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Hermenêutica

Brasília-DF.
Elaboração

Paulo Lima

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO............................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
CONCEITUAÇÃO...................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
A HERMENÊUTICA E A INTERPRETAÇÃO NA HISTÓRIA................................................................ 21

CAPÍTULO 3
A HERMENÊUTICA E O NOVO TESTAMENTO ............................................................................. 33

UNIDADE II
HERMENÊUTICA D.C............................................................................................................................. 44

CAPÍTULO 1
HERMENÊUTICA APÓS CRISTO................................................................................................. 44

CAPÍTULO 2
CONCEITOS INTERPRETATIVOS ................................................................................................ 54

CAPÍTULO 3
FALÁCIAS EXEGÉTICAS............................................................................................................ 59

CAPÍTULO 4
HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA......................................................................................... 69

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 78

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 82
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A hermenêutica não se restringe somente às Escrituras, tampouco a livros considerados
sagrados, históricos, entre outros estereótipos, mas se estende a áreas do conhecimento
de maneira extremamente vasta. Qualquer formato interpretativo de texto envolve
hermenêutica, seja ela na Filosofia, e especialmente no Direito, seja nos extremos do
grande campo da Biologia Molecular, princípios quânticos, física de partículas etc.

O abraço que a hermenêutica dá em tudo o que conhecemos é abrangente em demasia


para considerarmos todos eles em nosso Caderno de Estudos e Pesquisa. Portanto,
considerando o fato de que estamos em um curso de Teologia e, como é cediço, que o
maior e mais difundido Livro(s) Sagrado(s) é(são) a(s) Escritura(s) Sagrada(s), daremos
atenção especial aos contextos e modelos mais importantes a não serem descartados
em uma análise exegética interpretativa de textos.

A Bíblia será o cerne, no entanto, métodos dos quais trataremos, bem como demais
conceitos servirão também de base para a análise crítica de textos em outros fins.
Lógica e coerentemente sabemos da impossibilidade de, mesmo nos restringindo às
concepções sagradas, temos por certo que a abordagem feita não é completa em si e,
deste modo, o Para (Não) Finalizar é tão essencial.

Esmiuçar cada método de emprego hermenêutico, conceitos e passos para uma boa
interpretação exegética das palavras do Velho e Novo Testamento é fundamental. Leituras
de livros correlacionados (principalmente os que estão contidos em nossas referências
bibliográficas) trarão ao aluno dedicado uma abordagem mais próxima do esperado
possível. Com isto é pedido: não negligencie as sugestões.

O Caderno de Estudos e Pesquisa foi produzido objetivando trazer o desenrolar


hermenêutico dentro dos principais pontos históricos: momento antigo, contemporâneo
a Cristo, dentro das ideias dos Pais da Igreja, na Idade Média, época coetânea.

Objetivos
»» Compreender o que é Hermenêutica.
»» Despertar e instigar o pensamento e posicionamento.
»» Analisar os principais métodos de interpretação.
»» Reconhecer a importância interpretativa dentro de um contexto

»» histórico.

»» Verificar os diferentes passos de uma interpretação bíblica.


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PANORAMA
CONCEITUAL UNIDADE I
HERMENÊUTICO
De acordo com o famoso filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) a linguagem
é algo anterior à humanidade e, por isso, ela teria o poder de moldar a compreensão
antropológica das coisas. A humanidade, no que tange a sua própria existência seria,
portanto, definida linguisticamente e, por meio da linguagem, alcançaríamos o patamar
do entendimento humano. Pensando nisto, faremos uma abordagem dos principais
modelos de entendimento histórico na antiguidade até os tempos de Cristo.

CAPÍTULO 1
Conceituação

Raízes exegéticas da palavra hermenêutica


Para Berkhof (2004) a palavra hermenêutica é derivada da
palavra grega hermeneutike que, por sua vez, é oriunda do
verbo hermeneuo. O primeiro a utilizar o termo hermeneutike
foi Platão – que submete a palavra Techne propriamente à arte
Hermeneuein, contudo, segundo o autor, designa a teoria dessa
arte e a define como “a ciência que nos ensina os princípios, as
leis e os métodos de interpretação.

Para Mazotti (2010), as raízes da palavra hermenêutica provêm


do verbo grego hermeneuein e do substantivo hermeneia, os quais
relacionam-se com o mito de Hermes, o deus grego, e Mercúrio
na cultura romana. Hermes, filho de Zeus, tinha como objetivo
levar a mensagem dos deuses do Olimpo aos homens, porém, ele
devia interpretar as mensagens dos deuses para que os mortais
pudessem compreender. Hermes, portanto, “inventou a escrita e
a linguagem” para aperfeiçoar a comunicação entre eles.

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UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Para Champlin (1991), no que se refere ao termo, este vem do grego,


hermeneutikós, que significa “interpretação”, ou “arte de interpretar”.
Por sua vez, o vocábulo grego hermeneutes significa “intérprete”. Essa
palavra deriva-se do nome de Hermes, o deus da eloquência.

 Seus usos principais são:

1. a interpretação de textos escritos, especialmente bíblicos, embora


também de natureza filosófica, legal etc;

2. as atividades da filosofia das ciências sociais, que são consideradas, por


muitos especialistas, como mais aparentadas à hermenêutica do que
às ciências exatas, as quais já usam métodos de laboratório em suas
pesquisas;

3. a filosofia, que, dentro daquilo em que ela opera em uma cultura qualquer,
envolve a hermenêutica.

Atenção! Tomaremos uma abordagem diferente neste Caderno de


Estudos e Pesquisa, diferentemente de outros de nosso curso. A maior
parte das sugestões complementares de estudos extras de nosso material
será contemplada no plano Para (Não) Finalizar. O motivo principal é
seguido do fato de que há diversos (para não dizer, infindos) assuntos
correlacionados à hermenêutica tanto bíblica, quanto jurídica, entre outros
tipos. É certo que nos ateremos ao foco do curso, baseado principalmente
nas Escrituras Sagradas. Deste modo, a fim de dar cadência ao Material de
Apoio, não o “interrompendo” em vários pontos, procure ao final estudar
as propostas complementares de estudo. Ao aluno que não negligenciar
tais sugestões, certamente o aproveitamento, não somente em nota, mas
em aprimoramento e desenvolvimento acadêmico, far-se-á nitidamente
mais completo, e o factual crescimento em busca do conhecimento será
cediço.

Se nos atermos a um único autor, muito provavelmente teremos informações que tendem
a objetivar a linha de raciocínio de sua obra, e com isto nos limitaremos ao conteúdo
objetivado por ele. Como um setor comercial empresarial precisa fazer, geralmente,
três orçamentos para verificar qual é o mais pertinente, adotemos a mesma estratégia.

