e
com a natureza humana, em seu intento de contatar outros indivíduos
com inquietudes semelhantes, aproximam-se, muitas vezes, de
correntes, círculos e grupos esquerdistas, já que estes aparentam ser
críticos. Muitos caem inconsciente e psicologicamente aprisionados por
esses círculos, ao estabelecer com eles afinidades e vínculos
socioafetivos que anulam sua capacidade de reação e de crítica, e
acabam assim, em maior ou menor medida, tácita ou explicitamente, e
de bom grado ou relutantemente, abandonando ou atalhando seus
próprios valores e atitudes originais e adotando os valores, os dogmas,
os tabus, os discursos, as teorias, a (sub)/cultura, etc., dos esquerdistas.
E também funciona no sentido inverso: quando surgem lutas, círculos,
correntes, teorias ou iniciativas críticas quanto à sociedade
tecnoindustrial, em princípio alheias ou pouco afins ao esquerdismo,
muitos esquerdistas (em especial os mais pseudo-radicais) sentem-se
frequentemente atraídos por elas, invadem esses círculos e lutas críticos
originalmente alheios ao esquerdismo e/ou adotam seus discursos como
seus próprios, adulterando-os, para que se ajustem às teorias e aos
valores básicos esquerdistas, dando como resultado a conversão ao
esquerdismo dessas lutas ou iniciativas inicialmente não esquerdistas, e
com isso, a sua desativação como lutas potencialmente revolucionárias.
O esquerdismo atua, portanto, também como mecanismo de autodefesa
do Sistema, ao anular impulsos, iniciativas e atitudes rebeldes,
disfuncionais e potencialmente perigosos para o Sistema e
aproveitando-os (ao modo de um “jiu-jitsu” psicológico e ideológico)
em favor da sociedade industrial, integrando-os em círculos e correntes
esquerdistas.
f) O esquerdismo é fruto da alienação, de um estado de debilidade e
alheamento psicológico, frequentemente causado pelas condições de
vida inerentes à sociedade industrial. A tecnologia moderna nega aos
indivíduos a possibilidade de desenvolver e satisfazer plena e
autonomamente suas tendências, capacidades e necessidades naturais,
vale dizer, sua liberdade, inibindo ou pervertendo sua natureza. Priva-os
totalmente da possibilidade de exercer controle sobre as condições que
afetam suas próprias vidas e atenta contra sua dignidade, ao convertê-
los em seres desamparados e completamente dependentes do Sistema.
Obriga-os a viverem em condições antinaturais para as quais não estão
biologicamente preparados (ruído, alta densidade populacional, ritmo
de vida acelerado, rápidas mudanças no ambiente ao redor, ambientes
hiperartificializados, etc.). Regula e restringe seu comportamento
natural em muitos aspectos... Tudo isso gera mal-estar psicológico em
muitos indivíduos (baixa autoestima e sentimentos de inferioridade,
tédio, frustração, depressão, ansiedade, enfado, vazio...). E esse mal-
estar se expressa na forma de vitimismo, hedonismo, hostilidade...
Esses sentimentos e atitudes são habituais na sociedade tecnoindustrial
e dão lugar a diversos comportamentos antinaturais. O esquerdismo é
um desses comportamentos. Seus valores fundamentais são inspirados
pelos sentimentos de inferioridade — e por detrás de muitas de suas
teorias, discursos e atividades estão a falta de confiança em si mesmo, a
hostilidade e o tédio. E como o esquerdismo, na realidade, favorece o
desenvolvimento da sociedade tecnoindustrial, atua como um
mecanismo de retroalimentação da alienação, e, com ela, de si mesmo.71
g) Os valores e ideias esquerdistas são falsos e equivocados, contrários
à Realidade, à razão, à verdade e à Natureza (humana ou não). Em
muitos casos, isso é efeito da alienação inerente à sociedade
tecnoindustrial em geral, e ao esquerdismo em particular, e, por sua vez,
retroalimenta-os. A maioria das teorias esquerdistas é lógica, empírica e
filosoficamente absurdas. E os valores básicos esquerdistas, assim
como alguns outros que em geral e frequentemente aparecem
associados ao esquerdismo são, no melhor dos casos, perversões de
valores naturais e corretos (por exemplo, a solidariedade indiscriminada
é uma adulteração coletivista da solidariedade natural entre indivíduos
afins), e no pior, meros disparates (o relativismo, por exemplo). O
esquerdismo necessita, pois, falsear os fatos para ajustá-los à sua teoria
e aos seus valores.
h) O esquerdismo é uma ameaça para a autonomia da Natureza
selvagem, incluída a verdadeira liberdade humana. Ao situar a
igualdade, a solidariedade indiscriminada ou a defesa das vítimas acima
de qualquer outro valor, descura, ou até mesmo deprecia a autonomia
do não artificial — porque, de fato, esta é incompatível com esses
valores básicos esquerdistas.

Conclusão

[Este ponto, em especial, vai dirigido a todos aqueles que gostariam poder
fazer algo para, de fato, acabar com o sistema tecnoindustrial — contudo,
por sentirem uma genuína e justa rejeição ao esquerdismo, mostram
acertadamente muita suspeição quanto à maioria das correntes
presumidamente críticas da sociedade industrial atual.]

Como atuar em relação ao esquerdismo?

— Criticá-lo, revelando o que realmente é: um engano, uma armadilha,


um mecanismo do próprio Sistema para perpetuar-se e crescer mais fácil e
eficientemente, um pobre sucedâneo da verdadeira rebelião e uma loucura,
fruto das condições antinaturais inerentes à vida moderna...
Mas sem que tal crítica se converta num objetivo em si. Só há de ser um
meio, um requisito prático, imprescindível hoje em dia, para tratar de se
alcançar um fim muito mais importante: eliminar o sistema tecnoindustrial e
acabar com o submetimento da Natureza selvagem — interna e externa aos
seres humanos — que este inevitavelmente implica.
— Evitar cair na armadilha. Mantermo-nos estritamente separados do
esquerdismo, de sua influência, de seus círculos, de seus valores, teorias e
discursos. E vice-versa — manter afastado o esquerdismo de nós mesmos;
tratar de que nossos valores, teorias e discursos não sejam absorvidos,
pervertidos e desativados pelo esquerdismo.72
— Não envergonhar-se de ter valores e ideias não esquerdistas; não deixar
que as reações sobressocializadoras73, que os dogmas e os tabus esquerdistas
politicamente corretos nos influenciem.
