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A Sociedade tecnológica, a democracia c o
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1. Introdução
Na nossa moderna sociedade tecnológica háuma forte conexão entre
aquestão da democracia çoplanejamento ambiental. Devem-se ressaltar,
ainda, as cspccificidadcs de que se reveste esta relação, no caso de países
subdesenvolvidos como o Brasil. Esse tema será abordado aqui, nao sob
o enfoque da ciência política, mas numa linha mais voltada parr. as
conseqüências dessa questão para oplanejamento. Inicialmente, porém,
cabe colocar os seus antecedentes teóricos, que se situam nos campos da
ecologia política e da teoria do desenvolvimento.
2. ACrítica ecológica ao modo de produção da sociedade industrial
/Quem fala cm democracia, fala em liberdade de escolha, fala da
possibilidade de ler opção. De certa forma isto está associado ao conceito *.'•>»
de autonomia. Ora, na nossa sociedade tecnológica, principalmente a
partir da Revolução Industrial, começou um processo que vai cada vez
mais no sentido de uma exacerbação da heteronomia, entendida aqui
como o contrário da autonomia. Ou seja, através do progresso técnico c
particularmente atravésda rupturaepistemoiógicaocorrida na Revolução
Industrial, os homens praticamente não produzem mais aquilo que con
somem c também não mais consomem aquilo que produzem. Es
sencialmente oque faz ohomem na sociedade é produzir para os outros,
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• Este lexto éatranscrição revista e ampliada de conferência proferida no IV Simpósio
Estadual sobre aUniversidade eo Meio Ambiente, Sao Paulo, 1W0.
♦*Graduadoem Engenharia Elétrica de Sistemas eIndustrial pela PUCMU ecm Economia
pela ÍTWUFRJ; mestrado cm Engenharia de Sistemas pela COPPIVUFIU; doutorado
em Técnicas Econômicas, PrcvisSo c Prospcctiva pela Ccolc dcs llaulcs Etudcs cn
Sciences Sociales de Paris; professor do programa de Planejamento Energético da
COITE/UHU
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# não por um certo altruísmo ou uma certa generosidade, mas, ao contrário, mas a partir de um certo limite ele setorna prejudicial àsociedade como
sempre com interesse egoísta, ou seja, cslabcleccndo-sc através do mer um todo, logicamente beneficiando alguns, mas cm detrimento de uma
cado um sistema baseado no valor de troca. Esse sistema, constituído, grande maioria. Para a sociedade cm seu conjunto, verifica-se cmvários
assim, por uma soma de egoísmos individuais, produz um tecido social que campos a existência de um limiar crítico a partir do qual a tecnologia, se
évisto como um prodígio pela escola do liberalismo econômico clássico. for desenvolvida cm excesso, começa a gerar efeitos contraprodulivos.
Éconhecida aexpressão de Adam Smilh, da "mão invisível", ou seja, como A expansão do uso de uma técnica está geralmente associada à
cada um perseguindo seu próprio interesse particular faz com que o aparição dos serviços de um especialista (o professor, o médico) c de um
mercadose otimize c através da concorrência perícitase chegue ao ponto produto ou processo (o automóvel, os equipamentos de produção e uso
ótimo de produção cde consumo onde as curvas de oferta cdemanda se de energia) cuja compra no mercado torna-se essencial para o con
sumidor. Esse fenômeno coincide assim com uma maior heteronomização
cruzam, cm um ponto de equilíbrio.
Por outro lado, essa concepção liberal-econômica, na qual Adam da sociedade. Éimportante perceber, contudo, que acrílica ecológica não
Smilh via oprodígio, de certa forma omilagre que esses interesses egoístas desemboca numa condenaçãoabsoluta do uso da técnica, reconhecendo
particulares gerassem ointeresse coletivo mais amplo, foi criticada por que até certo ponto ela entra cm sinergia positiva com a autonomia.
Marx, nos termos de que isto na verdade significaria uma alienação, ou Evidentemente seria ingênuo negar que a técnica liberta o Homem de
seja, aperda da liberdade do proletariado cuja única opção passa aser a determinadas restrições, permite de certa forma o seu desenvolvimento,
venda de sua mão-de-obra no mercado de trabalho. Aí não lemos ne o seu desabrochar, o preenchimento de suas aspirações. Porém, a partir
nhuma novidade; tudo isso é sobejamente conhecido. A crítica ecológica de certo limite, que foi atingido pela sociedade tecnológica, razão da
da sociedade industrial vem, na verdade, estender e ampliar essa crítica críticada ecologia política, há um efeito de contraprodulividade.
marxista originada essencialmente no campo das relações de trabalho na'
fábrica; na relação operario-palrão, prolelariado-capitalista do mundo da
3. A Evolução do conceito do desenvolvimento*
produção.
A crílica ecológica estende essa crítica, não apenas às relações do
campo de trabalho, mas ao conjunto das relações humanas. Ivan lllich, Após a SegundaGuerraMundial a reflexão sobre o desenvolvimento
por exemplo, um dos mais conhecidos expoentes da crílica da ecologia teve como ponto de partidaa constatação do alraso econômico de alguns
política ao modo de produção da sociedade industrial, não apenas critica países diante de outros, observado cm lermos de "diferenças nos níveis
as relações sociais de produção (a alienação de Marx), ou seja, o uso da de consumo c particularmente dosgraus de diversificação no consumo do
técnica, mas também aprópria técnica. Amensagem de Ivan lllich poderia conjunto de umapopulação (Furtado, 1979, p. 19). As idéias correntes na
ser sintetizada nos seguintes lermos: apartir de um certo limite crítico, o época, segundoa concepção dos economistas ncoclássicos, apontavam o
desenvolvimento do uso de uma técnica, ao invés de contribuir para a comércio internacional como capaz de resolver as desigualdades
salisfação das necessidades humanas, acaba lendo um efeito negativo, econômicas entre as nações: "o subdesenvolvimento seria reduzido
apresentando oque ele define como oconecilo de contra-produlividadc. mediante aespecialização mundial da produção".1 As hipóteses implícitas
Ivan lllich aplicou essa lese chi vários campos. No campo da escola, sua neste enfoque que privilegia ao extremo as "vantagens comparativas"
primeira grande obra conhecida, "Sociedade sem Escolas", mostrava (total integração econômica c social das unidades que intervém no
como a excessiva escolarização acaba de certa forma por prejudicar o comércio internacional; concorrência perfeita; difusão completa dos
processo de aprendizado do Homem. Aplicou-a também no campo da frutos do progresso técnico, homogeneidade dos fatores de produção,
saúde, mostrando como uma medicalização excessiva da sociedade acaba etc.) traduzem, na teoria do desenvolvimento, uma concepção
prejudicando aprópria saúde da população c, no campo dos transporles, "cvolucionista".2 Nessa perspectiva, a livre ação das forças do mercado
moslrando como alguns sislcmas de transporte (particularmente o permitiria que países como os da América Latina superassem seu alraso
automóvel, um transporte individual) acabam reduzindo amobilidade da c atingissem um estágio de desenvolvimento comparável ao dos países
sociedade comoum lodo. Eníim, no campodaenergia, sustentoucm seu
livro "Energia c Eqüidade" que o aumento do consumo de energia no Esta seção se baseia na Tese de Doutorado do autor "Encrgic et Styte de
início permile um aumento da satisfação das necessidades da sociedade, Dévelojipcment: les (as du Itiésil", Paris, IIIILLSS. 1VB0.

