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Formação Humana na

Sociedade da Informação
Núcleo de Educação a Distância
www.unigranrio.com.br
Rua Prof. José de Souza Herdy, 1.160
25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ

Reitor
Arody Cordeiro Herdy

Pró-Reitoria de Programas de Pós-Graduação Pró-Reitoria Administrativa e Comunitária


Nara Pires Carlos de Oliveira Varella

Pró-Reitoria de Programas de Graduação Núcleo de Educação a Distância (NEAD)


Lívia Maria Figueiredo Lacerda Márcia Loch

1ª Edição
Produção: Gerência de Desenho Educacional - NEAD Desenvolvimento do material: Marcio Simão de
Vasconcellos e Antonio Lucio Avellar Santos

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Sumário
Formação Humana na Sociedade da Informação
Para início de conversa… ................................................................... 04
Objetivos .......................................................................................... 05
1. Cibercultura e Educação: Novas Competências .......................... 06
2. Humanismo e Meio Ambiente ................................................ 20
Referências ........................................................................................ 33
Para início de conversa…
Desde a Revolução Industrial na Inglaterra, nos séculos XVIII e
XIX, os homens fundamentaram definitivamente as bases da racionalização
científica. Essa revolução, expressa no posicionamento do homem acima até
mesmo das diretrizes da igreja, transformou as relações sociais.

Em seus primeiros passos, a Revolução Industrial ainda dependia


de forma excessiva da força de trabalho braçal, do proletariado para o
desenvolvimento do processo que iria não só revolucionar a Europa, seu ponto
de partida, mas todo o mundo moderno. No entanto, a revolução também
revelou a ausência de moral cristã diante dos abusos cometidos para com
o proletariado dos países em que ocorreu. A história desse momento nos
revela o total descaso com as vidas dos trabalhadores em jornadas de trabalho
abusivas, sem leis de proteção, inclusive com casos de exploração de mão de
obra infantil.

Nesta Unidade de Aprendizagem, portanto, iremos observar tal


desenvolvimento, desde a Revolução Industrial, na Inglaterra, até o momento
atual, pós-industrial, que abalou inclusive a compreensão humana em suas
bases educacionais.

A crença absoluta no modo de produção tecnológico, como veremos,


desumaniza as relações sociais, dividindo injustamente as sociedades de padrão
econômico industrial. Os chamados tempos modernos se iniciam no final do
século XV, quando o sistema capitalista também já dá os seus primeiros sinais
de domínio nessas sociedades modernas. A Revolução Industrial, portanto,
é um aprimoramento desse padrão econômico, que acabou por dominar o
mundo moderno e pós-industrial em todas as suas relações entre os homens.

4 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


Objetivos
▪ Valorizar o uso das novas tecnologias para a difusão do conhecimento
e a otimização das práticas didático-pedagógicas.
▪ Avaliar a importância do meio ambiente a partir de uma perspectiva
humanista, bem como a inserção e necessidade de educação
ambiental nos espaços escolares e não escolares.

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 5


1. Cibercultura e Educação: Novas Competências
Após a Revolução Industrial na Europa, no final do século XVIII
e com grande desenvoltura no século XIX, a capacidade humana de criar
e recriar tecnologicamente, ainda que irresponsavelmente, por exemplo, no
saque à natureza, tem nos mostrado um desenvolvimento irrefreável desse
homem que domina os processos tecnológicos cada vez mais complexos e
universais.

As grandes nações, hoje fundamentadas nesse processo considerado


pós-industrial, na forma em que o capitalismo se mostra leve, não podem
prescindir de todo esse desenvolvimento que, numa palavra, pode ser definido
como cibercultural.

As relações comerciais dessas grandes nações que dominam atualmente


a economia mundial, deixando milhões de vidas humanas largadas à morte,
estão fundamentadas nesse processo tecnológico que modificou as culturas,
fazendo com que as relações sociais, principalmente a das classes mais
abastadas, se tornassem estruturadora do todo social.

Logo, as classes mais vulneráveis mundialmente estão fora desse


desenvolvimento tecnológico pós-industrial, pois são dependentes do acesso
à informação, viabilizado por meio do acesso à internet de boa qualidade,
por exemplo. Para isso, há uma grande necessidade de capital a ser investido
nesses cantões mais vulneráveis do mundo, a fim de estruturá-los, dando-lhes
acesso às informações necessárias às suas sobrevivências.

O sistema pós-industrial, excessivamente tecnológico, estruturou


as relações econômicas de tal modo que, desde as relações comerciais mais
simples, passando pelas mais complexas, há uma grande necessidade de
conexão entre as partes, em que os negócios são concretizados a partir de
uma relação virtual entre elas.

Os grandes Estados, as economias dominantes pós-industriais, não


desejam investir nos grupos sociais mais vulneráveis, pois há necessidade de
um grande investimento de capital, de preparação educacional, pedagógica,

6 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


para prepará-los para o novo modelo no mercado de trabalho, que exige uma
mão de obra especializada condizente com o momento histórico no qual
estamos vivendo.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em 2017, possui


inúmeras obras, muitas delas traduzidas para a língua portuguesa, em que
já pesquisava as alterações das relações sociais no que denominou como
“Modernidade Líquida”, (inclusive esse é o título de uma de suas obras).

Bauman faz nessa obra um revisionismo histórico-social de como a


Revolução Industrial alterou significamente as relações de trabalho no mundo
a partir da Europa. Um pequeno exemplo é a sua conceituação de capitalismo
pesado, que podemos observar logo a seguir.

O fordismo era a autoconsciência da sociedade moderna em sua


fase “pesada”, “volumosa”, ou “imóvel” e “enraizada”, “sólida”.
Nesse estágio de sua história conjunta, capital, administração
e trabalho estavam, para o bem e para o mal, condenados a ficar
juntos por muito tempo, talvez para sempre - amarrados pela
combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e força de
trabalho maciça. Para sobreviver, e principalmente para agir de
modo eficiente, tinham que “cavar”, desenhar fronteiras e marcá-las
com trincheiras e arame farpado, ao mesmo tempo em que faziam
a fortaleza suficientemente grande para abrigar todo o necessário
para resistir a um cerco prolongado, talvez sem perspectivas. O
capitalismo pesado era obcecado por volume e tamanho e, por isso,
também por fronteiras, fazendo-as firmes e impenetráveis. O gênio
de Henry Ford foi descobrir o modo de manter os defensores de sua
fortaleza industrial dentro dos muros - para guardá-los da tentação
de desertar ou mudar de lado. (BAUMAN, 2001, p.69)

O termo fordismo, utilizado por Bauman, é referente ao americano


Henry Ford (1863-1947), o primeiro magnata a implementar a linha de
montagem em série para a fabricação de seus automóveis.

(O termo “fordismo” foi utilizado pela primeira vez há muito tempo


por Antonio Gramsci e Henri de Man, mas, fiel aos hábitos da
coruja de Minerva de Hegel, foi redescoberto e trazido ao primeiro

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 7


plano e ao uso comum apenas quando o sol que brilhava sobre
as práticas fordistas começou a se pôr.) Na descrição retrospectiva
de Alain Lipietz, o fordismo foi, em seu apogeu, um modelo de
industrialização, de acumulação e de regulação. (BAUMAN, 2001,
p.67)

Esse controle absoluto do fordismo no Capitalismo Pesado, isto é, sobre


o proletariado, a mão de obra assalariada, pode ser também compreendido
pela expressão comum na história do Brasil de vila operária, termo que se
fixou por aqui a partir de um modelo de mercado da indústria têxtil em
alguns estados e municípios brasileiros.

