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CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO
UNIDADE 01
10 UNIDADE 02
50
AS ORIGENS DA PRINCIPAIS ESCOLAS
SOCIOLOGIA, E CONCEITOS DAS
ANTROPOLOGIA, CIÊNCIAS SOCIAIS
CIÊNCIA POLÍTICA,
FILOSOFIA E
HISTÓRIA

UNIDADE 03
104 UNIDADE 04
146
PRINCIPAIS ESCOLAS A RELIGIÃO NAS
E CONCEITOS DAS CIÊNCIAS
CIÊNCIAS HUMANAS HUMANAS
– FILOSOFIA E E SOCIAIS
HISTÓRIA

UNIDADE 05
175 FECHAMENTO
209
FORMAS DE CONCLUSÃO GERAL
ORGANIZAÇÃO
DA SOCIEDADE
E DILEMAS ATUAIS
UNICESUMAR
conecte-se

Você sabe para que serve o estudo da Sociologia? Acesse o QR Code e descubra!

Acordamos cedo, vamos ao trabalho, à escola ou à faculdade, porque, de ante-


mão, essas instituições já existiam. Isso independe da sua vontade. Caso queira
adequar-se aos parâmetros atuais da sociedade, será a sua atividade, mesmo que
você não queira. Por que trabalhar? Por que estudar? Por que o trabalho está assim
deinido para nós? Poderia ser de outra forma? E o estudo? Essa coniguração
da educação como padrão pré-conigurado em escolas e universidades é a mais
adequada para os dias de hoje? Todas essas perguntas e buscas por respostas e
explicações são objetos de estudo da Sociologia.

Figura 1 - Crianças indo à escola

A Sociologia, portanto, é a ciência que estuda o comportamento social das pes-


soas, dos grupos, e da organização das sociedades. Nessa dinâmica, o sociólogo
busca compreender o ser humano em seu contexto social especíico, suas inter-
ferências nesse local social e, ao mesmo tempo, veriica e analisa de que forma a
sociedade, como estrutura dinâmica, inluencia e molda o comportamento do
ser humano. Como essa sociedade não entra em colapso? Como é possível que
o caos não tome conta da humanidade? Essas são perguntas que o estudioso da

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sociologia precisa saber responder. O autor Alex Inkeles airma que: “Se quisés-
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semos exigir que o problema básico a que se dirige o sociólogo fosse descrito em
uma única frase, responderíamos: procura explicar a natureza da ordem social e
da desordem social” (INKELES, 1974, p. 46).
O sociólogo busca compreender como os processos e as estruturas da sociedade
funcionam, a im de sugerir possíveis alternativas para uma melhor harmonia social.
Para isso, o proissional da Sociologia deve buscar ferramentas cientíicas para rea-
lizar tal análise, conforme Pedro Scuro Neto salienta: “A postura cientíica, por sua
vez, engloba a ênfase criativa da ação e dos processos sociais, quando aborda os pro-
blemas de estabilidade e integração das sociedades modernas” (SCURO, 2004, p. 4).

Figura 2 - Interação social

Em suma, temos como objeto do estudo sociológico: o homem na sociedade e


a sociedade no homem. Esse ser humano só é, de fato, ser humano em sua com-
pletude diante de outro ser humano, inserido em determinada realidade social,
como airma Delson Ferreira:


[...] o ser humano só se faz como tal diante de outro, seu semelhante,
com o qual estabelece mecanismos diversos de interação constante.
É essa interação, na origem entre indivíduos no inal entre os grupos
e sociedades inteiras, que deine outra das características humanas
fundamentais: a da vida social” (FERREIRA, 2009, p. 28).

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No quadro a seguir, temos uma lista dos tópicos do objeto de estudo sociológico,

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em que muitos autores, de cursos de introdução à Sociologia, concordariam com
relação ao seu conteúdo:

UM ESQUEMA GERAL DO OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA

I. Análise Sociológica: Cultura Humana e Sociedade; Perspectiva Sociológica;


Método Cientíico na Ciência Social.

II. Unidades Fundamentais da Vida Social: Atos Sociais e Relações So-


ciais; A Personalidade do Indivíduo; Grupos (onde se incluem Classe e Etnia);
Comunidades: Urbanas e Rurais; Associações e Organizações; Populações;
Sociedade.

III. Instituições Sociais Básicas: Família e Parentesco; Econômicas; Políticas


e Jurídicas; Religiosas; Educacionais e Cientíicas; Diversões e Bem-estar; Esté-
ticas e Expressivas.

IV. Processos Sociais Fundamentais: Diferenciação e Estratiicação; Coope-


ração, Acomodação e Assimilação; Conlito Social (Inclui Revolução e Guerra);
Comunicação (inclui Formação, Expressão e Mudança de Opinião); Socializa-
ção e Doutrinação; Avaliação Social (o Estudo dos Valores); Controle Social;
Divergência Social (Crime, Suicídio etc.); Integração Social; Mudança Social.

Quadro 1 - Objeto de estudo da Sociologia / Fonte: Inkeles (1974, p. 27).

Como surgiu a Sociologia?

A Sociologia surge como ciência moderna para responder aos desaios da nova
formatação dos processos e das estruturas da modernidade. Desde os primórdios,
os indivíduos interagem por meio de relações que objetivam satisfazer necessida-
des vitais ou simplesmente de caráter intrínseco aos anseios e às dúvidas sobre si
mesmos. Essas relações podem surgir diretamente advindas dos próprios indiví-
duos ou de acordo com as demandas e regras do grupo social em que convivem.
A Revolução Francesa e a Revolução Industrial trouxeram uma nova coni-
guração do que se entendia até aquele momento, de como era o funcionamento
de uma sociedade. A Revolução Industrial, ocorrida na Europa no decorrer dos
séculos XVIII e XIX, deiniu novas formas de economia, sociedade e tecnologia. A
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progressão da produção em massa gerou alguns dilemas: por um lado, o desenvol-
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vimento tecnológico barateava os custos de produção, o que aumentava a produ-


tividade e otimizava o processo de armazenamento e transporte de mercadorias.
Por outro, no âmbito do trabalho desse novo momento, exigia muitas horas dos
trabalhadores que chegavam a trabalhar acima de 16 horas por dia.

Figura 3 - Crianças trabalhando em mina de carvão

Nas cidades, o “progresso” e o desenvolvimento da atividade industrial izeram surgir


áreas degradadas e miseráveis. Os dilemas decorrentes dessa fase de intensa urbani-
zação deram origem à necessidade de repensar os novos rumos das questões sociais.
As mudanças dessa época foram tão radicais, que somente podem ser com-
paradas com as que ocorreram no período Neolítico e podem ser resumidas
como o abandono do modelo agrário de produção e comércio, do trabalho e da
sociedade, por um modelo urbano, mecanizado e industrializado. A produção
em larga escala e com abundante uso das máquinas tinha como objetivo reduzir
o tempo e os custos de produção.
É importante entender as novas formas de organização que surgiram por
meio do processo de industrialização, pois, de fato, alterou drasticamente todo
o contexto social mundial (DIAS, 2010, p. 22-24). Em primeiro lugar, houve a
substituição progressiva do trabalho humano por máquinas. Com isso, um me-

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nor número de trabalhadores conseguiria produzir uma quantidade maior de

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produtos, contrapondo a produção artesanal ou doméstica. A segunda caracte-
rística é a divisão do trabalho e a necessidade de organização. Progressivamente,
a especiicidade das tarefas na linha de produção passou a aumentar. As tarefas
repetitivas altamente especializadas tiravam a capacidade de pensamento intelec-
tual do operário, o que fez com que o acesso de crianças e mulheres ao mercado
de trabalho fosse facilitado.

Figura 4 - Crianças trabalhando em mina de carvão em 1911

Em terceiro lugar, foram realizadas as mudanças culturais no trabalho. Os traba-


lhadores ainda estavam acostumados com a produção rural e artesanal em am-
bientes domésticos. Acostumá-los à nova rotina de trabalho da indústria foi um
dos grandes desaios desse novo momento, então urbano. Em quarto lugar, houve
a produção de bens em grandes quantidades. Se antes só era produzido aquilo que
atendesse à demanda local, passou-se, então, a produzir itens em grande quanti-
dade a preços mais baixos, sem perder a qualidade. Por último, surgem os novos
papéis sociais: o empresário (industrial) capitalista e o operário. O empresário
detém os meios de produção e o operário atua com a sua força de trabalho. Para
o estudioso Karl Marx, a relação interdependente entre esses dois atores da nova
cena mundial faz parte da essência do sistema capitalista.

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UNIDADE 1

Substituição progressiva
do trabalho humano
por máquinas.

A divisão do trabalho
e a necessidade de
sua coordenação.

MUDANÇAS
REVOLUÇÃO OCORRIDAS Mudanças culturais
INDUSTRIAL NOS SÉCULOS no trabalho.
XVII E XIX

Produção de bens em
grande quantidade.

Surgimento de novos
papéis sociais (operários e
empresários capitalistas ).

Quadro 2 - Revolução Industrial e suas consequências / Fonte: Dias (2010, p. 22).

O leque de estruturas sociais se tornou muito diversiicado. Compreender essa de-


manda abrangente caracterizou-se como um desaio, como airma Reinaldo Dias:


Partindo de uma realidade rural, em que as funções e relações so-
ciais apresentavam pouca complexidade, as sociedades europeias
(primeiramente a inglesa) se depararam, no século XIX, com es-
truturas sociais mais complexas, que se desenvolveram em torno
da nova realidade industrial” (DIAS, 2010, p. 4).

Para Nelson Dalcio Tomazi, a Sociologia é fruto da Revolução Industrial e “nesse


sentido é chamada de ‘ciência da crise’ – crise que essa revolução gerou em toda
a sociedade europeia” (TOMAZI, 1993, p. 1).

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e mulher em determinados contextos histórico-sociais. Daí, veriicamos que a
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Linguística e a Arqueologia estão interligadas à Antropologia.


Além disso, a Antropologia, enquanto estudo cientíico, serve para designar a
ciência que investiga o ser humano de maneira holística (completa, total, inteira),
combinando, em apenas uma disciplina, metodologias e abordagens das Ciências
Naturais e das Ciências Humanas e Sociais, assim como da Filosoia. Assim, o
papel do antropólogo é compreender as dinâmicas dos diversos membros de
determinada sociedade, o que implica, muitas vezes, tornar-se parte de tradições,
rituais e costumes da cultura em estudo. A observação e o trabalho de campo
são as ferramentas metodológicas mais importantes que o antropólogo utiliza
para compreender quais são os signiicados compartilhados e qual a dinâmica
de funcionamento da cultura estudada.
Na Antropologia, conseguimos identiicar três categorias principais. Por um
lado, temos a Antropologia social e cultural, que estuda os seres humanos como
personagens coletivos que vivem em sociedade e que, portanto, são produtores de
cultura, mas, ao mesmo tempo, um produto dela. Nesse caso, precisamos especi-
icar que, por cultura, entendemos a capacidade de conceber o mundo de forma
simbólica, aprender e transmitir símbolos ou conceitos a outros seres humanos,
e transformar o ambiente e a própria personalidade por meio do uso desses sím-
bolos. Por outro lado, encontramos a Antropologia biológica ou física, que estuda
a variabilidade biológica de grupos humanos ao longo de sua história, sem levar
em conta aspectos culturais. A última categoria, mas não menos importante, é a
Antropologia ilosóica, que tenta dar sentido ao ser humano enquanto ser social,
ao questionar: o que é o homem?
Veja a conceituação realizada por Marconi e Presotto:


[...] a Antropologia visa ao conhecimento completo do homem, o
que torna suas expectativas muito mais abrangentes. Dessa forma,
uma conceituação mais ampla a deine como a ciência que estuda o
homem, suas produções e seu comportamento. O seu interesse está
no homem como um todo - ser biológico e ser cultural -, preocu-
pando-se em revelar os fatos da natureza e da cultura. Tenta com-
preender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço
e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica. Busca
também a compreensão das manifestações culturais, do compor-
tamento e da vida social. (MARCONI e PRESOTTO, 2010, p. 2).

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Se pudéssemos adjetivar a Antropologia, deiniríamos em três termos: a) Holís-

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tica (integral), pois tenta combinar o estudo de várias disciplinas sobre o ser hu-
mano, com maior enfoque à própria Antropologia – aqui também o vemos como
um ser identiicado com determinado grupo social; b) Comparativa, no sentido
de que ela tenta veriicar as possíveis semelhanças e diferenças entre culturas
diferentes, antes de veriicar as suas principais características; e c) Progressiva,
pois tende a veriicar a evolução dos seres humanos ao longo da história. Para
isso, temos que diferenciar a evolução propriamente dita, biológica ou física, que
se transmite geneticamente e, a progressão cultural, na qual podemos veriicar as
mudanças de comportamento, crenças, linguagens, usos, costumes e rituais que
se perpetuam por meio do ensino e da aprendizagem.

Como surgiu a Antropologia?

A Antropologia surge como uma disciplina independente durante a segunda me-


tade do século XIX. Um dos fatores que favoreceu a sua aparição foi a propagação
da teoria evolucionista, que, no campo dos estudos sobre a sociedade, deu origem
ao evolucionismo social. Entre os principais autores está Herbert Spencer – um dos
maiores pensadores do seu tempo –, ilósofo, psicólogo, sociólogo e naturista, que
foi a igura mais destacada do evolucionismo ilosóico e positivista de sua época.
Aplicou leis evolucionistas à Filosoia e à sociedade. No entanto, essas aplicações
darwinistas justiicaram a dominação de alguns povos sobre outros, bem como a
supremacia de uma raça humana sobre outra. Assim como ele, os primeiros antro-
pólogos pensavam que, tal qual a evolução das espécies de organismos simples para
os mais complexos, as sociedades e culturas humanas tinham que seguir o mesmo
processo, para produzir estruturas complexas dentro de sua própria sociedade.

Figura 6 - Evolução humana


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Desde o inal do século XIX, a abordagem adotada pelos primeiros antropólogos
UNIDADE 1

foi contestada pelas gerações seguintes. Depois da crítica de Franz Boas à An-
tropologia Evolutiva do século XIX, a maioria das teorias produzidas por antro-
pólogos da primeira geração é considerada ultrapassada. Durante o século XIX,
surgiram, então, várias correntes antropológicas, dentre elas: o culturalismo, nos
Estados Unidos, no início do século; a etnologia, na França; o funcionalismo
estrutural, o estruturalismo antropológico e a antropologia marxista.
Lewis Henry Morgan (1818-1881) também é considerado um dos pais da
Antropologia Moderna. Ele apresentou avanços no que concerne às relações de
parentesco (estudou mais de 70 tribos indígenas) que foram fundamentais para
que determinado grupo fortalecesse os laços internos de pertencimento. Na linha
das teorias evolucionistas que dominaram completamente o pensamento cientí-
ico e antropológico do século XIX, seus estudos sobre o comportamento tribal
levaram-no a propor, em sua obra A Sociedade Primitiva (1877), uma teoria
da evolução cultural baseada na transição por três etapas: selvageria, barbárie e
civilização. A presença de certas instituições e técnicas deiniriam cada estágio.
Os evolucionistas se propuseram, portanto, a traçar o caminho seguido pelo
ser humano desde suas origens, representado por povos “primitivos” – vistos
como inferiores –, ao estado chamado de “civilização” – visto como superior.
No inal da Segunda Guerra Mundial, grande parte dos países mais pode-
rosos do mundo já havia conseguido desenvolver uma Antropologia de nível
proissional, que lhes permitia fortalecer sua identidade como nação. Na verdade,
a Antropologia Cultural foi utilizada de forma ideológica em muitas situações,
para justiicar ações do colonialismo europeu em face dos conhecimentos que
tinham sobre determinadas culturas. Esse processo, chamado de ocidentali-
zação, justiicou a dominação e a exploração de culturas tidas como inferiores.
Para facilitar a nossa compreensão sobre a Antropologia, veremos, no quadro
a seguir, a principal classiicação dessa área de estudos.

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É aquela que considera que as diferenças são causadas
não pelas características da raça, mas, primordialmente,
pela cultura. Os antropólogos culturais tendem a espe-
cializar-se em um campo especíico, como economia,
política ou religião. Seu método de estudo é frequente-
Antropologia
mente baseado no trabalho de campo, que envolve a
Cultural
observação in loco e a descrição da atividade de deter-
minado grupo social. Temos, aqui, dois conceitos-chave:
a etnograia, que descreve uma cultura em seu habitat,
e a etnologia, que consiste na comparação de dois ou
mais modelos culturais.

É a área da Antropologia que estuda a diversidade lin-


Antropologia
guística em diferentes sociedades humanas em relação a
Linguística
determinados contextos culturais.

Os arqueólogos procuram evidências de culturas pas-


Arqueologia sadas. A recuperação desses vestígios é muito útil para
biólogos e antropólogos culturais.

Vertente que utiliza as informações obtidas de outras


Antropologia especializações antropológicas para resolver problemas
Aplicada interculturais em áreas como saúde e desenvolvimento
econômico, por exemplo.

Quadro 3 - Divisão clássica da Antropologia / Fonte: o autor.

Conforme vimos no quadro anterior, a antropologia está em constante diálogo


com as mais diversas disciplinas. Utiliza conceitos e técnicas que abrangem a
evolução biológica da espécie humana, os contextos históricos, a sociologia, os
estudos culturais e até chega a apontar possíveis diagnósticos futuros sobre a
relação entre o ser humano e a cultura, conforme salientam Marconi e Presotto:

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A Antropologia, embora autônoma, relaciona-se com outras ciên-
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cias, trocando experiências e conhecimentos.


Como ciência social, oferece e recebe dados teóricos e metodo-
lógicos da Sociologia, da História, da Psicologia, da Geograia, da
Economia e da Ciência Política. Como ciência biológica ou natural,
liga-se à Biologia, à Genética, à Anatomia, à Fisiologia, à Embrio-
logia, à Medicina. Também a Geologia, a Zoologia, a Botânica, a
Química e a Física vêm oferecendo indispensável contribuição aos
estudos antropológicos na busca da compreensão dos problemas
comuns a todas essas disciplinas.
A Antropologia, considerada a mais jovem das ciências, teve de
aguardar o desenvolvimento dos conhecimentos ligados à Geologia,
à Genética, à Biologia, à Sociologia para que se pudesse desenvolver.
Pode-se airmar que, somente após os conhecimentos da célula e
da evolução terem sido formulados e aplicados ao homem, é que a
Antropologia se sistematizou e progrediu como ciência do homem.
Mantém relações interdisciplinares mais íntimas com as ciências
que centram seu interesse especiicamente no estudo do homem e
que emprestam a ela os dados pesquisados e acumulados em relação
a todos os aspectos da existência humana: Sociologia, Psicologia,
Economia Política, Geograia Humana, Direito e História.
A Antropologia vem irmando-se como ciência do homem que exige,
cada vez mais, a cooperação entre os seus especialistas e os de outras
ciências, pois cada série de problemas requer a utilização de métodos
especíicos altamente técnicos (MARCONI; PRESOTTO, p. 10).

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que se aplicam a determinados processos, como: política de vendas, política de com-
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pras, política de segurança de computadores, políticas de inventário, entre outros.


Caro(a) aluno(a), você observou como o termo “política” pode ser utilizado
para vários signiicados? Para que ique mais evidente, buscaremos, por meio
desta relexão, analisar os diferentes signiicados e escopos do que se denomina
por política, seja como uma indagação do conceito e sua interação com outras
atividades e disciplinas em que o homem está inserido, seja como alcance das
ideologias e relexo das suas consequências nos mais variados grupos sociais.

Como surgiu a Ciência Política?

A palavra “política” se origina das palavras gregas polis, politeia, política e politiké.
• Polis: a cidade, o Estado, a área urbana ou urbanizada, o encontro dos
cidadãos que compõem a cidade.
• Politeia: o Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cida-
dania (no sentido do direito dos cidadãos).
• Política: plural neutro de políticos, aquilo que é político e cívico, tudo so-
bre o Estado, a Constituição, o regime político, a República e a soberania.
• Politiké (techné): a arte da política.

Figura 7 - Templo de Parthenon na colina da Acrópole, em Atenas, Grécia

A Ciência Política, no sentido de dar explicação ordenada e sistematizada do


Estado, tem sido uma ciência desde a sua criação. Os gregos são os criadores da
política e da Ciência Política. Para eles, este seria o estudo ou o conhecimento
da vida comum dos homens, de acordo com a estrutura essencial desta vida, que
é a constituição da cidade.
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O espaço político surge como lugar público no qual a vida política pôde tomar

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forma: a oratória, o espaço comum no qual temas de interesse geral, como ética e
educação, podiam ser debatidos; era, para o povo grego, o terreno do comum. Na
verdade, fazer política era participar da vida em comum, uma obrigação de cada
cidadão para si e para os outros; desistir de fazer política signiicava renunciar
ao governo e, portanto, deixar de ser livre.
A Grécia Antiga é, por assim dizer, a mãe da civilização europeia. Entre os gre-
gos, Aristóteles não foi apenas o principal promotor do conhecimento cientíico,
mas também o autor de uma grande descoberta: que toda ciência tem sua indi-
vidualidade. Devemos a ele a política, a Ciência Política e a sua situação dentro
das demais áreas da ciência. Para ele, o ser humano é um ser racional e social. Tal
divisão ou ambiguidade de signiicado
será fundamental para expressar o que
será justo ou injusto na sociedade, o
que é valioso ou não entre os homens,
o que é que é prejudicial ou bom para
o bem comum. Ele deu origem à ideia
de que o ser humano é um animal
político, ou seja, que necessita bus-
car a convivência com a comunidade,
pois, sem ela, sente-se só e incompleto.
Nessa perspectiva, a política, seria uma
Figura 8 - Estátua de Aristóteles atividade inerente à natureza humana.

Em Protágoras, Platão considera o


conceito de política como um co-
nhecimento concebido em termos de
propósitos práticos. O ilósofo tenta
deinir a essência das virtudes cívicas
fundamentais que apresentam o co-
nhecimento do bem como a essência
de todas as virtudes. Portanto, o iló-
sofo estaria apto para governar como
um líder de Estado, já que seria tarefa
a ser praticada por quem possui o co-
nhecimento do bem, isto é, o funda- Figura 9 - Estátua de Platão
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mento do princípio que constrói uma sociedade e para o qual toda a existência
UNIDADE 1

humana deve ser dirigida. Assim, nesse mesmo diálogo, Sócrates é tido como
mestre da “arte política”, absorvendo em si a tarefa de forjar os homens como
bons cidadãos; Platão se refere à “técnica política” como busca de uma objetivi-
dade rigorosa, portanto, um conhecimento não especíico das massas, mas um
conhecimento ilosóico supremo.
Aristóteles e Platão marcaram um pe-
ríodo especíico em que as primeiras ideias
sobre Ciência Política foram construídas.
No decorrer da história, houve diversos
pensadores importantes, que ajudaram
para que a política encontrasse o seu es-
paço no campo das Ciências Sociais.
No século XVI, Maquiavel de destacou
por dar o panorama da modernidade polí-
tica. Na segunda metade do mesmo século,
Jean Bodin abordou sistematicamente os
chamados fenômenos políticos.
Figura 10 - Estátua de Maquiavel

homas Hobbes (1588 - 1679) airmou


que o pior inimigo de um homem é outro
homem, expressando sua concepção de ser
humano: o homem é o lobo do homem, e
argumenta que viver com outros homens
torna-o pior. A partir dessa posição, cons-
truiu o conceito de política relativo a quem
detém o poder do governo, entendido como
meio de manter vantagens e privilégios.
Figura 11 - Thomas Hobbes

No contexto do Iluminismo, surgiu Montesquieu, contestando várias teses de


Aristóteles com o uso detalhado da razão. Com as suas teses, todos esses autores
mencionados contribuíram para o estabelecimento da temática no longínquo
século XIX. A partir desse momento, falar de Ciência Política passou a ser mais
comum no cotidiano. Novos acadêmicos começam a aparecer e a interessar-se
por essa dinâmica, o que permitiu o seu estabelecimento como ciência autônoma.

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Alexis de Tocqueville deve ser mencionado com o uso do método de obser-

UNICESUMAR
vação direta dos fatos. Augusto Comte estabeleceu as bases objetivas do método
cientíico. Karl Marx contribuiu com uma nova explicação dos fenômenos do
poder em geral. Com isso, no inal do século XIX, o reconhecimento e a vida
cotidiana permitiram que a Ciência Política se posicionasse no campo acadêmico.
Nos Estados Unidos, recebeu maior apoio e impulso para consolidar-se.
Multiplicaram-se estudos sobre forças políticas, eleições e questões relacionadas
à distribuição de poder. É por isso
que é um dos países em que o maior
desenvolvimento da disciplina foi
registrado. Além disso, a presença
de circunstâncias internacionais,
favoreceram seu avanço, especial-
mente no período entre guerras e,
particularmente, após 1945, com
a culminação da Segunda Guerra
Mundial. O reconhecimento e a
precisão de seu campo de estudo e
conteúdo começaram a tornar-se
mais palpáveis após esses eventos.
Figura 12 - Soldados em ação – Segunda Guerra
Mundial / Fonte: Pixabay ([2019], on-line)¹.

Enquanto disciplina, a Ciência Política


continua em franco desenvolvimento
e atingiu um nível de maturidade que
lhe permitiu ter alto grau de autonomia.
Contudo, enfrenta alguns problemas no
que diz respeito aos seus métodos de
pesquisa. Enquanto cientistas políticos
norte-americanos concentram seus es-
tudos na elaboração de hipóteses e na
busca de teorias, os europeus, por sua
parte, tentam aproximar-se dos fatos e
obter resultados mais concretos.
Figura 13 - Capitólio dos Estados Unidos

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UNIDADE 1

pensando juntos

Não se pode pensar em nenhum homem que não seja também ilósofo, que não pense,
precisamente porque o pensar é próprio do homem como tal.
(Antonio Gramsci).

De acordo com o que discutimos, temos a impressão de que a Filosoia seria


utilizada, portanto, somente no campo das ideias, sem nenhuma relação com
aspectos práticos do nosso cotidiano, como se a função do ilósofo fosse a de ape-
nas especular sobre questões teóricas longe da nossa realidade material. Muitos
airmam nos nossos tempos: “Filosoia não serve para nada”, “Filosoia não gera
renda para o país”, “do que adianta pensar e nada fazer”. Continuariam a dizer,
ainda, que o melhor seria cultivar disciplinas e atividades que tenham impacto
real na sociedade em que vivemos e que esqueçamos toda ciência ou disciplina
como a Filosoia, a sociologia e a antropologia, que não geram riqueza para o
país e para a sociedade. É como se a Filosoia tivesse a capacidade de somente
atrapalhar a vida prática das pessoas, pois ela aponta questões que nos auxiliam.

Figura 14 - Pensar: inquietação e relexão ilosóica

Na verdade, a Filosoia nos alerta de que existem determinados aspectos da nossa


vida, que são muito importantes para a nossa existência e que precisam vir à tona
para pensarmos sobre eles. Por exemplo, a todo o momento, perguntamo-nos: “que
horas são?”. Parece uma pergunta simples, mas é um questionamento profundo que
não paramos para pensar que se trata de uma questão temporal. Na realidade, o
tempo é uma das questões mais antigas e cruciais do pensamento ilosóico. Contu-
do, icamos preocupados apenas com a nossa relação com o tempo, no aqui e agora,
como se as horas do nosso relógio fossem a única preocupação que poderíamos ter.
32
Muitos ilósofos tentaram decifrar a

UNICESUMAR
questão do espaço-tempo, no decorrer
dos séculos. Os primeiros ilósofos acredi-
tavam que o tempo só se limitava na dire-
ção do passado. Já os pensadores da idade
média, contestaram essa ideia, airmando
que existia um “initismo temporal”, onde
o passado teria um tempo limitado.
Figura 15 - Que horas são?
Durante toda a história da Filosoia não tivemos uma resposta clara e inequívoca
acerca da pergunta sobre o tempo e lidamos com esse fato como se não houves-
se importância alguma. Pense comigo: se nos atentarmos e pensarmos sobre o
tempo e o papel que temos nele, daremos muito mais importância e sentido para
a forma de vida que levamos. Elencaremos prioridades e atitudes que nos farão
aproveitar todos os momentos da vida de forma mais intensa. Conlitos e atritos
que tínhamos como importantes, deixam de ser, pois agora, pensando ilosoica-
mente, compreendo que existem coisas mais relevantes e que preciso me atentar
a elas. Coisas pequenas icam para trás.
Isso tudo nos mostra que agimos em nosso dia a dia, de forma instantânea e
que, se formos analisar a fundo, deixamos muitas questões importantes de lado.
Outra questão acerca dessa introspecção sobre a importância da Filosoia, é que
existem algumas questões que são intrínsecas aos seres humanos: qual o sentido
da vida? Onde me encaixo, como pessoa, dentro uma sociedade tão dinâmica e
consumista? Será possível sobreviver numa sociedade se não sei como agir nela? É
mais importante ter um conhecimento acerca do mundo ou de mim mesmo? Essas
perguntas nos mostram que, pensar ilosoicamente demanda tempo para raciocinar
e, ao mesmo tempo, gera em nós sentido e propósito de vida quando encontrados.
Não encontrar respostas ou não entender algo gera em nós um sentimento de
insatisfação e, até mesmo, tristeza. Diante de uma dor muito intensa, por exemplo,
a primeira pergunta que nos vem à mente é: Por quê? Por que isso aconteceu comi-
go? Por que isso aconteceu neste exato momento da minha vida? E justamente, um
dos alívios para a dor do sofrimento, é conhecer a verdade, ou o porquê daquilo ter
acontecido. Ao nos encontrarmos com a verdade, há satisfação e contentamento, pois
localizamos a resposta necessária para enfrentar aquela dor. Quando conseguimos
explicar o motivo do nosso sofrimento a alguém, conseguimos nos sentir recon-
fortados, pois, de alguma forma, damos sentido e signiicado àquilo que passamos
33
UNIDADE 1

Figura 16 - O pensar e o questionar fazem parte de nós

É muito nítido que, para essa demanda tão humana do saber, são demandados
diferentes graus e níveis de conhecimento. Você pode sentir-se satisfeito com
pouco, mas também pode tentar saber o máximo que puder. Esse anseio é muito
necessário em nosso tempo, pois existem questões que são muito complexas, e
não conseguiremos administrá-las com abordagens parciais ou supericiais, visto
que os problemas não são resolvidos assim; pelo contrário, são agravados.
É impossível separar a teoria ilosóica das questões práticas da vida. Note que
toda proposta ou pensamento ilosóico advém de uma demanda que pretende
responder a alguns problemas morais e sociais de determinada cultura, de seres
humanos de alguma época e que se encontram cheios de incertezas e ansiedades.
Não surgem do acaso. Primeiro, manifestam-se as questões da vida e, por meio
delas, o nosso pensar ilosóico é acionado para compreendermos essa demanda.
Constatamos então, que a Filosoia é um desaio que exigirá de nós um espíri-
to questionador e crítico acerca da nossa realidade. Ao mesmo tempo, incentiva-
-nos pela busca da verdade para que, assim, consigamos livrar-nos de amarras que
nos foram transmitidas, a im de criarmos nosso próprio ponto de vista sobre o
assunto. Normalmente, é peculiar daqueles que possuem o espírito questionador
o desejo de ser autêntico, de escapar do engano, da farsa, da supericialidade e
também, de adquirir a capacidade de enfrentar desaios sem render-se facilmente.
Espero que essa pequena introdução da disciplina gere em você o mesmo desejo
de sempre buscar a verdade com ousadia, e que se sinta atraído pela aspiração do
conhecimento de forma crítica e racional.

34
Como surgiu a Filosoia?

UNICESUMAR
É sempre salutar, quando começamos a estudar determinada ciência, que bus-
quemos o seu signiicado etimológico. A palavra “ilosoia” vem de duas raízes
gregas: philos, que deriva de philia e signiica amizade ou amante, e sophia, que
signiica sabedoria e, por isso, usualmente traduzimos o termo por amor ao co-
nhecimento ou amizade pela sabedoria. Com isso, podemos dizer que Filosoia
signiica o ato de respeitar, admirar, desejar a sabedoria ou o conhecimento.
Em latim, sabedoria se expressa com o termo sapientia, que vem do sapere, que
signiica, em sentido amplo, conhecimento. Aquele que é sábio é o bom conhecedor,
aquele que julga corretamente, porque domina os assuntos que estudou. Em sentido
estrito, sapere se refere ao bom gosto, com paladar apurado. Portanto, quem exerce
conhecimento ilosóico, geralmente tem “paladar” habituado à busca pela verdade.
O termo “sábio” também tem histórico na Filosoia. Conta a história que foi Pitá-
goras quem começou a usar a palavra “ilósofo”, quando questionado sobre qual era
a sua atividade. Ele respondeu que não era um apreciador da arte, mas que era me-
ramente um ilósofo; para tornar-se melhor compreendido, ele fez uma comparação
com as Festas Olímpicas, dizendo que alguns vieram para competir, outros para fazer
negócios e outros apenas pelo prazer de ver o espetáculo – estes seriam os ilósofos.
Considera-se que a Filosoia tenha nascido na Grécia, especiicamente, nas
colônias jônicas da Ásia Menor, no século VI a.C., a partir do momento em
que os pensadores começam a questionar os motivos pelos quais os problemas
que a natureza apresentava acontecerem por meio de relexões racionais. Esse
processo, de explicar racionalmente a origem do mundo, assim como a sua
ordem, é chamado de cosmologia.

Figura 17 - Vista da Acrópole ao pôr do sol, Atenas, Grécia 35


Baseados na nossa tradição ocidental, sabemos que os gregos foram os primeiros
UNIDADE 1

que desejaram abandonar as explicações tradicionais e conservadoras dos fenô-


menos que ocorriam à sua volta, apoiadas nos mitos e divindades, para dar lugar
às explicações da natureza, do ser humano e da realidade que viviam, por meio
do uso exclusivo da razão. Podemos perceber que a capacidade de questionar
racionalmente tudo que nos rodeia deu origem ao pensamento ilosóico.
De acordo com Marilena Chauí, os historiadores costumam dividir a história
da sociedade grega em quatro períodos ou fases:


1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo
poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia;
2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V
antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Es-
parta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana,
baseada no artesanato e no comércio;
3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV antes de Cristo, quando a
democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística entra no apo-
geu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar;
4. e, inalmente, a época helenística, a partir do inal do século IV
antes de Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do império
de Alexandre da Macedônia, e, depois, para as mãos do Império
Romano, terminando a história de sua existência independente
(CHAUÍ, 2005, p. 39).

