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Teologia Contemporânea

Brasília-DF.
Elaboração

Paulo Renato Lima

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário
Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade ÚNICA
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA................................................................................................................ 9

Capítulo 1
Panorama da teologia do século XX................................................................................ 9

Capítulo 2
Karl Barth e sua teologia.................................................................................................. 20

Capítulo 3
O Ceticismo exegético de Bultmann................................................................................ 27

Capítulo 4
Joseph F. Fletcher e sua ética situacional........................................................................ 31

Capítulo 5
Pentecostalismo................................................................................................................. 36

Capítulo 6
Teologia do processo, de Hartshorne........................................................................... 40

Capítulo 7
Teologia da evolução, de Chardin................................................................................. 47

Capítulo 8
Paul Tillich e a busca pelo Jesus histórico...................................................................... 51

Capítulo 9
A teologia sistemática de Pannenberg ............................................................................ 64

Capítulo 10
Teologia da libertação ..................................................................................................... 69

Capítulo 11
Teologia feminista e ecofeminismo de Ruether .............................................................. 80

Capítulo 12
Teologia da prosperidade ................................................................................................ 84

Para (não) finalizar...................................................................................................................... 91

Referências................................................................................................................................... 92
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Temos um hábito ruim de nos referirmos ao termo moderno como algo atual, pois
perdemos seu real propósito que é o descrever um período específico da história que
já ficou para trás, o qual basicamente data do ano de 1453 (marcado pela tomada de
Constantinopla) à 1789 (com a Revolução Francesa).

Portanto, atual mesmo é hoje e tudo o que é moderno é de antes de 1789, a partir
deste ano, precisamos sempre levar em consideração pensadores, ocorrências e demais
acontecimentos como passagens históricas, utilizando-se do termo: contemporâneo,
uma vez que contemporâneo sempre caminha o percurso juntamente ou proximamente
daquele que o vive historicamente no tempo.

Deste modo, são destes teólogos/Teologias que trataremos, algo em torno de dois
séculos para trás, até aqui. Tempos, portanto, que marcam a contemporaneidade. No
entanto, é importante notar que não é algo extremamente rigoroso, mas procuraremos
nos focar nestes termos para tratar da Teologia Contemporânea.

Posto isto, em primeiro lugar faremos um panorama geral do que falaremos e de algumas
Teologias que não abordaremos em nosso Caderno de Estudos. Depois passaremos
para as importantes concepções de Karl Barth, o qual a despeito de seus polêmicos
pensamentos, muitos o consideram o maior teólogo do século XX.

Trataremos do ceticismo exegético de Bultmann, bem como de Joseph F. Fletcher e


sua Ética Situacional. Passaremos pelo pentecostalismo e a Teologia do Processo de
Hartshorne. Não deixando de lado a questão evolutiva de Chardin e do ecofeminismo
de Ruether, o que incluirá sua Teologia Feminista.

Pannenberg e Tillich não serão olvidados, bem como falaremos da Teologia da Libertação
e da Prosperidade, mais em voga do que nunca na Teologia Contemporânea.

Para um material denso que envolve diversas áreas do conhecimento, faz-se necessária
essa dedicação. Veja também com atenção o item “Para (não) finalizar” ao final
deste material; ali também há diversos temas e figuras fundamentais, que também
são importantíssimos para as Missões Urbanas e Comunicação Transcultural, não
contemplados que poderão ser úteis para futuros estudos.

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Objetivos
»» Conhecer os principais pensamentos teológicos do cenário contemporâneo.

»» Estudar as Teologias de Barth à Bultmann.

»» Verificar a importância da Teologia e filosofia de Fletcher, Pannenberg e


Ruether.

»» Ter noções da Teologia da Evolução de Chardin e a Teologia do Processo


de Hartshorne.

»» Conhecer a busca de Tillich pelo Jesus Histórico.

»» Ter noções acerca dos pensamentos que envolvem a Teologia da Libertação


e da Prosperidade.

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TEOLOGIA Unidade
CONTEMPORÂNEA ÚNICA

Capítulo 1
Panorama da teologia do século XX

Brevidades históricas teológicas e filosóficas


Segundo Torres Queiruga (2003, p.62) “a verdadeira tarefa da Teologia é manter
viva e atuante a experiência da revelação”. O que é confirmado em I Coríntios 3, 10-11
“Porém veja cada um como edifica”, cita o apóstolo Paulo. “Porque ninguém pode lançar
outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” e Efésios (2.20) na qual
a igreja é edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo,
Cristo Jesus, a pedra angular”.

Comblin (2005, p.10) nestes termos, complementa que “no mundo globalizado o
encontro das religiões é inevitável. Mas, será que haverá realmente diálogo com as
religiões do mundo?” E, portanto, é preciso manter vivo o sentido da fé em Cristo
Jesus, mas abertos ao testemunho e às reflexões das demais sabedorias da humanidade
(MENDOZA-ÁLVAREZ, 2012).

Os avanços científicos e tecnológicos têm acarretado transformações em vários aspectos


da sociedade do século XXI. As características da pós-modernidade como a desintegração
moral, ética e, sobretudo, espiritual, o individualismo, a sociedade fechada para a vida
comunitária em um contexto culturalmente plural em que o homem se insere desafiando
as tradições religiosas, implicam na necessidade de novo paradigma capaz de propor a
salvação pela Graça de Deus mediante Jesus Cristo.

Cada período histórico/filosófico apresenta seus teólogos que buscam reinterpretar o


cristianismo conforme o recente modismo intelectual e cultural. Enquanto os liberais
do Iluminismo tiveram sua religião racional e crítica da Bíblia, os liberais românticos
apostaram em suas emoções, e os liberais existencialistas tiveram suas crises de
significação e “saltos da fé”.
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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Assim, o Iluminismo (século XVII ao XIX) rejeitou o cristianismo, mas afirmou a


princípio, a existência de Deus até que no século XIX, dissolveu-se o elo final com Deus.
O Modernismo caracterizado pela reflexão teológica dos filósofos abriu maior espaço
no sentido de preparar um caminho em direção aos anseios plurais do novo contexto
teológico e ao olhar solidário, e não solitário, ao “amor eficaz por todos e especialmente
pelos mais indefesos da sociedade” como ressalta Gutierrez (1985) em sua Teologia da
Libertação ou da Solidariedade.

No Modernismo, Charles Darwin argumentou que Deus não era necessário nem mesmo
para explicar a criação. A ciência poderia explicar tudo, o empírico sobrepôs ao racional
(só é real o que pode ser observado). Os românticos, em vez de crer como os deístas que
“Deus está longe e desinteressado”, criam que Deus está perto e intimamente envolvido
no mundo físico. “Deus é imanente à natureza e em nós mesmos. Alguns chegaram
a acreditar que Deus é idêntico com a natureza e o eu, rejeitando o Deus da Bíblia”
(VEITH, 1999, p. 18).

O Modernismo como fenômeno filosófico, caracterizado pela supremacia da razão humana,


provocou o rompimento da cosmovisão teológica da época, com o antissobrenaturalismo,
considerando a Bíblia como mitologia e o liberalismo teológico, pois somente o racional
devia ser aceito. A fé foi substituída pelo ateísmo ou pela religião natural. Já com o
pós-modernismo, na década de 1970, foi abalada a credibilidade das Escrituras como a
Palavra de Deus (GRENZ, 1997; MACKINTOSH, 2002; GOUVÊA, 2012).

Desta forma, esta nova realidade cultural e religiosa caracteriza-se pela abertura de
novos caminhos teológicos a partir do Concílio Vaticano II (11 out. 1962 a 8 dez.1965)
que deu início ao processo de abertura dialogal e a presença de uma perspectiva mais
positiva e otimista com respeito às religiões e a propósito do mistério de salvação. Na
declaração Nostra Aetate, (aprovada em 28 out. 1965) observa-se um relacionamento
respeitoso entre cristãos e não cristãos, relembrando as palavras do Papa João XXIII:
“Buscai primeiramente aquilo que une, antes de buscar o que divide”, e atestando às
religiões que “não raro refletem um raio daquela Verdade que ilumina todos os homens”
(COSTA, 1997, p. 339).

Diversos círculos teológicos e cientistas da religião têm se debruçado no quadro social e


religioso mundial para compreender os processos de abertura e de diálogo entre grupos
de tradições religiosas distintas:

O último concílio (Vaticano II) abriu caminhos fecundos para que a


teologia cristã possa aos poucos ser uma teologia relacional, que dialogue
de igual modo com outras teologias. O eurocentrismo da teologia cristã
vem aos poucos dando lugar a uma reflexão policêntrica que pode ser

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

terreno de fecundação mútua. O paradigma emergente do pluralismo


religioso busca conscientizar a todos que não existe uma teologia
universal, mas que todas as teologias devem dialogar entre si tendo como
objetivo final a plenitude humana (ASETT, 2003, p. 54).

Nesse sentido, a relação da igreja com as demais religiões não foi o foco principal do
Vaticano II; no entanto, devido às preocupações pastorais e ao momento contextual
no qual se situava, o Concílio aludiu sobre a questão religiosa. Segundo Gutiérrez
(1985, pp. 25-26), um dos grandes desafios que o Concílio teve que se defrontar foi o da
diversidade religiosa no mundo.

Assim sendo, não se deve subestimar a contribuição das escolas teológicas no


mundo moderno, pois estas influenciaram a Teologia Contemporânea a partir da
revolução teológica do século XIX com a Teologia existencialista, base filosófica do
pós-modernismo e base lógica para o relativismo contemporâneo, e que tem suas raízes
na filosofia de Immanuel Kant, o filósofo que mais influenciou a Teologia do século XX
(VEITH, 1999; SUSIN, 1999).

O pluralismo religioso na teologia do século XX


Por conseguinte, a Teologia do século XXI terá um novo paradigma que já vem
provocando uma profunda mudança na dinâmica da compreensão teológica no
tempo atual: a Teologia do pluralismo religioso e a prática do diálogo intercultural e
inter-religioso. Gouvêa (2012) comenta que o pós-modernismo (pós-kantiniano) busca
uma reinterpretação da ideia de uma sociedade pluralista. Hick (2004), um dos grandes
pioneiros da atual reflexão sobre a Teologia e o pluralismo religioso, é um dos principais
responsáveis pela hipótese da Teologia pluralista das religiões.

O pluralismo religioso lança um olhar reflexivo para as religiões e é uma realidade que
perpassa a reflexão teológica da atualidade. Essa realidade religiosa fez emergir duas
novas reflexões para a Teologia: o pluralismo religioso de fato (diversidade de tradições
religiosas existentes e movimentos religiosos) e o pluralismo religioso de direito (opção
teológica no sentido de valorizar todas as tradições religiosas que estão no desígnio
misterioso de Deus).

Segundo Geffré (2003) o homem contemporâneo, baseado na fé e tendo a inteligência


como instrumento para crescer na fé, deve ter a Bíblia como o pressuposto básico
para a construção de uma Teologia salvífica não considerando o pluralismo religioso
como ideologia que relativiza os valores absolutos e prejudica a fé da Igreja, fé que
é a “atitude pré-teológica na qual se realiza o trabalho da Teologia com validade”
(SUSIN, 1999, p. 98).

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Nessa linha, Haight (2003, p. 486) confirma que o pluralismo religioso não é ameaça
“nem para a cristologia nem para a consciência da fé cristã em geral. Pelo contrário,
integra o contexto atual para a reflexão sobre a realidade misteriosa de Jesus Cristo”.
Segundo o autor, o período compreendido entre o final do século XX e o começo do
século XXI é o Pós-moderno, quando desponta uma consciência do pluralismo em todos
os níveis de reflexão acerca da humanidade: “sua natureza, sua história, seu propósito,
seu Deus”.

Ainda neste contexto, Damen (2003) pontua que a atual Teologia das religiões
enquadra-se num paradigma “pluralista”, uma vez que todas as religiões participam da
salvação de Deus, “cada uma por si e a seu modo”. Assim, para o autor, não existe uma
única religião que esteja no centro do universo, mas a pessoa de Cristo está no centro
em todas elas, além da transcendência de Deus e a necessidade de revelação. Também
Vigil (2006, p. 64) afirma: “no centro está apenas Deus, e todas as religiões, inclusive
o cristianismo, giram ao redor Dele.” A plenitude escatológica do Reino de Deus é a
realização final comum de todas as religiões (CUNHA, 2006).

O pluralismo religioso como paradigma da Teologia partiu da concepção do teólogo


católico Claude Geffré (2013, p. 356), influenciado pelo teólogo alemão Paul Tillich
sobre “a acolhida da pluralidade das religiões e sua positividade no desígnio
misterioso de Deus”. A plenitude escatológica do Reino de Deus é a realização final
comum de todas as religiões. Uma perspectiva da Teologia do pluralismo religioso é
inseparável de um autêntico diálogo inter-religioso.

Panorama das Teologias do Século XX


Façamos um breve panorama do que abordaremos com algum cuidado adiante em
nosso Caderno de Estudos. Como não conseguiremos entrar nos detalhes de todos,
mas de alguns, veremos aqui um panorama resumido de modo mais geral, para que
depois, nos debrucemos nos que são mais marcantes à luz de pensamentos teológicos
contemporâneos.

Observa-se que entre elas como a neo-ortodoxia, há separação da fé cristã histórica em


seus conceitos básicos. Portanto, a partir da análise de Gonçalves (2010), que apresenta
várias escolas teológicas, e cita objeções e conclusões a elas, faz-se uma síntese dessas
vertentes do século XX:

»» Na Teologia Kantiana a verdadeira religião consiste em conhecer o que


se deve fazer para chegar a ser digno dela sem necessidade de aprendizado
bíblico. Deus é um ser incognoscível, um dilema para a Teologia Dialética

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

de Karl Bath, o teólogo de maior projeção, como vimos, dentro da Teologia


Contemporânea, bem como de outros teólogos contemporâneos.

»» Na Teologia Dialética ou do Paradoxo, Barth, um dos responsáveis


pela expansão do exclusivismo (fora da Igreja não há salvação Extra
ecclesiam nulla salus,), afirma que a natureza da revelação é um paradoxo:
Deus, o “Totalmente Outro”, é o oculto que se revela.

Barth transforma a Teologia do século XX em “teologia da crise”, defende


o Idealismo teológico, e cita que a leitura da Bíblia dispensa ouvir a Palavra
de Deus, mas é por meio dela, de maneira indireta, chega-se a Palavra de
Deus.

O paradoxo não é acidental na Teologia Cristã. “Ele pertence, em certo


sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A própria natureza
da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto que se
revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é
escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por
Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo
a Teologia Dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o
homem, ao encontrar a contradição do pecado e finitude humana, só
pode ser assimilada pela mente humana como sendo um paradoxo
(GONÇALVES, 2006).

Ainda temos, em Bultmann, a Teologia da Desmitologização (despojar


o Novo Testamento dos mitos e encontrar o Evangelho por detrás dos
Evangelhos).

»» Na Teologia da Desmitologização: Bultmann, apoiado nas ideias de


Heidegger e Hume, faz crítica formal à mitologia bíblica, não para negá-la,
mas para interpretá-la existencialmente. Porém, seu método crítico é
injusto com a natureza do Novo Testamento.

Cada Evangelho é um marco histórico de certos aspectos da vida de Cristo,


mas a crítica formal não reconhece a diversidade de transmissão oral
dentro da unidade dos relatos evangélicos. A Bíblia é apenas o produto
de antigas influências históricas e religiosas, e deve ser avaliada como
qualquer outra obra literária religiosa antiga. Esta Teologia é anticristã,
pois Deus é o centro e não o homem. Os teólogos modernistas procuram
“desmitologizar”, reinterpretar elementos mitológicos bíblicos no esforço
de tornar o cristianismo “agradável” à mentalidade do século XX.

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

»» Na Teologia da Heilsgeschichte (história da salvação), Cullmann


afirma que o Novo Testamento é a chave para a compreensão de si mesmo.

A revelação e a redenção divina estão baseadas em realidades históricas


objetivas e não em mitos levantados pela igreja como o relato bíblico da
criação e a segunda vinda de Cristo. Suas ideias exegéticas a respeito
das escrituras também são parte significativa de sua contribuição para a
Teologia, uma vez que esta é “uma ponta de esperança” para o pensamento
teológico contemporâneo.

»» Na Teologia da História, ou Teologia da Ressurreição, Pannenberg


expõe que a revelação de Deus não é compreendida pela fé, pois não
existe distinção entre história salvífica e história secular ou profana: os
atos salvíficos de Deus aconteceram e tem o seu lugar na história.

Cullmann reconhece o cristianismo histórico, pois construiu uma


Teologia sobre o alicerce da história. Seu sistema é mais ortodoxo que
o proposto pelos existencialistas. Sua Teologia é importante porque
ressalta ao mundo que a fé cristã é a única verdade universal e refuta a
ideia neo-ortodoxa de que a revelação só se transforma em verdade para
as pessoas por meio de uma aceitação pessoal.

»» Na Teologia Secular, Bonhorffer, Robinson, Cox e Buren defendem uma


Teologia naturalista, radical e contrária à Bíblia. É a essência da apostasia
do mundo para o homem moderno (ama a Deus e faça o que quiser).

Não deve haver distinção entre Igreja e mundo, pois o centro de interesse
não é a Igreja, mas sim o mundo e as suas necessidades; o Deus da Bíblia
é o Deus deste mundo. O cristianismo deve ser reconstruído sem Deus,
e Cristo é o paradigma da existência humana, mas não há espaço para
o Jesus salvador (confundem o serviço no mundo com serviço para o
mundo, uma vez que estamos no mundo para servir Nele, e não para
servir a Ele).

»» Na Teologia da Libertação, laica e prática, com ideais do marxismo


(libertação política, social e pedagógica), a moralidade é relativista e
pragmática, sendo justo empregar a violência contra a violência, pois os
fins justificam os meios (o amor para os oprimidos significa cólera contra
os opressores).

A tendência da Teologia cristã é polarizar história ou fé, mas nesta Teologia


“ou o marxismo, ou não somos cristãos” (não é preciso polarizar para ter

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

responsabilidade social). Há católicos e protestantes que representam o


pensamento desta Teologia. Contudo, destaca-se Leonardo Boff (1972)
para quem o evangelho hoje deve ter uma transcrição e aplicação política.

»» Na Ética Situacional um novo conjunto de valores é identificado


para o homem moderno (o fim justifica os meios). Fletcher defende o
pragmatismo, o relativismo, o positivismo e o existencialismo. Em virtude
de sua importância, destinamos um capítulo específico para ela.

»» Na Teologia (otimista) da Evolução, influenciada pelo darwinismo,


Cristo, por meio de um ato pessoal de comunhão, incorpora em si o
“psiquismo” total da terra, e o universo se autorrealiza Nele (evolução do
corpo orgânico de Cristo).

Esse movimento para o centro é o processo de amor, propriedade geral de


toda a vida, do “ser” com o “ser”. Da união do universo com Cristo dá-se a
deificação da criação (panteísmo, universalismo e macroevolucionismo).
A cristologia de Chardin transforma o Cristo da Bíblia em um “Cristo
cósmico” e não faz alusão à graça de Deus. Sua Teologia parte do
pressuposto de que o homem alcança sua verdadeira dignidade e plenitude
espiritual por meio do processo evolutivo, ideia contrária à doutrina da
graça, pois o aperfeiçoamento advém da comunhão com Cristo Jesus.

»» Na Teologia da Esperança, Moltmann cita que Deus está sujeito ao


processo temporal e neste processo, Ele não é plenamente Deus, porque
é parte do tempo que avança para o futuro que é a natureza essencial de
Deus, não absoluto, mas determinado pelo futuro. Deus não revela quem
ele é, e sim quem ele será no futuro. Desta forma, Deus está presente
apenas em suas promessas e na esperança.

Ele será Deus quando cumprir suas promessas e estabelecer o seu reino
(pois no presente ele sequer é Deus). Segundo Moltmann, toda Teologia
cristã deve modelar-se por meio da escatologia que para ele significa estar
aberta à liberdade do futuro. Sua Teologia fundamenta-se no marxismo que
centraliza no homem o qual observa o futuro e age na sociedade. O Reino
de Deus é “terrenal e tangível” e não “celestial”, e se introduz na terra pela
política e revolução. Entretanto, segundo o apóstolo Paulo, o Reino de
Deus é introduzido por meio da proclamação do poder salvador de Jesus
Cristo (ATOS 28, 30-31), e traz a paz, e não a guerra (ROMANOS 14, 7).

»» Na Teologia do Processo, Hartshorne cita que Deus não é um ser, e


sim uma força dinâmica por detrás da evolução, emerge em tudo (Deus

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

literalmente contém o universo - panteísmo). Esta Teologia aniquila a fé


que o crente tem em Deus e introduz uma divindade caricata, impotente,
panteísta e finita em Seu lugar.

»» Na Teologia do Ser, fronteira entre o liberalismo racionalista e a


Teologia existencialista, Cristo é o símbolo do “Novo Ser”, no qual se
dissolve toda alienação que tenta diluir a unidade do homem com Deus,
embora haja correlação entre os problemas do homem e a fé cristã.

Paul Tillich afirma que o Ser transcende à existência, nega a historicidade


dos fatos narrados no Novo Testamento, a ocorrência literal dos milagres
e o maior milagre do cristianismo, a ressurreição. Rejeita a Bíblia como
palavra de Deus, pois substitui a Palavra de Deus pela palavra do homem.
Entretanto, Mendoza-Álvarez (2012) ressalta que todos aqueles que
contemplam os mistérios não podem esperar abarcá-los de maneira
perfeita intelectualmente; ao contrário, quem contempla os mistérios da
salvação só pode se extravasar em louvor (ROMANOS 11, 33-36).

»» No Neopentecostalismo (falaremos no pentecostalismo em seu capítulo


específico), caracterizado pelo misticismo, pragmatismo e culto a Mamon
(termo de origem hebraica que significa dinheiro ou bens materiais),
Kenyon, Hagin, Edir Macedo entre outros, ressaltam a Teologia da
prosperidade: pobreza e enfermidade são características de uma vida sem
fé; a prioridade deveria ser “buscar as coisas que são do alto”.

Por tudo exposto, conclui-se que o modernismo trouxe graves consequências para
a Teologia e o Pós-modernismo trouxe novos perigos e desafios. O século XVIII
e o pensamento de Kant são protótipos da Teologia Contemporânea. Mas o
antropocentrismo teológico e o existencialismo, forte tendência na Teologia Contemporânea,
descaracterizam-se como proposta bíblico-teológica. Deus é a pessoa central para quem
todas as coisas convergem, e não o homem (ROMANOS 11.36).

A Teologia de Barth é importante para o século XX, pois sua Teologia dialética influência
o cenário teológico contemporâneo. Quase todo o pensamento teológico moderno até a
década de 1970 envolve a perspectiva de Barth.

Tanto a influência do movimento filosófico do modernismo quanto do movimento


filosófico do pós-modernismo representam desafios para a Teologia do século XXI. A
crise da modernidade definida pelo Papa Bento XVI como “uma ditadura do relativismo”
não pode destruir os pressupostos fundamentais da fé na Bíblia, Palavra de Deus:
“Porque a Palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta
para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (HEBREUS 4, 12).

De acordo com Mendoza-Álvarez (2012), no século XVIII o Iluminismo desafiou a


síntese bíblica que havia dominado a cultura ocidental. No século XIX predominou o
Romantismo e o Materialismo Científico. No século XX o marxismo, o positivismo e
o existencialismo. Neste início de século XXI, cinquenta e três anos depois do final do
concílio Vaticano II, a questão do pluralismo religioso vai ganhando um terreno sempre
mais decisivo na Teologia Cristã e no contexto vital dos cristãos.

Geffré (2003, p. 93) afirma que “há teólogos que dizem que este pluralismo será o
grande horizonte da Teologia neste novo século”.

Teixeira (2012) comenta que para muitos contemporâneos, tanto o paradigma


do exclusivismo, crer que a salvação não existe fora do cristianismo (que vigorou
oficialmente na Igreja Católica e praticamente em sua reflexão teológica até o Concílio
Vaticano II), quanto o paradigma do inclusivismo, modelo para a Teologia em meados
do século XX, fundamentado na Teologia do “acabamento” ou a da presença de Cristo
nas religiões, obstaculizam o entendimento entre as religiões. Portanto, buscam uma
“Teologia pluralista das religiões”.