Essas vilas concentravam, portanto, toda mão de obra especializada


próxima às fábricas. Assim como no modelo fordista americano, reproduzia-
se o modelo de controle sobre a vida dos trabalhadores. No entanto, controle
não somente nas relações contratuais entre patrão-empregado, mas também
capaz de afetar diretamente a noção de liberdade desse proletariado, que
literalmente não poderia repensar um modelo de vida fora desse molde
estruturante capitalista, o qual ordenava todo o comportamento dos grupos
sociais de trabalhadores.

Importante
Esse controle absoluto da força de trabalho nas indústrias foi chamado de panóptico no
Capitalismo Pesado. Era um modelo de vigilância total do patrão, do magnata sobre o
proletariado, porém não somente em meio à linha de produção, durante o expediente
de trabalho, indo além dos muros das fábricas, já que as vilas operárias estavam
estrategicamente situadas próximo ao local de trabalho.

Assim, o proletariado era facilmente controlado, dominado em todas


as suas atividades relacionadas à vida. Como força de trabalho necessária ao
modelo em voga, os trabalhadores foram alçados à posição de mera coisa
(coisificação), apenas uma parte da engrenagem de um sistema de produção
que não lhe dava o valor merecido.

8 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


A ideia do panóptico se desenvolve a partir da noção de que o patrão,
o magnata do momento histórico do Capitalismo Pesado, possuía total
observação de seus empregados integralmente. A vigilância era maior na linha
de produção, mas se expandia a todo o espaço geográfico que compunha as
instalações da fábrica.

O espaço geográfico da produção era estrategicamente pensado para


que os trabalhadores não pudessem se distrair em nenhum momento com
assuntos que não fossem tão somente do interesse da produção, do lucro do
magnata. Por isso, o ambiente gélido, sem alegria, o espaço da produção no
Capitalismo Pesado não dava abertura a nenhuma outra atividade que pudesse
trazer psicologicamente resultados satisfatórios à saúde dos empregados.

Curiosidade
Uma excelente dica cinematográfica é a conhecida obra, filmada em preto e branco,
do ator e diretor britânico Charles Chaplin (1889-1977), Tempos modernos, de 1936.
Nessa tragicomédia da vida real, é possível ver o modo de produção fordista em meio ao
Capitalismo Pesado. A mão de obra específica para determinada função, como peça de uma
engrenagem muito maior, indicava um modelo de produção que aprisionava o trabalhador,
não lhe dando possibilidades de escape, de repensar sua situação no mundo e buscar novos
rumos para sua vida.

Essa tática do Capitalismo Pesado, racionalizada, pedagogizada a fim


de forçar o trabalhador apenas a se especializar na atividade em que desenvolvia
dentro da fábrica, era uma força de trabalho contratada e preparada apenas
para o exercício de determinada função. Após um dia de trabalho exaustivo,
não havia forças para repensar a vida, nem opções no mercado de trabalho que
pudessem levá-lo a uma qualificação distante daquele modelo, nem ao menos
a força psicológica suficiente para quebrar tal estrutura. Era um ciclo viciante,
um binômio casa-trabalho, trabalho-casa e nada mais.

No Brasil, um indicativo interessante dessa forma de aprisionamento


trabalhista podia ser observado nas lutas dos sindicatos dos trabalhadores
na região industrial, o ABC paulista. As lutas por melhores condições
de trabalho demonstrava, em seu ápice no Brasil, nos anos de 1960, uma

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 9


articulação da classe trabalhadora a fim de garatir não somente melhores
salários, mas melhores condições, mais qualidade de vida aos operários das
indústrias da região.

O processo ditatorial brasileiro de 1964 a 1985 sufoca consideravelmente


as aspirações de melhores condições no ambiente de trabalho nas fábricas
brasileiras. Tais articulações entre patrões e empregados, melhor, sindicalistas,
são consideradas de corte político comunista, e assim se inicia, naquele
momento, uma perseguição aos principais líderes dessa classe trabalhadora
essencial ao desenvolvimento da economia brasileira.

No plano educacional, o regime ditatorial dava as diretrizes, segundo


as suas normas de compreensão para a educação brasileira naqueles anos de
chumbo. Assim, adota-se o plano de que a classe trabalhadora, o proletariado,
a grande massa, deveria somente estar apta a servir aos interesses da indústria.
Reafirma-se, assim, a estratégia dos dominantes, dos magnatas brasileiros
junto aos militares no poder, de preparar a classe trabalhadora a fim de que
ela fosse tão somente uma peça de uma grande máquina e que, a qualquer
momento, poderia ser substituída, desarticulando, pela opressão ditatorial
e pelo desemprego, qualquer tentativa de reclamação e de greve junto ao
empresariado.

O trabalhador brasileiro nos anos de chumbo estava limitado ao modelo


social do dominante vigente, que além de desarticular a classe a possíveis
estruturações e reivindicações no campo das ideias, enfraquecia, manipulava
o modelo educacional às massas, pressionando a classe trabalhadora a certo
tipo de educação que tinha a função de dar-lhe uma forma para o mercado
de trabalho.

Nesse sentido, as críticas ao modelo educacional vigente naquele


momento histórico brasileiro são iniciadas pela figura histórica do educador
Paulo Freire (1921-1997), que se fundamentava na conscientização do
proletariado a fim de promover a libertação do aprisionamento das ideias
promulgadas no modelo social e educacional do militarismo. Freire desejava
a articulação democrática numa possível reformulação do sistema educacional

10 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


destinado às massas. Portanto, desejava que o proletariado fosse consciente
da situação em que se encontrava e ainda se encontra nas sociedades
pós-industriais pelo mundo. O trabalhador, na concepção freiriana, tem
uma função dentro da história junto às massas: desenvolver habilidades
intelectuais, que não só o faça estar consciente do abuso praticado contra
ele; importava prepará-lo intelectualmente para que fosse um agente de
transformação social de si mesmo e do seu grupo.

A pedagogia freiriana preza pela conscientização das massas num


processo de ensino-aprendizagem mais profundo, pois o sistema é em si
mesmo opressor e age de forma disfarçada a partir dos seus controladores,
não permitindo perceber a manipulação criada historicamente no jogo
sócio-político-econômico. Essa pedagogia se faz subversiva a partir da
preparação e conscientização das mentes a fim de entender as políticas
controladoras que não chegam a atingir as classes, não só de trabalhadores
nas indústrias, mas os vulneráveis na sociedade, de maneira geral.

O plano educacional de Paulo Freire sempre indica o caminho da


liberdade, da transformação, destinado principalmente às pessoas mais
sofridas, fazendo-os compreender profundamente como se articula e se
desenvolve o controle social das massas a partir de certo modelo educacional.

Por isso que as ações freirianas extrapolam o simples processo de


ensino-aprendizagem, que poderia tão somente se basear na alfabetização de
milhares de pessoas do nosso país que ainda se encontram nas estatísticas
alarmantes de analfabetismo. É um fazer que ensina, mas que também
conscientiza o discente do seu ser no mundo, de suas responsabilidades diante
da transformação social pela educação libertadora.

A educação de Freire sempre foi planejada para o contexto dos mais


vulneráveis, na verdade seu projeto educacional nasce junto aos mais sofridos,
aos vulneráveis sociais do Brasil. Para tanto, sua educação libertadora exige
dedicação para que esses pudessem, além de aprender a ler e escrever, realizar
leituras e releituras dos processos históricos nos quais estavam envolvidos.