O período do surgimento da Filosoia teria acontecido na Grécia Antiga, alcan-


çando o seu apogeu na Grécia Clássica, e foi durante o período helenístico que
se expandiu para as mais diversas regiões fora da Grécia. Em cada momento da
história, a Filosoia adquiriu determinadas características, conforme o contexto
em que estava inserida. Questões e problemáticas surgiram e, assim, o pensamen-
to ilosóico passou a proporcionar amplo diálogo com a cultura e a sociedade,
sugerindo apontamentos, respostas e diferentes perguntas para aquele momento.
Os saberes, os questionamentos e as respostas desenvolvidas em determina-
da época servem para que os futuros ilósofos tenham um campo de partida e
prossigam, seja para dar novo signiicado, seja para criticar algum assunto. Na
próxima unidade iremos aprofundar-nos em cada um desses períodos com os
seus respectivos pensadores. De forma sintetizada, na tabela a seguir seguem as
principais fases da Filosoia na história:
36
junto de eventos realizados pelo homem no passado. Não é apenas o conjunto de
UNIDADE 1

acontecimentos do passado, porque isso incluiria tudo o que aconteceu no planeta


desde a sua origem. A História, portanto, tem como protagonista o ser humano. A
professora Selma Fonseca, tem uma deinição bastante didática para o nosso estudo:


A história busca compreender as diversas maneiras como homens
e mulheres viveram e pensaram suas vidas e a de suas sociedades,
através do tempo e do espaço. Ela permite que as experiências sociais
sejam vistas como um constante processo de transformação; um
processo que assume formas muito diferenciadas e que é produto
das ações dos próprios homens. O estudo da história é fundamental
para perceber o movimento e a diversidade, possibilitando compa-
rações entre grupos e sociedades nos diversos tempos e espaços. Por
isso, a história ensina a ter respeito pela diferença, contribuindo para
o entendimento do mundo em que vivemos e também do mundo
em que gostaríamos de viver (FONSECA, 2003, p. 40).

Vários historiadores reletiram, desde o início, a respeito de uma deinição sobre


si mesma. No entanto, a partir do século XIX, aumentou consideravelmente o
debate sobre como fazer ou desenvolver os caminhos da História e quais são as
maneiras de transformá-la em uma ciência como as demais.
A História é também a ciência que estuda os fatos do passado e dialoga in-
tensamente com os mesmos métodos de análise cientíica das Ciências Sociais
(Sociologia, Antropologia e Ciência Política). Não é uma ciência exata, como
Matemática, Física, ou Química, porque, devido ao seu objeto de estudo, as inter-
pretações dos historiadores sobre determinado acontecimento dependem, entre
outros aspectos, da subjetividade de análise de cada um deles. Além disso, nem
todas as hipóteses podem, de fato, acontecer. Nesse sentido, o intuito da História
é encontrar uma explicação objetiva e uma lógica possível a partir dos dados
conhecidos sobre o passado ou um evento concreto deste.
Em determinadas épocas, existiram diferentes métodos para estudar essa área.
Desde os primeiros historiadores gregos e romanos, os quais dedicavam-se a des-
crever tudo o que observavam, ouviam ou liam sobre um lugar ou uma cidade em
particular, todos tiveram o seu próprio método para analisar os acontecimentos.

38
O conjunto de técnicas e métodos para fazer História é chamado de histo-

UNICESUMAR
riograia. Homens e mulheres de cada época elaboraram sua própria visão desse
campo de estudos. A historiograia tem como objetivo reletir sobre a própria
história da disciplina; não estuda apenas sobre os fatos do passado, mas busca
compreender a maneira como foram interpretados.

Como surgiu a História?

Anteriormente ao século XIX, a História tinha caráter moralizante e exempliicador,


com a intenção clara de perpetuar na memória as notórias personagens e os gran-
des eventos. Durante séculos, pensou-se que o que deveriam ser lembrados eram
os feitos e as ações dos Estados e das civilizações mais importantes, a vida e a obra
dos reis e governantes, as guerras e os tratados, as instituições e as lutas pelo poder.
A História se escrevia por meio da coletânea de bons relatos e passou a acreditar
que o seu nascimento fora possível por meio de grandes personagens. O relato e a
história literária criaram uma História que não tinha, portanto, rigor intelectual. Tal
concepção experimentou uma mudança notável a partir do período do Iluminismo.

explorando Ideias

O Iluminismo caracterizou-se como um movimento ilosóico, político e cultural desen-


volvido na Europa durante o século XVIII, que defendia, acima de tudo, o uso da razão, o
conhecimento e a educação como base do progresso social. Propunha uma reorganiza-
ção profunda da sociedade baseada em princípios racionais.
Fonte: o autor.

No início do século XIX, a História teve muita aceitação como disciplina, por
assim dizer. Ao mesmo tempo, novos métodos permitiram iniciar as investigações
de forma mais profunda: arqueologia, ilologia e egiptologia, além do surgimento
das primeiras campanhas de escavação. Nessa mesma época, começaram a apa-
recer as primeiras compilações de fontes históricas e as primeiras grandes obras.

39
UNIDADE 1

Figura 18 - Hieróglifo egípcio

Contudo, no âmbito da organização das universidades, a História adquiriu signi-


icado diferente, sendo chamada de Ciência Histórica. Isso representou a separa-
ção deinitiva entre o discurso cientíico daquele meramente literário.
Você ainda deve perguntar-se: para que estudar História? Essa disciplina,
enquanto relato dos acontecimentos do passado, é algo que todos devemos co-
nhecer. Seria muito difícil entender quem somos como indivíduos sem saber-
mos quem são e o que izeram nossos pais, mães, avôs e avós. Da mesma forma,
como coletividade, conhecer nosso passado nos ajuda a entender melhor o nosso
presente. Somente se compreendermos adequadamente o que acontece agora,
poderemos projetar algo melhor para o nosso futuro.

pensando juntos

Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.


(Edmund Burke)

A História prepara os jovens para o mundo em que vivem. É bem verdade que,
para entrar no mundo do trabalho, os alunos não precisarão demonstrar conhe-
cimento histórico. Contudo se não o tiverem, não terão visão crítica da sociedade
em que vivem. Apesar disso, essa disciplina fornece a você, aluno(a), os elementos
necessários para entender o presente, uma vez que busca compreender tudo o
que é humano como um todo e, tal qual a ciência social, é a mais próxima da vida
cotidiana, por isso, pode explicar as engrenagens da sociedade. Essa área tem
função claramente pedagógica, requer aprendizado ativo e crítico e serve para
adquirir hábitos e técnicas de estudo e trabalho. Cito a seguir alguns elementos
que possibilitam melhor compreensão histórica:
40
Embora as diferentes civilizações que existiram na história do mundo (maias ou
UNIDADE 1

incas, egípcios ou assírios, gregos ou romanos, chineses ou indianos) tenham con-


tado o tempo de maneira diferente, os historiadores, como cientistas, não tiveram
escolha, senão concordar em dividi-la de maneira mais ou menos consensual e
universal em períodos históricos. Observe no quadro a seguir.

Período Datação

De: a origem do homem (4 milhões de anos).


Pré-História
Até: o aparecimento da escrita (4.000 a.C.).

De: o aparecimento da escrita (5.000/4.000 a.C.)


Idade Antiga
Até: a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).

De: a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).


Idade Média
Até: a queda do Império Romano do Oriente (1453).

De: a queda do Império Romano do Oriente (1453).


Idade Moderna
Até: a Revolução Francesa (1789).

Idade De: a Revolução Francesa (1789).


Contemporânea Até a atualidade.

Quadro 5 - Períodos Históricos / Fonte: o autor.

Os historiadores chegaram a um consenso para medir o tempo histórico. Cada


período tem características em comum com outros – certo tipo de organização
social, política, econômica e determinado estilo de produção artística e cultural.
Quando um desses aspectos muda signiicativamente, falamos de uma época ou
de um período histórico diferente.
Apesar de essa divisão ser bastante difundida, não signiica que não apre-
sente problemas e críticas. Alguns dos mais importantes são: a) na Pré-História,
falta-nos a informação de longos períodos históricos nos quais não sabemos
exatamente como a humanidade evoluiu; b) essa divisão da história se baseia, em
muito, na evolução da civilização europeia; c) as datas que separam uma idade
da outra não podem levar em conta que os processos históricos não terminam
ou começam de maneira abrupta. Portanto, há elementos de um período que
sobrevivem e passam para o próximo, e características do novo período que co-
meçam a aparecer no anterior.

42
CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNICESUMAR
Caro(a) aluno(a), chegamos ao inal desta primeira unidade depois de eviden-
ciarmos a importância de cada uma das cinco disciplinas que nos propomos a
estudar. Vimos que a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Filosoia e
a História dialogam entre si em diversos momentos, demonstrando que não há,
em cada uma delas, autonomia por completo. Ao contrário, veriicamos que há
entrelaçamento de conhecimentos que são, a todo momento, compartilhados.
Com o surgimento da Sociologia, analisamos o quão importante é perce-
bermos a nossa realidade enquanto seres humanos que necessitam de vínculos
com outros, para que a sociedade desenvolva a sua dinâmica. A interação entre
os seres humanos e a relação com a sociedade e as suas instituições fazem parte
do objeto de estudo do sociólogo.
Na Antropologia, a cultura é analisada na sua completude e, mesmo assim,
a cada momento, vemos que novos caminhos se abrem, devido à interação
constante do ser humano com o meio em que se encontra. Como ciência, foi
utilizada de forma a justiicar a superioridade europeia para sentir-se no direito
de colonizar determinados territórios.
Com a Ciência Política, vimos que devemos icar atentos ao discurso de
que a política é uma área especíica de certos atores da sociedade. Desde a sua
origem, na Grécia Antiga, o termo sempre teve como premissa a participação
das pessoas na vida comunitária.
De acordo com o estudo apresentado na Filosoia, percebemos que o pen-
samento de muitas pessoas que acreditam que essa disciplina não serve para
nada deve ser analisado com mais cuidado. O pensar sobre a nossa existência,
por exemplo, é vital para compreendermos muitos dilemas pessoais que nos
dão sentido e razão para vivermos com dignidade.
Na História, lidamos com o fato de que precisamos atentar-nos ao nosso
passado, conhecê-lo e interpretá-lo, para dar signiicado ao nosso presente e
elaborar hipóteses para o nosso futuro.

43
anotações
o período turbulento em que se encontravam, aplicando as técnicas da ciência

UNICESUMAR
para analisar os mecanismos da sociedade.
Augusto Comte é considerado, portanto, o pai da Sociologia. Contudo, ele
mesmo começou a chamá-la, primeiramente, de Filosoia Positiva ou Física So-
cial, e, posteriormente, modiicou o termo:


Acredito que devo arriscar, desde agora, este termo novo, sociologia,
exatamente equivalente à minha expressão, já introduzida, de física
social, a im de poder designar por um nome único esta parte com-
plementar da ilosoia natural que se relaciona com o estudo posi-
tivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos
sociais (COMTE apud MORAES FILHO, 1989, p. 61).

Comte estava inserido no mundo intelectual num momento em que preocupa-


ções e estudos sobre a sociedade e os fenômenos sociais estavam em ascensão.
Graças às suas grandes qualidades analíticas e de síntese, ele criou seu próprio
sistema ilosóico e de política positivista ao aproveitar tudo o que foi proposto
por outros autores até então.
Segundo Comte, a anarquia que reinou na Europa depois da grande crise pro-
vocada pela Revolução Francesa se deu pelo fato de que os povos careciam de um
sistema universal de princípios. Seria necessário estabelecer, entre a população, a
harmonia necessária para cimentar uma ordem social comum, na qual os indiví-
duos pudessem desenvolver paciicamente suas atividades. É por isso que Comte se
propôs à missão de buscar um remédio, como se a desordem social fosse realmente
uma enfermidade e, tratou dessa questão de modo que fosse exatamente assim: um
cientista à procura da cura de uma doença; no caso, uma doença social.
Ele pensou ter encontrado uma nova Filosoia. As primeiras declarações sobre
essa nova ciência tornaram-se conhecidas por meio de vários ensaios publicados
entre 1816 e 1825. Nesse intervalo, ele estruturou uma série de ideias claramente
sistematizadas em seu famoso curso ensinado em Paris, que contou com a pre-
sença de intelectuais da época e que foi publicado entre 1830 e 1842, nos seis
volumes do Curso de Filosoia Positiva. O objetivo dessa nova ciência era:
1. Proporcionar – ao pensamento das pessoas como seres individuais e úni-
cos – um sistema de crenças para uniicar o espírito coletivo.
2. Estabelecer um conjunto coordenado de regras sobre crenças comuns de
determinado sistema a ser analisado.
53
3. Determinar uma organização política, que seria aceita por todos os indi-
UNIDADE 2

víduos. Ela responderia a todas as aspirações intelectuais e preceitos mo-


rais. É claro que um sistema de crença só pode ser aceito por todos, se for
baseado em um tipo de conhecimento incontestável. Por isso, essa nova
Filosoia Positiva, tenta ser, antes de tudo, uma teoria do conhecimento
que se recusa a admitir outra realidade que não os fatos e, nada além
disso. Ela deveria dedicar-se exclusivamente à investigação da realidade,
rejeitando todo conhecimento a priori e toda especulação metafísica.

Comte sintetiza essa ideia:


Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o
estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito
que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e isiológicos,
isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta
é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar
diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do
desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas
partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de
transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de
um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos,
foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na
Europa civilizada. O espírito desta ciência consiste, sobretudo, em
ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do
presente e a manifestação geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53).

Lei dos três estados

Augusto Comte acreditava que a sociedade passava por fases ou estados e que,
nesse sentido, atravessaria de um estado mais atrasado ou primitivo para um
mais avançado, como se houvesse uma linha de progresso entre o início e o inal.
O primeiro estado é o teológico. Aqui, a mente e os pensamentos são guiados
por conceitos religiosos. É um estado ictício, provisório e preparatório. Nele, a
mente procura as causas e os princípios das “coisas”, as mais profundas, longínquas
e inatingíveis. Existem três fases diferentes: fetichismo, no qual coisas são perso-
niicadas e a elas são atribuídas um poder mágico ou divino; politeísmo, em que
54
as atividades são removidas das coisas materiais para transferi-las a uma série de

UNICESUMAR
divindades, cada uma apresentando um grupo de poderes: águas, rios, lorestas
etc.; e monoteísmo, uma fase superior, na qual todos esses poderes divinos são
reunidos e concentrados em um chamado Deus.
Nesse estado, a imaginação predomina e corresponde à infância da humanida-
de. É também a disposição primária da mente, que recai em todas as épocas e apenas
uma evolução lenta pode fazer com que o espírito humano se separe dessa concep-
ção para passar para outra. O papel histórico do estado teológico é insubstituível.
O estado metafísico ou estado abstrato é essencialmente crítico e transitório.
É um estágio intermediário entre o estado teológico e o positivo. Nele, a busca é
pelo conhecimento absoluto. A metafísica tenta explicar a natureza dos seres, a sua
essência e as suas causas. Contudo, para isso, não recorre a agentes sobrenaturais,
mas a entidades abstratas. A mente, que outrora se preocupava com as questões
mais distantes, desta vez, aproxima-se cada vez mais das “coisas”. No estado anterior,
quando tudo se resumia a um conceito de Deus, aqui é a natureza, a grande entidade
geral que irá substituí-lo. Entretanto, esta unidade é mais fraca, tanto mental quanto
socialmente. O caráter do estado metafísico é, acima de tudo, crítico e negativo,
como uma preparação para a transição para o estado positivo; algo como uma
espécie de crise da puberdade no espírito humano antes de atingir a fase adulta.
O último é o estado positivo. Ele é real e deinitivo. Nele, a imaginação está su-
bordinada à observação. A mente humana adere às “coisas”. O positivismo busca ape-
nas os fatos e as suas leis, não as causas ou os princípios das essências ou substâncias;
atém-se ao que é positivo, àquilo que está posto ou deinido: é a ilosoia dos dados.
Renuncia ao que é inútil, tenta conhecer e se ixa apenas nas leis dos fenômenos.

Figura 2 - Positivismo: ciência, acima de tudo


55
Em síntese, a leis dos três estados do conhecimento busca demonstrar a evolução
UNIDADE 2

do pensamento humano. Parte das crenças religiosas passa pela metafísica até
atingir o seu ápice, com a verdade dos fatos, obtida por meio da observação e do
que é possível provar pelo método cientíico.

Estática e Dinâmica Social

Comte dividiu o objeto de estudo da Sociologia em duas grandes áreas: a


Estática Social e a Dinâmica social, termos sinônimos de ordem e progres-
so, respectivamente. É por meio desses dois elementos que o autor pretendia
compreender as dinâmicas da sociedade.
A Estática Social, ou teoria das instituições, como a denomina, destaca o
consentimento universal ou a ordem social em determinado momento. A So-
ciologia tenta encontrar as leis que regulam essa ordem, que depende de muitos
fatores, como a raça, o clima, os instintos dos indivíduos, mas, principalmente,
das ideias, tendo em vista que elas são as promotoras da mudança.
A sociedade funcionaria como unidade orgânica. Não é exatamente como um
organismo, mas se parece muito com ele. Os órgãos sociais são as instituições, sendo
os primordiais: a religião, a família, a educação e a política econômica. Instituições
são deinidas como as menores unidades sociais potencialmente autossuicientes.
Na sociedade, três tipos diferentes de forças agiriam simultaneamente: a mate-
rial, a intelectual e a moral. Seriam elas que proporcionariam dinâmica à estrutura
da sociedade. Essas forças ou esses poderes seriam baseados, respectivamente,
em força, razão e afeição. O poder material se concentraria nos ricos, o poder
intelectual nos sábios e o poder moral estaria com as mulheres. Os dois últimos se
combinariam para constituir apenas um poder, que, sob a qualiicação espiritual,
estaria destinado a modiicar o poder material.
A complexidade e a integração da estrutura social são baseadas na divisão do
trabalho, na qual existem relações de solidariedade, cooperação e subordinação,
com as variações determinadas pelas diferenças naturais dos indivíduos.
Em síntese, a Estática Social enfatiza o consentimento universal que as di-
ferentes partes que formam a ordem social têm entre si. Por isso, é importante
observar e descobrir as leis que regulam a ordem social, que está correlacio-
nada com a ordem do intelecto.

56
Émile Durkheim

UNICESUMAR
Émile Durkheim, nascido em 1858, na França, também veio de uma família de
origem judaica e foi ilósofo sociólogo e antropólogo. Seu trabalho mais inluente
para a formação da Sociologia diz respeito às regras do método sociológico (1895).

Regras do Método Sociológico

Comte, Marx e outros teóricos contemporâneos lançaram as bases para o de-


senvolvimento da Sociologia, mas em sua época, ela ainda não tinha o status de
uma disciplina formal nem estava elencada como disciplina nas universidades.
Ela precisava ganhar um lugar na academia, ao lado das Ciências Naturais. O
trabalho de Durkheim na França foi um avanço nesse sentido.
Inspirado no ambiente positivista e no progresso de Auguste Comte, Dur-
kheim propôs a implementação da abordagem positiva para o estudo racional
dos fenômenos sociais, abandonando o método especulativo ilosóico apoiado
na imaginação. Desejava analisar os fenômenos sociais a partir da perspectiva
das leis naturais. Para este pensador, a vontade humana não seria capaz de
modiicar a sociedade porque tem suas próprias leis, que só seriam descobertas
pela ciência. Apenas por meio do método sociológico seria possível ter uma
previsão cientíica e agir sobre ela no futuro.

Fato Social

A partir de sua abordagem positivista, ele propôs pensar a Sociologia em termos


equivalentes à Biologia, na qual procurava estabelecer uma analogia necessária
entre o vital e o social. O método sociológico deveria, portanto, imitar o biológico,
fundamentado em pura observação, experimentação e comparação. As diretrizes
do chamado monismo metodológico estavam presentes nesta perspectiva, o
qual defendia apenas um modelo cientíico válido para todas as disciplinas, o das
Ciências Naturais, que objetivava a constituição de leis ou as airmações gerais
de alcance abrangente pela observação e experimentação.
O próximo passo seria então, o de formular um primeiro programa de pesquisa
para a Sociologia como disciplina institucionalizada. Durkheim a organizou em três
57
partes principais: a) o debate com autores clássicos e contemporâneos; b) a ixação
UNIDADE 2

do objeto e método da Sociologia; e 3) sua aplicação prática para resolver as crises


sociais. Este pensador concebia a Sociologia como uma ciência de dimensão emi-
nentemente prática, capaz de diagnosticar males sociais e, portanto, de impedi-los
também, além de propor alternativas para o futuro, sob uma forma rigorosa de
acesso ao conhecimento, longe da Filosoia Social e de meros achismos metafísicos.
Como bom empirista que era, Durkheim atribuiu à Sociologia o estudo das
realidades, isto é, dos fatos sociais, buscando construir uma ciência factualista e
afastada de ideologias. Acreditava que, para esclarecer os fatos sociais, era neces-
sário abster-se e despir-se de todos os preconceitos e perspectivas pessoais, para
não inluenciar o resultado inal da pesquisa metodológica. A seguir, observe a
deinição do autor sobre fato social:


É fato social toda maneira de fazer, ixada ou não, suscetível de exer-
cer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, toda maneira
de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo
tempo, possui uma existência própria, independente de suas mani-
festações individuais (DURKHEIM, 2007, p.13).

De acordo com a sua deinição, para serem considerados fatos sociais, os eventos
da vida em sociedade deveriam ter, obrigatoriamente, três características: coerção,
exterioridade e generalidade. Por coerção, podemos entender que todo ser humano,
para viver em sociedade, precisa respeitar e seguir um conjunto de regras preestabe-
lecidas impostas pelo grupo social ao qual ele pertence, como se fosse uma pressão
coercitiva imposta ao indivíduo, mesmo que seja contra a sua vontade. Você não
pode fazer o que bem quer, não é verdade? Temos, em cada época, por exemplo, uma
forma própria de vestimenta. Na maio-
ria dos casos, submetemo-nos ao que
a moda do momento diz o que deve-
mos usar. Se não me visto dessa forma,
sou ridicularizado pelos demais. É um
tipo de punição por não estar vestido
como a maioria. Pois bem: quando os
homens se opõem a certas regras, sur-
gem as punições sociais para possibili-
tar a convivência harmoniosa mínima.
Figura 3 - Apontamentos surgem quando
não nos submetemos às regras sociais
58
A exterioridade é a segunda característica do fato social. Nela, constrói-se a

UNICESUMAR
ideia de que existem realidades que se manifestam fora das consciências indivi-
duais. Situações que estavam além do pesquisador, que lhe eram impostas desde
o mundo material, antes de seu nascimento, e próprias da consciência comum
ou coletiva. Existem, portanto, fatos que não dependem da nossa consciência ou
atitude individual, simplesmente são exteriores a nós e não temos como interferir
para que desapareça. Por exemplo: quando nascemos, já temos ao nosso redor
uma estrutura de dinâmicas sociais que estava ali antes mesmo de nascermos.
Quando começamos a estudar, toda a estrutura educacional já está formada.
Entramos na pré-escola, depois seguimos para o ensino fundamental, ensino
médio, faculdade, especializações e tudo isso já estava funcionando de acordo
com as suas próprias estruturas. Não há como fugir.
Na generalidade, nota-se que o fato social precisa ter uma representação cole-
tiva. Para que seja analisado com a regra do método cientíico de Durkheim, o fato,
para ser social, precisa, necessariamente, apresentar uma forte representatividade
no grupo. Além disso, ele se repete em todos os indivíduos porque lhes é imposto.

Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica

De acordo com Durkheim, Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica


são conceitos relacionados à divisão do trabalho nas sociedades. Nesse sentido,
são teorias sobre o modo de como os sistemas de colaboração e cooperação são
estabelecidos entre os indivíduos de acordo com as necessidades e capacidades
de cada um. A partir dessa teoria, Durkheim buscou explicar como a divisão do
trabalho é a principal fonte de solidariedade social nas comunidades.
A Solidariedade Mecânica é aquela que ocorre em sociedades com pouca
ou nenhuma divisão no trabalho, nas quais as funções são geralmente as mesmas
para todas as pessoas, independentemente de seu estado ou de sua condição
social. Nesse sentido, os vínculos de cooperação e colaboração são estabelecidos
entre os indivíduos para a realização de tarefas ou o cumprimento de objetivos
que não demandam capacidades especiais. Por isso, é o tipo mais primitivo de so-
lidariedade, que normalmente acontece em contextos rurais e familiares, apoiado
em um sentimento de união, produto do senso de igualdade entre os indivíduos
e de uma comunidade de crenças e sentimentos.

59
A Solidariedade Orgânica é aquela que acontece nas sociedades que têm
UNIDADE 2

divisão acentuada do trabalho. Portanto, é característico das sociedades capi-


talistas modernas, em que os indivíduos se especializam em diferentes tarefas
e conhecimentos, o que gera uma rede de interdependências na qual todas as
pessoas precisam dos serviços ou conhecimentos dos outros. Nesse sentido, a soli-
dariedade orgânica estabelece um sistema de relações funcionais, quando os laços
de cooperação entre os indivíduos são produzidos com base nos conhecimentos
e nas soluções que cada um pode proporcionar para as necessidades do outro.

Anomia

A organização de um grupo social é apresentada com uma grande relevância para


as Ciências Sociais e, em particular, para a Sociologia. Suas características afetam
diretamente o modo como os indivíduos desenvolverão suas vidas, as regras que
terão de respeitar e os costumes que devem continuar para não se sentirem excluídos.
Muito tem sido escrito em relação à organização da sociedade e à manei-
ra como afeta a vida dos indivíduos. Durkheim airmou que a sociedade é a
responsável por integrar os indivíduos que dela fazem parte e por regular seus
comportamentos a partir do estabelecimento de certas normas e padrões. O autor
argumentou que, se a sociedade cumpre isso adequadamente – tanto a comuni-
dade quanto cada um de seus membros –, alcançará uma ordem estável que lhes
permitirá desenvolver-se de forma plena. Quando isso não acontece, a sociedade
cai em uma situação de anomia, ou seja, perde a força para regular e integrar
indivíduos, e por conta disso, muitas consequências adversas podem ocorrer,
como o suicídio, amplamente estudado por este autor.
O trabalho de Durkheim sobre a modernidade, contexto no qual a anomia é
apresentada, exibe várias posturas. Em alguns casos, o autor considera a moder-
nidade como uma fonte de riqueza e interdependência, para que os indivíduos
possam desenvolver-se plenamente. Em outros, ao contrário, considera esse tem-
po de maneira negativa, pois a diversidade pode gerar angústia e preocupação,
além de ser marcada pela subjetividade e pela incerteza.
Durkheim deiniu a sociedade como o conjunto de sentimentos, ideias,
crenças e valores que surgem da organização individual. Segundo o pensador,
essa sociedade cumpre duas funções: a de integrar os indivíduos entre si e a de

60
regular as relações entre eles. Quando a segunda não é exercida adequadamente,

UNICESUMAR
os indivíduos se encontram em uma situação de anomia, o conceito que ocupa
papel central em seu trabalho.
O autor fez uma análise da transformação da sociedade como consequência
da mudança do modelo econômico e produtivo, isto é, da chegada do capitalismo
e da industrialização. A sociedade da modernidade parece marcada por uma
grande variedade de interesses, crenças e pensamentos, assim como pela divisão
do processo produtivo. Nessa perspectiva, a anomia se refere à ausência de um
conjunto de regras que governam as relações entre as diversas funções sociais, que
se tornam provenientes da divisão do trabalho e da especialização, características
da modernidade. Dado que essa transformação foi rápida e profunda, a sociedade
passa por uma crise de transição devido ao fato de que os padrões tradicionais de
organização e regulação foram deixados para trás e não houve tempo suiciente
para outros acordos e regras surgirem com as novas necessidades apresentadas.
No decorrer da sua obra, o autor argumentou que as duas situações em que
há sinais claros de anomia estão na esfera econômica e na que advém da situação
conjugal. Ambas são as que mais contribuem para a taxa de suicídios, segundo
a teoria durkheimiana. Em relação à primeira área (econômica), a anomia é de-
rivada, como se argumenta na Divisão Social do Trabalho – livro lançado em
1893 –, pela mudança acelerada nos sistemas produtivos. As normas, que antes
serviam para organizar o grupo, tornaram-se obsoletas e não foram substituídas
por outras capazes de responder adequadamente às novas condições.
A ausência de regras representa um problema sério (por não haver limites
para que os indivíduos suponham alcançar qualquer coisa que desejem), o que
gera alto grau de frustração ante a não realização de suas expectativas.
Por conseguinte, Durkheim também apontou uma anomia conjugal, que tem
a ver com o enfraquecimento do casamento, como aconteceu com o restante das
instituições sociais. Para ele, o casamento é uma fonte de estabilidade, especialmente
para o homem que, segundo ele, é dominado, desde cedo, por desejos e paixões. Ao
contrair o casamento, o homem entra em uma instituição que coloca limites em
suas ações, dá-lhe a estabilidade e a ordem que até aquele momento lhe faltavam.
Todavia, o casamento tem efeito oposto para a mulher. Esta não é dominada
pelas paixões características do homem e, portanto, não é necessário que uma
instituição lhe imponha limites, ao contrário, o casamento é apresentado como
uma forma de regulamentação excessiva que a faz sentir-se presa e frustrada.

61
UNIDADE 2

Figura 4 - Para Durkheim, o casamento é uma forma de regulamentação

Se as regras da moral conjugal estão enfraquecidas, conforme têm acontecido


com a transformação das instituições sociais tradicionais, os deveres pelos quais
os cônjuges estão sujeitos uns aos outros serão menos respeitados. As paixões
e os apetites que esta instituição da moralidade regula serão desequilibrados
devido à falta de regulação. Os envolvidos, incapazes de apaziguar-se, sofrerão
desencanto e, com isso, a taxa de suicídio aumentará. O homem, acima de tudo,
deixará de sentir-se satisfeito com a mulher que tem ao seu lado e as paixões que
tinha, quando solteiro, reaparecerão.
Como podemos observar, a anomia é, para Durkheim, um mal crônico que se
caracteriza pela falta de limites às ações individuais, seja porque não existem regras
que as regulam, seja porque não há forças coletivas capazes de sustentá-las como tal.

Suicídio

Durkheim lidou com o suicídio como fato social. Isso quebra a tendência tra-
dicional de considerá-lo como fenômeno estritamente individual e, portanto,
apenas como objeto da psicologia ou da moralidade.
Para chegar a essa conclusão, o autor trabalhou com a taxa anual de suicídio,
que existe em vários países europeus desde a década de 60 do século XIX. Ao
analisar essas taxas, notou que estas tendiam a permanecer constantes ou com
pequenas mudanças durante longos períodos de tempo. Ele também percebeu
que a taxa de suicídio difere entre países e entre comunidades sociais.

62
UNICESUMAR
explorando Ideias

A primeira causa de morte por atos de violência no mundo não são os acidentes de trân-
sito, os homicídios nem os conlitos armados, mas o suicídio. Esse dado desconcertante
foi revelado em outubro de 2002, em Bruxelas, numa reunião da Organização Mundial de
Saúde (OMS) para divulgar as conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde.
As mortes por suicídio aumentaram 60% nos últimos 45 anos, segundo a OMS. Quase um
milhão de pessoas se mata todos os anos – em um universo até 20 vezes superior de ten-
tativas. Na maioria dos países desenvolvidos, a violência autoinligida é a primeira causa
de morte não natural. No Brasil, ela ocupa a terceira posição – aqui as taxas de mortalida-
de por acidentes de trânsito e homicídios estão entre as maiores do mundo.
Fonte: Christante (2010, p. 33-35).

Ele dá o exemplo de como havia menos suicídios na comunidade católica, com-


parados às comunidades protestantes. Contudo, entre os judeus, as taxas eram
ainda menores do que entre os católicos. A partir disso, deduziu que o suicídio
é, antes de tudo, um fato social e que as suas causas são sociais e não individuais
ou puramente psicológicas, como era explicado até aquele momento. Durkheim
propôs identiicar as diferentes causas sociais do suicídio. A partir disso, distin-
guiu quatro tipos de suicídio, de acordo com os resultados estudados. São eles:
• Suicídio egoísta: acontece quando os laços sociais são muito fracos. Na
ausência da integração na sociedade, o suicida realiza sua vontade de
cometer suicídio pelo sentimento de não pertencimento à sociedade. Seu
individualismo excessivo, produto da desintegração social, não permite
que ele se perceba como indivíduo social que é.
• Suicídio altruísta: é exatamente o oposto do tipo egoísta ou individua-
lista. O suicida se sente “demasiadamente integrado”, pois as relações e os
laços são muito fortes. Durkheim dá o exemplo de povos primitivos, em
que os idosos deveriam cometer suicídio (quase que obrigatoriamente)
quando não podiam mais defender-se sozinhos. Suicidavam-se pelo gru-
po. Os kamikazes japoneses e os homens-bomba são exemplos desse tipo.
É também chamado de suicídio heroico.
• Suicídio anômico: ocorre em sociedades cujas instituições e os vínculos
de convivência estão em situação de desintegração ou anomia. Esse tipo
de suicídio ocorre em sociedades em que os limites sociais e naturais são
mais lexíveis, isto é, quando há falta de regulação social.

63
• Suicídio fatalista acontece quando as regras às quais os indivíduos são
UNIDADE 2

submetidos são excessivamente opressoras. O indivíduo prefere a pos-


sibilidade de abandonar a situação em que se encontra. É exatamente o
oposto do tipo anômico.

Esses quatro modelos suicidas, na realidade, conforme Durkheim aponta, estão


relacionados entre si, criando tipos compostos que explicam os diferentes casos.