De acordo com Chagas (2011), a terminologia “Hermenêutica” certamente originou-


se na mitologia grega clássica. Teria se derivado de Hermes – como tão explanado e

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PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

confirmando por todos – filho de Zeus e Maia, cujo ofício era ser o mensageiro dos
deuses. Teria ele sandálias com asas, um chapéu de abas largas e ainda seguraria uma
vara (caduceu) na qual duas serpentes se enrolavam.

Para conhecer mais sobre Hermes é preciso pesquisar Mercúrio, seu simulacro em
Roma, uma divindade que tinha a incumbência de levar as mensagens de Júpiter (termo
em latim: Iuppiter, o deus romano do dia, equivalente ao deus Zeus). Com semelhanças
a Hermes, Mercúrio também possuiria uma bolsa, sandálias e um capacete com asas,
uma varinha de condão e o caduceu; era também o deus da eloquência e da inteligência,
do comércio, dos viajantes e dos ladrões (CHAGAS, 2011).

E de fato, como lembrado pelo o autor, existe o episódio em Atos que “aparecem”
Júpiter e Mercúrio. Barnabé foi chamado de Júpiter – o deus pai – e Paulo, por sua vez,
de Mercúrio – o mensageiro (At 14.12). Esta palavra bíblica nos primeiros séculos do
Cristianismo corrobora com a probabilidade de Hermenêutica ser proveniente do deus
grego/romano.

Objetivos e definições
Para Berkhof (2004, p. 9-10), a Hermenêutica é:

Geralmente estudada com o objetivo de interpretar as produções


literárias do passado. Sua tarefa especial é mostrar o caminho pelo
qual as diferenças ou a distância entre o autor e seus leitores podem
ser removidas. Ela nos ensina que isso só é realizado adequadamente
quando o leitor se transporta para o tempo e o espírito do autor. No
estudo da Bíblia, não é suficiente entendermos o significado dos autores
secundários (Moisés, Isaías, Paulo, João, etc.); devemos aprender a
conhecer a mente do Espírito.

Para Mazotti (2010, p. 9, grifos nossos), a Hermenêutica é conceituada como:

A arte de interpretar, ou como a ciência cujo objeto é a determinação


do sentido de um texto. A verdade é que a hermenêutica e interpretação
possuem um substrato semântico comum que faz referência a dizer,
explicar e traduzir [...]. Assim, tanto aquele que busca nas origens
históricas de um evento, como quem explora as intenções da mente de
um autor, está sempre ao encalço de um sentido. Hodiernamente, em
virtude da grande quantidade de escolas e métodos que se
formaram, alguns autores, principalmente aqueles da área jurídica,

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UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

passaram a conceber a hermenêutica como uma ciência que visa à


sistematização dos métodos de interpretação, conferindo à mesma um
caráter organizador das técnicas existentes, na busca de um estudo
mais racionalizado. Não esposamos tal doutrina. Para nós, tanto
o termo hermenêutica quanto intepretação podem ser utilizados como
sinônimos as seara jurídica, uma vez que, no campo do Direito, a
utilização de ambas se refere a uma pesquisa de sentido da norma, sem
maiores consequência teóricas e dogmáticas daí advindas. Por outro
lado, o mesmo não ocorre no campo da filosofia. Ao longo de décadas,
diversas escolas hermenêuticas-filosóficas distinguiram interpretação,
hermenêutica, compreensão e explicação, sendo necessário o rigor
conceitual.

Para Champlin (1991, p. 95-96), a Hermenêutica é:

A ciência das leis e princípios de interpretação e explanação. Em relação aos


estudos bíblicos e teológicos, o principal aspecto desse estudo diz respeito à
compreensão das Escrituras Sagradas, e por que meios essa compreensão deve
ser atingida. A hermenêutica deve ser estudada, logicamente, antes da exegese,
a qual vale-se dos princípios hermenêuticas em suas investigações e conclusões.
O método crítico histórico de investigação bíblica, que surgiu no século XIX,
salienta a necessidade de compreendermos o que os próprios autores bíblicos
entendiam com aquilo que diziam, considerando-se a posição deles dentro da
história. Esse método de investigação salienta que eles viveram em uma época
em que a ciência era deficiente e muito limitada; que eles haviam herdado
ideias primitivas sobre a natureza; seus pontos de vista sobre Deus eram
bastante antropomórficos; que eles tinham pouca noção sobre crítica textual,
e que, virtualmente, desconheciam totalmente a arqueologia. Assim, cresceu a
ênfase acerca do descobrimento do que esses autores sagrados tinham querido
ensinar, e uma preocupação menor com o conteúdo das verdades que eles
ensinavam. Aos teólogos dogmáticos foi entregue a tarefa de investigar esse
conteúdo.

Para Stein (1999, p. 20), o objetivo principal:

Ou pelo menos um dos objetivos principais, quando se interpreta a


Bíblia, é descobrir o “significado” do texto que está sendo estudado.
Queremos saber o que o texto “significa”. Ainda mais: de onde esse
significado se origina. Às vezes há divergência entre os intérpretes
quanto ao componente de onde surge o significado [...]. Esta é, ainda,

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PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

outra forma de descrevê-los: o remetente, a mensagem e o destinatário.


Se algum deles faltar, a comunicação se torna impossível.

Pode-se falar em dois sentidos de um ponto de partida ético na hermenêutica, pois este
pode existir, de acordo com Berger (1999, p.9):

a. como o etos do exegeta ao realizar o trabalho histórico crítico propriamente


dito e;

b. como a razão, motivo que leva a inquirir e “aplicar” um texto ao presente.

Desta maneira ainda, ele nos dá explanações que nos orientam em diferentes pontos de
vista, vejamos:

Quadro 1

a) A aplicação não parte, primordialmente, da pergunta de como se poderia tornar um texto como um todo compreensível hoje ou como ele
deveria ser traduzido. A aplicação não é uma atividade acadêmica visando tornar a mensagem compreensível para si mesmo (transposição
de “concepções” para o “presente”), mas um compreender relacionado com o agir. Nesse sentido, a própria aplicação é uma ação de
extrema responsabilidade.
 
b) O modelo para o procedimento não é partir do “direito da palavra de Deus” agora – a teologia principia, ante, “a partir de baixo”,
experiência da necessidade ou aflição, e seu critério não reside numa adequação suposta ou real ao texto bíblico, mas numa função prática
efetiva, “libertadora”. A teologia, neste caso, não se entende primordialmente como advogada da “palavra soberania de Deus”, mas orienta-
se, antes, pelo modelo do serviço terreno de Jesus.
 
c) O início da aplicação é a evidência do apelo resultante da situação em que surge a necessidade de uma ação, à qual não é possível
fechar se e à qual não se pode reprimir ideologicamente.
 
d) As consequências práticas resultam deste enfoque são: o intérprete sabe que seleciona textos da Escritura e também admite isso
abertamente. Decisivo tornam-se o objetivo e o efeito do texto da aplicação a ser constituído. O proclamador pergunta por aquilo que o
impressionou e que, a partir disso, é capaz de levar outros a consolar-se ou a agir.
 
e) Temos o seguinte princípio bem comum com a teologia da libertação: não interpretar o mundo a partir do evangelho, não encarar o
mundo como um caso para aplicação de uma norma geral preservada na Escritura. Explorar o evangelho a partir da situação (isto é, entre
outras, também a partir da situação social), redescobrir ou deixar que se revele a importância do evangelho a partir dessa base.
Fonte: Adaptado de BERGER (1999, p.10-11).