Isso, por sua vez, ajudará a manter afastados os esquerdistas de nossas
teorias, discursos, círculos, de nossa luta, e evitar, assim, sua nefanda
influência.
— Avançar na criação e difusão de uma ideologia realmente crítica, não
esquerdista, verdadeiramente revolucionária e contrária ao sistema
tecnoindustrial, à Civilização e a toda forma de sistema social que
inevitavelmente atente contra a autonomia de funcionamento dos sistemas
não artificiais.

1 Theodore John (Ted) Kaczynski é um prisioneiro estadunidense. Nascido em 1942, na cidade de


Chicago, Ted Kaczynski graduou-se na Universidade Harvard, obteve o título de PhD em matemática
pela Universidade de Michigan e lecionou na Universidade da Califórnia (campus Berkeley). Depois
disso, mudou-se para Montana, onde procurou levar uma vida de afastamento, simplicidade e
autossuficiência. Considerado pelo FBI como um “terrorista doméstico” (nos EUA, qualquer
indivíduo ou grupo “terrorista” nativo ou ali estabelecido), e chamado “The Unabomber” (um
acrônimo para University and airline bomber), Ted Kaczynski foi investigado, detido e condenado à
prisão perpétua, acusado de enviar pacotes-bomba que resultaram na morte de três pessoas e
ferimentos em outras 23. Ted Kaczynski passou a cumprir essa sentença, sem possibilidade de
liberdade condicional, em uma prisão de segurança máxima, no Colorado. [N.T.]
2 Aqui vai uma ressalva: existem alguns textos que estão sendo falsamente atribuídos a Ted
Kaczynski, apesar de não ser ele o seu verdadeiro autor. Esses textos são obra de esquerdistas
oportunistas e desleixados, que colocam na boca de Kaczynski discursos que nada têm a ver com as
verdadeiras ideias desse autor. Por isso, pedimos prudência aos leitores se, em algum momento, se
depararem com algum texto assim — aparentemente subscrito por Kaczynski —, cuja publicação não
tiver sido expressamente autorizada pelo autor, que não apresente uma posição clara e explícita em
contrário ao sistema tecnondustrial, que use uma linguagem descuidada, grosseira e/ou carregada de
termos típicos da linguagem esquerdista (“capitalismo”, “patriarcado”, etc.) e se centre na análise dos
assuntos triviais próprios da temática oposicionista e “radical” (críticas ao capital, a este ou àquele
político ou governo, ao sexismo, à homofobia, ao Estado, etc.). Em tais casos, muito provavelmente,
estarão diante de textos espúrios.
3 Uma parte desses textos foi compilada no livro Technological Slavery, Feral House, 2010.
4 “Último Reducto” é um pseudônimo do tradutor autorizado dos escritos de Ted Kaczynski para o
espanhol e um dos responsáveis pelo reconhecimento de autenticidade dos seus escritos. [N.T.]
5 Este “Prólogo” foi adaptado da edição em espanhol para esta edição em português pela equipe das
Edições Natura naturans — produtora editorial dedicada especialmente à publicação e divulgação de
textos de crítica à sociedade tecnoindustrial.
http://ednaturanaturans.blogspot.com
6 Isumatag: grupo editor (formado na Espanha) dedicado à publicação de textos de crítica à sociedade
tecnoindustrial.
http://isumatag.blogspot.com.
7 Nota de agradecimento de Ted Kaczynki a Isumatag:
Gostaria de expressar meu agradecimento ao grupo editor pelo tempo e esforço que investiram em
preparar e publicar sua cuidadosa tradução de Industrial Society And Its Future. As normas carcerárias
me impediram de receber uma cópia da tradução, contudo, estou seguro de que é excelente. A troca de
correspondência que mantive com certos membros desse grupo me convenceu de que entendem muito
bem as ideias expressadas em La Sociedad Industrial y Su Futuro.
Ted Kaczynki — Florence, Colorado, EUA.
La Sociedad Industrial y Su Futuro, 2011, p. 21.
8 Esse tipo de abordagem era já encontradiça nas primeiras referências críticas ao manifesto, como,
por exemplo, no “About the Author” de uma versão britânica de A Sociedade Industrial e Seu Futuro
de 1995, publicada pelo grupo editor da revista Green Anarchist.
9 Por isso mesmo, nesta edição em português, acrescentamos como apêndice um texto de “Último
Reducto” — Esquerdismo: função da pseudocrítica e da pseudo-revolução na sociedade
tecnoindustrial (2009) —, o qual entendemos como uma esclarecedora ilustração de um diálogo e de
discussões sobre esse assunto, mantidas com Ted Kaczynski ao longo de anos.
10 O FC se refere aos Estados Unidos. Há certos aspectos fundamentais em boa parte do ecologismo
estadunidense que em muito o diferenciam de outros “ambientalismos”. Este não é o lugar para se
analisar e avaliar detalhadamente as causas e efeitos dessa diferenciação, todavia, cabe assinalar que
há conceitos por vezes francamente difíceis de se traduzir para idiomas neolatinos (como o português),
conceitos tais como “Wild Nature” (“Natureza selvagem”), “wilderness” (não há um termo em
português que expresse exatamente o significado dessa palavra, que é usada para se referir a
ecossistemas ou territórios pouco ou nada humanizados), “The Wild” (“o selvagem”; termo
normalmente usado em referência a ecossistemas praticamente não humanizados — “wilderness”),
etc., e que formam parte importante da cultura tradicional dos Estados Unidos e do seu entorno, e que
são também, e com frequência, fundamentais para a ideologia, discurso e práticas de certos setores do
ecologismo estadunidense. Os autores do texto são estadunidenses, e, evidentemente, consideram o
selvagem como um valor fundamental. [N.T.]
11 O FC utilizava nessa passagem, no original em inglês, os termos “negro”, “oriental”,
“handicapped” e “chick” (ou “broad”). Ainda que dois desses termos (“negro” e “oriental”) também
sejam utilizados em português com um sentido similar ao do inglês, tendo o outro seus equivalentes
em português (“deficiente” ou “inválido”) — que também provocam uma reação hipersensível em
certos sujeitos e grupos lusófonos —, não há no português (ou então, se isso há, ao menos não veio à
baila em se fazendo esta tradução) termos comuns e usuais para designar as mulheres que sejam
equivalentes a “chick” ou “broad” (nos Estados Unidos, termos de gíria para “garota” e/ou “mulher”,
tidos comumente como chulos, hoje em dia). Quanto ao termo “oriental”, este não costuma indicar
uma conotação negativa no português.