Karl Marx

Karl Marx nasceu em 1818 na Prússia, então rei-


no alemão, em uma família de origem judaica, de
classe média alta e educada. Posteriormente, seu
pai se converteu ao luteranismo. Foi economis-
ta, ilósofo, jurista, jornalista, pensador socialista
e militante comunista. Ele nunca se considerou
um sociólogo proissional, embora buscasse
compreender cientiicamente a sociedade e a for-
ma pela qual a mudança social acontecia. Dois de
seus trabalhos mais importantes no desenvolvi-
mento sociológico foram: Contribuição à Crítica
da Economia Política (1859) e O Capital (1867).
Figura 6 - Karl Marx

Marxismo

Chamamos de marxismo o conjunto de ideias políticas, econômicas e ilosóicas


que nascem com o trabalho de Karl Marx. É uma doutrina ou um corpo ideológico
que dialoga com as três fontes ideológicas mais avançadas da Europa do século XIX:
o socialismo francês (Saint-Simon, Fourier, Proudhon), a ilosoia clássica alemã
(Feuerbach, Hegel) e a economia política inglesa (David Ricardo, Adam Smith).
Friedrich Engels chamou o marxismo ou o comunismo de “socialismo cien-
tíico”, para diferenciá-lo dos socialismos pequeno-burgueses ditos “moderados”,
do socialismo utópico francês ou do socialismo anarquista. Hoje, faz parte da
ideologia dos principais movimentos trabalhistas de todo o mundo.
64
Marx criticou todos os ilósofos antes dele, que se limitaram a apenas inter-

UNICESUMAR
pretar o mundo, quando deveriam contribuir para sua transformação. No ideário
comunista, é nítido o fato de que não basta fazer perguntas sobre a realidade
para entendê-la. É preciso transformá-la. É vital que a classe trabalhadora e, es-
pecialmente, o aluno e os jovens que começarão a trabalhar, mantenham atitude
de lutar com espírito internacionalista e tenham a formação política necessária
para fazer uma crítica contundente ao sistema capitalista.
O movimento comunista não emergiu de Marx, mas do movimento proletário
do século XIX. Marx morreu em plena atividade pela busca do seu ideal político. Isso
signiica que devemos considerar todos os outros autores que contribuíram para o
marxismo – como Engels, Lenin, Trotsky, Rosa de Luxemburgo, Ernesto Guevara
e Antônio Gramsci). Por isso, o movimento não deve ser aceito como um dogma
inlexível, mas usado para analisar a realidade em constante transformação. Além
disso, o marxismo pode ter a sua teoria ressigniicada pelas conclusões que a classe
trabalhadora extrai das suas novas condições materiais de trabalho, dos movimentos
emancipatórios das mulheres, das raças e das comunidades oprimidas, entre outros.

Materialismo Histórico

Karl Marx concebeu a História a partir de uma visão materialista. Isto é, ele con-
siderou que tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não poderiam
ser entendidas por si mesmas ou pela evolução geral do espírito humano, mas
considerando suas raízes nas condições materiais da existência, isto é, nas forças
produtivas – os instrumentos tecnológicos de trabalho, as habilidades laborais e,
principalmente, o sujeito social que exercia o trabalho sobre a natureza e a socie-
dade – e nas relações sociais de produção – os vínculos sociais que se estabeleciam
entre os seres humanos para produzir e reproduzir sua vida material e cultural, e
que, no modo de produção capitalista, expressavam a contradição antagônica entre
os detentores dos meios de produção e os detentores da força de trabalho.
Assim, as causas de todas as transformações históricas não foram encontra-
das nas mudanças no campo das ideias dos seres humanos, nem foram primor-
dialmente mudanças políticas, mas giraram sempre em torno do poder social
e econômico das classes. Essas, por sua vez, nasceram e existiram a partir das
condições materiais em que a sociedade de uma época produziu e mudou o que
era necessário para o seu sustento.
65
Essas forças produtivas e as relações de produção pertenciam a um cer-
UNIDADE 2

to modo de produção de determinada época, e se encontravam inseridas na


estrutura econômica ou na sociedade civil. Todas as outras questões, tanto
ideológicas (visões de mundo e cultura) quanto políticas (leis, instituições go-
vernamentais e poder coercitivo), pertenciam ao âmbito da superestrutura
ideológico-política, que estava condicionada e a serviço das necessidades de
reprodução da estrutura material econômica.
Qualquer produto fabricado pelo homem é o resultado da combinação de
três elementos: o objeto do trabalho que é, direta ou indiretamente, uma maté-
ria-prima produzida pela natureza; o instrumento de trabalho, que é um meio
de produção mais ou menos desenvolvido e criado pelo homem (dos primeiros
tacos de madeira e machados de pedra esculpida às máquinas automáticas mais
reinadas de hoje); e o sujeito do trabalho, isto é, o trabalhador. Como o trabalho
é sempre, em última instância, social e não individual, o sujeito do trabalho está
inevitavelmente embutido nas relações sociais de produção.
Embora o objeto e o instrumento de trabalho sejam elementos imprescindí-
veis em toda a produção, as relações sociais de produção não podem ser concebi-
das de maneira “reiicada”, ou seja, não devem ser vistas como se fossem relações
entre coisas, ou entre homens e coisas. As relações sociais de produção dizem
respeito às relações entre os homens e somente isso. Elas reúnem o conjunto de
relações que os homens constroem na produção de sua vida material.
Cada sociedade de determinado país, em um dado momento, é sempre ca-
racterizada por um conjunto de relações de produção. Uma sociedade sem este
conjunto, seria um país sem trabalho ou produção de materiais, isto é, um país
sem habitantes ou sociedade. Entretanto, cada conjunto de relações sociais de
produção não implica necessariamente na existência de um modo de produção
estabilizado, nem a homogeneidade dessas relações.
Em períodos históricos de profundas transformações sociais, podemos reco-
nhecer conjuntos de relações de produção que não têm a natureza de um modo
de produção estabilizado. Um exemplo típico é o período de predominância da
pequena produção de mercadorias (séculos XV-XVI), em que nem as relações
entre servos e senhores prevalecem, nem a de capitalistas e produtores assala-
riados. Prevaleceu, neste momento, a relação dos produtores livres que tinham
acesso direto aos meios de produção.
Marx fez uma análise profunda da estrutura e do desenvolvimento do ca-
pitalismo, oferecendo uma nova teoria da sociedade e mudança social. Como
66 intelectual revolucionário, desenvolveu uma busca teórica para fundamentar uma
prática de transformação revolucionária da sociedade, buscando integrar teoria

UNICESUMAR
e prática. Sua obra se caracteriza como uma ruptura com os escritos ilosóicos
até aquele momento, pois se limitaram a apenas interpretar o mundo quando, na
verdade, ele precisava ser transformado.

Luta de classes

No decorrer da história, sempre houve confronto entre as classes. Nas sociedades


escravistas (Grécia e Roma na Antiguidade), os proprietários livres e os escravos
tinham uma relação antagônica. No seio da sociedade do Estado feudal, o con-
fronto foi estabelecido entre nobres e eclesiásticos, por um lado, e servos, por
outro. Marx não se gabava de ter descoberto o conceito de classes sociais, apenas
o considerava inserido nas relações de trabalho:


Não me cabe o mérito de ter descoberto a existência das classes na
sociedade moderna ou a luta entre elas. Muito antes de mim, alguns
historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento históri-
co desta luta de classes e alguns economistas burgueses a anatomia
econômica das classes. O que eu iz de novo foi demonstrar: 1) que a
existência das classes está ligada apenas a determinadas fases históri-
cas do desenvolvimento da produção, 2) que a luta de classes conduz
necessariamente à ditadura do proletariado, 3) que esta mesma dita-
dura constitui tão somente a transição para a abolição de todas as clas-
ses e para uma sociedade sem classes (MARX; ENGELS, 2016, p 33).

Figura 8 - Trabalhadores em greve 67


A revolução teria como objetivo alcançar uma sociedade perfeita, na qual não
UNIDADE 2

haveria exploradores nem explorados. Para isso, a abolição da propriedade priva-


da, ou seja, a socialização dos meios de produção, será imprescindível, evitando
a mera substituição dos antigos proprietários por novos.

Mais-valia

Em suma, mais-valia signiica o excedente de trabalho não pago e que os bur-


gueses se apropriam. Esse valor poderia ser deinido como trabalho não pago ao
trabalhador, o qual permanece nas mãos do capitalista, que tem, na mais-valia, a
base da sua acumulação monetária.
Para entender a noção de mais-valia, devemos levar em conta que cada mer-
cadoria tem o seu preço correspondente, que está relacionado ao tempo de tra-
balho necessário para sua produção. A força de trabalho também é considerada
pelo marxismo como uma mercadoria, cujo valor está ligado ao custo para que
o trabalhador possa subsistir.
A apropriação de mais-valia é a exploração pelo capitalismo. De acordo com
Marx, o capitalista pode aumentar o nível de exploração por meio da maximiza-
ção da mais-valia absoluta (estender a jornada de trabalho, mantendo o mesmo
salário) ou da mais-valia relativa (investe em tecnologia para reduzir o tempo
de produção sem aumentar o salário).
Este conceito é essencial para compreender as relações sociais na perspectiva
marxista, gera tensão e oposição entre as classes.

Max Weber

Considerado por muitos como um dos fundado-


res da Sociologia moderna, juntamente com Karl
Marx e Émile Durkheim, o sociólogo e historia-
dor alemão Max Weber, nasceu em 21 de abril de
1864 em Erfurt, Alemanha. Filho de um oicial
rico e liberal e uma mãe calvinista e religiosa, sua
vida transitou entre o mundo acadêmico e a polí-
tica em uma época em que a Alemanha, a Europa Figura 9 - Max Weber
68
e o mundo todo estavam em plena ebulição: testemunhou o nascimento do Im-

UNICESUMAR
pério Alemão em 1871 e sua extinção em 1918 após a Primeira Guerra Mundial.
Do mesmo modo, ele viveu o apogeu da expansão territorial europeia na África
e na Ásia e a Segunda Revolução Industrial.
Como um grande observador das inovações de seu tempo, ele concentrou
seu trabalho em duas mudanças cruciais: o nascimento de estados-nações mo-
dernos baseados em uma burocracia proissional e a expansão do capitalismo
ocidental em todo o mundo.
Weber defendia que a Sociologia não poderia tornar-se uma ciência exata
comparável à matemática ou à física, uma vez que os princípios nos quais ela se
baseava eram humanos, portanto suscetíveis de serem subjetivos e não objetivos.
Da mesma forma, Weber desenvolveria o que mais tarde seria conhecido
como “individualismo metodológico”, assegurando que apenas indivíduos, igual-
mente suscetíveis à subjetividade, são agentes ativos. Seu método e o problema
da modernidade levaram Weber a explorar as relações entre a produtividade
econômica e o contexto cultural da sociedade.

Ação social

De acordo com Weber, ação é entendida como um comportamento humano


em que o indivíduo, ou indivíduos, que o produzem o estabelecem com um
sentido subjetivo. Para a Sociologia, a ação social se refere, de maneira geral, a
uma conduta individual orientada pelas ações do outro, que podem acontecer
no presente ou no futuro próximo. Ela só se realiza quando há uma intenção de
relacionamento entre um ser humano e outro. Por exemplo: comprar um carro
a partir da opinião de outra pessoa.
Para deinir diferentes tipologias de ação social, Weber enfatizou a indisso-
ciabilidade entre a sociedade e os fatores culturais que a afetam. A metodologia
para classiicar os tipos de ação parte de um princípio que se baseia nas causali-
dades culturais, que supõem a previsibilidade das ações: 1. A ação racional com
relação a ins; 2. A ação racional com relação aos valores; 3. A ação afetiva; 4. A
ação tradicional. Cada tipo de ação ou comportamento emitido pelo indivíduo
parte de valores, objetivos propostos e valores e meios que ele possui.
1. A ação racional com relação a ins – agir racionalmente de acordo com
os ins desejados. Nesta ação, os meios são racionalmente calculados para
69
serem atingidos. Por exemplo: o aluno terá uma prova. Ele usa o estudo
UNIDADE 2

como meio racional para tirar uma boa nota.


2. A ação racional com relação aos valores – é uma ação advinda de cren-
ças em valores individuais adquiridos ao longo da vida e dos contextos
sociais e culturais vividos. Não é o im que orientará a ação. Por exemplo:
minha religião airma que tenho que casar virgem.
3. A ação afetiva – determinada por afetos e estados sentimentais atuais.
Por exemplo: encontro um(a) amigo(a) e o(a) encontro(a) abraçá-lo(a),
movido pelo sentimento afetivo da saudade.
4. A ação tradicional – determinada por costume, tradição e hábito forte-
mente enraizado. Por exemplo: todos os domingos, almoço macarronada,
porque meus pais sempre izeram assim.

A ética protestante e o espírito do capitalismo

O livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904-1905) é uma das


obras mais conhecidas de Max Weber. Nesse estudo, o autor elaborou a argumen-
tação de que os valores presentes na religião protestante inluenciaram grande-
mente o desenvolvimento do capitalismo no mundo ocidental.
É uma característica do pensamento de Max Weber a crítica à concepção
materialista da história. Para o sociólogo alemão, não são apenas os interesses
econômicos que determinam a evolução histórica, o movimento das classes e as
grandes correntes sociais. Os fatores psicológicos e religiosos são muito impor-
tantes na sociedade e inluenciam diretamente a dinâmica social. A partir dessa
ideia, Weber passou a olhar, na história das religiões, as concepções que favorece-
ram ou frearam o desenvolvimento do capitalismo, e chegou à conclusão de que
este é herdeiro do calvinismo e do puritanismo, ou seja, de correntes originadas
na Reforma Protestante, cujo pensamento predominante era de que a salvação
viria por meio de uma incessante atividade moral e material.
Embora o reformador João Calvino tivesse adotado as ideias essenciais de
Lutero em sua juventude (negação da autoridade papal, livre interpretação da Bí-
blia e salvação pela fé), logo surgiram discrepâncias doutrinárias, particularmen-
te no que dizia respeito à predestinação. Na teologia calvinista – que prevaleceria
com algumas variações em vários países da Europa central, do norte e entre os
puritanos ingleses, dos quais a emigração e o puritanismo americano prossegui-
70
ram –, a onisciência divina conhece o destino

UNICESUMAR
de todo homem. O ser humano é salvo não
por suas boas obras, mas porque foi escolhido
por Deus para esse destino. Por conseguinte,
boas ações são também um comportamento
previsto por Deus, de modo que os homens
destinados à salvação também estão destina-
dos a levar uma vida correta e justa: “A fé sem
obras é morta” (Tg 2, 14-26) (BÍBLIA, 1969).
Essa doutrina teve um efeito profunda-
mente moralizante entre os iéis, que, de algu-
ma forma, esforçaram-se para alcançar uma Figura 11 - João Calvino

integridade moral absoluta,a qual lher permitia supor que estavam entre o grupo
dos escolhidos para a salvação. O trabalho é supervalorizado como instrumento
de Deus para dar dignidade humana. A vida boêmia, com gastos, bebidas e pros-
tituição, é tratada como pecado e, por isso, não deve ser praticada pelos protes-
tantes. Com isso, conseguem destinar o dinheiro para outro im ou, até mesmo,
guardar, o que, para Weber, era sinal de um princípio de acumulação de riquezas.
Para os calvinistas e puritanos, impulsionados especialmente por dar a todos
os valores humanos um signiicado sagrado e obter, a partir daí, a conirmação de
da escolha para a salvação por meio da fé, o trabalho e sua organização racional
tornaram-se ordem divina. Na verdade, o trabalho, para o calvinista, é uma fé e
uma missão que precisa ser executada como planos da vontade celestial. Dedi-
cado ao trabalho e aos negócios, o homem organiza e racionaliza o trabalho e a
produção, enriquece a vida humana e interpreta sua vitória comercial da mes-
ma forma que suas realizações no aperfeiçoamento moral: uma conirmação da
escolha de Deus, tanto para a própria salvação quanto para toda a sua família.
O objetivo não é a acumulação de capital nem a satisfação e a alegria que pode
produzir, mas, sem ser um im em si mesmo, esse objetivo guia a organização da
vida. O trabalho do homem de negócios moderno, portanto, tem fundamento re-
ligioso. A organização e a disputa comercial estão intimamente ligadas a uma visão
de mundo segundo a qual os melhores, ou seja, os eleitos, organizam-se, produzem
e enriquecem, enquanto os outros, os não eleitos, perdem fatalmente suas batalhas.
Com essas conclusões, a vida social e econômica é revelada, na ilosoia de
Weber, como determinada por elementos irracionais e imprevisíveis, e a história
se manifesta como um processo muito mais complexo do que o descrito pelo
71
marxismo, no qual a luta de classes é considerada como a origem e o motor da
UNIDADE 2

história. Dentre os diversos sistemas econômicos, como o capitalismo, a visão


da vida e os fatores psicológicos têm importância predominante na vida da
sociedade. Até o próprio capitalismo pode ser entendido como uma religião –
a religião da atividade e da vitória – tipicamente ligada à concepção ocidental
de vida. O seu oposto não seria tanto o espírito proletário e comunista, mas o
espírito de renúncia e de contemplação.

Dominação, obediência e legitimidade

Os três mecanismos utilizados pela autoridade política são: domínio, obediência e


legitimidade. A submissão não é alcançada por uma violência explícita, mas pela
adesão dos indivíduos. Ela não pode ser explicada sem recorrer a mecanismos
como a fascinação pelo poder. A ritualização deste, a aceitação inquestionável
da sua legitimidade e a persuasão são crenças sem as quais Estado algum pode
sobreviver e precisam ser amplamente divulgadas.
A dominação é uma construção social e, por isso, estudar os mecanismos de cria-
ção de obediência ou de docilidade é essencial em qualquer teoria do poder. A relação
de forças desiguais (lembre-se que toda a ação social é uma relação social) teria que
diicultar o estabelecimento de uma ordem social, e, ainda assim, esta existe porque
mecanismos foram utilizados para torná-la não apenas legítima, mas até mesmo
desejável para os seres humanos. É, por isso, que a análise das condições da produção
da crença na legitimidade é um elemento básico no trabalho de Weber, visto que
demonstra como a dominação gera obediência e a obediência gera legitimidade.
Para Weber, dominação é


[…] um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta (man-
dato) do dominador ou dos dominadores inlui sobre os atos de
outros (do dominado ou dominados), de tal sorte que em um grau
socialmente relevante estes atos têm lugar como se os dominados
tivessem adotado por si mesmos e como máxima de sua ação o
conteúdo do mandato (obediência) (WEBER, 1994, p. 699).

72
Há, de acordo com a classiicação estabelecida por Weber, três tipos ideais de legiti-

UNICESUMAR
midade e dominação, sendo que, cada uma, gera seu próprio nível de racionalidade:
dominação tradicional, dominação carismática e a dominação racional-legal.
• Dominação tradicional é a aquela que se baseia na crença na santidade
da tradição e daqueles que dominam em seu nome.
• Dominação carismática se baseia na crença de que um indivíduo possui
alguma habilidade ou característica que o faz “especial”.
• Dominação racional-legal é aquela que ocorre nos Estados modernos.
É a expressão da racionalização: formal, baseada em procedimentos, pre-
visível, calculável e burocrática.

A burocracia é, para Weber, o pilar fundamental do Estado Moderno de direito,


pois cumpre um papel racional. Se existe um estado de direito, deve haver neces-
sariamente uma burocracia que dê signiicado e estrutura organizacional à lei.
Essa é a igura do burocrata. Se a lei é abstrata, impessoal e igualitária, o burocrata
deve ser exatamente assim também. O burocrata, separado de todos os interesses
pessoais, recrutado por um procedimento objetivo baseado na qualiicação e no
mérito, é, portanto, o instrumento efetivo da lei.
Todos os sistemas organizacionais eicazes são baseados na burocracia: o
Estado, a empresa e até as Igrejas (o sacerdote não deixa de ser o burocrata da fé).
Sem burocracia, não há racionalização nem sociedade baseada na lei. Assim, o
ethos burocrático (racionalidade e impessoalidade) permeia as sociedades mo-
dernas. A burocratização é a nova servidão, pois é a servidão da lei.

Desencantamento do mundo

Com a crescente racionalização, o ser humano moderno deixa de acreditar em


poderes mágicos e superstições. Com isso, passa a viver em um mundo desen-
cantado. O que Weber chama de “irracionalidade ética do mundo” vem do an-
tagonismo dos valores ligados à intuição especulativa e da realidade, tal qual é
apresentada. O mundo moderno experimenta grande diiculdade em produzir
novos deuses ou novos valores.

73
O pensador estava convencido de que a racionalidade instrumental de nossa
UNIDADE 2

era técnica, ou seja, o processo de racionalização que elimina o mistério da exis-


tência e nos faz sentir capazes de dominar tudo por meio da ciência, não conseguia
acalmar a ansiedade humana – de encontrar um signiicado transcendente para a
vida. Certamente, o avanço do conhecimento cientíico produziu desencantamen-
to sistemático do mundo. Todavia, com isso, ele não destruiu o mistério, pois se
refugiou em outros níveis da realidade, dos quais emerge com força renovada em
termos de reivindicação moral, segundo a qual a vida deve ter signiicado superior.

Sociologia Contemporânea

Pierre Bourdieu

Foi um dos sociólogos mais relevantes da segunda metade do século XX. Suas
ideias são de grande relevância tanto na teoria social quanto na Sociologia empí-
rica, especialmente na Sociologia da cultura, educação e estilos de vida. Sua teoria
se destaca como uma tentativa de superar a dualidade tradicional da Sociologia
entre estruturas sociais e objetivismo, por um lado, contra ação social e subjeti-
vismo, por outro. Para isso, está equipado com dois novos conceitos, o habitus e
o campo, além de reinventar o termo capital, já estabelecido.
De acordo com o sociólogo francês, as pessoas acumulam, lutam e compe-
tem pela distribuição de diferentes recursos para ter uma posição melhor na
sociedade. Segundo Michel Foucault, ilósofo também francês, existem três tipos
de capital, cada um deles com uma lógica especíica. Podemos deini-los como:
Capital econômico (que se mede e acumula em objetos e dinheiro); Capital
social (refere-se à inluência, capacidade de ativação e mobilização social); e Ca-
pital cultural (são os conhecimentos e objetos acumulados, que nos permitem
demonstrar externamente nosso nível cultural).
De todo o seu trabalho, ele elaborou conceitos controversos que foram ques-
tionados por seu determinismo. Foucault, por exemplo, sustenta que a escola
reproduz diferenças familiares, sociais e de classe, porque seleciona e legitima
aqueles que são culturalmente mais dotados, em virtude da sua origem familiar.
Nesse sentido, a escola funciona como um mecanismo de mobilidade social,
mas também de marginalização e discriminação. Tudo isso está relacionado
74
à airmação de Bourdieu sobre o status social da classe média, que ele acredita

UNICESUMAR
ser baseado em recursos extraídos do sistema educacional, portanto, a principal
capital da classe média é a cultural.
Para Bourdieu, todos os capitais tendem a converter-se em capital econômico.
Em contrapartida, o capital social fornece vínculos sociais e prestígio derivado
do prestígio alheio, o qual gera o sentimento de pertencimento. O capital social
acumula-se de maneira coletiva, mas de forma altamente seletiva e exclusivista.
A distribuição dos diferentes tipos de capital resulta na criação dos mapas, em
que cada indivíduo e cada grupo serão colocados em uma posição diferente em
relação ao tipo e à quantidade de capital que possuir.
Algo importante a ser lembrado, em Bourdieu, é que, para ele, não há poder
global que domine toda a sociedade, porque a sociedade está inserida em uma
multiplicidade de pequenas lutas de poder em campos diferentes, nos quais os
capitais são distribuídos de acordo com as suas próprias regras. Além disso, in-
divíduo não aprende as regras, mas as incorpora. Ele as possui em seu corpo
pelas práticas cotidianas e habituais. Práticas diárias serão aquelas disposições
incorporadas à ação, que norteiam nossas decisões e, para Bourdieu, são cha-
madas de habitus. O habitus é um processo pelo qual a cultura é reproduzida e
determinados valores e comportamentos são naturalizados.
Segundo o sociólogo francês em questão, a naturalização do mundo social é
funcional a uma forma de dominação baseada na violência simbólica exercida
por quem as recebe, pois são eles quem a internalizaram como característica de
sua própria identidade. Em suma, pensar na ideia de violência simbólica implica
necessariamente pensar no fenômeno de dominação nas relações sociais, espe-
cialmente sua eicácia, seu modo de operação e a base que a torna possível.
A forma paradigmática da violência simbólica é, para o autor, o fenômeno da
dominação masculina, que, longe de ser apenas uma violência exercida pelos ho-
mens sobre as mulheres, é um processo complexo de dominação que afeta os agen-
tes, independentemente do sexo. Formas e fenômenos de violência e dominação
simbólicas podem ser encontrados nos mais diversos eventos sociais e culturais: na
esfera da linguagem, no campo educacional, em múltiplas classiicações sociais etc.
Com a expressão “violência simbólica”, Bourdieu pretende enfatizar a maneira
como os dominados aceitam sua própria condição de dominação como legítima.
O poder simbólico não usa violência física, mas violência simbólica. É um poder
legitimador que desperta o consenso dos dominadores e dos dominados, pois
supõe a capacidade de impor a visão legítima do mundo social, suas divisões e a
75
capacidade de impor os meios para entender e adaptar-se ao mundo social por
UNIDADE 2

meio de um senso comum, que disfarça o poder econômico e político, ao contri-


buir, assim, para a reprodução de atitudes de acordos sociais desiguais.

Florestan Fernandes

É uma das iguras intelectuais mais importantes do Brasil no século XX. Seu
nome está intimamente ligado à institucionalização da Sociologia como disci-
plina cientíica no Brasil, especiicamente, à tradição acadêmica da Universida-
de de São Paulo (USP), mas, também, ao pensamento marxista, e à militância
política. Essas duas facetas de sua trajetória de vida constituem uma fonte de
tensões centrais, que vão desde o tempo dedicado à cada atividade, passando
pela coexistência de estruturas interpretativas, à coerência entre teoria e prática.
Alguns pesquisadores argumentaram que essas duas facetas correspondem a dois
períodos diferentes de sua carreira, tendo como marco temporal o surgimento
da ditadura militar em 1964.
Alguns estudiosos da vida e obra de Florestan analisam essa transição como
duas grandes etapas de sua biograia, marcadas por uma ruptura epistemoló-
gica: a fase “acadêmico-reformista” (1945-1968, neste, o ano em que é expulso
da USP) e a “político-revolucionária” (1968-1986, ano em que é eleito deputado
federal pelo Partido dos Trabalhadores). Outros, em contrapartida, suscitaram
uma sensação de continuidade e progressão, na qual os conceitos analíticos são
esclarecidos ao articular os aspectos acadêmico-universitário e político-militante.
Em vários escritos, este estudioso deixou testemunho de sua infância e de
sua formação inicial, que ocorreu durante um tempo de grandes transforma-
ções para o país: a queda da antiga República, a crescente pressão das massas
populares urbanas sobre a vida social e a chegada de Getúlio Vargas ao poder.
Esses depoimentos não apenas permitem conhecer alguns dados de sua tra-
jetória, mas também observar a construção de um relato autobiográico em
uma chave sociológica na qual são constantemente destacados os cruzamentos
entre a história pessoal e o condicionamento da estrutura social, ponto fun-
damental de sua perspectiva sociológica.
Filho de uma imigrante portuguesa, Maria Fernandes, empregada doméstica e
lavadeira, Florestan perdeu o pai e a irmã com tenra idade e deixou a escola no ter-
ceiro ano do ensino fundamental para ajudar a mãe. Cresceu nos bairros populares
76
de São Paulo, mudando de residência constantemente. Trabalhou como engraxate

UNICESUMAR
e garçom em vários negócios: açougue, padaria, alfaiataria, entre outros. Para ele,
essa situação de vida constituiu uma marca profunda em sua carreira intelectual.
Apesar de ter abandonado a escola ainda jovem, Florestan continuou seus
estudos informalmente; primeiro, com os livros de um amigo de sua mãe, depois
na biblioteca de sua madrinha. Anos depois, ele conseguiu terminar o ensino
regular (fez sete anos em três) e entrou na USP em 1941, aos 21 anos, local em
que sua brilhante carreira decolou. Para dar esse passo importante em sua vida,
precisou prestar serviço militar, estudar datilograia e enfrentar a diiculdade
de ter aulas de francês com professores europeus que chegavam à universidade.
Sua experiência de vida está ligada a, pelo menos, dois aspectos centrais
de sua perspectiva sociológica: o questionamento das possibilidades de os
sujeitos sociais serem construtores ativos da história e um posicionamento
claro a favor dos setores populares.
Por im, para entender a perspectiva sociológica de Florestan Fernandes, é ne-
cessário colocá-la no campo intelectual-acadêmico do período considerado. Du-
rante a década de 30, ocorreu um importante processo de reformulação do pensa-
mento social brasileiro, articulado com a nascente institucionalização das Ciências
Sociais. Nesta fase, são publicados os grandes ensaios de interpretação nacional de
Gilberto Freyre (1933), Sérgio Buarque de Holanda (1936) e Caio Prado Júnior
(1942). Tais trabalhos expressam profunda preocupação com a formação histórica
do Brasil como fonte para explicar seus males e obstáculos contemporâneos para
a mudança social. Embora a preocupação faça parte da tradição do pensamento
brasileiro desde o século XIX, essa geração atingiu impacto fundamental na pro-
dução acadêmica universitária, consolidada nas décadas seguintes.
Em relação à sua perspectiva sociológica como herança do movimento de
reforma educacional, mas também de professores estrangeiros que chegavam
à USP, foi fortemente airmada a possibilidade e a necessidade de adotar uma
abordagem cientíica dos problemas sociais. Essa posição tem duas vertentes: por
um lado, sustenta a importância da relexão em oposição à tradição do ensaio
social. Desde os primeiros escritos de Florestan aos trabalhos de seus professores
e colegas, é possível traçar a exigência da relexão baseada em dados empíricos
de instrumentos analíticos precisos, independentemente da qualidade das inter-
pretações gerais. Por outro, e acima de tudo, essa posição implica uma deinição
política contra o conservadorismo ideológico (católico e militar), que rejeita a
ciência por estar relacionada a supostos vínculos comunistas. Diante desta ideia,
77
Pode-se dizer que existem diferentes modos de exercer poder, como fé, religião,
UNIDADE 2

força física, poder psicológico ou mental, o poder do dinheiro ou qualquer outro


mecanismo que possa inluenciar o comportamento humano. É válido reiterar
que há múltiplas formas de poder resultantes das diferentes funções desempe-
nhadas por seus detentores na sociedade, por exemplo.

2
34
O PODER MILITAR:
devido ao controle que
exercem sobre as forças
armadas de um país,
permite a um indivíduo,
uma instituição ou um
grupo de homens
dominar a vontade dos
O PODER POLÍTICO:
cidadãos por medo da
baseado na possibilidade
repressão militar.
de exercer coerção,
de usar força legal, que é
equivalente à aplicação
da própria lei.
Esse poder político é
amparado pela burocracia
e poder estatal.
O poder político só pode
ser realmente efetivo se
incluir o consentimento
dos governados.

O conceito de poder é algo abstrato, mas produz efeitos visíveis sobre quem sofre
suas consequências. A forma de divisão abordada anteriormente se manifesta em
relações sociais implícitas ou explícitas. No caso das relações implícitas, não somos
capazes de perceber factualmente como o exercício do poder é manifestado (po-
der ideológico, por exemplo). Já, nas relações explícitas, vemos claramente a forma
80
com a qual determinado poder atua (o poder militar, por exemplo). Em todos os

UNICESUMAR
casos, nota-se que as relações de poder fazem parte da vida cotidiana. No entanto,
isso não signiica que essa situação seja desejável, já que o poder implica em uma
obrigação por parte do subordinado, que é privado de sua liberdade de escolha.
O conceito de poder despertou grande interesse das mais variadas ciências
no decorrer da história. Tem sido investigado, a partir de diferentes áreas do
mundo do conhecimento, como a Sociologia, a Ciência Política, a Psicologia,
a História e, claro, a Filosoia.
Na Sociologia, é um conceito-chave por meio do qual estudamos como um
grupo social ou um indivíduo pode impor seus interesses. Para a Ciência Polí-
tica, representa o objeto central de seu estudo, juntamente com a pesquisa das
relações políticas. A Psicologia, por sua vez, concentra-se na análise das relações
interpessoais de poder. A História também é responsável por analisá-las a partir
de seu ponto de vista, focando em quem e como tem sido usado ao longo do
tempo. Já a Filosoia procura descrever essa complexa ideia para saber quais
são suas características e seus conceitos por meio da ética e da ilosoia política.
Do ponto de vista ilosóico, tanto a ética quanto a ilosoia política analisam
os mecanismos de controle que o poder utiliza, os quais são praticados sobre os
grupos sociais, bem como as ideologias que permitem exercer e justiicar certas
formas políticas, como o Estado, os partidos, as instituições e os grupos sociais.