Para o ponto de vista crítico, que aqui defendemos, o ato de olhar


implica noutro: o de ad-mirar. Ad-miramos e, ao penetrarmos
no que foi admirado, o olhamos de dentro e daí de dentro aquilo

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 11


que nos faz ver. Na ingenuidade, que é uma forma “desarmada”
de enfrentamento da realidade, apenas olhamos e, porque não
admiramos, não podemos adentrar o que é olhado, não vendo
o que está sendo olhado. Por isso, é necessário que admiremos
a frase proposta para, olhando-a de dentro, reconhecê-la como
algo que jamais poderá ser reduzido ou rebaixado a um simples
clichê. A frase em discussão não é um conjunto de meros sons
com rótulo estático, “uma frase feita”. Como dissemos, envolve
uma tema significativo. Ela é, em si, um problema, um desafio.
Se apreciarmos a frase como um clichê, ficando na sua superfície,
provavelmente não faremos outra coisa que discutir sobre outros
clichês, que nos foram “depositados” ou, em outras palavras,
sobre conceitos temáticos que nos foram propostos como clichês.
Assim, um trabalho de análise crítica do texto proposto, que nos
permita a compreensão de seu contexto total, no qual se encontra
o tema desafiador, vai nos possibilitar outro trabalho fundamental:
a separação do contexto nas suas partes constitutivas. (FREIRE,
1979, p.44)

Portanto, o processo educacional libertador e transformador de Paulo


Freire intencionava conscientizar de maneira profunda as artimanhas que
nos foram “depositadas” na construção social da realidade, uma construção
humana racionalizada, articulada pelo dominante e que se apresenta de
maneira disfarçada para ser compreendida socialmente como um padrão social
perfeito e natural, mas que na verdade consiste numa ilusão, num alimento
preparado pelos dominantes a fim de entorpecer as massas de operários para
que acreditem que todo fato social é uma dinâmica natural, e não construída
como realmente são as formas de controle das massas na sociedade.

Atualmente, em nossa pós-modernidade, também rotulada de


sociedade pós-industrial, já não temos a forma do Capitalismo Pesado, a
vigilância e a manipulação da massa operária trabalhadora. Acontece de uma
outra forma, totalmente cibernética, de acordo com os avanços constantes da
cultura digital, o panóptico, que podemos entender como local estratégico
para controle absoluto das pessoas aprisionadas nos presídios ou mesmo em
nossa rotina de trabalho, conceito que foi aprimorado pelo filósofo Michel
Foucault (1926-1984), mas criado bem antes pelo jurista inglês Jeremy
Bentham (1748-1832).

12 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


O conceito de vigilância na sociedade pós-industrial é manifesto
dentro das relações humanas no ciberespaço, nas milhões de conexões diárias,
universais entre as pessoas pela grande rede. A vigilância dos empregados,
portanto, se aproveita dessas relações sociais, uma vez que a própria atividade
do labor se realiza por intermédio da grande rede.

Essa é uma vigilância que surge em meio às transformações do


capitalismo no mundo pós-industrial. Se todas as relações agora são “líquidas”
ou “gasosas”, em termos baumanianos, o amor, o erótico, o trabalho, etc.
são definidos em suas conexões virtuais. Assim, no mundo do trabalho, na
contratação e na dispensa do empregado, não há mais a necessidade de uma
relação mais próxima entre empregador-empregado.

Nesse sentido, toda relação mais humana entre as pessoas no mundo


do trabalho, se é que tal coisa algum dia realmente existiu em meio ao mundo
do capital, foi se esvaindo cada vez mais. O panóptico do Capitalismo Pesado,
com a contratação de vigilantes humanos nas grandes fábricas próximas às
vilas operárias, foi ressignificado para atender à demanda do mundo pós-
industrial.

No conceito de Bauman, toda operação de relações sociais do dia a


dia, o que envolve também o mundo do trabalho, está mais “leve”, mas isso
não significa que o mundo está caminhando para uma melhora significativa,
mais humana. As relações se mostram mais distantes, embora os sujeitos
sociais estejam mais conectados com outras realidades, junto a outras formas
de cultura.

O desemprego cresce mundialmente na era pós-industrial, pois as


máquinas estão tomando os espaços que antes eram ocupados por centenas
de funcionários. É só relembrarmos como operava a linha de produção do
segundo quarto do século XX numa fábrica como a da Ford, nos EUA.

O padrão inédito dessa produção fordista exigia um esforço de


milhares de operários envolvidos na construção daqueles veículos,
automóveis que estavam bem longe do sonho de consumo daqueles

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 13


trabalhadores, pois os salários eram parcos. Com o passar do tempo, já não
havia mais no mundo aquele grande número de funcionários nas grandes
montadoras automobilísticas e mesmo em outros setores da produção de
produtos em massa.

No Capitalismo Leve, o sentido da produção é facilitar todo o processo,


tornando-o mais “leve”, com menos funcionários, enxugando o quadro com
menos operários, porém especializados, a fim de que sejam operadores de
alguns equipamentos tecnologicamente sensíveis que ocuparam o lugar de
centenas de empregados.

Por isso, dispensar os funcionários é mais fácil, menos constrangedor e


menos humano. Bastam algumas poucas linhas já criadas na forma de um texto
padrão, enviado no e-mail da corporação à qual o empregado está ligado, para
que sua dispensa aconteça. Sem contato direto, sem causar constrangimento
ou vergonha ao empregador, aliás é bem possível que em inúmeras fábricas,
grandes escritórios, etc. nunca se saiba quem são funcionários que ocupam o
alto escalão de suas empresas.

Essas relações, características de um mundo imerso na era pós-


industrial, também foram alvo do pensamento do teólogo e filósofo brasileiro
Leonardo Boff, que já acompanhava o esfacelamento das relações humanas
dentro do ciberespaço. A percepção de Boff caminha ainda naquele conceito
mais antigo da “coisificação” do homem em todos os sentidos de sua vida,
portanto não só nas relações de trabalho, mas em todos os âmbitos da vida
humana.

Importante
A preocupação maior de Boff, em sua obra Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela
terra, reside no que se tornou o homem em meio ao sistema capitalista e seu constante
desenvolvimento no mundo. Um homem aquém das coisas simples da vida, de um contato
mais humanizado com o seu semelhante e com a terra, com o seu habitat a ser preservado
ao longo de toda a sua vida e que deveria ser cuidado para a sobrevivência das gerações
futuras.

14 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


Boff vê, então, a raça humana como insensível a essas questões,
praticamente de uma espiritualidade inócua, precária, que não se assume em
suas responsabilidades de preservar a vida dos seus semelhantes e da ecologia
planetária. Pior que isso, Boff vai nos revelar que esse homem cibernético
se transformou adquirindo o comportamento insensível das máquinas as
quais opera na dependência de um sistema de relações humanas totalmente
plástico, ou seja, os homens foram modelados para pior quando pensamos em
preservação, acolhimento, numa palavra: cuidado!

Boff vai trazer à baila o novo homem e seu comportamento neste tempo
pós-industrial, fazendo-nos perceber que o homem pós-moderno possui o seu
cuidado particular, mas é um cuidado e um acolhimento com as relações que
são efêmeras. Ele dirá: “Onde o cuidado aparece em nossa sociedade? Em algo
muito vulgar, quase ridículo, mas extremamente indicativo: no tamagotchi”
(BOFF, 1999, p.12).