Küng (2001, p. 103) alerta que, diferentemente de Vigil (2006), somente o


“ecumenismo inter-religioso” poderá assegurar a paz, pois “não haverá paz no mundo
sem paz entre as religiões”. Contudo, este tipo de pensamento não é compartilhado
por grande parte dos teólogos. Sendo o próprio Hans Küng e sua Teologia mal quista
pelas católicas Eugenia Roccella e Lucetta Scaraffia em Contra o Cristianismo a
ONU e a União Europeia Como Nova Ideologia (2014).

Em meio às diferentes correntes teológicas, entende-se que a Teologia deste novo


milênio terá como alicerce a crença na presença real de Cristo que prometeu a
vinda do Espírito Santo, morreu na cruz e ressuscitou (se Cristo não ressuscitou,
é vã a nossa fé (1Cor. 5, 14-17)). É a partir de Jesus Cristo que se traça a meta
histórico-escatológica. Desta forma, a ação da cristandade está na profunda
identificação com o ser de Jesus Cristo como afirma Boff (1972, p. 228): “todo cristão
deve perseguir o exemplo da consumação do Cristo que se refaz da morte de cruz em
vida nova e abundante”.

O homem contemporâneo busca uma fé para viver. Damasceno (2007, p. 268) cita que
a fé é a chave para todas as coisas, o elo que une o homem a Deus, por meio do sangue
precioso de Jesus. “Se não se pode crer no sacrifício de Jesus, não se pode crer em Deus,
pois Ele está no filho como o filho n’Ele está”.

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Movido pela fé o homem terá um novo olhar sobre a verdade exposta nas Escrituras
para compreender o plano de Deus. A Teologia Contemporânea está ligada ao kerigma
evangélico fundado na fé em Jesus Cristo. Entretanto, o homem não deverá deixar
que o egoísmo, o orgulho, a vaidade e a “falsa sabedoria” sobreponham à humildade,
mas buscar a misericórdia de Deus e o conhecimento do real sacrifício de Jesus.

Teologicamente, especialmente no Argumento Ontológico de Anselmo de


Cantuária, afirma-se que Deus é sempre maior do que qualquer compreensão ou
realidade humana. Age livremente, em especial na ação salvífica. Por isso, há que se
buscar outro caminho, mas não repetindo os erros do passado, não rejeitando o que
pode ser aproveitado e não privilegiando os “modismos teológicos”.

Buscar uma nova via a fim de repensar e preservar a tradição teológica à luz da
contemporaneidade, em um verdadeiro “ressignificar teológico”, é o que realmente
preocupa a reflexão teológica contemporânea (ALEXANDRE, 2015).

Olhar para os erros das Teologias do passado e construir a Teologia do futuro, tendo
a Bíblia como pressuposto básico, constitui tarefa séria diante das instituições e da
sociedade. Não obstante, reconhece-se que a tarefa não é fácil para concretização dos
desafios que se apresentam no novo milênio. Porém, o maior desafio é saber anunciar o
Evangelho de Jesus Cristo e buscar relações com as demais religiões.

Contudo, somente haverá perspectivas de futuro para a humanidade se movida na fé em


Deus que é Amor. Gouvêa (2012) diz que “quando todas as palavras humanas estiverem
esquecidas nas areias das civilizações derribadas, o Verbo de Deus permanecerá. A tua
palavra é a verdade” (JOÃO 17,17).

O resultado desse intenso diálogo teológico possibilita repensar uma questão complexa:
há necessidade de muita reflexão no que tange aos futuros debates teológicos, porque
surgirão posturas diversas em relação a vários pontos doutrinários e seus expoentes
as considerarão “únicas e verdadeiras”. E essas diversas posturas, querendo ou não,
serão influenciadas e influenciarão àquelas que virão, uma vez que “ninguém escapa às
influências de seu tempo”.

Como afirma Mendoza-Álvarez (2012, p. 12):

A contemporaneidade pode ser uma grande oportunidade para


voltar às fontes das grandes tradições sapienciais e espirituais da
humanidade. Alguns falam de retorno da religião; outros, de regresso da
espiritualidade. Eu prefiro dizer que se trata da humanidade altamente
sensível à esperança.

18
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Percebe-se que há um alargamento do horizonte teológico, contudo, considerando


os aspectos positivos e negativos das escolas teológicas do século XX, há também
necessidade de avaliação segura de seus fundamentos filosófico-teológicos, o que
requer discernimento e sabedoria para separar “o joio do trigo”, excluindo Teologias
antibíblicas e nocivas à fé cristã para a Teologia do século XXI.

19
Capítulo 2
Karl Barth e sua teologia

Origem
O teólogo protestante suíço Karl Barth (1886-1968), um gigante da história do pensamento
cristão, iniciou o que se tornou o movimento dominante na Teologia Protestante até o
presente.

Ele nasceu em 10 de maio de 1886, em Basileia, sendo ele o filho mais velho de
um ministro suíço reformado. Criado em uma atmosfera de piedade evangélica e
aprendizagem teológica, Karl decidiu aos 16 anos se tornar um teólogo. Entre 1904 e
1908, foi educado nas universidades de Berlim, Tübingen e Marburg e estudou sobre os
principais especialistas religiosos protestantes do dia.

Em 1908, Barth foi ordenado pelo ministério suíço reformado. Ele então serviu como
pastor de congregações em Genebra (1909-1911) e na aldeia de Safenwil (1911-1921).
Em 1913 Barth casou-se com Nelly Hoffman, e eles tiveram três filhos e uma filha.

Pensamentos teológicos
Educado nas abordagens protestantes liberais do cristianismo, no começo de sua carreira,
Barth ficou preocupado com o fácil casamento do liberalismo entre o cristianismo e a
modernidade excessivamente confiante. O apoio acrítico da Primeira Guerra Mundial
pelos principais intelectuais alemães, incluindo alguns dos professores de Barth, no
entanto, expôs irrevogavelmente para ele a falência da antropocêntrica visão religiosa
do liberalismo.

Diante da tarefa de pregar cada semana, Barth voltou-se os olhos para a Bíblia e
descobriu o que ele chamaria de “mundo estranho e novo”. Em 1919, seu explosivo
Comentário sobre a Epístola aos Romanos “catapultou” o pastor desconhecido à
proeminência teológica internacional.

Fortemente influenciada pelo pensador religioso recentemente descoberto do século


XIX, Søren Kierkegaard (1813-1855) – um dos mais notáveis filósofos de todos os
tempos, mas com uma vida muito curta –, enfatizou a “diferença qualitativa infinita”
entre Deus e o homem.

20
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

De acordo com o próprio testemunho da Bíblia, dizia Barth, a revelação é inteiramente


a auto divulgação graciosa do Deus completamente transcendente e oculto na pessoa
de Jesus Cristo. Essa revelação é a crise ou julgamento de todas as atividades humanas,
incluindo a religião.

Barth recebeu um convite para se tornar professor de Teologia Reformada na


Universidade de Göttingen na Alemanha, onde permaneceu de 1921 a 1925. Durante
esse período, a compreensão de Barth sobre a natureza e o método da reflexão teológica
cristã se tornou a posição madura de sua monumental Igreja Dogmática.

Nestes primeiros anos, o movimento teológico que Barth havia iniciado, foi mudando
de nomenclatura: “Teologia da Palavra”, “Teologia da Crise”, “Teologia Dialética”,
“Teologia da Neorreforma” e “Neo-ortodoxia”, atraídos em diferentes graus homens
que, com ele, se tornaram os principais teólogos protestantes deste século. Entre
eles estavam Emil Brunner, Rudolf Bultmann, Dietrich Bonhoeffer, Paul Tillich e
Friedrich Gogarten.

Sua teologia tardia (1931-1968)


Barth assumiu a liderança desses protestantes na Alemanha (em Bona ou Bonn)
que se opunham ao Partido Nacional-Socialista ou Nazista em ascensão. Depois que
Hitler chegou ao poder, Barth serviu como o principal redator da Declaração de
Barmen da Igreja Confessante Antinazista (1934), uma confissão de fé que repudiava
vigorosamente a ideologia nazista com base no Evangelho. No ano seguinte Barth foi
expulso da Alemanha. Ele retornou ao seu país natal e foi professor de Teologia na
universidade até sua aposentadoria em 1962.

Os numerosos escritos de Barth depois de 1931, além dos sucessivos volumes de


Dogmatics da Igreja, incluem:

»» Credo (1935), que comenta sobre o Credo dos Apóstolos.

»» O Conhecimento de Deus e o Serviço de Deus (1938), que é um bom


exemplo da importante recuperação de Barth dos insights teológicos
vitais da Reforma Protestante.

»» Dogmatics in Outline (1947), que resume sua Teologia.

»» Against the Stream (1954), que inclui alguns ensaios controversos sobre
a guerra fria, descrevendo o comunismo em termos teológicos muitos
diferentes do nazismo.

21
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

»» Teologia evangélica: uma introdução (1963), que contém as palestras


que ele deu nos Estados Unidos durante sua única visita, em 1962.

Uma palestra que Barth entregou em 1956 intitulada “A humanidade de Deus”


(publicada em Humanity of God [1960]) descreve melhor o desenvolvimento que teve
lugar em sua Teologia.

Ele havia começado com a “alteridade” de Deus como o tema bíblico que mais precisava
de atenção; mas a direção de sua Teologia foi para uma concentração profunda
em Jesus Cristo como a revelação completa de Deus e, portanto, o único objeto do
pensamento teológico.

Com isto, Barth entendia cada vez mais que o tema central da Escritura é a “união” do
Deus soberano e o homem criativo em Cristo –, em outras palavras, a “humanidade” de
Deus na Encarnação.

A “revolução” teológica de Barth foi uma recuperação dinâmica e não fundamentalista


da mensagem bíblica como a proclamação da auto divulgação única de Deus para o
homem em Jesus Cristo.

Ele acreditava que a Teologia Cristã deveria sempre derivar todo o seu pensamento
sobre Deus, o homem, o pecado, a ética e a sociedade, do que pode ser visto em Jesus,
como testemunhou o Antigo e o Novo Testamento, em vez de fontes independentes desta
revelação. Seus escritos volumosos exploram as implicações inesgotáveis ​​e frutíferas de
sua total centralização de Cristo.

Idolatria fascista e a questão nazista


Barth lutou não apenas com os liberais, mas com aliados que desafiaram algumas
de suas conclusões extremas. Quando Emil Brunner propôs que Deus se revelou não
apenas na Bíblia, mas também na natureza (embora não de maneira salvadora), Barth
respondeu em 1934 com um artigo intitulado Não! Uma resposta a Emil Brunner.

Barth acreditava que tal “Teologia Natural” era a raiz do sincretismo religioso e do
antissemitismo dos “cristãos alemães” – aqueles que apoiaram o socialismo nacional
de Hitler.

Por essa altura, Barth estava imerso na luta da igreja alemã. Ele foi um dos fundadores da
chamada Igreja Confessante, que reagiu vigorosamente contra a ideologia do “sangue
e do solo” e a tentativa dos nazistas de criar uma igreja “cristã alemã”. A Declaração de
Barmen de 1934, em grande parte escrita por Barth, colocou a revelação de Jesus Cristo
contra a “verdade” de Hitler e do socialismo nacional.
22
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Quando Barth se recusou a prestar juramento de fidelidade incondicional ao Führer


(líder em alemão, termo o qual era usado para se dirigir a Hitler), ele foi demitido.
Foi-lhe oferecida a cadeira de Teologia em sua base na Basileia, no entanto, foi a partir
daí que ele continuou a defender as causas da Igreja Confessante, dos judeus e das
pessoas oprimidas em todos os lugares.

O pastor Karl
Após a guerra, Barth participou de controvérsias sobre o batismo (apesar de ser um
teólogo reformado, ele rejeitou o batismo infantil), hermenêutica e o programa de
desmistificação de Rudolf Bultmann (que negava a natureza histórica da Escritura, em
vez disso acreditava que era um mito cujo significado poderia curar espiritual ansiedade,
mas iremos trabalhar melhor ele no capítulo que lhe é próprio).

Barth também fez visitas regulares à prisão em Basileia e seus sermões aos prisioneiros,
Libertação aos Cativos, revelam sua combinação única de paixão evangélica e
preocupação social que caracterizou toda a vida dele.

Embora Barth tenha tornado possível para os teólogos novamente levar a Bíblia a
sério, os evangélicos norte-americanos foram céticos de Barth porque ele se recusou
a considerar a Palavra escrita “infalível” (ele acreditava que só Jesus era). Outros
renunciaram à Teologia de Barth, porque enfatizaram demais a transcendência de
Deus (a tal ponto que alguns ex-Barthians começaram a defender a “morte de Deus”).
No entanto, ele continua a ser o teólogo mais importante do século XX.

A Teologia de Barth

O Deus trino
Barth propositadamente colocou a Trindade no início de sua Igreja Dogmática – ao
contrário do que fez Friedrich Schleiermacher, que colocou a Trindade no final de
seu trabalho sistemático, The Christian Faith (1821, rev. 1830) –, significando sua
importância e centralidade para a exposição e proclamação da Teologia.

Desde Barth, os teólogos protestantes encontraram um novo interesse pela questão da


Trindade (talvez como nos tempos de Agostinho), e a Teologia Contemporânea viu que
ele voltou à vanguarda do método dogmático e teológico.

Palavra de Deus tripla


Barth manteve o que é conhecido como a Palavra de Deus tríplice. Em outras palavras,
(I) a pregação (ou proclamação), (II) a Escritura e (III) a revelação são consideradas
23
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

três formas diferentes, porém unificadas, da Palavra de Deus. A analogia de Barth foi a
própria Trindade.

Não há distinção de grau ou valor dentre estas três. Pois, na medida em que a
proclamação realmente se baseia na lembrança da revelação atestada na Bíblia e,
portanto, é a obediência da repetição do testemunho bíblico, não é “menos Palavra de
Deus” do que a Bíblia.

E na medida em que a Bíblia realmente atesta a revelação, não é “menos Palavra de


Deus” que a própria revelação. Já à medida que a Bíblia e a proclamação se tornam
Palavra de Deus em virtude da realidade da revelação, eles são a Palavra de Deus: a única
Palavra de Deus dentro da qual não pode haver nem mais nem menos. Nem devemos
tentar entender, de acordo com os pensamentos de Barth, as três formas da Palavra de
Deus isoladamente.

Pregação

Para Barth, a verdadeira proclamação significa que a Palavra de Deus “pregou” e,


Palavra de Deus pregou significa a conversa do homem sobre Deus com base na direção
de Deus, que transcende fundamentalmente toda causalidade humana, e que não pode,
dessa forma, ser colocada em uma base humana, mas que simplesmente ocorre, e deve
ser reconhecida, como fato.

O argumento de Barth é que a pregação pode tornar-se a Palavra de Deus não por causa
de algo que fazemos, mas de acordo com a direção de Deus. Assim, a Palavra de Deus é
livre e não é algo controlado ou possuído pela igreja.

Eleição

Uma das características mais influentes e controversas da Igreja Dogmática de Barth


foi a doutrina das eleições. Um fio da tradição reformada, após a interpretação de seu
pensador mais influente, João Calvino, defendeu a chamada dupla predestinação:

I. Deus escolheu alguns humanos para a salvação por meio de Cristo; e.

II. Outros por condenação.

Esses grupos às vezes eram chamados de “eleitos” e “reprovados”. Essa escolha (ou
eleição) foi feita por Deus e foi o resultado de seu “decreto absoluto”, uma decisão
misteriosa e fundamentalmente inescrutável que, apesar de ser uma decisão de
consequência final para o ser humano, era fundamentalmente inacessível e incognoscível

24
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

para ele. Deus escolheu cada pessoa para ser salvo ou condenado com base na vontade
divina, e era impossível saber por que Deus escolheu alguns e não outros ou se Deus
havia eleito ou rejeitado (CHAMPLIN, 1997).

A doutrina da eleição de Barth envolve uma firme rejeição da noção de decreto absoluto.
De acordo com sua metodologia cristocêntrica, Barth argumentava que atribuir a
salvação ou a condenação da humanidade a um decreto abstrato e absoluto é tornar
parte de Deus mais definitiva do que o ato salvador de Deus em Jesus Cristo.

O decreto absoluto de Deus, se alguém pode falar tal coisa, é a graciosa decisão de Deus
de ser “para” a humanidade na pessoa de Jesus Cristo (Barth chamava isso de o “Sim”
de Deus).

Com a tradição Reformada anterior, Barth retém a noção de dupla predestinação, mas
ele faz de Jesus simultaneamente o objeto e sujeito da eleição divina e da reprovação:
Jesus encarna a eleição de Deus da humanidade e a rejeição de Deus ao pecado humano.
Ele é o Deus eleitoral e o eleito. Como Deus eleito, Jesus elege toda a humanidade em si
mesmo. E assim, como o homem eleito, todos os que estão “em Cristo” são eleitos nele.
Não se acredita que os não crentes simplesmente não perceberam ou reconheceram sua
eleição em Cristo.

Enquanto alguns consideram esta revisão da doutrina da eleição como uma melhoria
na doutrina calvinista da dupla predestinação, os críticos acusaram que o ponto de vista
de Barth equivale a um universalismo implícito.

Universalismo?

Barth também foi criticado por sua alegada crença no universalismo, no entanto, o
próprio Barth observou que a insistência na necessária salvação universal impunha a
liberdade de Deus e sugeriu que era além do dever da igreja especular sobre o assunto
(CHAMPLIN, 1997).

Para Barth, então, não podemos afirmar nem negar a possibilidade de que todos sejam
salvos. Então o que nós podemos fazer? A resposta de Barth é clara: podemos esperar,
tão somente.

Apologética

A Teologia de Barth nega a necessidade da apologética. O Evangelho para ele, não é


uma verdade entre outras verdades. Em vez disso, ele coloca um ponto de interrogação
contra todas as verdades.

25
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

O Evangelho não é a porta, mas a dobradiça. O homem que apreende o seu significado é
removido de todas as contendas, porque ele está envolvido em uma disputa com o todo,
mesmo com a própria existência. A ansiedade quanto à vitória do Evangelho - isto é,
Apologética cristã – não tem sentido, porque o Evangelho é a vitória pela qual o mundo
é superado.

Ele [o Evangelho] não requer representantes com um senso de responsabilidade, pois


é tão responsável por quem proclama como é para quem é proclamado. É o advogado
de ambos. Deus, portanto, para Barth, não precisa de nós. Na verdade, se Ele não
fosse Deus, Ele ficaria envergonhado de nós. Nós, de qualquer forma, não podemos
envergonhar-nos dele.

Acerca de tudo o que vimos, Gonçalves (2006) finaliza:

Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por


uma prática religiosa em que os valores evidenciam a religiosidade do
cristão, ele jamais conseguiu se libertar completamente do liberalismo
teológico de seus mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se contra
o liberalismo teológico, argumentou contra ele, mas não pode livrar-se
de seus pressupostos. Tal como Kant, Barth confina Deus ao mundo
dos números e apresenta a dialética – a teologia do paradoxo – como
sendo à única teologia possível. Ele exclui a razão a priori e deixa a porta
fechada à percepção humana. Sua teologia é de suma importância para o
século vinte e, de fato, quase todo o pensamento teológico moderno até
a década de setenta envolverá a perspectiva de Barth. Podemos aceitar
seus pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum teólogo de
nossa época poderá jamais ignorar a teologia dialética de Karl Barth e
sua influência no cenário teológico contemporâneo.

26
Capítulo 3
O Ceticismo exegético de Bultmann

Rudolf Bultmann (1884-1976) e a Exegese


Bíblica Cética
Rudolf Bultmann dificilmente se nota nos estudos bíblicos de hoje. Os titulares modernos
de versões de suas ideias (o Seminário de Jesus, por exemplo) tomaram grande parte
das obras que ele realizou uma vez que, enquanto ele não era o “pai” da exegese
bíblica cética/liberal moderna, pode-se dar-lhe crédito por ser o que sistematizou e
popularizou esta para o início do século XX.

Isso não quer dizer que ele não tenha seus admiradores hoje. Uma pesquisa de literatura
positiva mostra que ele tem alguns, e alguns ficam bastante entusiasmados quando
falam sobre ele.

Ele assumiu grandes riscos ao defender as tentativas nazistas de fazê-lo de modo que
apenas os arianos pudessem ser ministros – ninguém pode duvidar de que ele era, em
muitos aspectos, um homem sincero e com fortes princípios que defendia valentemente.
Pois mesmo com diabólicos como estes, ele era firme dentro de suas concepções teológicas.

Aqui podemos até fazer uma aproximação com Martin Heidegger (1889-1976).
O “grande” filósofo contemporâneo que é muito citado e pouco compreendido
em função de todos seus jargões filológicos complexos – pois há uma cultura
geral que é bastante influente: “se não entendo, é bom”. Parece que quanto
menos se entende um discurso, mais palavras e termos difíceis são usados, mais
o interlocutor é bem quisto. Isto é no mínimo, estranho.

Mas retomando a ponto entre ambos. Quando Heidegger se volta contra a


tradição do subjetivismo na Filosofia até chegar ao Totalitarismo no séc. XX –
ou seja, da razão individual que enxerga todo o universo histórico e cultural
e, portanto, passa-se a um entendimento que se pode administrá-lo – ele na
verdade está usando o ego cartesiano, “acertando” o ego real/concreto de Duns
Scot (1266-1308).

O Princípio de individuação perpassa toda a criação e não há nada que


esteja fora dele. Para Heidegger, portanto, o Princípio de Individualização de
Duns Scot estaria radicalizado em Descartes, e teria se transformado em uma
filosofia integral da realidade em Leibniz. Fundamentando, então, a ideia de

27
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

um universo que fosse totalmente transparente a uma individualidade. Sendo


que esta individualidade poderia, por meio do conhecimento universal que tem,
administrar totalmente o mundo, então daí surge o totalitarismo que aparecia
exatamente como o último fruto do individualismo e do subjetivismo
moderno.

Para Heidegger tudo isso é a mesma coisa, o ego de Descartes é o mesmo que o
ego de Scot. Quando se joga todo o individualismo fora, sobra a individualidade
coletiva (volks geist): isto é, a nação alemã, o nazismo.

A bravura de Bultmann de modo algum prova que sua ideologia estava correta, não
mais do que a bravura de Gandhi prova o hinduísmo. Um admirador de Bultmann diz
que, embora possa ser legítimo criticar Bultmann por sua Teologia e exegese, não é
apropriado dizer que ele não era cristão.

Bultmann obteve suas ideias de um certo ceticismo histórico radical que estava
na moda nos séculos XVIII e XIX – numa época em que o mesmo tipo de pessoas
declaravam que todas as obras de Tácito e Plínio eram falsificações “por atacado”.

Não há dúvida de que os judeus consideravam que Deus era soberano, e isso, obviamente,
levou ao idioma de atribuição, já que, mesmo que Deus não faça nada, Sua soberania é
tal que não fazer nada é uma expressão de Seu poder; ainda assim, os críticos parecem
pensar que os judeus acreditavam que Deus soltou cada “gota de chuva” pessoalmente
e diretamente.

Pode ser que Bultmann não tenha chegado ao fanatismo, pois não há provas de que
tenha visto isso; mas ele aceitou sem criticar o pensamento daqueles que o precederam,
e isso foi o suficiente para estabelecer as bases para o que se tornou seu método de
crítica de formas.

Filosoficamente, grande parte do pensamento de Bultmann pode ser atribuído a uma


forma de pensar chamada Existencialismo. É essa maneira de pensar que, em última
instância, levou aos dois últimos dos três métodos Bultmann que discutiremos a seguir.

O Existencialismo é um termo abrangente para aqueles filósofos que consideram a


natureza da condição humana como um problema filosófico chave e que partilham
a opinião de que este problema é melhor abordado por meio da Ontologia.

Os filósofos que são considerados existencialistas são principalmente do


continente europeu, e datam a partir do século XIX e XX. Fora da Filosofia
(abarcando a Teologia, portanto), o movimento existencialista é provavelmente
o movimento filosófico mais conhecido, e pelo menos dois de seus membros

28
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

estão entre as personalidades filosóficas mais famosas e autores filosóficos


amplamente lidos. Tal como Nietzsche e Sartre, mas há também Heidegger
(como falamos anteriormente sobre seu totalitarismo, e Kierkegaard, único
cristão nesta história toda).

Mistura de classificação literária com pressupostos


naturalistas: a realidade hoje

De modo arbitrário, Bultmann misturou a classificação literária com alguns pressupostos


naturalistas e dividiu histórias bíblicas em gêneros – e se ele parasse ali, tudo teria sido
bom; mas ele passou a assumir que cada história poderia ser examinada dentro do
gênero e que podíamos deduzir estágios em formação para verificar a autenticidade de
uma história. Isto é uma falácia (BULTMANN, 1963).