Estado

A Sociologia do Estado, uma subárea da Sociologia, estuda as relações entre o


Estado e a sociedade civil. Sob essa perspectiva, por um lado, o Estado represen-
ta um conjunto de mecanismos e processos que demandam a centralização e a
descentralização do poder e o surgimento de instituições especializadas em sua
administração. Por outro, seu objetivo é alcançar o bem comum e a felicidade
dos cidadãos, bem como uma convivência ordeira. As relações com a sociedade
civil nem sempre são harmoniosas, embora devam ser. Iremos aprofundar-nos
no conceito de Estado, o que é, quais são seus limites e como é organizado.
O Estado é uma comunidade estabelecida em determinado território. É es-
tabelecido por meio de uma ordem legal, a qualcria um corpo de funcionários e
garante poder legal autônomo. Tenta realizar o bem comum no campo da comu-
nidade e forma uma unidade política superior, independente e soberana.
81
Por meio de seus governantes, regula a atividade econômica, gerencia os gastos
UNIDADE 2

públicos e os impostos e determina as políticas tributárias. Além disso, garante a livre


concorrência e evita abusos na atividade econômica geral. O sucesso das funções eco-
nômicas do Estado é garantia de prosperidade e desenvolvimento para os cidadãos.
Vivemos em uma época em que o poder político mostra sua fraqueza diante
da poderosa concorrência com o mercado inanceiro e o poder da mídia. Não é
de surpreender-se que, em tal situação, a soberania dos diferentes Estados esteja
ameaçada, pois o espaço da soberania estatal está em crise diante dos novos for-
matos da globalização. O Estado enfrenta diiculdades especiais quando se trata,
por exemplo, de controlar, mobilizar, organizar, implementar ou garantir direitos.
A família foi uma das primeiras estruturas sociais a surgir na história. Mais
tarde, outras formas diferentes foram desenvolvidas, como o bando, a tribo, o
clã etc. O termo “Estado” foi introduzido por Maquiavel em seu sentido jurídico
e político. No entanto, o Estado já existia a partir das culturas egípcia, grega e
romana. No decorrer da história da humanidade, o conceito de Estado e sua
classiicação mudaram. Apesar de ser estruturado de formas diferentes, duas são
as formas mais básicas de classiicação: unitária e federal.
Na estrutura unitária, o Estado unitário é uma instituição organizada de tal
maneira que o poder político se concentra em apenas um centro de decisão. Neste
tipo de Estado, não há diversidade territorial ou regional. O governo, contudo, pode
delegar e revogar competências para subunidades territoriais, como municípios ou
províncias. Pode ser centralizado ou descentralizado. Na estrutura unitária centrali-
zada, o poder, em sua totalidade, reside na administração central. Já na estrutura uni-
tária descentralizada, o poder é distribuído em regiões ou comunidades autônomas.
Na estrutura federal, a organização estatal é composta de diferentes órgãos,
como estados, associações, grupos, sindicatos etc. Esses organismos se associam, a
im de delegar algumas liberdades ou poderes próprios a uma instância superior,
no caso, o Estado federal ou a federação. Eles mantêm, contudo, certa soberania e
autonomia, uma vez que algumas competências pertencem exclusivamente a eles.
Este tipo de sistema também possui duas variantes: confederação de Estados ou
Estado federal. A primeira é uma comunidade de Estados soberanos, que surge
como consequência de um processo associativo entre Estados independentes. O
segundo, por sua vez, é formado por Estados particulares, cujos poderes regionais
têm autonomia e até soberania para seu funcionamento interno.
Na história do pensamento político, diferentes teorias sobre a sociedade e o
Estado foram realizadas. Conceitos como “estado de natureza”, “contrato social”
82
e “leis naturais” contribuíram com relexões que nos aproximam da realidade

UNICESUMAR
social e política dos nossos dias.
Os primeiros teóricos sobre o Estado foram os autores clássicos Platão e Aris-
tóteles. Ambos reletiram sobre o modelo político vigente da época, a cidade-es-
tado ou a pólis, cuja concretização ideal de uma entidade autossuiciente traria
a satisfação das necessidades da comunidade.
Para Platão, o homem assina o contrato de cidadania, termo que aparece em
sua obra República. Pelo contrato de cidadania o ser humano opta por pertencer a
um Estado e acorda com ele um pacto, pelo qual é obrigado a cumprir as leis, mes-
mo que sejam injustas. Para entender completamente o signiicado dessa doutrina,
é necessário entender que ser homem e ser cidadão é o mesmo para esse ilósofo.
Se a sociedade, para Platão, deriva de um pacto, para Aristóteles é algo na-
tural, consequência do fato de o ser humano ser naturalmente sociável. E essa
natureza instintivamente atrai todos os homens para associações políticas. Em
outras palavras, para esse ilósofo, o homem é um “animal político”.
Dessa forma, o que caracteriza o ser humano não é apenas o fato de viver em
sociedade, mas também de lidar com as coisas da pólis ou do bem comum, que
é a atividade nobre por excelência do ser humano. O Estado é, então, uma organi-
zação política que resulta da associação de indivíduos, famílias e povos. Também
tem uma origem natural e sua inalidade é resolver as necessidades básicas da vida
e garantir que os cidadãos possam satisfazê-las. O núcleo original da comunidade
social ou política é a família, porque o conceito de Estado, para Aristóteles, baseia-se
na coexistência diária. Pequenas associações de grupos familiares dão origem ao
surgimento da aldeia e a associação de aldeias dá origem à constituição da cidade.
Na teoria moderna do Estado, surge um conceito central para a Ciência Po-
lítica: o contratualismo. Este compreende um conjunto de teorias políticas, que
veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político em um contrato
social. A organização social e a vida dos membros da sociedade dependem de um
acordo que permita estabelecer os princípios básicos de convivência: o contrato
social. O contratualismo moderno, por exemplo, representa uma teoria acerca
da legitimidade da soberania política. De forma breve, falaremos sobre as três
teorias clássicas do contratualismo: a teoria absolutista de Hobbes, a teoria liberal
de Locke e a teoria de soberania de Rousseau.
homas Hobbes é um dos ilósofos mais representativos da teoria absolu-
tista. O Estado estabelece, como resultado de um pacto, o contrato comunitário.
Em virtude desse acordo, o ser humano cede parte de sua liberdade a uma en-
83
tidade superior, capaz de evitar que o confronto entre os diferentes interesses
UNIDADE 2

individuais se transforme em um conlito social. Dessa forma, a “guerra de todos


contra todos” é evitada e precisa ser assim, pois, para Hobbes, o ser humano é
egoísta e antissocial por natureza – daí deriva a sua famosa frase: “o homem é o
lobo do homem”. Além disso, tende a satisfazer seus próprios interesses, mesmo
em detrimento de seus pares.
Em síntese, o Estado aparece como um poder total e absoluto, que dita as leis
e a moral. Ela é imposta à vontade dos membros da sociedade, que lhe deram seus
direitos. O Estado se torna um instrumento necessário que, ao assumir direitos,
garante a paz e a harmonia entre os indivíduos ao pôr im ao estado de terror
antes de sua criação. A sociedade civil, como a organização de todos súditos, está
sujeita ao poder do Estado.
John Locke é a referência quando falamos da teoria liberal do Estado. Para
este ilósofo, a sociedade, em sua origem, estava no chamado estado de nature-
za, que seria o estado no qual os seres humanos desfrutariam de certos direitos
naturais, como a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto, os indivíduos
violaram essa lei natural ao não observarem estritamente os mandatos de equi-
dade e justiça. Portanto, s bens que cada pessoa possui nesse estado não estão
assegurados e a sua segurança é incerta. Para garantir uma vida digna e pacíica, os
indivíduos cederam seus direitos a um grupo de soberanos, mas tendo em mente
que tal atribuição não é perpétua ou irrevogável. Locke, então, reconhece o direito
à rebelião se o soberano não cumprir os limites do acordo. O Estado, que deve
proteger os direitos de seus representantes, surgiria sob esse contrato de parceria.
No século XVIII, a igura de Jean-Jacques Rousseau se destacou e sua con-
tribuição para a teoria do Estado é seu conceito de soberania. De acordo com
ele, o direito de governar não é algo a priori e de origem divina, mas depende
da vontade geral dos governados. A soberania deixa, assim, de residir em uma
pessoa e é transferida para toda a comunidade política, que será responsável por
legitimar a ação de governar. Para Rousseau, o estado da natureza é caracterizado
pela liberdade, igualdade e bondade.
O contrato social consiste em um pacto pelo qual os egoísmos individua-
listas são eliminados por meio da submissão de cada cidadão à vontade geral
unânime. O modelo político proposto por Rousseau seria a democracia direta. O
Estado é, para ele, um meio de desenvolvimento moral da humanidade, portanto
deve tentar alcançar o bem comum. Dessa forma, o pensamento deste estudioso
inluenciou diretamente na superação do modelo absolutista e foi um dos pilares
84
da doutrina política liberal, em que outros pensadores também deram contribui-

UNICESUMAR
ções decisivas, como Montesquieu, que formulou o princípio da separação de
poderes, em virtude do qual seria possível evitar abusos na ação governamental
e garantir o respeito aos direitos dos que eram governados.
Os três poderes que Montesquieu formulou são: o poder executivo, pró-
prio do governo; o poder legislativo, vinculado ao Parlamento; e o poder
judiciário, ligado aos juízes.

Cidadania

As experiências fundamentais da política ocidental vêm de duas realidades políticas


da antiguidade: a pólis (polis) grega e a república (res publica) romana. Muito do
nosso vocabulário político surge a partir dessas duas formas ou realidades políticas.
O conceito de cidadão e cidadania nasceu nesses dois contextos e continua até hoje.
Para adequarmos historicamente as referências de ambas as experiências
políticas, devemos retomar a ideia de cidade-estado, que serve tanto para Grécia
quanto para Roma. Já o conceito de pólis é utilizado apenas na Grécia. A política
da cidade-estado remonta ao mundo grego, desde meados do século VII a.C. à
conquista de Alexandre, o Grande, no século IV a.C., e no mundo romano, a partir
de meados do século V a.C. até a fase da república tardia.
A cidade-estado é uma realidade política da Antiguidade, o que não ocorre
novamente na história política do Ocidente. Suas características essenciais eram:
extensão territorial reduzida, para que seus habitantes se conhecessem; suiciên-
cia econômica; autarquia; e, especialmente, independência política.
Nas cidades-estados gregas, o papel ativo do cidadão se tornou realidade pela
primeira vez na história política do Ocidente, e a República Romana, no que lhe
diz respeito, também deiniu, pela primeira vez, o status legal de um cidadão, que
consiste no reconhecimento de seus direitos e deveres.
No decorrer do tempo, esta concepção de cidadania foi gradativamente reformu-
lada. Hoje, a deinição mais usada é a que se refere como uma relação jurídica entre
o indivíduo e o Estado. A maioria das pessoas no mundo são cidadãs legais de um
ou outro Estado, o que lhes dá permissão a certos privilégios ou direitos. Ser cidadão
também impõe algumas obrigações em termos daquilo que é esperado da pessoa
sujeita à sua jurisdição. Portanto, os cidadãos cumprem certas obrigações para com
o seu Estado e, em contrapartida, podem esperar a proteção de seus interesses vitais.
85
Hoje em dia, cidadania é muito mais do que uma construção legal e se refere,
UNIDADE 2

entre outras coisas, ao senso pessoal de pertencimento, por exemplo, ao sentimen-


to de pertencer a uma comunidade que você pode atuar e inluenciar diretamente.
A dimensão política da cidadania diz respeito aos direitos e às responsabilidades
em relação ao seu sistema político. Seu desenvolvimento advém do conhecimento
do sistema político e da promoção de atitudes democráticas e participativas.
Na relação entre o indivíduo e a sociedade, podemos distinguir quatro dimen-
sões que correspondem aos quatro subsistemas que se pode reconhecer numa
sociedade e que são essenciais para a sua existência: a dimensão político-legal,
a dimensão social, a dimensão cultural e a dimensão econômica.
A dimensão político-legal da cidadania se refere aos direitos e às responsa-
bilidades de acordo com o sistema político pré-estabelecido. A social tem a ver
com o comportamento dos indivíduos em uma sociedade e requer certo grau de
lealdade e solidariedade. A cultural diz respeito à consciência de um patrimônio
cultural comum e é desenvolvida por meio do conhecimento deste, da história e
das competências básicas (competência linguística, leitura e escrita). A dimensão
econômica se refere à relação do indivíduo com a força de trabalho e o mercado
consumidor. Supõe o direito ao trabalho e a um nível mínimo de subsistência.
Essas quatro dimensões de cidadania são alcançadas por meio dos processos de
socialização que ocorrem na escola, nas famílias, nas organizações civis, nos partidos
políticos, bem como por meio de associações, meios de comunicação de massa e vi-
zinhança. Cada pessoa deve ter a possibilidade de exercer todas as quatro dimensões
de forma equilibrada e equitativa, caso contrário, a cidadania plena não será efetivada
Tal processo, contudo, não acontece de forma natural. É necessário que te-
nhamos consciência de que ele se realiza por uma árdua busca de construção,
principalmente por parte dos cidadãos, conforme airma Libanio:


A cidadania não é dom natural e muito menos concessão do Estado.
É conquista construção, exercício cotidiano, papel social. Num país
como o nosso – que carece dos serviços sociais básicos, tais como
saúde, educação, saneamento, habitação, emprego, etc. O exercício
da cidadania consiste fundamentalmente em transformar o direito
formal a todos esses serviços, garantidos na Constituição, em rea-
lidades concretas, efetivas na vida do povo (LIBANIO, 1995, p. 42).

Nesse sentido, se não houver participação, não haverá cidadania, pois apenas ao atuar
poderemos ver o processo de construção de conquista da cidadania ser transforma-
86
do. Essa participação, ao mesmo tempo, gera senso de pertencimento e de atuação

UNICESUMAR
para modiicação de uma realidade, além de ser a pedra angular da democracia.

Democracia

Etimologicamente, democracia signiica “o poder do povo” e tem origem nas pa-


lavras gregas kratos (poder) e demos (povo). Se analisarmos o signiicado exato
do termo, teremos algumas diiculdades, porque ele teve diferentes interpretações
ao longo da história. Formas absolutamente diferentes de governo se intitularam
democracia. No entanto, existem elementos comuns que caracterizam esse mo-
delo: indica uma entidade política, uma forma de Estado e de governo, em que o
povo escolhe livremente aqueles que governarão.
A origem da elaboração do conceito de democracia acontece, num primeiro
momento, na democracia ateniense, que tem, como igura principal, Péricles. Ele
foi o maior líder político de Atenas na segunda metade do século V a.C. e seu
sistema político girava em torno da assembleia popular. Além disso, ele deiniu
o sistema de governo como uma democracia, pois o poder não estava nas mãos
de uma minoria, mas de todo o povo.
A característica especial da democracia ateniense é que as pessoas participa-
vam diretamente das decisões, mas somente denominados homens livres pode-
riam participar da vida política – o que excluía mulheres, escravos, menores de
idade e estrangeiros. O centro do poder político em Atenas, bem como sua ins-
tituição mais conhecida e mais identiicada com a democracia, foi a Assembleia.
Esse modelo grego corresponde ao que hoje chamamos de democracia direta. O
povo, formado por cidadãos, tem soberania e o exerce diretamente.
Nesse período, merecem destaque ilósofos como Aristóteles, que acreditava que
a única forma possível de governo corresponde ao governo do povo, pelo povo e
para povo. Em contraste, Platão criticava a democracia ateniense porque, para ele, a
república deve estar nas mãos de proissionais habilitados, não de cidadãos comuns.
Na Roma antiga, semelhante à democracia ateniense, as ideias implementadas
foram as de Aristóteles. O poder foi dividido em várias instituições, baseado na par-
ticipação dos cidadãos – mas excluindo, também, escravos, mulheres e estrangeiros
– e estava nas mãos de pessoas ricas e proprietárias de terras, chamados de patrícios.
Pessoas comuns ou plebeus tiveram pouca inluência na vida política. O poder real
estava no Senado, um conselho de anciãos de origem nobre, que aconselhava os reis.
87
O período medieval não foi nada democrático, no sentido do que estudamos até
UNIDADE 2

o momento, pelo fato de o poder estar submetido a Deus, ou seja, o poder do povo
estava nas mãos da Igreja. Com o Renascimento, Deus deixa de ser o centro e dá
lugar ao ser humano, que, a partir desse momento, renasce e se desenvolve. Durante
os séculos XV e XVI na Europa é enfatizada, novamente, a importância da participa-
ção dos cidadãos em interesses políticos, para promover a estabilidade da República,
deixando para trás a vida passiva e contemplativa defendida pelo cristianismo.
Nos séculos XVI e XVII, as principais ideias desse período incluíram a defesa
do indivíduo e suas liberdades. A intervenção do Estado e dos poderes públicos
estava limitada à vida econômica, política e social. O indivíduo, considerado um
ser racional por natureza, tinha, então, uma série de direitos que deveriam ser
respeitados. O poder era dado aos cidadãos, que elegiam seus representantes de
maneira livre e soberana, e foi dado im à supremacia da Igreja Católica Romana,
o que fragmentou a unidade religiosa da Idade Média e promoveu a pluralidade
e o pensamento livre. É o chamado período do liberalismo.
Para começar a descrever a democracia do século XVIII, precisamos com-
preender, primeiramente, o caso dos Estados Unidos. Depois da sua declaração
de independência em 1776, após amarga batalha contra a Grã-Bretanha, os EUA
passaram por um processo de aplicação de sua forma democrática de governo,
que começou com a ratiicação de sua constituição em 1787. Pretendia-se criar
um governo federal único, com um presidente da república, um congresso e um
senado, em que residiriam os poderes legislativos.
Em 1789, na França, aconteceu a Revolução Francesa, uma mudança po-
lítica muito importante, não apenas para a França, mas também para outros
países que utilizariam os seus preceitos como exemplo. Tal revolução signii-
cou o triunfo de um povo oprimido e cansado das injustiças, dos privilégios
da nobreza feudal e do estado absolutista.
No século XIX, a democracia se baseava na soberania popular, na liberdade
e na igualdade social. O novo conceito objetivou superar algumas desigualdades
e alguns privilégios do velho liberalismo. Nesse período, a igura do proletariado
emergiu e se identiicou como classe. Ocorreu, então, a luta entre o proletariado
contra a burguesia e o Estado, uma vez que este se recusou a aceitar as exigências
dessa nova classe e seu direito a ter um papel na vida social e política da sociedade.
Atualmente, a democracia está situada como forma dominante de governo
no mundo. Vários eventos aconteceram para que ela se consolidasse: o sufrágio
universal (incorporação do voto dos pobres e das mulheres), o desaparecimento
88
ou o enfraquecimento das monarquias, a queda das ditaduras militares latino-

UNICESUMAR
-americanas, a descolonização da maior parte da Ásia e da África, o direito de
voto de minorias raciais nos EUA etc.
A airmação da pessoa humana, no contexto democrático atual, a respeito da
sua individualidade, sua autonomia e a proteção dos direitos individuais surgiram
em oposição às monarquias absolutas e aos despotismos que, historicamente, não
observaram nenhum desses limites. Isso signiicou conceder a todas as pessoas,
em consideração à sua humanidade e personalidade, direitos e proteções iguais
e a mesma capacidade de independência de julgamento, tanto em suas vidas
pessoais quanto em seus julgamentos políticos.
Quando os cidadãos agem unicamente em favor de seus interesses, suas am-
bições e seus ins privados com apatia e insatisfação com os limites impostos pela
responsabilidade, o compromisso com o público, a convivência cívica e as insti-
tuições democráticas, lidamos com um dos fenômenos sociais mais arriscados e
mais difíceis de reverter. Para isso, é preciso abordar a construção da cidadania e
de um mundo público guiado pelos princípios, pelas instituições e pelos direitos
estabelecidos nas constituições democráticas. O senso coletivo deve prevalecer
nas mais diversas discussões sobre a vida em sociedade.
Para a ilósofa Hannah Arendt, as sociedades modernas, com as inseguranças
do mundo do emprego, as pressões por status social, a busca pelo poder e o foco
pelas necessidades econômicas – em detrimento das políticas e cívicas – geraram
costumes extremamente individualistas e de alienação da política. Os cidadãos não
são levados a pensar por si mesmos, ao pensamento crítico e à participação e preocu-
pação com as consequências de suas ações sobre os direitos dos outros, sobre a vida
pública e o bem comum. Pelo contrário, os costumes associados a uma sociedade de
empregados de instituições caracterizadas por hierarquias serão os da obediência a
crítica à autoridade, da acomodação a qualquer preço e do individualismo egoísta.

pensando juntos

Será que vivemos, de fato, em uma democracia, com tudo que nos deveria ser assegurado?

Como podemos notar, há muito que ser desvendado e estudado na democra-


cia no que tange à participação de nós, como cidadãos, na construção de uma
sociedade devidamente democrática.

89
A primeira deinição antropológica de relevância foi a do antropólogo Ed-

UNICESUMAR
ward Burnett Tylor que, em um parágrafo simples, o primeiro de seu livro, deixou
uma deinição que ainda é utilizada nos dias de hoje:


Tomando em seu amplo sentido etnográico (cultura) é este todo com-
plexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como
membro de uma sociedade (TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 25).

A deinição de Tylor hoje é considerada vaga e pouco precisa, porque é muito


aberta, ou seja, faz uma pequena lista do que esse autor considera ser parte da
cultura (conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes), o que deixa aberta
a possibilidade de incluir quaisquer outros elementos quando diz “ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos”. O problema é que, mesmo com a passa-
gem de todos esses anos desde que Tylor publicou sua famosa deinição, não há
ainda um termo que seja unânime no que diz respeito à cultura para antropólogos
em todo o mundo, o que nos mostra que esse é um dos termos mais difíceis de
deinir no vocabulário antropológico.
Franz Boas (2004), antropólogo norte-americano, ressaltou o caráter parti-
cular de cada cultura no campo da diversidade cultural. Ele desenvolveu uma
tese que contradiz as teorias do evolucionismo utilizadas em sua época. Cada
cultura, ele nos dirá, é o resultado de algumas condições naturais e históricas que,
no entanto, não são determinantes. Para Boas, cultura pode ser deinida como a
totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comporta-
mento dos membros individuais de um grupo social, coletiva e individualmente.
Ruth Benedict, antropóloga também norte-americana, enfatizou a condição
seletiva da cultura ao entender que cabe uma escolha entre as inúmeras possibi-
lidades oferecidas. Assim, cada cultura apresentará um peril especíico e único.
Foi Benedict quem introduziu o conceito de padrão cultural.
Alfred Louis Kroeber, discípulo de Franz Boas, airmou que os fenômenos
culturais respondem a uma lógica própria, na qual o indivíduo está incapacitado
de intervir mesmo que esteja fora do alcance de sua vontade: o sujeito por si só
não constrói o projeto, mas este lhe é dado por meio da herança social.
Na interpretação de Bronislaw Malinowski, a cultura se constitui em resposta às
necessidades elementares do ser humano: alimentação e reprodução. Esse antropólo-
go apontou que a cultura dos seres humanos está inevitavelmente ligada à necessidade.
91
Podemos notar que, além das construções sobre o conceito de cultura, a pró-
UNIDADE 2

pria cultura é dinâmica. A mudança é um requisito da sua natureza integrada.


É evidente que tais processos adquirem profundidade especial na transição das
sociedades tradicionais para as modernas, além de constituírem objeto de estu-
do de grande importância para as Ciências Sociais devido às repercussões. Em
qualquer caso, a mudança está implícita na cultura.

Etnocentrismo e relativismo cultural

Etnocentrismo signiica conferir valor mais alto à própria cultura do que à do


outro, ao utilizar os próprios padrões culturais para julgar o que é diferente. Em
suma, considera a própria cultura como superior às demais. Na vida cotidiana, é
bem perceptível nos juízos de valor daqueles que veem pessoas de outras culturas
como esquisitas e atrasadas. Há até certo desprezo com relação ao outro, mas essa
percepção requer relexão crítica. O etnocentrismo diiculta e impede a com-
preensão das culturas de outros povos, além de gerar intolerância e preconceito.
O conceito de etnocentrismo está ligado ao desenvolvimento da teoria antro-
pológica. Embora pareça estranho que, nos primórdios da Antropologia, a dis-
cussão sobre esse conceito não tenha aparecido, perceberemos que a ausência da
maturidade cientíica relete o surgimento da noção de etnocentrismo. Pelo fato
de todo o desenvolvimento teórico antropológico estar no Ocidente, raramente se
ponderava que a cultura ocidental era vista como superior em relação às demais.
As culturas não existem isoladamente e nem surgem de forma aleatória.
Elas têm, em si mesmas, fortes razões para existir, cada uma com a sua pecu-
liaridade. É importante perceber que é errado tentar entender uma cultura
ao utilizar padrões de outra cultura.
A lógica da cultura requer que nós a penetremos, apreendendo os elementos
que a compõem. Um claro exemplo sobre a análise cultural aconteceu comigo e
com a minha família quando, em determinado momento, precisei mudar-me para
uma pequena cidade no interior do Paraná com, mais ou menos, vinte e três mil
habitantes, e minha família me acompanhou. Nunca havíamos experienciado uma
dinâmica cultural tão peculiar. O choque cultural, a princípio, fez-me acreditar que
as culturas que eu tinha vivenciado em cidades maiores era melhor do que aquela
cultura de cidade pequena, todavia, comecei a perceber que precisava mergulhar

92
e compreendê-la para poder relacionar-me com as pessoas de forma saudável, sa-

UNICESUMAR
bendo que a cultura delas era diferente, não inferior à da minha família.
Oposto ao etnocentrismo – e como forma de combatê-lo –, surgiu o conceito
de relativismo cultural, que consiste em colocar-se no lugar do outro para en-
tender sua cultura; em adotar os padrões culturais da sociedade que se pretende
estudar, para entender sua lógica interna. No entanto, devemos entender que esse
relativismo não deve ser radical. É evidente que as culturas não são iguais e nem
seus valores precisam ser completamente aceitáveis. A interpretação radical desse
conceito nos levaria a aceitar práticas culturais inteiramente inaceitáveis, como
aquelas referentes à submissão incondicional de mulheres ou ao apedrejamento
até a morte. O relativismo é apenas um princípio que nos guia sobre como en-
tender outra sociedade. O fato de o antropólogo tornar-se membro da cultura
que estuda não signiica abdicar de sua neutralidade cientíica.
Práticas culturais que negam os direitos humanos são repreensíveis sob qual-
quer ponto de vista. Isso não contradiz o princípio do relativismo cultural, segun-
do o qual o antropólogo, ou o cientista social em geral, deve tentar colocar-se no
lugar do estudado para melhor entender sua cultura.
Por meio do relativismo cultural, o movimento em defesa dos direitos das
minorias culturais se difundiu em todo o mundo. Também alcançou as mino-
rias religiosas e, em geral, todos os grupos humanos que possuem suas próprias
peculiaridades culturais, inclusive fazendo parte dos Estados ditos democráticos.

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etnocentrismo e relativismo cultural.

Cultura de massa e indústria cultural

Desde o Renascimento, foi estabelecido, na Europa, a distinção entre cultura


de elite (arte e cultura das classes altas) e cultura popular (as tradições e expres-
sões culturais das pessoas comuns, do povo).
A cultura de elite ou “cultura superior” correspondia à cultura formalizada
reconhecida como tal, expressa em obras de arte e caracterizada por autoria reco-

93
nhecida, reinamento, prestígio social e valor político. As primeiras tecnologias de
UNIDADE 2

comunicação (pergaminho, papel e impressão) e tecnologias de expressão artística


apareceram associadas à cultura de elite e contribuíram para moldar a cultura letra-
da, fundamentalmente baseada na escrita, que caracteriza a história do Ocidente.
A cultura popular ou “cultura inferior” correspondia às histórias orais, aos
ritos populares, ao folclore, ao artesanato e à música popular. Constituía-se como
a expressão de identidade de grupos sociais mais ou menos diferenciados e ti-
nha estreita relação com a vida cotidiana. Caracterizada pelo anonimato, pela
espontaneidade, ausência de prestígio social ou valor político, sua natureza era
essencialmente pragmática e oral. Não havia reinamento ou abstração.
O desenvolvimento de novas formas de vida urbana e o surgimento da massa
(populacional) no inal do século XIX introduziram importantes mudanças nessa
dinâmica cultural. Ao mesmo tempo, o surgimento de novos meios de expressão,
como a fotograia, o cinema, a imprensa, o rádio, a TV e, em nossos dias, a internet,
deu origem a uma nova esfera cultural, singularizada pela amplitude de seu público
e pelo surgimento de novos gêneros e temas, e novas mídias e linguagens estéticas.
Com a industrialização das formas de expressão pelas tecnologias de comuni-
cação e expressão artística, a forma de cultura do século XIX até os nossos dias foi
radicalmente transformada. A obra de arte deixou de ser algo singular e passou a
adquirir valor econômico. Dependendo da reprodutibilidade e do valor econômico
de seus produtos nas novas condições de mercado, tanto a cultura de elite quanto
a cultura popular se tornaram acessíveis pela primeira vez a um público de massa.
A própria dinâmica do mercado, decisiva na estrutura de novas formas de
vida social, impôs também novas condições aos produtos culturais: a cultura deve
seduzir e, ao mesmo tempo, proporcionar valor de troca. Nasceu, assim, a ideia da
cultura de massa como processo de absorção e transformação da cultura de elite
e da cultura popular nas condições econômicas e sociais da sociedade de massa.
O fator decisivo dessa transformação é que a cultura, a tecnologia, a indústria e
o fator econômico são uniicados. Com a cultura das massas, nasceu o consumo da
cultura e o conceito de indústria cultural. Essa mercantilização, juntamente com a
consequente padronização da esfera cultural, tornou-se fonte frequente de críticas.
Na sociedade de massas, a cultura se torna valor de identidade social e aspecto
importante da vida social. Com isso, o Estado começa a intervir na cultura, com
o objetivo de dar acesso a todos, de forma igualitária, por meio de subsídios,

94
fundações, políticas de desenvolvimento cultural, entre outros. O papel da mídia,

UNICESUMAR
nesse contexto, é duplo: como produtores e disseminadores da cultura de massa.
A cultura de massa foi fortemente criticada nos anos 50 a 70 pelos pensadores
europeus, especialmente a Escola de Frankfurt e a tradição marxista, que via nela
uma superestrutura projetada para assegurar a sobrevivência dos mecanismos de
poder característicos do modo de produção capitalista. O ilósofo Louis Althusser
fala de “ideologia da mídia” e Gramsci de “hegemonia da mídia”.
Segundo esses dois autores, é quase impossível fugirmos dessa dinâmica de
olharmos para a cultura como objeto de consumo, mas basta buscarmos cami-
nhos alternativos de produção cultural e arte que ainda não foram completamen-
te imersos na mercantilização da cultura.

Antropologia brasileira

Darcy Ribeiro

Nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes Claros, Minas Gerais. Estudou So-


ciologia e Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP). Em 1947, trabalhou
como pesquisador e etnólogo no Serviço de Proteção aos Indígenas. Chegou a dirigir
o Departamento de Etnologia de 1952 a 1966. Em 1953, fundou o Museu do Índio
e dirigiu o Centro de Pesquisa Educacional (Capes) e o Departamento de Pesquisa
Social da Campanha de Erradicação do Analfabetismo. Em 1961, foi Ministro da
Educação e Cultura. Fundou a Universidade de Brasília (UnB), onde ocupou a rei-
toria entre 1962 e 1963, e foi chefe da Casa Civil da Presidência da República. Foi
exilado para o Uruguai e viajou para o Chile e Peru, ensinando Antropologia. Em
1976, foi anistiado e voltou ao Brasil. Foi vice-governador do estado do Rio de Ja-
neiro, deputado e senador da República. Em 1976, retomou o ensino na UnB. Além
disso, realizou vários trabalhos antropológicos entre grupos indígenas brasileiros.
Sua autoria inclui inúmeros livros sobre religião, mitologia, línguas indígenas e
sistemas culturais. Entre seus trabalhos, estão: O Processo Civilizatório (1968), Uni-
versidade Necessária (1969), As Américas e a Civilização (1970), Os Brasileiros:
Teoria do Brasil (1972) e O Povo Brasileiro: a Formação e o Sentido do Brasil (1995).

95
Darcy Ribeiro se dedicou aos estudos sobre identidade latino-americana e
UNIDADE 2

suas pesquisas e publicações se concentraram no processo de civilização e nas


conigurações socioculturais dos povos da América Latina. Seu conhecimento
sobre povos irmãos o levou a propor novas categorias de interpretação, enfren-
tando o chamado mundo ocidental.
De acordo com suas ideias, a América Latina tem identidade própria como
um povo novo, com a mistura de indígenas, europeus e africanos. Um povo que
busca a integração em uma grande comunidade de nações com destino comum
em nível continental. Devido à sua experiência na organização e estruturação da
UnB, Darcy Ribeiro foi convidado por alguns governos e algumas universidades a
fazer abordagens estruturais para mudanças no ensino superior. Ele estudou Re-
formas Universitárias no Peru, na Venezuela, no Uruguai, no México e no Chile.
Visitou inúmeras universidades e centros de estudos latino-americanos, nos quais
apontou o caminho intelectual para fortalecer a integração latino-americana. Segun-
do suas ideias, é necessário criar uma consciência latino-americana para consolidar
esse novo povo, síntese de várias culturas. É preciso encontrar o autêntico modelo po-
lítico, socioeconômico e cultural, que emerge da própria realidade latino-americana.
Ele foi um dos representantes mais importantes da escola evolucionista de
Antropologia. Suas ideias foram levantadas por meio do estudo do processo de
civilização, segundo o qual há uma evolução sociocultural, que serve de base para
estudos sobre o processo de formação étnica e sobre os problemas de desenvol-
vimento enfrentados pelos povos americanos. Para alcançar profundo conhe-
cimento dos povos, é essencial conhecer as etapas da evolução sociocultural no

96
decorrer do tempo em um esquema global e, com as contribuições da Arqueolo-

UNICESUMAR
gia, Etnologia e História, conseguir localizar qualquer sociedade, extinta ou atual,
e o seu contínuo desenvolvimento sociocultural.
Essa teoria civilizadora o levou a estudar o desenvolvimento histórico da Amé-
rica Latina, desde o mundo antigo ao inal do século XX, passando por suas vá-
rias fases ou estágios, veriicando, também, o impacto das revoluções tecnológicas.
Para interpretar as estruturas políticas, sociais, econômicas, culturais, educacionais
parciais e as características de países desenvolvidos e subdesenvolvidos – como
a América Latina –, é preciso entender seu processo civilizacional e o impacto
das revoluções tecnológicas. Isso também indica que não se pode compreender o
desenvolvimento de universidades da América Latina nos séculos XIX e XX sem
interpretar essas instituições de ensino superior no processo de civilização, além de
sua posição em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
A evolução sociocultural, concebida como sucessão de processos gerais da
civilização, possui caráter progressivo, evidente no movimento que levou o ho-
mem da condição tribal aos contextos macrossociais nacionais modernos. Os
processos civilizatórios gerais que o compõem também são movimentos evo-
lutivos por meio dos quais novas formações socioculturais são coniguradas.
Nesses processos, Darcy Ribeiro destacou a presença de povos desenvolvidos e
subdesenvolvidos do mundo moderno.
Essas ideias o levaram a reletir sobre a cultura latino-americana, atrasada no
processo de civilização mundial e dependente dos países com maior desenvolvi-
mento econômico e cultural, em sua órbita neocolonial.