Por isso, então, e a exemplo do recurso adotado na versão espanhola, se decidiu não considerar os
termos “oriental”, “chick” e “broad”, e substituí-los, nesta tradução, por crioulo, o qual, há época da
colonização do Brasil — quando esse país ainda fazia parte do Império Português —, designava os
escravos negros nascidos nessa colônia portuguesa; desde então, na maior parte do Brasil, e até na
atualidade, tal palavra passou a designar quaisquer pessoas negras ou mulatas — de um modo tal que,
comumente, costuma ser considerada “politicamente incorreta”. [N.T.]
12 Dado que o texto original em inglês foi dirigido principalmente aos leitores estadunidenses, o FC
tendeu a fazer referência direta aos Estados Unidos e utiliza como exemplos, frequentemente,
situações próprias da sociedade estadunidense que, como a referência ao “imigrante estrangeiro
asiático”, nem sempre resultam direta ou exatamente aplicáveis a outros países.
Por exemplo, tanto o racismo e a xenofobia quanto as eventuais reações que lhes forem contrárias, em
geral, não tomam em outros países a mesma forma que nos Estados Unidos. Assim, a expressão
“gueto negro” não refletiria com exatidão a realidade das condições de vida de muitos dos negros em
outros países, e, do mesmo modo, tampouco os imigrantes asiáticos em outros países teriam,
precisamente, a mesma significação e a significância que nos Estados Unidos. Comparando-se com o
Brasil, em que os negros, mulatos e cafuzos (no português brasileiro, mestiços de negros e índios)
estão aquém de configurar uma minoria estrita, a expressão “gueto negro” poderia aproximar-se,
forçada e transversalmente, apenas da noção de favela — sendo que, no Brasil, a imigração asiática
(majoritariamente japonesa), em geral, tem sido financeira e socialmente bem sucedida e assimilada.
Por um desejo expresso de Ted Kaczynski, a tradução para o espanhol (que foi seguida por esta versão
em português) manteve-se fiel ao texto original, nesse e noutros vários aspectos, nos quais talvez fosse
mesmo recomendável que se fizesse uma tradução menos literal, com certas modificações e
adaptações voltadas para leitores não estadunidenses — ainda que, em certos outros casos, a
inteligibilidade do texto e o seu sentido corrente não recomendassem ou nem permitissem uma
tradução literal (acerca de um desses casos — relativo à tradução tanto para o espanhol quanto para o
português — veja-se ainda a nota de rodapé imediatamente anterior).
Mas convém trazer à lembrança que as poucas e pequenas adaptações ou modificações do texto
original, ocorridas nas versões em espanhol ou português, foram sempre o resultado de cuidadosas
consultas feitas diretamente a Ted Kaczynski. [N.T.]
13 A expressão ação afirmativa (“affirmative action”, no original em inglês) faz referência ao
tratamento de preferência ou proteção facultado aos membros de certos grupos, os quais são
costumeiramente considerados — e particularmente pelos esquerdistas — como discriminados ou
oprimidos, de um modo tal que se compensasse um presumível prejuízo ocasionado a esses grupos. O
conceito e a prática de ação afirmativa surgiram nos Estados Unidos na década de 1960; no Brasil, um
exemplo de ação afirmativa é a política de “cotas raciais”, que estipula a reserva de vagas em
instituições de ensino superior para candidatos que se autodeclararem negros, índios ou mestiços.
[N.T.]
14 “(...) O processo de socialização não se limita à infância. Mas acredito que a maior parte da
socialização se produz na infância (...).” [Fragmento de carta de Ted Kaczynski a Último Reducto —
de 19/01/2010 (original em inglês) — N.T.]
15 Essa é uma tendência geral que parece vir acompanhando o processo mundial de industrialização.
Para uma ilustração disso, simbólica apenas, porém bastante significativa, podemos ver o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) — referenciado nos índices de riqueza, educação e expectativa
média de vida da população e descrito como muito alto, alto, médio ou baixo —, estimado em 2014
para os cinco países mais populosos do mundo:
1º. China — IDH de 0,719 (alto);
2º. Índia — IDH de 0,586 (médio);
3º. EUA — IDH de 0,914 (muito alto);
4º. Indonésia — IDH de 0,684 (médio);
5º. Brasil — IDH de 0,744 (alto).
São países já industrializados, cujo IDH é descrito como desde “em desenvolvimento” até
“desenvolvido”, e que somam juntos mais de 45% da população mundial. Apesar dos seus pesares —
China, Índia e Indonésia passam por um acelerado desenvolvimento tecnológico e econômico,
contudo, seu “padrão de vida” e sua “qualidade de vida” vêm se desenvolvendo mais lentamente —,
só esses países já correspondem a quase a metade de uma humanidade que, hoje em dia, vive em
condições comumente consideradas desde aceitáveis (IDH médio) até bastante satisfatórias (IDH
muito alto). [N.T.]
16 A partir deste parágrafo 42 — e desde o texto original —, quando se faz menção a esta
“necessidade de poder”, em muitos casos, contudo não em todos, se faz em referência mais a uma
“necessidade de experimentar o processo de poder” — ou a ambas essas necessidades ao mesmo
tempo. (Informação prestada a Último Reducto por Ted Kaczynski.) Contudo, pelos mesmos motivos
assinalados no terceiro parágrafo da nota de rodapé número 12, Último Reducto traduziu literalmente,
para o espanhol, as palavras do texto original — procedimento esse que foi reproduzido nesta versão
em português. [N.T.]
17 Nos Estados Unidos, “condado” é a subdivisão administrativa da maioria dos Estados federados;
cada “condado” é formado por uma ou mais cidades e sua área rural. [N.T.]
18 [Esse argumento certamente é insuficiente,] já que as pessoas primitivas muitas vezes culpavam a
bruxaria por suas enfermidades e desgraças — ou seja, culpavam as ações de outras pessoas. [Nota de
Ted Kaczynski, acrescentada à versão espanhola (original em inglês).]
19 “Mid-life crisis”, no original. “[Há duas ou três décadas se escrevia muito acerca da ‘mid-life
crisis’.] A ‘mid-life crisis’ é (ou era) uma crise que, supostamente, experimentavam muitas mulheres
ao chegar à menopausa, e muitos homens ao alcançar uma idade entre, aproximadamente, 45 e 50
anos. As mulheres sentiam-se preocupadas com a perda da capacidade reprodutiva e os homens com a
queda de suas aptidões físicas.” [Ted Kaczynski, em carta a Último Reducto — de 21/03/2009
(original em inglês) — N.T.]