Os três passos para o estudo de uma homilética bíblica, pelo que vimos até são: (1)
observação; (2) interpretação e (3) aplicação, podendo variar de autor para autor o grau
de importância de cada, bem como a ampliação do escopo técnico hermenêutico.

Desta maneira, observar um texto bíblico é examiná-lo com atenção tanto em seu
todo como em suas partes. Para uma boa observação, o texto deve ser lido por completo
diversas vezes com atenção. Para munir-se de cada palavra a ser interpretada, faz-se
necessário fazer perguntas ao texto. Anote as respostas e os respectivos versículos.

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UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

As perguntas podem aplicar-se de diversas maneiras: Quem? Como? Quando? Onde?


Por quê? A quem?

Fee e Stuart (2011, p. 93-105) apresentam a proposta de quatro problemas para


uma boa compreensão hermenêutica:

1. Problema dos limites de aplicação: onde há características comparáveis e


contextos comparáveis na igreja de hoje, é legítimo estender a aplicação
do texto a outros contextos, ou fazer um texto aplicar-se a um contexto
totalmente estranho ao ambiente do século 1?

2. Problema das peculiaridades não comparáveis: o problema aqui tem


a ver com dois tipos de textos nas epístolas: aqueles que falam sobre
questões do século 1 que, em sua maioria, não tem equivalentes no século
21; e aqueles textos que falam sobre problemas que também poderiam
acontecer no século 21, mas de ocorrência bem improvável.

3. Problema da relatividade cultural: essa é área em que se encontra a


maioria das dificuldades e das diferenças em nossos dias. É o lugar
em que o problema da Palavra eterna de Deus, evidenciada em sua
particularidade histórica, assume nitidamente o fato.

4. Problema da teologia: trata-se da teologia orientada (exclusivamente)


para a realização de tarefas e, portanto, não apresentada de modo
sistemático, (FEE, 2011, p. 93-105).

LEMBRE-SE: No que tange Hermenêutica Bíblica, esta é o estudo da interpretação


da Bíblia. Um pregador ou professor da Bíblia deve interpretar corretamente
a Bíblia para não pregar ou ensinar heresias! Outrossim, a Bíblia interpreta a
própria Bíblia. Até onde é sabido o primeiro intérprete da Palavra foi o diabo.
E ele deu à Palavra de Deus um sentido que esta não tinha, pois ele falseou a
verdade. A Bíblia é um todo. Não se pode interpretar um texto quando há outro
que desmente a referida interpretação.

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PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

Fatores determinantes do significado

Figura 1. O codificador, o código e o decodificador.

Fonte: STEIN (1999, p.20).

Ao nos depararmos com textos diversos, precisamos saber o que se quer explicar, não
olvidando a experiência do autor, bem como o intuito final de seu texto. Contudo,
experiências que contam também a ação do intérprete dividem opiniões. Nosso objetivo
aqui, portanto, é mostrar o máximo de pensamentos divisórios possíveis para que
alcancemos um panorama maior (possível) sobre nosso tema.

Em Dilthey (1984), aborda-se uma experiência total, a qual possa ecoar em nós a
globalidade da experiência do autor, adentrando-se em seu sentir total (emotivo
e passional).

Por sua vez, em Schleiermacher (2006), filósofo e teólogo, insiste-se que devemos nos
ater à experiência somente do autor, afirmando-se que “para compreender um texto
devemos entrar na mente do autor, identificar-nos com ele”.

Portanto, neste último, não podemos olvidar, em hipótese alguma, a experiência do


autor para com meio; a receita então é a interpretação voltada às intencionalidades do
autor.

No primeiro, as circunstâncias que o envolvem, e não somente voltada a uma


experiência do autor, se fazem importante.

Devemos, portanto, considerar vários aspectos, como, por exemplo, a intenção do autor,
a inserção em seu contexto literário e época que este está inserido, as escolas das quais
os autores fazem parte etc. Chegando a um patamar hermenêutico de aplicabilidade
exclusiva ao texto literário, vejamos os conceitos:

15
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

1. Neutralidade: a força de evitar prejuízos, paixões e fantasias, isto é,


imparcialidade total, que, sem dúvida, desemboca em uma exegese
puramente clínica e científica.

2. Distanciamento: o estudo científico corre o perigo de distanciar-


se da vida. A exegese científica não serve à comunidade porque ambos
constituem dois mundos separados.

Desta forma, dificilmente a hermenêutica do autor demonstra-se o suficiente para a


compreensão e interpretação apropriada da obra literária.

Os vários componentes envolvidos na


hermenêutica

Temos os determinantes agentes da exploração do significado do texto, a saber:

»» O texto como fator determinante do significado.

»» O leitor como fator determinante do significado.

»» O autor como fator determinante do significado.

Stein (1999) nos dá um panorama bastante didático dos diferentes papéis e funções em
uma interpretação de texto. Nos seus diversos moldes, existem variáveis que não podem
ser desconsideradas, do contrário, haverá um pobre e cambaleante modo interpretativo
do contexto extraído; vejamo-los:

O papel do autor

Figura 2.

Os textos antigos não nasceram meramente na história, nem evoluíram de forma


milagrosa a partir de árvores, papiros ou peles de animais. Em alguma época e lugar,

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PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

alguém dispôs-se a escrevê-los para dizer alguma coisa a quem assim os lesse. Os textos
bíblicos estão fundamentados na História. Foram escritos no passado e dele fazem
parte, no entanto isso não altera o que o autor objetivava transmitir, bem como não
mudam os eventos nos quais se basearam. O propósito da interpretação bíblica não
implica exclusivamente a concepção exclusiva da consciência do autor, mas também o
princípio ou forma de significado que ele ambicionou passar. Tem-se repetido o termo
“consciente” (ou “conscientemente”), relacionando-o ao significado aspirado pelo
autor, com a finalidade de desviar-se de dois erros.