97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
UNIDADE 2

Nesta unidade, tivemos uma diversidade de temas relacionados às Ciências So-


ciais, especiicamente. Num primeiro momento, aventuramo-nos em conhecer os
conceitos dos principais autores da Sociologia. Em Augusto Comte, vimos a busca
incessante por transformar o estudo da sociedade em algo altamente cientíico. Para
ele, somente os resultados advindos dos métodos cientíicos seriam válidos. Foi um
grande passo na busca por explicações que fugiam das habituais superstições da épo-
ca, transformando o estudo das dinâmicas sociais numa sólida disciplina acadêmica.
Por meio de Marx, Weber e Durkheim – os grandes clássicos da Sociologia –,
veriicamos ideias, conceitos, visões sobre o trabalho, as relações sociais e o que
eles compreendiam dos processos que estavam sendo desenvolvidos em suas
épocas. Marx, feroz crítico do sistema capitalista, analisou a história da humani-
dade como uma eterna luta de classes. Os antagonismos, segundo ele, explicam
os acontecimentos históricos até os seus dias. Weber postulou, por meio de sua
obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicado em 1905, a ideia
de que os pressupostos e a doutrina protestante izeram emergir o capitalismo
tal qual se instaurou. Em Durkheim, quando estudou acerca da anomia social,
foi um dos primeiros autores que tratou o suicídio como um fenômeno social.
Segundo ele, a desesperança com o mundo, proporcionada pela sociedade, faz
com que as pessoas deem im à própria vida.
Na Ciência Política, abordamos quatro ideias essenciais para essa disciplina
e para nós mesmos nos dias atuais: poder, Estado, democracia e cidadania. Com-
preender esses conceitos, suas origens e as consequências que trazem para a nossa
sociedade, faz-nos pensar que vale à pena escrever e estudar esses assuntos, pois
são vitais para nossa vida em sociedade.
Na área da Antropologia, estudamos a forma como a cultura se tornou, ao
longo dos anos, um objeto de consumo para a sociedade de massas. Vimos, tam-
bém, como é importante analisar a cultura de outros povos de acordo com o
relativismo cultural, para não nos tornarmos etnocêntricos.

98
Quando o homem primitivo começou a perguntar-se sobre tudo o que en-

UNICESUMAR
contrava ao seu redor, ele concentrou sua atenção em fenômenos naturais, como
a chuva, o trovão, o terremoto e o nascimento de um ser vivo. Observe algumas
perguntas que poderiam ter surgido nessa época: qual força move os ventos? Por
que chove? Quem produz terremotos? Quem criou o céu, os animais e as plantas?
Em muitos povos antigos, essas questões foram respondidas a partir de explica-
ções que ligavam os seres sobrenaturais às mudanças ocorridas na natureza ou na
vida dos homens. Essa foi a primeira tentativa de interpretação do mundo e dos seus
fenômenos. O próprio homem acreditava que sua fortuna ou seu infortúnio eram
frutos de uma intervenção divina. A essas primeiras explicações chamamos de mitos.
O mito é uma narrativa sobre a origem das coisas, do homem ou do universo.
Algumas características sobre esse fenômeno são: utilização de alegorias que
traduzem as relações existentes no universo ou na vida; tem como protagonistas
divindades que inluenciam o movimento do universo ou a vida dos homens;
é uma maneira de representação do universo. Tem, por inalidade, explicar a
realidade e a origem do universo, do homem, da ordem da sociedade, dos ideais
éticos e morais ou do comportamento
que os homens devem ter para alcan-
çar a grandeza. A narração é baseada
na imaginação, na poesia e na religião
para dar explicações e propósitos para
a existência. Eles são classiicados em
mito teogônico (histórias sobre a ori-
gem dos deuses) e mito cosmológi-
co (histórias sobre o nascimento do
mundo e do universo, do cosmos).
Figura 2 - Hércules e a morte da Hydra
A Filosoia nasce, portanto, da necessidade de o ser humano obter respostas mais
racionais sobre as questões da vida e o mito começa a não mais satisfazer as in-
quietudes do homem. Foi necessário um longo tempo de maturação para chegar
a conclusões convincentes e precisas.
Em primeiro lugar, ao observar um fenômeno natural, o homem elaborou
questões sobre quem ou o que o produz. Não tendo os recursos suicientes para
uma investigação profunda sobre as causas do fenômeno, começou a inventar a
possibilidade de intervenção de seres sobrenaturais com poder suiciente para
mover os ventos, a terra ou dar vida aos seres existentes.
107
Muitos desses seres imaginários são representados com formas e qualidades
UNIDADE 3

humanas. Assim, em vários mitos, há personalidades responsáveis pela guerra, pelas


colheitas ou pelos prazeres, como o vinho ou a criação do homem e do universo.
Diante disso, os mitos proporcionavam certa segurança à vida dos homens,
uma vez que davam respostas à vida prática no trabalho, à vida moral, à organi-
zação social, à guerra e ao destino:


“primitivas”, o mito se constitui um discurso de tal força que se en-
tende por todas as dependências da realidade vivida; não se restrin-
ge apenas ao âmbito do sagrado (ou seja, da relação entre a pessoa e
o divino), mas permeia todos os campos da atividade humana. Por
isso, os modelos de construção mítica do real são de natureza sobre-
natural, isto é, recorre-se aos deuses para compreender a origem e a
natureza dos fatos (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 72).

Além disso, o mito serviu para personiicar e deiicar as forças naturais. Também
explicava os fenômenos naturais e sociais como desejo de vontade divina, que
age na vida e na natureza humana.
Conforme o ser humano passou a compreender o ciclo das estações e o mo-
vimento das estrelas, as explicações míticas começaram a ser insuicientes. Por
essa razão, outro tipo de interpretação com explicação racional que respondesse
às mesmas perguntas era necessário. Os gregos, direcionados pela curiosidade,
não se contentavam com as explicações míticas, por isso, foi-lhes dada a tarefa
de procurar um princípio que desse alicerces a todas as coisas. Tal princípio foi
denominado logos, a explicação que não se baseava em suposições sobrenaturais,
mas em explicações racionais, alicerçadas em argumentos que fundavam o pen-
samento ilosóico. Assim, a Filosoia se fez necessária para entender o princípio
que move o mundo de um ponto de vista lógico.

pensando juntos

É possível ainda falarmos em mitos contemporâneos?.

A ilosoia inicia quando os elementos míticos são substituídos por elementos


racionais, lógicos ou naturais nas explicações. Mitos não podem mais ser fontes
de conhecimento, porque cada povo tem os seus e todos são passíveis de crítica. A
108
ideia de necessidade substitui a arbitrariedade imposta pelo capricho dos deuses,

UNICESUMAR
descobrindo-se a constância de certas leis.

Período Pré-Socrático ou cosmológico

O primeiro período da Filosofia grega é também chamado de período cos-


mológico, porque se preocupa com a reflexão sobre a natureza e suas mu-
danças. Além disso, os filósofos dessa época estavam preocupados com a
origem de todas as coisas (arkhé, arché).
Os pré-socráticos tentam explicar a realidade existente a partir de algo
(princípio, arché) que está “dentro das coisas”. Nessa busca, eles não se liberta-
ram completamente dos elementos míticos. Aos poucos, a explicação mítica
foi abandonada, substituindo-a por pela racionalidade, embora não seja feita
imediatamente. Atendendo a essa busca, os ilósofos pré-socráticos podem ser
classiicados em: monistas – para os quais há apenas um princípio que explica
todas as coisas – e pluralistas – que acreditam na diversidade de princípios.
Tales de Mileto (585 a.C.) é considerado, de acordo com a tradição, o primei-
ro ilósofo da história. Também é tido como um dos
sete sábios da Grécia por prever um eclipse que pôs
im à guerra entre os lídios e medas (28 de maio de
585 a.C.). Enquanto empresário, mostrou como icar
rico ao negociar azeitonas para demonstrar que não
estava interessado apenas no dinheiro. Enquanto
matemático, criou o famoso teorema de Tales. Tam-
bém foi astrônomo e, por im, ilósofo. Todavia, seu
pensamento ainda mantinha elementos míticos. Figura 3 - Tales de Mileto

Heráclito de Éfeso (500 aC) airmou que o universo


está em contínua evolução, em incessante transforma-
ção, em movimento contínuo – “tudo lui”. A autoria
da famosa frase “você não pode se banhar duas vezes
no mesmo rio” é atribuída a ele.
Tal evolução ou mudança, contudo, não é irracional
ou caótica, mas feita de acordo com uma lei ou um
Figura 4 - Heráclito logos interno. A lei que governa o universo é a luta
109
dos opostos (dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome). A ordem e a
UNIDADE 3

harmonia do universo vêm dessa contradição, da luta dos opostos. O cosmos não
fez nenhum dos deuses ou dos homens, mas foi, é, e sempre será, o fogo vivo. O
fogo é o princípio material, causa de movimento e mudança. Heráclito, o criador
da dialética, airmou que a natureza obedece ao princípio dialético, uma evolução
contínua de acordo com uma lei que lhe dá ordens.
A Filosoia de Parmênides de Eleia está estritamente relacionada ao pen-
samento de Heráclito, porque é a manifestação de sua reação contra ela. Para
Parmênides, o ser é único, eterno, ilimitado, imutável e imóvel. Em sua visão, a
mudança não é possível e a existência é eterna.
Além dos ilósofos mencionados, outros mais
foram muito importantes nesse período: Anaxi-
mandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitá-
goras de Samos (teorema de Pitágoras), Xenófo-
nes de Colofão, Zenão de Eleia, Melisso de Samos,
Empédocles de Agrimento, Filolau de Crotona,
Arquitas de Tarento, Anaxágoras de Clazomenas,
Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera. Figura 5 - Sócrates (469-399)

Acadêmicos e ilósofos concordam que a igura de Sócrates e, consequentemen-


te, todo o seu pensamento, pode não ter sido inteiramente seu. Sócrates nunca
incorporou sua ilosoia em um texto e a única coisa escrita sobre ele é produto
dos seus seguidores, como Platão e Xenofonte.
Muitos pensadores ousam dizer que Platão chegou a colocar em Sócrates os
seus próprios pensamentos, especialmente nos últimos livros que escreveu. Por
isso, é muito difícil discernir entre o que seus discípulos pensaram e o que Sócrates
realmente defendeu e acreditou. Portanto, não há escolha a não ser tomá-la como
verdadeira, sempre tendo em mente que, se surgir alguma contradição, é provável
que ela tenha vindo daqueles que escreveram sobre ele e não do próprio Sócrates.
O círculo aristocrático agrupado em torno de Sócrates era o centro da luta
ideológica e política contra a democracia em Atenas. Faziam parte desse círcu-
lo: Platão, Crítias (que, após a derrota da democracia, liderou os trinta tiranos
de Atenas), os traidores Alcibíades e Xenofonte. Pouco depois da vitória da
reação, o poder democrático foi restaurado e Sócrates foi condenado à morte
por sua atividade antipopular.

110
UNICESUMAR
Figura 6 - A Morte de Sócrates, de Jacques Louis David (1787)

O princípio ilosóico essencial de Sócrates era seu método dialético. Sócrates estu-
dou profundamente temas relacionados à cosmologia e outras variantes que o aju-
dariam a entender o universo e o mundo em que vivemos. No entanto, sua decepção
em relação ao método cientíico aplicado nas ciências naturais, juntamente com
a grande rejeição às perspectivas relativistas que os soistas ensinavam na época,
izeram-no decidir por procurar o caminho para alcançar as deinições universais.
Para Sócrates, as principais deinições não eram questão relativa, então ele
gerou um método indutivo por meio do qual se poderia chegar ao verdadeiro
conhecimento do mundo e de seus elementos. Segundo ele, a verdade era a mes-
ma, independentemente do lugar ou do indivíduo. Dessa forma, ele começou a
aplicar o que seria chamado de método socrático. Com isso, Sócrates pretendia
dialogar com amigos e conhecidos, sempre objetivando uma deinição universal.
O método indutivo consistia em duas partes: a ironia, por meio da qual o ho-
mem percebe sua própria ignorância das coisas, e a maiêutica (parto das ideias),
caracterizada por perguntas e respostas cada vez mais especíicas, até alcançar
um conhecimento particular.
Para Sócrates, era extremamente importante que o indivíduo reconhecesse sua
própria ignorância, pois sem esse passo não haveria espaço para a verdade. Depois
que a pessoa com quem ele dialogava aceitasse seu desconhecimento sobre um
assunto, Sócrates se empenhava em fazer perguntas que seu parceiro respondesse
por conta própria, cada vez mais aprofundadas sobre o tópico em questão.

111
Sócrates usou esse método dialético pelo resto de sua vida. Isso é evidente
UNIDADE 3

em quase todos os livros de Platão, que apresentam seu professor em conversas


com diferentes personagens sobre diversos temas que buscava deinir. Ele man-
tinha e divulgava a necessidade de os seres humanos “cuidarem de suas almas”
em detrimento das prioridades da época, que incluíam preocupar-se com uma
carreira, a família ou mesmo uma jornada política na cidade.
O ilósofo conseguiu espalhar seu conhecimento entre amigos próximos,
com a intenção de estimular suas próprias buscas por virtude e sabedoria. Da
mesma forma, ele acreditava que a verdadeira felicidade vinha do fato de ser
moralmente correto, isto é, que somente o homem moral poderia realmente viver
uma vida feliz. Defendia, além disso, a ideia de que havia uma natureza humana
universal, com valores igualmente universais, que todo homem poderia usar
como guia para agir moralmente no cotidiano.

Política

Para Sócrates, as ideias e as verdadeiras essências das coisas pertencem a um


mundo que só o homem sábio pode alcançar. Por isso, manteve irmemente uma
posição, segundo a qual o ilósofo era o único homem apto a governar.
Se Sócrates concordou ou não com a democracia é uma questão controver-
sa. Embora seja muito claro que Platão criticou essa forma de governo, não é
certo que Sócrates diria o mesmo. É bem possível que muitas das frases e senten-
ças de Sócrates sobre a democracia foram apenas o produto criativo de Platão.
Platão é reconhecido como uma das iguras
mais importantes da Filosoia ocidental e, até mes-
mo, práticas religiosas devem muito ao seu pensa-
mento. Ele foi o fundador da Academia, o primei-
ro instituto de ensino superior da época. Algumas
das suas contribuições mais importantes à ilosoia
foram: a teoria das ideias, a dialética, a anamnese
ou a busca metódica pelo conhecimento.
Figura 7 - Platão (428-347 a.C.)

112
Aluno de Sócrates e, por sua vez, professor de Aristóteles, que era seu aluno mais

UNICESUMAR
proeminente na Academia, Platão expressou seus pensamentos na forma de diá-
logos, ao utilizar elementos dramáticos que facilitaram a leitura e a compreensão
de suas ideias, recriando e exempliicando situações tratadas com bastante efe-
tividade. Tal qual Sócrates, ele estabeleceu as bases da Filosoia, da política e das
ciências ocidentais. Foi considerado um dos primeiros pensadores que conseguiu
conceber e explorar todo o potencial da Filosoia enquanto prática, ao analisar
temas dos pontos de vista ético, político, epistemológico e metafísico.
A educação de Platão era ampla e profunda. Diz-se que ele foi instruído por
vários personagens nobres de seu tempo. No ano de 407 a.C., quando tinha 20
anos, conheceu Sócrates. Esse encontro foi absolutamente decisivo, já que este se
tornou seu professor. Naquela época, Sócrates tinha 63 anos e os ensinamentos
foram estendidos por oito anos, até a sua morte.
O pensamento de Platão foi muito inluenciado pela Filosoia pitagórica,
desde os seus primórdios. Para ele, era a alma e não o corpo a verdadeira essência
do ser. De fato, o corpo era um obstáculo na busca da verdade e na ampla expres-
são do ser em seu aspecto mais essencial. Acreditava que a alma vinha de uma
dimensão superior, na qual estaria em contato com a verdade. Em algum mo-
mento, a alma se rendeu aos prazeres baixos ou inferiores e, como consequência,
foi forçada a reduzir-se ao mundo conhecido, tornando-se aprisionada no corpo.
Uma das noções desenvolvidas por Platão foi chamada de teoria das três
partes da alma. Essas partes eram a alma concupiscente, a alma irascível e a alma
racional. Platão considerou que esses elementos eram as faculdades da alma.
A alma irascível estava ligada à capacidade de ordenar os outros, assim como
à força de vontade. Relacionava-se à força e ao ímpeto e, ao mesmo tempo, com
ambição e raiva. A alma racional era aquela que Platão considerava a faculdade
superior entre todas as outras. Relacionava-se à inteligência e à sabedoria e, se-
gundo Platão, eram os ilósofos quem possuíam essa faculdade mais desenvol-
vida. A alma concupiscente, por sua vez, era a mais inferior de todas as outras e
estava ligada ao impulso natural de evitar a dor, assim como pela busca do prazer.
Platão indicou que este elemento promoveu o gosto por bens de natureza mate-
rial, o que diicultou a busca da verdade e a essência das coisas

113
Mito da caverna
UNIDADE 3

Esta é a alegoria que melhor explica ou concebe a dualidade que Platão expôs.
Segundo o mito da caverna, existe uma área ligada a ideias ininteligíveis, e há
outra claramente associada ao mundo sensorial, que nós experimentamos. Uma
vida dentro de uma caverna corresponde
a um mundo sensorial, assim como a vida
fora da caverna está relacionada ao mundo.
Para Platão, viver dentro da caverna
implica em viver na escuridão e na submis-
são absoluta aos prazeres mundanos. Sair
da caverna é uma representação de deixar
para trás a busca pelos prazeres para ir em
busca do conhecimento. Quanto mais nos
aproximamos do conhecimento, mais nos
distanciamos da caverna e mais perto es-
tamos da verdade.
Figura 8 - Mito da caverna

Aristóteles (384322 a.C.)

Aristóteles elaborou um dos mais profundos e completos sistemas ilosóicos da


Filosoia antiga. Seu pensamento se estendeu a diversas áreas do conhecimento:
Lógica, Física, Biologia, Psicologia, Metafísica, Ética, Política, Sociologia e Estética.
Embora tenha começado como discípulo de Platão, logo rompeu com ele e
construiu seu próprio sistema, que teve grande inluência na Filosoia posterior,
tanto no mundo árabe quanto no mundo cristão. Nesse sentido, a partir do século
XIII, graças ao trabalho de Tomás de Aquino, o pensamento aristotélico dominou
o pensamento ocidental, tanto o ilosóico quanto o cientíico, até que, no século
XVII, Galileu de um lado e Descartes de outro desenvolveram uma nova ciência
(a física moderna) e uma nova ilosoia (o racionalismo).
Aristóteles negou a existência do mundo das ideias. Para ele, estas não são
encontradas em um mundo separado, mas nas próprias singularidades e concre-
tudes, de onde as obtemos por meio da abstração.
Em nosso mundo, há uma multidão de seres que, de acordo com sua natureza

114
ou modo de ser, pertencem a diferentes gêneros e espécies. Entretanto, os seres

UNICESUMAR
pertencentes à mesma espécie possuem a mesma essência. Para Aristóteles, esta
é o que torna as coisas o que são. Assim, a essência do cachorro, por exemplo, é o
que faz com que o cachorro seja cachorro. No mundo, há muitas raças de cachorro
e há também o cachorro do meu vizinho, os cachorros da polícia etc. Todos eles
são seres individuais e concretos, mas, ao mesmo tempo, compartilham algo em
comum – a essência de cachorro.

Conhecimento

Aristóteles também negou a existência das almas e do conhecimento inato. Se-


gundo ele, o entendimento humano é como um papel em branco, sem qualquer
conteúdo cognitivo. Entretanto, o conhecimento é adquirido por meio dos sen-
tidos. Ele distinguiu nos seres humanos dois tipos de faculdades: as faculdades
sensíveis e as faculdades intelectuais.
As sensíveis são compostas dos sentidos externos: visão, audição, olfato, pala-
dar e tato e os sentidos internos: senso comum, memória e imaginação. As inte-
lectuais são constituídas pela compreensão do agente e pelo entendimento do
paciente. Entendimento do agente é aquele que realiza a abstração das essências,
enquanto o paciente é quem as recebe.
Para Aristóteles, os sentidos identiicam as singularidades e concretudes por
meio da sensação, enquanto o entendimento identiica as essências universais
por meio das ideias. A este respeito, o conhecimento humano autêntico é o co-
nhecimento intelectual.

Ética

Tal qual o restante de sua Filosoia, a ética aristotélica é puramente teleológica.


De acordo com os princípios ilosóicos, partiu da própria natureza humana. De
lá, o ilósofo observou que todos os seres humanos, por natureza (physis), estão
propícios à felicidade. O problema surge ao determinar em que consiste tal es-
tado, pois, para alguns, a felicidade está nos negócios, para outros, em riquezas
ou honras etc. Como descobrir qual é a verdadeira felicidade do ser humano?

115
UNIDADE 3

explorando Ideias

Teleologia: ciência que se pauta no conceito de inalidade (causas inais) como essencial na
sistematização das alterações da realidade, ao haver uma causa fundamental que rege, por
meio de metas, propósitos e objetivos, a humanidade, a natureza, seus seres e fenômenos.
Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)4.

De acordo com Aristóteles, a felicidade do ser humano tem relação intrínseca


com o bem próprio e exclusivo do ser humano. Em que consiste o bem? Ao res-
ponder a essa pergunta, devemos prestar atenção às características da natureza
humana. O bem próprio do ser humano tem relação essencial com a natureza.
Aristóteles concluiu que o bem próprio e a felicidade autêntica dos seres humanos
dependem do correto exercício das referidas faculdades sensíveis e intelectuais.

Filosofia Patrística e Escolástica

Filosoia Patrística: a patrística é conhecida com um período do pensamento


ilosóico cristão ocorrido do século II ao VII d.C. Falamos, neste momento, dos
chamados Pais da Igreja, aqueles cuja tarefa fundamental era escrever obras que
expusessem a doutrina cristã. Eles são os verdadeiros iniciadores da ilosoia
cristã, ao mesmo tempo em que desenvolveram a estrutura eclesial da fé basea-
da no cristianismo. Normalmente, dois grupos são distinguidos de acordo com
a linguagem usada para escrever seus trabalhos, embora a diferença entre eles
ultrapasse a mera linguagem. Esses grupos são:
1. Pais gregos: aqueles autores que, usando o grego como língua e conceitos
da Filosoia grega, construíram a estrutura do que seria a ilosoia e a
teologia cristãs. Eles se basearam no pensamento platônico e a inluência
dos gregos deu caráter especulativo aos seus escritos, o que marcou o
pensamento cristão.
2. Pais latinos: são os autores que escreveram em latim e, a partir da cultura
romana, contribuíram para a formação do pensamento cristão. Isso se
tornou importante em meados do terceiro século, quando o latim su-
plantou o grego como língua litúrgica oicial da comunidade cristã no

116
Ocidente. Os conteúdos metafísicos que aparecem em seus escritos se

UNICESUMAR
devem à inluência da cultura grega, especiicamente o platonismo, que
já estava presente nas primeiras formulações do pensamento cristão.

A tarefa que a patrística realizou foi a de iniciar a construção de um pensamento


cristão a partir do pagão. Essa tarefa começou em Alexandria, com a criação da
escola catequética cristã Didascalion (Didascalium ou Didaskaleion). Ali, apare-
ceram as correntes platônicas, estoicas e ilonianas, que criaram as condições para
o desenvolvimento posterior do pensamento cristão. Pode-se dizer que, entre os
Pais da Igreja, houve uma avaliação positiva sobre a Filosoia como ciência, pois
passaram a considerá-la capaz de ajudar a entender melhor a fé. Isso fez com que
surgissem conceitos cristãos a partir da terminologia grega. Assim, os conceitos
retirados dos gregos assumiram novo signiicado na estrutura da Filosoia cristã.

Santo Agostinho

Santo Agostinho, bispo de Hipona, é con-


siderado o grande mestre da Idade Média.
Ele elaborou o primeiro sistema completo
do pensamento cristão, que nasceu como
resultado das controvérsias que surgiram
ao tentar deinir a verdadeira doutrina
cristã. Começou essa tarefa depois da sua
conversão, em 386 d.C. Em um esforço
incessante para esclarecer o signiicado
correto dos conceitos cristãos, Santo Agos-
tinho determinou a terminologia da Filo-
soia cristã predominante até o século XIII. Figura 9 - Santo Agostinho

conecte-se

Acesse o QR Code e conheça um pouco mais sobre quem foi Santo Agostinho.

117
Ele combateu as ideias de três movimentos: o maniqueísmo, que admitia a exis-
UNIDADE 3

tência de dois princípios originais no mundo em luta permanente, Ormuz (leve,


bom) e Ariman (escuro, mal), ambos presentes no homem por meio da alma
corpórea; o donatismo, que defendia a separação total e absoluta da Igreja e do
Estado. De acordo com ele, os sacerdotes que colaboraram com o Estado per-
deram sua pureza e não poderiam administrar os sacramentos; e, por último, o
pelagianismo, que assumia que o homem poderia fazer o bem por si mesmo,
rejeitando, assim, o pecado original.
As ideias que Santo Agostinho elaborou como resultado dessas controvérsias
formam um sistema ilosóico que se tornou parte da doutrina oicial da Igreja.
Ele argumentou que a Filosoia ajudaria a tornar a verdade cristã compreensível,
seguindo o modelo neoplatônico tanto na busca da verdade quanto na maneira
de interpretar o conhecimento.

Livre arbítrio

O homem nasce com uma vontade debilitada. Essa vontade é entendida como
livre arbítrio, isto é, a capacidade de escolher livremente. Ela se deteriora no ho-
mem quando este se inclina mais a favor do mal do que do bem. Para resolver esse
problema, Santo Agostinho se baseou em uma intervenção externa, derivada da
redenção, que prometia ajudar o homem a recuperar o seu estado de equilíbrio e
dar-lhe a possibilidade de tomar decisões. Seria por meio da ajuda da graça que
o livre-arbítrio se transformaria em liberdade.

Escatologia da História

A escatologia é a doutrina que trata daquilo que acontecerá no im do mundo e


da humanidade, a im de explicar o destino do homem como membro de uma
coletividade. A escatologia patrística buscou encontrar o signiicado da história
humana, que deveria estar relacionada à História Sagrada e à visão escatológica
da Bíblia. Ao levantar a história a partir dessa perspectiva, foi iniciada muito mais
uma Teologia da História do que uma Filosoia de fato.
Em seu livro A Cidade de Deus, de 426 d.C., Santo Agostinho descreveu que a
capacidade humana de seguir ou não os ditames de Deus torna possível falar da
118
existência de duas cidades. Elas representam a comunidade de homens que segue

UNICESUMAR
as ordens divinas e a que segue as suas próprias ordens. A primeira é baseada no
amor de Deus e a segunda no amor próprio.
O ponto de partida é a luta permanente entre duas tendências – uma positiva e
outra negativa –, enquanto há, no ser humano, uma luta constante entre as inluên-
cias da carne e do espírito. Santo Agostinho apresentou essa luta como a batalha
entre duas cidades: a cidade terrena (o Estado) e a cidade celestial (a Igreja). A única
inluência benéica que Agostinho vê nessa disputa é que ambas as cidades são
governadas por valores espirituais, que buscam interesses divinos e não terrestres.
Daí, nasceu a ideia de que o Estado deve levar todos até a cidade celestial,
pois deve ser regido por interesses espirituais. Essa foi a base da teoria política
chamada de cesaropapismo, na qual a Igreja é a comunidade formada por cristãos
iéis que buscam por Deus e por justiça, e que o Estado deve submeter-se à Igreja.
Essa teoria serviu para justiicar o predomínio temporal da Igreja sobre o Estado.

Escolástica (século XIII ao XV)

A palavra escolástica vem do latim schola, que signiica escola. No início, o termo
foi usado para designar o conhecimento cultivado nas escolas medievais e ensina-
do sob a direção de um professor. Mais tarde, foi usado para designar o material
ensinado e o método de ensino usado nas escolas. Em seu signiicado etimológico,
não expressa nenhuma corrente de pensamento especíico, mas de que o ensino, na
Idade Média, era praticado em escolas monásticas, episcopais ou palatais.

Escolástica cristã

O escolasticismo cristão nada mais é do que a especulação teológico-ilosóica


cultivada e desenvolvida nas escolas e universidades medievais. Todos os sistemas
ilosóicos cristãos foram inspirados pelo aristotelismo e pelo agostinismo neopla-
tônico, nascidos e desenvolvidos à sombra da Teologia nas escolas medievais. Aos
poucos, alcançaram autonomia no desenvolvimento de uma síntese doutrinária.
O século XIII é considerado o momento da maturidade da Filosoia Escolás-
tica. Caracteriza-se por grandes sínteses doutrinais teológico-ilosóicas. Nesse
período, destacaram-se Santo Alberto Magno e São Tomás de Aquino.
119
São Tomás de Aquino começou a estudar Aristóteles, o que o levou a concluir
UNIDADE 3

que a incompatibilidade entre a Filosoia aristotélica e a fé cristã era falsa. Ele é o


criador do sistema ilosóico cristão que mais inluenciou a cultura do Ocidente
e um dos autores mais importantes no ensino acadêmico da Igreja.
Ele foi abertamente a favor da autonomia da razão naquilo lhe é própria. Air-
mou a capacidade do homem de compreender
o universo e as suas leis, o que não signiica que
há duas verdades, mas apenas uma, que pode ser
trilhada por caminhos diferentes. Segundo ele, o
objetivo inal de todo conhecimento é Deus. Nós
chegamos a ele mediante a revelação, mas tam-
bém pode ser conhecido por meio da razão.
Ele se preocupou com a sistematização e expo-
sição da doutrina cristã sobre Deus. Segundo ele, a
existência de Deus é o primeiro dado da revelação,
por isso, ele a tomou como ponto de partida e foi
essência de todo o seu sistema teológico-ilosóico. Figura 10 - São Tomás de Aquino

Filosofia Moderna

René Descartes é considerado o pai da Filosoia Moderna. Sua participação foi


ativa em diversas áreas: Filosoia, Física, Matemática e Medicina. Suas teorias
dariam forma ao que passou a ser conhecido como “mecanicismo” e sua obra
O discurso do método, publicado pela primeira vez em 1637, lançaria as bases
da pesquisa cientíica moderna.
Descartes nasceu em 31 de março de 1596 em
Turena, França, em uma família pertencente à bai-
xa nobreza. A morte prematura de sua mãe fez com
que o jovem izesse todas as espécies de perguntas
sobre a vida. Com onze anos, entrou no Collège
Henri IV de La Flèche, uma escola jesuíta em que
ele se destacou especialmente graças aos seus pri-
meiros dons intelectuais e onde aprendeu Física,
Filosoia Escolástica e Matemática.
Figura 11 - René Descartes

120
Com 18 anos, Descartes entrou na Universidade de Poitiers, na qual estudou

UNICESUMAR
Direito e Medicina. Depois de completar seus estudos, mudou-se para a Holan-
da em 1618 e se alistou como voluntário em vários exércitos. Foi uma etapa em
que demonstrou grande interesse pela guerra, mas desistiu da vida militar e se
dedicou a viajar pela Europa.
Utilizou a sua teoria da ciência do método para aplicá-la a todas as ciências
do universo, o que fez com que a metafísica deixasse de ser o fundamento neces-
sário para entender o que o rodeava, embora, para ele, Deus não estivesse ausente.
Descartes também criou as leis da ótica geométrica relacionadas à relexão e
à refração. No campo da Matemática, criou a álgebra de polinômios e, junto com
Fermat, a geometria analítica. Ele também enunciou e simpliicou as propriedades
fundamentais das equações e notações algébricas.

Empirismo inglês

Desenvolveu-se na Inglaterra, do século XVI ao XVIII, uma ilosoia com pre-


ceitos claramente deinidos. Francis Bacon, David Hume, George Berkeley, John
Locke e mais uma série de pensadores se opuseram, em certa medida, à Filosoia
de Descartes, que estudamos anteriormente. Foi também uma resposta histórica
ao racionalismo, como uma crítica aos conceitos de sua metafísica e sua teoria do
conhecimento, além de refutar os conceitos metafísicos da Filosoia Escolástica.
A Filosoia inglesa apresenta duas características que a difere das anterio-
res: uma preocupação menor com questões estritamente metafísicas (buscando
interação com a teoria do conhecimento) e a Filosoia do Estado. Nasceu daí o
Espírito Iluminista, que tentou remover da Filosoia seu desejo de transcendên-
cia e a busca incessante pelo absoluto. Procurou-se um fundamento diferente,
estritamente racional, que não fosse essencialmente religioso e que servisse de
base para a nova concepção do mundo.
Para construir essa visão exclusivamente racional, é necessário marcar alguns
limites. A razão não é absolutamente precisa, como airmam os dogmáticos (a
Escolástica ou a Filosoia de Descartes), nem é completamente incerta, como os
céticos radicais airmavam. Por serem defensores árduos da religião, tentaram
desacreditar da razão e mostrá-la como algo inútil, fazendo uso do ceticismo e a
ideia de impor a sua fé de maneira intolerante.

121
Para os empiristas, a posição com relação à razão é mais humilde, mas é mais
UNIDADE 3

realista. A razão pode fornecer-nos crenças razoáveis e verdades que têm uma
possível certeza, portanto são úteis, embora não sejam imutáveis, pois podem mu-
dar com o tempo, aperfeiçoando-se. Além disso, essa corrente ilosóica acreditava
que a obtenção do conhecimento humano deveria vir por meio da experiência
de vida pelo uso dos sentidos.

explorando Ideias

Locke
Locke é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita, porque se propôs a ana-
lisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas ideias e
dos nossos discursos. Seguindo a trilha aberta por Aristóteles, Locke também distinguiu
graus de conhecimento, a começar pelas sensações até chegar ao pensamento.
Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão, que opera por si mes-
ma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando-a. Para o empirismo, a fonte de
todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas ideias da razão
e controlando o trabalho da própria razão.
Essas diferenças, porém, não impedem que haja elemento comum a todos os ilósofos a
partir da modernidade, qual seja, tomar o entendimento humano como objeto da inves-
tigação ilosóica.
Fonte: adaptado de Chauí (2014, p. 167).

