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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5

2 O QUE É A FILOSOFIA?.......................................................................................... 6

2.1 O conteúdo da filosofia .......................................................................................... 9

3 A HISTÓRIA DA FILOSOFIA .................................................................................. 10

3.1 Filosofia e seus períodos históricos ..................................................................... 10

3.2 Períodos históricos da filosofia e as escolas filosóficas....................................... 13

3.2.1 Filosofia Antiga ................................................................................................. 13

3.2.2 Filosofia Medieval ............................................................................................. 14

3.2.3 Filosofia Moderna ............................................................................................. 15

3.2.4 Filosofia Contemporânea.................................................................................. 16

4 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO HUMANO........................................... 18

5 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO ................................................. 20

5.1 Pilares básicos da filosofia .................................................................................. 21

5.1.1 Metafísica.... ..................................................................................................... 23

5.1.2 Lógica.......... ..................................................................................................... 23

5.1.3 Epistemologia ................................................................................................... 23

5.1.4 Estética............................................................................................................. 24

5.1.5 Política.............................................................................................................. 24

5.1.6 Ética............. .................................................................................................... 25

6 OS PRINCIPAIS FILÓSOFOS DA HUMANIDADE ................................................. 25

6.1 Idade Antiga ........................................................................................................ 26

6.1.1 Sócrates (Grécia, 469–399 a.C.) ...................................................................... 26

6.1.2 Platão (Grécia, 428–348 a.C.) .......................................................................... 26

6.1.3 Aristóteles (Macedônia, 384–322 a.C.)............................................................. 27

6.2 Idade Média ......................................................................................................... 28

2
6.2.1 Santo Anselmo (Reino da Borgonha, 1033–1109 d.C.) .................................... 28

6.2.2 Santo Tomás de Aquino (Itália, 1225–1274 d.C.) ............................................. 28

6.2.3 Roger Bacon (Reino Unido, 1214–1292 d.C.) .................................................. 29

6.3 Idade Moderna .................................................................................................... 29

6.3.1 René Descartes (França, 1596–1650 d.C.) ...................................................... 29

6.3.2 Francis Bacon (Reino Unido, 1561–1626 d.C.) ................................................ 30

6.3.3 Immanuel Kant (Prússia, 1724–1804 d.C.) ....................................................... 30

6.3.4 John Locke (Reino Unido, 1632–1704 d.C.) ..................................................... 31

6.4 As principais referências da filosofia contemporânea .......................................... 31

7 ORIGENS DA FILOSOFIA: CONCEITUAÇÃO, OBJETO E MÉTODO .................. 34

7.1 Clarificar e justificar: as bases do pensamento filosófico..................................... 35

7.2 A importância da filosofia na contemporaneidade ............................................... 38

7.3 Filosofia e cotidiano ............................................................................................. 41

8 FILOSOFIA E SENSO COMUM ............................................................................. 45

8.1 Os conceitos de a priori e metafísica com a educação........................................ 45

8.2 Os conceitos de senso comum e senso empírico na educação .......................... 48

9 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO, A HISTÓRIA DA FILOSOFIA E


A VISÃO MITOLÓGICA DO MUNDO ........................................................................ 50

9.1 Filosofia e evolução dos mitos ............................................................................. 50

9.2 Filosofia como base para a formação da educação da civilização grega ............ 53

9.3 Evolução do pensar humano em diferentes etapas do período histórico-filosófico56

10 AS EXIGÊNCIAS DA REFLEXÃO FILOSÓFICA .................................................. 59

10.1 Conceitos relacionados à reflexão filosófica e à argumentação ........................ 61

10.2 Premissas e inquietudes filosóficas no contexto educacional ........................... 63

11 A FILOSOFIA, A FORMAÇÃO DO EDUCADOR E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS66

11.1 O objetivo da filosofia da educação na formação de professores ..................... 66

11.2 O cenário atual da educação brasileira ............................................................. 69

3
12 FILOSOFIA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS ................................................ 72

12.1 A filosofia e as mídias digitais ............................................................................ 73

12.2 Mídias digitais e mobilizações sociais ............................................................... 75

12.3 Fake News ......................................................................................................... 76

12.4 Sustentabilidade e desenvolvimento tecnológico .............................................. 79

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 O QUE É A FILOSOFIA?

Há muitas opiniões diferentes sobre a natureza da filosofia, mas provavelmente


nenhuma definição muito simples do assunto. Isso reflete o fato de que – de um modo
que não se verifica em nenhuma outra disciplina – a natureza da filosofia é em si
mesma um assunto importante de discordância filosófica, um assunto para o qual há
uma longa história de opiniões que competem entre si. A nossa convicção, que muitos
partilham, é que ao final uma pessoa pode obter uma ideia realmente clara do que é
a filosofia somente estudando, com efeito, o assunto em mais detalhes (BONJOUR,
2010).
Felizmente, contudo, há alguns pontos modestos sobre os quais há
concordância suficientemente ampla para proporcionar um ponto de partida razoável.
Em primeiro lugar, a palavra “filosofia” significa, literalmente, o amor pela sabedoria,
e desde o início da sua longa história os filósofos perguntaram e tentaram responder
a questões muito difíceis sobre os tópicos que pareciam os mais importantes para a
humanidade, buscando, por isso mesmo, a sabedoria (BONJOUR, 2010).
Em segundo lugar, dado que o conhecimento parece importante, mesmo se
não suficiente para a sabedoria, poder-se-ia perguntar que tipo de conhecimento o
estudo da filosofia produz. Uma resposta tradicional é que os filósofos descobrem a
natureza essencial de várias coisas abstratas: verdade, conhecimento, pensamento,
liberdade, dever, justiça, beleza e, inclusive, a própria realidade. Uma versão mais
contemporânea e talvez mais modesta dessa reivindicação é que os filósofos
descobrem o conteúdo ou a análise correta dos conceitos que usamos quando
pensamos sobre a verdade, o conhecimento e temas semelhantes – ou, talvez, os
significados das palavras correspondentes.
Em terceiro lugar, todos concordam que muitas áreas de investigação que
começaram como partes da filosofia depois se tornaram ramificações da ciência. Isso
acontece, aproximadamente, quando as questões envolvidas tornam-se definidas de
modo suficientemente claro para tornar possível investigá-las em termos científicos,
através de observação empírica e de teorização com base empírica. Assim, enquanto
virtualmente todo tipo de conhecimento foi parte da filosofia para o filósofo grego da
Antiguidade Aristóteles, a física e a biologia têm sido separadas da filosofia por muito
tempo, com outras áreas seguindo por esse caminho mais recentemente. (Por

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exemplo, até o final do século XIX, a psicologia ainda era vista como parte da filosofia.)
Isso sugere que a filosofia pode ser identificada, ainda que um tanto indiretamente,
como a origem daqueles temas que as pessoas ainda não aprenderam a investigar
em termos científicos. Isso inclui alguns temas com respeito aos quais é difícil imaginar
que isso jamais aconteça, porque são demasiado gerais, demasiado difíceis e,
possivelmente, demasiado fundamentais.
Em quarto lugar, quase todos os filósofos concordam que a história da filosofia
é importante para a própria natureza da filosofia e para a contínua investigação
filosófica de um modo em que as outras histórias de outras disciplinas não são
igualmente importantes para elas. Isso se reflete na proporção bastante grande de
seleções históricas no presente volume. Contudo, os filósofos também discordam
sobre o quão importante a história da filosofia é – e sobre por que ela é importante.
Uma abordagem da filosofia, oferecida pelo filósofo americano do século XX,
Wilfrid Sellars, pode ajudar a resumir alguma das ideias anteriores e também revelar
um pouco mais do sabor do assunto:

O objetivo da filosofia, formulado abstratamente, é entender como as coisas,


no mais amplo sentido possível do termo, estão conectadas no sentido mais
amplo possível do termo. Sob “coisas no mais amplo sentido possível”, incluo
itens radicalmente diferentes, como não só “repolhos e reis”, mas também
números e deveres, possibilidades e estaladas de dedos, experiência estética
e morte. Alcançar sucesso na filosofia seria, para usar um modo de expressão
contemporâneo, “estar familiarizado com o entorno”, com respeito a todas
essas coisas, não naquele modo irreflexivo no qual o centípoda da história
tinha familiaridade com o seu entorno antes que encarasse a questão “como
eu caminho? ”, mas naquele modo reflexivo que significa que nenhum apoio
intelectual está barrado.

Como isso sugere, nada está realmente além da competência da filosofia.


Colocando esse ponto de uma maneira apenas levemente diferente, a filosofia busca
entender, de um modo plenamente reflexivo, de que maneira tudo está relacionado a
e conectado com, porém difere de tudo o mais.
Esta é uma concepção bastante abstrata, para dizer o mínimo, e também uma
concepção bastante exigente. Por um lado, existem pessoas que pensam que o único
modo de aprender filosofia é simplesmente começar lendo alguns textos filosóficos,
tentando compreender o que está acontecendo e qual é o ponto, sem qualquer ajuda
ou condução adicional. Essa visão está refletida em um antigo adágio de instrutor:
jogue-os na água e veja quem consegue nadar! Por outro lado, algumas pessoas
pensam que uma orientação inicial à filosofia, ainda que necessariamente uma
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orientação apenas aproximada e parcial, pode ser de grande ajuda. Dado que cremos
que essa última concepção é correta, começamos este capítulo com um ensaio de
Ann Baker sobre a natureza da filosofia e, especialmente, sobre os elementos do
pensamento filosófico.
Uma das atividades filosóficas centrais, refletida na tentativa de entender a
natureza essencial das coisas (ou dos conceitos), é a clarificação. Os filósofos estão
constantemente levantando questões sobre o que vários tipos de coisas realmente
vêm a ser (ou o que as palavras em questão realmente significam). Muitos dos
diálogos de Platão estão focados sobre questões desse tipo, sobretudo questões
relativas a noções morais ou avaliativas: “O que é a coragem?”, “O que é a justiça?”,
“O que é o conhecimento?”, e assim por diante. No seu diálogo Eutífron, Platão faz a
pergunta: “O que é a piedade?”, que, para os gregos, equivalia aproximadamente à
pergunta “O que é a correção moral?”. Aprendemos no Eutífron que Sócrates foi
acusado de corromper a juventude de Atenas; e na Apologia de Platão temos um
relato do julgamento de Sócrates, no qual ele foi declarado culpado e condenado à
morte – assim se tornando, de fato, um mártir para a filosofia. Na Apologia, na medida
em que Sócrates explana por que não pode evitar a sua punição, desistindo da
investigação filosófica, ele faz a famosa afirmação de que “a vida sem reflexão não é
digna de viver”. A perspectiva e a integridade intelectual refletidas nessa afirmação
foram frequentemente consideradas como paradigmáticas do verdadeiro filósofo
(BONJOUR, 2010).

Fonte: http://www.novageracaoeducacional.com.br/
8
Enquanto muitas pessoas creem que a filosofia é obviamente importante e
valiosa, existem aquelas que desprezam o pensamento filosófico como jogo mental
irrelevante, desprezível, sem importância. Bertrand Russell argumenta que a filosofia
é valiosa mesmo que se revele como produzindo pouco ou nenhum conhecimento
seguro. Assim, pois, mais de 2.000 anos depois de Platão ter escrito o Eutífron e a
Apologia, Russell defendeu o estudo e a prática da filosofia como essenciais ao melhor
tipo de vida (BONJOUR, 2010).

2.1 O conteúdo da filosofia

Comecemos construindo a nossa concepção de filosofia, diferenciando entre o


conteúdo característico envolvido na disciplina da filosofia e o método característico
do pensamento filosófico. O conteúdo diz respeito (obviamente) àquilo sobre o que os
filósofos pensam. Por exemplo, os filósofos pensam tipicamente sobre questões como
essas: O que é o conhecimento? O que é a verdade? O que são as mentes? O que é
a consciência? Somos genuinamente livres? Ser moralmente responsável requer ser
livre? Somos, por nossa própria natureza, egoístas? Há uma diferença genuína entre
certo e errado ou bem e mal? O que é a justiça? Deus existe? E até mesmo, como já
vimos, o que é a filosofia? Ao tentar responder a essas questões, os filósofos pensam
sobre alegações – asserções específicas, focadas, que são lançadas como sendo
verdadeiras ou falsas – e também sobre concepções ou posições mais abrangentes
(compostas de muitas alegações relacionadas), que têm o propósito de responder a
questões como aquelas listadas antes.
Para generalizar a partir desses exemplos, seria razoável dizer que o conteúdo
da filosofia diz respeito:
1. à natureza fundamental da realidade – a natureza do espaço e do tempo, de
propriedades e de universais, e em especial, mas obviamente não de maneira
exclusiva, da parte da realidade que consiste de pessoas (a ramificação da filosofia
chamada de metafísica);
2. à natureza fundamental das relações cognitivas entre pessoas e outras
partes da realidade – as relações de pensar sobre, conhecer, e assim por diante (a
ramificação da filosofia chamada de epistemologia);

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3. à natureza fundamental dos valores, sobretudo valores que pertencem às
relações éticas ou sociais entre as pessoas e entre as pessoas e outras partes da
realidade, tais como animais não humanos, o ambiente, e assim por diante (a
ramificação da filosofia chamada de axiologia, que inclui os campos mais específicos
da ética, da filosofia política e da estética) (BONJOUR, 2010).

Fonte: o autor, 2021

3 A HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Tradicionalmente, a História da Filosofia é dividida em 4 (quatro) grandes


períodos: (1) Filosofia Antiga; (2) Filosofia Medieval; (3) Filosofia Moderna e (4)
Filosofia Contemporânea.
A história da filosofia é a disciplina responsável por estudar o pensamento
filosófico, ordenado cronologicamente para se identificar o debate entre as ideias
filosóficas no tempo. Nesta seção, você vai ver os principais períodos históricos e as
escolas filosóficas. A partir daí, acessará a trajetória histórica do desenvolvimento do
pensamento humano.

3.1 Filosofia e seus períodos históricos

Você sabe o que significa filosofia? Boécio (1998) nos lembra que, segundo a
etimologia dessa palavra, filosofia significa “amor à sabedoria”. Ou seja, o desejo de
conhecer, compreender e explicar as coisas da vida de forma mais profunda e
reflexiva faz parte dessa disciplina. Mas como filosofar? Por meio da própria reflexão
sobre o pensar e o agir humano. Então qualquer pessoa pode propor questões
filosóficas? Sim, qualquer pessoa pode fazer suas questões diante do mundo,
inclusive você.
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Indagar sobre a vida cotidiana também nos permite desenvolver o pensamento
reflexivo, uma vez que as ideias do senso comum são questionadas, e, por meio da
investigação filosófica, pode-se constituir o pensamento crítico. Desse modo, é
preciso tomar distância do que conhecemos costumeiramente, a fim de analisar como
se conhecêssemos aquilo pela primeira vez, como nos provoca Chauí (2000, p. 9):

A Filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do senso


comum e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos
saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego Sócrates afirmava que a
primeira e fundamental verdade filosófica é dizer: “Só sei que nada sei”. Para
o discípulo de Sócrates, o filósofo grego Platão, a Filosofia começa com a
admiração; já o discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a
Filosofia começa com o espanto.

Sendo assim, você pode realizar análises filosóficas a partir de muitas questões
e ainda englobar inúmeras abordagens nessa reflexão, como enfatiza Aranha e
Martins (2009, p. 21):

A filosofia é um tipo de reflexão totalizante, de conjunto, por que examina os


problemas relacionando os diversos aspectos entre si. Mais ainda, o objeto
da filosofia é tudo, por que nada escapa a seu interesse. Por exemplo, o
filósofo se debruça sobre assuntos tão diferentes como a moral, a política, a
ciência, o mito, a religião, o cômico, a arte, a técnica, a educação e tantos
outros. Daí o caráter transdisciplinar da filosofia, ao estabelecer o elo ente
diversas expressões do saber e do agir.

Logo, pode-se imaginar que, desde o surgimento do homem, as preocupações


sobre o modo de vida em sociedade e as explicações possíveis para os problemas da
convivência no meio social se tornaram grandes estímulos para iniciar e aprofundar
questões filosóficas. Contudo, o que orienta as respostas para essas explicações
também marca uma época histórica em nossa sociedade. Ou seja, estudar a história
da filosofia nos leva a estudar a história da constituição da nossa sociedade, que, por
questões históricas de migrações, guerras e construção de nações, faz com
compreendamos também a história do pensamento Ocidental.
Assim, ao conhecer e apreender a história desta disciplina, também
compreendemos como se dão as mudanças de ideias ao longo do tempo. Nesse
sentido, Moura (1988, p. 152) nos lembra que:

Como é um fato que o passado da filosofia é relevante para a reflexão do


presente – dirá Gueroult –, o estudo da história da filosofia tem interesse para
a filosofia, e essa história, bem compreendida, é sempre uma história
sapientiae, que nos mostra o passado como contemporâneo ao presente –
sem com isso deformá-lo.
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Por consequência, o estudo dos períodos históricos na filosofia corresponde ao
estudo dos períodos históricos na história da sociedade Ocidental. Assim, baseado
em Marcondes (2010), podemos periodizar a história da filosofia da seguinte forma:
 Filosofia Antiga corresponde à História Antiga, datada entre o surgimento
do homem até o fim do século IV. Nessa época, passou-se do pensamento mítico-
religioso para o pensamento filosófico-científico, evidenciando a noção da natureza,
da causalidade e da racionalidade. Coube buscar as primeiras respostas para os
dilemas existenciais humanos.
 Filosofia Medieval corresponde à Idade Média, período entre os séculos V
e XV. Nesse momento, deu-se a transição do helenismo para o cristianismo, que veio
acompanhando de uma deterioração cultural e econômica na Europa em decorrência
do Império Romano do Ocidente.
 Filosofia Moderna corresponde à História Moderna, indo do século XV até
o século XVIII. Nessa época, ocorre a descoberta das Américas, há uma ruptura com
a tradição e valoriza-se o progresso e a individualidade. Na questão da fé, é a reforma
protestante que entra em voga, questionando a autoridade institucional da Igreja.
 Filosofia Contemporânea corresponde à Contemporaneidade, período a
partir do final do século XVIII até os dias atuais. Sua concepção busca encontrar
respostas para a crise do projeto filosófico da modernidade, pretendendo-se, assim,
atualizar o racionalismo, trazer novas alternativas para o questionamento da
subjetividade e evidenciar questões de linguagens.

Fonte: https://estudeja.com.br/

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3.2 Períodos históricos da filosofia e as escolas filosóficas

Agora, aprofundaremos nosso conhecimento sobre cada um dos períodos


históricos da filosofia, afim de compreender o desenrolar histórico do pensamento
humano na sociedade Ocidental. Em cada período, também será destacada a
principal escola que o representa. Cada escola é determinada por um pensador que
teve suas ideias ecoadas na época em que viveu.
Entretanto, devemos lembrar que estas “caixas” da história são apenas
referências e que, quando falamos da história da filosofia, estamos na verdade falando
sobre filosofar, como nos indica Merleau-Ponty (1980, p. 212): “[...] a ‘explicação’
histórica é apenas uma maneira de filosofar sem dar na vista, disfarçar as ideias em
coisas e pensar sem precisão. Uma concepção da história só explica as filosofias sob
a condição de tornar-se também filosofia, e filosofia implícita”.

3.2.1 Filosofia Antiga

A Filosofia Antiga engloba todo o pensamento filosófico anterior ao século V.