Para piorar, dentre suas heresias, Bultmann afirmava que os evangelhos são documentos
baseados na fé; o que eles relatam, portanto, não pode ser confiável.

O porquê isto nos é importante, afinal? Pelo fato de que Bultmann retrata uma
realidade atual, ou seja, muitos que se dizem teístas sequer acreditam nas consistências
bíblicas, o que significa dizer que este “teólogo” representa muitas vozes.

Além disso, para ele, existe a suposição de que a igreja escreveu os Evangelhos
para atender às necessidades: se a igreja tivesse uma queixa sobre os fariseus, eles
inventariam uma história em que Jesus exortou os fariseus acerca de algum assunto
em questão. Logo, rejeitava a ressurreição de Cristo, pois não haveria, portanto,
“provas” documentais desse fato.

O exemplo clássico disso é a tentativa de Bultmann de definir o soma (corpo) descrito


por Paulo como “o aspecto objetivo do eu”. Esta definição está muito longe da dos gregos
antigos; ainda assim, Bultmann achou conveniente para os seus propósitos assumi-la –
pois tornou muito mais fácil para ele descartar a Ressurreição de Cristo.

Onde se adequava aos seus propósitos, Bultmann era livremente anacronizado: o exemplo
mais famoso é a sua análise do Evangelho de João como um documento influenciado
por um mito redentor gnóstico. Levaram anos de discussão e os Pergaminhos do Mar
Morto, para quebrar a erudição bíblica dessa falsa dicotomia. Bultmann, curiosamente,
estava ciente de seus próprios pressupostos anacronizantes, mas desculpou-se dizendo
que todos fizeram o mesmo.

Em suma, existem inúmeros exemplos claros de como a falta de conhecimento de


Bultmann sobre o mundo social do NT o levou a chegar a conclusões errôneas sobre as
origens dessas histórias.
29
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Milagres e a teologia em Bultmann


Bultmann também era famoso por negar os milagres, como já ficou claro. Assim
como eram os saduceus na época de Cristo e muitos outros na atualidade. Em alguns
de seus escritos, ele comenta que acreditar em algo milagroso é ridículo, pois não lemos
em nossos jornais sobre como os demônios afetam o cenário político ou econômico
(BULTMANN, 1958).

O Cristo de Bultmann é um mito para nossa era, e seu propósito era tornar a fé cristã
“significativa” para o homem moderno e cético: ele admite abertamente que sua
hermenêutica “leva a visão do mundo moderno como um critério”. (BULTMANN, 1958).

Não houve milagres: na verdade, para Bultmann em sua “exegese” bíblica (isto é, retirar
do texto aquilo que o texto não quer dizer) pedir milagres é pecado, como mostra
o comentário de Cristo aos fariseus (contudo, o pecado era pedir um sinal especial “a
mais” quando já tivessem visto o suficiente para se convencer).

A Teologia de Rudolf Bultmann baseou-se na incapacidade de Bultmann de aceitar a


verdade e com um Jesus que estava fortemente em conflito com sua própria visão de
mundo. O mundo não decide o que Jesus deveria ser, e nossos próprios problemas
pessoais não ditarão a história e o que é real.

Bultmann, que estava tão empenhado em descartar os registros do NT como oferecendo


um mito imputado, não passava de impor seus próprios mitos modernos e logo
irrelevantes sobre o texto.

De tudo isso, segue-se irrefragavelmente que a crítica da Bíblia tal


como aparece em Rudolf Bultmann, é uma analise [sic] preconceituosa
do relato evangélico, está demasiadamente comprometida com os
pressupostos do liberalismo para que possa ser considerada uma
análise [sic] imparcial dos fatos, como os críticos desejam que seja.
Mas a crítica formal não foi a única contribuição de Bultmann à
teologia contemporânea. Outras ideias dele também permearam o
cenário teológico do século vinte, entre as quais está a desmitologização
(GONÇALVES, 2006).

Acerca da desmitologização falamos um pouco dentro de nossa abordagem acerca do


panorama teológico contemporâneo.

30
Capítulo 4
Joseph F. Fletcher e sua ética
situacional

A Ética da situação
A ética da situação é também chamada ética situacional em metafísica e Teologia.
A posição de que a tomada de decisão moral é contextual dependente de um conjunto
de circunstâncias. A ética das situações sustenta que os julgamentos morais devem
ser feitos no contexto da totalidade de uma situação e que todas as características
normativas de uma situação são vistas como um todo.

O quadro orientador para a tomada de decisões morais é afirmado de forma diversificada


como a de agir da maneira mais amorosa, maximizar a harmonia e reduzir a discórdia,
ou enriquecer a existência humana.

A ética da situação foi desenvolvida pelo teólogo anglicano americano, central de nosso
capítulo, Joseph Francis Fletcher (1905-1991) em seu livro Situation Ethics: The New
Morality (1966). Surgiu de suas objeções ao absolutismo moral (a visão de que
existem princípios morais universais fixos que têm autoridade vinculativa em todas as
circunstâncias) e ao relativismo moral (a visão de que não há princípios morais fixos
em absoluto).

Fletcher baseou a ética da situação na norma geral cristã do amor fraternal, que é
expressa de maneiras diferentes em diferentes situações. Ele aplicou isso a questões
de doutrina. Por exemplo, se alguém detém o erro absoluto do aborto, então nunca se
permitirá o aborto, independentemente das circunstâncias em que ocorra a gravidez.

O teólogo afirmou que uma posição tão absoluta não presta atenção à complexidade
e singularidade de cada situação e pode resultar em uma maneira insensível e
desonesta de lidar com o problema. Por outro lado, se não há princípios, a decisão
é reduzida a nada mais do que o que se decide fazer no momento, sem implicações
morais reais. Em vez disso, Fletcher afirmou, no contexto das complexidades da
situação que alguém deveria chegar à decisão mais amorosa ou certa quanto ao
que fazer.

A visão de Fletcher foi influente em comunidades cristãs tanto na América quanto


na Europa há décadas, atingindo seu pico na década de 1980, após o que começou a

31
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

diminuir. Seu quadro ético apresentou fortes afinidades com a versão do pragmatismo
proposta pelo filósofo americano, reformador social e educador John Dewey, que
caracterizou sua posição como “instrumentalismo”.

No quadro de Dewey, os princípios morais são ferramentas ou instrumentos que são


usados porque eles funcionam na resolução dos conflitos em situações complexas da
maneira mais harmoniosa para todos os envolvidos.

Esses princípios são hipóteses experimentais que estão constantemente sujeitos a


verificação ou revisão contínua pelas exigências das condições únicas de experiência.
Essa visão se opõe à compreensão absolutista de regras fixas como inerentemente
válidas e universalmente aplicáveis ​​a todas as situações, não havendo exceções. Também
se opõe ao entendimento relativista de que não há diretrizes normativas, mas apenas
julgamentos individuais sobre casos particulares e que não há justificativa moral para
avaliar uma reivindicação moral como sendo realmente superior à outra.

Sobre J. F. Fletcher
Fletcher foi amplamente reconhecido por seu trabalho na teoria moral e na ética aplicada.
Mais conhecido ainda pelo método do raciocínio moral consequencial defendido em
seu livro Ética da Situação. Ele também é famoso por ser considerado o pai da ética
biomédica moderna.

Joseph Francis Fletcher nasceu em East Orange, Nova Jersey, em 10 de abril de 1905.
Seus pais se separaram quando ele tinha nove anos. Suas experiências trabalhando
para a Consolidation Coal Company e a Mina de Carvão de Monongahela levaram
a sua simpatia ao longo da vida pelas condições de trabalho dos mineiros de carvão
e prepararam o cenário para uma vida de ativismo social (note a importância de
conhecer parte da história de quem quer que estudemos).

Ele entrou na Universidade da Virgínia Ocidental em Morgantown quando tinha 17 anos.


Já era membro da equipe de educação da United Mine Worker’s Association. Fletcher
foi preso durante seu primeiro ano universitário por desafiar uma injunção contra falar
em público para o sindicato mineiro. Um socialista democrático autoproclamado,
seus interesses em filosofia e história o levaram a estudar os utilitaristas Bentham e J.
Stuart Mill, bem como os famosos pragmáticos Peirce, Dewey e James.

Duas coisas importantes aconteceram durante seu segundo ano na faculdade: ele
conheceu sua futura esposa, estudante e poeta Forrest Hatfield (dos famosos Hatfields)
e ele se tornou um cristão ativo na Igreja Episcopal.

32
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Fletcher abraçou o cristianismo por causa de seus ideais sociais. Por meio de seu
trabalho na igreja, ele esperava promover a causa da justiça social, especialmente a
democracia econômica para os trabalhadores.

Um estudante destacado lhe foi negado um diploma pela universidade porque ele se
recusou a participar do treinamento militar obrigatório. Esse tipo de treinamento era
exigido de estudantes do sexo masculino em universidades de concessão de terras pela
lei federal. Contudo, um diploma de honorário foi conferido pela Universidade West
Virginia no ano de 1984.

Em 1922, depois de apenas três anos de faculdade, Fletcher entrou na Escola de


Divindade de Berkeley. Trabalhando o verão de seu primeiro ano em um programa
chamado “Seminários na Indústria”, ele foi designado para a fábrica da Plymouth
Cordage Company, onde descobriu e expôs uma lista negra de simpatizantes sindicais
que incluiu Bart Vanzetti, o anarquista italiano.

Durante seu segundo verão, ele se ofereceu para o Comitê de Defesa Sacco-Vanzetti em
Boston. Seu último ano no seminário foi gasto colaborando em um livro com Spencer
Miller, conselheiro educacional da Federação Americana do Trabalho, intitulado
The Church and Industry (1931).

Depois de completar a escola de divindade em 1928, Fletcher prosseguiu estudos


de Pós-graduação em História Econômica em Yale. Lá, ele ganhou a irmandade
John Henry Watson e, em 1930, foi a Londres para estudar sob RH Tawney na
London School of Economics. Durante este período, ele formulou os princípios de
sua Teologia da Redenção Social. Ele foi fortemente influenciado pelos teólogos
Walter Rauschenbusch, Washington Gladden e William Temple.

Ao retornar à América durante a era da Grande Depressão, Fletcher continuou seu ativismo
e ensino sindical. Em 1936, ele se tornou decano da Catedral de São Paulo em Cincinnati,
onde desenvolveu uma escola de treinamento social para seminaristas. Ele ensinou
cursos de história do trabalho e Novo Testamento na Universidade de Cincinnati e ética
social no Hebrew Union College. Também apoiou e ensinou cursos de voluntariado em
uma escola noturna de educação trabalhista apoiada por sindicatos locais.

Em 1944, Fletcher aceitou a cadeira Robert Treat Paine em Ética Social na Escola
Episcopal de Teologia da Universidade de Harvard, onde ensinou a Ética Social
Cristã. Durante vários anos, ele também ensinou a ética empresarial no Seminário
Musser da Harvard School of Business Administration.

Ele continuou seus ensinamentos de ativistas sociais para organizações sindicais e


foi atacado duas vezes e espancado inconsciente por bandidos antissindicatos enquanto

33
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

ensinava no sul. Juntamente com dois colegas professores de Harvard, Fletcher foi
recompensado e citado pelo senador Joseph McCarthy, que acusou os professores de
serem comunistas ou pelo menos simpatizantes comunistas.

As Leituras de Lowell dadas por Fletcher em Harvard em 1949 foram precursoras de


seu tratado sobre questões éticas na medicina, Morais e Medicina (1954). Este deu uma
direção biológica à sua ética social e foi o primeiro tratamento não cultural da ética
médica que se tem conhecimento.

É considerado o trabalho pioneiro de uma nova disciplina, como falamos acima, a Ética
Biomédica.

Ética bioética e a ética da situação em Fletcher


A premissa básica da bioética é que os humanos devem controlar e melhorar sua
condição natural por escolha racional, em vez de deixar as coisas ao acaso. Os processos
biológicos naturais (por exemplo, métodos de fertilização) não são inerentemente
melhores do que os processos artificiais (feitos pelo homem).

O desenvolvimento e uso da tecnologia é uma necessidade humana e devem ser


utilizadas. No entanto, as implicações das novas tecnologias devem ser consideradas
antes e durante o seu desenvolvimento, e não apenas depois.

Uma influência importante em seu pensamento durante esse período foi Garret Hardin,
o biólogo social. Fletcher primeiro cunhou o termo “ética clínica” em 1976 para refletir
acerca da natureza específica da bioética aplicada em situações clínicas ou centrada
no paciente.

Em 1966, Fletcher publicou o controverso best-seller Situation Ethics, que ele descreveu
como seu “panfleto de gordura”, expondo sua teoria da ação moral. Embora escrito no
contexto do cristianismo, a teoria era é independente dos pressupostos cristãos.

Fletcher defendeu uma ética consequencialista e uma metodologia baseada em


preocupação amorosa. Ele proclamou que os seres humanos são mais importantes do
que as regras morais e que as avaliações de consequências, em vez de regras, devem
orientar a tomada de decisões morais.

Seguir as regras sem considerar as consequências é tanto imoral quanto abdicação da


responsabilidade pessoal. Sua principal preocupação era com casos particulares em vez
de princípios gerais. A “Ética da Situação” foi formalmente adotada como uma categoria
de ética consequencialista.

34
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Em 1967, Fletcher desistiu de sua fé no cristianismo e posteriormente evitou qualquer


dogma religioso ou secular. Ao se retirar da Episcopal Theological School, mudou-se
para Charlottesville, Virgínia, onde foi a primeira (e única) pessoa a ocupar o cargo
de professor de ética médica no Programa de Biologia Humana e Sociedade da
Universidade da Virgínia. Ele serviu como estudante visitante lá até sua morte por
doença cardiovascular em 28 de outubro de 1991.

A ética situacional elabora seu programa sem dar nenhuma atenção ao


arrependimento, ao juízo, à fé e à redenção. Robinson deixa a impressão
de que o homem moderno é tão maduro que precisa de muito pouca
– e talvez nenhuma – ajuda espiritual fora dos seus próprios recursos
naturais, expressando, sem nenhuma dúvida, a religiosidade idealizada
pelo homem moderno. O sistema ético situacional é um sistema
que não pede nada em termos éticos e teológicos. As implicações
surgem em vários aspectos, desde desonestidade a imoralidade
sexual. Poderia haver sistema melhor para o homem natural?
A conclusão [...] é aparentemente óbvia: qualquer teologia do tipo
“fins-que-justificam-os-meios” inevitavelmente comprometerá a
doutrina, a despeito de qualquer proposição em contrário. Se a eficácia
se tornar o indicador do que é certo ou errado, sem a menor dúvida
nossa doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de verdade
para um pragmatista/relativista é moldado pelo que parece ser eficaz
e não pela revelação objetiva das Escrituras (GONÇALVES, 2006,
grifo nosso).

35
Capítulo 5
Pentecostalismo

O neopentecostalismo é bastante criticado em muitas de suas vertentes, e em grande


parte das vezes, com toda a razão teológica. No entanto, nos focaremos aqui na essência
do pentecostalismo em Seymour, isto é, seu surgimento, o qual se entendeu como uma
retomada daquilo que fora descrito em Atos 2.

No Pentecostalismo, que reforça o místico-pietista do século XX, Seymour e Parham


defendem os dons espirituais como cura, profecias, línguas e interpretação de línguas
e operação de milagres.

Hoje 660 milhões a 700 milhões de cristãos protestantes no mundo. 60% diretamente
influenciadas pelo avivamento da Rua Azusa. Nasce em 1870 William Saymour, ele se
matricula na escola, porém naquela época havia leis que o impediam (por ser negro)
de assistir aulas. Dessa forma ele não podia assistir aulas junto com os brancos, mas
somente no corredor! Nem mesmo receber oração com os outros alunos podia, como
consequência não foi batizado no instituto. Sozinho, em Los Angeles, sem sustento
algum, nem mesmo para voltar para usa cidade (MELO, 2012).

Seymour ficou em oração sete horas por dia! Pedindo o verdadeiro fogo e o poder de
Deus. E, em uma reunião de oração que começou em uma família que o recebeu, esse
grupo levantou uma oferta para uma pessoa. A igreja começou como uma célula numa
pequena casa. Convidaram uma ministra já batizada, foi chamada para pregar e em 9
de Abril de 1906 houve o derramar do Espírito (MELO, 2012).

De acordo com o autor, o ápice do avivamento ocorre quando eles mudam-se para a
Rua Azusa, 1912. Ali era uma igreja metodista episcopal, que depois virou um estábulo.
Após tirarem os escombros, eles escondem tudo e pregam em bancos de madeira.

Alguns cultos duravam dia e noite. Não era raro ver pessoas nos locais próximos as
pessoas sentindo a presença de Deus. Centenas de pessoas foram visitadas fora do
prédio, antes mesmo de chegar ao quarteirão. Já chegavam orando línguas, só de
passar, sem ninguém impor as mãos. Muitos levaram essa mensagem pentecostal para
o mundo (MELO, 2012).

Ninguém seria capaz de registrar tudo que ocorria ali. Cada membro da Rua Azusa
levava óleo de unção para orar pelos enfermos em todos os bairros da cidade de Los
Angeles. Trabalhavam como voluntários, ajudando carentes etc.

36
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Em setembro de 1906 publicaram a The Apostolic Faith com 20 mil assinantes. No ano
seguinte, dobrou. Em sua primeira publicação escreveu: “Multidões têm chegado, Deus
não faz diferença de nacionalidade”. Começam às 10h da manhã e mal termina às 23h,
quando não varava a madrugada. Não se pode dizer quantas pessoas foram batizadas no
Espírito, curadas, evangelizadas. Os enviados antes mesmo de ser enviados já oravam
em língua do país de destino (MELO, 2012).

Todos estavam em teor de igualdade naquele local. Começou em um ambiente pobre, em


humildade. As notícias sobre a reunião de Azusa começaram a se espalhar. Missionários
de outros países se achegaram para ouvir. Novas missões e igrejas pentecostais foram
estabelecidas.

Muitas pastoreadas por Seymour. Em apenas dois anos o avivamento chegou a


mais de 50 nações. E em todas as cidades dos EUA com mais de três mil habitantes.
À medida que outras missões e outras igrejas abraçaram o batismo no Espírito Santo.
O avivamento se espalhou, sendo derramado nas igrejas, muito forte por três anos.
O avivamento, portanto, durou três anos (MELO, 2012).

Pregadores e obreiros vinham de lugares distantes para assistir esse pentecoste.


Esses lugares começaram a fazer tanto sucesso, que muitos pregadores e itinerantes
que estavam no campo, fechavam suas portas e iam para a Rua Azusa para receber e
depois voltar.

Missionários foram levados à Índia para espalhar essa chama. Jornais deram notícias
horríveis, dando somente alguns dias de vida. A segregação racial ali era apagada pelo
sangue de Jesus. Dava-se grande ênfase ao sangue de Jesus. Altos padrões morais para
que desejava levar uma vida íntegra. Sem palavrões, mas todos gentis (MELO, 2012).

Eles tomavam cuidado com suas palavras e suas ações para que não perdessem aquele
derramar do Espírito, para que não o incomodasse. Eles não procuravam defender seu
próprio trabalho, mas deixavam isso com o próprio Deus.

A própria palavra de Deus resolvia todos os assuntos ali. Nenhuma brincadeira era
feita na presença de Deus, tudo era feito com muito temor e reverência (claro que não
de modo absoluto, pois sempre há rebanhos fora do aprisco). Eles tinham uma sala
dos andares de cima, e quem quisesse ser batizado no Espírito havia uma ministração
diferente (MELO, 2012).

Eles diziam que sentiam que precisavam tirar as sandálias dos pés de tanta presença
do Espírito. A ação do Espírito Santo na música foi extremamente profunda. O Espírito
derramava Coro Celestial às almas.
37
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Alguns criticaram esses cânticos espirituais (com canções que não eram humanas,
bastante estranhas às pessoas locais). As notas eram tremendamente doces. Dizem que
Deus usava as cordas vocais como instrumentos (MELO, 2012).

Nem mesmo púlpito no começo tinha, ninguém era melhor que ninguém, não havia
forte nível hierárquico. O próprio Seymour somente aparecia depois de muita busca e
oração. Os testemunhos não paravam, o tempo para eles pertenciam a Deus.

Uma dúzia de pessoas estava de pé na presença de Deus, não havia um líder para indicar
o que fazer, mas as mentes estavam voltadas para o Senhor. Ninguém estava ali para
aparecer. Diz-se que geralmente Deus humilhava até o pó! Depois que se viam com
suas fraquezas aguçadas, como crianças, e então eram batizados com o Espírito Santo
(MELO, 2012).

Enquanto o homem não é quebrado por Deus ele não poderá ser usado por Deus.
Assim o poder de Deus se manifestava. Até os insetos (pragas) ficavam longe da casa
(residência) daqueles que serviam e buscavam naquele avivamento todo. Contam que
durante um culto apareceu bombeiros, pois alguns vizinhos relataram que haviam visto
um grande clarão, mas era a glória (MELO, 2012).

O maior motivo pelo qual durou apenas três anos o avivamento é que houve diversas
perseguições. E claro, havia intensa luta espiritual.

Ademais, Seymour se casou e agradou um grupo pequeno de pessoas. Sua secretária


era responsável pela divulgação da revista. Depois que Seymour casou novamente, ela
(por ciúmes) levou todas as edições e conteúdo da revista, bem como a lista dos 50 mil
assinantes (MELO, 2012).

Ela levou para outro local a revista, e como se não bastasse, alterou na revista o
endereço de envio das ofertas. Ele (Seymour) ficou somente com os assinantes de Los
Angeles. Perdeu, portanto, a ajuda financeira que ele recebia. Finalmente foi a Portland,
cobrar aquele dinheiro e mudar o endereço de envio das ofertas, mas não conseguiu.
Azusa perde muita força (MELO, 2012).

O último confronto ocorreu entre Seymour e Durham. Durham pregava em alto e bom
som que jamais a pessoa perderia a salvação pelo pecado, mas pelo não arrependimento.
Pois a graça era mediante a fé.

Entrou legalismo, infelizmente, na mente de Seymour. As pessoas voltavam aos montes.

Amigos de Seymour chamaram-no de volta. Ele expulsou Durham e ele abriu as portas
próximo de Azusa, transformando Azusa em um lugar virtualmente deserto.

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Um tempo depois, Seymour sentiu fortes dores no peito, mas faleceu aos 52 anos.
A causa oficial de sua morte foi parada cardíaca. Seu funeral foi em Los Angeles. Em seu
epitáfio estava escrito apenas “Nosso pastor”. “Não é pela semente, mas pelos frutos”
que se pode definir o homem. Seu legado foi incrível (MELO, 2012).

Todos os pentecostais são de origem da Rua Azusa.

39
Capítulo 6
Teologia do processo, de Hartshorne

Charles Hartshorne (1897-2000) era um proeminente filósofo e teólogo americano que


é considerado um dos mais importantes filósofos da religião e dos metafísicos do século
XX. Ele desenvolveu um conceito neoclássico de Deus e um argumento modal para a
existência de Deus que foi um desenvolvimento do argumento ontológico de Anselmo
de Cantuária – assim como Alvin Plantinga, o grande lógico cristão da atualidade o fez,
Hartshorne também e tantos outros fazem e sempre farão uso desse argumento forte
que nunca se perde na história.

Hartshorne também é creditado com o desenvolvimento e popularização da Teologia


do Processo durante o seu tempo como professor de Filosofia da Religião. Suas ideias
únicas sobre a natureza de Deus e a vida humana foram altamente elogiadas, mas
também duramente criticadas. Hartshorne não acreditou em um Deus onipotente e
imutável, mas em um Criador amoroso e dinâmico que compartilha os sentimentos e
sofrimentos de Sua criação.

Charles Hartshorne (pronuncia-se “harts-horn”) nasceu em Kittanning, Pensilvânia,


em 1897, como filho de um ministro, Francis Cope Hartshorne e Marguerite Haughton.
Ele tinha uma irmã mais velha e quatro irmãos mais novos. Hartshorne se tornou
interessado em Filosofia ao ler as obras de Ralph Waldo Emerson e Matthew Arnold no
Ensino Médio. Esses autores o convenceram a romper com o cristianismo ortodoxo de
seus pais e descobrir uma Teologia “mais razoável”.