Idealismo alemão

Em geral, a palavra idealismo se aplica à doutrina ilosóica que deine a ideia


como princípio de conhecimento e, ao mesmo tempo, da realidade. Esta é redu-
zida ao pensamento, à ideia. Seus principais representantes são: Emmanuel Kant
e Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
O idealismo alemão de Kant, chamado de idealismo crítico ou transcendental,
é um idealismo relativo, visto que não exclui totalmente a existência real do ob-
jeto, apenas priva as formas de conhecimento da realidade objetiva. Kant deine
o idealismo transcendental como aquele que considera os fenômenos em seu
conjunto como simples representações.
Na Crítica da Razão Pura, publicada pela primeira vez em 1781, Kant submeteu
a razão cientíica à crítica, deinindo conceitos prévios para estabelecer o valor e a

122
possibilidade da ciência. Essa obra está dividida em três partes: Estética Transcen-

UNICESUMAR
dental, que trata do valor do conhecimento sensível para estabelecer a possibilidade
da Matemática como ciência; Analítica transcendental, que aborda o valor dos
conceitos do entendimento para estudar a possibilidade da Física como ciência; e
a Dialética transcendental, que trata do valor das ideias da razão para estabelecer
a possibilidade da Metafísica como ciência. Essa é a base do idealismo alemão.
Hegel, por sua vez, parte da consideração de que
o princípio supremo, a realidade absoluta, é a ideia. A
ideia é o começo, o desenvolvimento e o im de tudo,
é o ser que constitui a essência de todas as coisas.
Para Hegel, a Ideia está em perpétuo devir (vir a
ser). A partir dela, desdobra-se toda a realidade tal
qual é, ou a ideal. Nesse caso, a dialética é a lei que
rege todo o processo da realidade e o desdobramento
da ideia nesse estado é uma exibição dialética. Figura 12 - Hegel

A evolução por meio da qual a ideia se desdobra é explicada pelo método dialé-
tico, que consiste em três fases: tese, antítese e síntese. Na tese, a ideia é posta ou
airmada; na antítese, o que foi airmado é contestado ou limitado; na síntese, a
ideia e sua limitação são unidas e integradas à totalidade.

explorando Ideias

A inluência da ilosoia hegeliana


Hegel exerceu grande inluência no desenvolvimento do pensamento político posterior,
e seus seguidores se dividiram em dois grupos opostos, denominados esquerda e direita
hegeliana. Essa cisão foi provocada por uma querela de origem religiosa incitada por Da-
vid F. Strauss, teólogo e autor de Vida de Jesus, na interpretação do pensamento de Hegel.
Os da direita são os discípulos conservadores e mantêm a ilosoia idealista do mestre; na
política, defendem o estado prussiano e, na religião, seguem o luteranismo. Os da esquer-
da transformam a ilosoia idealista em materialista; na política, defendem a anarquia ou
um regime socialista e, na religião, são ateus ou anticristãos. Entre estes estão Feuerbach
e, posteriormente, Marx e Engels, os quais, ao realizarem a inversão do idealismo hegelia-
no, assentam as bases do materialismo dialético: “A dialética de Hegel foi colocada com a
cabeça para cima ou, dizendo melhor, ela que se tinha apoiado exclusivamente sobre sua
cabeça, foi de novo reposta sobre seus pés.
Fonte: Aranha (2004).

123
séculos passados), os pesquisadores se basearam na teoria crítica do marxismo.

UNICESUMAR
Estavam inclinados ao idealismo e até ao existencialismo para o desenvolvimento
de seus postulados. Foram altamente inluenciados pela Filosoia crítica proposta
por Kant e tinham a dialética e a contradição como propriedades intelectuais.
Seu método crítico apareceu como resposta ao fascismo e ao nazismo, mas
também ao fracasso do marxismo ortodoxo. Esses aspectos, juntamente com a
incapacidade da classe trabalhadora europeia de combater a hegemonia capitalista,
tornaram imperativo o fato de repensar o signiicado de dominação e emancipação,
colocando os pilares de uma teoria social da ação política em uma base mais sólida.
De acordo com os teóricos dessa escola, a leitura ortodoxa que o marxismo
havia recebido havia despido o pensamento de Marx sobre seu verdadeiro potencial
crítico. Era necessário, portanto, rejeitar algumas suposições doutrinárias típicas
dessa ortodoxia, como a noção de inevitabilidade histórica, a primazia do modo
de produção no curso da história e a ideia de que a luta de classes e os mecanismos
de dominação ocorrem somente nos limites privados do processo de trabalho.
Consequentemente, a linha de pensamento mantida por esses autores desva-
loriza a esfera econômica, direcionando a atenção para veriicar a forma de como
a subjetividade é constituída, bem como para a maneira como as esferas culturais
e a vida cotidiana representam um novo terreno para a dominação.
A crítica da razão instrumental ocupa lugar importante na teoria crítica. A ra-
zão instrumental é concebida como herança do Iluminismo, movimento que exa-
cerbou o racionalismo que atravessa toda a modernidade. A razão desempenhou
papel progressivo em toda a modernidade, atingindo seu clímax na Filosoia
histórica de Marx. A partir desse momento, foi despojada de sua dimensão crítica
e se tornou elemento de legitimidade a serviço da dominação. O Positivismo é
a expressão mais contundente dessa tendência, desenvolvido como uma síntese
de várias tradições hegemônicas de pensamento na teoria social ocidental, cuja
nota comum é o desenvolvimento de modos de pensar metodológicos baseados
nas ciências naturais e em princípios dogmáticos de observação e quantiicação.
Em sua crítica ao Positivismo, a Escola de Frankfurt demonstrou os mecanis-
mos de controle ideológico do capitalismo avançado. É uma linha de pensamento
que reduz a ciência a uma metodologia baseada na descrição, classiicação e genera-
lização de fenômenos sem preocupar-se em distinguir o essencial do não essencial,
privando-a de todas as dimensões críticas. O cientista burguês ica impotente para
agir autonomamente, visto que naturaliza o estado das coisas existentes, ao atuar
como unidade individual e isolada, sem importar-se em questionar a realidade.
125
A teoria crítica também ofereceu novos conceitos que ajudam a analisar o pa-
UNIDADE 3

pel das instituições como agentes de reprodução cultural e social. De acordo com
essa linha de pensamento, a sociedade avançada reduz a cultura a mercadorias
gerenciadas por uma indústria de massa, que lhe confere a função de fechar todos
os sentidos do homem, tornando-o o meio mais eicaz para encobrir a domina-
ção. Em geral, a crise cultural do capitalismo avançado pode ser apontada em três
aspectos. Em primeiro lugar, a arte como tal se tornou impossível, perdendo sua
autonomia, autenticidade e, portanto, sua essência. Em segundo, a própria cultura,
tomada em sua totalidade, deixa sua dimensão negativa, desenvolvendo-se como
obscurecimento e negação total da consciência. Finalmente, a cultura é organi-
zada como uma instituição superestrutural reduzida à indústria de massa para
consumo. Ao apontar o elo entre poder e cultura, é revelada a maneira pela qual
as ideologias dominantes são constituídas por diferentes formações culturais. A
cultura estabelece, nessa perspectiva, um vínculo particular com a base material
da sociedade. Isso possibilita compreender problemas, como sua articulação com
os interesses dos grupos dominantes, sua gênese e os papéis desempenhados na
constituição das relações de poder e resistência, o que permite a análise de escolas
e universidades como parte de uma organização mais ampla da sociedade.

Jürgen Habermas

O ilósofo e sociólogo Jürgen Habermas chegou aos noventa anos (nasceu em 18 de


junho de 1929) e permanece como um dos intelectuais mais inluentes da Alema-
nha, depois de uma longa carreira como acadêmico e ensaísta, em que contribuiu
permanentemente para interpretar as notícias políticas de seu país e do mundo.
Para alguns, Habermas foi a eminência cinzenta da revolta de 1968 na Ale-
manha; para outros, ele ainda é o último representante da chamada Escola de
Frankfurt e é praticamente unânime a ideia de que ele é o último ilósofo alemão
cuja inluência excedeu os limites do mundo acadêmico. Seu trabalho acompa-
nha, como comentário permanente, a evolução da Alemanha e do mundo desde
o pós-guerra, e talvez isso explique o eco que teve em suas obras.
Em 1956, após breve período como jornalista, heodor W. Adorno, um dos
principais representantes da Escola de Frankfurt, convidou-o para trabalhar no
lendário Instituto de Pesquisa Social, que acabara de voltar a funcionar após fe-

126
chamento forçado durante a era nazista. A partir daí ele começou a elaborar uma

UNICESUMAR
série de abordagens para explicar e também renovar a então nova democracia
alemã. O marxismo permaneceu como ferramenta de análise, como havia sido
para os fundadores da Escola de Frankfurt, mas deixou de ser, pelo menos para
ele, uma verdadeira alternativa política.
Os livros de Jürgen Habermas se multiplicaram com ritmo sistemático e
avassalador nas últimas quatro décadas, em um dos projetos mais atraentes da
Filosoia da segunda metade do século XX. É difícil que alguém interessado nos
problemas da sociedade contemporânea não tenha encontrado suas relexões
sobre ética e teoria da ação, Sociologia, Filosoia da Linguagem ou teorias da
argumentação. A isso, devemos acrescentar suas frequentes intervenções na dis-
cussão de problemas mais próximos da vida pública. Alguns dos livros de Ha-
bermas representam marcos na discussão da Filosoia com várias disciplinas da
análise social e, com menos frequência, estabelecem um diálogo com correntes,
como a ilosoia da língua anglo-saxônica ou as ilosoias pós-heideggerianas da
Alemanha e da França, relativamente longe do ponto de partida de Habermas, a
teoria crítica da Escola de Frankfurt.
Esse pensador desperta a desconiança de ilósofos do direito e da política
(como aconteceu em outros países) porque tenta dar uma visão global, alternativa
às correntes dominantes nessas disciplinas e do sistema jurídico e político das
sociedades democráticas a partir de sua teoria da ação comunicativa. Mostra
como sociedades complexas coordenam ações no nível normativo por diferen-
tes meios (política, direito) e como esses meios são constituídos por uma tensão
estrutural entre duas características das normas: as normas são impostas, visto
que são legais e, ao mesmo tempo, valem desde que essa legalidade seja legítima.
Coordenamos nossas ações dentro de normas positivas e consideramos aceitável
a sua força em virtude da sua validade.
A gênese do projeto intelectual de Habermas é a teoria crítica da Escola de
Frankfurt e, especialmente, seu primeiro programa, quando Horkheimer, nos
anos 30, abordou as sociedades contemporâneas, concentrando-se na análise de
suas formas de racionalidade e crítica. Seus primeiros trabalhos, segundo essa
herança, pretendiam resgatar, em controvérsia com positivismo e hermenêutica
pós-heideggeriana, uma noção de razão crítica e inseri-la em um projeto polí-
tico-social emancipatório. Como esse projeto não podia permanecer no campo
ilosóico puro, a reconstrução da razão crítica teve de ser desenvolvida no diálogo

127
com as Ciências Sociais. A análise das formas da possível razão crítica deveria,
UNIDADE 3

portanto, passar pela reconstrução dos processos sociais como formas de raciona-
lização. E, de fato, a discussão cientíico-social abrange grande parte do trabalho
de Habermas nas décadas de 70 e 80. Contudo, esse diálogo ilosóico com as
teorias e disciplinas sociais contemporâneas o levou a afastar-se de Marx e da
primeira geração da Escola de Frankfurt. O local da crítica à economia política
foi ocupado pela teoria dos sistemas (em discussão com Niklas Luhmann), pela
análise das formas de integração social (seguindo Durkheim) e pela tipologia das
formas de ação social (seguindo os passos de Weber e Mead).
Recentemente, tem estudado e escrito sobre Filosoia da Religião, criando,
assim, um novo conceito adotado por muitos – de uma era pós-secular. Seus
trabalhos da juventude: Conhecimento e Interesse (1968) e Teoria da ação comu-
nicativa (1981) continuam a ser lidos e estudados. Além de serem seguidos cons-
tantemente por estudos e ensaios nos quais há aproximação constante ao mundo
atual a partir da tradição ilosóica alemã.

Hannah Arendt

Hannah Arendt foi uma ilósofa política alemã, que, mais tarde, tornou-se norte-
-americana. Teve origem judaica e é considerada uma das mais inluentes ilósofas
do século XX. A privação de seus direitos, a perseguição de pessoas de origem
judaica na Alemanha, em 1933, bem como o breve encarceramento que sofreu
no mesmo ano contribuíram para sua decisão de emigrar. Sua nacionalidade foi
retirada, o que a tornou apátrida até obter a cidadania norte-americana.
Trabalhou como jornalista e professora e publicou importantes obras sobre
ilosoia política, mas não gostava de ser classiicada como ilósofa. Arendt de-
fendeu o conceito de pluralismo na esfera política e, graças a isso, desenvolveu o
conceito de igualdade política entre as pessoas. Criticava a democracia represen-
tativa e preferia um sistema de conselhos ou formas de democracia direta. Devido
ao seu pensamento independente, à teoria do totalitarismo, aos seus trabalhos
sobre ilosoia existencial e sua reivindicação pela discussão política, essa pen-
sadora desempenhou papel central nos debates contemporâneos. Como fonte
de descrições, empregou, além de documentos ilosóicos, políticos e históricos,
biograias e obras literárias. Seus trabalhos mais importantes são:

128
A Condição Humana: pensamento baseado no nascimento do indivíduo e

UNICESUMAR
não na morte, como a de Heidegger. Foi publicado em 1958 e, nele, a pensadora
se dedicou principalmente à ilosoia e desenvolveu a ideia do nascimento, na
qual inicia a capacidade de fazer um novo começo. O indivíduo tem a tarefa de
conigurar o mundo, em conexão com outras pessoas. Refere-se às condições
básicas da vida ativa do ser humano, que Arendt delimita: trabalhar, produzir, agir.
A Vida do Espírito: trabalho desencadeado e inspirado pelas críticas do juízo
kantiano. Ela planejava estudar em profundidade as três atividades do espírito:
pensamento, vontade e julgamento, embora sempre ligadas à ação e, portanto,
sem deixar de pensar em política. Logo, todo o interesse no pensamento deve
estar centrado na ação, compreendê-la e pensar no que é feito.
Sobre a Violência: o termo “violência”, em seu sentido mais elementar, refere-
-se aos danos causados às pessoas por outros seres humanos. As experiências tota-
litárias do século XX estenderam esse uso da violência a uma escala e intensidade
sem precedentes na história da humanidade – e é nesse contexto que esse livro
de Hannah Arendt pode ser enquadrado. Para a Filosoia Política, a violência em
estudo tem duas faces: a violência organizada do Estado ou a que se rompe à sua
frente. Isso levou muitos a pensar que a violência é, principalmente, uma forma
de exercício de poder. A posição inicial da autora em Sobre a Violência consiste
no estudo aprofundado da violência política em suas encarnações extremas no
mundo contemporâneo e em sua cuidadosa separação entre violência e poder
político. Este é o resultado de uma ação cooperativa, enquanto a violência do
século XX está ligada à ampliação da destruição causada pela tecnologia.

Michel Foucault

Historiador, psicólogo, ilósofo e teórico social, Michel Foucault foi um dos grandes
pensadores do século XX, cujas ideias geraram grande impacto e exerceram muita
inluência em todo o ambiente cultural francês da época. Ele foi reconhecido mun-
dialmente por suas ideias sobre instituições sociais, especialmente prisões, sistema
de saúde e Psiquiatria, bem como por seus estudos sobre sexualidade humana.
Nascido em 15 de outubro de 1926 na cidade de Poitiers, França, e sob o nome de
Paul-Michel Foucault, o pensador francês cresceu em um ambiente formal no qual
estudos e conhecimentos eram considerados essenciais – seu pai era um renomado ci-

129
rurgião francês. Após histórico acadêmico cheio de altos e baixos, Foucault conseguiu
UNIDADE 3

entrar na famosa École Normande Supérieure, reconhecida por ser um dos berços dos
melhores especialistas e pensadores de humanidades da França. Lá, sua permanência
foi um dos estágios mais difíceis. Depois de sofrer depressão e várias tentativas de
suicídio, ele icou nas mãos de um psiquiatra por longo tempo. Durante esse período,
adquiriu paixão pela Psicologia, o que o levou a formar-se em Psicologia e Filosoia.
Após várias outras vivências, Foucault retornou à França com a intenção de
concluir seu doutorado, durante o qual aceitou uma posição no Departamento de
Filosoia da Universidade Clermont-Ferrand. Durante esse período de sua vida,
ele se tornou um escritor prolíico, com a maioria de seus textos focados em Psi-
cologia, Psiquiatria e saúde mental. Enquanto suas publicações subsequentes se
concentraram em questões relacionadas à política, questões sociais e sexualidade.
Durante os anos em que se interessou pela corrente estruturalista, Foucault
foi considerado parte da corrente, tendo o mesmo nível de outros grandes pen-
sadores, como Jacques Lacan ou Claude Lévi-Strauss. Apesar disso, ele rejeitou
completamente a ideia de ser considerado defensor do estruturalismo. Embora,
no início, tenha se concentrado principalmente em questões de saúde mental e
Psicologia, bem como nas instituições que a controlam, suas contribuições mais
importantes e reconhecidas estão no campo das Ciências Sociais e política.
Foucault viveu em um tempo de grandes mudanças e convulsões sociais e, por
isso, estava muito interessado no presente ao qual ele pertencia, fazendo relexões
excepcionais sobre os sistemas e as relações de poder da época. Antes de tudo, é ne-
cessário especiicar que, ao falar sobre poder, esse pensador não se ateve apenas ao
governo ou às instituições, mas também às relações de poder que ocorrem em todas as
áreas da sociedade, conhecidas como poder social. Este é constituído por uma signii-
cativa parcela de pequenas esferas de poder, localizadas abaixo das grandes potências,
como o governo ou a igreja. Para ele, essas esferas de poder estão em níveis diferentes
e dependem umas das outras para se manifestar de maneira sutil e disfarçada.
No entanto, segundo o próprio pensador, o principal obstáculo à realização de
uma revolução é a manutenção das relações de poder, de acordo com o que acontecia
na época, o que exigia examinar e analisar essas relações por uma natureza social.
Em uma de suas publicações mais conhecidas, A Microfísica do Poder (1980),
Foucault conduziu uma revisão das relações de poder por meio de duas dinâ-
micas de domínio diferentes: contrato, em que se materializa no poder de tipo
opressor e jurídico, e se baseia em sua legitimidade; e dominação, que se estabe-
lece em termos de repressão e submissão.
130
Foucault insistia no ponto de vista de que o conlito não está apenas no poder

UNICESUMAR
do governo, mas também em todas as subestruturas com relações de poder que
o sustentam. Seguindo essa ideia, ele persistia que a análise das relações de poder
não deve começar pelo poder do governo, que é necessário, então, começar pelas
subesferas menores de poder, que o alimentam e possibilitam sua manutenção.
Por im, Foucault determinou que o principal papel dos pensadores deve estar
dentro da sociedade, acompanhando-a na luta contra as formas de poder que
nela existem. Suas principais obras são:
A História da Loucura (1961): primeiro trabalho relevante de Foucault, no
qual analisou e revisou o tratamento dado ao conceito de loucura ao longo da
história ao enfatizar a evolução do tratamento dado ao paciente.
As Palavras e as Coisas (1966): nesse trabalho, o pensador fez uma relexão
sobre como todos os períodos históricos são distinguidos, apresentando uma
série de condições fundamentais da verdade, que estabelecem o que é aceitável e
como essas condições evoluem e mudam no decorrer do tempo.
A Arqueologia do Saber (1969): outra das obras mais relevantes do pensador
francês, na qual realizou um exame ou uma análise da funcionalidade e do poder
das frases enquanto unidades básicas de fala.
Vigiar e Punir (1975): nessa obra, por meio do estudo do direito penal e es-
peciicamente do regime penitenciário do século XVIII ao século XIX, Foucault
estudou a presença de relações de poder, tecnologias de controle e a microfísica do
poder presente em nossa sociedade. Ele desenvolveu duas teses: a primeira é que
a punição sofreu mutações, o que implica não em sua melhoria ou piora, não sua
humanização ou racionalidade, como normalmente é airmado, mas à transforma-
ção, que responde a mudanças político-econômicas das sociedades ocidentais. Se
trata, portanto, de um estudo de métodos punitivos ante a economia e a política.
A segunda baseia-se na airmação de que há um conjunto de elementos e técnicas
materiais que servem como armas, canais de comunicação e pontos de apoio às
relações de poder e de saber, que envolvem os corpos humanos e os dominam,
tornando-os objeto de conhecimento. A tese é de que as práticas penais não são
consequências das teorias jurídicas, mas um capítulo da anatomia política.
História da Sexualidade (1976-1984): o ilósofo materializou esse trabalho
em três volumes diferentes, nos quais o uso da sexualidade é revisto como regi-
me de poder, bem como o uso de prazeres sexuais ao longo da história. Quando
Foucault morreu, em 1984, escrevia o quarto volume dessas relexões, focadas na
sexualidade e no cristianismo.
131
ciedade, a cidadania romana desapareceu e surgiram os estamentos medievais;

UNICESUMAR
na política, ocorreu uma decomposição das estruturas centralizadas romanas e
a dispersão de poder entre os povos bárbaros; e, na cultura, houve a substituição
da cultura clássica pelo teocentrismo cristão ou muçulmano.

explorando Ideias

O feudalismo é um sistema político, social e econômico deinido pela troca de serviços


e rendas entre o vassalo (servo) e o senhor feudal (suserano); sistema em que a terra e o
direito eram cedidos ao vassalo em troca de serviços e rendas.
Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)³.

Tradicionalmente, dividimos o período em duas partes: Alta Idade Média, que


abrange o período do século IX ao XI. Nesse momento, houve o crescimento do
feudalismo ou do modo de produção feudal, baseado em uma força de traba-
lho servil e focada nos senhorios ou domínios senhoriais. Politicamente, é um
momento de descentralização do poderio, no qual os reis têm pouco poder, se
comparados aos grandes senhores feudais. A Baixa Idade Média, por sua vez,
começa no início do século XII e vai até meados do século XV. Foi um momento
de reabertura, no qual cidades e atividades comerciais lentamente ganharam
importância novamente e um novo grupo social emergiu: a burguesia. Além
disso, começaram a desenvolver-se as primeiras transformações que, mais tarde,
fariam surgir o capitalismo na Idade Moderna.
A Filosoia, durante a Idade Média, foi uma ciência intimamente relacionada
à religião, o que tornava difícil sua separação com a Teologia. Entre os temas
mais discutidos estavam a relação entre fé e razão, liberdade do homem e plano
divino e a interpretação, a partir desse novo prisma religioso, dos ensinamentos
de grandes ilósofos pré-cristãos, como Platão e Aristóteles.

Idade Moderna

A passagem da Idade Média para a Idade Moderna não aconteceu de forma


abrupta. Não foi uma mudança provocada por uma revolução motivada por
mudanças radicais na sociedade nem pela monarquia ou pelas propriedades

133
eclesiásticas que dominaram na Idade Média e queriam continuar a exercer o po-
UNIDADE 3

der; pelo contrário: o passo a caminho da Idade Moderna foi uma lenta e gradual
transformação, que tomava forma desde os últimos séculos da Alta Idade Média.
Com isso, novas ideias começaram a aparecer, como o humanismo, a burguesia,
os estados e as nações, as cidades, as artes e as novas correntes de pensamento.
O aumento demográico impulsionou o desenvolvimento de cidades e mo-
vimentos populacionais (camponeses que migravam para a cidade), o que deu
origem a novos grupos sociais. Na área urbana, a alta burguesia comercial e
inanceira se tornou um grupo social com grande poder econômico e, além dis-
so, passou a participar de cargos governamentais e cresceu assustadoramente,
facilitado pelo crescimento das cidades e pelo aumento do comércio. Embora
monarcas, clérigos ou nobres ocupassem posições dominantes, seus poderes
econômicos foram superados, em muitos casos, pela alta burguesia.
Houve profundas mudanças nas ideias e concepções dos homens sobre diver-
sos temas. Foi a época do desenvolvimento do humanismo, que rejeitava precei-
tos teológicos e abraçava o
pensamento crítico, que de-
fendia o individualismo do
homem. O Renascimento
marcou o salto da era me-
dieval para a era moderna
e trouxe consigo grandes
transformações culturais
não apenas nas artes, mas
também nas ciências, nas le-
tras e nas formas de pensar.
Figura 13 - Estátua de Davi, realizada por Michelangelo.

Esse período se caracteriza pela rejeição de muitos dos princípios do conhe-


cimento medieval e pela admiração da antiguidade greco-romana. Teve como
objetivo recuperar o conhecimento clássico, no qual buscava uma nova escala
de valores para o indivíduo. Diante da sociedade medieval, em que tudo girava
em torno do conceito de Deus, durante o Renascimento, o homem se tornou o
centro do universo ao utilizar a razão como fonte de conhecimento e ao buscar
a verdade por meio da relexão pessoal e da pesquisa.

134
Lutero tinha a intenção de reformar a Igreja e não de dividi-la. Sua visão do
UNIDADE 3

cristianismo, no entanto, contrapunha-se aos princípios básicos da Igreja e a au-


toridade do papa, o que colidia com a hierarquia eclesiástica e, em 1521, o monge
foi excomungado devido ao crescente movimento protestante pelo Papa Leão X.
A Reforma foi, sem dúvida, um dos eventos mais importantes da história europeia
e mundial, que levou à formação de todas as vertentes do protestantismo que existem
hoje. Também gerou violência entre os dois poderes para a supremacia na Europa
durante séculos. Em alguns lugares, essas feridas ainda não sararam completamente.
No campo político, o Absolutismo surgiu como forte sistema de governo.
Desde o inal da Idade Média até o século XVIII, a forma de governo que carac-
terizou a maioria dos estados europeus foi a monarquia absoluta, na qual o rei
controlava todos os poderes do Estado e a sua legitimidade era considerada um
direito divino. O monarca tinha, em suas mãos, os poderes executivo, legislativo
e judiciário, o comando do exército e das instituições e toda a administração do
Estado. Além disso, todas as instituições que historicamente foram usadas para
aconselhar o rei foram desprezadas, como aconteceu com as cortes. Tal sistema
dependia fundamentalmente da nobreza, que, como grupo dominante, tinha as
principais posições e privilégios, bem como a propriedade das terras. A burguesia,
ainda com poder escasso, crescia aos poucos em inluência.
Das monarquias absolutas da Idade Moderna, temos o protótipo mais claro
em Luís XIV (Rei Sol), rei da França, cujo go-
verno também serviu de modelo para outros
soberanos. O monarca francês chegou ao tro-
no depois de um período de instabilidade em
seu país e no qual os presidentes do Conselho
Real tiveram grande peso. Por essa razão, Luís
XIV subiu ao trono com a irme convicção de
governar de forma personalística, individua-
lista, coniando na crença do tempo em que os
reis governavam por direito divino e recebiam
seu poder de Deus. Por essa razão, acreditava
que seu governo deveria ser justo e pessoal.
Dele vem a frase: “O Estado sou eu”.
Figura 15 - Rei Luís XIV

Desde o início do século XV, o crescimento da economia europeia impulsionou


a recuperação do comércio e aumentou a demanda por alguns bens importados.
136
A transformação mais notável ocorrida nos séculos XV e XVI foi a expansão

UNICESUMAR
comercial da Europa, que impulsionou a busca de novos mercados fora de seu
território, o que resultou em viagens de exploração marítima.
A burguesia comercial e mercantil das cidades europeias impulsionou a ex-
pansão marítima. As monarquias, que consolidavam seu poder ao organizarem
um aparato complexo de governo, também investiram fortemente nesse novo
comércio para sustentar as crescentes despesas do Estado. As áreas comerciais
mais importantes foram o Mediterrâneo e o Mar do Norte. A partir daí, as rotas
comerciais foram expandidas, conectando-as à Europa Oriental, à Ásia e à África.
Os avanços cientíicos e as novas técnicas de navegação facilitaram o desenvol-
vimento de novas expedições, como a de Cristóvão Colombo, em 1492, que am-
pliou o mundo conhecido. Podemos airmar, ainda, que esse processo de expan-
são culminou, no século XIX, com o imperialismo e os processos de colonização.

Idade Contemporânea

A Idade Contemporânea é o período atual em que vivemos. Iniciada com a Re-


volução Francesa, com a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, essa fase, que
vem depois da Idade Moderna, é também conhecida como pós-modernidade.
Nesse intervalo, o mundo passou por profundas transformações sociais, cul-
turais, políticas e econômicas. É uma fase caracterizada pelo nascimento da in-
dústria, pelos avanços da pesquisa cientíica, pelo aprimoramento da tecnologia
e pela constante evolução dos meios de comunicação e transporte. Seu início foi
bastante marcado pela Filosoia iluminista e deu origem à Revolução Francesa,
que enfatizou a importância do uso da razão acima de tudo.
O desenvolvimento e a consolidação do regime capitalista no Ocidente e,
consequentemente, as disputas pelas grandes potências europeias pelos territó-
rios, pelas matérias-primas e pelos mercados consumidores também marcam o
período. A coniguração do poder político burguês também foi acompanhada
pelo desenvolvimento econômico capitalista, estabelecido como uma forma de
organização econômica para todos os continentes do mundo.
Outra característica da época contemporânea é a formação dos Estados
nacionais e o conceito de nação ou nacionalismo, que buscava preservar a iden-
tidade de cada país, o que originou inúmeras disputas territoriais na Europa e
nas zonas coloniais. As duas grandes guerras mundiais que ocorreram no século
XX tiveram suas origens no nacionalismo.
137
UNIDADE 3

A B

Figura 16 - (a) Saudação nazista a Hitler durante o hino da nação, em 9 de outubro de 1935;
(b) Soldados na trincheira na Primeira Guerra Mundial

Observe algumas características que diferem a Idade Contemporânea dos outros


períodos:
• A consolidação do capitalismo como sistema econômico.
• O desenvolvimento industrial.
• A ascensão política e econômica da burguesia industrial, principalmente nos
países europeus.
• A consolidação do regime democrático a partir de meados do século XIX.
• As disputas entre as grandes potências europeias, que brigavam por mercados
consumidores, fontes de matéria-prima e conquista de territórios. Originaram
movimentos conhecidos como Imperialismo e Neocolonialismo.
• O amplo desenvolvimento tecnológico, principalmente a partir de meados do
século XX.
• No início do século XX, os Estados Unidos avançaram como potência mundial.
• O surgimento da globalização da economia a partir de meados do século XX.

O grande historiador Eric J. Hobsbawm, falecido em primeiro de outubro de 2012,


descreveu as principais características dessa fase por meio de quatro obras essen-
ciais: o primeiro analisa as transformações sociais e políticas que acompanharam a
transição do Antigo Regime para a Europa burguesa – A Era das Revoluções (1789-
1848). O segundo livro tem foco na era do esplendor do capitalismo industrial e a
consolidação da burguesia como classe dominante – A Era do Capital (1848-1875).
O terceiro estuda o advento do imperialismo e termina com o surgimento de con-
litos entre as grandes potências – A Era dos Impérios (1875-1914). Por último, – Era
dos Extremos (1914-1991) – relata o período das duas grandes guerras até o início
dos anos noventa, com as suas consequências, crises e incertezas.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNICESUMAR
Caro(a) aluno(a), chegamos ao inal de mais uma unidade com um pouco mais
de conhecimento sobre as Ciências Humanas. Vimos como foi lenta e gradual a
passagem do mito ao pensamento ilosóico: foram séculos de busca do ser hu-
mano para abandonar os relatos míticos, os quais baseavam-se em divindades ou
forças sobrenaturais para explicar os fenômenos e acontecimentos da vida. Será
que isso acontece ainda hoje? Em pleno século XXI, podemos airmar que cem
por cento das pessoas se utilizam apenas da razão para explicar os fatos? Será
que assassinamos o pensamento mítico? Será que os nossos valores são regidos
apenas pelo pensamento racional? E a religião? Deixo essas questões para que
você exercite a sua relexão ilosóica.
Estudamos toda a complexidade do pensamento ilosóico, desde a sua ori-
gem até o idealismo alemão no século XIX. Nos pré-socráticos, veriicamos a
insistência que tinham em afastar-se das explicações mitológicas de sua época,
buscando os primeiros passos para conseguir as respostas de forma mais racional.
Em Sócrates, conhecemos o método indutivo, muito divulgado e utilizado por sé-
culos. Sobre Platão, vimos que o Mito da Caverna é a sua síntese teórica acerca do
mundo das ideias. Sair da caverna é viver uma vida de pensamento racional e de
felicidade. Signiica fugir da escuridão da ignorância (hoje, poderíamos chamar
de senso comum?) para um estágio de luz e sabedoria. Você já saiu da caverna?
Compreendemos, ainda, a importância que a Filosoia escolástica teve no
pensamento do cristianismo ocidental, tendo como principal representante San-
to Agostinho. Na verdade, muito do que se encontra hoje na doutrina da igreja
cristã dos nossos dias é resultado das ideias dessa escola tão distante na questão
temporal. A Reforma Protestante, iniciada oicialmente por Martinho Lutero
também foi inluenciada por esse movimento escolástico. Posteriormente, vimos
brevemente diversos períodos históricos até chegarmos à idade contemporânea,
com os seus desaios e fatos mais importantes que marcam a nossa época.

139
O que é deinido como sagrado é, muitas vezes, colocado em um plano ina-

UNICESUMAR
cessível ou proibido. A partir daí, são geradas crenças e práticas que estão liga-
das umas às outras, que formam uma comunidade moral única, chamada Igreja,
caracterizada por ter um conjunto de crenças especíicas que são pronunciadas
por seus líderes e aceitas por seus adeptos.
Um dos propósitos mais importantes das religiões é regular o relacionamento
de seus adeptos com o que é deinido como sagrado em um contexto espiritual,
que pode ser representado por um ou vários deuses. As grandes religiões, com
algumas exceções (como budismo e hinduísmo), são monoteístas. Ao estabele-
cer o sagrado, as religiões deinem, ao mesmo tempo, o que é profano, ou seja,
delimitam os comportamentos e as práticas que são proibidas em seus códigos e
suas condutas morais. É, por isso, que a religião, por meio de múltiplas proibições,
exerce enorme inluência sobre o comportamento das pessoas, e, por conseguinte,
sobre a sociedade. Segundo Durkheim,


Todas as crenças religiosas conhecidas [...] supõe uma classiicação
das coisas [...] em duas classes ou em dois gêneros opostos, designa-
dos [...] pelas palavras profano e sagrado. A divisão do mundo em
dois domínios, compreendendo, um tudo o que é sagrado, e outro
tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do traço religioso [...]
(DURKHEIM,1989, p. 68).

Em um esforço para organizar os fenômenos que deinem a sua manifestação,


baseiam-se em duas noções fundamentais: crenças e ritos. As crenças são repre-
sentações que contêm valores morais e são frequentemente associadas a imagens
místicas ou a seres que existem além deste mundo e da experiência humana. Os
ritos são modos de ação expressos em cerimônias (às vezes, de grande comple-
xidade) em que os elementos que formam a base das crenças são consolidados.
Textos sagrados, muitos dos quais são revisados ao longo do tempo, deinem o
que é estabelecido como crenças e ritos que devem ser usados em ocasiões dei-
nidas. Por exemplo, na Igreja Católica, uma crença importante é a virgindade de
Maria, mãe de Jesus. Os ritos de batismo, casamento ou morte são característicos
de muitas religiões com variantes de acordo com suas respectivas crenças.