Esse momento corresponde à Antiguidade, que vai da invenção da escrita (4000 a.C.
a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.). Surgiu, então,
a formação do Estado, e as civilizações existentes nesse período eram Egito, Grécia,
Roma, Persas, Fenícios, povos germânicos, entre outros.
Quanto ao desenvolvimento da filosofia, sobre esse período histórico, Braz
(2005) enfatiza o período pré-socrático, que faz referência ao período anterior à
existência de Sócrates e destaca filósofos que se focavam com aspectos da natureza
para responder suas questões; o período socrático, que, na figura de Sócrates,
estimulava o diálogo para filosofar; o período sistemático, que é um período atribuído
a Aristóteles; e período greco-romano, que destacou aspectos da cosmologia para
buscar responder aos problemas da época.
Segundo Marques (2007), as principais preocupações neste momento eram
compreender a origem do universo, os fenômenos da natureza e os comportamentos
humanos a partir da razão. Assim, não se aceita mais as explicações míticas e busca-
se observar, analisar e fundamentar as explicações por meio da racionalidade
humana.

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Uma das escolas mais representativas deste período da Filosofia Antiga é a
Escola Socrática. Seu representante é Sócrates, que viveu durante o ano de 470 a.C.
em Atenas, na Grécia. Dentre as preocupações centrais deste filósofo estavam a ética,
a razão, a verdade e o questionamento. O discípulo mais conhecido de Sócrates foi o
filósofo Platão que, inclusive, foi responsável por compilar e escrever as ideias de seus
mestres (visto que Sócrates nada de escrito deixou).

Sócrates foi um filósofo que agiu pela fala e por ela influenciou seus
concidadãos – e se um indivíduo se define como político na medida em que
age e influencia os demais por meio da palavra viva, em ato (isto é, a fala),
Sócrates foi sem dúvida o mais público, o mais político, o mais cidadão de
todos os filósofos. E, embora só possamos ter e construir imagens dele a
partir do que se escreveu a seu respeito – o que é inevitável –, a imagem que
predomina sobre as demais – ou as monopoliza – é a de um filósofo em ação
e sobretudo da ação: um cidadão que agiu sobre outros cidadãos falando,
conversando e discutindo com eles; um cidadão que sustentou e defendeu a
palavra falada, viva (em contraposição à palavra escrita, que tinha na conta
de morta), como meio de ação na e para a pólis.

O método utilizado por ele ficou conhecido como método socrático. Esse
método visava à construção de conhecimento pelo homem a partir de
questionamentos sobre questões banais. Assim, o diálogo entre professor e aluno não
era mais um processo de simples transmissão de ideias, mas uma profusão de trocas
em que se podia realizar novas aprendizagens.

3.2.2 Filosofia Medieval

A Filosofia Medieval comporta o período que é determinado entre os séculos V


e XV. Sua correspondência histórica se deu com a Idade Média, que começou com a
queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., e foi até a tomada de
Constantinopla, capital do Império Bizantino. Esse período ficou conhecido como
Idade das Trevas, visto que se opôs à difusão de conhecimento existente no período
anterior, o Renascimento, como desenvolve Franco Júnior (2001, p. 9-10):

Admirador dos clássicos, o italiano Francesco Petrarca (1304-1374) já se


referira ao período anterior como de tenebrae: nascia o mito historiográfico
da Idade das Trevas. Em 1469, o bispo Giovanni Andrea, bibliotecário papal,
falava em media tempestas, literalmente “tempo médio”, mas também com o
sentido figurado de “flagelo”, “ruína”. A ideia enraizou-se quando em meados
do século XVI Giorgio Vasari, numa obra biográfica de grandes artistas do
seu tempo, popularizou o termo “Renascimento”. [...] De qualquer forma, o
critério era inicialmente filológico. Opunha-se o século XVI, que buscava na
sua produção literária utilizar o latim nos moldes clássicos, aos séculos
anteriores, caracterizados por um latim “bárbaro”. A arte medieval, por fugir
14
aos padrões clássicos, também era vista como grosseira, daí o grande pintor
Rafael Sanzio (1483-1520) chamá-la de “gótica”, termo então sinônimo de
“bárbara”. Na mesma linha, François Rabelais (1483-1553) falava da Idade
Média como a “espessa noite gótica”.

Nessa época, a cultura greco-romana é recuperada, e a igreja Católica tem uma


forte influência sobre a produção de conhecimento. Sendo assim, a figura de Deus
torna-se base para as explicações, e a filosofia leva em consideração as orientações
teológicas da época.
Um dos principais expoentes nesse período é Santo Agostinho, que viveu de
354 a 430 na Argélia. Para ele, era Deus que atuava na vida do homem, de modo que
essa relação era considerada fundamental para compreender o comportamento
humano e até mesmo outros fenômenos. Nesse sentido, Franco Júnior (2001, p. 145)
enfatiza que “[...] é preciso lembrar que para ele as verdades da fé não podem ser
demonstráveis pela razão, mas esta pode confirmar aquelas: ‘compreender para crer,
crer para compreender’”.
Outro expoente é São Tomás de Aquino, que viveu de 1225 a 1274 na Itália.
Ele retomou a escola aristotélica a partir de princípios do cristianismo. Este último é
definido por Santos (2017, p. 139):

Trata-se de Tomás de Aquino, inteligência única na história humana, um


pensador que, além de demonstrar a compatibilidade entre as ideias de
Aristóteles e a fé cristã, desenvolveu um sofisticado sistema racional que
apresenta e demonstra, de forma racional, as mais profundas questões que
envolvem o ser humano (ética, estética, lógica, etc) e sua respectiva relação
com Deus (fé, salvação da alma, missão da Igreja, etc.).

3.2.3 Filosofia Moderna

A Filosofia Moderna começa no século XV e vai até o século XVIII. Com a


queda do Império Romano do Ocidente, o poder da igreja Católica diminuiu, e, então,
a filosofia passa a valorizar a reflexão humana como partida do raciocínio filosófico.
Para aprofundar a discussão, Dias (2005, p. 87) afirma que:

A modernidade, caracterizada como uma ordem pós-tradicional, ao romper


com as práticas e preceitos preestabelecidos, enfatiza o cultivo das
potencialidades individuais, oferecendo ao indivíduo uma identidade “móvel”,
mutável. É, nesse sentido, que, na modernidade, o “eu” torna-se, cada vez
mais, um projeto reflexivo, pois aonde não existe mais a referência da
tradição, descortina-se, para o indivíduo, um mundo de diversidade, de
possibilidades abertas, de escolhas. O indivíduo passa a ser responsável por
si mesmo e o planejamento estratégico da vida assume especial importância.
15
Logo, o homem ganha centralidade nas respostas das indagações da época, e
as questões humanas passam a ser o centro de preocupações filosóficas. Assim, o
homem não é mais passivo do mundo em que vive, pelo contrário, ele é agente do
seu processo de existência e aos poucos vai se dando conta disso, como reforça
Chauí (2000, p. 57): “[...] A realidade é um sistema de causalidades racionais rigorosas
que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem”.
A escola identificada neste período envolve o racionalismo clássico. O filósofo
que encabeçou as bases filosóficas neste momento foi René Descartes. Ele foi um
filósofo francês, nascido em 1596, que propôs uma obra intitulada “discurso do
método”. Nessa publicação, Descartes aposta em uma metodologia racional para se
buscar a verdade, contrapondo-se à autoridade eclesiástica. Seu método é nomeado
cartesiano.
Sobre esse método, Battisti (2010, p. 575) enfatiza que:

O método cartesiano brota da reflexão sobre a matemática como paradigma


metodológico e, ao mesmo tempo, da reflexão sobre os poderes resolutivos
espontâneos possuídos por nossa razão. A matemática serve de ocasião
para que a racionalidade revele seu modo de operar e seus poderes. [...]
Assim, a resposta para esse conjunto de dificuldades parece ser o seguinte:
o método de análise cartesiano não é de natureza matemática. A matemática
serve de ilustração ao método e, como tal, é uma fonte importante para
compreendê-lo. A matemática é o horizonte privilegiado de atuação da razão,
graças a suas características inerentes e, por isso, merece lugar de destaque
na investigação metodológica do filósofo. Descartes é um praticante da
análise, método que espontaneamente emergiu no interior da ciência
matemática, mas que deverá ser justificado na medida em que revela o
modus operandi de nossa capacidade de conhecer.

3.2.4 Filosofia Contemporânea

A Filosofia Contemporânea é considerada desde o final do século XVIII – que


tem como marco a Revolução Francesa em 1789 – e vai até os dias de hoje. No
entanto, enfocaremos o começo do período para refletir como ele é determinante de
toda uma reflexão acompanhada de experiências de lutas e reivindicações por direitos
e expressões políticas.
Podemos dizer que esse foi um período de agitação política que questionou as
estruturas de Estado na época, e, após derrubarem o governo vigentes, na França,
definiram-se novos valores para a sociedade, como liberdade, igualdade e
fraternidade. Essa situação política ecoou em outros países e transformou o modo de
pensar da população como um todo.
16
Desse modo, o eco da Revolução Francesa reverberou adiante:

A literatura e o discurso propriamente político continuaram sendo muito


naturalmente o lugar onde se inscreve a referência à Revolução Francesa,
permanecendo até o início do século XX a referência maior a uma
modificação violenta da ordem social e institucional, como o lugar fundador
de toda uma filosofia política. Lembrança da herança dos valores-chaves -
liberdade, igualdade, fraternidade - reflexão sobre as vias da passagem de
um estado social a um outro, pela riqueza das experiências históricas da qual
era portadora, a Revolução Francesa pôde ser reclamada sucessivamente
pelos movimentos liberais do século XIX nacionais, assim como conheceu, a
partir de 1848, uma espécie de apropriação pelas correntes socialistas, e o
movimento operário, integrando em seu patrimônio a referência a essa
experiência coletiva. No que definimos como plasticidade da herança
revolucionária, é evidente que não foram considerados os mesmos aspectos
da herança, ou os mesmos heróis, de 1789 ou 1793, Mirabeau ou
Robespierre (VOVELLE, 1989, p. 44).

Quanto ao ponto de vista da filosofia, de forma geral, as afirmações universais


da tradição filosófica foram colocadas em xeque, e novas reinvindicações filosóficas
entraram em voga. Nesse momento, a ênfase de análise é dada para condição de
vida do homem na sociedade e diversas escolas a compõem.
Para compreender este momento histórico, Domingues (2006, p. 9-10) entende
que:

Trata-se de uma época em que as distinções dos campos disciplinares eram


mais elásticas, as especializações mais fluidas e a filosofia moral garantia a
ligação da filosofia e da ciência com o mundo da ação, ligação requerida por
toda a sabedoria que se preze, do Oriente e do Ocidente. Ora, é justamente
esse liame da filosofia, da ciência e da sabedoria que se rompeu no curso da
modernidade, gerando a conhecida situação de uma ciência sem filosofia e
sem sabedoria, bem como de uma filosofia sem sabedoria e sem ciência.
Minha tentativa ao longo da conferência, uma vez convencido de que esse
estado de coisas não pode persistir, sob pena de pôr tudo a perder, será
justamente a de restabelecer as pontes entre a filosofia, a ciência e a
sabedoria (bem entendido: a sabedoria não é uma disciplina, mas um olhar e
uma atitude), tendo por foco a filosofia contemporânea e por eixo os grandes
desafios do pensamento no século XXI.

Uma das escolas que se destacou nessa época é a escola marxista. Karl Marx
nasceu na Alemanha, em 1818, e morreu no Reino Unido, em 1883. Sua proposta de
metodologia envolvia a análise socioeconômica das relações sociais e visava à
dialética para a transformação. Para Marx, é a contradição das próprias ideias que
levam a novas ideias. Portanto, a proposição da dialética é de refletir acerca da
realidade, e não mais de interpretá-la.

17
4 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO HUMANO

A partir da filosofia, podemos perceber que o pensamento humano passa por


transformações tanto no sentido de negar ideias que antes eram consideradas
corretas como de retomar conceitos e proposições antigas em novos contextos.
Sendo assim, o que é considerado verdade é ressignificado com o passar do tempo,
e o estudo da história da filosofia nos apresenta as características que são
evidenciadas em cada período.
Desse modo, a história da filosofia explicita uma sequência histórica do
pensamento humano, mostrando questões relevantes em cada período histórico da
sociedade Ocidental, como reforça Porta (2002, p. 25),

[...] trata-se de ter opiniões sobre certos temas bem definidos e sustentá-las
em algo diferente de uma convicção pessoal; mais ainda, o núcleo essencial
da filosofia não é constituído de crenças tematicamente definidas e
racionalmente fundadas, senão de problemas e soluções.

Contudo, só podemos ter certeza da pertinência de “problemas e soluções” que


marcam um período quando temos certo distanciamento sobre essa época, pois
também estamos contaminados por diversas outras questões que julgamos
pertinentes.
Ainda se deve levar em conta que os acontecimentos históricos são
marcadores de mudanças de paradigmas, o que torna ainda mais importante
compreender a história do homem e o desenvolvimento da sociedade.
Assim, evidencia-se também que a filosofia se constitui como atributo humano,
possibilitando tanto o acúmulo de saber como a reflexividade sobre esse saber. Nesse
sentido, Chauí (2000, p. 13) explica que:

As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. Que significa


isso? Significa que a filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos,
busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera por conceitos ou
ideias obtidas por procedimentos de demonstração e prova, exige a
fundamentação do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão
filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e
opiniões, alcancem uma visão crítica de si mesmas. Não se trata de dizer “eu
acho que, mas de poder afirmar “eu penso que”.

Nesse sentido, o estudo do pensamento humano nos permite compreender


quais são as bases para as explicações das questões filosóficas e buscar novas
18
soluções para problemas da sociedade. Contudo, para isso temos de partir de algum
lugar, de alguma pergunta, de algo que nos intrigue, como a dúvida, assim como todos
esses pensadores explicitados ao longo do capítulo o fizeram para iniciar suas
reflexões. Como enfatiza Fernandes (1994, p. 341): “Parte-se da dúvida, fazem-se
conjecturas e aplica-se o raciocínio explicativo causal. Chega-se assim a à ‘certeza’
possível”.
Dessa forma, é preciso reconhecer nossa ignorância diante do mundo, a fim de
que possamos construir conhecimento sobre ele. Chauí (2000, p. 111) também
enfatiza uma questão relevante:

Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que
sequer a percebemos ou a sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos,
não sabemos que ignoramos. Em geral, o estado de ignorância se mantém
em nós enquanto as crenças e opiniões que possuímos para viver e agir no
mundo se conservam como eficazes e úteis, de modo que não temos nenhum
motivo para duvidar delas, nenhum motivo para desconfiar delas e,
consequentemente, achamos que sabemos tudo o que há para saber. [...] A
incerteza é diferente da ignorância porque na incerteza, descobrimos que
somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da
realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito
tempo, nos serviu como referência para pensar e agir. Na incerteza não
sabemos o que pensar, o que dizer ou o que fazer em certas situações ou
diante de certas coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios
de perplexidade e somos tomados pela insegurança.

No entanto, como manifestar essas questões, expor as dúvidas sobre o mundo


e apresentar os problemas mais profundos que o ser humano espera resolver? Um
desses meios seria a própria linguagem, pois é por meio dela que se dá a
comunicação entre os homens e que se explicita o raciocínio lógico para desvendar
questões que nos inquietam. Sobre a linguagem, Pokorski (2010, p. 97) afirma que:

A linguagem é um meio pelo qual se comunica algo a outra pessoa. Essa


comunicação pode ser expressa de várias formas. A mais utilizada é a
linguagem verbal, ou seja, as palavras faladas ou escritas. A comunicação
também se dá através da linguagem não verbal expressa em gestos,
desenhos, músicas, pinturas, mímicas, silêncios, sonhos, etc. [...] A
linguagem é um meio pelo qual se comunica algo a outra pessoa. Essa
comunicação pode ser expressa de várias formas. A mais utilizada é a
linguagem verbal, ou seja, as palavras faladas ou escritas. A comunicação
também se dá através da linguagem não verbal expressa em gestos,
desenhos, músicas, pinturas, mímicas, silêncios, sonhos, etc.

Assim, entendemos a importância da linguagem para canalizar as nossas


dúvidas, apresentar possibilidades de reflexões sobre elas e também construir

19
conhecimento sobre o mundo. Chauí enfatiza que: “[...] para se relacionarem com o
mundo e com os outros humanos, os homens devem valer-se de um outro instrumento
– a linguagem – para persuadir os outros de suas próprias ideias e opiniões” (2000,
p. 139). Um dos atributos da linguagem é que ela nos ajuda a encontrar a verdade, a
expor nossas ideias e a chegar a conclusões sobre o mundo.
Sendo o homem questionador sobre si e o mundo em que vive, cabe a ele
desvendar o desenvolvimento humano por meio da linguagem e buscar novas
verdades. Essa troca entre os seres humanos é fundamental, e o que é construído
como saber pode ser acumulado como conhecimento não só para o homem que a
descobriu, mas também para as gerações futuras.

Fonte: https://circulo.site/

5 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

O pensamento filosófico não é estático. Desde a Antiguidade, inúmeras


mudanças e transformações ocorreram nessa área do saber. Ainda assim, a filosofia
possui alguns pilares básicos. Além disso, ao longo de sua história, ela contribuiu para
o entendimento da ciência e da vida humana de diferentes formas (BONETE, 2018).
Nesta seção, você vai estudar as principais disciplinas que balizam as
discussões no campo da filosofia, como a metafísica, a lógica, a epistemologia, a
estética, a política e a ética. Além disso, vai conhecer o pensamento de diferentes

20
filósofos que se destacaram desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e pela
Idade Moderna e chegando às reflexões dos pensadores contemporâneos.

5.1 Pilares básicos da filosofia

A filosofia é um ramo da ciência que por vezes causa espanto e estranheza.


Muitos já ouviram falar dela, mas poucos conhecem os filósofos e suas ideias. No
geral, as pessoas imaginam que a filosofia trata de temas abstratos, com linguagem
complexa e quase incompreensível, ou ainda que é uma reflexão que pouco contribui
para a vida cotidiana.
Afinal, o que é a filosofia e qual é a sua origem? Por que é importante estudar
filosofia? E quais são os pilares básicos dessa forma de saber? Você pode considerar
que essas questões são guias para a compreensão do campo das reflexões
filosóficas. Uma primeira abordagem, postulada por Marilena Chauí (2012, p. 21), é a
seguinte:

[...] uma primeira resposta à pergunta “o que é filosofia” poderia ser: “a


decisão de não aceitar como naturais, óbvias e evidentes as coisas, as ideias,
os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência
cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido”.

Chauí (2012) sugere que levantar questionamentos deve ser a primeira reação
aos diversos acontecimentos da vida diária. Jamais se devem aceitar ideias ou visões
sem antes refletir criticamente sobre elas. Nesse sentido, a autora aponta que a
filosofia surge justamente quando os seres humanos começam a exigir provas e
justificações racionais que validem ou invalidem as crenças e ideias cotidianas.

21
Strenger (1998) afirma que a filosofia grega abarca um período de seis séculos
antes e seis séculos depois de Jesus Cristo. Ela pode ser dividida em quatro grandes
períodos:

1. de Tales de Mileto até Sócrates (do séc. VII ao séc. V a.C.) — preocupações
de cunho cosmológico;
2. Sócrates, Platão e Aristóteles (séc. V e IV a.C.) — preocupações
psicológicas;
3. depois da morte de Aristóteles até o surgimento da escola neoplatônica (fim
do séc. IV a.C. ao séc. III d.C.) — preocupações de cunho moral;
4. escola neoplatônica (do séc. I d.C. até o fim da filosofia grega, no séc. VI
d.C.) — preocupações místicas.