20 Manuel Noriega foi um chefe militar e governante panamenho que, segundo informações
divulgadas por diversos meios de comunicação, colaborou com a Central Intelligence Agency (CIA), e
também se envolveu com narcotráfico e lavagem de dinheiro; sua atuação e a divulgação dessas
informações causaram tantos e tamanhos incômodos ao governo estadunidense que o então Presidente
George Bush ordenou a invasão do Panamá (em dezembro de 1989) para a captura de Manuel Noriega
— ocorrida em 03/01/1990. [N.T.]
21 O bridge é um jogo de cartas para quatro jogadores, divididos em duplas, bastante popular nos
Estados Unidos, onde é costume jogá-lo em encontros sociais. [N.T.]
22 Edward Teller foi um físico nuclear, húngaro, naturalizado estadunidense que contribuiu para a
criação da bomba atômica (de plutônio) — ele participou do “Projeto Manhattan” — e da bomba
termonuclear (de hidrogênio) — ele era chamado de “o pai da bomba H” —, e também para a criação
de um sistema de defesa antimísseis — o programa militar “Star Wars”, além de ter atuado como
defensor do uso de reatores nucleares na produção de eletricidade. [N.T.]
23 [… Neste parágrafo 94] de A Sociedade Industrial e Seu Futuro, escrevemos: “Liberdade significa
ter o controle... sobre os aspectos vitais da própria existência: alimento, vestimenta, refúgio e defesa
contra qualquer ameaça que possa haver ao redor. Liberdade significa ter poder... para controlar as
circunstâncias da própria vida.” Mas, obviamente, as pessoas nunca tiveram esse controle para além de
um certo limite. Não têm podido, por exemplo, controlar as más condições meteorológicas que, em
algumas circunstâncias, poderiam levá-las à inanição. Assim, que tipo de controle as pessoas
realmente necessitam? No mínimo, necessitam estar livres de “interferência, manipulação ou
supervisão da parte de... qualquer grande organização”, tal como foi apontado [nesse mesmo
parágrafo]. Entretanto, se as frases [desse parágrafo] mencionadas no início desta nota não
significassem mais que isso, seriam redundantes.
Assim, há aqui um problema a ser solucionado. Entretanto, não vamos tratar de solucioná-lo por
agora. Por enquanto, deverá bastar dizer que A Sociedade Industrial e Seu Futuro não expressa, em
absoluto, as últimas e definitivas palavras que se possa dizer sobre os temas de que trata. Talvez algum
dia alguma outra pessoa ou eu mesmo sejamos capazes de oferecer um tratamento mais acertado e
claro desses mesmos assuntos. [Fragmento de um esboço do texto “Afterthoughts”, em carta enviada
por Ted Kaczynski a Último Reducto — em 02/09/2009 (original em inglês) — N.T.]
24 “(...) As nações indígenas da Nova Inglaterra não eram tecnicamente ‘monarquias’, tal como o
termo é usado em antropologia. (Tecnicamente, uma monarquia é um Estado regido por um rei. As
nações indígenas da Nova Inglaterra não eram sociedades estatais, e sim sociedades comunais
independentes.) Aqui, tenho de basear-me em minha memória acerca de algo que li há mais de uma
década. O que eu recordo é que recolhi minha informação acerca da estrutura política das nações
indígenas da Nova Inglaterra num livro intitulado New England Frontier: Puritans and Indians —
1620-1675 (Alden T. Vaughan, Little Brown, 1965). Se não me recordo mal, o autor (que era um
historiador, não um antropólogo) usava o termo ‘monarquia’ em referência a essas tribos, e afirmava
que os ‘reis’ costumavam passear entre seus ‘súditos’ e que tomavam arbitrariamente destes todas as
posses que desejavam.” [Fragmento de carta de Ted Kaczynski a Último Reducto — de 12/09/2008
(original em inglês) — N.T.]
25 Carsun Chang era o “nome de cortesia” (que seus pares deviam usar, por respeito) de Chang Chun-
mai, principal ideólogo e líder do Partido Socialista de Estado — uma organização político-partidária
social-democrata chinesa surgida como uma “terceira via” entre o Kuomintang (o partido nacionalista,
de Chiang Kai-shek) e o PCC (o partido comunista, de Mao Tse-tung). [N.T.]
26 A expressão “Pais Fundadores” (Founding Fathers, no original em inglês) é utilizada nos Estados
Unidos para designar alguns dos líderes políticos que assinaram sua Declaração de Independência e/ou
participaram da Revolução Americana; a lista dos “Pais Fundadores”, como assinalou Ted Kaczynski,
costuma variar significativamente:
“Não há uma lista definitiva de Pais Fundadores. [Pode-se considerar como] Pais Fundadores
[somente alguns dos personagens célebres que] estiveram envolvidos na Revolução Americana [e/ou]
distinguiram-se como participantes no estabelecimento da República. [Seja como for], não devem ser
confundidos com aqueles que firmaram a Declaração de Independência. [Alguns destacados Pais
Fundadores, tais como] George Washington, Alexander Hamilton, John Jay, [ou] James Madison não
firmaram essa Declaração. E outros — que, sim, firmaram-na —, dificilmente mereceriam ser
chamados de Pais Fundadores.” [Fragmento de carta de Ted Kaczynski a Último Reducto — de
29/08/2008 (original em inglês) — N.T.]
27 Indagado por Último Reducto sobre o significado concreto da expressão “rebeldes contrários ao
governo”, Ted Kaczynski deu a seguinte resposta: “Ao menos algumas das ‘milícias’* poderiam ser
qualificadas como ‘grupos rebeldes contrários ao governo’. Também havia, durantes os anos
imediatamente anteriores à minha prisão, grupos de pessoas em Montana, chamados
‘constitucionalistas’, que trataram de desafiar o poder do governo. Baseando-se em uma interpretação
ingênua da Constituição [estadunidense], defendiam, por exemplo, que o governo não tinha o direito
de obrigá-los a pagar impostos, nem de exigir-lhes que tivessem carta para a condução de veículos.
Mais ou menos há época de minha detenção, em 1996, houve um grupo de constitucionalistas que se
autodenominavam os ‘Montana Freemen’, que se refugiaram armados em um conjunto de prédios e
desafiaram os agentes do FBI, os quais tratavam de detê-los. Sua intenção era trocar tiros com o FBI,
e, se fosse necessário, morrer lutando. Ao final, porém, faltou-lhes coragem e eles se renderam sem
receber um só disparo.