»» O primeiro é o de que haveria mitos na Bíblia. De acordo com esse ponto


de vista, os milagres e outros eventos narrados nas Escrituras devem ser
compreendidos não como relatos históricos, mas como obra de ficção — ou
mitos.

»» O segundo erro a evitar é o daqueles que defendem a interpretação literal


da Bíblia para todos os textos.

A função do texto

Figura 3.

O texto consiste em uma coletânea de símbolos verbais, que podem ser vários tipos de
letras, pontuação, acentos (grego) ou pontuação de vogal (hebraico). Ao escrever, um
autor bíblico poderia ter usado o símbolo que almejasse. Todavia, poderia ter concebido
uma linguagem que somente ele e aqueles que escolhessem compreendessem. São
criados, códigos especiais ou secretos com esse propósito, por autores que querem
cultivar o texto inacessível à maioria das pessoas. O texto, contudo, pode conduzir-nos
a algum lugar muito mais distante do que somente seu significado. É capaz de abrir ao
leitor vastas áreas de informação: histórica, psicológica, sociológica, cultural,
geográfica.

17
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

A função do leitor

Figura 4.

Ao examinar os símbolos verbais (Stein está se referindo ao texto), o leitor busca


compreender o que o autor objetivou dizer com eles. Consciente de que quem escreveu
usou propositalmente símbolos “compartilháveis”, inicia sabendo que o texto se ajusta
às normas e linguagem dos leitores originais. Ao averiguar como as palavras são
usadas nas frases e orações, como as orações são empregadas nos parágrafos, como
os parágrafos se adequam aos capítulos e como os capítulos são estruturados no texto,
o leitor buscará entender o intento do autor. Chama-se, esse processo de círculo
hermenêutico, expressão esta que remete-nos ao fato de o texto como um todo ajuda o
leitor a compreender cada palavra particularmente ou parte do texto. Simultaneamente,
as palavras individuais e as partes do texto ajudam a compreender o todo.

Elementos para interpretação teológica

Berkhof (2004) afirma que os elementos podem ajudar em grande medida o expositor
em uma interpretação teológica. São divididos em duas partes:

I. Paralelos Reais ou Paralelos de Ideias.

II. Analogia da Fé ou da Escritura.

Eles partem de um princípio de que a Palavra de Deus é uma unidade orgânica, em que
tudo e todas as partes são entre si relacionadas, desta forma, subservientes ao todo da
revelação de Deus; e também que, em última análise, a Bíblia interpreta a própria Bíblia
(veremos muito desse princípio ao longo de nosso material).

Os Paralelos Reais ou Paralelos de Ideias dividem-se em: (1) Paralelos Históricos; (2)
Paralelos Didáticos; Citações do Antigo Testamento e Novo. Contudo, vejamos melhor
abaixo:

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PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

Quadro 2 - Elementos para interpretação teológica


 
Paralelos Reais ou Paralelos de Ideias

1) Alguns têm o propósito de mostrar que as predições do Antigo Testamento, diretas ou indiretas, foram cumpridas no Novo Testamento.

2) Outras são citadas para o estabelecimento de uma doutrina.

3) Outras, ainda, são citadas para desmentir ou repreender o inimigo.

4) Finalmente, algumas citações com propósito retórico ou para ilustrar alguma verdade.
 
 
Analogia da fé ou da escritura
 
A) Há dois graus de analogia da fé com os quais o intérprete da Bíblia:

Diretamente baseada nas passagens escriturísticas. Consiste daqueles ensinamentos da Bíblia que
1. Analogia positiva são expressos de modo tão claro e objetivo, e apoiados por tantas passagens que não pode haver
dúvida quanto ao seu significado e valor.

Ela repousa em declarações explícitas da Bíblia, mas na extensão óbvia e no significado dos seus
2. Analogia geral
ensinamentos como um todo, e nas impressões religiosas que deixam na humanidade.

B) Analogia da fé nem sempre têm o mesmo grau de valor evidente e autoridade. Dependendo de quatro fatores:

O número de passagens que contêm


A analogia é mais forte quando encontrada em doze passagens do dia quando baseada em seis.
a mesma doutrina

A unanimidade ou correspondência
O valor da analogia será proporcional à concordância das passagens em que é encontrada
das diferentes passagens

Naturalmente, uma analogia que repousa inteiramente, ou em grande parte, em passagens


A clareza da mensagem
obscuras, tem um valor bastante duvidoso.

A analogia é encontrada em passagens de levadas de um único livro ou de alguns poucos escritos,


A distribuição das passagens não será tão valiosa como quando baseada em passagem do Antigo e do Novo Testamento, de
várias épocas ou de diferentes autores.

C) Ao usar a analogia na interpretação da Bíblia, o intérprete deve se lembrar das seguintes regras:

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UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

1) Uma doutrina claramente amparada pela analogia da fé não pode ser contradita por uma passagem obscura e contrária.

2) Passagem não amparada nem contradita pela analogia da fé pode servir como uma base positiva para uma doutrina, desde que seja clara no
seu ensino. Todavia, a doutrina estabelecida não tem a mesma força do que a baseada na analogia da fé.

3) Quando uma doutrina é amparada apenas por uma passagem obscura da Bíblia, e não encontra apoio na analogia da fé, só pode ser aceita com
grande reserva.

4) Nos casos em que a analogia da Escritura leva ao estabelecimento de duas doutrinas que parecem ser contraditórias, ambas as doutrinas devem
ser aceitas como escritores dicas na crença confiante de que elas se resolvem numa unidade maior.
 
Fonte: Adaptado de BERKHOF (2004, p. 120-125).

20
CAPÍTULO 2
A hermenêutica e a interpretação na
história

A origem da interpretação alegórica de


Alexandria
Segundo Lopes (2013), o sistema de interpretação associou-se com a cidade de
Alexandria, que possui linhagens perpetradas nas ideias de dois importantes filósofos
gregos, a saber:

1. Heráclito. O filósofo formulou o conceito de huponóia, um novo olhar


às obras de Homero (A Ilíada e a Odisseia). Os deuses, em tais obras,
são apresentados como traidores, imorais, vingativos, mentirosos
e praticantes de outras desmoralizações. Fugindo da literalidade de
Homero, no que se refere aos deuses, Heráclito aludiu que o verdadeiro
sentido estava além das palavras (huponóia). Aqueles que escreveram
sobre Homero não tinham de ser interpretados de modo literal, como
estavam escritos, mas sim assinalando conceitos mais profundos, além
da letra, salvando, com isto, os deuses da acusação de “imorais”.