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capitalistas mais avançados. Mais tarde, Rostow (1962) formalizaria esse da CEPAL, dita cslruluralista (por incorporar fatores inslilucionaisc
esquema dogmático c universal dos estágios de desenvolvimento cm sua estruturais que se situavam além da esfera do mercado cda livre flutuação
olimíslica doutrina de"decolagem": o desenvolvimento (entendido como
dos preços), formulações sintéticas na direção da consolidação de um
"progresso, bem-estar social, modernização") seria gerado pela paradigma analítico: "Sintetizando, odesenvolvimento tem lugar mediante
civilização industrial, c seu acesso era prometido às elites do Terceiro aumento de produtividade no nível do conjunto econômico complexo (...); o
Mundo por um caminho "indolor", sem choques nem revoluções, desde conceito de desenvolvimento compreende a idéia decrescimento, superan-
que a simples receita de propiciar a acumulação mais rápida possível, do-a. Com efeito, ele se refere ao crescimento de uma estrutura complexa.
aumentando aparle do investimento no produto nacional, fosse seguida. Essa complexidade estrutural não é uma questão de nível tecnológico. Na
Finalmente, Ominami (1979, p. 742) inclui no bojo da teoria verdade ela traduz adiversidade de formas sociais ceconômicasengendradas
"cvolucionisla" do desenvolvimento astesesde umatendência particular pela divisão social do trabalho" (Furlado, 1975, p. 92 cp. 90). Eimportante
do pensamento ncoclássico conhecida como "Escola de Chicago", notar que nem Furlado nem Sunkcl cPaz problcmatizavam nessas obras "a
retomando uma citação de seu principal expoente, M. Friedman (1959, p. possibilidade eaconveniência de alcançar osmesmos padrões de desenvol
509): "O que precisam os países subdesenvolvidos é da liberação das vimento dos países industrializados... o pressuposto era: com uma política
energias de milhões de homens capazes, alivos e vigorosos... uma atmos adequada, é possível c desejável generalizar o que já se alcançou como
fera que dê aesses indivíduos omáximo de oportunidades, cstimulando-os desenvolvimento nos países industrialmente avançados" (Cardoso, 1980, p.
num ambiente onde haveria medidas objetivas de sucesso e fracasso; em 138).
Em meados da década de sessenta, a chamada "teoria da
resumo, um mercadocapitalista vigoroso c livre.' dependência" ganhou força como um enfoque que criticava as
Nolimiar da década de 1950, as teses então defendidas pelos liberais formulações cepalinas quanto à possibilidade do "desenvolvimento
ortodoxos sobre a pretensa vantagem dos países subdesenvolvidos em se nacional" através da atuação de um Estado-Rcformador. As formulações
especializar na exportação de malérias-primas c não se industrializar, de Cardoso (1964) c A.G. Frank (1966) punham ênfase no caráter
foram contestadas simultaneamente pelos economistas latino-americanos hislórico-cstrutural da situação de subdesenvolvimento c procuravam
agrupados cm lomo da CEPAL recentemente criada pelos autores in ligar aemergência dessa situação, bem como sua reprodução, àdinâmica
dianos e por alguns pesquisadores ocidentais.5 Os principais lextos do desenvolvimento do capitalismo cm escala mundial. Introduzia-se a
cepalinos da época, como o artigo de R. Prcbish (1950), propuseram a noção de dominação, através da "análise dos padrões estruturais que
idéia de uma economia internacional dividida entre um Centro c uma vinculam assimétrica c regularmente as economias centrais às
Periferia cuja base objetiva seria o sistema de divisão internacional do periféricas... Mais ainda, não se via a dominação apenas entre nações.
trabalho instalado no século XIX. A repartição desigual dos frutos do Procurava-se mostrar como essa supõe uma dominação entre classes'*
progresso técnico e a deterioração dos termos de troca que se segue (Cardoso, 1980, pp. 141 c 142). Segundo acrítica do próprio Cardoso, o
teriam assim engendrado um desequilíbrio cstrulural cnlrc as diferentes ponto fraco da teoria da dependência énão colocar cprocurar responder
nações, destruindo as premissas da teoria clássica: "as rendas crescem no aquestão: por intermédio de que agente histórico será possível superar a
centro com mais rapidez do que na periferia, pois o aumento de dependência? Os "dependenlistas" se limitavam "a constatar as
produtividade na produção industrial não se transfere para os preços, deformações (do que os cepalinos chamarão 'estilo perverso* de desen
porque os oligopólios defendem sua taxa de lucro, c os sindicatos fazem volvimento) geradas pela expansão do capitalismo na periferia, ou
j pressões para manlcr onível dos salários, cdesla forma há uma tendência propõem o socialismo como alternativa. Mas aalternativa não chega a
àqueda relativa dos preços dos produtos primários no comércio inter consliluir-sc na análise com a mesma força que a crítica da situação de
nacional".6 dependência" (Cardoso, 1980, pp. 146 c 147). Enfim, cabe notar que as
Em suas formulações iniciais, as leses cepalinas não tinham como teorias da dependência, tanto quanto as da CEPAL, herdaram acrença
preocupação central uma "teoria do desenvolvimento", mas "... aexplicação naracionalidade da história c não questionaram as idéias de progresso c
de desigualdades cnlrc economias nacionais que se estavam acentuando desenvolvimento: "Desenvolvimento, sim; capitalista, não. A distribuição
através do comércio internacional" (Cardoso, 1980, p.132). Após a impor dos frutos do progresso há de ser diferente. A apropriação dos meios pelos
tante batalha teórica do pós-guerra contra adoutrina dolivre comércio, nos quais eles são logrados, também. Mas os componentes formais -omodelo
anos 60, Furlado (1961 c 1967) c O.Sunkcl c P. Paz (1970) deram à análise
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•\ •-
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-estão dadospela própriahistória do desenvolvimento capitalista" (Car Esla redefinição do desenvolvimento condena duplamente a
doso, 1980, p. 147). concepção evolucionista que odefinia como um processo linear no qual
No entanto, apesar do rápido crescimento econômico mantido os países atrasados teriam apenas de imitar, alcançar c possivelmente
durante os 25 anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, os países superar osmais avançados:7
industrializadosdo hemisfério Norte vêem-sehoje às voltas com umacrise - Não só porque a generalização à escala do planeta do alto nível de
de desenvolvimento de uma gravidade que proíbe toda interpretação desperdício de recursos verificado nas regiões industrializadas seria
puramenteconjuntural. Essefenômeno se manifesta atravésdasseguintes dificilmente sustentável, ecologicamente, c compatível com os "limites
características, entre outras (ver CA. Jcanncrct-Grosjcan, 1979): externos ao desenvolvimento" ("oulcr limils");8 mas também porque o
- Ausência de umaprosperidade generalizada: persistência de fortes padrão de civilização tccnológico-induslrial dos países do ccnlro deixou
desigualdades sociaisc regionais; deser considerado o objelivo desejável a serperseguido pelos países da
• Nível insustentável de desperdício de recursos (materiais c periferia. Aredefinição de desenvolvimento realça sua "dimensão ética e
humanos);destruição progressiva do meio ambiente e da base de recursos estética, normativa equalitativa que define seu conteúdo, sua utilização c
naturais; sobretudo asformas deconvivialidade entre os homens",9 c enfatiza que
- Crisede desemprego; dosserviços sociais; do sistema educativo (ver a história não fornece jamais modelos a serem seguidos, mas somente
Sachs,1980, pp. 130-137); antimodclos a superar.
- Alienação c sentimento de frustração diante da impossibilidade de Aconseqüência disso no plano semântico (sintomática, pois aspalav
influenciar significativamente seu próprio destino: profunda crise de rasnunca sãoinocentes, transmitindo conceitos e valores) é a negação da
valores e de identidade cultural. usual terminologia depaíses "desenvolvidos" c"cm via de desenvolvimen
Foi nesse contexto que as questões valoralivas impuseram-se com to", expressões a serem substituídas por "países industrializados" c do
mais força na própria definição de desenvolvimento. As distorções "Terceiro Mundo" (ver Dossicr FIPAD, n° 13,1979, nota introdutória).