“Havia também alguns grupos de ‘separatistas brancos’ que eram hostis ao governo. Em um famoso
incidente, creio que no estado de Idaho, um desses grupos realmente trocou tiros com o FBI. Se não
me recordo mal, morreu um agente do FBI, e também uma mulher e um menino do bando dos
separatistas brancos.” [Ted Kaczynski, em carta a Último Reducto — de 21/03/2009 (original em
inglês) — N.T.]
* [Para uma explicação acerca das “milícias” norte-americanas, veja-se a nota de rodapé número 37 —
N.T.]
28 Há que se assinalar que, em certos aspectos, há notáveis diferenças entre muitos daqueles a quem
se chamam de conservadores nos Estados Unidos e a maioria daqueles que são considerados como
conservadores em outros países. A atitude dos conservadores estadunidenses diante da questão da
autonomia local faz com que se destaque uma dessas diferenças. [N.T.]
29 A afirmação que, dentro do contexto de uma determinada sociedade, o progresso tecnológico
“nunca” pode ser invertido é demasiadamente categórica. Ao menos no nível das sociedades
primitivas, pode-se encontrar exemplos de regressão tecnológica dentro do marco de uma determinada
sociedade (veja-se a nota de rodapé número 43), ainda que estes exemplos possam ser postos em
questão aproveitando-se a falta de precisão da expressão “uma determinada sociedade”. Todavia, para
efeitos práticos, o que importa em relação ao propósito de A Sociedade Industrial e Seu Futuro é que,
na sociedade moderna, o progresso tecnológico tomado em seu conjunto avança em uma só direção,
mesmo quando possam produzir-se retrocessos em alguma área limitada da tecnologia. [Nota de Ted
Kaczynski, acrescentada à versão espanhola (original em inglês).]
30 As agências governamentais (“government agencies”, no original em inglês), como órgãos da
administração pública federal nos Estados Unidos, poderiam comparar-se, ressalvado o
distanciamento, aos ministérios e às secretarias de Angola, Brasil ou Portugal, ou mesmo equiparar-se
tanto às autarquias do Brasil quanto aos institutos públicos de Angola ou Portugal. [N.T.]
31 A última frase deste parágrafo 133 referia-se aos Estados Unidos, à época em que foi escrito o
Manifesto (o ano de 1995). Nos dias de hoje (março de 2009), que eu saiba, as barreiras legais contra a
degradação ambiental ainda não haviam sido restabelecidas. Talvez sejam restauradas [em um futuro
próximo], contudo, mesmo assim, continuariam sujeitadas ao risco de mudanças nas tendências
políticas. [Nota de Ted Kaczynski, acrescentada à versão espanhola (original em inglês).]
32 James Quinn Wilson foi um cientista político estadunidense — um importante estudioso das
relações entre os valores morais e a gestão de políticas públicas, e, para além disso, um importante
assessor governamental. [N.T.]
33 Os Centros de Aprendizagem Sylvan (“Sylvan Learning Centers”, no original em inglês) são
estabelecimentos franqueados que, nos Estados Unidos, complementam o assim chamado “processo
de ensino/aprendizagem”, através de uma instrução personalizada em leitura, escrita, prática em
operações matemáticas, em habilidades de estudos, apoio às atividades escolares e na preparação para
avaliações institucionais. Em outros países, como no Brasil — com uma nomenclatura diferente —,
também existem organizações similares, especializadas em motivar e incrementar o rendimento nos
estudos através de técnicas psicológicas e pedagógicas. [N.T.]
34 A expressão usada, no original em inglês, era “‘intervention’ techniques”. “A Sociedade Industrial
e Seu Futuro foi escrito há 14 anos.” [Nos dias de hoje, quando desta edição, já se passaram 19 anos.]
“[Naqueles dias,] quando se via que uma pessoa estava desenvolvendo um problema grave — por
exemplo, se estava caindo na bebida ou começando a maltratar seus filhos — os assistentes sociais, ou
mesmo os amigos dessa pessoa, podiam se propor à aplicação das chamadas técnicas de
“intervenção”, em um esforço por reverter aquela sua tendência indesejável e evitar que tal pessoa se
convertesse em um alcoólatra ou que maltratasse seus filhos, ou qualquer outra coisa desse tipo. Não
sei mesmo o quanto funcionariam, essas tais técnicas.” [Ted Kaczynski, em carta a Último Reducto —
de 21/03/2009 (original em inglês) — N.T.]
35 A expressão usada, no original em inglês, era “pro-choice vs. pro-life”. Essa expressão, corrente
nos Estados Unidos, numa tradução literal, ficaria “pró-escolha vs. pró-vida” — que soaria muito
estranho, em português. [N.T.]
36 A expressão usada, no original em inglês, era “hate groups”. “A expresão ‘hate group’ poderia
fazer referência a qualquer grupo baseado em uma ideologia que demonstrasse o ódio de algo. Mas,
normalmente, a expressão ‘hate group’ é aplicada somente quando esse ódio é politicamente incorreto.
Por exemplo, ódio de judeus, de africanos, de homossexuais (…), etc.” [Ted Kaczynski, em carta a
Último Reducto — de 21/03/2009 (original em inglês) — N.T.]
37 “Há, talvez, dez ou quinze anos — não me recordo com exatidão — surgiram alguns grupos que se
autodenominavam ‘milícias’, como por exemplo, ‘Montana Militia’, ou ‘militia’ deste ou daquele
estado. Armavam-se na medida em que podiam legalmente fazê-lo, e é provável que adquirissem
também, secretamente, algumas armas ilegais. Pretendiam rebelar-se contra a falta de liberdade a que
a modernidade induz (sem que se dessem conta do vínculo entre a falta de liberdade e a tecnologia
moderna), contudo, suas ideias eram sumamente ingênuas: apegavam-se à Constituição dos Estados
Unidos, a qual, segundo sua ingênua interpretação, garantia-lhes estes ou aqueles direitos e liberdades.
Acreditavam que havia uma conspiração cuja finalidade era fazer com que as Nações Unidas
tomassem o poder nos Estados Unidos. Segundo esses milicianos, havia tropas das Nações Unidas
escondidas em algum local dos Estados Unidos, as quais estavam esperando para tomar o poder. Os
milicianos propunham-se a enfrentá-las. Timothy McVeigh*, que mandou pelos ares o Federal
Building**, em Oklahoma City, tinha alguns vínculos com as milícias, fato de que os meios de
comunicação se aproveitaram para desacreditarem as milícias. Isso piorou tanto a sua fama que esse
movimento quase morreu. As milícias existem ainda hoje, porém têm poucos adeptos.” [Fragmento de
carta de Ted Kaczynski a Último Reducto — de 07/09/2005 (original em espanhol) — N.T.]