Glossário
O tamagotchi foi um fenômeno de vendas no Brasil no fim dos anos 90. Criado no Japão, o
pequeno brinquedo eletrônico, que cabia na palma da mão, dava vida a uma criatura digital
que deveria ser cuidada constantemente para que não deixasse de existir virtualmente.
O interessante é que, em caso de “morte” do pequeno ser virtual, ele poderia ser
“ressuscitado” numa ação simples.

A grande crise de Boff, nesse sentido, foi perceber que, num mundo
de milhões de pessoas que mereceriam cuidados do seu semelhante em ações
favoráveis à melhora do padrão de vida dos desvalidos desse mundo, com
problemas morais causados por um sistema econômico opressor, preferia-se
dar importância a um brinquedo virtual, de modo que as pessoas procuravam
preservar a “vida” daquela criatura.

O tamagotchi é apenas um pequeno exemplo, literalmente, do que o


homem se tornou nesse mundo. Ter um tamagotchi dava trabalho, pois a todo
tempo era preciso vigilância constante para atender a todas as necessidades da
criatura virtual, a fim de mantê-la “viva”. Esse era o desafio do brinquedo,
preservar a vida de um ser virtual, portanto inanimado.

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 15


A percepção que temos é que o tamagotchi revelou uma sociedade
mundial que já caminhava na frieza das relações virtuais, em que o cuidado
com as coisas materiais é mais importante do que o cuidado e a preservação
das vidas, principalmente das vidas mais prejudicadas pelo sistema econômico.

O sociólogo suíço Jean Ziegler, que foi Relator Especial da Organização


das Nações Unidas (ONU) sobre o direito à alimentação, de 2000 a 2008,
traz diversos fatos que nos afetam emocionalmente ao lê-los sobre a crise
da fome no mundo. Sua obra Destruição em massa: geopolítica da fome, nos
apresenta uma análise sobre a fome, suas consequências e aponta que o
sistema econômico vigente, nas mãos de poucas potências mundiais, é o vilão
a ser derrotado.

Ziegler, em meio à sua obra, faz menção a um médico brasileiro,


conhecido mundialmente por seu discurso em sua luta contra a fome no
mundo: Josué Apolônio de Castro, nascido em 5 de setembro de 1908, no
Recife.

Através de sua obra científica, de sua visão profética e de sua


ação militante, ele marcou profundamente sua época. Derrotou a
lei da necessidade. Demonstrou que a fome derivava de políticas
conduzidas pelos homens e que ela poderia ser vencida, eliminada,
pelos homens. Nenhuma fatalidade preside o massacre. Trata-se de
pesquisar suas causas e combatê-las. (ZIEGLER, 2013, p.112)

Castro sabia das políticas públicas que foram postas em andamento


em meio à ditadura brasileira, um total descaso com as minorias, em que
muitos pereceram pela fome ou por doenças geradas durante esse período.
Um pequeno exemplo, dentre muitos que poderiam ser referidos aqui, foi a
situação encontrada no próprio Recife de Castro.

O oceano verde da cana-de-açúcar se mostra a poucos quilômetros


de Recife. O feijão, a mandioca, o trigo ou o arroz perderam a
terra vermelha do agreste. Como um círculo de ferro, os campos de
cana-de-açúcar cercam as aldeias, as vilas e as cidades. A cana é a

16 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


maldição do pobre - suas plantações impedem o cultivo de víveres.
Como consequência, ainda hoje, 85% dos alimentos consumidos em
Pernambuco são importados e a mortalidade infantil é a mais alta
do continente, atrás somente da registrada no Haiti. (ZIEGLER,
2013, p.113)

Esse pequeno e trágico exemplo se repete em quase todo o Brasil


quando pensamos na agricultura, mas também em outros países da América
Latina e em outros continentes, cujo sistema capitalista devorador não perdoa,
não se importando com as necessidades básicas das vidas humanas quando o
tema é o direito à alimentação básica.

Corroborando com as palavras de Josué de Castro citadas por Jean


Ziegler, a fatalidade da fome no mundo não é ocasionada por questões
naturais, como num processo de seleção natural darwiniano. A fome no
mundo e suas centenas de mortes diárias nos países mais pobres, seja na África,
na América Latina e em outros cantões do mundo, têm um responsável: a
ganância humana das grandes potências em acumular riquezas por meio do
agronegócio, de forma que insensivelmente atropela, eliminando milhões de
vidas, os mais vulneráveis no mundo.

O agronegócio é um grande exemplo das maravilhas que os avanços


tecnológicos podem trazer à dinâmica do trabalho no Capitalismo Leve. No
entanto, tais maravilhas do ciberuniverso só estão acessíveis aos grandes
investidores, aos dominantes dessa nova forma de produção, “líquida”, pós-
industrial, que assola cruelmente o pequeno produtor rural.

Por isso, as propagandas que apontam para o agronegócio rotulam essa


nova forma de exploração da terra e de consequente extermínio dos pequenos
povos, que dependem diretamente da terra, dignificando a novidade com os
rótulos de que o agro é “pop” e “tech”. Nada tão vazio e moldado a uma
sociedade insensível, em que importa mais a milhões de pessoas o cuidar mais
de um irrisório e constrangedor bem material, como o tamagotchi, do que
estender as mãos aos mais sofridos do mundo.

Claro que o tamagotchi é apenas a ponta de um iceberg, pois os bens


materiais, cada vez mais escassos quando pensamos nas milhões de vidas que
estão fora das fronteiras do Capitalismo Leve, são mais queridos e, portanto,

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 17


quando adquiridos para milhões às duras penas, são bem preservados, dando-
lhes os cuidados necessários à sua sobrevivência. Embora seja verdade que no
ritmo da evolução tecnológica alguns bens de consumo são descartáveis, a fim
de que o mercado seja alimentado constantemente, dando às grandes potências
econômicas condições de sobrevivência dentro do sistema. Um exemplo claro
disso é o mercado mundial de eletrônicos, liderado constantemente pelos
avanços quase que diários dos novos aparelhos de smartphones.

O grande desafio para uma educação de qualidade neste futuro


cibernético e sombrio para milhões de pessoas ao redor do mundo é dar a
esses desvalidos condições de acesso ao mundo virtual, pois não há como
voltar atrás em relação a todos os avanços tecnológicos que foram construídos
pela ação do homem no mundo.

Importante
É preciso, então, denunciar toda a prática que não se desenvolve para o bem em comum.
Como podemos ter tanta tecnologia no campo, no agronegócio e ainda encontrarmos tanta
fome e injustiças nesses povos mais vulneráveis? O desafio da educação para o futuro é
também conscientizar os vulneráveis que o mundo pode ser reconstruído pela ação ética do
cuidado para com as pessoas, mas também para a preservação e no cuidado com o planeta,
nesse habitat de bilhões de pessoas.

No entanto, só existirá mudança se houver denúncia e pressão por


parte dos vulneráveis, tornando-os, pela via da educação transformadora,
sujeitos sociais esclarecidos e conscientizados do seu papel no mundo como
agentes transformadores de uma sociedade mundial injusta para com os
marginalizados.

Os docentes, nesse mundo pós-industrial, não podem se furtar a ser


meros comunicadores de conteúdos manualísticos aos seus discentes, ou seja,
sem o necessário diálogo da pro-vocação entre docentes e discentes, a fim de
transformá-los em sujeitos sociais conscientes e conscientizadores das tramas
sociais da classe dominante. Não haverá a transformação necessária na busca
por uma sociedade mais justa, mais humana, com maior cuidado para com o
outro.