2. Platão. Formulou o conceito de que nosso planeta não passa de uma


representação do que existe no mundo perfeito das realidades
materiais, isto é, o “mundo das ideias”. Uma bancada, por exemplo,
é apenas o reflexo da bancada perfeita, a qual existe nesse tal mundo
ideal. Desta maneira, concepções e verdades espirituais, próprios do
“mundo das ideias”, são representados como alegorias.

Ainda é ressaltado que:

O conceito de que a verdade se encontra alegoricamente oculta além da


letra e da realidade visível, como haviam ensinado Heráclito e Platão,
influenciou mais tarde o famoso judeu de Alexandria, chamado Filo
[...]. O método que ele implantou (para reconciliar o ensino de Moisés
nas Escrituras com as ideias de Platão) foi a alegorese. Filo escreveu
diversas obras e comentários sobre a Lei de Moisés interpretando as
Escrituras alegoricamente, em termos de ideias, virtudes e moralidade

21
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

do platonismo. Sua influência foi decisiva na hermenêutica da escola de


Alexandria (LOPES, 2013, p. 130).

Velho Testamento e a hermenêutica


De acordo com os autores supracitados, o entendimento deles em relação à maneira
interpretativa bíblica do Velho Testamento se dá pela tendência de “nivelar” tudo,
uma vez que é considerado que tudo que Deus diz em sua Palavra é, portanto, uma
palavra direta para eles.

De modo equivocado, Fee e Stuart (2011) alegam que os cristãos que leem o Velho
Testamento esperam que tudo na Bíblia se aplique inteiramente como instrução para
suas próprias vidas particulares. A Bíblia é um grande recurso. Contém tudo quanto um
cristão realmente carece em termos de orientação para viver.

Deus fala através do Velho Testamento também, no entanto, não quer dizer que cada
narrativa individual é para ser percebida, de algum modo, como uma palavra direta de
Deus para cada um de nós individualmente, ou como um ensino de lições morais por
meio de exemplos.

É desta forma que eles listam vários dos erros bastante comuns de interpretação ao ler
as narrativas bíblicas — não se limitando somente às narrativas. Vejamos:

Quadro 3 – Erros comuns de interpretação ao ler as


narrativas bíblicas no Antigo Testamento

Em vez de se concentrarem no significado claro da narrativa, as pessoas relegam o texto para


meramente refletir acerca de outro significado que vai além do texto. Há trechos alegóricos na
Alegorização
Escritura (e.g., Ezequiel 23 e partes do Apocalipse), mas nenhuma das narrativas históricas é ao
mesmo tempo uma alegoria.

Desconhecendo os contextos integrais históricos e literários, e frequentemente a narrativa individual,


as pessoas concentram-se somente em unidades menores e, assim, deixam de perceber os indícios
Descontextualização
para a interpretação. Se você se afastar suficientemente do contexto, pode correr o risco de fazer
qualquer parte da Escritura dizer qualquer coisa que você quiser.

22
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

E similar à descontextualização. Envolve a escolha deliberada de palavras e frases específicas para


concentrar a atenção, desconsiderando as demais e ignorando o alcance global da passagem que
Seletividade
está sendo estudada. Em vez de verificar o todo para ver como Deus estava trabalhando na história
de Israel, desconsideram-se algumas das partes e a inteireza da totalidade.

Essa é a suposição de que os princípios para a vida podem ser derivados de todas as passagens.
Com efeito, o leitor moralizante sempre propõe a questão: “qual é a moral da história?” no fim de
cada narrativa individual. Um exemplo seria: “o que podemos aprender sobre como lidar com a
Moralização adversidade baseada no sofrimento dos israelitas na época da escravidão no Egito?” A falácia dessa
abordagem é que ela ignora o fato de as narrativas terem sido escritas para demonstrar o progresso
da história da redenção, e não para ilustrar princípios. Elas são narrativas históricas, não narrativas
ilustrativas.

Também conhecida como individualização, refere-se à leitura da Escritura do modo como foi
sugerido acima, supondo que qualquer um das partes ou todas elas se aplicam a você ou a seu
grupo de uma forma que não se aplica a mais ninguém. De fato, trata-se de uma leitura egocêntrica
Personalização
da Bíblia. Os exemplos de personalização seriam: “A história de Balaão falando com a jumenta me
lembra de que eu falo demais”. Ou “a história da reconstrução do templo é o modo como Deus nos
diz que temos de construir uma nova igreja”.

Esse erro está estritamente relacionado à personalização. Trata-se de uma apropriação do texto
para propósitos que são bastante estranhos à narrativa bíblica. Isso é o que acontece quando, com
Apropriação indevida base em Juízes 6.36-40, “provam” a Deus como uma forma de encontrar a vontade divina! E claro
que isso é tanto uma apropriação indevida como uma descontextualização, uma vez que o narrador
assinala que Deus salvou Israel através de Gideão, apesar de sua falta de confiança na palavra divina.

 
Essa é uma outra forma de descontextualização. É ler nas narrativas bíblicas sugestões ou ideias
provenientes da cultura contemporânea, que são simultaneamente estranhas ao propósito do
narrador e contrárias ao seu ponto de vista. O principal exemplo disso é encontrar qualquer “alusão”
ao relacionamento homossexual entre Davi e Jônatas em l Samuel 20, por causa do versículo 17
Falsa apropriação (“porque Jônatas o amava com todo o amor da sua alma”, ARA) e do versículo 41 (“e beijaram-
se um ao outro”, ARA — algo que claramente nessa cultura não refere a beijo na boca!). Mas tal
“alusão” não só não está no texto, como também é algo totalmente incoerente com ponto de vista
do narrador. Seu amor implica aliança e se assemelha ao amor de Deus (v. 14 e 42), ele narra a
história do grande rei de Israel, e pressupõe a lei de Israel, que proíbe tal comportamento.
 

23
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Essa abordagem combina elementos daqui e dali numa passagem e tira uma lição da sua
combinação, ainda que os próprios elementos não estejam diretamente vinculados entre si na própria
passagem. Um exemplo extremo desse erro de interpretação, demasiadamente comum, seria a
conclusão de que o relato da tomada de Jerusalém por Davi em 2 Samuel 5.6,7 deve ter sido
uma retomada dessa cidade, uma vez que Juízes 1.8 — uma parte mais antiga da mesma grande
Falsa combinação narrativa, que abrange toda a trajetória de Josué até 2 Reis — diz que ela já havia sido conquistada
pelos israelitas. O que você precisa saber (i.e., o que o narrador original e seus ouvintes sabiam)
é que há duas Jerusaléns — a grande Jerusalém e, dentro dela, a cidade murada de Jerusalém
(também conhecida como Sião). Juízes 1.8 se refere à conquista da primeira; e Davi conquistou
a última, finalmente completando a conquista centenas de anos depois de ter começado e, então,
vacilado. Finalmente, cumpriram-se as promessas dadas a Abraão (Gn 15.18-21).