estruturais do padrão civilizatóriò de base tccnológico-mdustrial acima Mas o enfoque do ecodesenvolvimento vai mais longe c "desemboca na
citadas foram sintetizadas pelo termo "desenvolvimentomaligno"("mal- proposição de um planejamento participativo, contratual c contextual"
dcvcloppement"). No extremooposto, a consolidação do novoparadigma para aplicação de políticas visando à "harmonização entre objetivos
de um "outro desenvolvimento" vem se realizando gradativamente, econômicos, sociais c ecológicos" através da atuação cm três níveis
através da elaboração do conceito de "ecodesenvolvimento". Este termo, (segundo a formulação deSachs, 1980, pp. 33-35 e 63-77):
lançado em 1972 por M. Strong, Secretário Geral da Conferência de - A-modulação da demanda social ou dos estilos devida: neste nível
Estocolmo sobre o Meio Ambiente, ganhou uma interpretação mais agem as políticas de consumo (no sentido mais amplo do termo: repartição
ampla na Declaração de Cocoyoc (1974), adotada pelos participantes de entreo individual c o coletivo, o malcrial c o não-material, o mercado c o
um simpósio organizado pelo PNUMA c pela UNCTAD. Enfim, o não-comcrcial) c de gestão dos usos do tempo da sociedade (es
relatório Que Faire (1975), preparado para a sessão extraordinária da sencialmente a repartição entretempo de trabalho c de lazer);
Assembléia Geral das Nações Unidas, postulou um "outro desenvol - A escolha dafunção deprodução debens e serviços (Oferta social)
vimento" como sendo: subordinada a umconjunto de políticas:
- Orientado para a satisfação das necessidades (materiais e im- *Tecnológica (escolha das tecnologias "apropriadas"10 a cada con
ateriais) de toda a população (c não submetido à lógica da produção texto cm umdado período de tempo);
erigida como um fim cm si mesma); * Energética (procura de um baixo perfil de demanda energética c
- Endógcno c "sclf-rcliant",isto é, baseado na autonomia das decisões promoção das energias renováveis c não-convencionais);
da população que o empreende, "contando com suas próprias forças", à * De utilização dos recursos (preservação dos recursos raros,
procura de modelos apropriados a cada contexto histórico, cultural e promovendo sua recuperação c reciclagem11, c sua substituição por ou
ecológico; tros mais abundantes; identificação e aproveitamento de novos recur
- Consciente de suadimensão ecológica, procurandoestabeleceruma sos);12
harmoniaentre o homeme a natureza,baseado numaatitude de prudência * De organização do espaço (procura de um equilíbrio cnlrc cidade
ecológica. c campo, descentralização industrial);

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- A gestão ambiental propriamente dita. 4. A necessidade de controle da sociedade sobre as opções tecnológicas
Enfim, a idéia de ecodesenvolvimento já encontra aplicações con Esse é o marcoteórico cm que se colocaa relação entre a sociedade
cretas na pesquisa orientada para aação, inspirando diversos projetos de tecnológica c a democracia, c não seria o caso aqui de se deter cm mais
desenvolvimento local.13
Diferentes tipos de crílica são dirigidas a esse novo enfoque do detalhes, pois existe uma grande obra c uma grande discussão sobre a
desenvolvimento: B. Glacscr eV. Vyasulu (1979), analisando alguns casos questão do desenvolvimento c a ecologia política, abrangendo a
concretos, apontam as dificuldades de superação dos impasses sociais que contribuição de diversos autores. Mascm síntese, essemarcoteórico traz
encontra a ação no nível de projetos de desenvolvimento local. Cardoso conseqüências importantes parao planejamento ambiental, num contex
(1980, p. 15K) volta a cobrar (assim como o fez dos dcpcndcnlistas c to democfálico.Coiitrapoudo-se à lógica do liberalismo e evidentemente
cepalinos) aanálise da questão da Revolução: "quais seriara os sujeitos à de um projeto ncolibcral (onde o mercado é vislo como a panacéia, a
históricos das transformações?" Numa linha semelhante de solução perfeita, o instrumento que permite atingir o ponto ótimo de
preocupações, Sunkcl (1979, pp. 184-204) questiona o "alto grau de alocação dos fatores de produção, o progresso técnico c o crescimento
confiança na potencialidade do planejamento como fator de mudança do Homem), essa crílica coloca a necessidade do controle da sociedade
social" suposto pelos teóricos do "outro desenvolvimento" e pergunta: sobre a técnica e seu desenvolvimento. A técnica, com mais forte razão-
como assegurar um amplo controle popular sobre a formulação de que a própria ciência, não é neutra c tem uma série de efeitos sociais c
políticas nas sociedades latino-americanas? Que agentes e processos políticos. Assim, as opções tecnológicas devem ser controladas pela
darão existência a um planejamento "da comunidade"? Qual é a comu sociedade, que deveter essa liberdade de escolha, ou seja, a democracia
nidade que deve adotar as decisões ccontrolar oplanejamento?14. Enfim, numa sociedade tecnológica passa pelo controle das opções dcnlro de
S. Amin (1976) contesta aprópria viabilidade da definição de um "desen um grande espectro de descobertas científicas que são produzidas nos
volvimento alternativo" para um "capitalismo autônomo" na Periferia, laboratórios de todo o mundo. Trata-se de selecionar quais dessas des
dcnlro do aluai sistema de divisão internacional do trabalho. cobertas científicas podem c devem ser usadasrealmente pelasociedade,
Em síntese, crilica-sc a vários níveis o fato de que o pensamento ser difundidas amplamente, chegar ao mercado c se inserir como tec
polílico implícito no enfoque do ecodesenvolvimento ainda é pobre. No nologias no contexto social.
entanto, na prática a questão do poder vem sendo encarada de frente, Evidentemente,essaconseqüência fundamental para o planejamento
através da análise de situações específicas cm espaços locais c regionais não é fácil, no planooperacional. Seria absurdo imaginar que cada novo
cm numerosos projetos que procuram aplicar concrclamcntc seus con produto, cada nova tecnologia de produção tivesse que passar pelo crivo
ceitos. de um amplo debate democrático. Evidentemente, o mercado se encar
Mais recentemente, o relatório da Comissão Brundlland (Comissão rega dessas escolhas, cm economias mistas c economias capitalistas,
Mundial sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, 1988) cunhou otermo economias não centralmente planificadas (quase não existem mais
"desenvolvimento sustentável" que retoma os critérios formulados na economias totalmente planificadas, pois mesmo os países da Europa
definição de ecodesenvolvimento, insistindo no dever de solidariedade Oriental estão abrindo um espaço cada vez maior para o mercado, reco
para cora as gerações futuras. O conecilo de sustcnlabilidade deve com nhecendo seu papel como instrumento de alocação dos fatores de
preender, porém, não apenas a dimensão ecológica, mas também a produção). Mas existem algumas escolhas tecnológicas, as chamadas
econômica, asocial, atecnológica, acultural c apolítica. O alargamento opções pesadas, que de certa forma conformam a sociedade do futuro,
do paradigma de desenvolvimento permite, assim, rclativizar a ênfase introduzindo no sistemainércias, ou seja,restrições, que irão permanecer
dada ao puro conscryacionismo da natureza que marcou a mililância por prazos bastante longos. Então, se essas tecnologias têm a
-I característica de estruturar a sociedade, evidentemente numa sociedade
ecológica cm seus primordios c que ainda hoje domina a imagem do
"verde" transmitida pelos meios de comunicação àopinião pública. democrática ciastêm que serdiscutidas aluz do interesse, ou não,daquela
sociedade cm aplicá-las.
Dentre os exemplos clássicos que se podem citar no Brasil, está a
indústria automobilística. É fácil ver, 30 anos depois da introdução da
indústria automobilística no Brasil, os efeitos que ainda hoje se fazem

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sentir no estilo de desenvolvimento do país dessa macrodecisão que foi vimento tem um forte componente tecnológico. Por oulroMfl^so
tomada pelogoverno da época. Outroexemplo de tecnologia desse tipo pode reduzir um estilo de desenvolvimento aum estilo tecnológico, pura
sãoas centrais nucleares, que envolvem, na suaaplicação, além de custos Scsmcnlc. Há também os problemas da «^"f"^/^^
eda dimensão dislribuliva (como se distribuem os frutos de, traba ho. o
elevados e dos aspectos polêmicos sobreo risco dessatecnologia, medidas
de vigilância sobre a sociedade para garantir suasegurança, caracterizan excedente econômico). Mas certamente existe uma questão crucia na
do uma intervenção do Estado de tipo autoritário e militarista. estrutura do aparelho de consumo. Não apenas cm termos de quais bens
Outras tecnologias altamente impactantes sobre o estilo de desenvol serão produzidos, mas também de suas características; por exemplo, a
vimento são a informática, a biotecnologia c a engenharia genética. No vida útil dos produtos terá uma forte incidência sobre omeio ambic.i, c.
caso brasileiro, deve-se discutir quais tecnologias serão introduzidas para quando um automóvel de hoje tem uma vida útil que éametade de um
propiciar o desenvolvimento de um espaço sócio-cconômico como a automóvel do início do século, evidentemente no mesmo espaço de tempo
Amazônia. Nesse sentido será abordada a seguir a questão das grandes a sociedade vai consumir duas vezes mais matérias-primas c energia
barragens hidrelétricas. Todas as citadas são tecnologias que têm impac necessárias à fabricação daquele automóvel (que ébastante in cnsiva cm
tos por anos c anos a fio, c não apenas a nível local (desse ponto de vista energia cmatérias-primas, como já foi mencionado), envolvendo cm toda
um aeroporto também tem um efeito permanente, mas limitado à áreaera asua cadeia uma série deimpactos ambientais.