18 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


Na construção do saber para o futuro é necessário aprofundar o
conhecimento, abandonar o excessivo estudo dos clichês, das formas textuais
superficiais e, agora, tratá-los com a profundidade necessária, retirando das
profundezas do texto suas reais intenções de um discurso manipulador e
opressor destinado ao controle dos mais sofridos no mundo.

Terminamos esse tópico de estudo com as palavras de Leonardo Boff.


Na sequência, trataremos da temática que envolve o humanismo e as questões
do meio ambiente e da ecologia, ainda pensando no cuidado em tempos de
Capitalismo Leve, pós-industrial.

O que é o tamagotchi? É uma invenção japonesa dos inícios de


1997. Um chaveirinho eletrônico, com três botões abaixo da telinha
de cristal, que alberga dentro de si um bichinho de estimação
virtual. O bichinho tem fome, come, dorme, cresce, brinca, chora,
fica doente e pode morrer. Tudo depende do cuidado que recebe ou
não de seu dono ou dona. O tamagotchi dá muito trabalho. Como
uma criança, a todo momento deve ser cuidado; caso contrário
reclama com seu bip; se não for atendido, corre risco. E quem
é tão sem coração a ponto de deixar um bichinho de estimação
morrer? O brinquedo transformou-se numa mania e tem mudado
a rotina de muitas crianças, jovens e adultos que se empenham
em cuidar do tamagochi, dar-lhe de comer, deixá-lo descansar e
fazê-lo dormir. O cuidado faz até o milagre de ressuscitá-lo, caso
tenha morrido por falta de atenção e de cuidado. Bem disse um
perspicaz cronista carioca: “solidão, seu codinome é tamagotchi”.
O cuidado pelo bichinho de estimação virtual denuncia a solidão
em que vive o homem/a mulher da sociedade da comunicação
nascente. Mas anuncia também que, apesar da desumanização de
grande parte de nossa cultura, a essência humana não se perdeu.
Ela está aí na forma do cuidado, transferido para um aparelhinho
eletrônico, ao invés de ser investido nas pessoas concretas à nossa
volta: na vovó doente, num colega de escola deficiente físico, num
menino ou menina de rua, no velhinho que vende o pão matinal,
nos pobres e marginalizados de nossas cidades ou até mesmo num
bichinho vivo de estimação qual seja um hamster, um papagaio, um
gato ou um cachorro. O cuidado serve de crítica à nossa civilização
agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma
de convivialidade. (BOFF, 1999, p.13)

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 19


2. Humanismo e Meio Ambiente
O termo humanismo possui duas conceituações diferentes. Aqui,
nos interessa mais desenvolvermos sobre o segundo conceito, contudo
mencionaremos sua primeira vertente para fins de conhecimento e
desenvolvimento histórico nos conceitos formados sobre o termo Humanismo
em suas críticas ao pensamento medieval formulado pela igreja cristã.

Em sua primeira vertente, temos o Humanismo como desenvolvimento


literário e filosófico que nasce na Europa, especificamente na Itália, em meio
ao século XIV. Como a Europa foi o berço dos grandes desenvolvimentos, da
criatividade humana no mundo ocidental, logo a percepção humanista ligada
ao conhecimento literário e filosófico alcançou outros países do continente
europeu. Tal tendência intelectual deu origem ao que conhecemos como
Cultura Moderna.

Esse primeiro conceito de Humanismo revela sua ligação direta com o


movimento renascentista. “O Renascimento é o reconhecimento do valor do
homem em sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu mundo, que
é o da natureza e da história” (ABBAGNANO, 2007, p.602).

Como sabemos, o homem, em meio a tais movimentos, vai tomando


as rédeas, o controle do mundo, isto é, de toda coisa criada. Dentro da
percepção religiosa judaico-cristã, principalmente em meio ao segmentos
cristãos, o Humanismo se torna uma via de escape para homens das amarras
do controle da religião sobre os homens, embora a própria pluralidade dos
segmentos cristãos tiveram, em algum momento, que conhecer e até mesmo
dialogar com as principais mentes do Humanismo. Portanto, Renascimento
e Humanismo vão expandindo o seu controle, abrindo as fronteiras da
racionalização humana, dominando instituições sociais, dando forma às
relações humanas, mantendo distância dos rumos, das diretrizes tidas como
sagradas pelo poder da igreja cristã na compreensão da vida no mundo.

O Humanismo como propulsor da criação e desenvolvimento da


Cultura Moderna, portanto, vai dando novo rumos às relações sociais,

20 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


impondo sua forma de pensar sobre a vida em sociedade e sobre a natureza,
iniciando, assim, o controle sobre a sagrada criação antes estabelecida sobre
os mandos sagrados na concepção judaico-cristã.

Adiantando a temática sobre a importância da ecologia nesta unidade,


temos um pontapé inicial do homem como centro de todas as coisas em meio
ao Renascimento e ao Humanismo, uma liberdade nunca antes vista.

Nesse aspecto, a liberdade e o controle humano, diante da natureza


e sobre os homens, impulsionando-os a um certo tipo de pensamento
puramente racional, também dará início, com efeitos em longo prazo,
sentidos hoje, à autodestruição humana quando observamos as condições
ecológicas em que se encontra o planeta terra, sofrendo os efeitos iniciados
com a grande Revolução Industrial, com seus constantes saques à natureza e
sem as devidas responsabilidades das grandes potências industriais no mundo
com as temáticas ecológicas desenvolvidas.

Nesse sentido, observamos uma elaboração, talvez preocupação, já


na segunda metade do século XIX, com impactos que estariam motivando
o desenvolvimento da Revolução Industrial na Europa e alcançando outras
partes do mundo por meio das navegações.

As bases fundamentais desse primeiro desenvolvimento Humanista


a partir do século XIV confirma o que foi dito anteriormente, uma ação dos
homens sobre o mundo num processo que se confirmará descontrolado em
longo prazo, ainda que fosse uma ação do pensamento humano criado sobre
as bases do racionalismo. Segue um breve resumo de algumas diretrizes do
pensamento Humanista naquele momento histórico do movimento iniciado
no século XIV:

1ª Reconhecimento da totalidade do homem como ser formado


de alma e corpo e destinado a viver no mundo e a dominá-lo. O
currículum de estudos medievais era elaborado para um anjo ou uma
alma desencarnada. O H. reivindica para o homem o valor do prazer
[...]; afirma a importância do estudo da leis, da medicina e da ética
contra a metafísica [...]; nega a superioridade da vida contemplativa
sobre a vida ativa [...]; exalta a dignidade e a liberdade do homem,
reconhece seu lugar central na natureza e o seu destino e dominador
desta [...]. (ABBAGNANO, 2007, p.602)

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 21


Percebe-se que o Humanismo, em seus primeiros passos a fim de
se estruturar como forma de pensar a vida e sua relação com o mundo às
portas do movimento histórico Moderno, ia de encontro com os mandos e
desmandos da igreja-mãe, que naquele período no mundo Ocidental foi a
Igreja Católica Apostólica Romana.

Há uma repulsa a toda a forma de conhecimento curricular medieval,


ou seja, aos dogmas e formulações teológicas concebidos ao longo da Idade
Média e que estruturavam a sociedade europeia no longo período medieval.
Há uma atenção direcionada ao valor das formas de prazer do homem no
mundo aliado à emancipação do pensamento contra todo exercício religioso,
contemplativo, tido como superior segundo a instrução religiosa daquele
momento. A vida ativa deve tomar as rédeas da igreja sobre o controle do
mundo e das atividades humanas, concedendo-lhe, inclusive, controle
absoluto da natureza.