Ele participou Haverford College de 1915 a 1917, onde continuou seus estudos
filosóficos. A obra de Josiah Royce’s em O Problema do cristianismo teve um efeito
profundo sobre Hartshorne, pois levou-o a rejeitar a teoria do egoísmo psicológico e
ver a existência humana como algo dependente de um todo maior. Esta foi uma ideia
importante na posterior Teologia de Hartshorne.

Hartshorne deixou Haverford e passou dois anos no Exército como um hospital


ordenado na França durante a Primeira Guerra Mundial. Depois de retornar aos
Estados Unidos, ele retomou seus estudos na Universidade de Harvard, onde obteve
três graus em apenas quatro anos: obteve seu diploma em 1921, seu mestrado em 1922
e seu Ph.D. em 1923.

Depois de obter seu diploma de doutorado, Hartshorne prosseguiu estudos adicionais


na Europa. Assistiu à Universidade de Freiburg, onde estudou acerca do famoso

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

fenomenologista Edmund Husserl (considerado do “pai da fenomenologia”), bem como


Martin Heidegger.

Em 1925, ele retornou a Harvard como pesquisador. Lá, ele e Paul Weiss editaram
as obras coletadas de Charles Sanders Peirce e passaram um semestre ajudando a
Whitehead. Ele teve um grande respeito pelo trabalho de Peirce, e a Filosofia Pragmática
de Peirce teria um efeito profundo no trabalho posterior de Hartshorne.

Carreira profissional
Em 1928, depois de terminar seu trabalho em Harvard, Hartshorne foi contratado
como professor no departamento de Filosofia da Universidade de Chicago. No entanto,
sua filosofia de religião frequentemente estava em conflito com o resto da faculdade do
departamento, e ele foi colocado para ensinar na Escola de Divindade, onde desenvolveu
suas teorias de Teologia de Processos altamente influentes e influenciou uma nova
geração de teólogos. Enquanto em Chicago, ele se casou com Dorothy Cooper, que
continuaria a ajudá-lo durante toda sua carreira como editora e bibliotecária.

Em 1955, ele aceitou um cargo na Universidade Emory, onde ensinou até ser forçado
a se aposentar em 1962, devido às restrições de idade na política da universidade.
Ele então mudou-se para a Universidade do Texas em Austin, onde continuou a ensinar
por muitos anos como professor emérito. Ele permaneceu em Austin até sua morte
em 2000.

Filosofia da religião
As contribuições de Hartshorne para a Filosofia da Religião são únicas que somam
tanto a dependência dos argumentos tradicionais dos filósofos medievais, como de
Anselmo, com opiniões pouco ortodoxas, como a Teologia dos Processos. Ele foi um dos
poucos filósofos modernos a defender o teísmo e desenvolver uma filosofia totalmente
teocêntrica ao longo de sua carreira.

A existência de Deus
Ao longo de sua carreira, Hartshorne defendeu a existência de um Deus benevolente.
Embora ele preferisse o argumento ontológico para a existência de Deus, ele viu todos
os vários argumentos (ontológicos, cosmológicos, teleológicos etc.) como teorias que se
reforçam mutuamente, em vez de competir.

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Hartshorne argumentou contra aqueles que negaram a existência de Deus com base na
falta de evidência científica. Referindo-se à definição de Karl Popper de uma hipótese
como uma teoria que pode ser provada e não confirmada, ele argumentou que não
existem fatos científicos incompatíveis com a existência de Deus. Portanto, a questão
da existência de Deus está além da experimentação científica. É, antes, o estudo da
filosofia e da metafísica, disse ele, que pode esclarecer os problemas teológicos e os
vários argumentos a favor ou contra a existência de Deus.

Hartshorne concentrou sua discussão metafísica sobre a distinção entre seres


“necessários” e seres “contingentes” feitos por Anselmo no Capítulo Três de seu
Proslogion. De acordo com Anselmo, existem certas coisas que devem existir e certas
coisas que podem ou não existir. De acordo com Hartshorne, é impossível conceber
um ser preeminente, como Deus, existente apenas contingentemente, porque tal ser é
necessário, não contingente. Portanto, se a existência de Deus é possível, é necessário;
Ele deve existir.

A natureza de Deus
Hartshorne rompeu com a visão tradicional de Deus como um ser onipotente e imutável
e desenvolveu um conceito altamente influente de um Deus de poder limitado que está
constantemente se tornando. Embora a maioria dos estudiosos afirmem que Hartshorne
desenvolveu suas teorias por conta própria, suas ideias compartilham muito em comum
com o movimento intelectual conhecido como pensamento do processo, liderado pelo
ex-colega de Hartshorne, Alfred North Whitehead (1861-1947).

Whitehead desenvolveu seu sistema ao redor da ideia de que o mundo


é dinâmico, estando sempre em constante processo de transformação.
Segundo ele, até Deus está sujeito ao porvir (um conceito semelhante
ao do teísmo aberto e da teologia da esperança). A religião, para ele, “é a
visão de algo que está além, atrás e dentro do fluxo passageiro das coisas
imediatas; algo que é real e ao mesmo tempo espera por realizar-se,
algo que é uma possibilidade remota e mesmo assim é o maior de todos
os atos presentes, possuí-la é o bem último, e mesmo assim, está além
do nosso alcance”. O legado kantiano, como se pode observar, está
bem latente na filosofia de Whitehead. Harthshorne desenvolveu ainda
mais a filosofia de Whitehead e aplicou suas conclusões no cenário
teológico. Associado com teólogos radicais de língua inglesa como
Norman Pittenger, Daniel Day Willlians, Schubert Ogden e John Coob
Jr., o grupo está convencido que para responder à “Teologia da Morte

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

de Deus”, devemos demonstrar a realidade objetiva de Deus por meio


de uma metafísica racional. Nesse sentido, Whitehead lhes serve como
ponto de partida. As ideias de Chardin também são muito parecidas
com a dos teólogos do processo, isso porque tanto ele quanto Whitehead
assimilam ideias evolucionistas (GONÇALVES, 2006).

No processo de Hartshorne, o teísmo, Deus e o mundo existem em um relacionamento


dinâmico e mutável, e Deus é uma entidade dipolar. Enquanto os tradicionalistas
consideravam Deus imutável ao invés de mudar e ativo em vez de passivo, ele viu que
Deus poderia ser permanente e em mudança e ativo e passivo.

Dentro de cada par de características contrastantes, há elementos bons e ruins, e Deus


sempre incorpora os melhores elementos de cada um. Ele é absoluto e imutável em seu
bem, mas não “teimoso”; Ele é dinâmico e flexível, mas não inconstante.

A (bi)polaridade de Deus consiste em um polo abstrato que contém elementos que


nunca variam, como a própria identidade de Deus e um polo concreto que se refere ao
crescimento orgânico no perfeito conhecimento de Deus do mundo, à medida que o
próprio mundo se desenvolve e muda.

Este conceito dipolaridade faz parte da visão panteística de Deus dentro dos
pensamentos de Hartshorne como uma entidade abrangente e conhecedora de todos
os sentimentos. Contudo, Deus não é idêntico ao mundo, como na vista estritamente
panteísta; Deus retém a sua autoidentidade independente que transcende a Terra, mas
o mundo também está contido em Deus.

Os sentimentos e experiências de todos os seres criados, inclusive o sofrimento, também


são sentidos e experimentados por Deus. Assim, cada entidade, desde os seres humanos
até as partículas mais pequenas, é um centro de valor divino. Além disso, Hartshorne
se opôs à visão antropocêntrica tradicional do mundo, que coloca mais valor na vida
humana do que a dos animais e outros seres menos sofisticados.

Hartshorne aceitou a ideia de um Deus perfeito, mas sustentou que o teísmo cristão
clássico tinha mantido uma noção de perfeição autocontraditória. Ele mesmo simpatizou
com os ateus que rejeitaram a ideia de um Deus perfeito e onipotente que permitiu que
o mal e o sofrimento existissem no mundo.

Assim, ele procurou desenvolver um conceito de Deus cuja existência era necessária e
compatível com os acontecimentos do mundo, tentando quebrar um impasse percebido na
Teologia sobre a questão da Teodiceia. Para Hartshorne, a perfeição significava que Deus
não poderia ser superado em sua relação social com toda criatura. Deus é capaz de superar
a si mesmo crescendo e mudando em seu conhecimento e sentimento pelo mundo.

43
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Além disso, a onipotência de Deus não lhe permite conhecer o futuro, porque isso
não permitiria a liberdade de Suas criaturas. Hartshorne viu o mal e o sofrimento
não como uma criação de Deus, mas um inevitável subproduto de liberdade e chance
aleatória.

Hartshorne reconheceu um Deus capaz de mudar, como é consistente com o pandeísmo


(mistura de panteísmo com de[ismo), mas desde logo rejeitou o deísmo e o pandeísmo
em favor do panteísmo mesmo, escrevendo que a doutrina panteística contém todo
deísmo e pandeísmo exceto suas negações arbitrárias.

Contribucionismo
Hartshorne resumiu seus pontos de vista sobre a morte e a vida após a morte em sua
Teoria do “Contribuinte”. Ele não acreditava na imortalidade humana ou em qualquer
realidade consciente após a morte. Ele acreditava que a vida humana devia ser vivida
na Terra, dentro de um espaço e espaço finitos, e que não se deveria procurar ganhar ou
experimentar algo além da vida física, como uma recompensa no Céu.

Ele viu as crenças tradicionais em uma vida após a morte como essencialmente o
produto do interesse próprio e acreditava que se deveria viver para contribuir tanto
quanto possível para a posteridade. Para Hartshorne, a vida de uma pessoa era como
uma bela pintura ou um poema. Tem um começo e um fim, mas existe para sempre na
medida em que aqueles que vivem podem observá-lo e se beneficiar disso.

Crítica
Os pontos de vistas filosóficos e teológicos de Hartshorne receberam elogios e críticas
de muitos lugares diferentes. A crítica positiva sublinhou que a ênfase de Hartshorne na
mudança, no processo e na criatividade, uma vez que atuou com uma grande correção ao
pensamento estático sobre leis causais e determinismo. Vários comentaristas afirmam
que sua posição oferece coerência metafísica ao fornecer um conjunto de conceitos
claro e lógico.

Hartshorne também tem sido uma figura importante na defesa da Teologia Natural
porque oferece uma compreensão de Deus como um ser amoroso, pessoal e dinâmico.
Ele também colocou uma ênfase interessante em afirmar que o Deus que ama a criação
também sofre o sofrimento.

Essas ideias ajudaram a fazer a construir o pensamento de perfeição divina racionalmente


justificável para muitos céticos. Hartshorne também é apreciado por seu interesse
44
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

filosófico no budismo (não diferente de Nietzsche neste ponto), estimulando, com isto,
novas abordagens de cooperação, ecumenismo e diálogo inter-religioso.

Outros indicam que o anti-antropocentrismo igualitário de Hartshorne colocou uma


ênfase valiosa na apreciação da natureza, como evidenciado no amor de Hartshorne
aos pássaros. Sua ênfase na natureza e nas relações homem-divindade para o mundo
encorajou o desenvolvimento de Teologias sobre poluição e degradação de recursos
e uma Filosofia da ecologia. Aliado a isso, Hartshorne enfatizou a estética e a beleza.
Em seu sistema de pensamento, ciência e teologia conseguem alguma integração, pois
cada um deles fornece dados um para o outro.

Na Teologia de Hartshorne, não existe um primeiro evento literal no universo, e o


universo é assim considerado como uma realidade infinita. Isso levou alguns a apontar
que, como Hartshorne enfatizou, cada evento é parcialmente determinado por eventos
anteriores, seu pensamento é suscetível à falácia da regressão eterna. Também é possível
pensar no Eterno Retorno de Nietzsche.

O pensamento de Hartshorne recebeu críticas especialmente fortes no pensamento


protestante e evangélico clássico. Nessas redes teológicas, a reinterpretação de
Hartshorne acerca da natureza de Deus foi considerada incompatível com a revelação
bíblica e com as formulações clássicas da Trindade.

Os críticos argumentam que Hartshorne não oferece uma visão tripersonal da Trindade
e, em vez disso, sua interpretação de Cristo tem algumas afinidades com a primitiva
heresia dos Ebionitas. Hartshorne também foi criticado por sua negação de presciência
divina e predestinação à salvação e sua desvalorização dos milagres de Cristo e dos
eventos sobrenaturais mencionados na Bíblia.

Outras críticas são que Hartshorne dá pouca atenção aos conceitos teológicos clássicos
da santidade de Deus e que o temor de Deus é um elemento subdesenvolvido em
seus escritos. Alan Gragg critica a visão altamente otimista de Hartshorne sobre a
humanidade e, portanto, sua falta de ênfase na depravação humana, culpa e pecado.
Aliado a essas críticas, a afirmação de que Hartshorne insiste demais na estética e é,
consequentemente, fraca na ética e na moral. Outros indicaram que Hartshorne não
conseguiu entender as opiniões cristãs tradicionais sobre a oração e a sobrevivência do
indivíduo na vida após a morte.

Ao negar o conhecimento que Deus possa ter de fatos ainda não ocorridos,
a teologia do processo põe em risco a credibilidade das Escrituras, pois
se Deus não tem nenhum conhecimento dos fatos ainda não ocorridos,
como pode fazer predições sobre o futuro? A consequência lógica do seu

45
sistema é que não pode haver predição “cem por cento” segura na Bíblia,
pois parece altamente improvável que um ser que não tenha presciência
plena dos contingentes futuros saiba o que acontecerá. A Bíblia afirma
categoricamente: “Deus não é homem para que minta”, mas se Deus
é ignorante em relação a grandes períodos da história futura, de que
maneira qualquer uma das profecias preditivas das Escrituras poderia
ser qualquer coisa além de probabilidades? A teologia do processo
aniquila a fé que o crente tem em Deus, e não somente isso mas também
retira o próprio Deus Soberano do cenário e introduz em seu lugar uma
divindade caricata, impotente, penteísta [sic] e consequentemente,
finita (GONÇALVES, 2006).

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Capítulo 7
Teologia da evolução, de Chardin

Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) foi um sacerdote jesuíta cuja formação se deu
nas áreas de filósofo e paleontologia. Ele esteve entre aqueles que descobriram o Peking
Man (Homem de Pequim). Seus escritos teológicos têm sido extremamente difundidos
e estimularam muito a cultura popular em função de sua especulação e contemplação
sobre o papel de Deus na criação e evolução.

Ao expor seu explícito relato do desdobramento do universo material, ele abandonou a


interpretação literal do relato da criação no Livro do Gênesis a favor de uma interpretação
metafórica.

Ao fazê-lo, ele desagradou alguns membros da Cúria Romana, que considerou que isso
enfraqueceu a doutrina do pecado original. Devido a essa controvérsia, seu trabalho
foi negado a publicação durante sua vida toda. Suas obras teológicas são consideradas
muito apaixonadas (talvez também ideológicas), o que envolve tipos de discussões que
não agradam a muitos.

Ele experimentou e expressou o Divino nos aspectos humanos, materiais, científicos


e espirituais do nosso mundo. Sua ideia do “Ponto Ômega” revela sua compreensão
mística da história, progredindo de uma forma espiral mais próxima do objetivo por
meio de uma maior complexidade e maior interconectividade, até que finalmente
alcancemos a mais alta e máxima união de pontos com Deus.

Trabalho científico
Chardin trabalhou como consultor do serviço geológico nacional chinês, criando o
primeiro mapa geológico geral da China de 1925 a 1935. Ele supervisionou a Geologia e
a Paleontologia das escavações de Choukoutien (Zhoukoudian) perto de Pequim.

Em dezembro de 1929, ele participou da descoberta de Sinanthropus pekinensis,


ou Homem de Pequim, que estava determinado a ser o parente mais próximo de
Pithecanthropus de Java. Este era um elo importante na especulação da descida
evolucionária.

Ele também realizou várias explorações no sul da China. Viajou nos vales do rio Yangtzé
e Szechuan (Sichuan) em 1934, e no ano seguinte, em Kwang-If e Guangdong. Chardin
participou da expedição de Yale – Cambridge de 1935 para o norte e centro da Índia

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

que verificou os pressupostos sobre as civilizações paleolíticas indianas na Caxemira e


o Vale do Sal. Teve uma curta estadia em Java, visitando o local do homem Java.

Em 1937, recebeu a Medalha Mendel concedida pela Universidade Villanova durante


o Congresso da Filadélfia, em reconhecimento por seus trabalhos sobre paleontologia
humana.

Durante todos esses anos, Cardin contribuiu fortemente para a constituição de uma
rede internacional de pesquisa em paleontologia humana relacionada a toda a região
oriental e sul-oriental do continente asiático.

Nesta etapa de seu trabalho, ele contou com a ajuda de dois amigos, o canadense inglês,
Davidson Black e o escocês George B. Barbour.

Trabalho teológico
Ao longo dos anos da Primeira Guerra Mundial, Chardin desenvolveu suas reflexões em
seus diários e em cartas para sua prima, Marguerite Teillard-Chambon, que mais tarde
os editou em um livro: Genèse d’une pensée (Gênesis de um pensamento).

Em 1916, ele escreveu seu primeiro ensaio: La Vie Cosmique (vida cósmica), em
que seu pensamento científico e filosófico foi revelado como era a sua vida mística.
Ele pronunciou seu solene desejo de se tornar um jesuíta em Sainte-Foy-lès-Lyon, em
26 de maio do ano de 1918.

Em agosto de 1919, em Jersey, ele escreveu Puissance spirituelle de la Matière (o Poder


espiritual da Matéria). Os ensaios completos foram escritos entre 1916 e 1919 sendo
publicados sob os títulos: Ecrits du temps de la Guerre: 1916-1919 (Escrito em tempo
da Guerra) (TXII de Obras Completas) - Editions du Seuil Genèse d’une pensée (cartas
de 1914 a 1918).

Chardin foi um proponente da ortogênese, a ideia de que a evolução ocorre de forma


direcional e orientada, ou seja, uma visão teleológica da evolução (o que é um absurdo
para a maioria dos evolucionistas). No entanto, sua visão não negou a capacidade dos
processos evolutivos para explicar a complexidade e, portanto, difere da Teoria do
Design Inteligente (TDI).

O Ponto Ômega

Para Teilhard de Chardin, a evolução é progressiva, partindo do mundo microscópico


para o macroscópico. O Ponto Ômega de acordo com ele e com o russo erudito e biólogo

48
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Vladimir Vernadsky (autor de A Geosfera (1924) e The Biosphere (1926)), a Terra está
em um processo de transformação, metamorfose da biosfera para a noosfera.

Chardin viu a evolução como progredindo através das dimensões físicas e biológicas,
com crescente complexidade das espécies, sendo que a aparência dos seres humanos
seria como o último passo nessa fase. Os seres humanos, tendo a faculdade não só de
consciência, mas de consciência de serem conscientes, desenvolvem o domínio mental
do pensamento, a noosfera.

O próximo passo para Chardin foi a socialização da humanidade, em que nosso


desenvolvimento social nos levaria a uma sociedade unificada. O ponto culminante da
evolução é o Ponto Ômega, um termo que Chardin inventou para descrever o nível
máximo de consciência de complexidade, considerado por ele o objetivo para o qual a
consciência evolui.

Na teologia darwiniana de Teilhard, Cristo é o centro do processo


evolutivo e o seu princípio básico. O Cristo de Teilhard é o reflexo no
coração do processo do Ponto Ômega, e se encontra no final do processo.
Por meio de um ato pessoal de comunhão, Cristo incorpora em si o
“psiquismo” total da terra, e o universo se autorrealiza em Cristo. Esse
movimento para o centro, para Teilhard, é o processo de amor. O amor,
segundo ele, não é exclusividade humana, e sim propriedade geral de
toda a vida, sendo ele a afinidade do “ser” com o “ser”. Movidos pelas
forças do amor, os fragmentos do mundo se buscam para que o mundo
possa chegar a “ser” (GONÇALVES, 2006).

Em vez de a divindade ser encontrada “nos céus”, ele considerou que a evolução era
um processo convergente para uma “unidade final”, idêntico ao Eschaton1 e a Deus.
Assim, ele entendeu o papel de Cristo em sua Segunda Vinda como iniciando essa
convergência final.

Controvérsia com os membros da Igreja


As controvérsias sobre sua linha de pensamento se centram na questão de saber se a
missão iniciada por Cristo terminou na crucificação, ou é para a humanidade prosseguir
se desenvolvendo durante todo o processo evolutivo.

Por sua vez, isso exige saber se a chave para a salvação humana é ou não a mediação da
Igreja Católica e seus sacramentos, ou se são as ações empreendidas pela humanidade
em direção ao Ponto Ômega e, assim, realizando a verdadeira Cristogênese.
1 Um período de tempo descrito em escritos escatológicos e cenários do dia do juízo.

49
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

O legado Pierre Teilhard de Chardin inspirou muitos com o “abraço da vida” e a


capacidade de suportar o que alguns chamam de perseguição. Ele amava Deus e a Igreja;
Ele amava a ciência. Ele nunca viu nenhum motivo para abandonar nenhum deles.
Ele se sentiu compelido a resolver seus problemas com os funcionários em sua disciplina
escolhida ao aceitar sua autoridade, exemplificando assim o caminho de Jesus.

Ele antecipou vários conceitos científicos em seu trabalho, como a multiplicidade de


universos e possibilidades eventualmente descritas em várias teorias da física quântica
muito mais tarde.

O debate sobre evolução e design inteligente continua. Embora a validade técnica de


algumas hipóteses que obtenham de seus achados paleontológicos não se mantenha
totalmente correta, seu processo e diligência em observação continuarão exemplares.
Suas opiniões sobre evolução e religião particularmente inspiraram biólogos evolutivos
tal como Theodosius Dobzhansky.

Não somente este, mas há centenas de milhares de cientistas cristãos e, por conseguinte,
teístas ao redor do mundo, que não descartam que a evolução que caminha juntamente
com a fé (Denis Alexander e Francis Collins são os maiores expoentes atualmente,
sendo este último o ex-diretor do famoso projeto Genoma Humano).

Nada na Biologia faz sentido exceto à luz da evolução. Os ensinamentos de Teilhard


de Chardin influenciaram muitos dos engenheiros que avançaram muito o mundo da
tecnologia com seu trabalho em computadores.

Teologicamente e filosoficamente, muitos ainda discutem suas ideias e trabalham com


elas. Isto é exemplificado na história curta seminal do famoso Isaac Asimov, The Last
Question. A humanidade mescla sua consciência coletiva com sua própria criação: um
computador cósmico todo-poderoso.

50
Capítulo 8
Paul Tillich e a busca pelo Jesus histórico

Tillich e sua importância


Fontana2 cita que, segundo Meier (2003), “o Jesus Histórico, homem ou mito, pode
ser resgatado, retomado ou reconstruído, utilizando os instrumentos da moderna
pesquisa histórica” a partir dos documentos tais como os manuscritos encontrados em
cavernas às margens do Mar Morto ou próximo à vila de Nag Hammadi, no alto Nilo.
Considera que para Tillich a pesquisa acerca do Jesus histórico é problemática em
face não das “deficiências passageiras da pesquisa histórica que um dia talvez sejam
superadas”, mas em razão da natureza das próprias fontes, ou seja, a natureza dos
evangelhos.

Paul Johannes Oskar Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, em Starzeddel, Alemanha


(hoje na Polônia), e faleceu em Chicago, em 22 de outubro de 1965. Teólogo alemão,
ordenado em 1912, tornou-se pastor da Igreja luterana evangélica de Brandeburgo;
participou da Primeira Guerra Mundial como capelão de guerra. Até 1933, lecionou
em Berlin, Marburg, Dresden, Leipzig e Frankfurt. Em 1929, sucedeu Max Scheler na
cátedra de Filosofia e Psicologia, perdendo-a por ser contra o nazismo. Tillich emigrou
para os Estados Unidos em 1933, a convite dos amigos Reinhold e Richard Niebuhr e até
1955, foi professor de Teologia Filosófica no Union Theological Seminary e na Columbia
University (New York). Nacionalizou-se americano e lecionou nas universidades de
Harvard e de Chicago. Seu pensamento fundamenta-se nas ideias de Schelling, Hegel e
no existencialismo de Kierkegaard (GUIMARÃES, 2013).