Como você sabe, o pensamento grego continua exercendo influência sobre o


pensamento filosófico contemporâneo (STRENGER, 1998). Não é raro, por exemplo,
que intelectuais e filósofos retornem a Sócrates ou Aristóteles para refletirem sobre a
ética na sociedade e sobre a felicidade a partir de diferentes correntes, como o
epicurismo ou o estoicismo. E aí que reside o grande interesse pela história da filosofia
e pelo que ela pode oferecer à vida humana.
Ao longo dos séculos, a filosofia foi se constituindo como um campo de reflexão
sistematizada. Sua história foi dividida nas seguintes etapas: filosofia da Antiguidade,
filosofia medieval, filosofia moderna e filosofia contemporânea. Os diversos filósofos
criaram inúmeros conceitos e estabeleceram aquilo que se pode chamar de os pilares
básicos da filosofia ou seus grandes temas.
Kleinman (2014) os relaciona da seguinte maneira:
 metafísica;
 lógica;
 epistemologia;
 estética;
 política;
 ética.

22
5.1.1 Metafísica

A metafísica é a investigação filosófica a respeito do que é a realidade, do que


existe e de qual é a essência daquilo que existe. Os filósofos gregos como Platão e
Aristóteles procuravam investigar a realidade em si. Para isso, se baseavam não em
dados obtidos da experiência sensível, mas nos puros conceitos formulados pelo
intelecto humano. Já o filósofo escocês David Hume (séc. XVIII) afirma que os
conceitos metafísicos não passam de nomes gerais dados às coisas pelo hábito
mental de associar em ideias os sentimentos, as emoções, as sensações, etc (CHAUÍ,
2012).
Para Kant, a metafísica deve ser uma forma de conhecimento da própria
capacidade humana de conhecer, uma crítica da razão pura teórica. A metafísica
contemporânea é denominada ontologia e investiga os diferentes modos como os
entes ou seres existem; analisa a essência ou o sentido desses entes ou seres. Em
suma, a ontologia descreve as estruturas do mundo e do pensamento humano
(CHAUÍ, 2012).

5.1.2 Lógica

A lógica é uma área da filosofia que estuda o desenvolvimento de raciocínios


e argumentos. De maneira geral, os investigadores dessa área preocupam-se em
compreender as relações que se estabelecem quando as pessoas raciocinam, ou
seja, as relações entre o que se sabe, o que é colocado em hipótese (ponto de partida)
e as conclusões. Desse modo, conforme apontam Bonjour e Baker (2010), lançar
outras alegações em suporte a uma alegação defendida é oferecer um argumento. Na
filosofia, esse é o momento de estabelecer reflexões sobre argumentos e de dar
razões lógicas a eles.

5.1.3 Epistemologia

A epistemologia é o estudo do conhecimento e de como ele é adquirido. Há


muito tempo, filósofos e outros intelectuais tentam explicar como o fenômeno do
conhecimento acontece e qual é a sua confiabilidade. Bonjour e Baker (2010) afirmam
que a epistemologia trata das relações entre pensar, conhecer e compreender os

23
aspectos cognitivos da realidade. Também é possível compreender a epistemologia
como a investigação sobre as possibilidades do conhecer, a origem do conhecimento,
a essência do objeto do conhecimento, os tipos de conhecimento e os métodos de
obtenção do conhecimento (CASTANON, 2007).

5.1.4 Estética

A estética, segundo Chauí (2012), refere-se ao estudo das obras de arte


enquanto criações da sensibilidade (das experiências dos cinco sentidos e dos
sentimentos despertados por elas), tendo sempre o belo como finalidade. Ao longo da
sua história, a estética passou a designar uma área da filosofia cujo objeto são as
artes. De maneira mais específica:

Do lado do artista e da obra, a estética busca compreender como se dá a


realização da beleza; do lado do espectador e receptor, busca compreender
como se dá a reação à obra de arte sob a forma do juízo de gosto ou do bom
gosto. [...] Como seu nome indica, a estética se ocupa preferencialmente com
a expressão da sensibilidade e da fantasia do artista e com o sentimento
produzido pela obra sobre o espectador ou receptor (CHAUÍ, 2012, p. 8).

Herwitz (2010) observa que a riqueza da estética consiste nas múltiplas


posições culturais a partir das quais tomou forma a reflexão sobre a arte, sobre o belo,
sobre a sublimidade, sobre a natureza, sobre a intuição e sobre a experiência. Desse
modo, não há como compreender a estética como algo desvinculado da filosofia e
também do campo da arte.

5.1.5 Política

Por sua vez, a política é o estudo dos direitos, das relações de poder e do
papel dos cidadãos (KLEINMAN, 2014). A palavra “política” vem da expressão grega
ta politika, vinda de polis (cidade enquanto espaço cívico, comunidade organizada,
formada pelos cidadãos). O filósofo Aristóteles compreendia a política como a
habilidade humana de organizar e orientar as relações internas e externas dos grupos
sociais, estabelecendo normas e ações para a superação das adversidades e em prol
do bem comum. Todavia, nas diferentes sociedades, a política desenvolve-se de
maneira diferente. Está associada ao poder do Estado, ao poder ideológico, ao poder
econômico, entre outros.
24
5.1.6 Ética

Por fim, outro campo fundamental da filosofia é a ética, conjunto de princípios


e normas que auxiliam os indivíduos a distinguirem o bem do mal, o certo do errado,
o justo do injusto. O objetivo final da ética é estabelecer a boa convivência em
sociedade. É importante você considerar que não há como pensar a ética sem outro
termo essencial: a moral (CHAUÍ, 2012). A moral também se refere a um conjunto de
normas e princípios, porém ela baliza o comportamento individual. A ética, enquanto
ramo da filosofia, é uma ciência que estuda o comportamento moral dos seres
humanos na sociedade e fornece suportes à moral (PASSOS, 2004).

Fonte: https://www.cartamaior.com.br/

6 OS PRINCIPAIS FILÓSOFOS DA HUMANIDADE

Até aqui, você viu os principais pilares da filosofia, que constituem os grandes
temas de reflexões do campo filosófico. Agora, você vai conhecer, em ordem
cronológica, pensadores que contribuíram para a sistematização da filosofia no mundo
ocidental. Contudo, você deve notar que não é possível elencar aqui todos os filósofos
importantes da história. Por isso, você vai estudar aqueles pensadores cujas teorias
ainda são debatidas na atualidade.

25
6.1 Idade Antiga

A Idade Antiga inicia-se aproximadamente 4 mil anos a.C., com o surgimento


das primeiras formas de escrita, e segue até 476 d.C., com a queda do Império
Romano do Ocidente. Nesse recorte temporal, se destacam filósofos como Sócrates,
Platão e Aristóteles.

6.1.1 Sócrates (Grécia, 469–399 a.C.)

A reflexão filosófica de Sócrates estava direcionada para a experiência


humana, concentrando-se na moralidade individual. Ele questionava o que torna uma
vida boa e refletia sobre aspectos políticos e sociais. O pensamento de Sócrates é
essencial na construção da filosofia ocidental. Todavia, esse filósofo não deixou
nenhum documento escrito. O que se sabe sobre ele é baseado nos trabalhos de seus
discípulos e alunos, principalmente Platão. Sócrates postulava que um indivíduo, para
se tornar sábio, deveria ser capaz de compreender a si mesmo. Desse modo, as ações
humanas estariam diretamente relacionadas à inteligência e à ignorância do homem
(KLEINMAN, 2014).

Fonte: https://www.netmundi.org/

6.1.2 Platão (Grécia, 428–348 a.C.)

Platão acreditava que a filosofia era um processo de contínuo questionamento


e diálogo. Seus trabalhos foram escritos seguindo esse formato. Segundo Kleinman
26
(2014), Platão nunca afirmava explicitamente suas opiniões sobre os assuntos e
nunca se colocou como participante dos diálogos. Com isso, ele queria que as
pessoas formulassem suas próprias opiniões. Desse modo, seus diálogos abordam
inúmeros assuntos, como arte, teatro, ética, imortalidade, mente e metafísica. Uma
das principais teorias de Platão é a teoria das formas. Segundo essa teoria, a
realidade existe em dois níveis específicos: o mundo visível, feito de imagens e sons;
e o mundo inteligível, que dá sentido e existência ao mundo visível.

6.1.3 Aristóteles (Macedônia, 384–322 a.C.)

Aristóteles contribuiu com reflexões sobre diversos temas, mas uma de suas
contribuições mais significativas para o campo da filosofia e do pensamento ocidental
foi a criação da lógica. Para ele, o aprendizado se estabelece a partir de três
categorias: teoria, prática e produção. A lógica, por sua vez, não pertence a
nenhuma delas. Ela poderia ser utilizada para se obter conhecimento sobre algo,
tornando-se o primeiro passo do aprendizado. Assim, a lógica capacita o ser humano
a descobrir erros e estabelecer verdades (KLEINMAN, 2014).
Pode-se encontrar nas obras de Platão e Aristóteles várias distinções em
relação a diversas áreas do comportamento humano e da organização da sociedade.
Além disso, eles discorreram sobre pensamentos metafísicos: o que é o bem, o que é
o amor, o que são as virtudes, etc. Uma das distinções mais assertivas entre ambos
consiste em suas teorias do conhecimento: enquanto Platão (2000) defende um
dualismo entre o mundo sensível e o mundo das ideias, Aristóteles acredita que o
conhecimento se dá de modo inverso. Ou seja, se para Platão a verdade advém das
ideias, para Aristóteles é possível conhecê-la pela causa, pelos sentidos.

27
Fonte: https://www.netmundi.org/

6.2 Idade Média

A Idade Média inicia-se aproximadamente no ano 476 d.C. e estende-se até


1453, com o fim da Guerra dos Cem Anos e a tomada da cidade de Constantinopla
(capital do Império Romano do Oriente) pelos turcos otomanos. Segundo Marías
(2004), a filosofia medieval começa propriamente no século IX. Entre os pensadores
desse período, se destacam: Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino e Roger Bacon.

6.2.1 Santo Anselmo (Reino da Borgonha, 1033–1109 d.C.)

Santo Anselmo foi um dos grandes filósofos da Idade Média, fundador da


escolástica. Sua obra teológica e filosófica está orientada às demonstrações da
existência de Deus. Santo Anselmo parte da fé. As demonstrações não se destinam
a sustentar a fé, mas estão sustentadas por ela. Para ele, é necessário crer para
entender, e não o inverso. Todavia, não há uma separação de fé e razão, e sim uma
fé que busca a intelecção. Assim, o cristão deve avançar, por meio da fé, até a
inteligência, e não chegar à fé pela inteligência. Quando ele não conseguir entendê-
la, deve se afastar da fé (MARÍAS, 2004).

6.2.2 Santo Tomás de Aquino (Itália, 1225–1274 d.C.)

De acordo com Marías (2004), Santo Tomás de Aquino foi um homem


puramente espiritual, uma vez que toda a sua vida foi dedicada à teologia e à filosofia,
movidas pela religião. No que tange à filosofia, ele adaptou o pensamento de

28
Aristóteles à escolástica. Um dos pontos importantes de sua filosofia consiste na
demonstração da existência de Deus por cinco vias: pelo movimento; pela causa
eficiente; pelo possível e pelo necessário; pelos graus da perfeição; pelo
governo do mundo.
Para Santo Tomás de Aquino, é no mundo que se pode perceber a existência
de Deus, visto que todas as vias partem de uma realidade verificável. Com essas vias,
Santo Tomás de Aquino não procurou definir Deus, mas provar a sua existência.

6.2.3 Roger Bacon (Reino Unido, 1214–1292 d.C.)

Roger Bacon estudou em Oxford e Paris, entrou para a Ordem Franciscana e


se dedicou amplamente aos estudos da filosofia, das línguas e das ciências. Para ele,
não há outro sentido na filosofia a não ser explicar a verdade revelada na escritura
sagrada. Roger Bacon reconhece três modos de saber: a autoridade, a razão e a
experiência. A autoridade em si não basta; ela requer raciocínio. Todavia, esse não é
seguro enquanto não for confirmado pela experiência, que é a principal fonte de
certeza (MARÍAS, 2004).

6.3 Idade Moderna

A Idade Moderna inicia-se aproximadamente em 1453 e estende-se até a


Revolução Francesa, em 1789. Trata-se de uma época marcada por grandes
transformações sociais, como a ascensão da burguesia, o intenso desenvolvimento
do comércio, as novas descobertas científicas, o desenvolvimento de diferentes
teorias filosóficas e o rompimento com os valores religiosos advindos da Idade Média.
Essa época marca o surgimento de novas correntes filosóficas a partir de pensadores
como René Descartes, Francis Bacon, John Locke e Immanuel Kant.

6.3.1 René Descartes (França, 1596–1650 d.C.)

O projeto filosófico de Descartes pode ser considerado uma defesa do novo


modelo de ciência, iniciada por Copérnico, Kepler e Galileu, contra a concepção
escolástica vigente na Idade Média. Para tanto, Descartes propõe um método que visa
a garantir o sucesso de uma tentativa de teoria científica. A primeira regra é colocar

29
as coisas em evidência, duvidar de tudo; a segunda regra é elaborar divisões das
dificuldades; a terceira regra é a síntese, que implica conduzir por ordem os
pensamentos, dos mais simples aos mais complexos; a quarta regra é a elaboração
de enumerações completas e revisões gerais sobre os objetos em análise. Para
Descartes, todo conhecimento científico deve se iniciar com uma dúvida e, em
seguida, exige uma atitude crítica (MARCONDES, 2001).

6.3.2 Francis Bacon (Reino Unido, 1561–1626 d.C.)

Francis Bacon é considerado um dos fundadores do pensamento moderno por


sua defesa do método experimental contra a ciência teórica e a especulativa clássica
e por sua rejeição à escolástica. Segundo Marcondes (2001), há dois aspectos na
filosofia de Bacon: sua concepção de pensamento crítico, contida na teoria dos ídolos;
e sua defesa do método indutivo do conhecimento científico e de um modelo de
ciência integrado com a técnica. Os ídolos, segundo Bacon, bloqueiam a mente
humana e impedem o desenvolvimento do verdadeiro conhecimento. Os ídolos podem
ser de quatro tipos: ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro e ídolos do teatro.
Em suma, Bacon propõe um modelo para a nova ciência: o homem despir-se de seus
preconceitos, “tornando-se uma criança diante da natureza”. É somente dessa forma
que ele pode alcançar o saber.

6.3.3 Immanuel Kant (Prússia, 1724–1804 d.C.)

Immanuel Kant é considerado um dos maiores filósofos que já existiram, pois,


o seu trabalho mudou para sempre a estrutura da filosofia ocidental (KLEINMAN,
2014). Ele trabalhou como conferencista na Universidade de Königsberg por 15 anos
até que, em 1770, tornou-se professor de lógica e metafísica. Aos 57 anos, Kant
publicou uma de suas principais obras, denominada Crítica da Razão Pura, em que
afirmou que a mente humana organiza as experiências de duas formas: como o
mundo aparece aos olhos do indivíduo e como o indivíduo pensa sobre o mundo.
Segundo Kleinman (2014), o tema recorrente em todo o trabalho de Kant é o uso do
método crítico para compreender e entrar em acordo com os problemas filosóficos. A
filosofia não poderia especular acerca do mundo; em vez disso, todos deveriam criticar
suas próprias habilidades mentais. Para Kant, ao olhar para dentro de si mesmos, os

30
sujeitos descobririam as respostas para muitas das questões filosóficas. Desse modo,
Kant desloca-se da metafísica em direção à epistemologia.

Fonte: https://gabrielmarmentini.com.br/bacon-descartes-kant/

6.3.4 John Locke (Reino Unido, 1632–1704 d.C.)

John Locke teve grande influência em sua época. Sua principal obra foi escrita
ao longo de 20 anos e é denominada Ensaio sobre o entendimento humano (1689).
Locke vê a filosofia como uma tarefa crítica e preparatória para a ciência. Nessa obra,
ele desenvolve uma concepção empirista, antiespeculativa e antimetafísica do
conhecimento. Para Locke, todo o conhecimento e todas as ideias são derivadas de
experiências sensíveis, não havendo outras formas de conhecimento. Portanto, para
ele não há conhecimento inato, mas saber elaborado a partir dos dados obtidos pela
experiência concreta da realidade. É nesse sentido que Locke afirma que a mente
humana é como uma tábula rasa, uma folha em branco na qual a experiência vai
deixando as suas marcas (MARCONDES, 2001).

6.4 As principais referências da filosofia contemporânea

Agora que você já conhece os pilares da filosofia e alguns dos principais


filósofos da história da humanidade, vai ver algumas referências filosóficas que
marcaram o século XX. Segundo Marcondes (2001), a filosofia contemporânea é o
resultado de uma crise do projeto moderno, cujo objetivo era a busca pela

31
fundamentação do conhecimento e das teorias científicas. A concepção de uma
filosofia sistemática e teórica, que pudesse dar conta de toda a realidade e dos
saberes humanos, passou a ser vista como problemática e, por vezes, irrealizável.
É importante você compreender que uma abordagem sobre as principais
referências da filosofia contemporânea não é uma tarefa fácil. Afinal, há uma
quantidade enorme de pensadores e referências. Por isso, aqui você vai ver aqueles
filósofos que ainda marcam a filosofia. Assim, você vai estudar aspectos da filosofia
da linguagem, do Círculo de Viena e da Escola de Frankfurt.
De acordo com Marcondes (2001), a filosofia analítica desenvolveu-se
sobretudo na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Austrália, embora tivesse vertentes
na Alemanha, na Áustria e na Polônia. Suas raízes estão ancoradas na filosofia de
Leibniz, bem como no desenvolvimento da matemática e das ciências naturais desse
período. Uma das principais questões propostas pela filosofia analítica é a seguinte:
como os atos mentais, sendo subjetivos, podem ter a validade universal e objetiva
requerida pela ciência?
A filosofia analítica considera que o tratamento e a solução dos problemas
filosóficos devem ser superados por meio da análise lógica da linguagem, como
aponta Marcondes (2001, p. 261):

Não se trata, evidentemente, da língua empírica, o português, o inglês, o


francês, etc., mas da linguagem como estrutura lógica, subjacente a todas as
formas de representação, linguísticas e mentais. A questão fundamental é,
portanto, como um juízo, algo que afirmo ou nego sobre a realidade, pode ter
significado e como podemos estabelecer critérios de verdade e falsidades de
juízos. O juízo passa a ser interpretado não como ato mental, mas tendo
como conteúdo uma proposição dotada de forma lógica. O significado dos
juízos é analisado assim a partir da relação entre a sua forma lógica e a
realidade que representa.

Os principais filósofos que fazem parte dessa corrente filosófica são Gottlob
Frege, Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein. Entre eles, existem inúmeras
diferenças, porém o que os une é o projeto de desenvolvimento de uma análise lógica
da linguagem e a adoção de formas lógicas da proposição como ponto inicial da
análise filosófica. Os filósofos do chamado Círculo de Viena acreditavam que a lógica
e o distanciamento do subjetivismo seriam o caminho para a fundamentação das
teorias científicas (MARCONDES, 2001).
Entre os anos 1929 e 1938, na Universidade de Viena, um grupo de notáveis
estudiosos, como Philipp Frank, Otto Neurath, Hans Hahn, Moritz Schilick, Rudolf
32
Carnap e Hans Reichenbach, unem-se em torno da defesa de uma tradição empirista.
Os estudiosos do Círculo de Viena (Wiener Kreis) — ou neopositivistas, como ficaram
conhecidos — iniciaram seu projeto a partir da publicação do manifesto A Concepção
Científica do Mundo (1929). Assim, o grupo atraiu muitos pensadores com a intenção
de discutir as possibilidades de todas as ciências adotarem o mesmo método
legitimamente científico. Você deve notar que:

Uma das consequências mais importantes do Círculo de Viena repousa na


proposta de abolir a distinção entre as ciências da natureza e as ciências
humanas, e de adotar a distinção entre ciências empíricas e ciências
analíticas. Em geral, a unificação das ciências levaria, aos olhos de Carnap
— um de seus membros mais destacados —, ao “empirismo”, já que todo
conhecimento não analítico é oriundo da experiência; e ao “logicismo”, uma
vez que toda ciência deve se submeter a uma análise lógica (BASÍLIO;
PEREIRA; MENEZES, 2016, p. 412).