O Humanismo, em seus primeiros movimentos no século XIV, já


concede uma grande abertura ao racionalismo, ao domínio humano sobre
a natureza, mas não estipula um domínio reponsável sobre aquela, apenas
indica seu uso em benefício de si mesmo, da humanidade.

Tais diretrizes do Humanismo na Europa nos fazem refletir sobre


o porquê de esse continente ter sido o berço da Revolução Industrial mais
à frente na história, uma vez que os homens decretaram sua liberdade das
amarras medievais da igreja. Para aquela, somente lhe restava conhecer
as intenções daquele Humanismo e recriminá-lo como desestruturador
social, de um mundo criado por Deus, segundo sua concepção teológica
judaico-cristã.

Mas o Humanismo ainda não cessaria suas críticas diretas e indiretas


à Igreja Medieval e seu curriculum.

2º Reconhecimento da historicidade do homem, dos vínculos do


homem com o seu passado, que, por um lado, servem para uni-lo
a esse passado e, por outro, para distingui-lo dele. Desse ponto de
vista, é a parte fundamental do H. a exigência filológica, que não é
apenas a necessidade de descobrir os textos antigos e restituir-lhes a
forma autêntica estudando e colecionando os códices, mas também

22 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


é a necessidade de encontrar neles o autêntico significado de poesia
ou de verdade filosófica ou religiosa que contenham. A admiração
pela Antiguidade e seu estudo nunca faltaram na Idade Média; o
que caracteriza o H. é a exigência de descobrir a verdadeira cara
da Antiguidade, libertando dos sedimentos acumulados durante a
Idade Média. (ABBAGNANO, 2007, p.602)

Se pensarmos sobre as categorias das formas educacionais no


período da Idade Média, temos um processo de depósitos de conhecimentos
estipulados ainda pela potência dominadora da Igreja Católica e uma
educação, como diria Freire no século XX, “bancária”, que visava à
formatação do indivíduo numa formação de acúmulos de conhecimentos,
mas sem críticas às formas de conhecimento do período. Estava vedado aos
privilegiados discentes da Idade Média os questionamentos, os porquês das
coisas da vida, portanto discentes que futuramente não poderiam tomar
suas decisões para a reconstrução e transformação social dentro do seu
presente histórico e cultural, longe das determinações da igreja-mãe e de
sua influência no processo pedagógico medieval.

Diria Paulo Freire no século XX a respeito do problema da educação no


Brasil e no mundo, em que podemos fazer um paralelo com a forte tendência
conservadora da educação na Idade Média:

As considerações ou reflexões até agora feitas vêm sendo


desdobramentos de um primeiro saber inicialmente apontado como
necessário à formação docente, numa perspectiva progressista. Saber
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em
uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à
curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico
e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e
não a de transferir conhecimento. (FREIRE, 1996, p.47)

Portanto, o Humanismo também pode ser compreendido como


movimento fomentador ao longo da História da Educação, que forneceu as
bases futuras de um possível modelo educacional de docentes inquiridores,

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 23


questionadores da formação de suas realidades estruturais dentro da sociedade,
e não somente isso, docentes que deveriam expandir tal compreensão do
método educacional com bases progressistas aos seus discentes.

Importante
O Humanismo desejava compreender a História humana a partir das novas diretrizes
educacionais nascentes dentro do movimento. Portanto, a historicidade não deveria estar
apenas nas mãos de alguns poucos intelectuais, mas aberta às novas formas de interpretação
do passado, construindo um futuro em diálogo com as formas de pensar mais antigas dentro
das variedades culturais naquele mundo conhecido.

Até aquele momento de expressivo domínio da religião cristã na Idade


Média, havia um modelo de intelectualidade, partindo do conhecimento
teológico válido para todo o mundo medieval europeu. Nessas edificações
da Idade Média, nos mosteiros, longe das distrações urbanísticas, não eram
somente praticadas as atividades da vida contemplativa, mas também as
práticas concernentes ao conhecimento, como Filosofia e Teologia.

Quando as primeiras universidades surgem na Europa Medieval, essas


instituições são construídas pela igreja dominante, mas não num aspecto
filantrópico, de caridade e humanidade com o diálogo junto ao pensamento do
outro diferente. Objetivavam dar prosseguimento a um modelo educacional
com fins universais. A igreja buscava, nesse sentido, reafirmar e expandir seu
controle da vida e do mundo em sua compreensão do que seria a educação
tomada como perfeita para os homens.

O Humanismo entendia a si mesmo como movimento libertador


também em relação à leitura, tradução e interpretação de documentos,
religiosos ou não, de outros padrões culturais, não só em seu próprio
continente, mas visando ao recente mundo conhecido, isto é, além de suas
fronteiras.

Após observarmos alguns principais pontos do Humanismo em seu


surgimento a partir do século XIV, vamos prosseguir com o seu conhecimento
em sua outra face, que se afasta bem das teorias aqui apresentadas.

24 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


Temos, portanto, uma percepção do Humanismo concebida junto
ao saber filosófico. Nesse sentido, observaremos seus novos conceitos em
meio a grandes nomes da filosofia mundial no século XX, dando ao termo
Humanismo uma pluralidade, no sentido de que a partir da crítica filosófica
sobre ele, novos Humanismo(s) surgirão no mundo em parceria com
movimentos históricos sociais.

O Humanismo, então, a partir do século XIX e, principalmente, no


decorrer do século XX, será o leitmotiv, a ideia, a fórmula que expressará
as preocupações com os rumos da sociedade estruturada nos moldes da
racionalização do pensamento tradicional.

Pode-se dizer que o H. é toda filosofia que tome o homem como


“medida das coisas”, segundo antigas palavras de Protágoras.
Exatamente nesse sentido, e com referência à frase de Protágoras,
F. C. S. Schiller deu o nome de H. ao seu pragmatismo (Studies in
Humanism, 1902). Foi com o mesmo sentido que Heidegger entendeu
o H., mas para rejeitá-lo; viu nele a tendência filosófica a tomar o
homem como medida do ser e a subordinar o ser ao homem, em vez
de subordinar, como deveria, o homem ao ser, e a ver no homem
“apenas o pastor do ser” (Holzwege, 1950, pp. 101-02). Referindo-
se a um sentido análogo, Sartre aceitou a qualificação e H. para o
seu existencialismo (L’existencialisme est un humanisme, 1949). Em
sentido mais geral, pode-se entender por H. qualquer tendência
filosófica que leve em consideração as possibilidades e, portanto,
as limitações do homem, e que, com base nisso, redimensione
os problemas filosóficos. No léxico filosófico atual fala-se de H.
a propósito: a) das doutrinas que vêem no homem - e não fora
do homem - o centro da realidade e do saber; b) das teorias que
visam salvaguardar a “dignidade” do homem diante das forças que
a ameaçam (nesta acepção, costuma-se falar em H. existencialista,
cristão, marxista etc.). (ABBAGNANO, 2007, p.603)

Como podemos observar, o conceito de Humanismo no século XX


ganha uma maior densidade filosófica, inclusive com os filósofos fazendo
inúmeras críticas a pensadores contemporâneos.