As milícias são consideradas direitistas — isso, contudo, é uma qualificação duvidosa, haja vista sua
oposição à autoridade do Estado. [Nota de Ted Kaczynski, acrescentada à versão espanhola (original
em espanhol).]
* Timothy McVeigh, ex-soldado norte-americano que lutou na Guerra do Golfo, foi responsabilizado
pelo Atentado de Oklahoma City (1995), e sendo preso e condenado à morte, foi executado em 2001.
[N.T.]
**“Edifício Federal” (numa tradução literal): era um complexo arquitetônico que servia à
administração pública, destruído no Atentado de Oklahoma City. [N.T.]
38 A Sociedade Industrial e Seu Futuro é uma obra que foi escrita cerca do ano de 1995 e então,
portanto, ainda não se haviam produzido os acontecimentos que levaram à invasão do Iraque pelos
Estados Unidos e por alguns de seus aliados europeus em 2003, e a consequente queda do regime de
Saddam Hussein — ex-ditador iraquiano deposto em 2003 e executado em 2006. Hoje em dia, quando
desta edição, talvez fosse mais apropriado mencionar qualquer outro país em vias de desenvolvimento
e com aspirações militares — como o Irã.
39 Pelos mesmos motivos apresentados na nota de rodapé número 10, temos de assinalar que,
diferentemente de alguns dos ecologistas radicais estadunidenses, em outros países, os ambientalistas
que a si mesmos se consideram como “radicais” bem pouco ou quase nunca chegam a assumir uma
ideologia que exalta a Natureza e que se opõe à tecnologia — e assim tem sido no Brasil, por exemplo.
[N.T.]
40 O conflito fundamental em que se deveria centrar nossa atenção é o conflito entre tecnologia e
Natureza. Ainda que promovamos o conflito entre a elite poderosa e as pessoas comuns, temos de
deixar muito claro que o fomentamos unicamente como um meio para se alcançar o objetivo de se
eliminar a tecnologia moderna e somente na medida em que isso seja uma faceta do conflito entre
tecnologia e Natureza. Não somos defensores da luta de classes. [Nota de Ted Kaczynski, acrescentada
à versão espanhola (original em inglês).]
41 Ao escrevermos este parágrafo 194, imaginamos um partido “verde” muito mais radical que os
partidos que se autodenominam “verdes” na vida real. Deveríamos ter escrito “partido ecologista
radical” em lugar de “partido verde”. [Nota de Ted Kaczynski, acrescentada à versão espanhola
(original em inglês).]
42 NAFTA: North American Free Trade Agreement — tratativa de redução de custos na troca de
mercadorias entre o Canadá, os Estados Unidos e o México, que tem o Chile como associado, válida
desde 1994.
GATT: General Agreement on Tariffs and Trade — instituição para a regulamentação das políticas
aduaneiras entre os países participantes da Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em
1947.
43 [Na realidade,] pode-se encontrar exemplos de regressão da tecnologia de pequena escala. No
entanto, isso só reforça mais ainda aquele argumento exposto nos parágrafos 208-211, cujo propósito é
o de rebater a afirmação que a regressão tecnológica é impossível. [Nota de Ted Kaczynski,
acrescentada à versão espanhola (original em inglês).]
44 “[Aqui] se poderia e, talvez, se deveria ter escrito: ‘O esquerdismo encontra-se impulsionado pela
necessidade de poder e pela necessidade de experimentar o processo de poder.’” [Ted Kaczynski, em
carta a Último Reducto — de 21/03/2009 (original em inglês) — N.T.]
45 Na realidade, o ano correto é o de 1937, dado que os principais acontecimentos que levaram os
comunistas stalinistas a terem maior poder político e militar ocorreram nesse ano. [Nota da edição de
Isumatag.]
46 “Nos parágrafos 221 e 224, o uso das expressões ‘tratar de conseguir poder’, ‘necessidade de
poder’ e ‘sede de poder’ pressupõe um verdadeiro problema. (…) Em um sentido mais geral, a palavra
‘poder’ pode significar a capacidade de se fazer algo (…), porém, num sentido mais restrito, refere-se
somente ao poder sobre outra pessoa. A expressão ‘sede de poder’ refere-se sempre ao poder em seu
sentido mais restrito. Dizemos que alguém tem ‘sede de poder’ somente se sente um desejo intenso de
obter poder sobre outra pessoa. Nos parágrafos 221 e 224, usamos a palavra ‘poder’ em seu sentido
mais restrito: referindo-nos ao poder sobre outras pessoas.” [Ted Kaczynski, em carta a Último
Reducto — de 21/03/2009 (original em inglês) — N.T.]
47 Eric Hoffer foi um importante filósofo político e psicólogo social estadunidense. [N.T.]
48 The True Believer (1951) foi o primeiro, o mais conhecido e tido como o mais importante livro de
Eric Hoffer, no qual, entre outros assuntos, ele investiga a conexão entre entre autoestima,
comportamento e política — com especial atenção para os casos de governos totalitários. Existe
tradução para o português: Do Fanatismo — O Verdadeiro Crente e a Natureza dos Movimentos de
Massas, Guerra e Paz, 2007. [N.T.]
49 Essa afirmação dos autores refere-se ao ecologismo radical estadunidense. Em outros países, no
geral, como no caso do Brasil, dentre os poucos indivíduos ou grupos que adotam uma atitude que se
possa propriamente denominar de “ecologista radical”, aqueles que não são em absoluto esquerdistas
se constituem em raríssimas exceções, já que, fora dos Estados Unidos, o ecologismo “radical” em
geral — assim como as correntes, grupos e discursos dele aparentados — está sempre associado e
subordinado, de um ou outro modo, a “lutas” inerentemente esquerdistas. [N.T.]