A física, enquanto ciência empírico-formal, forneceria as bases da cientificidade


para todas as formulações teóricas que se pretendessem científicas, formulando
assim, por meio da linguagem, noções rigorosas e precisas sobre a realidade. Nesse
sentido, uma teoria deveria consistir em princípios estabelecidos pela lógica e em
hipóteses científicas passíveis de serem verificadas pelo método empírico
(MARCONDES, 2001).
A importância das ideias desenvolvidas pelo Círculo de Viena, elaboradas entre
as duas grandes guerras mundiais, pode ser percebida em seus prolongamentos.
Filósofos, entre eles Karl Popper, desenvolveram suas posições teórico-filosóficas a
partir de duras críticas ao método neopositivista. Popper, por exemplo, desenvolveu a
tese de que toda descoberta científica deve pautar-se por critérios objetivos e não
subjetivos. Assim, para esse filósofo, toda teoria é falsificável. Por essa razão, pode
ser refutada como falsa ou aceita como verdadeira (BASÍLIO; PEREIRA; MENEZES,
2016).
Por fim, a teoria crítica da Escola de Frankfurt teve como preocupação central
estabelecer análises sobre o contexto social e cultural do surgimento das teorias, dos
valores e da visão de mundo da sociedade industrial avançada. Os pensadores dessa
corrente procuraram ver e atualizar a teoria marxista enquanto pressuposto teórico-
metodológico de suas reflexões (MARCONDES, 2001).

33
[...] a Escola de Frankfurt teve sua origem em Frankfurt, na Alemanha, por
um decreto do Ministério da Educação, em acordo juntamente com o Instituto
de Pesquisas Sociais, em 03 de fevereiro de 1923. Teve como principal
incentivador Félix J. Weil, filho de um negociante argentino de cereais, doutor
em Ciências Políticas, que procurou organizar a “Primeira Semana de
Trabalho Marxista”, e que poderia ser uma escola de corrente sociológica,
mas que optou por ser uma corrente de ordem filosófica, também preocupada
com diversos assuntos, dentre eles: econômicos e políticos [...]
(NASCIMENTO, 2014, p. 245).

Os filósofos de Frankfurt, entre eles Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter


Benjamin, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Jürgen Habermas, criticaram a concepção
de ciência originária do neopositivismo. Eles postularam uma diferença radical entre
a metodologia das ciências naturais e formais (como a física ou a matemática) e a
metodologia das ciências humanas e sociais. Além disso, questionaram a adoção do
paradigma das ciências naturais como paradigma da cientificidade.
Desse modo, as ciências humanas e sociais teriam um propósito interpretativo
acerca da sociedade e da cultura. Elas possuiriam um interesse emancipatório,
possibilitando a libertação do homem da dominação técnica (que poderia levá-lo à
subordinação, ao controle e à dominação) (MARCONDES, 2001).

7 ORIGENS DA FILOSOFIA: CONCEITUAÇÃO, OBJETO E MÉTODO

É importante ter consciência sobre os rumos que levam ao pensar filosófico,


assim como ser capaz de experimentar a prática da filosofia. Pensar a sociedade e os
indivíduos é um ato social e político, e a filosofia é um instrumento fundamental para
que você reflita sobre os problemas sociais e a própria existência humana.
(MARCONDES, 2001).
Assim, o ensino da filosofia é uma necessidade dos novos tempos. Mais do que
uma “disciplina escolar”, a filosofia envolve um processo de liberdade cognitiva
inerente ao sujeito que deseja ser um indivíduo consciente de seu lugar e de sua
capacidade de atuação na sociedade.
Nesta seção, você vai estudar os principais conceitos da filosofia e a sua
relação com outras áreas do conhecimento. Além disso, vai ver a importância da
argumentação e da compreensão de conceitos para essa disciplina. Por fim, você vai
conhecer as suas diversas ramificações, como a filosofia da educação.

34
7.1 Clarificar e justificar: as bases do pensamento filosófico

Se você, em algum momento de sua vida, já parou para questionar ou


compreender melhor o sentido de uma pergunta, uma afirmação, uma ideia, uma
negação, ou seja, lá o que for, você possui intenções filosóficas. Observe o quadro a
seguir:

Do cotidiano Intenção filosófica


Que horas são? O que é o tempo? Como pode ser relativo? Relativo a
quê? Posso viver em outro contexto de tempo?
A morte dá sentido à vida Por quê? Como assim? O que é a vida? O que é a morte?
Ela implica morrer ou é uma vida sem viver?
Amor, ódio, emoção, saudade Por quê? Como assim? O que é a vida? O que é a morte?
Ela implica morrer ou é uma vida sem viver?
Fonte: Ribeiro, 2018

Antes de continuar, é importante que você entenda que a filosofia não é uma
lista de perguntas, mas que efetivamente faz uso delas para ir além. A filosofia busca
compreender algo que está em torno das pessoas, material ou imaterial. Mas, se você
pensar bem, vai começar a se questionar também o que é material, o que é imaterial
e sob quais perspectivas as respostas podem ser dadas. Enfim, todo conceito ou
pensamento, toda explicação ou não explicação tem a ver com o ato de filosofar,
buscar sentido e não apenas acatar. Ou seja, tem a ver com as alegações, perguntas
e respostas ao seu redor (SAVATER, 2015).

35
Se você refletir, vai se dar conta de que a filosofia é tão indispensável à sua
existência quanto o ar que respira, pois desde a tenra idade você busca ver sentido
em tudo o que o rodeia. Até o último suspiro de vida, as pessoas repensam quem são,
qual é o sentido da vida e da morte. Assim, “viver” a filosofia leva os sujeitos a
pensarem sobre questões importantes, muitas das quais estão além do seu contexto
social imediato. Observe a imagem a seguir, que ilustra como as perguntas são
essenciais para o pensamento filosófico.

. O diálogo entre Sócrates e Deus mostra que são as perguntas que movem a filosofia.
Fonte: Ruas (2012).

Quando se cogita debater filosofia, geralmente isso é feito com base em uma
alegação, que é algo dito explicitamente com a intenção de significar alguma coisa,
que é ou verdadeira ou falsa, no sentido literal ou metafórico. Porém, nem toda
alegação necessita de clarificação ou justificação pelo seu sentido direto (BONJOUR;
BAKER, 2010). Esse é o caso destas frases: as vacas dão leite/os cachorros ladram.
A seguir estão dois pontos importantes que permitem perceber a práxis do
pensamento filosófico quando as alegações carecem de melhor compreensão:
clarificação e justificação (BONJOUR; BAKER, 2010).
 Clarificar: significa explicar ou expressar em detalhes uma alegação, que
pode ser verdadeira ou falsa, de sentido real ou metafórico. Tem como premissa
explicar os termos da alegação sem julgar sua razão, dependendo do contexto em
que se apresenta.
 Justificar: significa compreender quão verdadeiros são os argumentos (a
premissa) de uma alegação, a fim de assim se obterem as razões para crer ou não
em seu sentido, conseguindo chegar a uma conclusão.
Para compreender melhor esses conceitos, veja o Quadro a seguir:

36
Alegação literal Alegação metafórica
O Sol é maior do que o vemos. (CHAUÍ, Dinheiro não pode comprar felicidade.
2000) (BONJOUR; BAKER, 2010)
Clarificação: o que se sabe Clarificação: Sabe-se que dinheiro não
concretamente é que o Sol é maior que a compra sentimentos (paz, bem-estar, saúde).
Terra. Ele parece menor pela distância a A alegação tem a ver com a ideia de trocar
que as pessoas estão dele, porque elas sua jornada profissional, emocional ou moral
estão “dentro da Terra”. Contudo, ele é por dinheiro e com isso sofrer algum tipo de
maior do que parece, ou seja, se sabe que estagnação.
do espaço não seria possível ter a mesma
percepção
Justificação: a distância e o referencial Justificação: trata-se de buscar o próprio
(dentro do Planeta) impedem que as caminho e descobrir a sua felicidade, seu
pessoas tenham uma noção real do bem-estar consigo mesmo, e não encurtar sua
tamanho da Terra e do Sol. Logo, elas têm jornada em troca de dinheiro.
a impressão de que o Sol é menor, apesar
de saberem racionalmente que isso não é
verdade.
Conclusão: a alegação é verdadeira se Conclusão: a alegação é verdadeira porque
estiver sendo feita por um observador na ter dinheiro não implica ter qualidade de vida,
Terra. bem-estar, paz e outros fatores reconhecidos
como provedores da felicidade.
Fonte: Adaptado de Bonjour e Baker (2010) e Chauí (2000).

Em termos gerais, você pode considerar que clarificar e justificar são


necessidades práticas do pensar filosoficamente, pois para levantar hipóteses é
necessário existir uma alegação. Assim, é possível analisar os termos e noções dessa
alegação, assim como o seu contexto, para elaborar uma explicação que ajudará a
obter uma justificação. Essa justificação, por sua vez, busca uma razão dentro dos
conhecimentos e, por consequência, um motivo para confirmar ou rejeitar uma
alegação.
Você deve ter em mente que a filosofia não tem a intenção de ser efetivamente
objetiva ou explicar um fato como se fosse ela uma ciência exata. Porém, ainda assim
existe, no cerne de todas as ciências, o contestar filosófico: os conceitos, dogmas e
ideias formalizadas. A intenção da filosofia é ir além do que está posto. É cogitar outras

37
possibilidades, rever crenças fundamentadas, ampliar o raciocínio diante do que se
busca indagar.

7.2 A importância da filosofia na contemporaneidade

Segundo Theodor W. Adorno, “A filosofia, que um dia pareceu ultrapassada,


mantém-se viva porque se perdeu o instante de sua realização. ”
Desde a época em que era um campo único e comum a todas as ciências até
os dias de hoje, em que é parte de todas as ciências e ainda uma ciência em si, a
filosofia enfrenta vários desafios. Tais desafios têm relação com o seu
desenvolvimento como “objeto” fundamental para compreender tanto o lugar social
dos indivíduos em sociedade quanto a própria sociedade que destina um lugar social
a esses indivíduos. Ou seja, filosofar tem a ver com a consciência de quem se é na
engrenagem social e também com a percepção do que se espera dos indivíduos.
A filosofia, nos novos tempos, é fundamental para compreender,
especialmente, as mudanças que ocorreram nos últimos dois séculos em relação aos
indivíduos afetados intimamente (identidade, educação e organização social) pelas
mudanças sociais (trabalho, política, educação e tecnologias).

Porém, o grande espaço da filosofia no mundo atual tem sido garantido pelo
ensino escolar. Tal ensino tem vivido ciclicamente entre altos e baixos. Isso ocorre
porque ele depende principalmente de os professores terem uma intenção “filosófica”
ou não e de as “linhas pedagógicas e humanas de poder” serem favoráveis ao ensino
da filosofia ou não. Muitas vezes, o “pensar filosoficamente” é substituído por um mero

38
repassar de conteúdo e fixação de temas. Ou seja, chegam ao final da vida
educacional tanto indivíduos capacitados quanto incapacitados para contextualizar
sua individualidade frente à sociedade e para formular pensamentos críticos (SILVA,
2005).

O ensino de filosofia, atento às condições desafiadoras da sua realidade, é


um espaço que poderia reforçar os encaminhamentos da discussão do papel
crítico da razão. Se há uma tentativa de identificar, na crise da razão, o
florescimento de um irracionalismo no âmbito das análises educacionais, “se
faz também necessário reafirmar um sujeito cognoscente, dotado de
racionalidade e capaz de apreender a inteligibilidade do processo histórico e
social” (MORAES, 1994, p. 188 apud SILVA, 2005, p. 16).

Entretanto, ao mesmo tempo em que existe uma crise quanto à sua práxis, é
preciso reconhecer que a filosofia também tem vivido, como nunca antes, uma
revitalização. Com relação a essa revitalização, você pode considerar os aspectos
listados a seguir.
 Diversos educadores filosóficos têm conseguido, por meio da
experimentação de práticas multidisciplinares, reavivar a crítica filosófica em seus
alunos (YANO, 2012).
 Alguns filósofos utilizadores de instrumentos de comunicação de massa têm
apostado nas redes sociais como plataforma de divulgação dos conceitos filosóficos
e do questionamento de seus significados através do tempo, desde a época dos
primeiros filósofos aos dias de hoje. Esses filósofos utilizam uma linguagem
“simplificada”, contestadora, que tem conseguido romper barreiras espaciais e
mentais, mostrando o sentido do pensamento crítico e a importância da autonomia de
pensamento (PEREZ, 2016).
Essas questões devem levar você a repensar em que tipo de modernidade o
indivíduo, como “ser social”, está imerso. Afinal, o que se percebe cada vez mais na
sociedade são as amarras invisíveis que visam a impedir as pessoas de pensar.
Porém, se você se ativer aos caminhos históricos e políticos da humanidade, de certa
forma poderá entender muito bem os motivos das crises filosóficas cíclicas. Nesse
sentido, você pode considerar que o indivíduo está inserido num cotidiano repleto de
signos e ordens sociais, em que sua individualidade e sua coletividade são igualmente
convidadas a “não questionar” tanto a sua rotina social quanto a sociedade que a criou
(VERONEZE, 2013). Assim:

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Existe alienação quando ocorre um abismo entre o desenvolvimento humano-
-genérico e as possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos humanos,
entre a produção humano-genérica e a participação consciente do indivíduo
nessa produção. Esse abismo não teve a mesma profundidade em todas as
camadas sociais; assim, por exemplo, fechou-se quase completamente nas
épocas de florescimento da pólis ática e do Renascimento italiano; mas, no
capitalismo moderno, aprofundou-se desmesuradamente (HELLER, 2004, p.
38 apud VERONEZE, 2013, p. 55-56).

Resumidamente, você pode considerar que a filosofia é a “ciência” capaz de


fazer as pessoas discutirem o que entendem do mundo, de seu cotidiano, de seu lugar
histórico e social, bem como de fazê-las refletirem sobre o que acreditam fazer parte
da sua subjetividade. Sua práxis, por qualquer meio que seja, é extremamente
necessária para que haja um princípio de questionamento capaz de revelar a face de
um ser consciente dentro do “ser social”.
Afirmar isso significa reconhecer que as pessoas são capazes de diferenciar o
que é conhecimento, fruto de um ato de aprender e pensar sobre, do que é senso
comum, fruto de uma suposição sem fundamento. Essa capacidade de discernimento
possibilita que qualquer indivíduo ocupe o lugar de sujeito em sua tomada de decisão
em relação às questões do mundo, pois o que rege a existência humana, de fato: “[...]
não são os bens materiais, mas os ideais da existência [sentido, propósito], as
modulações da cultura, os procedimentos e meios éticos para o desenvolvimento
harmônico da autonomia, num contexto de liberdade dos humanos” (ROCHA, 2012,
documento on-line).
Na Figura a seguir, você pode conhecer três dos pensadores brasileiros
contemporâneos:

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Pensadores contemporâneos do Brasil: Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal e Clóvis de Barros
Filho, em reportagem da revista IstoÉ intitulada “Eles fazem a cabeça dos jovens”.
Fonte: Perez (2016).

7.3 Filosofia e cotidiano

Segundo Cortella (2014 - documento on-line), “Nem sempre o pensar filosófico


é o bom pensar, e nem sempre ele é crítico. ”
Por mais que a filosofia pareça familiar quando você entende o seu propósito,
na prática ela muitas vezes não é compreendida, ou as pessoas não sabem como
utilizá-la para melhorarem enquanto sujeitos conscientes. A verdade, contudo, é que
a filosofia é praticada nos atos mais simples. Ela está presente desde em um debate
sobre política até no ato de questionar um conhecimento e a própria noção de
verdade. Nesse sentido, você pode considerar questões como estas:
Por que as coisas são como são?
Qual é a fonte do poder?
A vida tem um sentido?
Por que as pessoas morrem? (CORTELLA, 2014, documento on-line)

41
Observe a Figura a seguir:

O questionamento pode levar a atitudes e posturas críticas.


Fonte: Democracia... (2010).

A Figura acima é um bom exemplo de como a filosofia é ao mesmo tempo um


ato interior e um ato histórico, que muitas vezes pode ser absolutamente simples e
conciso. A alegação da personagem Mafalda possui as seguintes informações em
ordem de compreensão cognitiva:

 o termo “despotismo” possui sentido real;


 o termo “vacina” assume um sentido metafórico que tem a ver com um
momento histórico específico (1991), marcado pelo fim da União Soviética e pelo
apartheid racial na África do Sul;
 o sentido da frase é construído quando o leitor compreende o seu tom
irônico, já que não existe uma “vacina” para um ato comportamental efetivamente
humano;
 a tirinha debate retoricamente com seu leitor se as pessoas serão capazes
de repetir tal ato em sociedade e o indaga sobre o que é preciso para que as próximas
gerações não repitam o mesmo erro sócio-histórico.

Quando considera a prática filosófica e o pensamento racional (ver a razão nas


alegações), você deve ter em mente que os conhecimentos e as ações humanas
cotidianas muitas vezes se entrelaçam por meio de vários campos. Como exemplo,
você pode considerar a felicidade. Cada pessoa tem o seu conceito de felicidade, que
envolve o que lhe causa bem-estar e traz tranquilidade.

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De modo geral, é impossível compreender as questões do mundo sem um certo
nível de transversalidade dos conhecimentos e sem relativizar a “verdade” a fim de
transpor barreiras e buscar responder a perguntas do cotidiano.

O exemplo que você acabou de ver demonstra como a filosofia está no núcleo
de todo debate e questionamento que busca elucidar ou minimamente esclarecer um
assunto. Desse modo, a filosofia é indissociável de toda pessoa que se indaga sobre
o sentido de algo. Ela é fundamental para entender as dificuldades e o seu contexto,
bem como para enxergar possíveis respostas que, mesmo não sendo de todo
satisfatórias, permitam dar um passo à frente na resolução de problemas (SECCO,
2010).
Nesse contexto, é possível afirmar que a filosofia no espaço educativo (filosofia
da educação) pode e deve ser incentivada num viés transversal. A aliança entre
conhecimentos e cotidiano com certeza produz novos olhares sobre a sociedade e as
pessoas. Logo, a necessidade de se ter um “pensar filosófico” é fato e tem a ver com
reinventar a prática em sala de aula (SECCO, 2010).

43
Assim, o “fazer pensar” é indispensável para que não haja a “alienação do
sujeito”, ou seja, a sua simples existência como objeto de uma engrenagem sob a qual
apenas reage, sem questionar o seu lugar ou papel nas atividades sociais e
hierarquias do mundo moderno. Nesse sentido, é importante que você tenha em
mente que a prática filosófica cotidiana é um ato que pode até certo ponto ser
“ensinado”. Como você sabe, no cotidiano as pessoas fazem escolhas que as levam
a um ou outro caminho. Portanto, se pensarem filosoficamente, terão a chance de
questionar os caminhos supostamente “imutáveis” da sociedade. Com isso em mente,
você pode considerar que a filosofia é o caminho pertinente para a tomada de
consciência do indivíduo diante das engrenagens sociais postas. Consciente, ele pode
decidir seguir, mudar ou criar um novo caminho para si (GUIMARÃES, 2002).