que será implantado), mas sobre a sociedade como um todo. Quando se No consumo de bens c serviços surgem questões como avida üiu, a
fala aqui cm tecnologias deve ser lembrado que nãose trata apenas do Quantidade de bens intermediários intensivos cm matérias-primas neces
aparelho de produção, ou seja, nãoapenasos processos de produção,mas sárias para sua fabricação, aescolha cnlrc coletivo c individual: no c-
também do aparelhodo consumo,ou seja,dos bens c dos serviços que são xcmplo do automóvel, aprioridade ao transporte individual condiciona a
oferecidos à sociedade. Muitas vezes determinados bens já trazem em possibilidade de um transporte coletivo eficiente na lula pelo espaço
butidas várias conseqüências sobre o aparelho de produção. No caso do urbano; analogamente podem-se mencionar as conseqüências da
automóvel, a indústria automobilística cm si, na classificação do IBGE, estruturação de um transporte rodoviário cm detrimento de um
não consome muita energia, nem é responsável por um grande impacto transporte ferroviário ouhidroviário.
ambiental. Mas através de seus efeitospara trás, considerando-se lodo o Éjustamente no aparelho de consumo que se coloca mais fortemente
vidro, a borracha, o alumínio c o açoque são necessários à construção de a possibilidade de conservação de energia e de matérias-primas, cora a
um automóvel, verifica-se que essa indústria está articulada com uma série redução de impactosambientais. Oproblema fundamental ésaber se, peto
de bens intermediários altamente impactantes sobre o meio ambiente. menos para algumas opções tecnológicas, é possível que a sociedade
Quandose fala cm tecnologia, portanto, deve-scestender o conceito não instaure um processo de decisão sobre fazer ou não fazer, por exemplo,
apenas aosprocessos produtivos mastambémà escolha dos produtos. centrais nucleares ou hidrelétricas. Como fazer? Essa questão é crucial
para o planejamento ambiental c está muito articulada àconcepção de
democracia. Que mecanismos utilizar para fazer essa avaliação/ lsssa
5. A definição das necessidades de consumo avaliação tecnológica se lorna hoje, com aprioridade as questões ambien
tais exigida pela sociedade, ainda mais complexa do que quando, se
O atual secretário nacional do meio ambiente, cm seu discurso de
consideravam essencialmente aspectos econômicos c sociais, c apenas
posse, se perguntava por que esse país precisa de latinhas de alumínio; muito superficialmente aspectos ambientais.
isto é, estava questionando esse contexto: seria necessário utilizar
alumínio para esses fins? O mercado pode decidir isso? Evidcntemcnlc 6. Organizando oprocesso de tomada de decisões: aavaliação
nosso secretário coloca que deveria haver um debate da sociedade a
respeito de uma intervenção do Estado nessa questão. Será que isso é tecnológica
democrático? Como organizar esse debate?
Em vários trabalhos, c mais recentemente nos trabalhos de Osvaldo Como fazer essa avaliação? Há uma série de problemas sobre
Sunkcl,que coordenouumaunidadede desenvolvimento c meio ambiente metodologias, há todo um campo acadêmico de discussão, com várias
da CEPAL, colocou-se muito claramente que lodo estilo de dcscnvol- escolas, sobre a conveniência (ou não) de análises mullicrilénos que
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consigam traduzir numa mesma dimensão, na mesma escala (normal hidrelétricas, por exemplo, a Suécia criou um Tribunal de Recursos
mente cruzeiros ou dólares),os diferentes aspectos econômicos, sociais e Hídricos. Assim, dispõe-se de um Poder Judiciário especializado, como
ambientais. Isto é, pode-se dar preço,valormonetário ao meio ambiente oTribunal Regional do Trabalho, por exemplo, para a avaliação dos
e aos aspectos sociais? Isso, na verdade, retoma, no caso do meio am grandes projetos hidrelétricos segundo oritual jurídico cm que se chega,
biente, uma velha discussão que se travouem termos dos impactos sociais portanto, a decisões no Tribunal sobre aimplantação ou não desses
de vários projetos, onde se chegou ao limite de estabelecer qual o valor grandes projetos. Inclusive, aSuécia decidiu preservar três grandes rios.
da vida humana que estava implícito na consideração dos impactos sociais do Norte, especialmente porque o potencial hidrelétrico da Suécia está
de cada projeto, calculando-se o valor da vida humana cm dólares. no Norte, c o grande consumo devido àindústria está no Sul, como no
Trata-se de um campo bastante extenso, mas o importante aqui é Brasil. Assim, os suecos decidiram preservar cnão locar nas três bacias,
chamar a atenção para uma série de questões sobre como fazer essa de forma que as gerações futuras poderão observar uma bacia intocável,
avaliação tecnológica, c como a sociedade.pode se organizar nesse sen enão apenas uma sucessão de represas clagos para ageração de energia
tido. Inicialmente, dentro do próprio Executivo, há as avaliações inter- elétrica.
ministeriais, mas é difícil colocar todos os órgãos, até de um mesmo Enfim, esses são alguns exemplos, mas tudo isso é riiuilo recente, no
ministério, trabalhando em conjunto. Brasil principalmente, onde as resoluções do CONAMA*, a partir de
Outra possibilidade seria, saindo do Executivo para um nívelde mais 1986, mal ou bem, detonaram todo um processo de avaliação de impactos
democracia, utilizar o Congresso como o fórum de discussão desses ambientais. Em todo omundo as atividades de avaliação tecnológica ainda
grandes projetos. A sociedade poderia então se manifestar sobre eles.
são incipientes, mas já há resultados bastante interessantes a serem
através de seus representantes eleitos. Também já existe alguma atividade
analisados, como os acima mencionados do Congresso Nortc-Amcricano
nesse campo, porexemplo, nos Estados Unidos, onde é bem conhecida a e do Poder Judiciário na Suécia.
experiência do "Office of Technological Assessment", um escritório de
avaliação tecnológica do Congresso Nortc-Amcricano que justamente
tem como objetivo, para alguns grandes projetos envolvendo 7. Aavaliação de Impactos ambientais esuas dificuldades no Brasil
macrodccisõcs tecnológicas, recolher o material científico c elaborar
subsídios numa linguagem acessível, levantando as informações sobre Oaprofundamento dessa discussão só se pode dar através da análise
esses projetos e processando-as para os tomadores de decisões, no caso de alguns casos concretos. O tema será ilustrado aqui pelo exame da
os congressistas americanos. questão das hidrelétricas no Brasil. Como organizar a discussão
Outraviaseria nãosomenteatravés dademocracia representativa, via ^democrática da sociedade sobre esses projetos? É possível isto, c será
Congresso com os eleitos pela população, mas envolvendo as próprias viável? Em primeiro lugar é preciso mencionar que cxislc uma série de
populaçõesatingidas pelosgrandes projetos.Para implantarmecanismos dificuldades para se atingirem os objetivos dos estudos cdos relatórios de
de democracia direta, as dificuldades também são grandes: Quem é a avaliação de impactos ambientais elaborados hoje sobre as usinas
população atingida? Qual é a área de influência de um grande projeto? hidrelétricas no país, a começar pela falta de conhecimento dos ecos
Essa é uma grande discussão que se trava hoje em dia,ou seja,há diversas sistemas preexistentes. Vive-se numa fase em que muitos relatórios na
dificuldades para organizar esse processo de discussão democrática de verdade não são elementos para atomada de decisões, csim enciclopédias
opções tecnológicas. com os dados coletados. Isso é agravado por uma confusão que houve
Analogamente há um corte que também se pode dar nas várias inicialmente no processo, quando projetos já cm andamento foram
esferas administrativas, isto é, que tipo de opções tecnológicas seriam obrigados aapresentar RIMA, c sua concepção como instrumento para
decididas cm nível federal, pelo paíscomo um lodo, ou pelo Executivo a tomada de decisão acabou de certa forma sendo desvirtuada.
cm nível estadual ou municipal, ou ainda no nível local pelas populações
atingidas, ou seja, há uma série de questões cm aberto c de dificuldades. * OCONAMA, Conselho Narional de Meio Ambiente, regulamentou cm1986 aexigíucia
É útil examinar aexperiência de outros países, como aSuécia, lembran de apresentação de lUAs - IJstudosdc Impacto Ambiental, sintetizados cm RIMAS —
do sempre que o Brasil não é a Suécia, c realmente o tipo de sociedade Relatórios de Impado sobre o Meio Ambiente, para o licenciamento de projetos com
e de desenvolvimento é bastante distinto. No caso das centrais impactos ambientais potencialmente significativos.