A partir de uma análise de sua trajetória pessoal, constata-se que os fatos ocorridos na
vida de Paul Tillich influenciaram sua Teologia considerada reflexo de sua própria vida,
principalmente depois de ter experiências com a morte em massa e a destruição de
muitas pessoas nos campos de concentração3. Entre suas obras, destaca-se Teologia
Sistemática (1951-1963) a síntese de seu pensamento global, hoje compilada em um
só volume, na qual o filósofo alemão descreve sobre o Jesus histórico (v. II, cap. II. A
realidade de Cristo, pp. 392-397).
2 Autor do artigo Paul Tillich e a busca pelo Jesus Histórico é graduado em Teologia pela PUC-RJ. Escreveu diversos artigos
e resenhas sobre Lucas, o evangelista, Ecumenismo, Rubem Alves, Karl Popper, Bertrand Russell, Joseph Fitzmyer, John
Watkins, John Meier, Paul Tillich, entre outros, para as revistas Inclusividade do Centro de Estudos Anglicanos, Ciberteologia
e Religião e Cultura da Paulinas/PUC-SP e Correlatio da Associação Paul Tillich do Brasil. Reside no Rio de Janeiro.
3 “A transformação ocorreu durante a Batalha de Champagne em 1915. Houve um ataque noturno. Durante toda noite não fiz
outra coisa senão andar sobre feridos e moribundos. Muitos deles eram meus amigos íntimos. Durante toda aquela longa e
terrível noite, grande parte de minha filosofia clássica ruiu em pedaços [...] Deus está morto. Pois bem, o conceito tradicional
de Deus estava mesmo morto” (CALVANI, 1998, p. 59).

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Paul Tillich é considerado uma das mentes mais destacadas no cenário filosófico-teológico
do século XX e um dos mais importantes teólogos, tendo contribuído especialmente na
reflexão sobre a necessidade de se compreender a religião em interação com a cultura
em geral. Teólogo e filósofo de linha existencialista, ele foi, juntamente com seus
contemporâneos Rudolf Bultmann (Alemanha), Karl Barth (Suíça), e Reinhold Niebuhr
(Estados Unidos), um dos quatro mais influentes teólogos protestantes do século XX.

O artigo de Júlio Fontana aborda como Paul Tillich, reconhecido teólogo sistemático,
encarou a busca pelo Jesus histórico. A origem da busca do Jesus histórico baseou-se
no pressuposto de que havia uma imensa lacuna entre a figura histórica de Jesus e
a interpretação que lhe fora atribuída pela igreja cristã. O “Jesus histórico” do Novo
Testamento correspondia à figura de um “mestre da religião”; a figura do “Cristo da
fé cristã”, portanto, resultava de interpretação equivocada por parte dos escritores da
igreja primitiva.

Desde 1774 a 1778, o cristianismo e a figura de Jesus Cristo – sua identidade e significado –
têm sido desafiados pelas incursões desta “busca”, por meio da metodologia racionalista
como método de pesquisa até a primeira metade do século XIX. Assim, ocorreram três
fases da pesquisa sobre o Jesus histórico, com pressupostos metodológicos diferentes a
partir da primeira busca já no final do século XVII e século XVIII, com o Iluminismo, à
terceira busca que se iniciou nos anos 1970 e perdura até os dias atuais.

Paul Tillich situa-se na época conhecida como No-Quest (Sem Busca), na transição da
primeira para segunda fase da busca pelo Jesus Histórico (Jesus o Cristo e o Jesus de
Nazaré, tomados como históricos em seu pensamento). Ao Jesus histórico não era dada
tanta importância como para o Cristo da fé.

Com a Idade Moderna, novas descobertas científicas e os progressos da Arqueologia


e da Hermenêutica aplicada aos textos bíblicos levaram a buscar novos métodos de
interpretação. A “prova da razão da fé” tornou-se fundamental e, neste contexto, a
busca pelo Jesus histórico também se tornou importante questão da pesquisa bíblica,
principalmente no século XIX.

Esta tentativa foi considerada “perigosa”, uma vez que a pesquisa poderia ser levada ao
radicalismo pela crítica moderna, como expressa Champlin (1997, p. 499):

Essa atividade, quando atinge proporções radicais, faz o Jesus teológico


reduzir-se a uma investigação do cristianismo, além de assegurar-nos
que essa atividade foi tão radical que nos é praticamente impossível
descobrir como Jesus era, realmente, com base nos documentos bíblicos
que atualmente possuímos.

52
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Por conseguinte, pesquisas e estudos geraram polêmicas e, em consequência, surgiram


obras “pró e contra Jesus”. Entre as duas guerras mundiais (1914 a 1939) a busca do
Jesus histórico foi abandonada devido ao desinteresse e dúvidas quanto à possibilidade
dessa busca. Entretanto, somente em 1953, reacendeu as chamas da procura do Jesus
da história com a conferência intitulada “O Problema do Jesus Histórico”, realizada
pelo professor Ernst Käsemann (1906-1998). Na ocasião ele defendeu que a Teologia
acerca de Jesus deveria ser articulada em processos historiográficos.

Formular ou definir a imagem do Jesus da história é uma pesquisa complexa, devido


às múltiplas conclusões divergentes de inúmeras pesquisas sobre as “vidas de Jesus”.
Theissen e Merz (2002) comentam que há pesquisas e escritos sobre o Jesus Histórico
(como Ele teria sido na Palestina), porém existem profissionais sensacionalistas, negam
quase por completo a imagem clássica de Jesus em favor de outras imagens (Jesus
curandeiro, mágico, enganador), além das imagens dos filósofos ao longo das buscas do
Jesus histórico:

I. Profeta da mudança social (Theissen, Horsley, Kaylor).

II. Revolucionário político (Meier, Dunn, Backmuehl, Wright).

III. Filósofo cínico irritante (Crossan, Mack, Downing).

IV. Figura carismática e/ou rabino da Galileia (Vermes).

V. Eticista (Klausner).

VI. Homem do espírito (Borg, Twelftree).

VII. Profeta escatológico (Sanders, Casey, Montefiore).

Contudo, torna-se importante a tentativa dessa busca, considerando o que Jesus


representa para os que creem (GUIMARÂES, 2013).

Júlio Fontana empregou como pressupostos filosóficos autores como Meier (1992);
Theissen; Merz (2002); Schweitzer (2003); Brown (2004); Jeremias (2005); Bornkamm
(2005), além da Teologia Sistemática de Tillich (2005), entre outros. Tomando como
base a cristologia desenvolvida por Tillich, Fontana faz um levantamento da principal
ideia cristológica com o propósito de aprofundar o entendimento do pensamento
tillichiano acerca do Jesus Histórico e do processo da fé neste Jesus.

A Teologia de Tillich
A obra de Tillich tem como pressupostos filosóficos básicos a Filosofia Existencialista,
uma vez que sua preocupação última é o que determina “o ser ou não ser” (só são

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

teológicas aquelas afirmações que tratam de seu objeto na medida em que possa se
tornar para nós uma questão de ser ou não ser). A partir desse significado da Filosofia
Existencialista é que deve ser entendida a sua Teologia Sistemática.

Para Tillich, não é importante a historicidade dos fatos bíblicos, mas a interpretação
existencial e ao recebimento desta como resposta à questão última. Ele usa as ferramentas
filosóficas existenciais, tendência do pensamento humano de sua época, adaptando-as
à Teologia.

Sobre a Teologia Bíblica, e apoiando-se em Bornkamm, Myrdal, Popper, Nietzsche e


Rubem Alves. Embora o teólogo bíblico não elabore suas teorias de forma imparcial,
pois está envolvido, seja negativa ou positivamente com o seu objeto, a tarefa da
Teologia Bíblica é uma arma poderosa e necessária para a aquisição do conhecimento
histórico; Tillich ressalta que a Bíblia é a fonte básica da Teologia Sistemática, e que o
historiador nunca chegará a uma certeza absoluta, mas poderá chegar a um alto grau
de probabilidade.

Tillich adota o método histórico-crítico que une elementos analíticos e críticos, os quais
submetem suas fontes a uma rigorosa crítica separando o que é mais provável do que
é menos ou é totalmente improvável, e elementos construtivo-conjecturais que são a
força motriz, buscam os fatos subjacentes aos registros bíblicos, especialmente os fatos
referentes a Jesus. Este método predominou como método interpretativo a partir da
Renascença e foi desenvolvido e empregado durante o século XIX, graças ao esforço
de Hugo Grotius, Richard Simon e Baruch Spinoza, tendo como apoiadores Fitzmyer,
Mueller, Harnack.

O Jesus Histórico
Quanto à história da pesquisa sobre Jesus histórico e à crítica de Paul Tillich acerca
desta pesquisa, o filósofo alemão diz que “Jesus, o Cristo” deve ser percebido como
um fato histórico, ou seja, Jesus histórico, enquanto objeto de recepção da fé.
Afirma que “ficou cada vez mais evidente que a afirmação cristã de que Jesus é o Cristo
não contradiz a honestidade histórica, por mais inflexível que ela seja” (TILLICH, 2005
p. 398).

O teólogo comenta que aqueles que falam sobre Jesus de Nazaré são os mesmos que
falam sobre Jesus como o Cristo, ou seja, as pessoas que o receberam como o Cristo.
Portanto, na tentativa de encontrar o Jesus real que está por trás da imagem de Jesus
como o Cristo, é necessário separar criticamente os elementos que pertencem tanto ao
lado factual do evento quanto aos que pertencem à recepção.

54
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Ao fazer isso, esboça-se uma “Vida de Jesus” (e quantos esboços foram feitos!), alguns
caracterizados pela honestidade científica, a devoção amorosa e o interesse teológico e
outros caracterizados pelo distanciamento crítico e rejeição. Mas eram mais romances
do que biografias e certamente não podiam conferir um fundamento sólido à fé cristã.

O cristianismo não se baseia na aceitação de um romance histórico, mas no testemunho


sobre o caráter messiânico de Jesus dado por pessoas que não tinham o menor interesse
em uma biografia. Mas, há 200 anos e ainda hoje predomina o esforço científico a esta
tarefa. “No máximo, porém, eles são resultados mais ou menos prováveis, incapazes de
fornecer uma base para a aceitação ou para rejeição da fé cristã” ressalta Tillich (2005,
p. 396).

Percebe-se, portanto, em sua Teologia Sistemática, que o filósofo não deu muita
importância a uma construção do Jesus histórico segundo os moldes da historiografia
(por mais que valorizasse a historiografia), e ele a considerou como um “fracasso”.
Assim sendo, propôs um novo olhar para se entender o Jesus na história, uma vez
que os motivos dessa busca eram religiosos e científicos, uma tentativa de descobrir
fatos confiáveis sobre o ser humano Jesus de Nazaré, para que pudessem proporcionar
um fundamento seguro à fé cristã. Porém, para o teólogo, a pesquisa histórica apenas
forneceu probabilidades maiores ou menores sobre Jesus (MCGRATH, 2005).

Tillich desenvolveu sua estrutura cristológica embasado na premissa de que Jesus de


Nazaré é o Cristo e que nesta afirmação se encontra a mensagem cristã e a vida do
cristianismo. Para ele sua existência (da mensagem cristã) se dará enquanto houver
pessoas que afirmem que Jesus é o Cristo, “onde quer que se negue essa asserção, ali se
deixa de afirmar a mensagem cristã” (TILLICH, 2005, 388).

Entretanto, o problema que surge na consideração de Tillich sobre a relação entre o


Jesus da história e o Cristo da fé, é o menosprezo pela investigação histórica dentro
do “Kerygma”, pois pressupõe o Jesus da história, mas não afirma suficientemente sua
objetividade, sua pessoa que fala por meio dos seus intérpretes no Novo Testamento.
“O kerigma não é um veículo para ideias eternas nem o mediador de informações
históricas, mas é o ‘que’ de Cristo, seu ‘aqui e agora’, um ‘aqui e agora’ que se torna
presente no próprio discurso” (MCGRATH, 2007, p. 299).

Para Tillich, Jesus é aquele que traz o “Novo Ser redentor”, conferindo um novo sentido
para a revelação do mistério de Deus. Seguindo a linha de sua reflexão cristológica,
Tillich indica que com Jesus Cristo “a história chegou ao fim”, ou seja, à sua meta
qualitativa, enquanto traduz o “aparecimento do Novo Ser como realidade histórica”.
Para ele, Jesus é o homem que venceu a soberba, a angustia, a libido e o desespero. E por
isso ele se tornou o Cristo. Tal manifestação de Deus em Cristo tem um poder salvífico

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

universal: Cristo salva, regenera, justifica e santifica todos os homens. “O cristianismo


é a mensagem da Nova Criação, do Novo Ser, da Nova Realidade, que apareceu com
Jesus, que por essa razão é chamado o Cristo, o Messias, o Eleito, o Ungido” (TILLICH,
2005, p. 15).

Na visão de Tillich, no evento de Jesus como o Cristo “a unidade eterna de Deus e ser
humano se tornou realidade histórica”, fazendo emergir o “Novo ser na totalidade de
seu ser”, mas não se pode com isso desconhecer a finitude autêntica de Jesus: “como ser
finito, ele está sujeito à contingência de tudo que não é por si mesmo, mas que é lançado
à existência”. Há uma relação paradoxal entre Jesus e o Cristo. Se para Tillich, o Cristo
está no centro da dinâmica reveladora de Deus, Jesus não é o todo deste centro (idem,
ibidem, p. 419).

Alguns filósofos consideram Tillich o “último liberal” e opositor de Karl Barth e Emil
Brunner; outros o definem como neo-ortodoxo, com influência da Teologia Liberal
(entendimento da revelação e das fontes da Teologia) e da neo-ortodoxa (uso da Filosofia
Existencialista como base para a reflexão teológica). Percebe-se que, para Tillich, a
Teologia Sistemática necessita de uma Teologia Bíblica que seja histórico-crítica, mas
que seja, ao mesmo tempo, interpretativo-existencial, levando em conta o fato de que
ela trata de assuntos de preocupação última (MCGRATH, 2005).

Buscando relacionar o tema Jesus histórico com outros autores e ideias observa-se que
grupos de historiadores, filósofos, teólogos expuseram suas argumentações sobre o
Jesus histórico e o Cristo da fé para construção de uma “Vida de Jesus”.

Outras posições teológicas acerca do


Jesus Histórico
Em uma síntese, pode-se afirmar que a pesquisa sobre o Jesus histórico se iniciou
com Herman Samuel Reimarus (1694-1768), para quem Jesus era “um engodo”, uma
“fraude objetiva”, um revolucionário que falhou em sua tentativa de estabelecer um reino
messiânico na Terra, ao passo que o Cristo não passava de uma projeção fictícia daqueles
discípulos que teriam roubado o corpo de Jesus e que proclamavam sua ressurreição,
“fraude” corrigida por David Frederico Strauss (1808-1874). (MCGRATH, 2007).

Entre os diversos filósofos, Fontana destaca alguns liberais como Baur (1792-
1869), Strauss (1808-1874), Renan (1823-1892), Holtzmann (1832-1910) e Weiss
(1863-1914). Mais tarde, entre os anos de 1890 a 1910, Kahler (1835-1920), Wrede
(1859-1906) e Schweitzer (1875-1965), seguido pelo teólogo alemão Bultmann
(1884-1976), importante expoente da Teologia Dialética, que considerava essa busca
pelo Jesus Histórico “um beco sem saída”.
56
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Baur defende a ideia de que os textos do Novo Testamento, mesmo passando pelo
crivo da crítica moderna, não retratam a vida de Jesus, e sim, os conflitos vividos pelos
primeiros cristãos, sendo os escritos bíblicos criados de maneira histórica. O propósito
da Teologia Liberal era o de encontrar os fatos puros da vida de Jesus.

Strauss foi o primeiro (depois da publicação dos fragmentos de Reimarus) a distinguir


o Jesus da fé do Jesus do histórico. Sua principal tese: “os evangelhos são a historização
do mito Jesus”. A publicação do livro, com sua ênfase no esvaziamento do conteúdo
sobrenatural dos evangelhos, foi um escândalo na Alemanha do século XIX. Strauss
demonstra a consideração mítica da tradição de Jesus como síntese (no sentido
hegeliano) das interpretações inadequadas do supranaturalismo, de um lado e do
racionalismo, de outro. Para Strauss, Jesus existiu, mas o Cristo do Novo Testamento é
criação mitológica e deve ser entendido simbolicamente como a realização da Ideia ou
Espírito Absoluto na raça humana (RAEPER; SMITH, 2001).

Renan cita que no começo se encontra o Jesus manso e meigo, que se empenha na
Galileia para pôr em prática o Reino de Deus na terra. Motivado por sua permanência
em Jerusalém, este Jesus teria evoluído para um revolucionário, que passa a interpretar
o reino de Deus apocalipticamente, e pronto a dar a vida para a realização de seus planos.
Em “um relato vivo, humano, possível” define Jesus como um herói e gênio pelo papel
que sua vida representou para a humanidade, pois [...] “um simples feiticeiro não teria
encaminhado uma revolução moral como a que Jesus fez” (RENAN, 2003, p. 35 e 277).

Holtzmann pesquisou a vida de Jesus, realizando sua evolução biográfica com o ponto
crucial em Marcos 8: “na Galileia formou-se a consciência messiânica de Jesus, em
Cesareia de Filipe ele se revelou aos discípulos como Messias”. Weiss considera que
o reino de Deus em Jesus teria que ser visto como algo apocalíptico e escatológico.
Harnack julgou poder alcançar uma descrição razoável do homem empírico, Jesus de
Nazaré, por meio dos métodos da ciência histórica. Para ele, seria possível chegar a uma
definição do cristianismo original.

Kahler dizia que não havia separação entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, mas que o
Jesus histórico é o mesmo Cristo da fé. O objeto da fé da igreja no decurso de todos os
séculos não foi o Jesus histórico do liberalismo teológico, mas o Cristo da fé, o Cristo
sobrenatural proclamado nas Sagradas Escrituras. Porém, ressalta que o Jesus histórico
retratado pelos estudiosos modernos oculta do homem o Cristo vivo. Para o filósofo, o
Cristo real é “aquele que é pregado”, mostra que há uma tendência cada vez maior em
se acentuar a separação do Jesus histórico do Jesus querigmático.

Wrede considera o evangelho de Marcos como o mais primitivo e o que mais diretamente
conduziu ao Jesus da história. Porém, Marcos não é nada mais que o produto da

57
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

apologética eclesiástica que o elaborou, com base no tema do segredo messiânico, na


tentativa de explicar a distância entre o Jesus da história, que nunca teve consciência
de ser o Messias, e o Cristo da fé, proclamado como Senhor Ressuscitado pela Igreja.

Schweitzer (2003) desenvolveu a teoria da escatologia coerente. Para ele a escatologia é


base do esboço biográfico da atuação de Jesus, mas com sua ajuda ele consegue também
distinguir dois períodos. A ruptura é constituída pelo envio dos discípulos. Jesus, que
se considera o Messias e que esperava ser estabelecido como o Filho do Homem, estaria
imbuído de uma intensa expectativa da proximidade do reino de Deus. Para o filósofo, o
“Jesus objetivado” emergiu como uma projeção do idealismo utópico e humanitário do
século XIX. Jesus teria sido recriado à imagem daqueles que o buscavam reconstruir.

Bultmann (2005) teve a posição mais radical sobre Jesus da história e o Cristo da
fé. Reconhece como algo de inegável a existência histórica de Jesus Cristo, porém
combinava a pesquisa histórica radical com a tentativa de sistematização. Chamava-a,
com já falamos, “desmitologização” (ou demitização): libertar a mensagem bíblica
da linguagem mitológica em que se expressava para que o homem moderno que não
aceita a visão de mundo da Bíblia possa aceitar a mensagem bíblica. Para o discípulo
de Bultmann, Ernst Kasemann, falar do Cristo da fé sem relação com Jesus Histórico é
considerá-lo apenas um mito (HENRY, 1971, p. 18).

Contudo, Bultmann (2005) achava que tudo que fosse possível ou necessário saber
sobre o Jesus histórico era o fato de que ele existiu, e afirmou que o Jesus que sustenta a
igreja é o Cristo da fé. Por outro lado, salientou que se conhece a figura de Jesus apenas
numa transformação helenística, sincretista, mitológica, sendo impossível libertar
deste invólucro o Jesus histórico (ZUURMOND, 1998, p. 34).

Meier (2003, p. 35) pontua que é necessário considerar que os critérios utilizados pela
historiografia são apenas mais ou menos prováveis, “pois raramente se chega a uma
certeza na investigação do Jesus histórico”. E afirma que:

Não podemos conhecer o Jesus “real” através da pesquisa histórica […]


No entanto, podemos conhecer o “Jesus histórico” […] o Jesus da história
é uma abstração e constructo modernos […] O Jesus histórico não é o
Jesus real, e vice-versa […] O Jesus histórico pode nos proporcionar
fragmentos do indivíduo “real”, e nada mais.

Nessa mesma linha, Crossan (1994) argumenta que Jesus era um filósofo cínico judeu e
um “mago”. “Ele rejeita a ideia de que Jesus se dirigisse a Deus chamando-o de ‘Abba’,
a escolha de um seleto grupo de doze, ou falasse sobre o advento futuro do reino”
(RAUSCH, 2006, p. 37). Para ele, o Jesus Cristo dos Evangelhos é um Jesus mítico, um

58
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

homem normal que foi mitologizado e divinizado, posteriormente, pelos evangelistas


(Jesus Seminar4).

Seguidos por Raymond E. Brown (1928-1998) e Martin Hengel (1929-2009), entre


outros, como Bornkamm (2005), um dos empreendedores da Nova Busca para quem
a imagem de Jesus é altamente teológica, ideológica e política, as pesquisas sobre
o Jesus Histórico nesses últimos anos têm recebido diferentes enfoques: sabedoria
divina; Jesus profeta do cumprimento das expectativas dos últimos tempos; estudos
sobre o contexto histórico-social da Palestina do I séc. d.C., a Galileia; a guerra
judaica; o movimento de Jesus; as influências helênicas no movimento de Jesus;
Jesus como um feminista à frente de seu tempo; messias marginalizado; homem
santo e carismático.

Stott (2012) ressalta que a Bíblia confirma pelas suas afirmações que Jesus é o Cristo.
Aliás, para ele, o cristianismo é baseado nas afirmações do próprio Jesus. Essas duas
vertentes convergem na unicidade de Jesus. O kerigma da igreja deve centrar-se em
Cristo, e este crucificado (1 Cor. 2, 2).

Na visão de John Hick (2000, p. 66), a ideia de encarnação não pode ser compreendida
em sentido literal, mas em sentido metafórico. Hick indica que “o Jesus histórico não
ensinou que ele era Deus ou o Deus Filho, a segunda pessoa, encarnada, de uma Santa
Trindade”. Sua consciência era a de um “profeta enviado por Deus”, alguém marcado
por intensa consciência de Deus, que se tornou fonte de inspiração e seguimento
para os seus ouvintes. A metáfora bíblica do “Filho de Deus”, presente nas escrituras
hebraicas, vem transformada numa doutrina metafísica da encarnação, rígida e literal:
“um filho de Deus metafórico se transforma no Deus Filho metafísico, segunda pessoa
da Trindade”.

Outros pensadores poderiam ser acrescentados à resenha. Mas Fontana já oferece


uma visão suficientemente fiel à realidade das correntes cristológicas contemporâneas
focalizando Tillich. O estudo do Jesus histórico é importante, pois pode ajudar “a
colocar um freio naqueles que querem transformar pressupostos teológicos em verdades
históricas», dizem Chevitarese e Funari (2012, p. 53). Como afirma Boff (2003, p. 2001)
“cada autor sagrado vê com seus olhos o mesmo Jesus. Com esse material que chegou
até nós através do Novo Testamento não podemos construir uma biografia de Jesus que
seja histórica e cientificamente límpida”.

4 Coalisão internacional, centrada nos Estados Unidos, que reúne eruditos e estudiosos da Bíblia. Em debates intensos, o
Seminário procura atestar a veracidade do que foi escrito nos evangelhos neotestamentários a respeito da vida e das palavras
de Jesus. Seus estudos têm por base o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Filipe, escritos extrabíblicos
que são a chave para se reconstruir corretamente o Jesus histórico. O fundador do seminário foi o teólogo Robert W. Funk em
1985 e seu cofundador e copresidente John Dominic Crossan. O grau com que os Evangelhos têm supostamente distorcido o
Jesus histórico é evidente na edição dos Evangelhos publicada pelo Jesus Seminar (CRAIG, 2012).

59
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Crítica ao Jesus Histórico


Estudiosos antigos e mais recentes não compartilham da mesma visão crítica sobre a
pesquisa sobre Jesus histórico. O teólogo Paul Tillich é um deles. Cita que os motivos
dessa pesquisa são religiosos e científicos, e em vista disso, suas consequências teológicas
são inúmeras e importantes.