Fonte: http://aguerradasimaginacoes.blogspot.com/
44
8 FILOSOFIA E SENSO COMUM

Você sabe o que significa o conceito a priori? Nesta seção, serão abordados
os principais termos, o senso comum e o conhecimento metafísico – “nada pode ser
intuído, mas comprovado”. Na teoria de Kant, é preciso aprofundar os conhecimentos
verdadeiros, ou seja, buscar sua origem. Na realidade escolar, é preciso aproveitar os
conhecimentos oriundos dos alunos, associando-os ao conhecimento metafisico
(cognitivo).

8.1 Os conceitos de a priori e metafísica com a educação

A priori é uma expressão usada para fazer referência a um princípio anterior à


experiência. A priori é uma locução adverbial da língua latina que não se encontra no
dicionário da língua portuguesa, mas é muito usada para indicar “aquilo que vem antes
de”. Assim, um dos principais temas da filosofia de Kant é o conhecimento, quais as
possibilidades que temos de conhecer, onde começa e onde termina a nossa
capacidade de conhecimento e como podemos utilizar esse conhecimento. Em A
Crítica da Razão Pura, em 1781, Immanuel Kant aborda alguns aspectos do
conhecimento e os distingue, ainda que essa distinção seja feita “mediante uma longa
prática que nos habilite a separar esses dois elementos” — e os elementos do
conhecimento a que Kant se refere são os de a priori e a posteriori (Figura abaixo).
Será ressaltado neste capítulo o conceito de a priori voltado para a experiência na
educação.

Fonte: Adaptada de Oficina de Leitura Kantiana (2011)


45
Em seus estudos, Kant afirma que nenhum conhecimento precede a
experiência — todos começam por ela —, demonstrando que todo conhecimento inicia
com a experiência, porém não é porque iniciou com a experiência que dela deve
depender, pois é considerado, portanto, conhecimento a priori todo aquele que seja
adquirido independentemente de qualquer experiência. A ele se opõem os opostos
aos empíricos, isto é, àqueles que são a posteriori, quer dizer, por meio da
experiência. Dessa forma, o conhecimento a priori, mesmo tendo origem na
experiência, não é dependente dela. Kant afirma que, daqui por diante, conhecimentos
a priori são todos aqueles que são absolutamente independentes da experiência e
que são opostos aos empíricos, isto é, àqueles que só são possíveis mediante a
experiência (GUIMARÃES, 2002).
Desta forma o conhecimento a priori faz parte da razão pura e é universal e
necessário, como, por exemplo: “o triângulo possui três lados”. Essa frase nos faz
entender que em qualquer lugar do universo e em qualquer circunstância o triângulo
possui três lados, assim como: “todo solteiro é não casado”, “todo corpo possui
massa”; ou seja, são casos universais e necessários, sendo o que são em qualquer
lugar (GUIMARÃES, 2002).
O conhecimento a priori, ou puro, não necessita da experiência sensorial para
acontecer e é essencial e aplicado a tudo e a todos.
Já o conceito de metafísica é de difícil definição, pois ele sofreu alterações ao
longo da história da filosofia, além de comportar internamente uma subjetividade.
Segundo Aristóteles, metafísica é como a “filosofia primeira”, ou aquela que se ocupa
do Ser e de suas determinações e que, concomitantemente, se ocupa de algo que é
superior ou supremo na ordem dos seres e, por extensão, na ordem do conhecimento
desses seres. Para Chauí (1994), a metafísica é a investigação em torno da clássica
pergunta: “o que é?”. Nesse sentido, ao questionar a existência das coisas, a
metafísica cruzaria com a teoria do conhecimento, mas seu sentido vai além, uma vez
que busca entender a essência das coisas, ou seja, sua natureza.
Desde a Antiguidade até o século XVIII, a metafísica realmente se confundiu
com a teoria do conhecimento, investigando a existência do “ente”, aquilo que é
percebido a priori, sem o auxílio de uma experiência sensível. Portanto, a metafísica
sempre demonstrou intensa preocupação com aquilo que Descartes chamou de
“conhecimento inato”.

46
Quando, no século XVIII, Hume (1748), um empirista, demonstrou que os
conceitos metafísicos não correspondem a nenhuma realidade externa, a concepção
de metafísica se alterou. É necessário afirmar, portanto, que a metafísica não está
circunscrita aos domínios da filosofia, mas que possui autonomia e, por isso, pode ser
compreendida em várias dimensões, ou seja, em sua forma ocidental e em sua forma
oriental. Assim, ao entender a metafísica como englobando o campo de conhecimento
espiritual investigado pelo intelecto, estará se admitindo a possibilidade de que o ser
humano possua uma faculdade cognitiva a ser desenvolvida e que, uma vez utilizada
com propriedade, pode ampliar a nossa visão de mundo.
Segundo Hume (1748), as ideias metafísicas existiriam apenas no interior do
sujeito, na imaginação. A partir de então, a metafísica passou a estudar percepções,
as quais não possuem constatação concreta, fornecidas pelos sentidos, servindo de
parâmetro para compor teorias e não certezas.
É por isto que, para Kant, a metafísica diz respeito àquilo que a capacidade de
cada um permite conhecer, tomando como base o já conhecido que altera a
percepção. Em outras palavras, passaram a fazer parte da metafísica questões
subjetivas, aquilo que existe para cada sujeito e que pode ser relativizado. A função
da metafísica passou a ser tentar fornecer explicações lógicas para a percepção da
realidade pelo homem — o que é diferente de tentar verificar se a realidade existe, tal
como faz a teoria do conhecimento.
Não obstante, não era esta a concepção original da metafísica dentro do
contexto de seu nascimento. A vinculação entre metafísica e teoria do conhecimento,
como é óbvio, conduziu a uma crise.
Partindo da teoria do conhecimento, Hume (1748) mostrou que as ideias nada
mais são do que hábitos mentais que não saem do nada, não são inatas e não
possuem inspiração divina. As ideias seriam fruto de uma associação de sensações,
percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos e retidas na memória,
sendo esta última alterada por novas percepções (GUIMARÃES, 2002).
Assim, as substâncias ou essências seriam apenas imagens da consciência. A
causalidade, portanto, poderia ser definida como mero hábito da mente estabelecido
por percepções sucessivas. Consequentemente, as questões metafísicas seriam
criações artificiais, não possuindo correspondência com a realidade. Isso se tornou
tão evidente, que filósofos, como Kant, chegaram a afirmar que Hume tinha feito os

47
homens despertar do sonho dogmático. Hume havia tornado as questões metafísicas
vazias de sentido, já que não eram universais, mas inerentes a cada sujeito.
Entretanto, Kant não concordava inteiramente com Hume, pois considerava
conceitos científicos inatos como questões metafísicas. No caso, conceitos como
espaço, tempo, quantidade ou causalidade eram, para Kant, apenas questões
metafísicas, sendo subjetivos e não possuindo uma natureza concreta ou real, embora
palpável.
O tempo, por exemplo, não pode ser tocado, então não possui materialidade
concreta, mas seus efeitos podem ser sentidos, remetendo à investigação metafísica.
Podemos notar que, mesmo quando um objeto parece ser de natureza puramente
cientifica, a metafísica ressurge das cinzas como uma fênix.
Assim, é preciso dotar a metafísica de um método seguro. Esse método
revolucionou a concepção de conhecimento: em vez de os objetos penetrarem
passivamente na mente, os objetos são regulados pelo entendimento do sujeito de
conhecimento, que estabeleceria algo a priori sobre os objetos. Isso se dá por meio
de uma faculdade capaz de apreender o que é dado à experiência e que, portanto, se
encontra no tempo e no espaço. Assim, para Kant, o conhecimento é ativo — não pura
apreensão passiva da mente, como se ela fosse uma página em branco na qual são
impressas as qualidades sensíveis dos objetos (GUIMARÃES, 2002).

8.2 Os conceitos de senso comum e senso empírico na educação

Desde a Antiguidade até os dias de hoje, um lavrador, mesmo iletrado e/ou


desprovido de outros conhecimentos, sabe o momento certo da semeadura, a época
da colheita, o tipo de solo adequado para diferentes culturas etc. Todos são exemplos
do conhecimento que é acumulado pelo homem na sua interação com a natureza.
O conhecimento faz do ser humano um ser diverso dos demais, pois lhe
possibilita fugir da submissão à natureza. Todo conhecimento, tanto comum como
científico, é formado por elementos fornecidos pela intuição sensível e elaborados
pelo pensamento (RUIZ, 1995). A elaboração é a obra da razão, que se define como
a função de coordenação do pensamento na sua atividade de conhecimento, função
que se exerce mediante princípios (de identidade, de contradição, de causalidade,
etc.) constitutivos da razão. O conhecimento comum é quase sempre o produto de

48
uma elaboração espontânea da razão, ao passo que o conhecimento científico resulta
de uma elaboração refletida, metódica, prosseguida de modo voluntário e, por vezes,
árduo.
Conhecer algo é adquirir um novo conceito sobre algo. Esse novo conceito
nasce das nossas experiências. Podemos adquirir conhecimento de diversas formas
diferentes: por meio de experiências, relações interpessoais, lendo livros, vendo
programas de televisão etc. Um dos conhecimentos mais comuns é o conhecimento
empírico.
O conhecimento empírico, que também é conhecido como conhecimento vulgar
ou senso comum, é o conhecimento sem qualquer base de pesquisa teórica. Ele é
passado de geração em geração ou adquirido da experiência de vida das pessoas. É
baseado apenas nas crenças do indivíduo.
O senso comum, ou conhecimento empírico, é desconsiderado como uma
forma de argumento para as pesquisas científicas. Isso acontece pelo fato de esse
tipo de conhecimento não possuir nenhum embasamento teórico, sendo
desvalorizado no meio acadêmico e científico (GUIMARÃES, 2002).
A melhor forma de validar o conhecimento empírico é testá-lo e transformar o
conhecimento empírico em um conhecimento científico que tenha sido testado por
pesquisadores. Um bom exemplo é a afirmação “leite com manga faz mal”, que é um
conhecimento empírico, apenas reproduzindo uma afirmação passada de geração
para geração. Se uma comunidade científica fizesse testes com isso e descobrisse
que é uma realidade, então esse conhecimento empírico passaria a ser válido e aceito
como um conhecimento científico (RUIZ, 1995).

Fonte: https://www.profissaoatitude.com.br/
49
9 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO, A HISTÓRIA DA FILOSOFIA E
A VISÃO MITOLÓGICA DO MUNDO

A racionalidade ocupou, e ocupa, lugar fundamental no modo de vida humano.


Dessa forma, para que se possa existir, e se preservar como humanidade, é
necessário o mínimo entendimento sobre o mundo. Nesse contexto, pensar a
realidade, buscando compreender o seu funcionamento, é o que guia o conhecimento
humano. Não foi diferente com a supressão da narrativa mítica e o surgimento da
filosofia como vertente explicativa racional sobre a realidade. Desde então, o
conhecimento vem evoluindo e a filosofia também, deste modo, a educação
acompanha tal evolução. Afinal, o que seria da humanidade sem o seu conhecimento
adquirido ao longo dos séculos?
Nesta seção, você verá como se deu a passagem do mito à filosofia, ou
racionalidade, compreenderá a educação a partir da mudança paradigmática no
pensamento grego e, por fim, compreenderá a construção do conhecimento ao longo
da história.

9.1 Filosofia e evolução dos mitos

A passagem do mito ao logos, ou do mito à filosofia, é marcada por alguns


eventos que corroboraram esse acontecimento. Na Grécia antiga, a narrativa mítica
orientou, durante anos, questões referentes à origem do universo, à compreensão
acerca dos eventos naturais cotidianos, ao entendimento sobre as paixões humanas
e à interpretação sobre a morte. Assim, a filosofia surgiu a partir de diversas
necessidades que a narrativa mítica não contemplava: vida ordinária, intersecções
culturais nas cidades gregas portuárias e mudanças políticas. Desse modo, algumas
formas de organizar a realidade foram colocadas como fonte de conhecimento pelos
filósofos pré-socráticos.
Por volta do século VI a.C., surgiu a filosofia na Grécia (JAEGER, 2003).
Anteriormente a esse período, o mito era visto como fundamento da educação grega,
ou seja, era por meio das narrativas, principalmente, dos poetas Homero e Hesíodo,
que as tradições, os valores e as explicações sobre o mundo, a vida e as relações
humanas eram perpetuadas entre os cidadãos gregos. Entretanto, apesar de ser

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estreita a relação temporal e a divisão entre o mito e a racionalidade, o pensamento
racional começou a se infiltrar na narrativa mítica, ou seja, no período de decadência
mitológica, a racionalidade passou a fazer parte do mito, por exemplo: para Homero,
o mar originava todas as coisas; para Tales de Mileto — o primeiro filósofo pré-
socrático –, a água era o princípio original de todas as coisas; já Hesíodo, por meio
da narrativa mítica, buscava uma compreensão coerente e, em certa medida, racional
em relação à realidade e à formulação dos problemas.
Hesíodo, com a sua cosmologia, influenciou o caráter científico do início da
filosofia. Isso significa dizer que o pensamento filosófico pré-socrático não implicou
imediatamente no encerramento do pensamento mítico, ou seja, a mitologia, sem a
preocupação com a expressão mais coerente, nesse sentido racional, sobre a
realidade, permanece desacordada com os fatos. A filosofia, sem a indagação
originária dada pela mitologia, permaneceria sem a preocupação racional de ordenar
e indagar a realidade. Assim, a filosofia primeira tem como sua indagação central não
o comportamento humano, mas a origem de tudo, por meio de uma reflexão
centralizada no argumento científico. Nesse contexto, vale ressaltar que o homem
passa a ser pensado depois que o cosmos é refletido, ou seja, parte-se do todo para
a parte: o cosmos interior ganha lugar de reflexão após o universo e o mundo serem
pensados.
Nesse cenário, os primeiros filósofos surgiram, em meio a fermentação de uma
nova narrativa explicativa da realidade. Assim, pensadores como Tales de Mileto,
Pitágoras, Anaxágoras, Anaximandro, Heráclito, entre outros, ganharam lugar de
destaque. A figura do filósofo aspirava um ser que apartava-se da sociedade para
refletir sobre tudo, em especial, sobre a “ciência das coisas do alto” (JAERGER, 2003,
p. 194–195). Enquanto isso, a sociedade olhava para esses pensadores como
aqueles que queriam superar os limites humanos impostos pelos deuses e imitá-los.
Dessa forma, institui-se outra noção, outro valor da verdade. Assim, as
verdades tidas até aquele momento como tais, são rebaixadas em detrimento de uma
racionalidade: passa a ter validade aquilo que o eu racional pode comprovar. Essa
maneira de pensar altera a forma de o cidadão grego lidar com a realidade, e isso se
manifesta não apenas na filosofia, mas nos escritos sobre história e geografia, de
Heródoto, em escritos médicos da época, todos marcados pelo caráter racional
testemunhado por um “eu”.

51
Assim, o ponto de partida dos pré-socráticos fundamenta-se na compreensão
da physis: “o fundo eterno, perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para
onde tudo retorna é o elemento primordial da natureza e chama-se physis (em grego,
physis vem de um verbo que significa fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer, produzir)”
(CHAUÍ, 2000, p. 41). A partir desse conceito, os pré-socráticos buscavam duas
coisas: problematizar a origem das coisas, o que fazia com que eles estabelecessem
outra relação com o tempo, pois a origem de tudo é antecessora a todo humano; e
desenvolver outro modo de relacionar-se com a realidade, o modo empírico, que inclui
experimentos científicos a fim de compreender as causas naturais.
Esse movimento racional ocorrido na Grécia sofreu grande influência de outros
países, como o Egito, por exemplo, uma vez que a relação portuária proporcionava
grande intercâmbio cultural com os navegadores e comerciantes. Esses povos
influenciaram os experimentos e observações empíricas dos gregos, o que
desencadeou um modo sensível de se relacionar com o mundo. Com isso, teve início
o declínio mítico. Na cidade de Mileto, por exemplo, portuária e conhecida como
metrópole cultural, surgiram os primeiros pensadores desse período: Tales,
Anaximandro e Anaxímenes (JAEGER, 2003).
Anaximandro foi um dos pensadores desse período que mais contribuiu com o
estudo da física (JAEGER, 2003). Foi o primeiro a projetar uma imagem do mundo,
configurando o primeiro mapa do mundo. Isso expressa a busca por ordenar o mundo
por meio da ideia, da racionalidade e de uma articulação universal. Sua imagem do
mundo era, rigorosamente, matemática e serviu como modelo para Heródoto, o
historiador.
Tales, mais conhecido como Tales de Mileto, de acordo com o pensamento,
com o questionamento sobre a physis — de onde tudo veio e para onde tudo vai? —,
acreditava que a água era o elemento originário. Para ele, o fato de a água evaporar,
transformar-se em ar, congelar e solidificar indicava que, por sua capacidade de
mutação, era o elemento do qual tudo provinha (JAEGER, 2003).
Anaxímenes acreditava que o elemento formador era o ar — o ar ocupa todo o
espaço, e até a alma é um sopro. Por sua vez, Anaximandro elenca o termo grego
apeiron — sem limites — como aquilo que se apropria de tudo, que inclui tudo e
governa tudo, ou seja, um infinito que tudo rege e de tudo se apropria. Sobre outros
pensadores tão importantes quanto os citados, a preocupação com a physis

52
fundamentou todo o período e pensamento da filosofia pré-socrática, que só foi
perdendo espaço a partir da instauração da democracia na cidade de Atenas, que
proporcionou o debate público sobre questões relacionadas à política. Nesse
contexto, a figura de Sócrates começou a protagonizar uma nova maneira de pensar
a filosofia, dessa vez, mais relacionada ao homem.

9.2 Filosofia como base para a formação da educação da civilização grega

Com a passagem do mito ao logos, a educação do homem grego foi alterada.