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 25


Heidegger (1889-1976) critica a compreensão de Schiller (1864-1937)
e estende a compreensão que este possuía em seu conceito sobre Humanismo.
Para Heidegger, o homem não deve ser a medida de todas as coisas, como no
pensamento de Schiller, mas deve dar lugar ao ser e às suas possibilidades no
mundo.

Para Heidegger, o homem e, em seu sentido mais amplo, a humanidade,


deveria dar lugar aos chamados do seu ser, para utilizar uma expressão
heideggeriana, do “ser no mundo”, sendo portanto, um ser potencializado
em todas as suas capacidades intelectuais e culturais para uma possível
transformação da realidade. Esse ser, com anseios e responsabilidades, deve
agir no mundo, sujeitando ou subordinando o homem.

Para Heidegger, “ser” e “homem” são categorias distintas dentro


do seu pensamento filosófico. Podemos entender parte do seu pensamento
filosófico sobre o ser e o homem, bem complexa por sinal, a partir do dado
que a categoria homem, ao longo da continuidade histórica, é permanente,
isto é, o homem sempre esteve no mundo e continuará existindo, de certa
forma.

Contudo, o ser é uma categoria subjetiva que envolve suas


responsabilidades de transformação e reconstrução no mundo, por
suas potencialidades adquiridas socialmente, portanto definidas por seu
comportamento, intelectualidade, etc., ou seja, todos os costumes sociais
adquiridos culturalmente no espaço e o tempo.

Por fim, o Humanismo, em suas formulações filosóficas ao longo


do século XX, envolve tudo aquilo que se refere à racionalização humana
dentro da história, ou seja, mais uma vez, em pleno século XX, há um total
distanciamento da noção religiosa que compreende o homem como criador
de valores sociais a partir de uma espiritualidade recebida pelo sagrado.

A intenção filosófica desse período é chamar a atenção do ser para


suas responsabilidades dentro da história, em suas respectivas construções e
reconstruções na condução do mundo. Evidente que a religião dialogou com
tal percepção e ainda produz as suas análises, mas não é o nosso interesse aqui.

26 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


Então, o ser no mundo, em sua história, dentro de suas bases culturais,
é responsável dentro dessa perspectiva Humanista por realizar, por trazer
dignidade aos seus semelhantes, tornando-se resistência a todas as forças
sociais que o ameaçam, assim como aos seus semelhantes, a humanidade.

Logo, não há no Humanismo uma discussão em que se compreende,


por exemplo, as duas grandes guerras mundiais como uma condição histórica
orientada pelo sagrado. Portanto, todas as catástrofes de âmbito mundial,
fome, miséria, guerras, doenças, etc. não são causalidades do mundo espiritual,
mas tramas humanas, possibilitadas pela liberdade e potencialidade do ser
no mundo. Diante disso, o ser deve ser responsabilizado pelos danos que
causa, desde a falta de dignidade aos seus semelhantes até os crimes cometidos
contra a natureza.

Cuidado todo especial merece nosso planeta Terra. Temos


unicamente ele para viver e morar. É um sistema de sistemas e
superorganismos de complexo equilíbrio, urdido ao longo de
milhões e milhões de anos. Por causa do assalto predador do
processo industrialista dos últimos séculos esse equilíbrio está
prestes a romper-se em cadeia. Desde o começo da industrialização
no século XVIII, a população mundial cresceu 8 vezes, consumindo
mais e mais recursos naturais; somente a produção, baseada na
exploração da natureza, cresceu mais de cem vezes. O agravamento
deste quadro com a mundialização do acelerado processo produtivo
faz aumentar a ameaça e, consequentemente, a necessidade de um
cuidado especial com o futuro da Terra. (BOFF, 1999, p.133)

O planeta Terra não suporta mais os constantes assaltos feitos a ele


desde a Revolução Industrial. São três séculos de abusos cometidos contra a
natureza e, ao que tudo indica, teremos mais um século de atrocidades no
qual as grandes potências industriais liderarão os danos ao nosso planeta.

Toda alteração ao meio ambiente, os sucessivos saques à natureza,


reverberam sobre as vidas humanas e, nesse aspecto, os mais vulneráveis são
os primeiros a sofrerem as causas dessa ganância representada pelos países
mais desenvolvidos no mundo.

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 27


Então, a temática da ecologia, mais do que antes, é fundamental em
nosso tempo e para as gerações futuras. É preciso, portanto, um programa de
alfabetização mundial, uma cartilha em que se apresentem algumas noções
de cuidado com o planeta, a fim de assegurar que nossa casa em comum não
entre num colapso irreversível. É preciso desenvolver uma ética do cuidado, a
se iniciar por obrigações impostas às grandes nações que consomem além de
suas necessidades básicas. Esse quadro é bem comum nos países do primeiro
mundo, nos quais o ato de consumir além do necessário para vida se tornou
uma patologia e, além disso, o consumo excessivo de alimentos, por exemplo,
deixa milhões de necessitados sem o básico para comer nos países mais pobres.

O consumo é alimentado pelo mercado econômico, que usufrui desse


comportamento vicioso de desejar cada vez mais, ainda que não se encontrem
justificativas razoáveis para tal comportamento humano. O consumo de
bens materiais pode ser estabelecido nas necessidades humanas básicas à
sobrevivência, roupas, calçados, alimentos, etc. Toda a humanidade necessita
desses bens. O grande problema, portanto, está no consumo exagerado desses
itens, o que afeta diretamente as populações mais vulneráveis no mundo.

O mercado econômico, portanto, se beneficia desses bens de consumo


utilizados de forma abusiva pelas nações de primeiro mundo, as quais também
obtêm o controle tanto do mercado interno da voracidade de consumo da
sua própria população como do mercado externo, com a exportação desses
bens a outros países consumidores. Nesse sentido, a ética capitalista fortalece
o consumo desses bens materiais nos países que podem pagar por eles, e
quanto mais esses povos vierem a consumir tais bens de maneira desordenada,
melhor será para a manutenção do sistema.

Na outra ponta estão as nações mais sofridas, já que de um lado


do planeta estão as nações que consomem desordenadamente, como uma
patologia do consumo, e do outro, as nações que sofrem, que sequer podem
consumir os seus bens necessários a uma vivência digna, porque lhes foram
vedados.

O direito à alimentação é o direito a ter acesso regular, permanente


e livre, diretamente ou por meio de compras monetárias, a um
alimento qualitativo e quantitativamente adequado e suficiente,
que corresponda às tradições culturais do povo de que é originário

28 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


o consumidor e que lhe assegure uma vida psíquica e física,
individual e coletiva, livre de angústia, satisfatória e digna.
(ZIEGLER, 2013, p.31)

Jean Ziegler dirá que “dentre todos os direitos humanos, o direito à


alimentação é, seguramente, o mais constante e mais maciçamente violado
em nosso planeta. A fome assemelha-se ao crime organizado” (ZIEGLER,
2013, p.31).

Incansável em suas pesquisas de campo em relação à criação da fome


no mundo como elemento do ser egoísta em seu potencial de fazer o bem, mas
de grande tendência à exploração do outro em situação de vulnerabilidade,
deixando-o sem acesso a um sistema de educação de qualidade, sem alimento,
moradia e sem um sistema de saúde inclusivo, Ziegler vai citar o livro do
Eclesiástico, encontrado nas Bíblias católicas. O autor aprofunda, assim,
sua temática, a crítica da responsabilidade das nações mais ricas do mundo
causadoras da morte de milhões de pessoas que se encontram em tal situação,
grande parte delas inclusive sem o acesso às muitas Organizações Não
Governamentais (ONGs), pois elas não conseguem estruturar suas bases em
todos os espaços geográficos das nações que mais sofrem diante desse crime
organizado.