149
UNIDADE 4

Figura 2 - Tana Toraja, Indonésia. Homens vestidos tradicionalmente, que dançam no círculo
ao redor de porcos abatidos e de búfalos para a cerimônia fúnebre

Da perspectiva de Durkheim, os ritos não são muito diferentes de outras práticas


morais, exceto pelo objeto a que se dirigem. A natureza especial desse objeto e
a sua sacralidade são estabelecidas por crenças. Consequentemente, um rito não
pode ser deinido sem referência a uma ou mais crenças. Para Durkheim, estas
envolvem um sistema de classiicação, que demarca e ixa o sagrado e o profano,
transformando esses dois campos em opostos quase absolutos. De acordo com o
o autor, todos os ritos religiosos eram sagrados, embora sua sacralidade variasse;
e alguns ritos eram considerados mais sagrados do que outros em qualquer reli-
gião. Também notou que esse antagonismo radical é comum a todas as religiões,
mas as formas de contraste variam. As fronteiras entre os dois campos também
não poderiam ser absolutamente fechadas, pois as religiões dependem de algum
contato entre o sagrado e o profano, conforme ele explica:


A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve,
não pode impunemente tocar. Certamente, essa interdição não
poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda comu-
nicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse
de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado este não ser-
viria para nada. Mas, além desse relacionamento ser sempre, por si
mesmo, operação delicada que exige precauções e iniciação mais
ou menos complicada, ela sequer é possível sem que ele próprio se
torne sagrado em alguma medida e em algum grau. Os dois gêneros
não podem se aproximar e conservar ao mesmo tempo sua natureza
própria (DURKHEIM, 1989 p. 71-72).

150
A conversão cristã, por exemplo, não faria muito sentido sem essa área de contato,

UNICESUMAR
sem a possibilidade do que é profano tornar-se sagrado e vice-versa.
Durkheim assim deiniu as crenças e os ritos:


As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza
das coisas sagradas e as relações que têm entre si e com as coisas
profanas. Os ritos são, ainal, regras de conduta que prescrevem o
modo como o homem se deve comportar perante as coisas sagradas
(DURKHEIM, 1989, p. 24).

Para esse pensador, a formação de uma religião dependia então de um sistema


para classiicar o sagrado e o profano e uma série de ritos ou rituais em torno
das coisas sagradas. Portanto, a religião seria constituída quando se formasse um
conjunto ritualístico correspondente a um sistema de classiicação do sagrado,
do sagrado e das crenças próprias.
O autor francês apontou três dimensões importantes da religião: (1) que esta
é um fenômeno cultural, porque envolve crenças, valores, normas, rituais, e ceri-
mônias, que constroem a identidade coletiva de um grupo de pessoas; (2) abarca
um conjunto de ritos – que inclui costumes, cerimônias e regras para o culto
religioso –, dos quais os membros de uma comunidade religiosa participam e
se identiicam. Esses ritos estão ligados a crenças; (3) a religião oferece a seus
membros a coniança de que a vida tem um signiicado essencial, que os ajuda a
compreender a totalidade de suas vidas, estabelecendo diferenças entre o sagrado
e o profano e seus relacionamentos.
Na deinição durkheimiana, a religião é um fenômeno “eminentemente co-
letivo” e, portanto, sujeito à análise sociológica. O autor airmou que as religiões,
particularmente aquelas estabelecidas há muito tempo, como o judaísmo, são
instituições fundamentalmente sociais, que criam forte consciência coletiva. Para
o autor, a religião era um fato social. Numerosos sociólogos nos dias de hoje ainda
utilizam a deinição de Durkheim realizada no início do século XX. É ,também,
a deinição mais comum em livros de introdução à sociologia. Isso mostra a im-
portância do seu clássico As formas elementares da vida religiosa, publicado pela
primeira vez em 1912, para o entendimento da dinâmica religiosa em nossos dias.
Outro sociólogo da religião, Max Weber (1864-1920), argumentou que, na rea-
lidade, é a pessoa, isto é, cada participante, quem cria a religião. Em sua obra A ética

151
menos importante. Para o capitalismo, isso também funciona quando os prati-

UNICESUMAR
cantes não são calvinistas. Com o tempo, a razão para economizar deixa de ser
um esforço para ganhar a salvação, para tornar-se um im em si mesmo.
A religião, dessa maneira, transforma a sociedade e, ao mesmo tempo, sua função
social também é alterada sem que haja intenção para isso. A sociedade mudou, porque
os iéis tentaram cumprir as regras da religião. Isso levou Weber a concluir que ações
individuais são importantes. É, acima de tudo, o ator quem cria e mantém a estrutura,
sem necessariamente estar consciente ou entendendo o signiicado do que faz.
De Durkheim a Weber, todos os sociólogos da religião tiveram que questionar
se o fator mais importante seria a estrutura em geral da sociedade ou a ação do
indivíduo. Alguns optaram por um ou outro, enquanto outros tentaram combinar
as duas ideias contraditórias. Peter Berger argumentou que as pessoas criam a
religião, o que a torna parte do indivíduo. Isso cria interação entre o indivíduo e
a religião com inluência mútua.

explorando Ideias

Peter Berger apresenta um diagnóstico da situação das religiões na sociedade ocidental


moderna, defendendo a tese de que os processos infraestruturais concretos desta so-
ciedade trouxeram como relexo a “secularização”. Esta, por sua vez, não impediu, como
muitos argumentam, o impulso religioso que motivou os homens a aderirem à religião de
forma intensa, dando base para o que ele caracteriza como “dessecularização”; sendo o
mundo de hoje, portanto, e com algumas exceções, tão impetuosamente religioso quanto
antes. O que implica dizer que embora não seja possível determinar com precisão como
será o futuro dos diversos movimentos religiosos, Berger sustenta que não há razão para
pensar que o mundo do século XXI será menos religioso do que o mundo anterior. Essa
nova dinâmica levou as religiões a operarem com a lógica de mercado, o que implicou na
necessidade de adaptação de seus ritos e crenças, de forma a atender a demanda das
consciências individuais.
Fonte: Oliveira (2012, p. 7).

153
explorando Ideias

UNICESUMAR
Alienação na Sociologia de Karl Marx
A palavra alienação vem do Latim “alienus”, que signiica “de fora”, “pertencente a outro”. A
alienação é estar alheio aos acontecimentos sociais, ou achar que está fora de sua realidade.
Karl Marx em sua obra Manuscritos econômico-ilosóicos usou o termo para descrever a
falta de contato e o estranhamento que o trabalhador tinha com o produto que produzia.
A alienação na sociologia de Marx é descrita também como um momento onde os homens
perdem-se a si mesmos e a seu trabalho no capitalismo. Para Marx as relações de classe
eram alienantes, pois o trabalhador assalariado se encontrava em uma posição de barganha
desigual perante o capitalista (empregador). Dessa forma o capitalista conseguia dominar a
produção e o trabalhador.
Fonte: Scott (2006).

A religião, segundo Marx, precisa ser estudada objetivamente. Isso signiica, que, do
seu ponto de vista, devemos estudar a religião da mesma forma que estudamos qual-
quer outra manifestação, buscando ver sua relação com outras experiências humanas
e, especialmente, seu vínculo com as condições econômicas e sociais da sociedade.
Marx criticou a religião como uma forma de alienação em três sentidos. Em
primeiro lugar, é uma experiência de algo irreal, que não existe. Ao apoiar-se
em Feuerbach, Marx considerava que não foi Deus quem criou o homem, mas
o homem quem criou Deus. A síntese de toda a alienação consiste em airmar
que o sujeito realiza uma atividade que o faz perder toda a sua identidade, o seu
próprio ser. Na alienação, o sujeito se anula. Para ele, é exatamente isso o que
acontece na religião: o homem pega o que tem de melhor em si mesmo (a vonta-
de, a inteligência e a bondade) e projeta para fora de si, no âmbito do ininito, do
além, do inexistente. A religião, pressupõe a existência de um Deus ininito que se
opõe a uma realidade inita, em que o ser humano também se faz presente. Essa
perspectiva desvaloriza toda a realidade do homem, em detrimento da realidade
transcendente ou divina, inventada pelo próprio ser humano.
Em segundo lugar, a religião é uma alienação porque desvia o homem do
único reino no qual a salvação e a felicidade são realmente possíveis: o mundo
humano, o mundo da initude expresso na vida social e econômica. Ao confortar
o homem do sofrimento deste mundo ao sugerir que no “outro mundo” haverá
justiça e felicidade plena, tira a capacidade, energia e determinação para mudar
as situações sociais, políticas e econômicas que são realmente culpadas pelo seu
sofrimento. Por isso, a religião é considerada uma ilusão, pois anestesia o ser hu-
mano, tornando-o imóvel diante da realidade e, assim, é apontada como o “ópio
do povo”. Leia, a seguir, a passagem em que essa expressão aparece:
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É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a
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religião não faz o homem. E a religião é de fato a autoconsciência e o


sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou vol-
tou a se perder. Mas o Homem não é um ser abstrato, acocorado fora
do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade.
Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência
invertida do mundo,porque eles são um mundo invertido.A religião
é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua
lógica em forma popular, o seu point d’honneur espiritualista, o seu
entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua
base geral de consolação e de justiicação. É a realização fantástica da
essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira
realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente,
a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da
miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro
da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma
de situações sem alma. A religião é o ópio do povo.
A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens
é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as
ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma
condição que precisa de ilusões.A crítica da religião é,pois,o germe
da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola.
A crítica arrancou as lores imaginárias dos grilhões, não para
que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que
lance fora os grilhões e a lor viva brote. A crítica da religião liberta
o homem da ilusão, de modo que pense, atue e conigure a sua rea-
lidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão,
a im de que ele gire em torno de si mesmo e, assim, em volta do seu
verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta
do homem enquanto ele não circula em tomo de si mesmo.
Consequentemente,atarefadahistória,depoisqueooutromundo
daverdadesedesvaneceu,éestabeleceraverdadedestemundo.Atare-
fa imediata da ilosoia, que está a serviço da história, é desmascarar a
auto alienação humana nas suas formas não sagradas,agora que ela foi
desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma-se
deste modo em crítica da terra,a crítica da religião em crítica do direito,
e a crítica da teologia em crítica da política (MARX,2005,p.146-147).

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O ser humano, em vez de buscar a transformação da sua própria realidade, con-

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forma-se com a situação que lhe foi imposta. É como se dissesse: “Deus quis que
eu vivesse na pobreza”, “é minha sina ter esses sofrimentos de pobreza e escassez”.

pensando juntos

Considerando o contexto de pobreza, você acha que Deus realmente quis que fosse assim?

A religião, segundo Marx, faz com que o sentimento de indignação seja suplan-
tado por um conformismo em algo que não existe. No contexto turbulento do
século XIX em que esse autor viveu, os funcionários do clero e os religiosos, como
parte da classe dominante, utilizavam a religião, segundo ele, como forma de
manipulação social, e serviu de legitimação para usar o transcendente para esta-
belecer uma ordem injusta. A religião era uma fonte de alienação e conformismo,
que precisava ser desmascarada.
Em terceiro lugar, a crítica mar-
xista também se estende ao fato de
que a religião tende a tomar parti-
do, não pelas classes desfavorecidas,
mas de acordo com os interesses da
classe dominante, perpetuando-a
no poder. Em muitos casos, utili-
za-se até de justiicativas teológicas
para legitimar o domínio de um
grupo social sobre outro.
Figura 4 - Criança trabalhando em um lixão
Marx considerou que a superação da religião era necessária e que deveria passar,
obrigatoriamente, pela superação do sistema de classes sociais com a instalação
do comunismo. A diferença em relação ao pensamento de Feuerbach se encontra
justamente nessa questão. Para este autor, o banimento da religião seria possível por
meio da simples superação intelectual com a crítica ilosóica e racional da religião.
Marx, contudo, acreditava que seria necessário, fundamentalmente, a modiicação
das condições econômicas que tornaram a religião possível, isto é, o desapareci-
mento da ordem social criada a partir da existência da propriedade privada. Em
uma sociedade comunista, não haveria religião porque não existiria a alienação e,
como explicado anteriormente, a religião surgiu como consequência da alienação.
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Para Nietzsche, a morte de Deus representa um estado psicológico que afronta o
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ser humano. Em outro momento, em sua obra Assim falava Zaratrusta, de 1883,
o autor reairmou essa ideia:


Suplico-vos, meus irmãos! Permanecei iéis à terra e não acrediteis
naqueles que vos falam de esperanças extraterrestres! Envenenado-
res, eis o que eles são, quer o saibam quer não. Desdenhadores da
vida é o que eles são, uns moribundos, eles próprios envenenadores,
eis o que eles são, quer o saibam quer não. Desdenhadores da vida
é o que eles são, uns moribundos, eles próprios envenenadores, de
quem a terra está farta: pois desapareçam! Outrora, a ofensa a Deus
era o maior ultraje, mas Deus morreu e, com ele, morreram também
esses sacrilégios. Agora, o que há de mais terrível é ultrajar a terra e
dar mais apreço às entranhas do inescrutável do que ao sentido da
terra! (NIETZSCHE, 1998, p. 12-13).

Ao perder progressivamente sua fé em Deus, Nietzsche perdeu o respeito por


todo o sistema de valores criado pelo cristianismo no Ocidente. Como airmou
Ivan Karamazov, personagem de Fiódor Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov:
“Sem Deus tudo seria permitido”. Assim, a morte de Deus é um fato irreversível,
que traz consigo a perda dos valores que existiam até então. Quando discorreu
sobre valores, não se referiu apenas a “valores morais” que podem ser substituídos
por outros, mas ao próprio sentido da vida.
O ilósofo desenvolveu sua crítica da moralidade ocidental em duas obras:
Além do Bem e do Mal (1886) e A Genealogia da Moral (1887). O método genea-
lógico permite estudar como os conceitos morais surgiram e foram impostos
como valores aceitos por todos a partir da força do grupo social que os impõe. A
crítica da cultura ocidental deve, então, começar pela moral, uma vez que, para
ele, todas as manifestações ilosóicas, cientíicas e religiosas de um povo não são
mais do que as manifestações de seu sistema de valores, ou seja, da moral desse
grupo social. O povo expressa, em seus valores, suas qualiicações morais, sua
gana pelo poder, sua atitude para com vida.
Nietzsche rejeitava o dogmatismo moral, que consiste em acreditar na objeti-
vidade e subjetividade dos valores morais. Segundo ele, os valores morais não têm
existência objetiva, mas são, em contrapartida, projeções da nossa subjetividade,
das nossas paixões, dos nossos sentimentos e interesses.

160
Outro viés da análise desse pensar ilosóico de Nietzsche é o fato de que a

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modernidade criou características que izeram o ser humano acreditar mais nas
suas potencialidades individuais (criadas pelo estímulo à utilização da razão) e
começasse a desapegar-se da necessidade de uma ajuda transcendente vinda da
religião, especiicamente de Deus. A ciência e o uso da razão preconizados pelo
período iluminista – que antecedeu o contexto de Nietzsche – izeram com o
ser humano visse na ciência uma nova religião em que poderia apegar-se, como
vemos em Martha de Almeida:


Assim, partindo do princípio de que, na modernidade, Deus não pode
mais servir de pressuposto para a construção de qualquer forma de
pensamento, o homem moderno substitui a fé em Deus (teologia), pela
fé no homem (ciência), já que é ele mesmo quem instaura a ciência e
lhe dá validade, concedendo-lhe estatuto de verdade. Consequente-
mente, desaparecem os valores absolutos, as essências, os fundamentos
divinos, os dogmas, dando lugar à ideia de progresso, de qualidade
de vida, de evolução histórica, de controle e mensuração da vida.
Assim, ao airmarmos a morte de Deus estamos também airmando,
como o insensato da praça pública, que foi o homem que o matou. Este
homem, que se coloca no lugar de Deus, é chamado por Nietzsche de
o último homem. O homem da modernidade que inventou o trabalho
e a ciência buscando, com isso, controlar a vida e alcançar sua própria
felicidade, através da sociedade de consumo, desfrutando do conforto
oferecido pelas coisas materiais. (ALMEIDA, 2009, p. 223).

Como podemos notar, a famosa frase vista até o momento não signiica que
Nietzsche acreditava que um Deus existia e que havia morrido, mas se trata de
uma metáfora. O ilósofo queria expressar que o Deus cristão não é mais a fonte
coniável de princípios morais absolutos.
A perda de uma base absoluta de moralidade leva à crença de que a vida como
tal não tem signiicado. Portanto, argumenta Nietzsche, é necessário buscar uma
base absoluta mais profunda do que os valores e as crenças. A solução, de acordo
com ele, seria encontrar nossos próprios valores enquanto indivíduos, para gerar
nosso sistema de valores e, assim, darmos sentido à vida.

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e à verdade e, em última análise, à felicidade dos seres humanos. Ele classiicou a

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religião como uma neurose obsessiva universal, que funciona com uma ilusão
que tenta encobrir os desejos mais primitivos dos seres humanos:


Segundo ele, existe uma espécie de compromisso entre pulsão e
desejo, “isto é, de uma transação ou pacto estabelecido entre a pul-
são, por um lado, e a proibição da satisfação dessa mesma pulsão,
por outro”. Entretanto, tal pacto deixa o sujeito alienado e diante do
recalcamento, tanto o neurótico como o religioso são motivados
pelas culpas e se escondem mediante cerimoniais.
O indivíduo neurótico cria uma série de defesas devido às pul-
sões sexuais que as teme e, da mesma forma, acontece com os reli-
giosos quanto a seus instintos antissociais e egoístas. Para Sigmund
Freud, por meio da religião, muitas vezes o humano faz o que ela
própria proíbe. Deste modo, Freud identiica a religião como uma
“neurose obsessiva universal” (WERNECK, 2016, on-line)5.

Partindo desses pressupostos, Deus seria uma projeção de nossos próprios dese-
jos inconscientes de segurança e proteção. Tal qual a criança sente forte inclinação
para com o pai ao buscar a força necessária para defendê-la na adversidade, o
crente também conia sua segurança a um Deus pai que o protege e dissipa os
medos diante das diiculdades da vida.
Na teoria psicanalítica, ica claro que a origem da religião se encontra no com-
plexo infantil de Édipo, pelo qual Deus se apresenta como pai sublimado. É o ser
humano quem cria a fé em Deus a partir de sua impotência e dos seus medos. O
peso da ciência diminuirá gradualmente diante da inluência da religião. A tarefa
do homem maduro, do homem da ciência, consiste em deixar de lado a esperança
em tudo que há no além e concentrar suas forças na vida terrena.
Para Freud, a força das representações religiosas são realizações dos mais
antigos e intensos desejos da humanidade. O ser humano projeta na religião os
mais diversos desejos da condição de um ser desamparado: o desejo de encon-
trar proteção contra perigos da vida, de obter justiça face à injustiça social, de
prolongar a vida depois da morte, de uma resposta para as origens e os mistérios
dos relacionamentos entre o corpo e a alma. A origem da força das representações
religiosas é a soma da intensidade desses desejos.

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então a chave da relexão está no modo de existência e não em seu im ou propó-
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sito. Portanto, o ser humano é livre e independente de qualquer categoria abstrata.


É preciso atentar-se, contudo, para o fato de que, no existencialismo, a liberda-
de implica na plena consciência de que as decisões e as ações pessoais inluenciam
o ambiente social, o que nos torna corresponsáveis pelo bem e pelo mal inligidos
aos outros. Não aborda a morte da moral, como Nietzsche havia proclamado,
mas, entre essas responsabilidades, estaria o combate à injustiça, por exemplo.

pensando juntos

Será que a existência de Deus serve apenas para colocar limite nos nossos comportamentos?

Segundo Jean-Paul Sartre, uma das motivações dos seres humanos para criar
Deus foi a justiicativa de não desejarem exercer a sua liberdade. Diante do vazio
existencial e das angústias, foi preferível criar um Deus que limitasse as ações para
que não sofrêssemos as consequências da liberdade criadas por nós mesmos. Ao
negar Deus, o ser humano poderia, em primeiro lugar, ser livre e não precisaria
desculpar-se diante das atitudes impostas pelas regras criadas por Ele:


Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, ica o homem, por
conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si,
uma possibilidade que se apegue. Antes de mais nada, não há descul-
pas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será
nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada
e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é
livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não
encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem
o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de
nós, no domínio do luminoso dos valores, justiicações ou desculpas.
Estamos sós e sem desculpas (SARTRE, 1970, p. 227-8).

Essa é a crítica que faz Sartre com relação a não existência de Deus. Se Ele, de
fato, não existe, não existiriam regras ou valores objetivos para o procedimento
da ação humana. De acordo com o ilósofo, esses limites e valores simplesmente
não existem, conforme o texto que transcrevemos. Com isso, o autor nos passa
a impressão de que a ética icaria em segundo plano na dinâmica dos relaciona-

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mentos em sociedade. Para ele, o ser humano deve ser o criador desses novos va-

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lores, tendo em vista que, sem a presença de Deus, está livre para construir novos
paradigmas para a sua existência.Em seu livro O existencialismo é um humanismo
(1946), ele airma que deveríamos agir pensando no fato de como seria se todos
agissem de determinada forma. Por isso, o ser humano poderia ser a medida da
sua própria moral sem precisar recorrer a algo inexistente para nortear a sua vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos a mais um inal de unidade com o sentimento de que há muito mais


a dizer sobre todos os assuntos abordados, mas o propósito foi o de realizar
uma introdução a assuntos muito complexos e densos em seu conteúdo. Há
uma literatura extensa e variada para cada um dos temas estudados. Contudo,
ao levar este conhecimento a você, desejei que a supericialidade de meras
citações sobre os temas não bastasse, então tentei abordar os aspectos mais
importantes sobre como personalidades marcantes da nossa história mais
recente se relacionaram com o campo religioso.
A religião, vista como fenômeno religioso pelos cientistas sociais, têm caracte-
rísticas bem peculiares e marcantes. As crenças e os ritos são duas características
que existem, segundo os cientistas, em todas as religiões. Interiormente, é preciso
acreditar em algo que satisfaça e dê propósito à existência (crença). Quando pratico
os rituais em que acredito, exteriorizo as práticas das minhas crenças de forma a
perpetuar essas ações para as próximas gerações. Por isso, a religião não pode ser
feita com apenas um indivíduo. Ela precisa ter caráter coletivo. Além disso, vimos
sua importância na dinâmica das mudanças sociais. Weber foi claro em perceber
que o capitalismo recebeu um grande incentivo do protestantismo para crescer.
Os quatro autores que vimos – Marx, Nietzsche, Freud e Sartre – viveram
em épocas marcadas pelo uso da razão e tentaram buscar explicações para os
principais dilemas humanos. Todos eles foram inluenciados por pensamentos
que viam Deus e o fenômeno religioso como algo criado pelo ser humano para
satisfazer inquietações e desejos e, assim, aliviar os sofrimentos, as angústias e as
incertezas da vida. É preciso estudá-los, então, tendo em vista a inluência alta-
mente racional e de desencanto da realidade.

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pela execução das tarefas e quem deveria ser o ser pensante, que sabia as técnicas
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de como produzir. Taylor desenvolveu o conceito de que, com o controle rígido


da linha de produção em que os operários se encontravam, fazia deles muito mais
produtivos. Inluenciado pela ideia de Taylor, Henry Ford expandiu o conceito de
produção em série, principalmente, no que se refere à fabricação de automóveis.
Até aquele momento, o processo de produção dos carros era praticamente artesa-
nal. Ford treinava seus fun-
cionários para que produ-
zissem e se especializassem
em apenas uma área da
linha de montagem. Com
isso, conseguiu aumentar o
número de unidades pro-
duzidas, popularizando e
facilitando o consumo de
carros por todo o mundo.
Figura 1 - Ford 1896, um carro a motor movido à gasolina,
que seu fabricante, Henry Ford, chamou de Quadriciclo

Esse tipo de produção favorecia, contudo, muito mais o empresário do que os tra-
balhadores. Ao empresário, é garantido o lucro pelo processo de maximização da
produção. O trabalhador, por sua vez, deixa de pensar, reproduzindo apenas algo
que lhe é imposto. Perde, com isso, todo o aproveitamento da sua inventividade
e capacidade crítica de analisar os processos que estão à sua volta.
O taylorismo, o fordismo e as políticas keynesianas são as grandes inovações
econômicas que, juntamente com as contribuições tecnológicas – como eletrici-
dade, petróleo e motor de combustão interna – da Segunda Revolução Industrial,
lançaram as bases do capitalismo durante o século XX.

explorando Ideias

Keynesianismo: o economista britânico John Maynard Keynes acreditava que a principal


causa das crises era a baixa demanda, derivada das baixas expectativas dos consumido-
res. Ele propôs o intervencionismo como mecanismo para estimular a demanda e regular
a economia em tempos de depressão. Keynes estudou os problemas adjuntos da econo-
mia, como desemprego, investimento, consumo, produção e poupança. Seus argumentos
construíram a base da macroeconomia.
Fonte: o autor.
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Nos Estados Unidos, o American Way of Life (estilo de vida americano), começou a

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ser divulgado e vendido como exemplo para todo o mundo. Tal modo de vida estava
baseado no consumo extremo de todos os tipos de artigos como uma das principais
formas de realização pessoal. O seu auge aconteceu no período que antecedeu a Se-
gunda Guerra Mundial e se estendeu até meados da Guerra Fria. Valores culturais,
como o crescimento intelectual ou espiritual, foram deixados em segundo plano.
A imagem vendida era de uma felicidade exposta, representada, normalmente, por
uma família feliz, em que a sua realização advinha da possibilidade de consumir e
ter posses. O exagero e a ostentação de bens também izeram parte desse cenário.
Após a Segunda Guerra Mundial, a nova lógica apoiada por técnicas gerenciais,
pesquisa de mercado e publicidade fez com que a norma de consumo penetrasse em
todas as áreas da vida. A partir daí o consumo começa a depender da publicidade e
da promoção de vendas. Conforme já estudamos, o consumo de massa caracteriza-se
por uma padronização da oferta de produtos para o maior número de pessoas que
é possível atingir. Esse modelo de consumo organizado a partir da oferta gerou um
consumidor idealizado, que se sentia homogêneo em relação ao restante da sociedade.
Entraram em cena, de forma determinante no avanço do consumismo, os
setores de marketing e publicidade. Esta poderosa indústria da persuasão uti-
liza elementos sociológicos, psicossociais, cognitivos e culturais, com alto grau
de tecnologia e proissionalismo para deixar os produtos desejáveis. Colocam
em movimento as motivações primárias e os instintos dos consumidores. Os
desejos são racionalizados a im de culminarem na ação de consumo, mas os
apresentam como se fossem derivados de uma decisão pessoal e voluntária.
A partir de 1970 até
a década de 90, começou
a Terceira Revolução In-
dustrial (como alguns
chamam) ou revolução da
microeletrônica, da au-
tomação e da ciência da
computação, possibilitada
graças às novas mídias, aos
robôs e aos computadores.
Figura 2 - AEG 80 Series - Computador alemão dos anos 70
no Museu Nacional de Ciência e Tecnologia da Catalunha

179
Nesse período também surgiu o toyotismo, nome que se refere ao novo processo
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de produção encabeçado pela fábrica japonesa Toyota. Trata-se de um conceito de


produção mais lexível realizado de acordo com a demanda (on demand). A ideia
básica é que apenas o que o mercado necessita deve ser produzido, assim os custos
de armazenamento são reduzidos e os riscos de superprodução são evitados.
Houve grande mudança no deslocamento da mão de obra das fábricas e indús-
trias em direção ao setor de serviços (escritórios, comércios, transporte etc.). Isso se
deve à necessidade de manter uma estrutura de comunicação e publicidade mais
ativa. Nesse panorama histórico iniciado no início do século XX até os dias atuais,
surge a chamada sociedade pós-industrial, caracterizada por crescimento econô-
mico que está ligado, sobretudo, à necessidade de conquistar novos mercados (o
que dá especial importância à propaganda). É uma sociedade que precisa de mais
consumidores do que de trabalhadores. Surge também a crescente importância das
indústrias de lazer, que exploram o tempo livre dos cidadãos. Dessa perspectiva
mercantil e despersonalizada, a tendência é de que os sujeitos deixem de ser vistos
como indivíduos e se tornem meras funções sociais ou números.
Aqui, faz-se necessário distinguir os conceitos de consumo e de consumismo.
Enquanto o consumo é considerado uma ação de consumir ou gastar produtos
de vários tipos, com a particularidade de serem utilizados para o bem-estar do ser
humano e satisfazerem suas necessida-
des imediatas, o consumismo é enten-
dido como o consumo de produtos que
não são necessários e são rapidamen-
te substituíveis por outros igualmente
desnecessários e de pouca duração.
Além disso, o consumismo baseia-se
na produção em massa e na exploração
irracional dos recursos naturais para
alcançar a venda massiva de produtos.
Figura 3 – O consumo como felicidade.
Nota-se que existem algumas características do consumo em nossa sociedade que
são bem peculiares do nosso tempo. Muitas vezes, tornam-se tão impregnadas na
cultura que se tornam valores – a ideia de que o ato de consumir traz felicidade
é uma delas. A publicidade das empresas veiculadas nos meios de comunicação
tem se encarregado de estabelecer uma correlação simplista e fácil entre consu-
mo e felicidade. Além disso, estimula-se a ideia de que a felicidade advinda do
180
consumo gera realização e satisfação pessoal, como se a atitude de comprar fosse

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capaz de preencher os vazios existenciais.
Será que esse modelo de consumo realmente nos traz felicidade? É possível,
pelo menos, ser razoavelmente feliz em uma sociedade de consumo como a nossa?
Da mesma forma que parece ser relevante analisar a sociedade de consumo a partir
do prisma das aspirações geradas e dos modelos de vida prometidos, o impacto da
sociedade de consumo em grande parte do mundo tem sido tão importante que,
hoje, não é possível entender a ideia de felicidade sem um vínculo com o modelo
de produção e consumo que nos governa.
Aristóteles airmou que a eudemonia (em grego, εὐδαιμονία, eudaimonia) ou
a plenitude do ser é um exercício virtuoso especíico do ser e, até mesmo, o ob-
jetivo inal que perseguimos. Desde então, a preocupação e a busca da felicidade
têm sido um dos eixos fundamentais em praticamente todas as sociedades, mas
com variações signiicativas. Sabemos que a felicidade é um conceito relativo
fortemente inluenciado por fatores culturais, mas a maioria das abordagens teó-
ricas coincide com o fato de que há necessidades básicas a serem atendidas como
pré-requisito para alcançá-lo. Isso signiica que a felicidade, às vezes, é concebida
como um estágio mais global e até espiritual do que o bem-estar.
Do mesmo modo que o bem-estar material parece consistir em satisfazer as
necessidades materiais, o alcance da felicidade é geralmente apresentado como um
caminho com necessidades que vão muito além do isiológico. Portanto, as diferentes
abordagens adotadas sobre as necessidades humanas desde a Sociologia e a Psicolo-
gia têm proposto uma série de escalas que tentam abranger o máximo possível todos
os tipos de fatores que entram em jogo quando se fala na felicidade das pessoas.
Em muitos estudos sobre felicidade, as relações sociais ocupam um lugar de
destaque. Manter relações sociais amigáveis, emocionais e amorosas, é considerado
fundamental pela ciência para alcançar o bem-estar: sabe-se que a presença de entes
queridos altera positivamente a resposta do cérebro a situações ameaçadoras. Pessoas
que passaram por uma situação estressante e receberam algum tipo de apoio verbal
afetuoso tinham quantidades menores de cortisol no corpo – um hormônio relacio-
nado ao processo ativado diante do estresse –, em relação àquelas que passaram pela
mesma situação, mas receberam apoio verbal de um estranho ou não receberam.
O paradigma neoliberal insiste que a competitividade é a chave do cresci-
mento e que lutar por nossos interesses nos fará felizes. No entanto, os diferentes
estudos realizados sobre o bem-estar mostram como um ingrediente-chave a
preocupação das pessoas em serem aceitas e valorizadas socialmente. A coopera-
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ção com os outros ainda oferece mais prazer do que o hedonismo: ser generoso,
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por exemplo, produz a sensação de bem-estar, pois ativa um circuito neuronal


associado ao prazer e à recompensa, além de ativar diferentes hormônios as-
sociados à felicidade, como dopamina e ocitocina. Pessoas generosas têm mais
amizades (de acordo com relatos), dormem melhor e superam mais facilmente
os obstáculos do que as pessoas egoístas e autocentradas.
A felicidade é um elemento essencial para compreender o discurso vinculado
à lógica de consumo, à política, à ideia de empreendedorismo, ao movimento de
coaching, à prática de negócios e à produção de autoajuda, e, em geral, a uma in-
dústria crescente e lucrativa, que fornece uma ininidade de bens e serviços com
a promessa de que os indivíduos saibam como viver de maneira mais completa,
funcional e saudável, ainda mais se forem estimulados à prática do consumo.
Hoje, quase nada escapa do círculo vicioso de produção e hiperconsumo que
se multiplica em si mesmo. Recebemos diária e constantemente um bombardeio
de impactos de mensagens comerciais; na verdade, somos medidos, muitas vezes,
como consumidores e classiicados como público-alvo. Recebemos uma chuva
sensorial, mas também cognitiva e emocional, constante e, às vezes, tão discreta
que mal a notamos. Tudo isso acontece sem estarmos sequer preparados para
tomar consciência dessa pressão, muito menos para nos defender contra ela,
proteger menores de idade ou outros grupos sociais e coletivos mais vulneráveis.
Supõe-se que é natural ou que sempre foi assim, que somos livres para optar e
temos muita sorte de poder escolher entre tantas ofertas.
Em sua última fase, o consumo é apresentado como um processo de intensi-
icação hedonista do presente pela contínua renovação dos produtos e serviços. A
estética das sensações imediatas, passageiras e intensas promove as práticas do hi-
perconsumo. Nesse caso, novas necessidades não são criadas, mas individualizadas
para o consumo de novos objetos de desejo como melhoradores, carregados de va-
lores simbólicos muito mais representativos para uma suposição ideal de bem-estar
individual. Hoje, na sociedade de consumo, não é mais vendido um produto, mas
uma visão, um conceito, um estilo de vida e, por isso, a construção da identidade
da marca estará no centro do trabalho de comunicação das empresas.
Podemos ver, então, que o modelo da sociedade de consumo se caracteriza,
além de criar falsas necessidades, por oferecer-nos, por meio do consumo, falsas
satisfações às nossas reais necessidades, oferecendo-nos, na melhor das hipóteses,
satisfações provisórias. Por isso, deduzimos que o motor dessa espiral consumista
é a frustração, a insatisfação e, portanto, a infelicidade. Recebemos essas sensações
182
quando o consumo apenas nos dá momentos efêmeros de satisfação no momento

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da compra ou quando o consumo atua como falsa satisfação de uma insuiciência
que continua a existir. Esses sentimentos nos fazem continuar a consumir, bus-
cando uma satisfação que nunca é plenamente realizada.
As expressões em que a sociedade de consumo se manifesta são tantas e o
discurso é tão predominante, que podemos dizer que esse modelo se tornou
parte de nossa cultura, pois atinge todas as áreas de nossa vida, o que permite
pouquíssimas brechas para críticas ou propostas alternativas. Uma sociedade
em que o consumo é tão relevante deixa o ser humano passivo e individualista,
desvalorizando facetas humanas, como a criatividade e a cooperação.
Temos visto, contudo, de acordo com o andamento da situação, uma outra
vertente. Não ter o que realmente precisamos produz insatisfação, mas ter mais
do que o necessário não fornece nenhuma satisfação duradoura, pelo contrário:
aquilo que é desfeito, imediatamente perde seu valor diante do que é desejado, o
que faz o consumidor entrar em uma incessante (e, no fundo, muito insatisfatória)
cadeia de gastos. Existem casos reais de indivíduos que compraram um carro
para ver se poderiam, assim, sair da depressão em que se encontravam. Contudo,
passado algum tempo, a alegria da aquisição (que sempre é passageira) se esgotou,
voltando ao mesmo estágio depressivo anterior.
Esses comportamentos são uma consequência do profundo impacto psicoló-
gico das incessantes mensagens publicitárias, que incentivam as pessoas à busca
pela felicidade e realização pessoal por meio da compra.
Outro ponto importante a analisar, nessa sociedade consumista, é o fato de
não termos relação direta com o fabricante do objeto que compramos. Há não
muito tempo, quando desejávamos comprar um terno, por exemplo, sempre re-
corríamos a um alfaiate, que tirava as medidas necessárias para a confecção. Com
isso, mantínhamos certo contato com o proissional contratado, sabíamos da sua
saúde, da sua família, enim, do seu bem-estar. Com o crescente processo e apri-
moramento da confecção de ternos para o consumo em massa, o custo do pro-
duto caiu muito. O preço realizado pelo trabalho artesanal do alfaiate não icou
nada competitivo e, agora, tornou-se uma proissão que está quase em extinção.
O problema dessa relação de distanciamento é que não nos importamos mais
com as pessoas e as condições de trabalho em que elas estão para fornecer-nos
aquele tão desejado produto. Não é raro, em nossos dias, termos o conhecimento
de que grandes multinacionais se utilizam de mão de obra análoga à escravidão
em diversos países para aumentar o seu lucro. Inseridos no mundo consumista
183
em que estamos, não nos preocupamos com essas situações. Queremos apenas
UNIDADE 5

que o objeto de desejo e de consumo seja adquirido para satisfazer o nosso prazer.
Podemos veriicar também que a cultura consumista afeta a sociedade em diver-
sos aspectos. Ela é prejudicial ao equilíbrio ecológico em sua totalidade, por exemplo.
Existem muitos problemas relacionados ao consumo excessivo de recursos naturais
feito em todo o mundo, bem como o fato de que os processos de produção geram,
principalmente, poluição. Além disso, ingerimos cada vez mais produtos com agro-
tóxicos, pelo fato de aumentarem a produção e baratearem os custos.
No âmbito familiar, aumentamos desnecessariamente nossas despesas ao
comprarmos produtos que poderíamos evitar ou reduzir. O endividamento das
famílias nos cartões de crédito e a ampla facilidade de parcelamentos, muitas
vezes, consomem todo o rendimento dos membros da família.

conecte-se

Este QR Code despertará em você uma nova perspectiva sobre o consumismo


e sua inluência nas relações humanas. Está preparado? Acesse e descubra!