Na época da narrativa mítica, a educação dava-se por meio das obras dos poetas
gregos, em especial, Homero e Hesíodo, e tinha como finalidade educar o cidadão de
acordo com os valores trazidos pelos mitos. Nesse contexto, a formação do homem
grego era voltada às virtudes apresentadas pelos mitos. Por exemplo, em A Odisseia,
Homero conta a história do personagem Odisseu, rei de Ítaca, que retorna da guerra
de Tróia para a sua cidade. Essa história simboliza o herói que demonstra
capacidades que rompem com os limites impostos pelos deuses e pela natureza:
sabedoria extrema capaz de enganar os personagens míticos que, até então, nunca
haviam sido enganados, coragem sobre-humana, força, entre outras virtudes e
qualidades. Desse modo, a educação do homem grego era fundamentada na figura
dos heróis, em especial (JAEGER, 2003).
A história e a poesia eram as grandes ferramentas para se educar na dita
Primeira Grécia. Vale ressaltar que, assim como ocorre em quase toda a cultura
ocidental, a formação de uma sociedade institui-se a partir da nobreza. A aristocracia
grega buscava, por meio da formação de seus membros, desenvolver os indivíduos
tendo em vista um ideal de homem superior “ao qual aspira a escola da raça”
(JAERGER, 2003, p. 25). Dessa forma, pode-se dizer que, assim como na
contemporaneidade em várias sociedades, a educação era motivo de diferenciação
entre as classes e acabava por distinguir os indivíduos.
Um dos termos norteadores da cultura grega antiga, presente em todos os seus
períodos, é arete (excelência virtuosa, virtude extrema) (JAEGER, 2003). Tanto no
período da educação com base no caráter heroico das epopeias quanto nos períodos
posteriores, a orientação da formação grega é a virtude. Para Homero, esse conceito
constituía o ideal ético aristocrata. Assim, os aristocratas encaravam a arete a partir

53
de uma disputa entre eles pela qualidade extrema de todas as virtudes naturais: o
motivo de disputa não se fixava apenas no corpo (o mais ágil e forte), mas também
nas qualidades pessoais (o melhor amante, o mais ético, o bom).
Com a ascensão da democracia em Atenas (século V a.C.), a educação grega
foi alterando-se (JAEGER, 2003). Vale ressaltar que, por mais que falemos em
períodos da história formativa — ideais culturais —, nenhuma mudança no
pensamento grego deu-se abruptamente, mas tratava-se de uma mudança cultural e
levaria certo tempo. Com o surgimento do sistema democrático em Atenas, as praças
públicas começaram a ser ocupadas e serviram de palco para os debates entre os
cidadãos e discursos. O cerne das questões deixou de ser o ideal mítico e heroico,
uma vez que o caráter racional da filosofia pré-socrática já estava difundido, e passou
a ser relacionado ao homem.
O grande filósofo a marcar esse período foi Sócrates (469 a.C.), um homem
simples, sem riquezas, filho de uma parteira e de um escultor. É conhecido até os dias
atuais como o pai da filosofia. No período em que Sócrates viveu, a figura do sofista
era de grande destaque (JAEGER, 2003). Os sofistas eram oradores muitos astutos
que ficavam na praça participando de debates e fazendo discursos sobre a sociedade
e a política ateniense. Atribui-se aos sofistas o ofício de primeiros professores gregos.
Entretanto, eram os grandes inimigos de Sócrates, em especial, por dois motivos: os
sofistas não tinham compromisso com a verdade, argumentavam de acordo com a
doxa (opinião); outro ponto é que cobravam para ensinar aos jovens a arte da oratória,
o que, para Sócrates, tratava-se de mercenarismo. Sócrates compreendia não ser
possível ensinar a filosofia, mas conduzir a juventude a filosofar, ou seja, o método
socrático consistia em questionar os indivíduos e fazê-los chegar à verdade.
Conhecido como maiêutica, o processo dava-se da seguinte maneira (CHAUÍ, 2000):
 Sócrates colocava-se como ignorante na discussão, abordava as pessoas
com ironia, fazendo perguntas que todos achavam saber o que era, por exemplo: “o
que é o bem?”
 Assim, levava a pessoa a refletir e seguia respondendo aos seus
interlocutores com outra pergunta, e esse movimento no diálogo ficou conhecido como
retórica.
 Por fim, levava o interlocutor a uma resposta própria, buscando a verdade,
por meio desse processo dialético.

54
Sócrates fazia uma analogia com o ofício de sua mãe, ou seja, acreditava fazer
as pessoas parirem a verdade. Ele foi mestre do filósofo Platão, e suas teorias, nesse
sentido, são concordantes, dado que a teoria platônica defende que se chega à
verdade por meio da dialética. Para Platão (2000), a educação grega deveria ser
fundamentada em uma formação geral, ou seja, o sentido político é o sentido geral da
pólis. Em sua obra República, Platão (2000) argumenta que a pólis deveria ser dividida
de acordo com as aptidões de cada indivíduo, ou seja, de acordo com a teoria
platônica, tudo o que existe no mundo real/ sensível é cópia do mundo das
ideias/inteligível.
A pólis deveria ser organizada de acordo com a alma: a parte racional é a da
cabeça; a parte irascível é a do coração, responsável por nossos sentimentos; e a
parte baixa, que é a concupiscível, é a responsável pelo apetite e desejo sexual. Essa
estrutura deve ser reproduzida na pólis: os que se dedicariam ao trabalho manual; os
corajosos que se dedicariam aos esportes e à proteção da cidade; e os filósofos
representando a parte racional, que comandariam a pólis. Assim, cada classe dessa
sociedade seria educada para desenvolver suas habilidades de acordo com a sua
função na pólis (PLATÃO, 2000).

Fonte: http://www.consciencia.org/

O filósofo Aristóteles (322 a.C.) surgiu após Platão e era seu discípulo.
Aristóteles se opôs a Platão em diversas teorias, a começar pelo modo como ele
compreendia a realidade, que destoava de seu mestre. Aristóteles acreditava que o
conhecimento se dá pelos sentidos: primeiramente, sentimos e, depois, elaboramos o

55
que aprendemos por meio do sentido, de modo racional (CHAUÍ, 2000). Portanto, a
experiência do conhecimento dá-se pela realidade. Outro ponto dissonante era a
concepção de formação. Para Aristóteles, o homem aprende imitando desde a tenra
idade, o que ele denominou como mimesis. Assim, o homem deve ser formado desde
criança por meio da educação que cabe ao Estado, ou seja, Aristóteles defendia que
a educação fosse pública para os cidadãos gregos e que deveria ter como finalidade
a formação do indivíduo virtuoso para a pólis. Dessa forma, o ato de educar deveria
ocorrer pela repetição, pelos experimentos e pelos atos virtuosos.

9.3 Evolução do pensar humano em diferentes etapas do período histórico-


filosófico

A construção do conhecimento, ao longo da história da humanidade, passou


por diversas fases. Pode-se dizer que o conhecimento é algo aberto e que existirá
enquanto a humanidade existir. Isso consiste não apenas em conhecimento em si,
mas no processo pelo qual se conhece, o objeto que se busca conhecer, as
possibilidades de conhecimento tanto de contexto temporal quanto de ferramentas de
conhecimento. Assim, apesar de aberto, o conhecimento dá-se a partir de uma
combinação de fatores em todas as áreas do saber humano.
Em relação à filosofia, seus períodos foram marcados por diversos fatores,
entretanto, convém dizer que o conhecimento da humanidade sempre evolui de
acordo com a evolução filosófica, uma vez que a filosofia é extremamente ampla e se
relaciona com todas as áreas do conhecimento (CHAUÍ, 2000). Passado o período
grego clássico, que acabou por influenciar o pensamento filosófico romano, ou seja,
ao fim do período chamado helenístico, que foi o período de grande intercâmbio
cultural devido às conquistas de Alexandre, O Grande, as escolas filosóficas existiam
tanto na Grécia quanto em Roma. Assim, a reflexão sobre o mundo, a partir da
expansão grega de Alexandre, buscava pautar-se em um conhecimento universal.
Nesse contexto, o intercâmbio cultural entre diversos povos teve grande ascensão.
Com a morte de Alexandre (323 a.C.), houve a ascensão do Império Romano que,
dois séculos depois, após a sua queda, cedeu lugar à dominação da Igreja Cristã.
Nesse período, chamado de Idade das Trevas devido ao obscurantismo, o
conhecimento deu-se a partir dos estudiosos da Igreja. Filósofos, como Santo

56
Agostinho (354–430 d.C.), viam grande compatibilidade entre os pensamentos de
Platão e Aristóteles e as escrituras sagradas. Dessa forma, Santo Agostinho,
influenciado pela teoria platônica, refletiu sobre questões pertinentes à Bíblia: livre
arbítrio, o bem, a verdade e Deus (AGOSTINHO, 1995). O mesmo ocorreu com São
Tomás de Aquino (1225–1274 d.C.), que aproximou as teses aristotélicas das
escrituras sagradas. Também nesse período, o conhecimento filosófico ficava, em
grande parte, restrito à Igreja, uma vez que o conhecimento era repassado para
aqueles que dedicavam-se à vida religiosa (CHAUÍ, 2000).
Posteriormente, após o Renascimento (CHAUÍ, 2000), a Idade Moderna foi
marcada por avanços científicos e autonomia do indivíduo. Com a perda de poder da
Igreja após o Renascimento, o período moderno foi considerado o do iluminismo.
Assim, a partir das teorias de René Descartes (1596–1650), o indivíduo passou a ser
considerado autônomo e capaz de chegar ao conhecimento. Descartes (2001), em
Discurso do método, afirmava que o sujeito poderia chegar ao conhecimento pela sua
razão, partindo do questionamento sobre a sua existência (como posso provar que
existo?) — ora, se eu penso, sou uma consciência pensante, isso em si já é prova de
minha existência, ou seja, “penso, logo, existo”. Isso alterou totalmente o modo como,
até então, interpretava-se a realidade, pois comprovou que é a razão, e por meio dela,
que se conhece, ou seja, é a razão que existe.

Fonte: https://blogdoaftm.com.br/charge-filosofia-moderna/
57
Outros filósofos marcaram esse período com teorias sobre justiça, política,
ciência, e não apenas filósofos, Newton desenvolveu sua teoria da gravidade, por
exemplo. Portanto, esse foi um período marcado pelo conhecimento e pela autonomia
em se conhecer.
Esse período termina com o filósofo Imannuel Kant, com o seu livro A Crítica
da Razão Pura (KANT, 2001). Nessa obra, Kant demonstra que a razão não é absoluta
e expõe os limites da razão, ou seja, a razão pode formular ideias, mas não pode
comprová-las como objetos em si, assim como Deus, amor, alma e outras ideias
metafísicas. Nesse sentido, Kant inaugurou uma forma de pensar o que é possível ser
conhecido pela razão. Contemporâneo a Kant foi o filósofo Karl Marx (1818–1883).
Marx dedicou sua obra a pensar os meios de produção, a economia e a opressão à
classe proletária no século XIX (MARX; ENGELS, 1999). O seu pensamento acabou
por influenciar pensadores como os da Escola de Frankfurt, que atrelavam a crítica ao
capitalismo para pensar diversas categorias da vida humana, por exemplo, a produção
artística enquanto entretenimento e ferramenta de alienação das massas.
Nos dias atuais, após as grandes guerras ocorridas no século XX, a filosofia
contemporânea se debruça sobre questões, por vezes, totalmente novas. Exemplo
disso é a virada tecnológica, que apresenta problemas referentes às relações
humanas, ao modo de vida, à biotecnologia, à política atual (que conta com
fenômenos como terrorismo, bombas nucleares, xenofobia e imigração), à arte
contemporânea, entre várias outras problematizações que fazem parte do contexto
em que vivemos no século XXI.
Assim, a passagem do mito à racionalidade deu-se por um processo cultural,
ou seja, a ascensão do argumento racional foi ganhando espaço como modo de
formação e educação do grego, nas palavras de Jaeger (2003, p. 13): “colocar estes
conhecimentos como força formativa a serviço da educação e formar por meio deles
verdadeiros homens [...] é uma ideia ousada e criadora que só podia amadurecer no
espírito daquele povo artista e pensador”. Nesse contexto, os gregos deixaram como
herança para a humanidade a ação educadora por meio da filosofia. Outro aspecto é
o legado grego para os períodos posteriores da história da filosofia: devemos desde a
medicina até a poesia aos gregos, levando em consideração que todo o conhecimento
ocidental, ou grande parte dele, formulou-se a partir do que eles chamaram de
filosofia.

58
10 AS EXIGÊNCIAS DA REFLEXÃO FILOSÓFICA

Para Silva (2010), os filósofos tecem reflexões e argumentos sobre os


conceitos de verdade relativos. Afinal, há culturas e valores sociais e comunitários
diferentes, de modo que a verdade não poderia ser única. Não sendo única, cabe
dialogar e argumentar para identificar suas possibilidades.
Você deve considerar ainda, no tocante à origem da filosofia, que:

[...] as culturas mais primitivas e as antigas filosofias orientais expunham suas


respostas aos principais questionamentos do homem em narrativas
primitivas, geralmente orais, que expressam os mistérios sobre a origem das
coisas, o destino do homem, o porquê do bem e do mal. Essas narrativas ou
“mitos”, durante muito tempo consideradas simples ficções literárias de
caráter arbitrário ou meramente estético, constituem antes uma autêntica
reflexão simbólica, um exercício de conhecimento intuitivo [...] (NOVA...,
1999, p. 21).

Outro ponto a ser considerado sobre a definição da filosofia é a importância do


ato filosófico sobre o conhecimento, ou seja, o produto do estudo da filosofia, seus
resultados. Dessa forma, de maneira tradicional, os filósofos desbravam a essência
das coisas abstratas, isto é, refletem sobre questões como verdade, conhecimento,
pensamento, liberdade, dever, justiça, beleza e também a própria realidade
(BONJOUR, 2010).

Fonte: https://brainly.com.br/

O surgimento da filosofia ocorreu no momento em que os gregos, admirados e


espantados com a realidade, ou ainda insatisfeitos com os posicionamentos de suas
tradições, iniciaram indagações na busca por respostas mais esclarecedoras. A ideia
era que a explicação sobre o mundo e os seres humanos, bem como sobre os
acontecimentos da natureza, pudesse ser conduzida a partir da racionalidade, isto é,

59
a partir da razão humana, sendo esta capaz de permitir o conhecimento de si mesma
(CHAUÍ, 1995).
Para importantes filósofos, a reflexão e o pensamento são considerados uma
purificação intelectual. Tal purificação possibilita ao espírito humano conhecer a
verdade invisível, imutável, universal e necessária. Ou seja, as imagens sensoriais
seriam falsas e mentirosas, cabendo abandoná-las para o alcance do conhecimento
verdadeiro (CHAUÍ, 1995).
Conforme destaca Chauí (1995), ao contrário de Sócrates e Platão, os sofistas
aceitavam a validade e o uso das opiniões e das percepções sensoriais para a
produção de argumentos de persuasão. Já Sócrates e Platão as consideravam fontes
de erro ou formas imperfeitas de conhecimento.
Para Bonjour (2010), uma versão mais atual e também modesta do conceito de
filosofia destacaria que os filósofos descobrem o conhecimento a partir de uma análise
mais precisa dos conceitos empregados no processo de reflexão e pensamento. Ou
seja, eles buscam os significados das palavras correspondentes a esses conceitos.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao fato de que diversas áreas de
investigação surgem a partir dos preceitos filosóficos. Nesse sentido, surgem a ciência
e suas várias ramificações para explicar e responder aos questionamentos filosóficos.
Bonjour (2010, p. 21) afirma que: “Isso acontece, aproximadamente, quando as
questões envolvidas tornam-se definidas de modo suficientemente claro para tornar
possível investigá-las em termos científicos, através de observação empírica e de
teorização com base empírica”.
Aristóteles foi um dos principais filósofos que se preocuparam com a
classificação dos campos do conhecimento filosófico. Ele conceituou esses campos
como ciências produtivas, ciências práticas e ciências teoréticas, contemplativas ou
teóricas, estas últimas sendo salientadas pelo filósofo como o ponto mais alto na
metafísica e na teologia e como a origem de todos os outros conhecimentos (CHAUÍ,
1995).
Contudo, segundo Bonjour (2010, p. 21):

enquanto virtualmente todo tipo de conhecimento foi parte da filosofia para o


filósofo grego da Antiguidade Aristóteles, a física e a biologia têm sido
separadas da filosofia por muito tempo, com outras áreas seguindo por esse
caminho mais recentemente. (Por exemplo, até́ o final do século XIX, a
psicologia ainda era vista como parte da filosofia.) Isso sugere que a filosofia
pode ser identificada, ainda que um tanto indiretamente, como a origem
60
daqueles temas que as pessoas ainda não aprenderam a investigar em
termos científicos. Isso inclui alguns temas com respeito aos quais é difícil
imaginar que isso jamais aconteça, porque são demasiado gerais, demasiado
difíceis e, possivelmente, demasiado fundamentais.

Você ainda deve considerar que, para a grande maioria dos filósofos, há um
consenso no tocante à história da filosofia, sendo ela importante para a própria
natureza da filosofia e para a contínua investigação filosófica. Afinal, uma das
atividades filosóficas principais concentra-se no objetivo de entender a natureza
essencial das coisas (ou dos conceitos), ou seja, a clarificação dos fatos. Os filósofos
constantemente criam discussões sobre o que realmente significam as palavras
(BONJOUR, 2010).
A seguir, você vai ver as principais concepções da reflexão e da argumentação
filosóficas. Assim, você vai identificar no exercício do ato de filosofar a busca pela
compreensão da natureza das coisas e de seus significados.

10.1 Conceitos relacionados à reflexão filosófica e à argumentação

Antes de você conhecer os principais conceitos relacionados à reflexão


filosófica, deve se questionar o seguinte: para que serve a filosofia? Como você pode
notar, o mesmo questionamento não costuma ser feito com relação a áreas como a
matemática ou a física. Segundo Chauí (1995, p. 12), “Em geral, essa pergunta
costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos estudantes de filosofia: ‘A
filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual’, isto
é, não servindo para nada”.
Com base nessa perspectiva, afirma-se muitas vezes que a filosofia não tem
serventia e que os filósofos pensam em coisas que não levam a lugar algum, ao
contrário do que acontece nas ciências cuja finalidade e cuja utilidade são facilmente
identificadas. Nesse sentido, as ciências são comumemente reconhecidas como
conhecimentos verdadeiros, alcançados a partir de procedimentos legítimos.
Entretanto, para Chauí (1995, p. 12–13):

[...] verdade, pensamento, procedimento para conhecer fatos, relação entre


teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são
questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas,
mas é a filosofia quem as formula e busca respostas para elas.

61
No tocante à valorização da filosofia, você deve ter em mente que essa área se
relaciona ao exercício do pensamento lógico, crítico, aguçado. A partir dela, é possível
perceber que o pensar é algo importante e elaborado, especialmente pelo fato de que
o pensamento transcende a repetição, que é o ocorre em outras teorias. Assim, o
pensamento é um processo singular, pois o tempo, a forma e a circunstância em que
ele ocorre são intrínsecos ao que se pensa (SILVA, 2010).

Com base nas características da atitude filosófica, você pode perceber que ela
está relacionada à capacidade de conhecer e de pensar, tornando-se um pensamento
interrogativo de si mesmo, isto é, a filosofia se realiza como reflexão (CHAUÍ, 1995).
Pode-se afirmar ainda que a “atitude filosófica” é a atitude de quem tem coragem de
questionar a si e ao mundo no qual está inserido a fim de descobrir crenças, escolhas
e experiências (SILVA, 2010, p. 4).
A atitude filosófica, ou ainda o método do pensamento filosófico, demanda um
conjunto de habilidades e alguns hábitos intelectuais diferenciados, também
denominados hábitos filosóficos da mente. Esses hábitos correspondem ao exercício
das concepções e dos argumentos filosóficos desenvolvidos, isto é, implicam clarificar
e justificar alegações (BONJOUR, 2010).
Chauí (1995, p. 14–15) esclarece que a reflexão filosófica se organiza a partir
de pelo menos três grandes conjuntos de perguntas ou questões, como você pode ver
a seguir:

62
1. Por que as pessoas pensam o que pensam, dizem o que dizem e fazem o
que fazem? (Motivos, razões e causas para o que se pensa, diz e faz);
2. O que as pessoas querem pensar quando pensam, o que querem dizer
quando falam, o que querem fazer quando agem? (Sentido do que se pensa,
diz e faz);
3. Para que as pessoas pensam o que pensam, dizem o que dizem, fazem o
que fazem? (Intenção do que se pensa, diz e faz).