50 Novamente, os autores mencionam um exemplo sem muita validade para fora dos Estados Unidos.
No Brasil, por exemplo, os esquerdistas não costumam preocupar-se muito com a promoção do
controle das armas de fogo pelo governo, apenas pelo fato de que essa regulação, apoiada em um
discurso pela promoção do combate ao crime, já vinha sendo aplicada nesse país, num crescendo e
quase sem oposição, já há muitos anos. Não é o que ocorre nos Estados Unidos, onde, na ausência de
uma regulação legal mais precisa, uma parcela da população (em meio a esta, muitos esquerdistas),
por um lado, exige a implantação ou o endurecimento dessa regulação, e, por outro lado, formam-se
grupos organizados em defesa do direito à posse e ao porte livres de armas de fogo. [N.T.]
51 O “multiculturalismo” é uma ideologia promovida pelos esquerdistas (…), a qual pretende difundir
conhecimentos acerca de todas as culturas do mundo, sem distinção; todavia, na realidade, recalca os
defeitos da cultura ocidental enquanto minimiza os das outras culturas. [Nota de Ted Kaczynski,
acrescentada à versão espanhola (original em espanhol).]
52 Seita cristã menonita de origem suíça. Seus membros vivem em fazendas sem água encanada,
eletricidade, telefone ou comodidades tecnológicas modernas. [N.T.]
53 “Cults”, no original. [N.T.]
Os “cults” são pequenos grupos religiosos cujas crenças ou condutas são pouco compatíveis com os
valores do sistema tecnoindustrial. [Nota de Ted Kaczynski, acrescentada à versão espanhola (original
em espanhol).]
54 Há que se ter em conta que isso se refere aos quinze anos anteriores a 1995, nos Estados Unidos.
[N.T.]
55 As expressões usadas, no original em inglês, são “blue-collar” e “white-collar”. Essas expressões
designam os membros da “working class” (a classe trabalhadora: os assalariados, em geral) que,
respectivamente, realizam os trabalhos chamados braçais ou manuais e os trabalhos administrativos ou
gerenciais. As expressões equivalentes em português existem, contudo, não são muito usadas. [N.T.]
56 Em muitos dos estados norte-americanos o consumo recreativo de maconha ainda é criminalizado,
e em alguns outros já não o é — assim como também não o é em alguns países, como em Portugal,
por exemplo. Em 2014, nos estados norte-americanos de Colorado e Washington, o consumo
recreativo de maconha foi legalizado — com seu cultivo e comercialização feitos por empresas
autorizadas e controladas por autoridades governamentais —, em moldes assemelhados aos adotados
na Espanha, na Holanda e no Uruguai. Quanto ao controle da comercialização, posse e porte de armas
de fogo, a legislação estadunidense ainda se distingue da de outros países por considerá-la como um
direito civil fundamental; somente em Massachusetts ocorrem restrições à sua comercialização e ao
seu porte. Há, no entanto, fortes pressões de alguns setores da sociedade civil norte-americana no
sentido de se instituir uma regulação federal sobre as armas de fogo, as quais ganharam alguma força
com as investidas do Presidente Barack Obama sobre o Congresso dos Estados Unidos, em favor
dessa regulação. [N.T.]
57 Claude Shannon foi um matemático e engenheiro eletrônico estadunidense, conhecido como “o pai
da teoria da informação”. [N.T.]
58 Omni foi uma revista de divulgação e ficção científica publicada nos Estados Unidos e na Grã-
Bretanha. [N.T.]
59 Scientific American é uma tradicional revista de divulgação científica dos Estados Unidos. [N.T.]
60 “Lá pela época em que o ‘Manifesto’ foi escrito, alguns membros do Earth First! [uma organização
ecologista presente e atuante, principalmente, em alguns países anglófonos], e outros radicais
assemelhados, consideravam-se entre eles como adoradores de ‘Gaia’ ou ‘Gaea’. Não ficava claro se,
para eles, ‘Gaia’ era a própria Terra (considerada, talvez, como um ser sensível), ou se era uma deusa
que representava a Terra.” [Fragmento de carta de Ted Kaczynski a Último Reducto — de 12/09/2008
(original em inglês) — N.T.]
61 “Porquanto ‘anarquista’ seja um termo algo vago, que tem sido aplicado a múltiplas formas
diferentes de pensamento, é preciso que nos expliquemos melhor. Nós nos autodenominamos
anarquistas porque nos apeteceria (temos isto como um ideal) a desagregação da sociedade em seu
conjunto, em unidades bem pequenas, completamente autônomas. Lamentavelmente, não enxergamos
que exista qualquer via clara para se atingir essa meta, de modo que postergamos o tratar-se de
alcançá-la para algum momento indefinido, no futuro. Temos uma meta mais imediata, a qual, esta
sim, consideramos que seja alcançável durante as próximas décadas, que é a completa destruição, em
escala mundial, do sistema industrial. Através de nossos atentados, esperamos promover a
instabilidade social na sociedade industrial, propagar as ideias anti-industriais e trazer ânimo àqueles
que odeiam o sistema industrial.” [FC — em carta aparecida no New York Times de 26 de abril de
1995. Fragmento traduzido para o espanhol por Último Reducto, desde o original em inglês,
posteriormente publicado por Green Anarchist, sob o título: “Unabomber’s Communique” — N.T.]
62 Este “Posfácio” foi inicialmente produzido para uma coletânea dos escritos de Ted Kaczynski,
publicada em inglês e francês pelas Éditions Xenia, em 2008 — que se chamou The Road to
Revolution —, uma edição que carregava muitos problemas, desde diversas falhas na impressão de
alguns dos textos até a inclusão do artigo de um comentador que interpretava o pensamento de Ted
Kaczynski por um viés claramente esquerdista; uma segunda edição revisada, corrigida e ampliada
dessa obra foi publicada em inglês pela Feral House, em 2010 — intitulada Technological Slavery. O
“Posfácio” original continha um curto parágrafo (nele, o penúltimo), com um breve comentário que se
estendia do Manifesto para os demais textos da coletânea, o qual, por perder o sentido fora desse
contexto, e com a autorização de Ted Kaczynski, foi retirado de sua versão em espanhol — e também
desta em português. [N.T.]
63 Título original, em francês: La Technique ou l’Enjeu du Siècle (1954). Existe tradução para o
português: A Técnica e o Desafio do Século, Paz e Terra, 1968. [N.T.]
64 Jacques Ellul foi um sociólogo e filósofo (anarquista e cristão), e também um teólogo (ecumênico),
nascido em 1912, na cidade de Bordéus (França). Jacques Ellul estudou nas universidades de Bordéus
e de Paris, participou d’A Resistência francesa à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial,
e, depois disso, tornou-se conhecido como pensador e escritor — tendo elaborado e desenvolvido uma
obra vasta, original e polêmica, até seu falecimento, em 1994; também conhecido como um crítico da
sociedade tecnológica e defensor de uma revolução de cunho espiritual, Jacques Ellul escreveu
diversos livros sobre estes assuntos, como La Technique ou l’Enjeu du Siècle (1954), Autopsie de la
Révolution (1969), Le Système Technician (1977), Les Combats de la Liberté (1984) ou Le Bluff
Technologique (1988). [N.T.]