Lê-se no Eclesiástico: “Escasso alimento é o sustento do pobre,


quem dele o priva é homem sanguinário. Mata o próximo o que lhe
tira o sustento, derrama sangue o que priva do salário o jornaleiro.”
[Eclesiástico 34,25-27, in Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus,
2012). Pois bem: segundo as estimativas da Organização das Nações
Unidas para Alimentação e a Agricultura, a FAO, o número de
pessoas grave e permanentemente subalimentadas no planeta
chegava, em 2010, a 925 milhões, frente aos 1.023 milhões em
2009. Assim, quase um bilhão de seres humanos, dentre os 6,7
bilhões que vivem no planeta, padecem de fome permanentemente.
(ZIEGLER, 2013, p.31-32)

Vejamos um exemplo de como a questão do crime organizado funciona


no que diz respeito à fome.

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 29


O Haiti é hoje o país mais miserável da América Latina e o
terceiro país mais pobre do mundo. Ali, o alimento de base é o
arroz. Ora, no início dos anos 1980, o Haiti era autossuficiente
em arroz. Trabalhando sobre planaltos ou nas planícies úmidas,
os camponeses autóctones estavam protegidos do dumping [ação
de pôr à venda produtos com preços inferiores ao do mercado]
estrangeiro por um muro invisível: uma tarifa aduaneira de 30%
incidia sobre o arroz importado. Durante os anos 1980, porém,
o Haiti passou por dois planos de ajustamento estrutural. Sob o
diktat do FMI, a tarifa protetora foi reduzida de 30% para 3%.
Fortemente subsidiado por Washington, o arroz norte-americano
invadiu então as cidades e aldeias haitianas, destruiu a produção
nacional e, por consequência, as condições de vida de centenas de
milhares de rizicultores. (ZIEGLER, 2013, p.174-175)

Perceba a voracidade capitalista da impiedosa nação cristã americana,


que, no caso do Haiti, fez com que milhões de vidas permaneçam na extrema
pobreza, centenas morrendo e tantos outros vivendo à beira da morte.

Entre 1985 e 2004, as importações haitianas de arroz -


essencialmente norte-americano, cuja produção é largamente
subsidiada pelo governo - saltaram de 15.000 a 350.000 toneladas
por ano. Simultaneamente, a produção local de arroz desabou: caiu
de 124.000 para 73.000 toneladas. Desde inícios dos anos 2000, o
governo haitiano teve de gastar um pouco mais de 80% dos seus
escassos recursos para pagar suas importações de alimentos. E a
destruição da rizicultura provocou um êxodo rural em massa, com
o superpovoamento de Porto Príncipe e de outras grandes cidades
do país, acarretando a desintegração dos serviços públicos. Logo a
sociedade haitiana se via abalada se viu abalada, debilitada e mais
vulnerável que antes sob o efeito dessa política neoliberal. E o Haiti
tornou-se um Estado mendicante, submetido à lei do estrangeiro.
Golpes de Estado e crises sociais sucederam-se ao longo dos últimos
vinte anos. Em tempos normais, os nove milhões de haitianos
consomem 320.000 toneladas de arroz por ano. Quando, em 2008,
os preços mundiais triplicaram, o governo não pôde mais realizar
importações suficientes. Então a fome sitiou a Cidade do Sol [uma
das maiores favelas da América Latina, situada ao pé da colina de
Porto Príncipe à beira do Caribe]. (ZIEGLER, 2013, p.175)

30 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


O Haiti não é o único caso de um país que sofre com as especulações
e a voracidade do capitalismo assassino liderado pelos Estados Unidos no
mundo, junto às suas instituições econômicas, como o Fundo Monetário
Internacional (FMI). A atrocidade é repetida em outras partes do mundo,
já que a fome assola milhões de pessoas constantemente, cujos países foram
submetidos a essa força do mercado aliada certamente com casos de corrupção.

O mais cruel no caso haitiano é que, em relação a outras nações no


mundo, apresenta um povo relativamente pequeno, 9 milhões de pessoas
que, em vez de receberem incentivos, cuidados, acolhimentos das nações
mais ricas, são justamente explorados por essas potências econômicas, que
levam a população haitiana ao caos absoluto, como nos mostram os sucessivos
combates civis ocasionados pela falta de seguridade social, por políticas sociais
de cuidado para com esse povo.

Como a cultura alimentar haitiana é maciçamente dependente da


cultura do arroz, isto é, da prática da rizicultura, os americanos resolveram
atingir justamente o núcleo, o bem material alimentar mais fundamental à
sobrevivência dos haitianos, a fim de que o seu interesse voraz por grandes
lucros pudesse ser concretizado.

A Organização das Nações Unidas (ONU), que ironicamente


possui sua sede principal na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos,
estabeleceu algumas diretrizes que envolvem o cuidado com o planeta Terra
e, consequentemente, com as pessoas mais vulneráveis, em situação de
desespero, sem o mínimo de dignidade para sua sobrevivência. É com esse
texto que terminamos o segundo tópico de nossa unidade.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNU-MA),


o Fundo Mundial para Natureza (WWF) e a União Internacional
para a Conservação da Natureza (UICN) elaboraram uma estratégia
minuciosa para o futuro da vida sob o título: “Cuidando do planeta
Terra” (Caring for the Earth 1991). Aí estabelecem nove princípios
de sustentabilidade da Terra. Protejam uma estratégia global
fundamentada no cuidado:

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 31


1. Construir uma sociedade sustentável.
2. Respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos.
3. Melhorar a qualidade da vida humana.
4. Conservar a vitalidade e a diversidade do planeta Terra.
5. Permanecer nos limites da capacidade de suporte do
planeta Terra.
6. Modificar atitudes e práticas pessoais.
7. Permitir que as comunidades cuidem de seu próprio
meio-ambiente.
8. Gerar uma estrutura nacional para integrar desenvolvimento
e conservação.
9. Constituir uma aliança global. (BOFF, 1999, p.134-135)

Nessa Unidade de Aprendizagem, procuramos abordar as alterações


causadas pelo mundo Moderno a partir da Revolução Industrial, que teve
como berço a Europa.

Observamos que a grande revolução alterou profundamente o modelo


de vida de outras nações, não somente no continente europeu, mas também
em todo o mundo, por meio de sua expansão para outros continentes.

Estudamos que os avanços tecnológicos, com o passar do tempo


histórico, foram benéficos para algumas nações, as mais ricas, e que milhões
de pessoas no mundo ainda sentem os malefícios da concentração do capital
apenas nessas potências industriais, sem contar os danos irreparáveis com o
planeta Terra em seu sistema ecológico tragicamente afetado.

Nesse sentido, a resposta a todos esses males está no modelo


educacional para o futuro, que busca democraticamente dar acesso a todos, a
fim de lhes mostrar de forma clara esses malefícios causados desde a revolução
às pessoas e ao planeta, por intermédio do diálogo constante com as formas
plurais de Humanismo.

32 Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas


Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007.

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano: compaixão pela terra. Petrópolis-


RJ: Vozes, 1999.

FREIRE, P. Educação e mudança. 26 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


28 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

ZIEGLER, J. Geopolítica da fome: destruição em massa: São Paulo: Cortez,


2013.

Conteúdos e Metodologias do Ensino de Ciências Humanas 33

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