Outro mecanismo prejudicial utilizado pelo mercado para induzir ao consu-


mismo é a chamada obsolescência programada. Trata-se de um sistema artiicial
estabelecido pelos fabricantes para controlar a vida útil dos seus produtos. Ou
seja, o produtor tem controle sobre a duração de sua mercadoria, normalmente
para que tenham duração menor do que poderiam ter e estimulem, assim, o
consumo. Isso foi criado para
que o consumidor fosse força-
do a adquirir um produto novo
igual ou similar. A maioria dos
produtos é “programada para
morrer” e, muitas vezes, quando
esses dispositivos são daniica-
dos, é mais barato adquirir um
novo do que consertá-lo.
Figura 4 - Obsolescência Programada: diversos com-
putadores sem conserto.

184
A obsolescência programada garante grande demanda, pois as empresas têm

UNICESUMAR
mais benefícios e oferta contínua, o que inluencia o desenvolvimento da economia
por meio da aquisição desnecessária, de diversos produtos.
As consequências da obsolescência programada impactam diretamente o meio
ambiente. Por meio dela, é preciso utilizar uma grande quantidade de recursos
naturais para produzir constantemente esses itens que substituem os obsoletos.
Nesse caso, é necessário considerar que alguns dos recursos naturais utilizados
para a fabricação de alguns produtos são muito escassos. Outro ponto é a acumu-
lação de resíduos. Todos os aparelhos que não são mais usados são descartados e
a má gestão governamental pode levar a aterros ilegais. Por terem elementos que
podem contaminar o solo ou a água, é importante que eles sejam adequadamente
gerenciados e que a vida útil dos dispositivos eletrônicos seja prolongada, a im
de reduzir o número de resíduos gerados.
Há, todavia, um movimento empregado para combater o modo como lida-
mos com o consumo em nossos dias: o consumerismo. Trata-se de um neolo-
gismo derivado da palavra inglesa consumerism, que tem como objetivo fazer
com que as pessoas assumam a perspectiva de um consumo mais responsável. A
partir disso, as principais razões para levar um consumidor a agir dessa maneira
podem ser especiicadas nos seguintes aspectos:
• Contribuir ativamente para a realização dos direitos de informação, escolha do
consumidor e reclamação.
• Solidariedade e respeito por todas as pessoas envolvidas no processo produtivo
• Proteger o meio ambiente.
• Comprar produtos e serviços sustentáveis.
• Evitar o desperdício e aplicar a regra dos três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar.
• Contribuir para gerar empresas sociais e ambientais.
• Ter participação mais ativa nas práticas e atividades de responsabilidade social.

Esse movimento é uma resposta do ser humano ao perceber que o atual quadro
da atividade do consumo é muito prejudicial aos relacionamentos humanos e ao
próprio planeta como um todo.

185
No livro Modernidade Líquida, lançado em 1999, Bauman foi capaz de ex-

UNICESUMAR
plicar os fenômenos sociais da era moderna e mostrar o que nos diferencia de
gerações anteriores. A partir de 1999, o autor publicou uma série de obras que
resumem os seus pontos de vista sobre a realidade social que nos rodeia: Amor Lí-
quido(2003),VidaLíquida(2005),MedoLíquido(2006)eTemposLíquidos(2007).
A realidade líquida consiste em uma ruptura com as instituições e as estru-
turas estabelecidas. No passado, a vida era projetada especiicamente para cada
pessoa, que deveria seguir os padrões estabelecidos para tomar as decisões na
sua vida. Na modernidade, o sociólogo airmou que as pessoas já conseguiram
livrar-se dos padrões e das estruturas que foram, ao longo do tempo, sendo pré-es-
tabelecidas e que, agora, cada um tem a capacidade de criar a sua própria medida
de comportamento para determinar suas decisões e seu estilo de vida.
Na vida líquida, segundo Bauman, a sociedade está baseada no individualis-
mo e se tornou algo temporário e instável, que carece de aspectos sólidos. Tudo
o que temos muda com uma curta data de validade, em comparação com as
estruturas ixas do passado. Além disso, a individualização faz com que se perca
a ideia de coletividade, cidadania e bem comum:


o público é colonizado pelo privado; o ‘interesse público’ é reduzido
à curiosidade sobre as vidas privadas de iguras públicas e a arte da
exposição pública é reduzida à exposição pública de assuntos pri-
vados e à conissão pública de sentimentos privados (quanto mais
íntimos melhor). As ‘questões públicas’ que resistem a essa redução
tornam-se incompreensíveis (BAUMAN, 2001, p. 18).

O único interesse do cidadão individualista com relação aos interesses públicos


é com relação à proteção do seu espaço na sua zona particular. O poder público
deve garantir as liberdades individuais para que, assim, o ser humano consiga
desempenhar a sua individualidade com segurança:


As únicas duas coisas úteis que se espera e se deseja do ‘poder pú-
blico são que ele observe os direitos humanos, isto é, que permita
que cada um siga seu próprio caminho, e que permita que todos o
façam em paz –protegendo a segurança de seus corpos e posses,
trancando criminosos reais ou potenciais nas prisões e mantendo
as ruas livres de assaltantes, pervertidos, pedintes e todo tipo de
estranhos constrangedores e maus (BAUMAN, 2001, p. 45).

187
Inúmeras situações que Bauman nos apresentou há vinte anos em Modernidade
UNIDADE 5

Líquida e as obras seguidas se tornaram realidade em nossos dias. Ele conseguiu,


com destreza, diagnosticar o funcionamento da sociedade atual e determinar a
relação das novas gerações com conceitos como amor, trabalho ou educação.
O relacionamento dos nossos avós, por exemplo, é muito diferente dos rela-
cionamentos dos tempos líquidos ou pós-modernos. Hoje, há certo medo pelo
compromisso. O “icar” por uma noite ou por um momento é um exemplo claro
desse conceito. O medo da desilusão amorosa e do sofrimento já não valem mais a
pena e existe a visão de que há muito mais a perder do que a ganhar em uma relação.
Para Bauman, ica claro que, em nossos dias, há uma fragilidade dos vín-
culos. Essas relações são as que dão nome ao seu conceito de amor líquido.
Para ele, o que será renunciado – a liberdade, por exemplo – é a principal razão
para o medo do compromisso.
Estabelecer vínculo forte e comprometido não é fácil para muitas pessoas. Além
disso, há um senso de responsabilidade e sacrifício pessoal que os indivíduos podem
não estar dispostos a aceitar. É até possível que haja imaturidade pessoal, que im-
possibilita conceber uma autêntica relação sólida e estável para um projeto futuro.
O próprio Bauman explicou que muitas das relações de hoje são “cone-
xões”, em vez de “relacionamentos”. Não falamos apenas da primazia das novas
tecnologias e das redes sociais, aquelas que nos unem a múltiplas pessoas no
momento que escolhemos. Esse conceito vai um pouco além. O individualis-
mo procura apenas atender às necessidades especíicas com um começo e um
im, daí a ideia de amor líquido. As emoções não podem ser retidas e escapam
fugazmente das mãos até desaparecerem.

188 Figura 6 - Namoro online


Bauman airmou ainda que o consumismo estabeleceu uma pedagogia perversa,

UNICESUMAR
na qual o imediatismo da satisfação do desejo e a coisiicação das pessoas (trans-
formá-las em objeto) possibilitam a redução dos laços afetivos à sua forma mais
depreciativa. O casal se torna uma “mercadoria” que, eventualmente, não satisfaz
mais as necessidades a curto prazo.
O autor introduziu, no primeiro capítulo, a distinção entre amor e desejo:


Em sua essência, o desejo é um impulso de destruição. E, embora de
forma oblíqua, de autodestruição: o desejo é contaminado, desde o
seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é, porém, seu segredo
mais bem guardado — sobretudo de si mesmo.
O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto
cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo.
Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que ‘está lá fora’. In-
gerir, absorver e assimilar o sujeito no objeto, e não vice-versa, como
no caso do desejo. Amar é contribuir para o mundo, cada contri-
buição sendo o traço vivo do eu que ama (BAUMAN, 2004, p. 24).

Muitos dos novos amantes pensam a partir da lógica dos consumidores, que
buscam maximizar sua utilidade, seu prazer e, para isso, as relações supericiais e
prontas são mais confortáveis. Como mercadoria, podem ser alteradas por outras,
com a mesma facilidade com que são retiradas de uma prateleira de supermer-
cado. Isso explica o medo de estabelecer relações duradouras. Em uma análise
de custo-benefício, é um investimento a longo prazo que causa nervosismo e
insegurança, pois o resultado inal não pode ser conhecido. O casamento e a
família, instituições tradicionais da sociedade, sentem diretamente o impacto da
supericialidade amorosa contemporânea. A família se tornou um investimento
muito arriscado, o que se traduz em menos casamentos e menos ilhos.
Outra característica dessa nova era é a busca e o interesse dos jovens por
fazer viagens de vários meses ao redor do mundo, com o objetivo de romper
barreiras e testemunhar realidades diferentes. Em Sociedade Líquida é descrito
precisamente esse cenário, que convida ao movimento, ao luxo e à busca de novas
experiências, mas sem enraizar-se nas localidades. São cidadãos do mundo, mas
de lugar algum ao mesmo tempo.

189
Para veriicá-las, o sociólogo elaborou três tipos ideais com base no modelo

UNICESUMAR
weberiano a partir da justiicativa de que os ideais não são descrições da realidade
social, mas ferramentas para sua análise; são abstrações que tentam capturar a
singularidade de uma coniguração composta por ingredientes que não são de
todo especiais ou especíicos. De acordo com ele, são janelas para entender a ge-
nealogia da sociedade líquida. O primeiro tipo ideal é o consumismo, concebido
em sua relação oposta ou extrema com relação ao consumo. O segundo é consti-
tuído pela dinâmica que envolve a implementação do consumismo na sociedade
de consumo. O terceiro, por sua vez, é uma consequência dos dois primeiros: o
estabelecimento de uma cultura de consumo.
Para desenvolver o primeiro (consumismo), Bauman deiniu primeiramente o
consumo como parte da sobrevivência biológica, como parte inerente da vida huma-
na, porque é atribuído como essência que não muda no qualitativo, mas no quantita-
tivo. Só é variável quando as formas e quantidades de acumulação são modiicadas.
Ele chamou a transição do consumo para o consumismo de revolução consumista.
A centralidade que o consumidor adquire na vida social, ou, na maioria das pessoas,
no grupo social, ocorre quando seu objetivo passa a ser uma necessidade existencial
ou imanente a uma necessidade construída para querer ou desejar algo.
O consumismo é estabelecido como um acordo social, como uma força que
opera em outras esferas da vida pública, pois se constitui como uma forma de in-
tegração, estratiicação e formação do indivíduo, principalmente porque adquire
papel preponderante nos processos de autoidentiicação de pessoas e coletivida-
des. Para ser um atributo da sociedade, desprezou o valor mais precioso da socie-
dade de produtores: o trabalho, pois este desempenhava papel vital na formação
de instituições sociais. O trabalho outorgava um valor ao indivíduo diante da
coletividade, pois deinia uma identidade baseada na ocupação exercida pelo tra-
balhador. Atualmente, a lógica do emprego é colocada abaixo do ato de consumir.
Na sólida fase da modernidade, caracterizada pela dinâmica da produção,
o indivíduo e a coletividade foram orientados a obter uma segurança que fosse
resistente ao tempo, que fosse duradoura. De fato, essa era a justiicativa para ter
um pleno emprego: estabilidade.
Em contraponto, na direção da sociedade de consumidores, ou fase líquida
da modernidade, percebe-se uma instabilidade de desejos e insaciabilidade das

191
necessidades individuais. Para o autor, os objetivos da vida (identidade, futuro)
UNIDADE 5

são conigurados de maneira diferente e o que tinha valor (trabalho) deixa de ter
vital importância. No entanto, ele não perdeu de vista o fato de que essas mudan-
ças têm raízes estruturais, causadas principalmente pelas mudanças das funções
do papel do Estado, que privatizou e desregulamentou as atividades herdadas
no período pós-guerra, para serem transferidas para poderosas multinacionais.
Nesse contexto, entende-se o motivo pelo qual a substantividade do tra-
balho é alterada pelas pressões econômicas. A força que o mercado adquire
na órbita do setor público impõe novas formas de produção (distanciadas do
trabalho) e novos padrões de produtividade e competitividade (que tendem a
exacerbar os níveis de consumo).
Portanto, quando o indivíduo vive em constante incerteza sobre seu pos-
sível acesso ao trabalho, passa de uma identidade baseada no trabalho para
uma identidade baseada no consumo. Ao perder peso, o valor dos indivíduos
como seres produtivos na sociedade (trabalhadores, burocratas, proissionais),
a ênfase passa a estar em outros conceitos, como tempo, liberdade ou felicidade
enquanto novos objetivos de vida.
Nesse sentido, já que o elemento que seguirá o curso das sociedades atuais
será a incerteza, o tempo será caracterizado por sequências, rupturas e des-
continuidades; será inconsistente e a própria ideia de tempo será quebrada na
ininidade de momentos eternos.
Uma vez caracterizado o indivíduo consumista, Bauman desenvolveu o
segundo tipo ideal (a sociedade de consumo), deinida como um conjunto de
condições de existência sob as quais as chances de a maioria dos homens e das
mulheres adotar o consumismo antes de qualquer outra cultura são muito altas.
Esse tipo de sociedade deine seus membros com base em sua capacidade de
consumir, pois gera um ambiente propício para avaliar, orientar e sancionar a
velocidade de resposta de seus membros na escolha do modo de vida e, assim,
são deinidas as estratégias essenciais para pertencer a ela.
O poder de compra na sociedade de consumo está relacionado ao desem-
penho individual, pois consumir signiica investir no próprio pertencimento à
sociedade. Dessa maneira, as pressões sociais gerarão clima de reprodução de um
sistema que vive de, para e a partir do consumo. Antes de consumir, você precisa
tornar-se um produto – e é essa transformação que regula a entrada no mundo
do consumo –, para ter, pelo menos, uma oportunidade razoável de exercer os
direitos e cumprir as obrigações como consumidor.
192
UNICESUMAR
explorando Ideias

A deinição mais aceita sobre a síndrome de Burnout se fundamenta na perspectiva so-


cial-psicológica de Maslach & Jackson, que considera burnout uma reação à tensão emo-
cional crônica por lidar excessivamente com pessoas. É um construto formado por três
dimensões relacionadas, mas independentes: a) exaustão emocional, caracterizada por
falta de energia e entusiasmo, por sensação de esgotamento de recursos, que pode so-
mar-se ao sentimento de frustração e tensão nos trabalhadores; b) despersonalização,
deinida pelo desenvolvimento de insensibilidade emocional, que faz com que o proissio-
nal trate os clientes, os colegas e a organização de maneira desumanizada; c) diminuição
da realização pessoal no trabalho, qualiicado por uma tendência do(a) trabalhador(a) em
avaliar-se de forma negativa, o que o(a) torna infeliz e insatisfeito(a) com seu desenvolvi-
mento proissional.
Fonte: adaptado de Carlotto e Palazzo (2006).

Cada sociedade cria seu “homem invisível”. Nesse caso, o invisível quer dizer o
normal, aquele que não se destaca, que se confunde com a paisagem. O ser hu-
mano invisível que temos hoje é o ser humano que vive em estresse e que cumpre
todas as metas. A mulher e o homem trabalhador, eicazes em todas as dimensões
em que se propõem a trabalhar não se destacam em meio aos demais, pois todos
estão à procura dos mesmos objetos e objetivos.
No entanto, Sociedade do Cansaço se refere ao efeito inal de uma sociedade
performática ou, como diria Byung-Chul Han, de uma sociedade do rendimen-
to. O ilósofo, no primeiro capítulo, tenta explicar sua teoria a partir do mito de
Prometeu ao airmar que a águia é um relacionamento consigo mesmo, no qual
há relação de autoexploração. A dor do fígado, que é indolor, tipiica o cansaço.
Assim, Prometeu, como sujeito, torna-se vítima de um cansaço ininito. Essa seria
a igura original da sociedade do cansaço.
Segundo o autor, a sociedade disciplinar de Foucault, com suas prisões, hospi-
tais e hospitais psiquiátricos, não corresponde mais à sociedade atual. Uma nova
sociedade de academias, torres de escritórios, laboratórios genéticos, bancos e
grandes shopping centers compõem o que ele chama de sociedade do rendimen-
to. O “sujeito da obediência” anterior foi substituído pelo “sujeito do rendimento”.
Aquelas velhas muralhas que delimitaram o normal do anormal e toda a negati-
vidade da dialética que envolvia a sociedade disciplinar caíram. Hoje, a sociedade
com desempenho positivo substituiu a proibição pelo verbo modal “poder”, com
seu plural airmativo “sim, nós podemos”. Motivações, empreendedorismo, pro-
jetos e iniciativas substituíram a proibição, o mandato ou a lei.
195
O sujeito do rendimento está em guerra consigo mesmo, airma Byung-Chul. Livre
UNIDADE 5

de um domínio externo que o obriga a trabalhar ou que o explora, submetido so-


mente a si mesmo, o sujeito do rendimento é abandonado à liberdade forçada ou à
livre obrigação de maximizar seu desempenho. O excesso de trabalho se torna mais
agudo e se torna uma autoexploração. Isso é muito mais eicaz do que a exploração
vinda de outros, pois é acompanhado por um sentimento de liberdade.
O excesso de positividade também variou a estrutura e a economia da aten-
ção. A superabundância de estímulos e informações causou a fragmentação e a
dispersão da percepção. Essa fragmentação ou atenção multitarefa à qual o sujeito
contemporâneo está sujeito é uma capacidade que não apenas aparece nos seres
humanos, explica o autor, mas é amplamente utilizada em animais selvagens. A
multitarefa é uma técnica vital de sobrevivência na selva: um animal selvagem
deve sempre estar ciente dos diferentes elementos de seu ambiente para evitar
ser comido por outros predadores. Isso torna impossível mergulhar na contem-
plação. A capacidade de atenção profunda e contemplativa, da qual descem as
grandes realizações da humanidade, é progressivamente substituída por supe-
ratenção e hiperatividade. A agitação permanente, a supremacia da vida ativa
amplamente elogiada na sociedade performática não gera nada de novo, reproduz
e acelera o que já existe. A sociedade da performance, como uma sociedade ativa,
tem gradualmente se tornado uma sociedade dopada e ainda acrescenta que o
uso de drogas inteligentes, que permitem operar sem alterações e maximizar
desempenho, é uma tendência bem argumentada, mesmo por cientistas sérios
que consideram irresponsável o uso dessas substâncias. O ser humano como um
todo, não apenas o corpo, tem se tornado uma “máquina de performance”.
Esse é o estado de nossa sociedade, segundo Byung-Chul Han. As fronteiras
do próprio corpo, da psique e da moral são constantemente varridas, dirigidas
pelas possibilidades de pessoas que estão na ativa. É doloroso imaginar como esse
processo acontece no ser humano em seu mundo de trabalho, justamente em uma
sociedade em que o trabalho representa a totalidade da vida e existência humanas.
Essa dinâmica faz parte das concepções do sujeito de nossos tempos. Funciona
como um mecanismo que mantém o ser humano como um ideal sempre efetivo e
produtivo, conectado ao imediatismo da tecnologia, sobrecarregado pela dimensão
da urgência das possibilidades do saber e acesso a tudo sem limites estabelecidos.
Os perigos advindos desse cansaço não dizem respeito apenas ao indivíduo
e à sua saúde, mas também afeta toda a dimensão social e afetiva: ele isola e
divide. A percepção do outro, assim como o autoconhecimento, requer tempo.
196
Quais são as implicações e consequências de uma parte crescente da nossa
UNIDADE 5

sociedade estar interconectada uns aos outros e com acesso a informações ins-
tantâneas de forma tão natural? Muitos desses efeitos já fazem parte do nosso
cotidiano e afetam poderosamente muitas áreas: a forma como vivemos, como
consumimos, como nos comunicamos ou fazemos política.
As últimas eleições presidenciais foram claras em mostrar o uso da tecnologia
e das redes sociais para eleger o novo presidente do Brasil. As chamadas fake news
invadiram os celulares e computadores de todo o país, mostrando a importân-
cia do uso dessa tecnologia como disseminação de transmissão de conteúdo.
O presidente eleito conseguiu alavancar a participação na web para convertê-
-la na tradução moderna do signiicado de militância política pouco utilizada
até o momento, mas que, de repente,
tornou-se simples, atraente, acessível
e eicaz a qualquer um. Pessoas de
todas as faixas etárias enviaram aos
seus amigos vídeos do YouTube com
as aparições do candidato e defen-
deram suas posições em discussões
intermináveis em redes sociais como
Facebook, Twitter e Instagram. Figura 9 - As redes sociais trazem novas
formas de relacionamento

Uma nova cultura surge por meio da sociedade hiperconectada. Os seus elementos
constituintes – indivíduos ou instituições – são unidos por linhas de comunicação
virtual. Em nossa sociedade atual, estamos todos unidos por uma série de linhas de
comunicação mais ou menos visíveis, expressas de uma forma ou de outra na rede.
Uma sociedade hiperconectada parte do pressuposto de que existe acesso à
Internet quase que a todas as pessoas. Sem dúvidas, a situação ainda não é assim.
Ainda há divisão digital relativa, na qual segmentos populacionais não podem
acessar um computador ou uma conexão de banda larga por razões como eco-
nomia, cultura e território.
A experiência de viver em uma sociedade assim ainda não é comum para a
maioria dos usuários da Internet. O peril do usuário médio da rede geralmente
é o de uma pessoa que a usa geralmente para tarefas como acessar e-mail, ler
notícias, pagar contas, visualizar extrato bancário, baixar músicas e ilmes, com-
prar ingressos para shows e procurar algo para resolver problemas domésticos

198
(como trocar um chuveiro, por exemplo). Se dissermos a esse usuário comum

UNICESUMAR
que ele vive em uma sociedade hiperconectada é possível que ele se surpreenda
e, até mesmo, negue que esteja fazendo parte dela.
A grande questão é que o nível de conectividade começa a atingir níveis
realmente surpreendentes: é perfeitamente normal que uma pessoa se levante
pela manhã e acesse o seu celular smartphone antes mesmo de tomar o café da
manhã, mas isso não acontece apenas na hora de levantar-se. Muitas pessoas
sentem a necessidade de ver as suas redes sociais a todo o momento, para ver se
algo mudou, se alguém curtiu ou comentou a foto postada.
Os adolescentes são os mais afetados nesse processo e podem tornar-se de-
pendentes do uso do aparelho. Uma nova rotina de vida é gerada: checar as redes
sociais ou usar por alguns minutos o celular na hora de dormir e no momento
de levantar-se. Em sala de aula, ao ministrar uma aula de Sociologia no Ensino
Médio, alunos relatavam para mim que, até mesmo durante o banho, conversa-
vam e respondiam mensagens de seus “amigos”.
Ao retomarmos os conceitos de modernidade líquida e sociedade de con-
sumo de Zygumnt Bauman, podemos veriicar que a falta de lealdade à vida
sólida da modernidade é acompanhada pela ideia de derrotar o tempo. Esse é, em
grande parte, um dos propósitos mais caros incorporados nos usuários de redes
sociais. Os internautas tentam informar toda a sua vida privada a vários amigos
(principalmente virtuais) para serem aceitos nesse espaço virtual. Cada notícia é
recompensada, especialmente as triviais – que são as mais populares. Os usuários
divulgam no espaço público virtual todo tipo de informação: desde o almoço a
atividades diárias e rotineiras, passando pelos comentários até os tópicos em voga
ou as atividades de lazer locais.
Como as redes sociais funcionam em tempo real, as informações da manhã
já estão obsoletas ao meio-dia e o que é publicado à tarde não importa mais à
noite. O que é necessário é atualizar o peril praticamente minuto a minuto para
continuar colhendo comentários e reações e aumentando o número de seguido-
res. O estresse causado pelos usuários na necessidade de ganhar tempo nas redes
sociais é evidente quando os protagonistas fazem todo o possível para posicio-
nar-se como objetos rentáveis e atraentes no mercado virtual. É por isso que há a
necessidade de fazer upload de fotograias, informar detalhes íntimos e renovar
informações pessoais o tempo todo.

199
O sucesso desses espaços de comunicação virtual é que eles exaltam, enraí-
UNIDADE 5

zam a cultura consumista e transformam o usuário em um objeto de consumo


tão dispensável quanto os outros. É por isso que o máximo de redes sociais deve
informar quantos seguidores e comentários você tem em seu peril, para dizer-lhe
qual é o seu valor no ciberespaço.
Essas redes consomem novas informações instantaneamente apenas para
descartá-las quase que imediatamente. Portanto, seguindo a alegoria, talvez a
verdadeira paixão das redes sociais seja produzir resíduos no espaço virtual. A
questão relevante é que os usuários são, de fato, os objetos que podem rapidamen-
te passar da glória ao esquecimento, a depender de suas habilidades para atender
às necessidades de outros concorrentes virtuais.
Uma das grandes promessas da tecnologia, e uma das causas da revolução
que levou às telecomunicações, foi dar-nos a possibilidade de conectar-nos em
tempo real com pessoas que estão a distâncias que, sem a ajuda de dispositivos
tecnológicos, poderíamos levar horas, dias, semanas ou meses para alcançar, co-
nhecer e estabelecer algum tipo de relacionamento.
Além disso, a grande promessa da tecnologia que origina a conectividade
a níveis extraordinários nos garantiu que teríamos muito mais comodidade e
rapidez para acessar informações, mais tempo para nós mesmos e poderíamos,
assim, desfrutar mais da vida. Contudo, não é isso que temos visto e presenciado.

pensando juntos

Quais são os elementos positivos e negativos da tecnologia na sua vida?

200 Figura 10 - Conectados com muitos e sozinhos na multidão


A solidão que, de acordo com estudos recentes, tem nos matado, é mais um re-

UNICESUMAR
sultado de uma sociedade com indivíduos cada vez mais isolados. O isolamento
é um sintoma do produto das relações da nossa sociedade atual.
É um fenômeno humano oriundo de uma abordagem relacional na era da
modernidade. Na Antiguidade, a solidão não aparece, pelo menos da forma como
vemos hoje, porque foi vivida em comunidade. Não houve divisão entre o ser
individual e o coletivo.
O “penso logo existo” é uma sentença cartesiana que enaltece o “eu” como o
único fundamento da realidade. A partir desse momento, desenvolvimento e as
transformações política, social, cultural, econômica e tecnológica da modernida-
de ocidental foram construídas, tendo o ser humano como referência.
Contudo, o sentimento de solidão parece ser contraditório à própria condição
da existência humana. O relacionamento com outros seres humanos tende a ser o
motor que nos leva a dar sentido à nossa existência, a criar a linguagem, os afetos
e os sentimentos. Sentido que, embora possa acontecer por meio do indivíduo
em si, sempre precisará ser comunicado, conversado e compartilhado.
Aristóteles acreditava na natureza social do animal humano, muito diferente
da abordagem moderna do lobo solitário de homas Hobbes, que concebia a
natureza humana como um estado de isolamento violento.
A solidão está longe de ser uma questão exclusivamente individual. Os sujeitos
que se sentem isolados vivenciam condições psicossociais que aumentam o estresse:
situação econômica desfavorável, perda de um ente querido, discussões entre familia-
res ou amigos, ruptura de um relacionamento e problemas legais ou trabalhistas, as-
sim como recessões econômicas, instabilidade política ou social no país onde se vive.
As conexões digitais nos oferecem a ilusão da companhia sem as exigências
que a amizade real possui. Nossa vida conectada nos permite esconder-nos uns
dos outros, mesmo ao estarmos conectados. Preferimos enviar mensagens a con-
versar pessoalmente. Além disso, as novas tecnologias permitem manter uma vida
social efervescente sem sair de casa.
Este livro que escrevi, por exemplo, é direcionado para alunos que estudam
um curso de educação a distância, cuja formação acadêmica se dará, quase cem
por cento, dependendo do acesso à rede mundial de computadores. O contato
de sala de aula com outras pessoas será substituído pela presença de uma tela e
pela interação virtual com outros alunos.
As redes sociais são ferramentas poderosas, se usadas corretamente. Novas
tecnologias podem levar-nos mais à integração do que ao isolamento. A chave é
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manter um equilíbrio e não permitir que os relacionamentos virtuais substituam
UNIDADE 5

os relacionamentos pessoais. Muitas pessoas reclamam que não conseguem esta-


belecer relacionamentos próximos, previsíveis e genuinamente recompensadores,
tanto de amizade quanto de relacionamento amoroso. Isso acontece porque as re-
lações são cada vez mais mediadas, menos deinidas e, consequentemente, muito
complexas. Os relacionamentos “cara-a-cara” são tão básicos quanto necessários
e não podem ser substituídos por aqueles que vivem na Internet.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade de consumo aponta um fenômeno que determina o sistema econô-


mico pelos valores culturais. Essa realidade é uma ideologia ativa que dá sentido à
vida do indivíduo por meio da aquisição de produtos e experiências organizadas.
Uma das críticas mais comuns à sociedade de consumo é a que a encara
como um tipo de sociedade que se rendeu às forças do sistema capitalista e que,
portanto, seus critérios e bases culturais estão sujeitos às criações disponíveis
ao alcance do consumidor. Nesse sentido, os consumidores inais perderiam as
características de serem pessoas humanas e individuais para serem consideradas
uma massa de consumidores, que pode ser inluenciada por meio de técnicas de
marketing a criar, inclusive, falsas necessidades.
Em contraste com a modernidade sólida, a modernidade líquida é caracte-
rizada como uma realidade cultural oposta à estabilidade que existia no período
anterior. Todo o imaginário de estabilidade política, social e cultural não tem mais
o sentido ou a razão de ser de que outrora gozavam.
Na sociedade do cansaço, percebemos que a internalização do mal é uma
consequência do sistema neoliberal que alcançou algo muito importante: não
precisa mais exercer a repressão, porque já foi internalizada. O homem moderno
é seu próprio explorador e vive apenas buscar do sucesso.
A sociedade hiperconectada, por sua vez, tem contribuído para elevar a qua-
lidade de vida das pessoas, aperfeiçoar a ciência e o progresso da medicina, di-
minuir os custos das comunicações e as ferramentas de trabalho. Seus benefícios
podem ser muitos. Em contrapartida, ainda não se sabe quais serão os efeitos
negativas. A perda de postos de trabalho devido ao uso de computadores é real,
a extinção de postos de trabalho operacionais e a reavaliação de trabalhos de
conhecimento é um fato irreversível.
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