Quando o sentido claro do texto deixa as pessoas sem emoções, não produz nenhum deleite
espiritual imediato, ou diz alguma coisa que não querem ouvir, muitas vezes elas são tentadas a
redefini-lo para dizer outra coisa. Um exemplo é o uso frequente que se faz da promessa de Deus
dada a Salomão em 2Crônicas 7.14,15. O contexto claramente relaciona a promessa ao lugar
“neste lugar” (o templo em Jerusalém) e “sua terra” (Israel, a terra de Salomão e dos israelitas). Mas
Redefinição porque muitos cristãos modernos anseiam que essa promessa se torne verdade em sua terra —
seja onde for, eles vivem no mundo moderno —, eles tendem a ignorar o fato de que a promessa
de Deus, “ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra”, se referia apenas à
pátria terrena do povo de Deus, que poderia sempre chamá-la de “sua”, a terra de Israel do Antigo
Testamento. Na nova aliança, o povo de Deus não possui nenhum país terreno que seja “sua terra”.
O país a que eles pertencem é celestial (Hb 11.16).

Fonte: Adaptado de FEE e STUART (2011, p.125-128).

Vejamos agora algumas características da narrativa bíblica do Velho Testamento, haja


vista que sua maior parte foi escrito em hebraico e em menor grau em aramaico:

Quadro 4 – Características da narrativa hebraica.


As narrativas hebraicas têm algumas características distintivas que, se forem buscadas e reconhecidas, podem
aumentar grandemente sua habilidade de entender a história a partir da perspectiva do narrador divinamente
inspirado.
Em primeiro lugar, uma vez que ele é o único que escolhe o que dizer na história, ele é, do mesmo modo,
Narrador “onisciente”; ele está em todos os lugares e sabe tudo sobre a história narrada, contudo ele nunca compartilha tudo
que ele sabe, e muito menos comenta, explica ou avalia algo durante o decorrer da narrativa. Seu papel é contar a
história de forma que você entre na narrativa e visualize os fatos por si mesmo.
Em segundo lugar, o narrador é responsável pelo “ponto de vista” da história, isto é, pela perspectiva a partir da qual
a história é narrada. É claro que, ao final, ele apresenta o ponto de vista divino.

24
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

 
Mais do que construir a história em torno do “caráter” de qualquer uma das personagens, o modo predominante
da narrativa hebraica é o “cênico”. A ação é desenvolvida por uma série de cenas que juntas perfazem o todo. Isso
se compara a um drama de cinema ou televisão que conta uma história através de uma sucessão de cenas. Cada
Cena(s) cena tem sua própria inteireza, mas é a combinação progressiva das cenas que perfazem a história como um todo.
São as “cenas”, separadas e unidas, que proporcionam o movimento da narrativa. Uma outra característica cênica
da narrativa é que em muitas cenas só duas ou três personagens (ou grupos) estão em foco. Mais do que isso iria
interferir no enredo principal da história.
 
Na natureza cênica da narrativa hebraica, as personagens são o elemento absolutamente central. Duas
características de caracterização se sobressaem: (1) Muitas vezes as personagens aparecem tanto em contraste
Personagens
como em paralelo. (2) O modo predominante de caracterização ocorre nas palavras e ações das personagens, e
não nas próprias descrições do narrador.
 

O diálogo é uma característica crucial da narrativa hebraica e um dos métodos principais de caracterização.

Em primeiro lugar, o primeiro ponto do diálogo é muitas vezes uma dica significante tanto para o enredo da história
como para a caracterização do falante.
Diálogo
Em segundo lugar, o diálogo contrastante muitas vezes também funciona como uma forma de caracterização.

Em terceiro lugar, muitas vezes o narrador enfatizará as partes cruciais da narrativa por meio da repetição e do
resumo da narrativa feito por uma das personagens em um discurso.

Uma narrativa não pode funcionar sem um enredo e sem um desfecho. Em outras palavras, isso significa que a
narrativa deve ter começo, meio e fim, que juntos têm como foco o crescimento da tensão dramática que, no
momento oportuno, é libertada. E comum que o enredo seja desencadeado por alguma forma de conflito, que
produz interesse em sua resolução. Você perceberá que o enredo na narrativa hebraica se desenvolve com um ritmo
Enredo muito mais rápido do que muitas narrativas modernas — mesmo no caso do gênero “conto”. Dessa forma, procure
encontrar o enredo principal e seu desfecho em qualquer narrativa e esteja alerta para os diversos recursos usados
pelo narrador para diminuir o ritmo da história. Isso comumente acontece pela inserção de diálogo, pela elaboração
súbita de detalhes ou por outras formas de repetição. Com muita frequência, a diminuição do ritmo é um sinal
indicativo do foco ou do ponto de vista do narrador.

 
De uma forma que muitos de nós em um ambiente moderno dificilmente apreciariam, a narrativa hebraica usou uma
série de características estruturais para prender a atenção do leitor e mantê-lo preso à narrativa. A razão para essas
características é algo que, com frequência, nos escapa e, portanto, nos faz ignorá-las. Em outras palavras, falamos
Características do fato de que as narrativas, mesmo quando foram escritas, eram principalmente designadas para ouvintes, e não
para leitores.
da estrutura
Repetição. A repetição, que permeia a narrativa hebraica, pode assumir várias formas.
Inclusão. A “inclusão” é um termo técnico para a forma de repetição em que a narrativa é iniciada e levada à
conclusão com a mesma menção ou do mesmo modo.
Fonte: Adaptado de FEE e STUART (2011, p.114-120).

Em larga escala, o Velho Testamento serve de base para o Novo Testamento. Para
entendermos a concepções divinas sobre a Criação, Queda e Restauração da humanidade
faz-se necessário a leitura do Velho Testamento por completo.

O grego é a base escrita da dialética idiomática indo-europeu no Novo Testamento. O


Antigo Testamento é escrito em idiomas semíticos, hebraico e aramaico.

25
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Durante muitos anos os estudantes achavam complexos demais o entendimento do


hebraico bíblico. Guias de estudo bíblicos da língua hebraica são em grande medida
projetados para pessoas que realmente tinha um contato com a língua hebraica,
para dificultar, muitos desses dias ainda estão em alemão.