Em muitos aspectos essa tentativa de Tillich foi corajosa, nobre e significativa.


Entretanto, diante de tantas pesquisas e resultados diferentes da crítica histórica para
encontrar a verdade empírica sobre Jesus de Nazaré, e apesar das contribuições acerca
da busca sobre Jesus histórico, faz-se uma paráfrase de Tillich, de que a busca ainda
tem sido “um fracasso”.

Percebe-se que o Jesus histórico, o Jesus que está por trás dos símbolos de sua recepção
como o Cristo, se distancia cada vez mais à medida que avança a crítica histórica.
Aliás, há distanciamentos e aproximações em relação a Jesus. A elaboração de veredictos
históricos e teológicos em relação à pessoa de Jesus/Cristo resulta em um paradoxo
entre a certeza de alguns e a dúvida de outros estudiosos.

Quase quatro séculos de pesquisa sobre a vida de Jesus deixaram um grande legado
para a Teologia, no entanto, em pleno século XXI, mesmo Jesus de Nazaré exercendo
uma atração nos corações de centenas de pessoas, a busca pelo Jesus histórico
ainda é, até certo ponto, baseada no racionalismo, tendo a razão como critério para
determinar a historicidade ou não dos relatos evangélicos (tentativa também criticada
por Tillich).

Acredita-se, pela análise da crítica de Tillich e dos outros filósofos citados, que ainda
não há consenso entre os pesquisadores quanto ao Jesus que buscam reconstruir desde
o século XVIII. Bultmann parece ser o divisor de tendências dentro da cristologia
moderna e que afeta, ainda hoje, a pesquisa cristológica.

Pode ser percebido o dilema da natureza especulativa dos instrumentos (métodos)


críticos indispensáveis para a explicação teológica dos fatos sobre Jesus contados
nas Sagradas Escrituras. Tanto a crítica quanto a pesquisa histórica fizeram parte do
método que foi usado pelos estudiosos que se lançaram na primeira busca do Jesus
histórico, o método histórico-crítico, principal referência para a primeira busca
do Jesus histórico e que nasceu do Iluminismo e dos primeiros traços da Teologia
Liberal Protestante.

Tillich adotou este método que assumiu desde o início pressupostos dogmáticos que
refletem rejeição da autoridade e infalibilidade das Escrituras. Ainda hoje este método

60
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

é empregado, apesar de ser uma ferramenta inadequada de interpretação bíblica tendo


em vista recentes críticas às interpretações hermenêuticas, como a de que é um método
que partiu de convicções dogmáticas críticas quanto à natureza da Bíblia, e, portanto,
só poderia produzir resultados críticos e incerteza.

Por conseguinte, aqueles que querem saber quem foi Jesus historicamente no sentido
estrito, crítico-científico, não se dão por satisfeitos. A reconstituição histórica da vida
de Jesus volta aos estudos e discussões, com interesses e métodos já diversificados, em
que a mensagem do Cristo da fé está inscrita na própria existência histórica de Jesus, na
sua práxis, no seu modo de enfrentar a realidade histórica na qual ele vive.

Lopes (2005, p.137) afirma que “o método deve ter como pressuposto a inspiração,
a veracidade das Escrituras e a unidade do cânon formal”; que tenha sensibilidade
ao fazer os estudos modernos de ciências correlatas para que possam trazer auxílio à
interpretação do texto bíblico.

As Escrituras cristãs apontam dois momentos do Cristo da fé:

I. o momento de sua obra terrestre; e

II. o momento de sua existência gloriosa no tempo de Deus, estendendo-se


desde princípio e até a eternidade.

Mas em ambos os momentos, o Jesus das Escrituras cristãs é o Cristo da fé, porque os
evangelistas tiveram como objetivo escrever uma “Vida de Jesus”. O filósofo alemão,
porém, separa Jesus o Cristo do Jesus historiográfico, sendo o primeiro mais importante
que o segundo. Para ele, “Cristo deve ser o centro do processo histórico que se inicia
com a questão do Não Ser” (TILLICH, 2005, p. 391).

Entretanto, o autor expõe que o entendimento de que Jesus é o Cristo prometido é que
norteia todo o pensamento cristão. Ele diz: “O Cristo não é o Cristo sem a Igreja, e a
Igreja não é Igreja sem o Cristo. A revelação final, como toda revelação, é correlativa”
(TILLICH, 2005, p. 68).

Flusser (2002, pp. 31 e 32) ressalta em seu livro “Jesus”, que o objetivo principal é
mostrar que “é possível escrever a história de Jesus” [...]; que o “Evangelho de João é o
menos histórico dos quatro evangelhos, enquanto aponta o Evangelho de Lucas como o
que possui maior valor histórico”.

Em contraponto, Gulillet (1985, p.7) afirma que “o Evangelho de João é um dos que
melhor apresenta Jesus, sendo considerado como o evangelho puro”.

61
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Nessa linha, Bingemer (2005, p. 21) acrescenta:

Os evangelhos não são biografia, nem o Novo Testamento, em sua


totalidade, é um documento puramente histórico. Mas, sobre uma base
histórica real e autêntica, os autores neotestamentários oferecem sua
interpretação de fé dos fatos histórico-transcendentes que marcam a
vida, morte e ressurreição de Jesus.

Entende-se que, necessariamente, não se deve concordar com as conclusões a que chega
o ceticismo de Tillich sobre Jesus histórico, mas há que se considerar que ao criticar
esse tema, inúmeros materiais históricos foram descobertos e suas argumentações
refletem conjunturas e realidades peculiares à modernidade do século XX; apontam
para o discernimento entre os elementos empiricamente históricos, e para a percepção
de que a certeza da fé não implica certezas sobre as questões da pesquisa histórica.

Percebe-se o quão rica é a discussão na busca do Jesus histórico e, ao mesmo tempo, do


Cristo da fé. Desde Reimarus, no século XVIII, influenciado pelas ideias iluministas e
a Teologia Liberal, e sua proposta da “fraude armada pelos discípulos de Jesus”, assim
como dos teólogos da New Quest que procuravam identificar cristologias implícitas e
explícitas ao longo do percurso de Jesus de Nazaré até os teólogos e historiadores da
Third Quest, tentando situar Jesus dentro de seu contexto histórico, social e cultural,
houve um “caleidoscópio” de propostas de figuras de Jesus, mostrando sua existência e
sua morte na cruz por meio de evidência textual bíblica.

Esses teólogos consideraram difícil conciliar o discurso que se fazia a respeito de Cristo
e os relatos do evangelho a respeito do homem que viveu na Galileia no primeiro século.
Contudo, o escopo da pesquisa histórica foi contribuir para o enriquecimento do debate
teológico sobre a questão do Jesus histórico e do Cristo da fé. Todos, de alguma forma,
trouxeram elementos enriquecedores ao tema. E Paul Tillich, ao fazer isso, adentrou
no caminho da tentativa de conciliação entre História, Razão e Fé. Conciliar fé e razão
sempre foi um desafio para o cristianismo.

Há registros históricos que confirmam fatos do cenário em que Cristo viveu, sendo em
seu tempo, cultura, governantes e guerras. Esses fatos contemporâneos a sua época
comprovam sua existência. Um importante historiador secular dá ênfase à figura de
Cristo como Messias. Flávio Josefo por volta do ano 90 depois de Cristo relata fatos de
pessoas contemporâneas a Cristo e ouviu e descreveu seus relatos.

Flávio Josefo, que viveu de 37 a.C. até o ano 100, de acordo com os textos que chegaram
até nós teria se referido a Jesus como o Cristo em seu livro Antiguidades Judaicas, livro
18, parágrafos 63 e 64, escrito em 93 em grego koiné:

62
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Havia neste tempo Jesus, um homem sábio [se é lícito chamá-lo de


homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que
fazia os homens receberem a verdade com prazer]. Ele fez seguidores
tanto entre os judeus como entre os gentios. [Ele era o Cristo.] E quando
Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz,
os que o amaram no princípio não o esqueceram; [porque ele apareceu
a eles vivo novamente no terceiro dia; como os divinos profetas tinham
previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele].
E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta
até hoje (JOSEFO, 1974, grifo do autor).

Considerando as pesquisas analisadas das diferentes fases da busca, especialmente da


“Third quest”, o Jesus histórico é um grande enigma religioso moderno. O que poderá
ser reconstruído será um “construto científico” não coincidindo com a história real,
tendo em vista não somente a história pessoal, mas o itinerário da experiência histórica
e a formação religiosa, aspectos que influem subjetivamente nas escolhas de abordagem.
O esforço da objetividade poderá ajudar o diálogo entre as diferentes argumentações
dos pesquisadores. Contudo, na prática, normalmente, haverá o “Jesus de cada um”.

É correto afirmar que a contribuição da obra de Tillich foi apresentar o Jesus da História
dentro de uma perspectiva teológica e de forma sistemática. A maioria de suas obras
aborda com profundidade os aspectos de sua Teologia, por isso, a abordagem teológica
do Jesus histórico é um diferencial.

Jesus histórico é um tema que ainda deixará rastros importantes na reflexão sobre
Jesus Cristo e a dinâmica de seu seguimento na história.

Por fim, o cristão pode estar confiante de que os fundamentos históricos de sua fé
permanecem seguros, considerando que a fé não depende dos resultados históricos e
teológicos dessas pesquisas e de outras que virão, mas da realidade histórica dos fatos
acerca da vida de Jesus, uma vez que a historicidade dos seus milagres e a ressurreição
são fundamentos da fé cristã.

O Jesus da fé é o Jesus histórico “a partir de quando a fé é o fundamento para o histórico,


e não o histórico é o fundamento para a fé”. Jesus Cristo morreu, mas ressuscitou, e
assim pode trazer aos homens a dádiva da salvação. Por conseguinte, faz-se necessária
a fé para que se receba essa salvação.

63
Capítulo 9
A teologia sistemática de Pannenberg

O que pensava Pannenberg


Ao ensinar que nada menos que toda a realidade é o próprio horizonte da Teologia,
Wolfhart Pannenberg (1928-2014) insistiu que a ressurreição de Jesus, ao contrário
do que Bultmann afirmava, fornece a melhor chave para entender essa realidade.
“Pannenberg apresenta uma forte resistência às ideias de Rudolf Bultmann,
principalmente por seu conceito de redução da história à experiência individual. Ele
também se opõe à Karl Barth, acusando-o de proteger sua Teologia, escondendo-a dos
ataques da história.” (GONÇALVES, 2006).

Os seus amplos interesses e criatividade o distinguiram como um dos mais importantes


teólogos protestantes da Alemanha do século XX e claro, da Teologia Contemporânea.

Crescendo durante a era nazista, ele foi pressionado para o serviço militar durante os
últimos dias do Terceiro Reich – uma experiência que ajuda a explicar a sua cautela de
todas as promessas ideológicas e políticas. Ao contrário, mais uma vez, de Bultmann e
sua coisa com o nazismo.

O interesse de Pannenberg pela religião se desenvolveu após a guerra como resultado


do estudo e reflexão durante os dias na universidade, primeiro em Berlim, depois em
Göttingen, Basileia e Heidelberg, onde recebeu seu doutorado em 1953, escrevendo
sobre a ideia de predestinação no pensamento de Duns Scotus (comentamos acerca de
Duns Scot, ou Scotus ou Escoto, no primeiro “Saiba Mais” do capítulo de Bultmann).

Em 1958, foi nomeado professor de Teologia Sistemática (assunto pelo qual ele seja mais
conhecido e difundido) em Wuppertal, um seminário teológico. Importantes posições
universitárias seguidas, primeiro em Mainz (1961) e depois em Munique (1968).

Pannenberg insistiu que era uma reflexão racional que o levou à fé cristã. E por isso a
questão da Fé Racional e suas vertentes apologéticas dentro de seus escritos influenciam
tantos apologistas, em especial, o maior de todos contemporâneos: William L. Craig,
que faz menção de Pannenberg o tempo todo em suas obras.

Os livros de Craig são vários e ótimos, mas o Apologética Contemporânea (2012)


da Editora Vida Nova é uma leitura obrigatória para quem deseja se aprofundar
mais nas questões filosóficas e teológicas da contemporaneidade.

64
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Ele acreditava que a fé deveria basear-se não no sentimento ou na suposta autoridade,


mas no que é conhecido, mais razoável ou mais provável. Existe uma revelação por
meio da qual Deus se conhece, mas a revelação não é algo selecionado para algumas
pessoas escolhidas ou mesmo para uma nação escolhida. Isto, então, viria de encontro
com a linha de pensamento Calvinista.

Em vez disso, como G.W.F. Hegel (1770-1831) sugeriu no início do século XIX, Deus é
revelado por meio da história (ou da realidade) como um todo, e a revelação de Deus
pode ser reconhecida e entendida pela razão. Claro, nenhum ser humano realmente
conhece toda a história, sendo limitado pelo tempo e espaço. Além disso, o histórico
ainda não está completo e, portanto, não pode ser completamente compreendido.

Mas é possível que os motivos discernem a vida, a morte, e (especialmente) a ressurreição


de Jesus sejam uma chave para o significado e uma antecipação do objetivo da história
universal. Pannenberg acreditava, como o teólogo Reinhold Niebuhr (1892-1971)
argumentou algumas vezes, que o cristianismo pode ser demonstrado empiricamente,
e ainda é tido como superior a todas as interpretações alternativas do significado da
vida e da história.

No entanto, não se deve começar com doutrinas sobrenaturais sobre a pessoa e obra
de Jesus – que ele era o Filho de Deus encarnado, a Segunda Pessoa da Trindade ou o
Logos Divino. Em vez disso, essa cristologia tradicional “de cima” deve ser substituída
pelas conclusões que resultam de métodos estabelecidos de erudição histórica, ou
cristologia “de baixo”.

É somente quando se estuda o Novo Testamento com honestidade tão absoluta que
o evento da ressurreição de Jesus torna-se reconhecido como fato histórico objetivo,
confirmando assim a alta cristologia do Novo Testamento que Jesus era “descendente
de Davi segundo a carne”, mas foi “designado filho de Deus... por sua ressurreição
dentre os mortos” (ROMANOS 1: 4).

Pannenberg era detentor de um intelecto brilhante e criativo, interessado no amplo


espectro de conhecimento acadêmico. Seu pensamento era muito complexo para ser
facilmente categorizado. Em meados da década de 1960, ele foi frequentemente citado
como um dos principais defensores da “Teologia da Esperança” (que nasceu em Jürgen
Moltmann, que falaremos mais quando tratarmos da Teologia da Libertação) por causa
de seu interesse no futuro.

Mas Pannenberg se desvinculou da maioria dos proponentes daquela escola, tanto


porque eram muito dependentes da filosofia de Ernst Bloch como não da ressurreição
de Jesus e porque eram muito facilmente enganados pelas promessas prematuras e
idólatras do socialismo.

65
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Esses julgamentos pareceriam marcar Pannenberg como um conservador. Mas note


que ele baseia sua fé na ressurreição não na autoridade da Bíblia ou da Igreja, mas sim
da sua demonstração de investigação racional.

Além disso, ele considerou a religião autêntica como uma resposta à realidade como um
todo, incluindo religiões mundiais, e não apenas cristianismo paroquial e institucional.
Portanto, Pannenberg argumenta que o lar adequado para a Teologia não é a Igreja
Institucional, mas a universidade, onde as proposições do teólogo devem ser defendidas
e corrigidas, e não apenas afirmadas.

A Igreja, no entanto, é o lar da espiritualidade e da comunidade, onde ambos dependem da


Eucaristia – não recebem como uma ceia de Igreja (de propriedade de uma instituição),
mas como a Ceia do Senhor (transcendendo todas as fronteiras denominacionais) e
antecipando o plano de Deus para a plenitude do tempo para “unir todas as coisas”
(EFÉSIOS 1.10).

Principais contribuições
Seria impossível resumir o corpo de trabalho de Pannenberg ou medir o significado
de sua contribuição para o pensamento cristão contemporâneo. Mas há alguns pontos
principais que podem ser levantados acerca de seu trabalho.

Pannenberg estava empenhado em levar a sério o desafio do ateísmo filosófico e


científico – desde o questionamento inicial de Nietzsche até seu amplo engajamento
com as ciências naturais. Se o Deus verdadeiro é a realidade que determina toda a outra
realidade, a realidade só terá sentido à luz do entendimento de Deus. E se a Igreja vai
testemunhar o Deus verdadeiro nas condições do Ocidente secular, então a Teologia
deve aplicar-se a examinar e a reexaminar seu caso para Deus.

A Teologia de Pannenberg é em si uma síntese impressionante de diversas disciplinas.


Ele integra tratamentos perspicazes de textos bíblicos com discussões sobre a tradição
teológica e depois reflete sobre as implicações para física e ontologia.

Como sua preocupação era apresentar a Teologia Cristã como algo coerente e consistente,
ele trabalhou duro para tecer essas várias linhas de pensamento em uma única e
impressionante linha de raciocínio conceitual. Se Deus determina toda a realidade,
então, quando vemos a realidade em sua luz, devemos ser capazes de compreendê-la.
É isso que torna a leitura Pannenberg ao mesmo tempo difícil e estimulante.

Pannenberg estava profundamente consciente de que a Teologia é um exercício


humano limitado. Ele considerava que as afirmações teológicas são hipóteses que

66
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

devem ser constantemente testadas e podem ser expressas de maneiras novas, ou


mesmo abandonadas.

Ele chama afirmações teológicas de “doxológicas” (doxa é proveniente do grego crença


comum ou opinião popular) porque a fala sobre Deus é fundamentada em adoração
e é proferida na esperança de sua confirmação final. Da mesma forma, a Teologia
Escolástica Medieval falou de linguagem sobre Deus como analógica, o que significa que
ele expressa uma verdade sobre Deus, mas fica sem a realidade de Deus de maneiras
que não podemos saber.

Pannenberg enfatizou a mesma humildade em face do mistério de Deus, mas ao ver isso
dentro de um quadro escatológico, ele ofereceu uma nota de confiança que muitas vezes
faltava nas discussões tradicionais de linguagem analógica. Ainda não podemos ver a
verdade de Deus, mas temos razões para acreditar que sim.

O teólogo alemão levou a Bíblia e a tradição cristã muito a sério. Ele não estava disposto
a permitir que a Teologia flua livremente em uma espécie de especulação não protegida.
Pannenberg sabia que a Teologia deve ser sobre Deus. É a tentativa humana de pensar
e falar de Deus e, ao fazê-lo, mostrar a verdade da realidade de Deus.

Isso envolve a Teologia ter de considerar toda a realidade, incluindo a experiência


humana, a sociedade, a história e a cosmologia. Considera tudo isso em relação a Deus.
Mas a Teologia só pode ser proléptica – não tendo a palavra final.

Wolfhart Pannenberg estava convencido de que o fim da vida humana, e mesmo o fim
da história, são uma entrada no futuro de Deus, estabelecida na ressurreição de Jesus.

A Teologia de Pannenberg é muito mais do que uma simples escola


de interpretação. Ela é uma brilhante defesa apologética em favor do
cristianismo histórico. Seu sistema é mais ortodoxo que o proposto
pelos existencialistas e nos faz lembrar que, embora Barth e Bultmann
hajam tido debates acirrados, não existe grande diferença entre seus
sistemas. Ambos advogam uma teologia dialética que sufoca tanto a
revelação histórica como o caráter universal do cristianismo. Além disso,
Pannenberg também ressalta que a falta de uma revelação objetiva da
neo-ortodoxia é, de fato, uma ameaça à própria revelação. Sua Teologia
também é importante porque ressalta ao mundo que a fé cristã é a única
verdade universal. Ao refutar a ideia neo-ortodoxa de que a revelação só
se transforma em verdade para as pessoas por meio de uma aceitação
pessoal, Pannenberg destaca que a revelação não se torna revelação
quando é compreendida, ela é revelação, mesmo quando o homem não
se interessa ou busca compreendê-la (GONÇALVES, 2006).

67
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Sobre Pannenberg:

Wolfhart Pannenberg y el reto de la Modernidad: Pensar a Dios y al hombre


desde la mediación. Disponível em: <www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttex
t&pid=S0049-34492006000100001>.

Hermenéutica teológica como ontología escatológica a la luz de la historia


de las religiones según Wolfhart Pannenberg. Disponível em: <www.scielo.cl/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0049-34492005000100002>.

Sobre Apologética acerca da existência de Deus:

Deus existe? Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/portuguese/


deus-existe>.

“É possível acreditar em Deus usando a razão”, afirma William Lane Craig.


Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/e-possivel-acreditar-
em-deus-usando-a-razao-afirma-william-lane-craig>.

Moralidade e a Existência de Deus Conexão entre os Argumentos Moral e


Cosmológico. Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/portuguese/
Moralidade-e-a-Exist%C3%AAncia-de-Deus#ixzz44CZcvbi0>.

Argumentos Teístas: Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/


portuguese/Argumentos-Teistas>.

O neoateísmo e cinco argumentos a favor de Deus. Disponível em: <http://


www.reasonablefaith.org/portuguese/o-neoateismo-e-cinco-argumentos-a-
favor-de-deus#ixzz44CZJqes1>.

Deus existe? William Lane Craig versus Stephen Law. Disponível em: <http://
www.reasonablefaith.org/portuguese/deus-existe-william-lane-craig-versus-
stephen-law#ixzz44CZOFtGk>.

36 argumentos para a existência de Deus: Goldstein e o argumento


cosmológico. Disponível em: <https://www.reasonablefaith.org/portuguese/36-
argumentos-para-a- existencia- de - deus- goldstein- e - o -argumento -
cosmologico#ixzz44CZRPbsq>.

Pode se crer no Ateísmo? Disponível em: <http://www.cacp.org.br/pode-se-


crer-no-ateismo/>.

O Argumento Moral em favor de Deus. Disponível em: <http://www.


reasonablefaith.org/portuguese/qa-349>.

O problema do mal. Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/


portuguese/o-problema-do-mal>.

68
Capítulo 10
Teologia da libertação

T1. Aspectos Iniciais


Olavo de Carvalho afirma que todos os livros de Leonardo Boff possui um viés marxista,
voltado para ideologias políticas de esquerda. Essa aproximação entre a Teologia e o
marxismo, com toda a libertação oficial pregada, deu origem à Teologia da Libertação.
Para o filósofo (talvez o único de credibilidade no Brasil), sua essência é fazer uso da
religião para exposição e imposição do pensamento da esquerda. Para ele é como diria
Lênin: “Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é”.

A Teologia da Libertação, segundo Olavo de Carvalho (2015), nasceu na União


Soviética, cujo nome fora dado por Nikita Khrushchev por volta da década de 1950,
a fim de implementar os pensamentos de Antonio Gramsci (1891-1937), que afirmava
que não se deveria combater a religião de frente, mas devia-se permear na mesma a
fim de destruí-la por dentro para fazer dele uma espécie de “caixa de ressonância” das
propostas marxistas.

Pe. Gustavo Gutiérrez Merino (1928-) trouxe esses pensamentos para América
Latina em 1977. Alguns anos depois, a igreja católica percebeu algo estranho nessa
Teologia a mandou Ratzinger, enquanto cardeal, analisá-la, concluindo uma forte
incompatibilidade com os dogmas cristãos tradicionais (CARVALHO, 2015).

Bakas e Buwalda (2011, p.62, grifo nosso) também afirmam que a “Igreja Católica via
esse movimento como uma renovação da mensagem de Cristo, mas quando a Teologia
da Libertação ficou mais marxista, o Vaticano reagiu, excomungando alguns de seus
porta-vozes mais importantes”. Já na década de 1990, “o neoliberalismo assumiu o
cenário mundial e o Marxismo foi de repente visto como ultrapassado”, e, com isto, “a
Teologia da Libertação perdeu grande parte de sua influência”.

Oficiais eclesiásticos que, por vinte anos, têm observado a Teologia da


Libertação propagar-se pelo Terceiro Mundo, a partir da América Latina,
têm-se sentido cada vez mais inquietos com os alvos e as atividades desse
movimento. Assim, em março de 1984, o cardeal Joseph Ratzinger,
principal oficial do Vaticano, encarregado das questões doutrinárias,
fez um discurso denunciando aqueles que advogam soluções marxistas
para os problemas sociais e políticos do mundo. E as declarações dele,
ao que parece, foram aprovadas pelo papa João Paulo II. A despeito

69
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

dessa tomada de posição, em julho de 1984, um grupo de proeminentes


teólogos católicos romanos da Europa, da América Latina e dos Estados
Unidos da América, declararam-se abertos defensores das ideias e
práticas desse movimento de “libertação”. O grupo era encabeçado por
alguns proeminentes teólogos liberais denominados, coletivamente,
de Concilium. Entre eles estavam os reverendos Hans Kung e Gustavo
Gutiérrez. Este último é um dos principais arquitetos da Teologia da
Libertação (CHAMPLIN, 1997, p.368).