65 Título original, em francês: Autopsie de la Révolution (1969). Existe tradução para o português:
Autópsia da Revolução, União Editorial, 1973. [N.T.]
66 Esta “Nota” foi produzida para a presente edição como atendimento a uma sugestão feita pelo
editor de Isumatag a Ted Kaczynski — tendo sido traduzida para o português do original em inglês
ainda em 2012. [N.T.]
67 Esclarecimento:
Talvez “esquerdismo” não seja o termo mais adequado para expressar o conceito ao qual Último
Reducto quer aqui se referir. Todo mundo tem certa noção intuitiva do que é o “esquerdismo”, porém,
frequentemente, tais noções variam notavelmente de uns indivíduos para outros, e poucos são capazes
de explicar correta e coerentemente qual é sua ideia de “esquerdismo”. Ademais, como no manicômio
(e não por mera casualidade), nisto das noções intuitivas do esquerdismo, normalmente, nem estão ali
todos os que o são, nem o são todos os que ali estão (certas noções ou definições incompletas,
frequentemente, não abarcam todas as formas de esquerdismo realmente existentes — por exemplo,
consideram esquerdismo apenas ao marxismo-leninismo, ou apenas ao anarcossindicalismo, ou apenas
à subcultura “oposicionista”... — e certas noções ou definições excessivamente vagas ou amplas
poderiam abarcar correntes que, na realidade, não são realmente esquerdistas — por exemplo, certos
islamismos).
Tudo isso complicará a definição e interpretação do conceito ao qual Último Reducto se refere com o
termo em questão. No entanto, o importante aqui é tratar de expressar, esclarecer e captar tal conceito
sem nos perdermos na discussão de como chamá-lo. Que cada qual o denomine como bem o queira ou
possa.
68 A sociedade tecnoindustrial deve ser combatida, e não reformada, porque atenta inevitavelmente
contra a autonomia do funcionamento dos sistemas não artificiais, ou seja, da Natureza selvagem,
tanto externa quanto interna aos seres humanos.
69 Progressismo: crença na bondade absoluta de algum tipo de processo de desenvolvimento.
70 Se bem que, na realidade, todas elas defendem, de um modo ou de outro, alguma forma de
progresso, ainda que seja apenas um progresso imaterial, moral, “espiritual”...
71 Isso é só uma aproximação geral à psicologia do esquerdismo. Caberia fazer muitas considerações
a respeito de seus matizes, como, por exemplo, que nem sempre é a alienação provocada pela vida
moderna a causa dos traços psicológicos próprios do esquerdismo. Muitos esquerdistas, simplesmente,
são psicologicamente frágeis por natureza.
72 A esse respeito, se há de não cair na ingenuidade e superficialidade de se crer que todo aquele que
parece recusar o esquerdismo não é, realmente, esquerdista. Não basta simplesmente que se use o
termo “esquerdismo” de modo depreciativo. Muitos esquerdistas que cumprem paradigmaticamente a
definição de esquerdismo dada neste texto (por exemplo, muitos anarcossocialistas, autonomistas,
anticapitalistas, insurrecionistas, situacionistas, anarcoprimitivistas, marxistas, etc.), em geral, se
batem com algo que eles frequentemente chamam de “esquerdismo”, dando a entender que eles
mesmos não se reconhecem como o que de fato realmente são: esquerdistas — por sua vez. Para
identificar os esquerdistas, há que se concentrar na questão de quais são seus valores básicos, seus
ideais, seus objetivos, suas referências e determinações ideológicas, etc., e não apenas em se, no seu
discurso, expressam explícita e ostensivamente uma recusa do “esquerdismo”.
73 Sobressocialização: interiorização excessiva, por parte dos indivíduos, dos valores de seu ambiente
social, em grande medida favorecida por este, de modo que aqueles são incapazes de transgredi-los
sem sentir vergonha ou remorsos. Afeta, em maior ou menor medida, a quase todas as pessoas, porém,
em especial aos indivíduos que são mais suscetíveis às influências de seu ambiente social. É um
fenômeno habitual na sociedade tecnoindustrial atual (ainda que não só nela) e é especialmente
profuso e intenso em seus subsistemas esquerdistas. Tem muito a ver, por exemplo, com a noção do
“politicamente correto”, já que é o que permite que esta se imponha.
Table of Contents
Apresentação
Prólogo
Sobre a Versão Espanhola de
Industrial Society And Its Future
Principais Ideias dessa Obra
Algumas Razões pelas quais
Interpretam-se Mal as Ideias do Manifesto
A Sociedade Industrial
e Seu Futuro
Freedom Club — FC
Introdução
A Psicologia do Esquerdismo Moderno
Sentimentos de Inferioridade
Sobressocialização
Atividades Substitutivas
Autonomia
Causas dos Problemas Sociais
Perturbações do Processo de Poder
na Sociedade Moderna
Como Algumas Pessoas se Adaptam
Os Motivos dos Cientistas
A Natureza da Liberdade
Alguns Princípios Acerca da História
A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada
A Restrição da Liberdade É Inevitável
na Sociedade Industrial
As Partes “Más” da Tecnologia
Não Podem Ser Separadas das Partes “Boas”
A Tecnologia É uma Tendência Social
Mais Poderosa que o Desejo de Liberdade
Os Mais Simples Problemas Sociais
Têm-se Demonstrado Insolúveis
A Revolução É Mais Fácil que a Reforma
O Controle do Comportamento Humano
A Humanidade numa Encruzilhada
O Sofrimento Humano
O Futuro
A Estratégia
Os Dois Tipos de Tecnologia
O Perigo do Esquerdismo
Nota Final
Notas
Posfácio ao Manifesto
— Industrial Society and Its Future
Ted Kaczynski
31 de julho de 2007
Nota sobre o Manifesto
— Industrial Society and Its Future (ISAIF)
Ted Kaczynski
20 de junho de 2012
Apêndice
— Esquerdismo:
Função da pseudocrítica e da pseudo-
-revolução na sociedade tecnoindustrial
Por Último Reducto
Definição
Valoração
Conclusão

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