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Existem também problemas metodológicos naavaliação de impactos trabalhar-se cegamente com a ponderação, aplicando pesos relativos e
ambientais. Os diversos métodos empregados (superposição de mapas com isso se chegar aresultados que espelhariam ocuslo-bcncíício global
temáticos, matrizes de interação, redes, cadeias, checklists) encontram de todo o projeto, incluindo também os aspectos ambientais. Deve-se
uma dificuldade muito grande na própria identificação dos impactos analisar criticamente o processo de estabelecimento desses pesos
ambientais e mais ainda quando se quer fazer a predição de seucompor relativos, considerando principalmente quem 6 o responsável por sua
tamento futuro para chegar a algum tipo de medida miligadora desses escolha.
impactos. Contrariando a própria legislação, a maioria dos RIMAs não Assim, não é só um problema técnico. Não se traia apenas de me
apresenta alternativas que deveriam ser consideradas, Evidcntcmcnlc, lhorar aqualidade dos especialistas que participam c fazer com que eles
para se organizar uma discussão política com toda asociedade, de uma aperfeiçoem suas técnicas de avaliação, mas também fazer com que se
forma democrática, pressupõe-sc que haja várias alternativas possíveis e introduza nos processos de decisão avisão dos diversos grupos de interes
viáveis para implantar o projeto. Se há apenas uma alternativa pode-se se, nas várias dimensões envolvidas, como a saúde, segurança, custos c
discutir umano, dezoucem, mas a opção selimita a fazer aquele projeto benefícios econômicos, o patrimônio afetivo, estético c cultural c a
ou não, ouseja, a própria elaboração de alternativas é algo extremamente solidariedade com as gerações futuras.
importante e quevem faltando. Quando se acompanha o que está acontecendo com as grandes
Em todas as metodologias há problemas, pois o conhecimento ainda hidrelétricas no Brasil, vê-se claramente que há conflitos de interesses
é muito incipiente no campo da avaliação de impactos ambientais. O entre diferentes grupos. De um lado, háum objetivo, digamos nacional,
próprio estabelecimento de uma relação de causa e efeito para os impac de gerar energia elétrica para alimentar a rede de distribuição que vai
tos ainda é muito precário, sem falar nasua sinergia, ou seja, a presença beneficiar uma população bem ampla. Nãose podeesquecer, porém, que
de mais de uma fonte de poluição, que isoladamente tem um efeito, mas quanto mais privilegiada é a faixa de renda, mais essa população consome
em conjunto pode dar um resultado diferente da soma de seus impactos. energia, ou seja, não é Ioda a sociedade que se beneficia dessa
Existem também problemas devidos ao caráter cíclico dealguns impactos eletricidade, no mesmo grau. Por outro lado, há uma série de custos que
ambientais, que se produzem c depois cessam, tornando era seguida ase se concentram no nívellocal. De modo geral, cm grandes projetos, não
reproduzir, dificultando assim sua identificação c mensuração. Outro somente nashidrelétricas, hábenefícios distribuídos portodaasociedade,
fator de complexidade éaalteração da dinâmica dos impactos ambientais, sempre ressalvando queuma minoria sebeneficia mais doqueo resto. No
que cm certos casos vão se modificando a curto, médio e longo prazo. entanto, concentram-se na região de implantação os custos: o afluxo
Enfim, dentro doconceito de meio ambiente estão embutidos naanálise migratório da população, atraída pela obra, para cidades que não têm
campos extremamente amplos, que vão desde a conservação de ecos infra-estrutura urbana; a deterioração da qualidade da água, não apenas
sistemas c recursos naturais até a própria saúde pública, segurança, nos reservatórios mas para a população ribeirinha que extrai da pesca o
aspectos estéticos, patrimônio histórico-cullural etc. Evidentemente, essa seu sustento; o próprio deslocamento da população da área do
noção ampla do meio ambiente, incluindo, é claro, osaspectos sociais, já reservatório; c uma série de outros impactos, bastante conhecidos, que
que o Homem é parte integrante do meio ambiente, complica ainda mais incidem essencialmente no nível local. Ora, além das dificuldades de
o problema. compensação dos impados locais há as denatureza polílico-institucional,
Esses obstáculos são de natureza técnica, ou seja, metodológicos, bastante importantes. Hoje o envolvimento do público no processo de
mais científicos de certo ponto de vista. Ademais, existem obstáculos de tomada de decisão se dá de uma forma pontual, através da audiência
natureza política. Em qualquer projeto de grande porte, a percepção de pública. Alémde se situar no final do processo, sua realização depende
seus impactos é fruto de uma subjetividade intrínseca. O que é impacto da apreciação do órgão de meio ambiente da necessidade ou não dessa
para uns pode não sê-lo para outros; um impacto bom para mim pode ser audiência pública. Muitas vezes essa audiência pública setransforma num
ruim para você, e assim por diante, ou seja, ao se estudar os impactos teatro, sema presença dasPrefeituras c dosgrupos afetados diretamente.
ambientais, além de determinações objetivas de magnitude dos impactos Em outros casos acontece uma grande discussão que normalmente não é
há também a atribuição de importância c de relevância, para o es incorporada no processo de tomada de decisão. Em síntese, é extrema
tabelecimento deuma hierarquia, segundo critérios que são dependentes mente precária a atual participação da população no- processo de
devalores, cvalores são, por definição, subjetivos. Então, é muito perigoso

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COPPE| PPE I NDIE
BL C - SALA 211
CX. POSTAL 68565
avaliação dos impactos cda tomada de decisões relativas aesses empreen dar tempo suficiente para opúblico se organizar, discutir cse posicionar.
dimentos. Essa comunicação também não pode ser cm um único sentido, mas deve
Há também uma série de problemas dos próprios RIMAs, como íoi propiciar odiálogo cnlrc dois interlocutores, pois não se trata de simples
mencionado acima, do ponto de vista metodológico. Muito da riqueza dos mente fazer propaganda, por exemplo, elaborar material sustentando que
estudos de impactos ambientais (ELAs) acaba se perdendo no RIMA: a asolução proposta pelo empreendedor éamais adequada cdivulgar isso
tradução das informações levantadas cm termos de um instrumento para para apopulação. Há esse risco, não só no Brasil mas cm oulros países
subsidiar a tomada de decisão é muitas vezes imperfeita, por diversos também. Na França, por exemplo, pode-se citar a famosa "cnquêtc
fatores. Mas a questão central ,é o cquacionamcnlo dos conflitos através d'ulilité publique", que é deposilada nos municípios. No caso da
da participação democrática dos diversos agentes sociais envolvidos. O implantação das centrais nucleares, um grande dossiê era depositado cm
problema principal nesse sentido é: como seria possível propiciar a cada Prefeitura, colocando, por assim dizer, ainformação àdisposição do
participação do público? Isto significa lentar aprofundar adiscussão, e público. Mas, evidentemente, a informação era organizada não para
não simplesmente ficar nas meias-verdades simplificadoras. Alguns propiciar qualquer tipo de debate, mas simplesmente no sentido da
dirigentes do setor elétrico pensam que realizar um debate com a propaganda mais deslavada da solução, imposta àsociedade, de cons
sociedade leva anos, é impossível de ser efetuado, c isso, na verdade, trução dascentrais nucleares.