Para Carvalho (2015) ainda, a Teologia da Libertação possui basicamente duas vertentes
de discurso, o descritivo-teórico, e o apelativo, que é unificador da militância, sendo
que este último não está interessado no aspecto teológico.

Teologia da Esperança (TL) e Teologia da


Missão Integral (TMI)
A Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann (não confundir com Bultmann) deu
origem à Teologia da Libertação também a atual Teologia da Missão Integral (TMI),
com profundas raízes socialistas segundo diversos autores, mas ainda há um largo
debate acerca de sua construção marxista e toda sorte de temáticas que envolvem esse
assunto. Aqueles que seguem a TMI negam em todos os termos qualquer relação com o
marxismo. Contudo, aqui trabalharemos um consenso maior que há fora da comunidade
que segue a TMI e a Teologia da Libertação.

Ainda sobre a Teologia da Esperança de Moltmann, Gonçalves (2006) complementa e


faz as devidas aproximações com a questão marxista:

A chave central para entender a Teologia futurista de Moltmann é sua


ideia de que Deus está sujeito ao processo temporal. Neste processo,
Deus não é plenamente Deus, porque ele é parte do tempo que avança
para o futuro. No cristianismo tradicional, Deus e Jesus Cristo aparecem
fora do tempo, no atempo. Na Teologia de Moltmann, a eternidade
se perde no tempo. Para Moltmann, o futuro é a natureza essencial
de Deus. Deus não revela quem ele é, e sim quem ele será no futuro.
Desta forma, Deus está presente apenas em suas promessas. Deus está
presente na esperança. Todas as afirmações que fazemos sobre Deus,
são produto da esperança. Nosso Deus será Deus quando cumprir suas
promessas e com isso estabelecer o seu reino. Deus não é absoluto; ele
está determinado pelo futuro. [...] A Teologia de Moltmann tem maior
dívida com Nietzsche, com Overback e com Feurbach do que com Paulo,

70
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Pedro ou João. Ela é mais marxista que bíblica, e mais filosófica que
teológica. Em seu afã de refutar as teologias não ortodoxas do seu tempo,
Moltmann ultrapassou o limite do bom senso e acabou por propor uma
Teologia quase tão nociva quanto aquela a que ele se dedicou a refutar.
Essa Teologia do Deus finito e temporal, e que ainda incita a rebeldia e
a revolução, não pode ser Teologia Bíblica. Ela é antes, um tropeço, um
escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.

A Teologia da Libertação foi, então, ao longo das décadas de 1970 e 1980 uma
alternativa mais política e ideológica às ações de cunho social praticada pelas Igrejas.
Diga-se “Igrejas”, porque, embora em seu nascedouro existisse uma orientação católica,
várias Igrejas Protestantes também seguiram o mesmo caminho, embora mantendo a
identidade religiosa.

O tipo de Teologia da Libertação, conforme é representado por Leonardo


Boff, não passa de um sincretismo do Evangelho, do racionalismo
protestante expresso por Bultmann, do modernismo de Loisy, das
posições condenadas do teólogo suíço Hans Kung e da análise marxista
da sociedade. A majoritária Igreja Progressista da Holanda, conforme foi
afirmado pelo famigerado catecismo holandês, é produto do racionalismo
de Bultmann e do modernismo de Loisy, doutrinas essas antigas, que
surgiram cem anos atrás, bem como do discutido teólogo batavo, irmão
gêmeo de Hans Kung, Edward Schillerbeck (CHAMPLIN, 1997, p.367).

Quanto ao termo “libertação”, Champlin (1997, p.367) comenta “que faz parte do título
do movimento, é verdade que os oprimidos precisam ser libertados, e que eles estão em
uma genuína servidão econômica.” Contudo, “o que podemos questionar é o ‘tipo’ de
libertação que está sendo oferecido.”

A Teologia da Libertação na América Latina


Champlin (1997, p.367) traz algumas indagações importantes:

Não será a libertação de uma modalidade de opressão, somente para que


os “libertos” sejam sujeitados a outra forma de totalitarismo, com sua
forma específica de opressão? [...]. O próprio Boff tem declarado que não
deseja que o comunismo tome conta do Brasil, porque isso significaria
o fim da liberdade religiosa. Não obstante, ele crê que podemos tirar
vantagem da exatidão da análise marxista quanto às condições políticas
e econômicas, empregando então esses discernimentos e evitando os
erros típicos cometidos nos países comunistas. Talvez esse “milagre”

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

possa vir a acontecer; mas queríamos, ainda assim, a pensar sobre a


alma, sobre o verdadeiro homem, sobre o ser imortal que continua
existindo após a morte física. Esse homem interior ficará a morrer
de inanição, enquanto o corpo é alimentado? Poderá isso, realmente,
satisfazer às massas? Constituirá isso uma autêntica libertação?

Após a 2a Guerra Mundial, a lógica da Guerra Fria ideologizou a vida social de tal
modo, que, mesmo sem perceber, os indivíduos pautavam suas ações em conteúdos
ideológicos. Sendo um fato social de grande importância, a religião dificilmente fugiria
ao apelo das ideologias.

Foi assim que, sob os auspícios do Concílio Vaticano II, eclodiu na América do Sul a
Teologia da Libertação, movimento social de caráter humanista, voltado para as classes
oprimidas da sociedade e que, embora não tivesse em sua gênese uma orientação
marxista, acabou se aliando aos movimentos de esquerda no contexto das Américas,
uma vez que não se dispunha de outro modelo de luta contra o capital e a opressão no
âmbito do continente.

Nas palavras diretas de Boff (2011) podemos entender mais algumas relações importantes
da Teologia da Libertação com a questão social:

A Teologia da Libertação participa da profecia de Simeão a respeito


do menino (Jesus): ele será motivo de queda e de elevação, será um
sinal de contradição (Lc 2,34). Efetivamente a Teologia da Libertação
é uma Teologia incompreendida, difamada, perseguida e condenada
pelos poderes deste mundo. E com razão. Os poderes da economia e do
mercado a condenam porque cometeu um crime para eles intolerável:
optou por aqueles que estão fora do mercado e são zeros econômicos.
[...] Acresce ainda o fato de que muitas Igrejas traduziram os apelos
do Concilio Vaticano II de abertura ao mundo, para o contexto latino-
americano, como abertura para o submundo e uma entrada no mundo
dos pobres-oprimidos. Deste impulso, surgiram figuras proféticas,
nasceram as CEBs, as pastorais sociais e o engajamento direto de grupos
cristãos em movimentos políticos de libertação. Para muitos destes
cristãos e cristãs e mesmo para uma significativa porção de pastores
não se tratava mais de buscar o desenvolvimento. Este era entendido
como desenvolvimento do subdesenvolvimento, portanto, como uma
opressão. Demandava, portanto, um projeto de libertação.

De acordo com Champlin (1997), bispos brasileiros encorajaram uma espécie de


campanha internacional em favor de Boff, o qual fora condenado a um ano de silêncio

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

pela Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano. Segundo os autores, o escritor


romeno e padre da Igreja Ortodoxa, Virgil Gheorghiu, classificou a Teologia da
Libertação como “uma das piores heresias que existem atualmente”.

Contudo:

Ele [Virgil Gheorghiu] esteve no Brasil para uma série de conferências,


em agosto de 1984, e expressou vigorosamente as suas opiniões.
Em contraste com isso, seiscentos teólogos católicos romanos, reunidos
na cidade italiana de Assis, analisaram os escritos de Boff e os conceitos
da Teologia da Libertação, e terminaram por dar-lhe o seu apoio.
Esses teólogos advertiram que a Igreja deve cooperar na luta dos
pobres, declarando que a obra de Boff é uma experiência eclesiástica,
um símbolo para toda a Igreja Católica Romana. Para eles, a Teologia da
Libertação e a Igreja dos Pobres, discutidas em tom de uma inquisição.
Formam contraste com o caráter conciliatório da Igreja contemporânea.
A noção de solidariedade a Leonardo Boff é semelhante a um
documento anteriormente publicado pelos frades franciscanos alemães
(CHAMPLIN, 1997, p.368, grifo nosso).

Mas a ideologia presente na Teologia da Libertação não atendia integralmente os


anseios das Igrejas Protestantes, até porque a militância acabava tendo um caráter
muito mais acentuadamente político do que religioso. Por essa razão, face à emergência
de um movimento social que cada dia se fazia mais forte e mais presente, era necessário
criar uma alternativa a essa via; uma alternativa que apresentasse uma identidade
mais bem definida e que pudesse se caracterizar como “uma Teologia compromissada
com a evangelização e a ação social, que integrasse uma forte espiritualidade religiosa
com um forte trabalho social, tendo uma visão holística do ser humano” (LOPES,
2005, p.8).

Foi com esse objetivo que, em 1969, convocou-se o 1º Congresso Latino-Americano


de Evangelização (CLADE) que deu a partida para a Teologia da Missão Integral,
entendida, desde então, como uma atitude de compromisso com as causas sociais e
reconhecendo a importância da satisfação das necessidades materiais, na edificação do
homem integral.

A TMI, como é conhecida no meio protestante, embora expresse posições progressistas,


fraternas e solidárias, sofre bastantes críticas entre os próprios protestantes, já que
alguns setores a acusam de ser a “versão evangélica da Teologia da Libertação” e de
refletir pensamento marxista e estar ligada a partidos de esquerda, particularmente a
setores do PT, no caso do Brasil.

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Champlin (1997, p.369, grifo do autor), de modo mais contundente ainda, prossegue
nos discursos acerca da relação desta questão com abordagens políticas:

A reação, tanto do clero como de amplos setores da hierarquia romanista,


e, sobretudo, das grandes massas de leigos católicos, é de natureza
dupla: mais teológica na Europa e na América do Norte, onde traduz
as exigências intelectuais e morais de uma sociedade descristianizada,
e mais ideológica na América Latina com o engajamento das massas
desprivilegiadas na emancipação política, econômica e social, primeiro
em competição, e, posteriormente, em aliança com os partidos mais
radicais (do tipo PT, Partido dos Trabalhadores), e mesmo de nítida
orientação marxista. Ambas as reações, como não podia deixar
de acontecer, redundaram na ampliação e no aprofundamento da
secularização da Igreja, que o papa, conforme exige a sua condição
de Doutor Supremo e Universal da Igreja não pode deixar de tentar
sanar e corrigir. Há apenas uma diferença, qual seja a de que a reação
latino-americana produziu um novo tipo de clericalismo, que não
age mais em nome da supremacia do que é espiritual e sobrenatural,
mas de um moralismo naturalista, politicista e socialista (pelo menos
socialistoide e marxistoide), que fica absorvido pela dinâmica da
ordem temporal e mesmo pela dialética marxista. Por mais vitorioso
que seja esse clericalismo, no desejo de unir-se à força política que se
exibe como depositária do futuro e como a próxima detentora do poder,
contribuiu, com o seu triunfalismo (neoconstantiniano), que não passa
de subserviência, consciente ou inconsciente, o que, no fundo, não faz
diferença para a sua absorção pela força à qual adere e para que a Igreja
seja dissolvida por dentro.

Desde esse tempo, “a função de emancipação da Teologia da Libertação foi assumida


pelo Cristianismo Evangélico e pelas Igrejas Carismáticas”, tais Igrejas, conforme ainda
Bakas e Buwalda (2011, p.62, grifo nosso), que citam a Igreja Pentecostal, como exemplo,
“não enfatizavam a luta de classes e a emancipação de classe, mas se concentram na
capacitação e na realização pessoais. Essas igrejas não são hierárquicas, como a
Igreja Católica, e portanto, ‘praticam o que pregam’ – uma estratégia convincente”.

Ainda de acordo com os autores, a Igreja Pentecostal:

[...] pode servir como um veículo para que os membros das classes mais
inferiores se libertem, não por meio de uma revolução socioeconômica
como a Teologia da Libertação prega, mas pela integração em um
movimento religioso que oferece grande mobilidade social interna.

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Os ideias sociais embutidos no Pentecostalismo incentivam que o


pobre rejeite a vida de maus hábitos e excessos e favoreça a economia
e a responsabilidade, principalmente em relação à vida em família
(BAKAS; BUWALDA, 2011, p.65).

Este pensamento é bastante próximo do que afirmava Max Weber em A Ética Protestante
e o Espírito do Capitalismo (2008) acerca do ascetismo protestante, em que, por meio
dele, é que os protestantes geraram o espírito do capital, ao salvaguardar-se, bem como
seus recursos, por conseguinte, dos prazeres do mundo. Com isto, a economia e a
responsabilidade com a família aumentavam.

Tanto a TL quanto a TMI, embora não assumam com todas as letras suas vertentes
provenientes do pensamento marxista, sofreram danos após 1990, com o colapso das
economias socialistas do Leste Europeu. A queda do Muro de Berlim e o fim da URSS
projetaram uma sombra sobre tudo que possuísse algum tipo de conotação social e
abriram caminho para uma hegemonia absoluta dos mercados e do que isso representa
para o mundo em geral.

O marxismo tem conseguido enfeitiçar a imaginação das massas dos


países do chamado Terceiro Mundo, como se fosse (segundo alguns
dizem), a única esperança de verdadeira mudança social para melhor.
Não existe nenhum outro movimento para quebrar a espinha das
antigas ideologias e seu domínio cruel sobre os povos. As condições
econômicas dos países mais pobres têm chegado a um ponto de
desespero (CHAMPLIN, 1997, p.368).

Até certo ponto é possível associar essa sombra com a escalada abrupta do
neopentecostalíssimo e, consequentemente, com o crescimento das igrejas que
professam a Teologia da Prosperidade que, embora tenha chegado bem antes ao país, só
atingiu os níveis atuais após o final da década de 1980, disseminando um individualismo
teológico que rompe com princípios mínimos de fraternidade, pregando uma ideologia de
enriquecimento sem causa, privilegiando a riqueza material, em detrimento dos valores
religiosos tradicionais; alinhando-se, enfim, aos valores do mercado e do sistema capitalista.

Contudo, na verdade, isto mais parece com um “tiro no pé”, pois uma pesquisa feita em
2002 pelo Projeto de Atitudes Globais do Pew Center descobriu que as nações mais
ricas tendem a dar menos importância às religiões de que as nações mais pobres. Com
exceção dos EUA, é evidente que a Ásia (tal como seus representantes Japão e Coreia),
enquadram-se bem nesta pesquisa (BAKAS; BUWALDA, 2011).

A Teologia da Libertação está fundamentada em uma postura na


qual a presente práxis histórica se transforma em norma canônica

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

para descobrir a vontade de Deus. Ao refletir algo parecido com a


ética situacional, a Teologia da Libertação não pode escapar das
mesmas acusações levantadas contra ela: moralidade relativista
e pragmática. Ela foge totalmente a ortodoxia reformada, e não há
nenhuma possibilidade de um crente evangélico sustentá-la sem cair
em contradição, isso porque a “Sola Scriptura” não admite nenhum
“somado a”, ou “junto com” (GONÇALVES, 2006).

Na próxima Unidade falaremos mais acerca das questões marxistas, pois há muito o
que se falar e estudar sobre os pensamentos de esquerda no tocante às concepções
marxistas. No próximo Capítulo daremos enfoque ao que começamos a tratar: sobre a
Teologia da Prosperidade. Mas antes, falemos um pouco de Hermenêutica e Teologia
da Libertação, uma vez que a questão do entendimento da solidariedade se pauta por
demais em contextos de má interpretação das Sagradas Escrituras.

Teologia da Libertação, Hermenêutica


Reformada e Alguns Métodos Teológicos
Contemporâneos
No que tange a Hermenêutica Reformada, esta zela pelo sentido histórico gramatical
do texto. Isto foi feito com o fim de possibilitar ao povo a livre leitura. Neste aspecto
a Hermenêutica de Lutero é de fundamental importância para o acesso, por parte do
povo, ao conteúdo das Escrituras.

Com o avanço da ciência e da técnica não demorou muito para que todas as ciências em
nascimento, inclusive a Teologia, se rendessem a sedução dos pressupostos científicos,
o que resultou em uma Teologia que removia o elemento sobrenatural da Bíblia.

Neste período surge a Hermenêutica do teólogo e filósofo Frederich Schleimacher.


Quando este modelo entrou em crise, surgiu a proposta existencial tendo em Martin
Heidegger, seu expoente na Filosofia, e em Bulltmann e Tillich expoentes na Teologia.

Segundo Shaeffer, este modelo ainda que empregue palavras com aparente conotação
cristã, na verdade as usa de forma ambígua, e com outras significações. O resultado é
uma Hermenêutica que não traduz sequer a experiência existencial, quiçá a Bíblia.

No que tange a Hermenêutica Reformada, vejamos diretamente nas palavras Spurgeon


(2010, p.70):
Uma leitura obvia não é leitura bíblica. Os olhos passam pelos versos e
as sentenças voam pela mente, mas não é uma leitura verdadeira. Um
velho pregador costumava dizer que a palavra hoje em dia tem um curso

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

livre e poderoso, pois entra em um ouvido e sai pelo outro; as pessoas


podem ler muito, mas na verdade não leram nada.

Destaca-se aqui que, para este pregador e pensador cristão, a pessoa que lê sem
interpretar na verdade não lê. Para Spurgeon a leitura da Bíblia é um ato de interpretação.
Esta abordagem está em acordo com o conceito lexical de leitura.

Compreender o seu significado é a essência da verdadeira leitura.


A leitura tem um âmago e a simples aparência nada vale [...] há uma
leitura interior, uma leitura do âmago, viva – uma leitura viva e
verdadeira da Palavra. Esta é a alma da leitura, e, se ela não existir, será
um exercício mecânico e sem nenhum valor (SPURGEON, 2010, p. 70).

Para o autor a meditação é o principal caminho para a compreensão do significado


do texto sagrado. Meditar, neste caso, é similar a ação de quem está esmagando uvas
com os pés com o intuito claro de extrair o sumo das mesmas, desta forma, a mesma
aplicação se dá à complexidade aparente de alguns textos, em oposição a clareza de
outros é um sinal de que o desejo divino é a de que as mentes sejam exercitadas pela
busca da interpretação mediante exaustiva reflexão.

Muito do véu que cobre as Escrituras não tem a finalidade de esconder o significado
daquele que é diligente, mas sim, tem como objetivo estimular a mente a ser produtiva,
pois a diligência do coração na ânsia por conhecer a mente divina faz com que ele seja
aperfeiçoado, sendo isto melhor do que o conhecimento em si mesmo (SPURGEON,
2010, p. 70).

O passo seguinte a isto é a conciliação entre a meditação e o compartilhamento dos


resultados da reflexão. Para Spurgeon o trabalho exegético de outros autores é de
fundamental importância na compreensão que leitor desenvolve do texto, daí que tão
logo alcançado o entendimento, este seja compartilhado.

Já quanto aos métodos contemporâneos é possível situar no campo ortodoxo o que Dick
(2001) chamou de Hermenêutica Canônica. Dentro desta metodologia de interpretação,
alguns textos aplicados à pessoa de Jesus foram distorcidos de forma a parecerem ser
profecias exatas, às quais os cristãos poderiam recorrer sempre que necessitassem de
um texto prova a fim de demonstrar o caráter messiânico da vida de Jesus.

Em um artigo intitulado Profecia e Cumprimento, Bultmann, mesmo com seus problemas


teológicos, elaborou uma resposta estimulante. Percebeu que o verbo empregado por
Mateus, por exemplo, para se referir ao cumprimento de cada profecia era πλερω, cujo
sentido é o de levar à plenitude, desta maneira, textos em seu sentido original eram
aparentemente contraditórios.

77
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Exemplificando como isso funciona na prática, o texto que fala da fuga de José para o
Egito, como também o texto do profeta Oséias em seu respectivo contexto. O profeta
vaticina: quando Israel era menino, eu o amei e do Egito chamei meu filho (OSÉIAS
11.1). Considerações atentas ao contexto possibilitam a constatação de que o profeta
está falando da história de Israel e de sua inclinação constante à apostasia (OSÉIAS 11.
2, 3), oposta ao amor de Deus (OSÉIAS 11. 3, 4).

Qual seria então a relação existente entre o filho de Deus e este texto? Aprofundando-se
no contexto de Oséias, ali indica que Israel é comparado a uma vide luxuriante.
Tal comparação remonta à fala profética que compara Israel com uma vide plantada
por Deus. Como na mensagem de Jeremias: “eu mesmo te plantei como vide excelente,
da semente mais pura, como, pois te tornaste para mim uma planta degenerada, como
vide brava?” (JEREMEIAS 2.21).

Deus plantou Israel, mas Israel não deu os frutos esperados (ISAÍAS 5. 1-7; LUCAS
13.6-9). Estes relatos mostram que onde Israel, o filho de Deus errou, Jesus, o Filho
do Deus vivo triunfou, por meio de sua obediência até a morte (FILIPENSES 2. 6-11).
Por este motivo ele exclama: “Eu Sou a videira verdadeira, e o meu pai é o agricultor”
(JOÃO 15. 1).

Desta forma, este tipo de interpretação resolve alguns problemas entre Velho e Novo
Testamento sem ter de recorrer às alegorizações e tipologizações das escolas de
interpretação primitivas e da Hermenêutica Medieval. O resultado é que Jesus cumpre
as expectativas depositadas outrora sobre Israel.

A Hermenêutica Sociológica advém de uma leitura sociológica da Bíblia, é um padrão


de leitura que clama pelo sentido do texto, foca-se nos interesses a respeito do mesmo.
A interpretação de Leonardo Boff a respeito de Cristo como um libertador social é
um claro exemplo deste tipo de hermenêutica, uma vez que segundo Gay (2001), esta
metodologia encontra-se atrelada à sociologia do conhecimento e a arte da suspeita.

A Teologia da Libertação sul-americana, por exemplo, tem procurado


reformular o significado no contexto do neo colonialismo e dependência
econômica opressivos no terceiro mundo. Na América do Norte uma
teologia negra tem sido desenvolvida no contexto da opressão branca,
e tem procurado reinterpretar o Evangelho sob a perspectiva da
negritude. O movimento feminista tem dado origem a uma teologia
feminista, nas quais as mulheres tem procurado livrar o Evangelho
das influências opressivas do sexismo e do domínio patriarcal.
Todas estas teologias focalizam conflitos que, segundo se acredita,
existem no âmago da existência social. Todas elas estão comprometidas

78
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

com a noção de que o conflito entre oprimidos e opressores é a força


motriz do desenvolvimento histórico. É por este motivo que as várias
Teologias da Libertação insistem que o pensamento teológico, inclusive
a interpretação das Escrituras, deve ser antecedida por uma análise
sociológica que visa desmascarar os mecanismos específicos de opressão
em qualquer realidade (GAY, 2001, p. 118).

E é somente a Teologia Feminista que será o próximo tópico.

Estudos Bíblicos-teológicos: interpretação e debates. Os estudos bíblicos e


a exegese judaica na Idade Média. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/
ztpr5/pdf/lewin-9788579820168-39.pdf>.

A Bíblia como obra literária: hermenêutica literária dos textos bíblicos em


diálogo com a teologia. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/pdkdq/pdf/
ferraz-9788578791186-01.pdf>.

O paradigma hermenêutico como fundamentação das pesquisas etnográficas


e fenomenologias. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v6n2/13905.
pdf>.

Rudolf Bultmann (1884-1976) e a Demitologização da Nova Hermenêutica.


Disponível em: <http://www.teologiacontemporanea.com.br/index.
php?pg=dinamic-subcontent&&id=120>.

A hermenêutica textual de Paul Ricoeur: Aportes à compreensão da


identidade cristã. Disponível em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.
br/21665/21665.PDF>.

A Hermenêutica da Teologia da Libertação: Uma Análise de Jesus Cristo


Libertador (Leonardo Boff). Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/
SeparacaoEclesiastFundament/HermeneuticaTeologiaLibertacaoDeLBoff-
AugustusNicodemusLopes.htm>.