Resumidamente, você pode considerar que a atitude filosófica questiona o que


é pensar, falar e agir. A atitude filosófica está atrelada ao “o que é? ”, ao “como é? ” e
ao “por que é?”, tudo com base no mundo (essência, significação, estrutura e origem
de todas as coisas). Já a reflexão filosófica remete a questionamentos como “por quê?
” e “o quê?” Relacionados aos pensamentos do sujeito no ato da reflexão (capacidade,
finalidade humana para conhecer e agir) (CHAUÍ, 1995).
Você deve também compreender os significados relativos aos argumentos,
pois, de acordo com a afirmativa de justificação, um filósofo normalmente justifica uma
alegação remetendo a um argumento. Conforme apregoa Bonjour (2010, p. 24), “Em
filosofia, um argumento não é uma discordância ou uma briga”.
Assim, a ideia principal relacionada a um argumento filosófico diz respeito à
justificação de uma alegação, isto é, é preciso estabelecer premissas para evidenciar
que a conclusão do argumento é verdadeira. Nesse sentido, determinados
argumentos podem ser considerados argumentos dedutivos válidos, os quais estão
relacionados aos argumentos cujas premissas, se verdadeiras, garantem a verdade
da conclusão (BONJOUR, 2010).

10.2 Premissas e inquietudes filosóficas no contexto educacional

Você viu até aqui que a filosofia, a reflexão filosófica e a argumentação são
temas muito complexos. Portanto, para entendê-los não basta compreender uma
definição única da filosofia. Em linhas gerais, o estudo da reflexão e da argumentação
envolve concepções sobre a visão de mundo, a sabedoria da vida, o esforço racional
para conceber o universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido, além
de uma fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas (CHAUÍ,
1995).
Os elementos inerentes da filosofia estão relacionados numa essência teórica,
o que não significa que essa essência esteja definida como uma doutrina ou saber
acabado. Como afirma Aranha (1993, p. 72), “Para Platão, a primeira virtude do
63
filósofo é admirar-se”. Nesse sentido, o termo “admiração” trata-se da condição
relacionada à problematização, isto é, a filosofia não é tida como dona da verdade, e
sim como propulsora da busca por essa verdade.
Você viu também a complexidade da argumentação. Para haver um bom
argumento, duas coisas são necessárias: o argumento tem de ser válido e suas
premissas precisam ser verdadeiras. Além disso, um argumento pode ser ruim,
mesmo que suas premissas e sua conclusão sejam verdadeiras. Como exemplo,
considere:

A terra tem uma lua.


John F. Kennedy foi assassinado.
Portanto, a neve é branca. (RACHELS; RACHELS, 2014, p. 33)

As premissas do argumento e sua conclusão são verdadeiras. Entretanto, trata-


se de um argumento ruim, pois não é válido, uma vez que sua conclusão não decorre
das premissas. Esse exemplo permite clarificar os pontos lógicos essenciais, que são
aplicáveis à análise de qualquer argumento, trivial ou não. Para ilustrar, considere
como esses pontos podem ser usados para analisar argumentos e também questões
mais importantes e controversas que estão vinculadas ao processo de reflexão
filosófica, principalmente com base no ceticismo moral (RACHELS; RACHELS, 2014).
A complexidade de todos esses aspectos permite que você perceba que a
filosofia deve ser encarada como uma disciplina formadora. Ela contribui para o
desenvolvimento de competências e habilidades essenciais, pois está extremamente
relacionada com o entendimento significativo e crítico do mundo e da cultura
(GRETER, 2010).
Conforme destaca Aranha (1993), a filosofia é uma atitude consolidada a partir
de uma concepção de pensar e refletir constantemente. Assim, é considerada a partir
de um pensamento instituinte, já que questiona, interroga o saber, o conhecimento
instituído. Para o filósofo, a teoria não corresponde a um saber abstrato.
A autora ainda afirma que a filosofia não está encarregada de fazer juízos de
valor, contrariando as ações da ciência. O processo de filosofar parte das reflexões
acerca das experiências vivenciadas pelo homem, evoluindo suas constatações com
base também no que deveriam ser tais experiências. Além disso, esse processo busca

64
identificar como são as ações, isto é, julgar o valor da ação, objetivando extrair o seu
significado (ARANHA, 1993).
Para você compreender a relação entre as premissas e inquietudes dos
filósofos e a educação, deve conhecer o conceito de educação e os elementos
filosóficos que o constituem, especialmente no que se refere à sua relação com o
conceito de cultura, dentro de uma perspectiva também filosófica.

Fonte: https://pedagogiaaopedaletra.com/

Você pode considerar ainda que a filosofia é necessária pois, por meio da
reflexão, ela dá ao homem mais de uma perspectiva, indo além da dimensão
relacionada ao agir imediato em que “[...] o homem prático se encontra mergulhado”
(ARANHA, 1993, p. 75).
Assim, a filosofia permite a transcendência humana, ou seja, corresponde à
capacidade do homem de superar o cenário posto. Com isso, o ser humano se
apresenta como um ser de projeto, pois constrói o seu destino por meio da liberdade
que tem para isso. Para Aranha (1993, p. 75), “[...] o distanciamento é justamente o
que provoca a aproximação maior do homem com a vida”. Sendo assim, oportuniza a
evolução, rompendo com a estagnação.
Você pode ainda visualizar a filosofia como um movimento em busca da
verdade. Parte-se do pressuposto de que existe uma certeza, mas ao mesmo tempo
65
também se nega essa certeza por meio da superação proposta pela síntese. Tal
síntese promove uma nova tese, isto é, uma nova certeza. Para Aranha (1993), a
filosofia ainda é a procura da verdade, não a sua posse.
Cabe salientar que um estilo reflexivo também deve ser considerado no tocante
à prática educativa, em que pese especialmente o ato de ensinar. Afinal, a filosofia
não se confunde com transmissão de conteúdo: ela é meio de aquisição de
conhecimento. O aluno precisa adquirir o hábito da reflexão com método e
fundamento.
Nesse sentido, Savater (1998, p. 176) ressalta que o papel da escola não é
transmitir a cultura dominante, mas principalmente “[...] o conjunto de culturas em
conflito do grupo no qual ela nasce”. Assim, é primordial a educação promover
alternativas para os educandos, atribuindo significativa responsabilidade àquele que
pretende educar.
Por fim, você pode considerar que estudar os conceitos filosóficos e os
elementos da reflexão filosófica tem o objetivo de “[...] desmascarar a realidade
utilizando a própria realidade como matéria” (SILVA, 2010, p. 4). Ou seja, cabe ao
professor empregar os elementos da reflexão filosófica nos temas inerentes ao
contexto do educando para, assim, possibilitar a discussão. A ideia é contemplar
esses temas num processo de ensino e aprendizagem que permita o desenvolvimento
de um pensamento mais amplo e crítico do aluno diante da sua realidade.

11 A FILOSOFIA, A FORMAÇÃO DO EDUCADOR E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS

Reflita sobre as seguintes questões: a filosofia pode contribuir para a formação


de educadores? Qual é a missão do educador e quais são as práticas pedagógicas
que ele deve exercer em sala de aula?
Nesta seção, você vai estudar os objetivos da filosofia da educação, suas
possíveis contribuições para a formação do educador e suas ações pedagógicas.
Além disso, você vai conhecer os elementos que compõem o cenário atual da
educação brasileira.

11.1 O objetivo da filosofia da educação na formação de professores

66
De acordo com Kneller (1966, p. 9):

Para educarmos os homens de modo sensato e esclarecido, convém saber


no que queremos que eles se tornem quando os educamos. E para sabê-lo é
necessário indagar para que vivem os homens — ou seja, investigar qual
pode ser a finalidade da vida e o que ela deve ser. Portanto, devemos também
inquirir sobre a natureza do mundo e os limites que este fixa para o que o
homem pode saber e fazer. A natureza humana, a boa vida e o lugar do
homem no esquema das coisas estão entre os tópicos perenes da filosofia.

Para o autor, ao refletir o significado da educação para a humanidade, teremos


que considerar a sua relação com a filosofia e nos questionarmos sobre como ela
contribui para a educação (KNELLER, 1966). Para encontrar a resposta a essa
pergunta, você deve primeiramente atentar às bases que compõem a filosofia da
educação, a fim de que num segundo momento seja possível refletir acerca da relação
dessa disciplina com a formação de professores.
Portanto, agora você deve compreender o que é a filosofia da educação,
concentrando-se nos elementos constitutivos dessa disciplina. Para tanto, você vai
identificar as relações entre a filosofia e a educação.
Conforme Kneller (1966, p. 37),

[...] a filosofia educacional é especulativa quando procura estabelecer teorias


da natureza do homem, sociedade e mundo, por meio das quais ordene e
interprete os dados conflitantes da pesquisa educacional e das ciências
humanas. O filósofo educacional pode estabelecer tais teorias deduzindo-as
da filosofia formal e aplicando-as à educação, ou, então, passando dos
problemas particulares da educação para um esquema filosófico capaz de
resolvê-los.

Conforme apregoa Kneller (1966, p. 37), “[...] a filosofia da educação é


prescritiva quando especifica os fins a que a educação deve obedecer e os meios
gerais que deve usar para atingi-los”. O autor defende ainda que:

[...] a filosofia da educação também é analítica e crítica. Nesta acepção,


analisa suas próprias teorias especulativas e prescritivas, bem como as
teorias que encontra em outras disciplinas. Examina a racionalidade dos
nossos ideais educativos, sua coerência com outros ideais e a parte neles
desempenhada pelo pensamento improvisado ou ilusório (KNELLER, 1966,
p. 37)

Na filosofia da educação, também cabe a reflexão acerca das relações entre


metafísica e educação, principalmente para identificar o papel da filosofia na formação
do educador, mesmo que o conceito pareça um tanto abstrato.
67
Você também deve considerar as relações entre a epistemologia e a educação,
no sentido de compreender os objetivos da filosofia para a formação. Para Kneller
(1966, p. 40), “Um dos interesses primordiais da educação é descobrir e transmitir
conhecimento. Mas nem tudo que circula sob o nome de educação pode corretamente
ser rotulado de ‘conhecimento’. Como é importante para o professor, pois, ser capaz
de avaliar as bases em que formulam as exigências de conhecimento”. Nesse sentido:

O professor também pode discutir os métodos pelos quais o conhecimento é


adquirido — através da revelação, autoridade, intuição, razão, os sentidos e
a experimentação. O conhecimento derivado da experimentação científica é
o mais aceito, hoje em dia. Isso não quer dizer que os outros métodos sejam
errados ou inúteis. Pelo contrário, o professor pode demonstrar que os
diferentes métodos, na realidade, complementam-se entre si (KNELLER,
1966, p. 39)

Notoriamente, devido à importância da peculiaridade e da função dos temas,


axiologia, ética e educação também estão extremamente atreladas à formação de
docentes. Em que pesem suas amplitudes conceituais, você pode considerar que,
segundo Kneller (1966, p. 41), “[...] para a instrução correta na sala de aula, a
necessidade de uma sólida teoria social e ética é facilmente aceita como fundamental
para a prática educativa”. Para compreender melhor tais relações conceituais, você
deve refletir sobre alguns questionamentos, tais como:

Deverá um professor realçar o valor da matéria ou do discípulo a quem


ensina? Se alguém disser que, para tornar-se um professor de categoria,
precisará apenas de ter um conhecimento especializado em sua matéria, que
valores gerais estão sendo aqui refletidos? Que espécie de comportamento
moral deve o professor apregoar em sua classe? Deve uma pessoa religiosa
incentivar o tipo de religião que ela aprova ou o tipo estimulado por um
humanismo social genérico e acordado pela sua comunidade? (KNELLER,
1966, p. 41).

Qualquer professor que pretenda ser sério em sua vida de trabalho tem de
responder a essas perguntas.
A lógica, outro tema muito debatido e explorado pela filosofia, também se
relaciona com a educação, na medida em que a tarefa de ensinar a pensar e raciocinar
se mostra como um grande desafio. A lógica pode ser classificada como lógica formal
e lógica dialética, a partir do seu uso como instrumento do conhecimento.
Etimologicamente, a palavra lógica vem do grego logos, que significa “palavra”,
“expressão”, “pensamento”, “conceito”, “discurso”, “razão”. A ela interessa “apenas

68
investigar a validade dos argumentos e dar as regras do pensamento correto. A lógica
é, portanto, uma disciplina propedêutica, é o vestíbulo da filosofia, ou seja, a
antessala, o instrumento que vai permitir o caminhar rigoroso do filósofo ou do cientista
(ARANHA, 1993).
Com base nas concepções que você viu, é possível estabelecer que os
objetivos da filosofia da educação com relação à formação do educador residem em:
 oportunizar a reflexão e a criticidade;
 promover práticas educativas que consideram a visão de mundo, as
experiências de vida e os conhecimentos acadêmicos do sujeito no processo de
ensino e aprendizagem;
 investigar quais problemas necessitam ser tratados a partir de uma
abordagem específica.
De acordo com Kneller (1966, p. 47):

A filosofia da educação guia a teoria e a prática de três maneiras: 1) ordena


as descobertas e conclusões das disciplinas relevantes para a educação,
incluindo as descobertas da própria educação, dentro de uma concepção
compreensiva do homem e da educação que se lhe ajuste; 2) examina e
recomenda os fins e os meios gerais do processo educacional; e 3) esclarece
e coordena os conceitos educativos básicos.

11.2 O cenário atual da educação brasileira

Antes de você refletir sobre o cenário atual da educação nacional, deve


conhecer um pouco da história dos principais pensamentos pedagógicos brasileiros.
Dessa forma, você vai compreender a influência dessas ideias nas práticas
contemporâneas.
Como você deve imaginar, os pensamentos pedagógicos brasileiros foram
influenciados pelas correntes filosóficas da educação que você viu nas seções
anteriores deste capítulo. Essas correntes nortearam o desenvolvimento da filosofia
da educação numa perspectiva mundial e, naturalmente, ofereceram subsídios
teóricos para determinados posicionamentos e práticas no Brasil. Em primeiro lugar,
você deve considerar o seguinte:

A educação no Brasil teve sua construção estruturada pela catequização dos


povos indígenas. Educação essa que, inicialmente, tinha como objetivo
primordial a transformação de condutas, focando na alfabetização ou nos

69
processos pedagógicos somente o necessário para o condicionamento de
novos comportamentos (CALEGARI, 2014 apud LIMA, 2018, p. 150)

Além disso:

Os jesuítas também inauguraram, no final do século XVII, a primeira


universidade no Brasil. Nesta, foram formados, durante os séculos XVIII e
XIX, novos sacerdotes, engenheiros e doutores (FRANCA, 1952). Em 1890,
a necessidade de criação de um curso normal superior foi defendida por
Caetano de Campos, no entanto tal proposta não se efetivou. Foi na década
de 1920 que Sampaio Dória idealizou a construção da faculdade de educação
para a formação de inspetores, diretores de escolas normais, ginásios e
grupos escolares, além de professores para escolas complementares.
Embora esse projeto tenha se tornado lei, ele não teve sua consolidação e
somente uma década depois, dentro da faculdade de Filosofia, é que a
trajetória do curso de Pedagogia teve seu início (VIEIRA, 2008),
coincidentemente em um momento histórico em que o mercado de trabalho
passou a se tornar mais exigente, sob a influência do panorama econômico
de países mais emergentes (LIMA, 2018, p. 150–151).

Com relação ao pensamento pedagógico brasileiro liberal:

Na década de 1930, quatro projetos de qualificação do Magistério se


afirmaram, entre eles o Instituto de Educação da Universidade de São Paulo,
criado por Fernando de Azevedo, em 1934, e a Escola de Educação da
Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em 1935, criada por
Anísio Teixeira (EVANGELISTA, 2002). No entanto, o golpe de Estado pôs
fim aos projetos que se referiam ao curso de Pedagogia como formador de
professores, consolidando a criação da Universidade do Brasil em 1937,
resultando, a partir desse projeto, na criação da Faculdade de Filosofia.
Nesse período, o curso se destinava à formação de quadros técnicos
administrativos para a educação e de professor para as escolas normais
(LIMA, 2018, p. 151).

Quanto ao pensamento pedagógico brasileiro progressista, destacam-se


iniciativas relacionadas à educação política versus a instrução. Conforme Gadotti
(2001, p. 248), “Paschoal Lemme [foi] iniciador do pensamento [...]. A tese central de
suas obras é que não há educação democrática a não ser em uma sociedade
verdadeiramente democrática”. Na mesma linha de pensamento pedagógico, Álvaro
Vieira Pinto defendia que:

[...] a educação implica uma modificação de personalidade e é por isso que é


tão difícil aprender. Ela modifica a personalidade do educador, ao mesmo
tempo em que vai modificando a do aluno, e ainda que a educação reflita a
totalidade cultural que a condiciona, é também um processo autogerador de
cultura (apud GADOTTI, 2001, p. 250)

70
Gadotti (2001, p. 253) destaca ainda, nessa perspectiva, as contribuições de
Paulo Freire, que sustenta uma “[...] concepção dialética em que educador e educando
aprendem juntos numa relação dinâmica na qual a prática, orientada pela teoria,
reorienta essa teoria, num processo de constante aperfeiçoamento”.

Fonte: https://www.tanaarea.com.br/

Rubem Alves (O prazer na escola), Maurício Tragtenberg (A educação


libertária) e Dermeval Saviani (A especificidade da prática pedagógica) também se
destacaram no pensamento pedagógico progressista. Saviane, conforme Gadotti
(2001, p. 264), “[...] destaca a necessidade de se elaborar uma teoria educacional a
partir da prática e de tal teoria ser capaz de servir de base para a construção de um
sistema educacional”. Ainda segundo Gadotti (2001, p. 268):

O traço mais original deste século, na educação, é o deslocamento da


formação puramente individual do homem para o social, o político, o
ideológico. A pedagogia institucional é um exemplo disso. A experiência de
mais de meio século de educação nos países socialistas é outro exemplo. A
educação deste fim de século tornou-se permanente e social.

Entretanto, mesmo com o desenvolvimento de diversas teorias, métodos e


subsídios conceituais formulados pelos grandes pensadores pedagógicos brasileiros,
a prática educativa e a educação em geral no Brasil ainda estão marcadas por ações
que não correspondem às necessidades presentes e tampouco aos resultados que
remetam a uma educação de qualidade.

Na boa medicina, os tratamentos e remédios são prescritos com base no que


diz a melhor pesquisa disponível. Por que, na educação, o ensino é baseado
em palpites e em tradição, em vez de se basear nas pesquisas existentes?

71
Esta parece ser uma das razões para o mau desempenho das escolas
(CASTRO, 2013, p. 17).

Para José Guilherme Merquior, citado por Castro (2013, p. 17):

[...] os problemas [no Brasil] são sempre apresentados de maneira abstrata,


principista e apriorista. Portanto, o coeficiente de análise empírica, de exame
concreto de realidades verificáveis é muito pequeno. [...] Falam de noções
abstratas [...] O resultado é que se restaurou no Brasil o estilo escolástico de
debate. Uma das melhores definições de escolástica como estilo retórico diz
que ela era uma maneira precisa de falar de coisas vagas.

Como você viu, diversos elementos filosóficos contribuíram para a construção


e o desenvolvimento de diferentes concepções pedagógicas e, consequentemente,
para a evolução e a formação do educador. Além disso, a filosofia ampliou as
possibilidades de práticas educativas a serem aplicadas. Entretanto, ainda há grandes
desafios para a promoção de uma educação brasileira de qualidade.