significaria inviabilizar aconstrução de qualquer barragem no Brasil. Será Todosesses critérios têm de seratendidos, o quenão é fácil, é claro,
que isso é verdade? Será que não há mecanismos de participação da mas tampouco éimpossível. Principalmente aquestão das alternativas é
sociedade que poderiam sercogitados? fundamental: exigir que os estudos, desde os primeiros estágios da
concepção da obra, apresentem efetivamente várias alternativas, é uma
condição básica para que haja um debate democrático sobre oprojeto, a
8. Critérios para oestabelecimento de mecanismos de participação do partir dessas opções tecnológicas. Evidentemente, haverá necessidade de
público mecanismos formais de negociação, pois na maioria dos casos é quase
impossível chegar-sc a um consenso. O objetivo desse processo de
Dentre as alternativas possíveis, pode-se mostrar anecessidade de o participação, aliás, não échegar asoluções consensuais: deve-sc partir do
público participar desde os estágios iniciais do empreendimento. Quanto reconhecimento de que existem interesses inlrinsccamcnlc conflitantes.
mais cedo se der essa participação, mais efetiva ela poderá ser. Evidente O problema da construção da democracia é justamente de se montar
mente, chamar o público para uma audiência pública quando oRIMA já mecanismos de cquacionamcnlo desses conflitos c de oferecer
está pronto, isto é, já houve atradução do E1A cm RIMA (que muitas compensações negociadas às parles descontentes, que sempre persistirão,
vezes é imperfeita c precária), no final do processo, étalvez ooposto do pois isso é inerente ao processo.
que se poderia chamar de uma participação efetiva do público. Esta Mais recentemente, o setor elétrico cunhou o termo "inserção
L poderia começar com grande antecedência, nos primeiros estágios de regional". Esse conceito está sendo colocado na lenlaliva de inserir
elaboração do projeto, envolvendo as partes afcladas, o que permitiria adequadamente oempreendimento na região de sua implantação. Mas, o
identificar eorientar os estudos futuros sobre os impactos ambientais do que deveria ser isso? Oque está hoje colocado éainda muilo tímido com
empreendimento. relação ao que rcalmcnlc seria inserir um projeto dentro de uma estratégia
Em segundo lugar, oenvolvimento do público não se dana através de de desenvolvimento regional integrado. Isso, inclusive, não pode partir do
uma audiência isolada c sim de um processo, sob a responsabilidade do projeto, parle da região, da discussão do projeto de desenvolvimento da
próprio empreendedor, que deveria tomar a iniciativa de convocar região. Evidentemente, porém, não se podem atribuir ao setor elétrico, no
reuniões, elaborar as informações pertinentes cdivulgar essa informação caso, todos os males. O planejamento regional do Brasil cfclivamcnlc
de forma acessível para facilitar aorganização da discussão. Pensar que, faliu. A experiência da SUDENE c congêneres teve uma.série de
cnlrc um grande empreendedor c populações locais, possa haver uma problemas bem conhecidos. Isso não quer dizer que não se devam discutir
relação absolutamente simétrica, de igual para igual, é extremamente os projetos a partir da ótica do desenvolvimento regional. Mas deve-se
capeioso. Na realidade, existe anecessidade de o empreendedor iden primeiro retomar nas instâncias regionais adiscussão das estratégias de
tificar o público-alvo, fornecer informação adequada c compreensível e desenvolvimento.
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um projeto de central hidrelétrica, desde a estimativa do potencial


* Analogamente, é insuficiente discutir apenas no nível do empreen hidrelétrico até a construção da central. Esse ciclo do projeto leva de 10
dimento (a central elétrica): asociedade deve debater as alternativas do a 12anos: o inventário dura cerca de dois anos, assim como o estudo de
planejamento global do setor elétrico, que entretanto é um processo de viabilidade coprojeto básico; cinco aseis anos adicionais são necessários
planejamento fechado. Evidentemente, o Plano 2010 já incorporou uma para o projeto executivo c aconstrução. Assim, há tempo mais do que
série de avanços. Sua discussão foi muito mais ampla do que no caso do suficiente para promover uma grande participação do público ao longo
Plano 90, cuja divulgação era praticamente proibida (sua circulação era desse processo. Deve-se chamar aatenção para o falo de (pie no caso de
absolutamente restrita). Este foi o ponto extremo n que chegou o setor, sclor elétrico u legislação não alentou paru suas cspceilicidades. Neste
nocontexto de um regime uuloi ilário que na ocasião impunha asociedade caso, não é suficiente considerar os impactos ambientais no nível do
um programa nuclear absurdo. A partir daí, cm lodosos planos do setor estudo de viabilidade. Quando se chega ao estudo de viabilidade do
elétrico é inegável um cci Io progresso. Mas a mentalidade ainda é ade projeto, já se fez oinventário da bacia, identificando-se os sílios onde se
eventualmente ouvir a sociedade c fazer uma discussão, mas voltar ao devem colocar as centrais para oaproveitamento da energia daquela bacia
gabinete para elaborar c decidir uma alternativa. Então, se os índios não hidrográfica. E não se precisa esperar o final do estudo de viabilidade,
querem Babaquara, o sclor elétrico volta atrás c não vai mais construir após quatro anos de estudos, para se chegar à conclusão de que o sítio
Babaquara. Cinco centrais foram retiradas recentemente do Plano escolhido foi ao lado de umacachoeira sagrada indígena que será inun
Dcccnal (plano de obras do sclor elétrico) csubstituídas por outras obras. dada, comorecentemente aconteceu no Mato Grosso.
Mas isto continua a ser uma solução produzida no processo de Então, a participação da sociedade na identificação dos impactos
planejamento interno, fechado. Na verdade, o setor considera que sua ambientais lera que ser um processo, vindo não no final da audiência
missão égerar uma energia elétrica ao mínimo custo; sente-sc responsável pública, pontualmente, mas, ao contrário, a participação pública pode c
por isso c fornece essa solução para a sociedade. A questão é que a deve subsidiar a identificação das questões mais relevantes a serem es
sociedade talvez esteja modificando um pouco a missão que confere ao tudadas ao longo de todo ciclo do projeto, desde o início da fase de
setor elétrico. Não setrata apenas deobter energia elétrica aomenor custo inventário da bacia hidrográfica.
econômico, mas devem ser incluídas algumas restrições denatureza social
cecológica. Então, essa questão é fundamental. Epara enfrentá-la exige-
se, portanto, uma nova postura, uma postura "negociai". Isto significa que 9.0 apendizndo do planejamento sob condições de incerteza
a solução final do planejamento será não aquela proposta por um só ator
social, mas a que foi encontrada na mesa de negociações. Realmente, Éimportante lembrar, também, aquestão da incerteza. De um modo
passar da ótica de um planejamento fechado para um planejamento geral nas discussões em que houve participação popular na tomada de
negociai éum grande salto que está muito longe de ser dado nesse país. decisão, ouviram-se assertivas cabais, colocadas pelos grandes empreen
Existiria, porém, uma série de benefícios, não só para asociedade mas dedores, comuma certeza impressionante, dotipo: "Haverá racionamen
para opróprio setor elétrico, advindos da adoção dessa postura negociai. todeenergia elétrica, caso não construamos essas centrais." Será que isso
Isto facilitaria a aceitação social dos empreendimentos, ou seja, sebem é realmente verdade? Nessa participação popular justamente o que está
compreendido o interesse dos próprios empreendedores, passa por essa cm questão é se poder aprofundar as condições de incerteza cm que o
mudança de poslura. O problema é que hoje é difícil analisar se os planejamento é feito. No caso do sclor elétrico, anlcs mesmo da questão
empreendedores estão de ccrla forma jogando o jogo das restrições dos impactos ambientais c sociais, já prccxislcm várias incertezas no
ambientais apenas porque se tem uma situação de economia paralisada, planejamento. Inicialmente, como o sistema brasileiro é predominante
com um crescimento do mercado deenergia elétrica relativamente lento, mentehídrico, comaenergia hidrelétrica responsável por cerca de95por
e no caso de uma retomada rápida do crescimento todas as restrições cento do abastecimento do mercado, existe uma incerteza de natureza
ambientais c sociais serão varridas do mapa, ou se realmente há uma hidrológica. De ccrla forma essa incerteza pode ser contornada através
seriedade nesses propósitos. No caso brasileiro ainda há inlcrroganlcs de métodos estatísticos, séries históricas de vazão, uso de valores
sérios aesse respeito. De todo modo, é fundamental criar mecanismos da esperados de vazões, considerando sempre um período crítico (número
sociedade que sejam suficientemente fortes para fazer vingar essas de anos de pior desempenho das vazões dos rios) como um nível de
restrições. Para isso devem-sc levar cm consideração as várias etapas de
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o/l
O setor elétrico tradicionalmente assume a postura de atribuir a
segurança para aexpansão do sistema. Mas inclusive 6bom lembrar que responsabilidade de tais atrasos c do conseqüente encarccimcnto das
essa incerteza hidrológica está aumentando, no caso da Amazônia^ A obras aos Ministérios da área econômica. Mas tal incerteza financeira
rigor, osetor hidrelétrico, paradoxalmente, deveria ser omaior guardião deveria ser incorporada na metodologia de planejamento, pois aescassez
da floresta amazônica. Islo porque, cm função dos desmatamentos de recursos financeiros é um fator estrutural nesse país. As laxas de
verificados na floresta amazônica, poderemos ler problemas seríssimos poupança despencaram, cnão há como oblcr, sem aportes do BID cdo
nosetor elétrico. A diminuição da cvapolranspiração c da vazão dos rios, Banco Mundial, a quantidade de recursos necessários para executar o
com o assoreamento dos reservatórios c barragens c perdas maiores de Plano 2010. Nesse contexto, pode fazer mais sentido construir centrais não
água por infiltração, já começa ase verificar, devido ao desmatamento. do porte de 10 mil mcgawalts, mas de mil mcgawatts. Quanlo menor o
Assim, aincerteza hidrológica na Amazônia 6um problema que tende a prazo de construção das centrais, menor aincerteza, menores as dificul
se agravar. Mas essa éuma incerteza menor, que pode ser tratada estatis dades de seobter recursos financeiros emenor aprobabilidade de aobra
ticamente, em termos do planejamento macro do país como um todo. parar e os juros durante aconstrução explodirem.