Então vejamos diretamente nas palavras de William White Jr. no excelente Dicionário
Vine o que ele nos informa sobre esta língua tão profundamente arraigada no meio das
crenças judaico-cristãs:

Quadro 5 – O hebraico e o Velho Testamento.


 

Emergiu algum tempo depois de 1500 a.C. na região da Palestina, ao longo da costa oriental do mar
Mediterrâneo. Quando Alexandre, o Grande, subiu ao poder, de cerca de 330 a.C. a 323 a.C. ele uniu
as cidades-estados gregas sob a influência da Macedônia. Alexandre e seus generais virtualmente
aniquilaram as estruturas sociais e as línguas das sociedades antigas que o império tinha absorvido. Os
babilônicos, aramaicos, persas e egípcios deixaram de existir como civilizações distintas; só a cultura
grega (helenística) permaneceu. O judaísmo foi a única religião antiga eu hebraico a única língua antiga
que sobreviveram a esta investida furiosa. O hebraico está relacionado com o aramaico, o siríaco e com
outros idiomas modernos como o etíope e o árabe (antigo e moderno). O mais antigo idioma semítico
O lugar do hebraico na História conhecido é o acadiano, que foi escrito no sistema de sinais em “forma de cunha” ou cuneiforme. Os
textos acadianos mais recentes foram escritos em tabuinhas de barro com cerca de 2400 a.C. William
acredita que parece que a evidência mais recente para as origens das línguas “semítica ocidentais”, é
uma inscrição da antiga cidade de Ebla. A série mais completa conhecida e recente, dos textos pré-
hebraico vem da antiga cidade cananéia de Ugarite. Diversos textos de várias partes do Oriente Próximo
contêm palavras e frases semíticas ocidentais. As mais importantes desta tabuinha são da antiga cidade
egípcia de Amarna. A língua hebraica entrou em resistência provavelmente durante o período patriarcal,
cerca de 2000 a.C. Convertida em escrita em 1250 a.C., e a mais antiga inscrição hebraica existente
data de aproximadamente 1000 a.C.

A tradição grega assevera que os fenícios inventaram o alfabeto. De fato, isso é só parcialmente
verdade, visto que o sistema de escrita fenícios não era o alfabeto como conhecemos hoje. Era um
A origem do sistema de escrita sistema silabário simplificado. O sistema de escrita hebraico foi mudando pouco a pouco no decorrer
hebraica dos séculos. De 1000 a.C. a 200 a.C., foi usada uma escrita arredondada (antigo estilo fenício). Depois
que os judeus voltaram do cativeiro babilônico, eles passaram a usar a escrita quadrada do idioma
aramaico que era a língua oficial do Império Persa.

26
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

Muitas palavras arcaicas demonstram que Moisés utilizou dos documentos cuneiformes antigos para
compilar o seu relato da história. Provavelmente os escribas da corte real de Davi e Salomão revisaram
o texto e atualizaram expressões dúbias. É provável que a mensagem dos profetas oi escrita algum
tempo depois que os profetas entregaram a mensagem. Também se admite que o Antigo Testamento
foi revisado durante o tempo do rei Josias, depois que o livro foi descoberto (II Re 22-27; II Cr 24-35).
Evento que ocorreu cerca de 620 a.C. Há evidência de que o texto do antigo testamento foi revisado
mais de uma vez nesta época. Os Targus e a Septuaginta foram traduzidos dos manuscritos hebraicos.
Havia diferenças significativas entre as duas versões, e os rabinos judeus empreenderam grandes
esforços para explicar tais diferenças. Após a queda de Jerusalém hoje versus o general romano
Tito, os estudiosos bíblicos judeus foram todos espalhados para o mundo inteiro antigo, com isto, o
conhecimento do hebraico começou a declinar.

História concisa da bíblia


hebraica

De 200 d.C. até perto de 900 d.C., grupo de estudiosos procuraram inventar sistemas de marcas
vocálicas (depois chamadas pontos) para ajudar os leitores juntas que já não falavam em hebraico. Os
estudiosos que fizeram tal grandioso trabalho, são chamados de massoretas, e a marca que inventaram
é chamada de Massorá. O texto massorético que produziram representa as consoantes que tinham sido
preservadas desde cerca de 100 a.C.

Lamentavelmente não temos um texto completo da Bíblia Hebraica que seja mais antiga que o século
X d.C. A primeira edição completa impressa da Bíblia Hebraica foi preparada por Félix Pratensis e
publicada por Daniel Bomberg, em Veneza, em 1516. Uma edição mais extensa da Bíblia Hebraica
foi editada pelo estudioso judeu-cristão Jacob ben Chayyim, em 1524. Alguns estudiosos continuam
usando o texto de ben Chayyim como a Bíblia Hebraica impressa básica.
 

Não tem uma estrutura contida e concisa. O AT foi escrito ao longo de tamanho espaço de tempo e
não se pode esperar uma tradição linguística uniforme. Certamente o hebraico possuem três principais
seções no Antigo Testamento.

São elas:

O Hebraico do Antigo (1) Torá - A Lei;


Testamento
(2) Nebi´im - Os Profetas;

(3) Kerubim - Os Escritos;

À medida que Israel passava de uma confederação de tribos para o reino dinástico, a língua mudou de
linguagem de pastores e comerciantes para a língua literária de uma população estabelecida. No Novo
Testamento utiliza se o dialeto do grego de um período de cerca de 75 anos. Enquanto que o Antigo
Testamento evoluiu por quase 2000 anos.

27
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

 
Pela razão de ser o hebraico uma língua semítica, sua estrutura e função são bastante diferentes das
línguas indo-europeias, como o francês, alemão, espanhol, português e inglês. Diversas consoantes
hebraicas não podem ser transformadas exatamente ele letras portuguesas. Boa parte das palavras
Característica da Língua hebraicas é construída com base em raízes de três consoantes. Uma mesma raiz pode aparecer em um
Hebraica substantivo, um verbo, um adjetivo e um advérbio - todos com o mesmo significado básico. Também
difere de outras línguas na variação da forma de uma única classe de palavras. Certas línguas indo-
europeias possuem uma forma de determinado substantivo ou verbo, enquanto que o hebraico pode ter
uma ou mais formas da mesma classe de palavra básica.
 

Inicialmente a palavra básica hebraica consiste em uma raiz de três consoantes e três vogais - duas
internas e uma final (contudo, a vogal final não é muitas vezes pronunciada). Poderíamos esquematizar a
palavra hebraica típica desta maneira:

C1 + V1 + C2 + V2 + C3 + V3

O autor usa da palavra katab como exemplo para o diagrama proposto:

K + A + T+ A + B + ____

As formas diferentes das palavras hebraicas sempre mantêm as três consoantes nas mesmas posições
relativas, mas eles mudam as vogais inseridas em ver as consoantes. Por exemplo, kõteb é o particípio
kãtab, enquanto kãtôb é o infinitivo.