Fonte: https://www.upf.br/

12 FILOSOFIA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

Os meios de comunicação de massa e as mídias digitais influenciam a esfera


pública. Desde Platão, no século IV a.C., os filósofos pensaram de que forma as
informações circulavam na esfera pública. Mas foi principalmente no início do século
XX, com a ascensão do rádio e da televisão, que os filósofos passaram a se interessar
pelo impacto das mídias no destino político e social. Hoje, as principais reflexões

72
giram em torno da Internet, mídia que se consolida no final dos anos 1980 e já envolve
grande parte das ações cotidianas.
Nesta seção, você vai aprender um pouco sobre como a filosofia pode servir
para entender os problemas sociais da nossa época. Você vai focar em duas questões
bastante delicadas do nosso cotidiano: (1) os efeitos das mídias digitais sobre a
sociedade e (2) os dilemas éticos suscitados pelo desenvolvimento da tecnologia.
Certamente, esses dois assuntos se tocam, na medida em que, como
mostraram Adorno e Horkheimer (1985) na Dialética do Esclarecimento, os meios de
comunicação são produto de uma sociedade que produz tecnologia com o interesse
de expandir o seu poder sobre a natureza e sobre o ser humano. Isso quer dizer que,
se por um lado, podemos nos comunicar de forma cada vez mais rápida e eficiente,
por outro, esse poder coloca em questão a nossa responsabilidade perante os nossos
semelhantes e a natureza. Afinal, o clichê às vezes está correto: grandes poderes
trazem grandes responsabilidades.
A maioria das pessoas utiliza meios de comunicação poderosos como a internet
seguindo interesses pessoais específicos, sem necessariamente refletir sobre os seus
efeitos sociais mais amplos. Neste capítulo, focado em questões sobre ética e
tecnologia, você vai descobrir como a filosofia, desde Platão, no século IV a.C., já
pensava nesses problemas, que são tão antigos quanto a própria humanidade.

12.1 A filosofia e as mídias digitais

Quando a internet começou a se popularizar, na década de 1990, houve um


intenso esforço por parte dos intelectuais de todo o mundo para entender quais seriam
os seus efeitos sociais. Alguns otimistas julgaram que ela contribuiria para tornar a
nossa sociedade mais democrática; outros — mais realistas — chamavam a atenção
para os problemas sociais que poderiam ser causados pela facilidade com que as
informações poderiam ser disseminadas de forma irresponsável ou mal-intencionada.
Porém, esse debate entre otimistas e pessimistas não era exatamente novo. Toda vez
que uma mídia nova surge, os filósofos se perguntam quais serão as suas
consequências. No século IV a.C., Platão já se preocupava com os efeitos negativos
que a escrita causaria numa sociedade como a grega, na qual as informações
circulavam apenas oralmente.

73
Entretanto, foram a filosofia e a sociologia do início do século XX que mais se
empenharam em entender as mudanças causadas pelo aprimoramento técnico dos
meios de comunicação. Era bastante evidente para os estudiosos que o surgimento
dos mass media causariam um impacto direto, não apenas na vida cotidiana de cada
indivíduo, mas também no destino político das nações. Entre os problemas que
conduziram aos questionamentos filosóficos sobre os meios de comunicação de
massa destacam-se o uso da propaganda massificada por regimes autoritários
(nazifascismo, estalinismo, Estado Novo, etc.), o surgimento da cultura de massas
(cinema, rádio, televisão, propaganda, etc.) e a influência das mídias sobre a
educação e o comportamento dos cidadãos.
Como na maior parte dos casos de surgimento de novas tecnologias, a história
dos meios de comunicação de massa começa com boas intenções. Com o intuito de
facilitar a publicação de livros, Gutenberg inventou, no século XV, a imprensa de tipos
fundidos. Com essa máquina, cada vez mais pessoas passaram a ter acesso ao
conhecimento e à informação. Antes de Gutenberg, a maior parte dos livros eram
produzidos a mão. Assim, era preciso muito tempo e empenho para produzir cópias
de um mesmo texto e, por isso, o acesso ao conhecimento ficava restrito a uma parte
reduzida da população — notadamente, o clero e a nobreza (RUIZ, 1995).
A possibilidade de produzir textos de modo mais rápido e eficiente aumentou o
número de leitores e escritores. A demanda por entretenimento e informação gerou
uma nova indústria: editoras e jornais foram crescendo, escritores e jornalistas foram
se profissionalizando, e os periódicos — que antes eram mensais ou semanais —
tornaram-se diários. Com isso, o interesse pela expansão do público consumidor de
informação acabou contribuindo com a consolidação de uma população letrada: saber
ler e escrever deixou de ser um privilégio, tornando-se um direito de todos. Assim foi
se consolidando o conjunto de meios de comunicação a que hoje chamamos de
“imprensa”, em referência à máquina inventada por Gutenberg.
No início do século XX, o rádio tornou mais fácil ainda o acesso da população
à informação. Com um simples aparelho na sala, era possível ouvir direta e
instantaneamente em sua casa as palavras de ordem do líder de sua nação. Isso
ainda apresentava uma série de vantagens em relação ao texto impresso: a linguagem
oral não exige que os ouvintes sejam alfabetizados (o que significa que todos, sem
exceção, podem ser informados); as ondas de rádio AM viajam longas distâncias com

74
muita rapidez, fazendo com que as informações cheguem quase instantaneamente
de um lugar a outro; por fim, todas as pessoas podem se informar ao mesmo tempo,
não dependendo do atraso característico do jornal impresso (que só podia ser
comprado de manhã). As mesmas vantagens se aplicam à televisão, que a partir da
segunda metade do século XX passou a fazer parte do cotidiano do homem moderno
— sendo ainda um dos principais meios de entretenimento no mundo (RUIZ, 1995).
Em maior ou menor medida, o desenvolvimento das tecnologias de
comunicação buscou reduzir ao mínimo os limites físicos que o ser humano
experimenta, simplesmente por ser feito de carne e osso. Ignorando os limites do
tempo, as informações são cada vez mais instantâneas; ignorando os limites do
espaço, são cada vez mais ubíquas. Assim, o nosso poder sobre a natureza
aumentou, na medida em que a tecnologia nos torna capazes de realizar aquilo que o
nosso corpo não pode fazer por conta própria.

12.2 Mídias digitais e mobilizações sociais

No topo dessa cadeia evolutiva da tecnologia está a internet. Se antes se


demorava semanas ou até meses para enviar uma carta a um local distante, hoje
podemos conversar com qualquer pessoa do mundo em tempo real, desde que
tenhamos acesso à rede num computador com microfone e câmera. E isso ainda é só
um pouco do que a internet é capaz, já que hoje praticamente todas as nossas formas
de comunicação dependem, em maior ou menor medida, das mídias digitais.
Se, por um lado, as tecnologias dão cada vez mais poder de comunicação à
humanidade, por outro, nada garante que esse poder seja bem utilizado. Desde que
nasceram, os meios de comunicação de massa tiveram efeitos diretos sobre as
mobilizações sociais — sabemos o quanto Hitler se valeu dos mass media para fazer
propaganda do regime nazista, sob a orientação do seu ministro da propaganda
Joseph Goebbels. No Brasil, Getúlio Vargas criou a “Hora do Brasil” com intenção
parecida, ajudando a manter a ditadura do Estado Novo por 15 anos. Tamanho foi o
sucesso das propagandas nazifascistas sobre a população que os primeiros
estudiosos do fenômeno criaram uma teoria “hipodérmica” da comunicação,
conhecida também como teoria da bala mágica, que pressupunha um efeito quase
hipnótico da mídia sobre a população. Hoje sabemos que os meios não têm esse

75
poder absoluto sobre as ações dos indivíduos. No entanto, sabemos também que o
seu poder de sugestão não é pequeno.
Com a consolidação da internet como grande mídia do século XXI, as
mobilizações sociais ganharam novo escopo. O sociólogo francês Pierre Levy, em seu
livro Cibercultura (1999), acreditava que a grande vantagem da internet em relação
ao passado estava no seu caráter interativo. Isso significa que a internet é diferente
das mídias dos séculos anteriores por não supor um consumidor passivo. Enquanto
no modelo da imprensa, da tevê e do rádio os jornalistas e produtores decidem os
conteúdos que serão veiculados, na internet cada consumidor torna-se também um
possível produtor. Qualquer um pode publicar os seus escritos em um blog, escrever
comentários numa notícia, compartilhar uma opinião no Facebook, divulgar um vídeo
pessoal no YouTube. O otimismo de Levy (1999) o levou a dizer que isso tornaria a
sociedade mais democrática. A internet, fundada em práticas de troca generosas e
desinteressadas, encarnaria assim os próprios ideais da Revolução Francesa:
liberdade, igualdade e fraternidade (RUIZ, 1995).
Infelizmente, a inocência de Levy (1999) não dava conta de explicar toda a
realidade. Embora tenha havido experiências positivas em torno desse novo uso das
mídias digitais — como as revoltas no mundo árabe, que levaram à deposição de uma
ditadura —, nem todas as mobilizações sociais organizadas por meio digital têm
caráter democrático. Algumas inclusive têm tido um caráter bastante autoritário,
lembrando os tempos do nazifascismo — isto é, expressam o desrespeito à
diversidade e à livre discussão de ideias.

12.3 Fake News

O filósofo Marshall McLuhan (1974) previu, em meados do século XX, que o


progresso das tecnologias de informação nos tornaria cidadãos de uma “aldeia
global”. A sua ideia era que todos os habitantes do mundo — agora podendo se
comunicar com facilidade — compartilhariam os seus costumes e as suas ideias,
como os cidadãos de uma pequena aldeia. Hoje, depois que a internet tornou real
essa profecia de McLuhan (1974), vivemos num mundo globalizado. Mesmo morando
numa cidade pequena, distante dos grandes centros, nunca estamos completamente
isolados: as nossas ações aqui têm consequências diretas sobre os habitantes de lá.

76
O impacto disso sobre a cultura foi gigantesco: não só os hábitos das
populações de diferentes países tornaram-se bastante parecidos, como também os
gostos e as ideias. Já nem percebemos mais o quanto muitos dos nossos hábitos
cotidianos tiveram origem em lugares distantes. Por exemplo, o gesto simples de
cantar parabéns no dia do aniversário, diante de um bolo com algumas velas acesas,
e depois fazer um pedido ao apagá-las parece natural no Brasil, mas é na verdade um
costume surgido nos Estados Unidos, que já faz parte do repertório cultural de vários
países do mundo — inclusive no Oriente.
Nesse sentido, uma das maiores preocupações da filosofia atualmente tem sido
entender de que forma esse processo de homogeneização da cultura tem nos afetado.
Hoje, devido ao poder de comunicação das mídias digitais, a filosofia tem se
preocupado cada vez mais com os dilemas que envolvem a livre circulação de ideias.
Se, por um lado, é desejável defender o direito à liberdade de expressão conquistado
pelos iluministas, por outro, a produção desenfreada e irresponsável de conteúdos
tem entrado diretamente em conflito com o projeto de uma sociedade democrática.
Não conseguimos ainda encontrar um equilíbrio entre o global e o local, e muitas
vezes a mera vontade de exprimir um sentimento ou uma ideia numa mídia social
pode descambar para a violência, o autoritarismo e a negação sistemática das
opiniões diferentes. Nesse sentido, a tarefa de problematizar a nossa posição como
disseminadores de informação tornou-se urgente. Se quisermos de fato viver
harmoniosamente em sociedade, precisamos refletir criticamente sobre a nossa
responsabilidade como habitantes dessa “aldeia global” (RUIZ, 1995).
Um dos fenômenos que mais tem entrado em conflito com os interesses das
sociedades democráticas é a disseminação de notícias falsas na internet. Conhecidos
globalmente pelo termo inglês fake news, tais textos podem ser definidos como
notícias fabricadas ou inventadas por pessoas que têm algum interesse na sua
divulgação. Esses textos mantêm o mesmo formato visual e a mesma estrutura formal
dos textos jornalísticos, mas não são produto de um processo jornalístico de apuração
e verificação.
Antes da internet, não existiam tantos canais diferentes para se buscar a
informação como há hoje. Lia-se o jornal, assistia-se à TV ou ouvia-se o rádio; nesses
meios, a informação era produzida por jornalistas capacitados para apurar a
veracidade dos fatos. Os jornais impressos tinham interesse em vender notícias

77
confiáveis e imparciais, da mesma forma que um comerciante numa loja quer vender
um produto de qualidade para manter os seus clientes. Desse modo, criou-se uma
confiança muito grande nos meios de comunicação de massa: algo era considerado
verdadeiro se estivesse publicado no jornal, e tudo o que estava no jornal podia ser
considerado verdadeiro — foi daí que surgiu a expressão “preto-no-branco”, que
usamos até hoje para indicar confiança e veracidade (RUIZ, 1995).
Na era da internet, o monopólio dessas empresas de comunicação foi
desestabilizado. Com a possibilidade de produzir informações mais baratas, surgiram
empresas que flexibilizaram os critérios de apuração das informações. A concorrência
entre os antigos meios e a internet fez com que o investimento em produção de
notícias diminuísse e, com isso, perdeu-se boa parte da credibilidade que a população
tinha nelas.
Além disso, a facilidade e a velocidade do aceso à informação fez com que
houvesse cada vez menos tempo para apurar um fato ou refletir sobre um
acontecimento. O critério jornalístico de que a melhor notícia é a mais imediata fez
com que os textos da internet prezassem mais pela velocidade com que a informação
chega às pessoas do que com a qualidade da apuração. Assim, naturalmente, com
menor tempo gasto para a produção da notícia, a sua confiabilidade também é menor.
Embora as fake news tenham aparecido com mais intensidade atualmente, elas
não são uma novidade da era da internet. Na verdade, os historiadores dos meios de
comunicação sabem muito bem que a maior parte dos jornais nasceu em nome de
interesses políticos bastante precisos. O próprio Platão disse, ainda na Grécia Antiga,
que uma mentira contada por um rei seria útil, desde que servisse aos interesses da
cidade. Foi só no final do século XIX que surgiu o critério da objetividade no jornalismo,
justamente para combater o excesso de notícias falsas (RUIZ, 1995).
O que é próprio da internet, então? Os estudiosos têm mostrado que o maior
problema das atuais fake news é a velocidade com que uma notícia falsa é
compartilhada. Uma pesquisa norte-americana constatou que entre 9% e 15% dos
usuários do Twitter são bots, isto é, contas falsas. Constatou-se que a maior parte
deles produz conteúdo extremista ou politicamente radical, feito para ser rapidamente
compartilhado. Há também fortes evidências de que as eleições de 2016 nos Estados
Unidos foram influenciadas por essa prática.

78
Quantas vezes, antes de apertar o botão “compartilhar”, você de fato se
perguntou se a notícia é verdadeira? Ou se a fonte é confiável? Ou ainda se o jornal
que se responsabiliza pela notícia é uma empresa socialmente responsável? São
raras as pessoas que se preocupam com isso. O preocupante é que são essas
notícias falsas, criadas por pessoas com interesses eticamente duvidosos, que têm
conduzido o debate de ideias. Por isso, as fake news têm sido um desafio para a
filosofia contemporânea, especialmente aquela preocupada com a política e com a
ética. Ao que parece, estamos habitando um mundo em que os critérios para o que é
verdadeiro ou falso estão se alterando — e esse é, em larga medida, o problema
fundamental da filosofia desde Platão.

12.4 Sustentabilidade e desenvolvimento tecnológico

Desde a primeira Revolução Industrial, no século XVIII, o desenvolvimento


tecnológico acelerado e globalizado trouxe consigo uma série de problemas. No que
diz respeito à relação entre o homem e a natureza, a exploração dos bens naturais
muitas vezes levou à destruição irreparável de partes do planeta. No plano da
economia, o sistema de distribuição de riquezas capitalista intensificou a desigualdade
social, criando os problemas que hoje experimentamos na vida urbana. Quanto à
cultura, a globalização intensificou conflitos étnicos e raciais, que levaram à
perseguição de minorias em nome de um projeto pretensamente civilizatório.
O filósofo alemão Martin Heidegger (2001), em sua famosa conferência sobre
A questão da técnica, já apontava na década de 1940 para os dilemas éticos em torno
da forma predatória com que o homem moderno se relacionava com a natureza.
Heidegger (2001) dizia que o homem moderno, em sua soberba vontade de poder,
via a natureza não como sua “morada”, mas como algo a ser desafiado, domado,
possuído, estocado. Em vez de ver-se como membro e parte da natureza, o homem
se colocava como seu opositor; enquanto a técnica dos antigos buscava extrair o
sustento do homem, a técnica moderna visa acumular energia e poder.
Para explicar o seu raciocínio, Heidegger (2001) compara um moinho hidráulico
com uma hidrelétrica moderna. O moinho, com o intuito de moer o trigo, extrai as
forças da água sem alterar o curso do rio; a hidrelétrica, com o intuito de acumular
energia e produzir mais riquezas, destrói o ambiente, adequando-o à vontade

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humana. Assim, Heidegger (2001) afirma que, para o homem moderno, não é a
hidrelétrica que está no rio, mas é o rio que está na hidrelétrica. O que isso quer dizer?
Tudo se passa, para nós, como se fosse óbvio que o rio está ali para ser explorado.
A técnica moderna vê a natureza simplesmente como algo ao nosso serviço, à nossa
disposição; nós escravizamos a natureza, esquecendo que é graças a ela que somos
livres.
Aquilo que parecia uma ideia inovadora na época de Heidegger (2001) tornou-
se, a partir das décadas de 1970 e 1980, um dos principais debates sobre o
desenvolvimento tecnológico. Foi nessa época que se começou a dar importância
cada vez maior ao conceito de sustentabilidade. É provável que você já tenha ouvido
esse conceito. Ele indica uma nova forma de o homem se relacionar com o seu
ambiente, de modo a evitar os erros cometidos pelo consumismo desenfreado dos
séculos XIX e XX. Em 1987, o Relatório de Brundtlande, também conhecido como
Nosso futuro comum, apresentou ao mundo a conclusão de que os padrões de
consumo atuais eram incompatíveis com a manutenção do meio ambiente. Assim,
esse documento definiu o desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as
necessidades de uma geração sem colocar as necessidades das outras em risco
(RUIZ, 1995).
É por conta dessa reflexão que hoje a maior parte dos países tem buscado
conter o aspecto predatório do desenvolvimento tecnológico. Na verdade, a ciência
agora busca soluções mais inteligentes para manter o nosso modo de vida sem afetar
negativamente o meio ambiente e até mesmo o meio social. A busca por fontes de
energia renováveis tem sido uma das linhas de frente desse debate. Levando em
conta que grande parte da energia consumida do mundo tem origem em combustíveis
não renováveis (como o petróleo), se a ciência não encontrar outras saídas, haverá
um momento em que o atual modo de vida será impossibilitado.
Entretanto, a sustentabilidade não tem a ver somente com o meio ambiente,
como a maioria das pessoas pensam. As ações sustentáveis também visam a um
desenvolvimento social e econômico mais igualitário, que crie condições de vida
melhores para as gerações futuras — e isso envolve pensar na saúde, na segurança
e na educação daqueles que ainda estão por nascer. Não basta apenas salvar
espécies em risco de extinção, diminuir a emissão de gás carbônico ou cuidar para
que não se esgotem as nossas fontes de energia: é preciso também pensar nas

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interações humanas e nas instituições que criam o ambiente da vida social. Isso
envolve pensar questões mais “humanas”, como a violência urbana, a criminalidade,
os direitos fundamentais do homem, a igualdade social, as condições de trabalho, a
urbanização, a higiene, a vacinação... enfim, tudo aquilo que, a partir da interação
entre o homem e a natureza e entre o homem e a sociedade, gera um “hábitat” ou um
“ambiente”.
Heidegger (2001) lembra que os gregos antigos chamavam de ethos o “hábito”
de alguém, o seu modo de ser, de agir, de pensar — isto é, de “habitar” o mundo. A
palavra ética, que deriva de ethos, é a parte da filosofia que reflete sobre os modos
como nós podemos habitar a Terra. Portanto, podemos dizer que um mundo
sustentável é também um mundo ético, e é por isso que a sustentabilidade é uma
questão filosófica tão urgente.

Fonte: https://medium.com/

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