Existem, porém, oulras incertezas, como a de mercado. O setor Hoje osclor finalmente conslilui um grupo de esludo de métodos de
elétrico planeja com base na previsão do mercado daqui a10-15 anos, pelo planejamento sob condições de incerteza. Eventualmente podem-se
menos. Isso acarrcla uma grande margem de incerteza sobre os mercados planejar alternativas de expansão do setor elétrico, selecionando
previstos, diante das dificuldades de antecipar aevolução do compor configurações de usinas que talvez não sejam ótimas, se ocorrer um
tamento da economia c também das tecnologias de produção e produtos. mercado "X" ouum mercado "Y", mas que não estejam tão longe assim
Por exemplo, eletrodomésticos brasileiros têm um consumo de energia do ótimo nemno mercado "X" nem no mercado "Y", ouseja, estratégias
elétrica muito superior ao da tecnologia mais moderna de não de otimização mas de minimização do risco utilizando estratégias
eletrodomésticos disponível a nível mundial. A adoção dessa tecnologia subótimas. Isso é uma tecnicalidade, diriam alguns. Mas mostra clara
no Brasil permitiria uma expansão dos aparelhos utilizados pela mente oseguinte: ostécnicos, na discussão, muitas vezes passam ccrlczas
população, sem anecessidade de nenhuma nova central hidrelétrica por que não correspondem ao nível de incerteza embutido no planejamento.
causa disso. Ou seja, lécnicas de conservação de energia, cm vários níveis, Evidentemente, quando se chega àintrodução da dimensão ambiental,
também podem influenciar o mercado. Basta lembrar dois exemplos do essas incertezas, como se viu, aumentam ainda mais.
passado para ver como essa incerteza desempenhou um papel relevante Então, na mesa de negociação devem estar presentes os participantes
no Brasil. Após adecisão de construir Ilaipu, adesaceleração econômica envolvidos (a população atingida e o setor clélrico), com uma postura
gerou uma disponibilidade de capacidade ociosa de geração de negociai abcrla sem partir de uma solução predeterminada. Em sínlcsc,
eletricidade, que teve de ser absorvida através de programas como a ninguém pode se arrogar o direito de decidir cm nome de Ioda a
clctrotcrmia, quando se vendeu energia elétrica por preço muilo abaixo população, o que, no fundo, pauta a questão central de nosso tema, a
de seu custo de produção. No sentido contrário, o racionamento a que questão democrática.
foram submetidas os regiões Sul cNordeste recentemente ilustra adificul
dade de equilibrar oferta c demanda nosetor.
Do lado da oferta, há uma grande incerteza, denatureza financeira: 10. Conclusões
grandes usinas tendem a apresentar, no papel, um quilowatt de preço
bastante baixo ecompetitivo; portanto, são privilegiadas no planejamento Élegítimo inlcrrogar-sc sobre aviabilidade política do atendimento
da expansão do setor. No entanto, quando vão ser construídas, os recursos atodos os requisitos colocados para ainserção da dimensão ambiental no
necessários, de grande magniludc, não estão disponíveis; as obras são planejamento do setor clélrico brasileiro. No interior do próprio sclor,
paralisadas no meio, e a parcela de juros durante aconstrução aumenta onde ograu de hclcrogcncidadc das percepções da questão ambiental é
significativamente. Basla ver oexemplo da usina de Porto Primavera, que elevado, as áreas de meio ambiente ainda têm influência apenas marginal
irá custar 3 mil c 400 dólares por quilowatt, quase o custo das centrais sobre as decisões de planejamento. Apesar dos inegáveis avanços no nível
nucleares. Isto porque aobra ficou paralisada durante muilo tempo. Com do discurso sobre o meio ambicnlc, a prática do setor nesse campo se
osatuais crilérios de planejamento, ela jamais seria construída hoje, com distancia consideravelmente das diretrizes emanadas dodepartamento de
esses custos, mas foi orçada a um custo muito inferior.
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Certamente poderíamos continuar citando outras mazelas de nossa
meioambiente da Elclrobrás, porexemplo. Mesmo essas diretrizes ainda política ambiental, porém as três limitações apontadas acima, além de
padecem de uma série de insuficiências, sobretudo na incorporação do figurarem entre as mais importantes, se rendem claramente no estudo do
público ao processo de avaliação de impactos ambientais e em sua caso do setor clélrico brasileiro, como vimos ao longo deste trabalho. Por
participação na tomada de decisões importantes para toda a sociedade, outro lado, as cspccificidades desse sclor são também de grande
dada a magnitude de seus impactos. relevância, exigindo da sociedade, ccm primeiro lugar dos órgãos ambien
Osprincipais avanços nosentido de uma inserção mais adequada da tais, uma atenção especial para aregulamentação adequada do processo
dimensão ambiental no planejamento do sc{or foram obtidos, graças a de avaliação de impados ambientais de seus empreendimentos.
pressões externas, oriundas de agências internacionais de financiamento Não se trata aqui de negar as conhecidas dificuldades de desenhar c
c provenientes daorganização das comunidades atingidas pela construção implantar mecanismos concretos de participação organizada da
de grandes barragens. Isso certamente nãoconfigura umaespecificidade sociedade no processo de avaliação de impados ambientais. Objetiva
do sclor elétrico, ocorrendo também nos demais setores da economia. mente, é dificil superar obstáculos, tais como o dcsnivclamcnto do co
Cabe aos órgãos ambientais, em primeiro lugar, exercer uma pressão nhecimento disponível cnlrc os grupos sociais participantes, cestabelecer
legítima sobre os agentes econômicos c sociais, no sentidoda observância os procedimentos c momentos de decisão, fixando os limites do poder
da legislação ambiental cmvigor, e também propor o aperfeiçoamento de dccisório c os foros competentes para arbitrar negociações. No entanto,
sua regulamentação de forma a facilitar o seu cumprimento. Assim, a tais dificuldades não justificam reticências quanto àabertura do processo
satisfação dos requisitos formulados neste trabalho depende ainda do dccisório. Na verdade, a hesitação diante desses obstáculos é
grau de sucesso atingido nasuperação das notórias limitações de política contraditória como reconhecimento danecessidade de repartir arespon
ambiental brasileira (Monosowski, 1989): sabilidade das decisões com a sociedade. Não existe solução técnica
a) A dissociação entre a estratégia de desenvolvimento e a política estabelecida "a priori" para esse tipo de problemas. Ecerto que caberá
ambiental: o meio ambiente é encarado como uma restrição ao desenvol ao Estado ainiciativa do processo, adotando uma pedagogia social ade
vimento, e nãocomo umade suasdimensões.Nesta concepçãoestreita de quada, porém oresultado final será fruto de uma prática, refletindo o
desenvolvimento, que freqüentemente o assimila ao crescimento aprendizado de ambas as parles.