79
Capítulo 11
Teologia feminista e ecofeminismo
de Ruether

Ruether: vida e obra


Rosemary Radford Ruether (nascida em 1936) é uma influente teóloga feminista.
Ela é considerada uma pioneira na área da Teologia Feminista, cujas obras ajudaram
a estimular uma reavaliação importante do pensamento cristão à luz dos problemas
das mulheres.

Foi Reuther quem cunhou o termo God/dess para expressar a inadequação da linguagem
tradicionalmente masculina da Teologia. Seu livro Sexism and God-Talk tornou-se um
texto clássico para o tratamento sistemático da tradição judaico-cristã do ponto de vista
do feminismo.

Um escritora prolífica, ela lidou com temas diversos, incluindo as raízes do antissemitismo,
o conflito árabe-israelense, os patrísticos, as mulheres na religião americana, a Teologia
da Libertação, a mitologia da Mesopotâmia e a ecologia.

Defensora da ordenação das mulheres e dos direitos do aborto, Reuther expressou sua
decepção na adesão do Papa Bento XVI à Santa Sé. Ela também foi uma crítica franca
da guerra desde a era do Vietnã e continua este trabalho hoje em oposição à política dos
Estados Unidos em muitas áreas de assuntos internacionais.

Reuther ensinou em várias instituições acadêmicas de prestígio e atua também como


editora de Christianity and Crisis e The Ecumenist. Ela é a autora e editora de muitos
livros sobre o feminismo e a Bíblia (alguns sem edição em português):

»» Sexism and God-Talk;

»» The Church Against Itself, e

»» In Our Own Voices: Four Centuries of American Women’s Religious


Writing.

Em seu primeiro livro, The Church Against Itself (1967) criticou fortemente a doutrina
católica, e muitas de suas outras primeiras publicações atacaram as visões católicas
tradicionais da sexualidade.

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Goddess: o termo cunhado por Ruether


Para Ruether, pode-se dizer que o solo de todo ser é o ventre cósmico que gera todas
as coisas. Ela argumentou que a tradição bíblica suprimiu a feminilidade de Deus, mas
não poderia finalmente escapar dela.

Deus não pode ser realmente dito ser masculino ou feminino, algo em que os próprios
autores bíblicos perceberam em sua crítica à idolatria. Reuther cunhou o termo Goddess
(Deusa em português) tanto como uma crítica da linguagem teológica dominada (e este
termo lembra bastante o discurso da dialética marxista: dominado e dominante na luta
de classe) pelos homens quanto para enfatizar que de fato não possuímos um nome
adequado para Deus.

Ruether enfatizou a imanência de “Deusdess” em oposição à transcendência da divindade


do céu patriarcal. Para ela, Deus proporciona aos humanos esperança de transformação,
mas não pode intervir para nos salvar se não atuarmos em nosso próprio nome.

A questão antissemita e Jesus como defensor


das mulheres
Na sua atitude em relação a Jesus, Reuther não começa com o credo da Igreja, mas com
o conceito judaico do Messias. Em Faith and Fratricide (1974), ela examinou o conflito
entre atitudes judaicas e cristãs e como estas se desenrolaram na trágica história do
tratamento da Igreja aos judeus.

Ao insistir em sua própria compreensão da definição e propósito do Messias, ela defendeu


que a cristologia da igreja evoluiu ao longo de linhas antissemitas. A expressão social da
Teologia Cristã expressou-se socialmente em tumultos antissemitas e intelectualmente
nos séculos de escritos patrísticos da Igreja “contra os judeus”.

Ruether argumentou que, para se livrar de sua tendência antissemita, a igreja deve
reexaminar radicalmente sua cristologia. Particularmente, os cristãos não devem mais
esperar que os judeus aceitem Jesus como seu Messias.

Reuther voltou um olhar igualmente crítico para a tradição do patriarcado na Igreja, bem
como na sociedade do antigo Israel. Ela defendeu uma nova cristologia feminista,
aplicando o conceito de desmistificação (não confundir com a desmitologização de
Bultmann) para tirar o conceito de Cristo de suas “imagens masculinas tradicionais”.

Para ela, o Jesus dos evangelhos sinópticos é um profeta totalmente iconoclasta que
visava estabelecer uma nova ordem social, não só em termos de justiça, mas também
em termos de relações de gênero.

81
UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

A ligação com questões sociais e marxistas


O livro mais influente de Reuther foi o Sexism and God-Talk, que é uma análise
sistemática do simbolismo cristão na perspectiva feminista. Tomando uma abordagem
dialética, ela não hesitou em apropriar-se de ideias das tradições que a Teologia
Patriarcal veio a negar.

Ela, assim, ousou incluir ideias da antiga religião politeísta do Oriente Médio, da
tradição clássica “pagã”, dos ensinamentos cristãos “heréticos” e da literatura pós-cristã
do liberalismo e do marxismo, bem como das escrituras judaico-cristãs e da Teologia
Cristã “Ortodoxa”.

Quanto ao pecado e à salvação, para Reuther, o pecado é essencialmente um


relacionamento distorcido com Deus/dess (ou Goddess), outro ser humano, a terra ou
mesmo a si mesmo.

O pecado é superado por uma mudança radical de coração, de modo que os valores e
a visão de Jesus sejam colocados no centro da própria vida e também sejam adotados
pela comunidade. A salvação não está em algum futuro reino escatológico, mas começa
na Terra no aqui e agora.

A realização do reino de Deus envolve a ponte entre “o que é e o que poderia ser”. Os
seres humanos devem comprometer-se incessantemente a trabalhar para estar em um
relacionamento correto com Deus/dess, um ao outro e o mundo natural.

Ecofeminismo
Outra ênfase no trabalho de Ruether é a crise ecológica. Começando com uma crítica do
conceito bíblico de “domínio” humano, ela se move para uma análise do conceito liberal
de “progresso” como essencialmente falho.

O Marxismo reconheceu, com razão, que a educação e a reforma política não podem
resolver o problema, mas não conseguiu ver que a expansão da economia global não
pode continuar indefinidamente devido aos problemas de superpopulação e a escassez
final de terras e recursos. O ideal romântico de um “retorno à natureza”, por outro
lado, tende a idealizar sociedades primitivas que eram tanto exploradoras quanto
não saudáveis.

Reuther encontra um novo modelo no conceito do Jubileu bíblico, uma suspensão


periódica de dívidas e agricultura para devolver o mundo social e natural à harmonia.
Em vez de uma atitude linear em relação à história, ela sugere esforços contínuos e

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

talvez até mesmo “problemas periódicos” em circunstâncias históricas que nem sempre
são possíveis de prever.

No último mês do ano de 2017 Reuther continua em atividade, além de seu trabalho
em andamento como professora e escritora, Reuther continua a falar sobre vários
problemas políticos, sociais e eclesiásticos.

Desde 1985, ela atuou como membro do conselho do grupo de direitos de aborto
“Católicos para a escolha” (CFC). Continuou a escrever sobre o tema do antissemitismo
cristão e, ao mesmo tempo, assumiu uma atitude altamente crítica em relação à política
de Israel em relação aos palestinos.

Ela também foi uma adversária franca da política dos Estados Unidos na sequência dos
ataques de 11 de setembro. Em 2008, o Departamento de Teologia e Estudos Religiosos
da Universidade Católica de São Diego declarou sua intenção de eleger Ruether como
presidente da Teologia Católica Romana para o ano letivo de 2009-2010. Esta decisão
foi posteriormente rescindida quando membros da comunidade do campus protestaram
que seu trabalho acadêmico era incompatível com a fé católica.

Rosemary Reuther tem sido uma voz importante na promoção de uma crítica feminista
da Teologia tradicional. Sua metodologia de uso da análise crítica histórica para ir além
das atitudes patriarcais da Bíblia hebraica e a Teologia dos Pais da Igreja abriram o
caminho para a criação de uma Teologia sem gênero no novo milênio.

Suas obras estimularam inúmeras respostas e desenvolvimentos tanto dentro da


comunidade católica, o mundo cristão em geral, como também outras tradições de fé.
Independentemente do que se pensa sobre as questões políticas, pois seu trabalho tem
influenciado a Teologia dos teólogos mais importantes do século XX.

Ela tem quase 500 artigos e mais de 30 livros publicados, entre suas obras mais
conhecidas, são:

»» A Igreja contra si mesmo (1967);

»» Teologia da libertação: a esperança humana enfrenta a história cristã e o


poder americano (1972);

»» Religião e Sexismo: imagens de mulheres nas tradições judaicas e cristãs


(1974);

»» Nova mulher/nova terra: ideologias sexistas e libertação humana (1975); e

»» Maria - a face feminina da Igreja (1977).

83
Capítulo 12
Teologia da prosperidade

Aspectos Iniciais
A Teologia da Prosperidade (TP) surgiu de algumas seitas sincréticas da Nova
Inglaterra, no início do século XX e está mais voltada para a questão da religiosidade
do que religião em si. Ou seja, também é conhecida como “confissão positiva”, “palavra
da fé”, “movimento da fé” e “evangelho da saúde e da prosperidade”, é aquele que vive
da aparência, pois o exterior não importa.

Que contribui mais, ganha mais benefícios de Deus, e quem menos, bom, continua
dependendo do ato solidário de outrem. Ao contrário do que se imagina, as principais
ideias da Teologia da Prosperidade não surgiram no pentecostalismo, mas foi nesse
ambiente em que teve uma acolhida mais receptiva.

Trata-se de uma visão “teológica” que sai em defesa do pensamento de que a bênção
financeira é desejo de Deus para os cristãos. As atitudes de fé, o discurso positivo e as
doações para os ministérios cristãos são condições para alcançar a prosperidade e a
riqueza material do seguidor.

O discurso do The Secret é sempre aplicado: “você pode”, “você consegue”, “você é
capaz, é vencedor, nasceu para vencer, não há derrota em sua vida quando você está
sendo fiel nos dízimos e ofertas”, “Deus vai te honrar, se você...”. É a Lei da Atração em
sua mais pura essência, você faz, você recebe. Isso é totalmente contrário ao que Jesus
pregou ou a qualquer menção acerca da graça na Bíblia.

Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os


demônios; de graça recebestes, de graça dai. Não vos provereis de
ouro nem de prata, nem de cobre nas vossas bolsas; nem de alforje para
o caminho, nem de duas túnicas, nem de calçado, nem de bordão; pois
digno é o trabalhador do seu alimento. Em qualquer cidade ou aldeia
em que entrardes, indagai quem nela é digno; e aí ficai até vos retirardes
(MATEUS 10.9-11, grifo nosso).

Quanto mais se der, maiores são as chances da salvação, pois o homem de pouca fé
não devolve dízimos e ofertas. Logo, a barganha beira à compra da salvação. E claro
contrário ao que as Sagradas Escrituras dizem: “Porque pela graça sois salvos, por meio
da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

glorie; porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais
Deus preparou para que andássemos nelas.” (EFÉSIOS 2:8-10)

Depois de 1950, a Teologia da Prosperidade se destacou no cenário global, o que não


seria surpreendente, pois o pós-guerra culminou na atual sociedade do consumo, da
tecnologia, do uso desenfreado. Logo, quanto mais rico se é, mais “abençoado” está
sendo por Deus. O pobre continua sendo pobre em função de vários problemas, o que
inclui a questão do pecado.

Agostinho de Hipona já dizia que o maior pecado é o da soberba, onde o eu volta-se


para si mesmo, o que faz do homem um ser puramente egoísta e egocêntrico.
O antropocentrismo é bastante evidente nas pregações dos adeptos da Teologia da
Prosperidade, uma vez que o homem é o centro de todas as coisas, não mais Deus.
A Teologia da Prosperidade reverencia a importância do “empoderamento” individual
do ser humano, enfatizando que é da vontade de Deus ver seu povo feliz.

A reconciliação com Deus representa o alívio das doenças e da pobreza, que são vistas
como provações a serem vencida por meio da fé, da visualização e da confissão positiva.

Os cultos são obviamente centrados na autoajuda, parecendo mais com palestras


motivacionais e cursos de coaching do que efetivamente adoração a Deus. Nessa
Teologia a antiga ideia de recompensa a ser alcançada na eternidade é substituída pelo
retorno quase que imediato de tudo o que a vida terrena possa proporcionar.

As origens do Movimento do Novo Pensamento estão ligadas ao sueco


Emanuel Swedenborg (1688-1722), místico, vidente, teólogo, filósofo e
cientista para quem a fé, ações e poder caminhavam juntos. Nos Estados
Unidos seu principal expoente foi o místico Phineas Parkhurst Quimby
(1802-1866), que estudou espiritismo, ocultismo, hipnose e parapsicologia
para produzir sua filosofia. Quimby ensinava que a enfermidade e o
sofrimento têm origem no pensamento incorreto. Ele fez muitos discípulos
e após sua morte, vários grupos vão rivalizar entre si e o movimento do
Novo Pensamento vai ganhar popularidade e muitos seminários de
oratória serão abertos, dentre os quais merece destaque o Emerson College
of Oratory, devido ao fato do protestante Essek W. Kenyon, considerado o
“pai da confissão positiva” estudar nessa escola e obter ali as bases do que
é chamado de Teologia da Prosperidade. (PAULA, 2015).

Origens da TP
Essek William Kenyon (1867-1948) e Kenneth Erwin Hagin (1917-2003) são bastante
conhecidos como aqueles que propagaram a Teologia da Prosperidade, embora o mais

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

famoso seja Kenneth Hagin, sendo que talvez Essek William Kenyon seja o fundador da
confissão positiva. Ela algo recente, como vimos, a partir dos anos de 1940 que ganhou
forma, sendo articulada como movimento doutrinário, nos Estados Unidos da América.

O evangelho da prosperidade está fadado a se expandir por algum


tempo e a ser ouvido e acatado por muitos, pois diz aquilo que as pessoas
querem escutar. Novos movimentos crescem porque satisfazem alguma
necessidade do coração humano expressa na cultura de determinada
época. [...] Em nossa época, parece que a promessa de saúde e riqueza
vai de encontro às mais profundas esperanças culturais e pessoais do
homem atual. (PIERATT, 1993, pp. 12-13).

É provável que Kenneth Hagin seja o nome de maior influência no Brasil, sendo que
se voltada a questão da prosperidade, bem como para curas e visões sobrenaturais.
A consolidação se deu na década de 1970 em função da influência de Hagin sobre
diversos grupos pentecostais norte-americanos que passaram a difundi-la. Hagin
inspirou-se em Kenyon, tendo adaptado vários de seus escritos sobre cura divina e
Confissão Positiva. (SOUSA, 2011).

Desde então penetrou em muitas igrejas e ministérios paraeclesiásticos,


em especial: Internacional da Graça, Universal, Renascer em Cristo,
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, Nova Vida, Cristo Salva,
Cristo Vive, Verbo da Vida, Nacional do Senhor Jesus Cristo, Adhonep,
CCHN, Missão Shekinah. Naturalmente, cada instituição, cada liderança
pastoral deglutirá, trabalhará e transmutará de diferentes modos às
doutrinas desse “Novo Evangelho”, ora enfatizando determinados
aspectos, ora deixando outros de lado. (MARIANO, 2012, p. 157).

Hagin, em seu livro O Nome de Jesus, afirma ter lido Kenyon, sendo seu o primeiro
contato com seus livros ocorreu dois anos após sua morte, em 1950, o qual admitiu
“que este seu livro fora baseado em outro de Kenyon, The Wonderful Name of Jesus.
Hagin “escreve ainda que lhe chamou a atenção o fato de ele ter falecido aos 81 anos
sem nenhum tipo de doença e que trabalhava num ritmo que nem mesmo os jovens de
sua equipe conseguiam acompanhá-lo”, sendo que ele, praticamente, um comentado
da obra Kenyon.

O ministério de Kenneth Hagin teve alcance até antes inimagináveis. O centro de


treinamento Rhema, nos Estados Unidos, formou mais de 23 mil pastores. Seu programa
de rádio é transmitido por mais de 250 estações na América do Norte. Mais de 150 livros
produzidos, tanto por Hagin quanto por seu filho, Hagin Jr., contam com o expressivo
número de mais 65 milhões de cópias em circulação.

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

Desde então, a Teologia da Prosperidade vai tomando sua forma atual passando
a ser chamada de Evangelho da Prosperidade, Evangelho da Saúde e Prosperidade,
Movimento da Fé ou Palavra da Fé. Embora ocorra essa variedade de nomes, todos têm
na prosperidade financeira a sua ênfase principal.

Elucubrações acerca da TP
Ter dinheiro não é pecado, ser pobre também não é pecado. Então o que define pecado?
Como muito se sabe, este é um termo proveniente do grego harmatia, que significa
literalmente errar o alvo.

Jesus nunca condenou, bem como nenhuma outra grande religião, a questão de ter
recursos. É claro que em vários momentos Ele advertiu severamente aqueles que tinham
pelo fato da forte inclinação à tentação da adoração ao dinheiro (isto é, a Mamon).
Por isso disse que “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!
Porque é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico
no reino de Deus.” (LUCAS 18: 24, 25).

A ignorância bíblica dentro da igreja talvez seja muito mais profunda


e mais generalizada do que em qualquer outra época desde a Reforma
Protestante. Se você duvida disso, escolha aleatoriamente um dos
sermões de qualquer dos principais pregadores evangélicos anteriores
a 1850 e o compare com o sermão típico de hoje. Além disso, compare
a literatura cristã de hoje com qualquer obra publicada há cem anos
ou mais, pelas editoras evangélicas […]. Os temas característicos dos
sermões estão carregados de questões centralizadas no homem (tais
como relacionamentos pessoais, vida bem-sucedida, autoestima, listas
de “como fazer” e assim por diante), a ponto de excluir muitos pontos
da doutrina bíblica que exaltam e enaltecem a Cristo (MACARTHUR,
2008, p. 200).

Jesus também advertiu o Jovem Rico, dizendo a ele deixar todos os seus bens a fim
de demonstrar aos seus seguidores que é praticamente impossível alguém deixar
absolutamente tudo, muito embora aquele Jovem já houvesse feito muito, ele não
conseguiu abandonar tudo.

Jesus também não saiu atrás dele, correndo arrependido de suas palavras, não. Se o
seguidor não deseja acertar, que o deixe ir. Há momentos na questão solidária o
pensamento deve-se voltar para isto, respeitar a pessoa que rejeitou ajuda (em alguns
casos, claro. O que não seria lógico em casos de dependência química, onde a pessoa

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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

não é mais controlado por seus próprios pensamentos, mas sim por entorpecentes, isto
é, não respondendo por ela mesma). Jesus também não disse que aquele que for Rico
está condenado. O problema são os extremos que existem.

A Teologia da Prosperidade é uma verdadeira, crassa e fatídica vergonha para qualquer


um que proclame o Evangelho pregado por Cristo. O voto de pobreza absoluta, de igual
modo, é algo que, se não houver uma clara mensagem Divina, simplesmente é apelativo
e imaturo.

A “barganha da fé”, o “engano popular das massas”, o “estelionato religioso” entre tantos
outros jargões que são oferecidos aos proclamadores desse pensamento religioso, é algo
real e presente no mundo de hoje.

Ela apresenta qualquer um que esteja em uma posição não privilegiada financeiramente
como alguém que “Deus se esqueceu”, ou que “está em pecado”, ou ainda “com demônio”
(encosto) e tantas outras mazelas e insultos.

Acreditar que a pobreza é do “demônio” e que somente a riqueza é Divina é rasgar


as Sagradas Escrituras em sua mais pura essência. É sobrepujar qualquer limite das
ordenanças do bem e da solidariedade, uma vez que, faz com que pessoas nesta posição
se sintam fracas, inúteis, fracassadas, gerando com isto toda sorte de sentimentos
ruins e depressivos que possam ter. Enfrentar dificuldades nunca foi nem será sinal de
fracasso espiritual. O salvo pode ser pobre e continuar andando de cabeça erguida, haja
vista o seu maior tesouro está guardado nos céus (1 PEDRO 1. 3-4).

Ao trabalhar com a questão de que pobre é fracassado e rico é vencedor, a solidariedade


que poderia existir ai, é anulada por um sentimento de desprezo absoluto por outrem,
pois não passa de um derrotado aquele que se encontra em uma situação financeira
mais delicada. No Evangelho genuíno a palavra “obedecer” não significa contribuir
financeiramente, mas viver os mandamentos de Jesus, carregar sua cruz e segui-lo até
o fim, ou seja, ser submisso a Cristo. Mas os pregadores da Teologia da Prosperidade
não querem fazer a vontade de Deus (MATEUS 7.21-23).

A pobreza, para muitos que passam ou que passaram por ela, fortalece, e não é indigna.
A pobreza extrema sim, a fome e a desnutrição sim, a calamidade da violência e os abusos
diversos certamente são zonas de perigo absoluto e contrária aos Direitos Humanos,
conforme inciso II da Declaração Universal dos Direitos Humanos que objetiva: “erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

O problema é caos psicológico que essa Teologia causa na mente daqueles que
não possuem recursos, sentindo-se indignos de sequer pisar em uma igreja, e, por
este motivo, quando pisam, são coagidos psicologicamente a dar o que não tem. E

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TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA │ UNIDADE ÚNICA

são roubados por pessoas de má fé e índole, a fim de angariarem fundos para seus
bel-prazeres.

Infelizmente há casos e mais casos em que pessoas que já não tinham muito, perderam
tudo. É uma triste realidade, mas real e presente por conta do fato de haver o soberano e
o submetido, aquele que detém o conhecimento e que não o busca. Logo, uma somatória
de malícia com ignorância popular, gera-se o cenário tétrico do avançando tácito da TP
nos mais diferentes contextos teológicos.

De acordo com Zibordi (2012, pp.76-77) as razões pelas quais alguém abandona o
verdadeiro Evangelho de Cristo para seguir a Teologia da Prosperidade são:

1. A falta de contentamento que gera ganância, avareza e consumismo:


“Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso
contentes” (1 TIMÓTEO 6.8).

2. A Priorização das riquezas: “Mas os que querem ser ricos caem em


tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
submergem os homens na perdição e ruína” (1 TIMÓTEO 6.9).

3. O amor ao dinheiro: “Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie


de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si
mesmos com muitas dores” (1 TIMÓTEO 6.10).

Sendo que em Eclesiastes (5.10) também está escrito: “O que amar o dinheiro nunca
se fartará de dinheiro; e quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também
isto é vaidade”. “Não ambicionemos, pois, as coisas altas” (ROMANOS 12.16). Mas a
prosperidade espiritual por meio do Espírito Santo de Deus e estudo da Palavra.

Ainda segundo Zibordi (2012, pp. 69-70), a melhor definição para o verbo “prosperar”,
à luz das Escrituras, é “florescer” e não somente enriquecer. A palavra prosperidade
proveniente do latim prospérus tem como significado ser “feliz, ditoso, florescente”.
Com isto, “O justo florescerá como a palmeira; crescerá como o cedro do Líbano.
Os que estão plantados na Casa do Senhor florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice
ainda darão frutos; serão viçosos e florescentes” (SALMOS 92.12-14).

Logo, florescer como uma árvore significa prosperar em todos os sentidos (SALMOS
1.1-3) e dar muito fruto (JOÃO 15. 1-5).

O crescimento, portanto, é para todos os lados, todas as áreas da vida de uma pessoa.
Um pobre que sequer tem dinheiro para comprar uma moto, mas possui uma bicicleta,
e, passando em tempo compra uma moto, prosperou, pois não precisa sair de carro
importado de um ano para o outro. Assim como aquele filho que não perdoou o pai,
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UNIDADE ÚNICA │ TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

mas agora o fez; ou aquele que não conseguia cumprir suas próprias metas, mas o fez
etc. Tudo isso é prosperar.

É sabido que uma árvore não cresce apenas para cima ou para os lados; cresce também
para baixo; tem raízes. Essa é a prosperidade que o Senhor quer dar aos seus filhos:
um crescimento em todas as direções, um enraizamento na Palavra. A prosperidade
material não é um fim em si mesmo (MATEUS 6.33; 12. 16-21), mas representa um
ponto de apoio dentro de toda esta roda da vida.

90
Para (não) finalizar

Indicamos as leituras de todos os conteúdos passados ao longo de nosso Caderno de


Estudos, bem como os vídeos na plataforma e respectivas Leituras Complementares da
biblioteca para melhor e maior aprofundamento.

Isto inclui um material que está na biblioteca desta disciplina, da Sociedade de Teologia
e Ciências da Religião (Soter ) que discute a Teologia em seus cenários contemporâneos
por meio de inúmeros artigos, que somados, beiram as quase 2 mil páginas de conteúdo.

91
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