econômico, a preservação ambiental aparece como um obstáculo, um Enfim, as formas de superar esses obstáculos certamente devem ser
objetivo conflitante, ou de todo modo um parâmetro marginal. Isto se estudadas com maior profundidade, assim como as modalidades con
reflete na constante falia de recursos para a área ambiental, na falta de cretas de articulação, cm lorno do foro de decisão final, dos repre
capacitação lécnica dos órgãos ambientais e cm sua fragilidade ins sentantes de dislinlos scgmcnlos sociais que devem ser envolvidos no
titucional, ou seja, na insuficiência dos meiosaplicados, em comparação processo de avaliação de impactos ambientais, salisfazcndo-sc os requi
com as atribuições definidasna legislação. sitos básicos para sua efetiva participação anteriormente mencionados:
b) A inadequação institucional do aparelho de Estado para tratar a acesso cm tempo hábil à informação disponível na forma adequada c
questão ambiental: o caráter setorial que sempre presidiu as políticas estabelecimento de um processo contínuo de participação pública desde
governamentais de gestão dos recursos naturais estimulou uma oinício do planejamento, dcnlrc outros. Entretanto, convém não esquecer
racionalidade corporativista c limitada, criando interesses contraditórios que aprática 6um laboratório hisubstiluível como fonte de inspiração
na disputapor recursos c poderentre os próprios órgãos de governo. para acriatividade social.
c) A pequena capacidade de controle da sociedade sobre o Estado:
as instituições não estão aparelhadas para garantir a transparência do
processo dccisório, acobertando o uso de critérios tecnocrálicos. Este
mecanismo beneficia claramente agentes sociais hegemônicos que
preferemevitara discussão dos custosambientais dos empreendimentos,
devido a seus interesses contraditórios com os das comunidades atingidas
por seus impactos, que se ressentem também de um nível de organização
aindaincipiente.

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* -í-

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Notas Referências bibliográficas

1. Cardoso, 1980, p. 20.Ainda segundoeste autor, foi P.Samuelson (1948), principal CARDOSO, F.H., Soàologie du Développement cn Amérique Latine,
mente, quem deu este caráter extremo â teoria neoclássica do comércio inter
Paris 1969.
nacional
2. Vsr C Ominami (1979), Como nota este autor, tal concepção nega qualquer CARDOSO, F.H., As Idéias e Seu Lugar. Ensaios sobre as Teorias do
especificidade histórica aumasituação de subdesenvolvimento, recusando um valor Desenvolvimento, Pclrópolis (Brasil), Ed. Vozes, 1980,163 p.
conceituai paraesta noção. CERON J.P., Baillon, J., avec Ia collaboralion de Baczko, M. et
3. Conforme a crílica de Sueli* (1971, n. \Vi) a esta obro, atribuindo tun giondo Znkr/cwski 1\, - La Société de 1'Ephcmtrc, 197«>, Prcsscs Univcr-
divulgado, apesar da |K>u<-a icccpllvidude que encontrouno meto acadêmico, ao silaircs deGrcnoblc etEditions dclaMaisondcs Science de lllommc
seu caráterde, propaganda ideológica enquantomanifestoanticomunista.
4. Citadopor P.Strassman (1976), p. 1437. (Paris). . <IXT
5.Ver Sachs (1971, p. 135), quecitaa contribuição de,entreoutros, F. Pcrroux (1948), Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente c Desenvolvimento, Nosso
I I.W.Singcr(1950) e, posteriormente, G. Myrdal (1956) e R. Nurkse(1961). Fuluro Comum", Ed.FGV, 1988. . .
6. Cardoso, 1980, p. 133.Ver também Ominami, 1979,p. 727.
7. A concepção evolucionisla era adotada por adeptos tanto do sistema social de
CUNHA, Sérgio H.F., "The Inscrlion oíaPolilical Dimcnsion ín Planmng
produção capitalista como do socialista: não só Roslow (como já vimos) mas lhe Electric Energy Scctor: thc Swcdish Expcricncc", in La Rovcrc,
também Stalin (ver S. llrucan, 1979) a ela aderiram. Emílio Lebre cRobcrt, Marcelo (cds.); "Energia cDesenvolvimento:
8. Eliminadosos exageros e as distorçõesdas proposiçõesde um "crescimentonulo" aPolítica Energética no Brasil", pp. 243-258, FINEP/PNUD/UNES-
("zerogrowth") e o calastrofismo nele implícito,ficou a necessidade de umapostura CO, Montevidéu, 1989. . A .
de respeitoaos"limites externos" (verB.Ward,1979), assim definidos: "Os'limites' DALLACOSTA, LuizAlencar;"Lulas,Vitórias cDesafios: aResistência
são o ponto, a partirdo qual um recurso nüo-rcnovávcl se esgota, ou um recurso
renovável ou um ecossistema perdemsuacapacidade de regenerasse... Para definir no Alto Uruguai", Travessia, Ano II, n. 6, São Paulo, jancuo-abrd,
o qualitativo'externo' háque precisar o contexto no qualsãoconsideradososlimites: 199°-
local, nacional, regional ou global" (Que Faire, 1975, p. 36). Evidentemente os Dcclaration deCocoyoc - adoptée par les parlicipanls au Symposium stir
"limites externos" não são dados"a priori", mas dependem da ação da sociedade "Les Modòlcs d'Utilisation dcs Rcssourccs: Stratégics pour 1'-
sobre a natureza,como mostrou W. Mallhcws (1976).
9.Na formulação de Sachs (1980, p. 132). Para aacepção do termo'convivialidade', ver Environncmcnt et lc Développement", organisé par lc PNUE et Ia
I. lllich (1973 a), que a definecomo"a liberdade individual realizada na relação de CNUCED, Cocoyoc Morclos (Mcxiquc), oclobrc 1974 (pubhéc aussi
produção, no interiorde uma sociedade dotada de instrumentos eficazes"(p. 28). par Developmcnt Dialogue, n. 2, Uppsala (Suédc), Foundaüon Dag
10. Evidentemente não existem tecnologias intrinsecamente "apropriadas". Para uma XHammarskjold, 1974). n
discussão do que deve serconsiderado "apropriado", ver A.K.N. Kcddy(1977), os FRIEDMAN, Milton - "Forcign Economics and Mcans and Objccüvcs ,
relatórios de duas reuniões promovidas pelo PNUMA (1975,1976) e F. Stewart
(1977). Note-se que este conceito é mais abrangente que o de "tecnologia YaleReview, Summcr, 1959.
intermediária", de EF. Schumacher (1973). FURTADO, Celso -Desenvolvimento eSubdesenvolvimento, 1961.
11.A modulação da durabilidade dos bens de consumoditos"duráveis" também pode FURTADO, Celso - Teoria ePolítica do Desenvolvimento, São Paulo, 1*
contribuir à preservação dosrecursos (verJ.P. Ccron etai.,1979).(12) Lembrando cd., 1967,5a cd. (revista e ampliada), 1975.
que"comoatecnologia apropriada, o recurso é umconceito relativo.Trata-se acima FURTADO, Celso - O Mito do Desenvolvimento Econômico, Rio de
de tudo do conhecimentoque uma civilização tem de seu meio" (Sachs,1980, p. 74).
12.Lembrandoque "como a tecnologia apropriada, o recurso é um conceitorelativo. Janeiro, Ed. Pazc Terra, 1974.
Trala-cc acima de tudo do conhecimento que uma civilização tem de seu meio" FURTADO, Celso - "El Dcsarrollo desde cl Punlo de Vista lntcrdis-
(Sachs, 1980,p. 74).
13. Ver os exemplos reportados pelo boletim Nouvetles de 1'Ecodevctoppemcnl.
ciplinar", Trimestre Econômico, vol. XLVI (1), n. 181, p. 5-33, México,
(Editadotrimestralmente peloCIRED.) janeiro a março, 1979.
14.Ver ainda a respeitoos dois ensaios de M. VVolfc (1977,1979) citados por Sunkcl GLAESER, Bernard; Vyasulu, Vinod - "Thc Obsolescence oi
(1979). Ecodcvclopmcnl?". Iluman Futures, vol. II, Aulumn, 1979, n. 3, p.
230-240.
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