A forma das palavras


(morfologia)
Ampliando as formas verbais das palavras, os escritores hebraicos puderam desenvolver significados
muito extensos e complexos, como, por exemplo, acrescentando sílabas no começo da raiz de três
consoantes, assim:

Raiz = KTB

yi + ketôb – “que ele escreva”

we + kãtab – “e ele escreverá”

Às vezes, um escritor dobra uma consoante enquanto mantém as três consoantes básicas na mesma
posição, tomando a raiz de KTB e fazendo com que a palavra wayyiketõb signifique “e ele foi levado a
escrever”.

O escritor hebraico também podia acrescentar várias terminações ou sufixos diferentes para que um
verbo básico produzir ser uma cláusula inteira.
 

28
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

A ordem normal das palavras de uma oração verbal em uma passagem hebraica em narrativa ou prosa:

Verbo – Objeto – Objeto Indireto ou Pronome – Sujeito

É interessante notar que a ordem das palavras hebraicas para uma oração nominal pode corresponder
A ordem das palavras hebraicas a esta do português:

Sujeito – Verbo – Predicativo/Complemento Nominal

Os escritores hebraicos se afastavam do arranjo verbal em prol da em fazer. Contudo, uma oração
hebraica raramente pode ser traduzida palavra por palavra, uma vez que o seu resultado ficaria sem
nenhum sentido. Ao longo dos séculos, os tradutores desenvolveram módulos padronizados de
expressar essas formas peculiares de pensamento semítico na língua indo-europeia.
 

Antigo testamento utiliza de palavras estrangeiras de diversas maneiras, dependendo do contexto. Os


nomes próprios acadianos aparecem muitas vezes nas narrativas patriarcais do Gênesis. Veja alguns
exemplos:

As palavras estrangeiras em
hebraico (sumério-acadiano) Sumer = Sinar (hebraico)

Diversos termos egípcios também aparecem na narrativa de José, da mesma forma que termos
babilônicos aparecem nos escritos de Isaías e Jeremias, bem como palavras persas no livro de Daniel.
 
O texto hebraico do antigo testamento nos dá dois problemas imediatos, quando na leitura de alguém
não-iniciado.

1) O fato de que o hebraico é lido da direita para esquerda.

2) O fato de que o hebraico escrito é um sistema complicado de símbolos e sílabas, cada uma das
O texto escrito da Bíblia quais tendo três componentes, que são:
Hebraica

I – O sinal para a própria consoante;

II – Padrão de pontos vocálicos;

III – padrão de cancelamentos.


 
Fonte: Baseado em VINE et al. (2002, p.13-19).

29
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

O significado das palavras hebraicas

Os cristãos têm estudado o idioma hebraico com variados graus de intensidade, desde
a fundação da igreja. Durante a era da Igreja Apostólica e Primitiva (40-150 d.C.), os
cristãos tiveram forte interesse pela língua, e isto se dá até os dias de hoje. Comparando as
línguas acadiana, ugarítica, aramaica e hebraica, os estudiosos modernos conseguiram
entender o significado das palavras hebraicas.

São alguns:

Quadro 6: Conceituações para intepretação no Antigo Testamento.

O significado das palavras hebraicas


Palavras estrangeiras que possuem sol ou construções similares às palavras hebraicas são denominadas palavras
cognatas. Porque as palavras se diferem das línguas semíticas por ter em sua base na mesma raiz de três
1) Palavras cognatas
consoantes, os cognatos são abundantes. Um bom exemplo é a palavra hebraica sar, que significa “príncipe”. Esta
mesma palavra é usada em outras línguas semíticas com o significado de “rei”.

   
É frequente dizer que o melhor comentário da Escritura é a própria Escritura. A famosa frase “Bíblia interpreta
a própria Bíblia”, nunca foi tão verdadeiro no que condiz aos às palavras em hebraico. O melhor método para
determinar o significado de qualquer palavra hebraica é estudá-las em seu próprio contexto. Se aparece em
muitos contextos diferentes, então o significado da palavra pode ser encontrado com mais precisão. Para palavras
que aparecem com muito pouca frequência (quatro vezes ou menos), os hebraicos não bíblicos ou textos
semíticos podem nos ajudar a estabelecer o significado da palavra.

2) O significado do  
contexto
Atenção! Nunca é sensato usar uma palavra obscura para determinar o significado de outra palavra obscura.

 
As palavras mais difíceis são os que só ocorrem uma vez no texto do Antigo Testamento; estas são chamadas
de hápax legomena (em grego, “lidas uma vez”). Afortunadamente, todas as palavras hebraicas de significado
teológico ocorrem com bastante frequência.

   
O paralelismo poético
   
O terço completo do Antigo Testamento é poesia. Esta quantidade de texto é igual ao Novo Testamento inteiro. Os tradutores tenderam a ignorar
a estrutura poética de longas passagens do Antigo Testamento, como Isaías 40 a 66 e todo o Livro de Jó; mas a complexidade da poesia
hebraica são vitais para a nossa compreensão do Antigo Testamento. Isto pode ser visto estudando uma versão moderna da Bíblia que imprime as
passagens poéticas como tais. Diversos versículos dos salmos e luz também a estrutura subjacente da poesia hebraica.
   
Atenção! Não há ritmo e métrica na poesia hebraica, pelo contrário. As maiorias das poesias portuguesas conhecidas desenvolvem-se dessa
forma.
   
A poesia hebraica repete as ideias ou a relação das ideias em sucessivas, como podemos ver:
   
(I) Engradecei ao SENHOR comigo,
(II) e exaltemos o seu nome juntos.
   

30
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

Observa-se que, virtualmente, cada classe de palavra na Linha I pode ser atribuída por seu equivalente na Linha II. Os estudiosos designam as
palavras individuais na Linha I (ou hemistíquio I) como palavras “A”, enquanto que as palavras da Linha II (ou hemistíquio II) de palavras “B”. Assim
percebemos o padrão nestes linhas (levemente adaptadas) do Salmo 34.3:
   
Hemistíquio I: EngradeceiA ao SENHORA comigo,A
Hemistíquio II: e exaltemosB o seu nomeB juntosB
   
Como facilmente é visto, a palavra “A” pode ser substituída pelas palavras “B” sem mudar o significado da linha, o contrário também é verdadeiro.
Essa característica da poesia chamada de paralelismo. Nos estudos eruditos da poesia hebraica, as palavras paris numa estrutura paralela são
marcadas com barras paralelas inclinadas para mostrar:
   
a)    Qual apalavra ocorre normalmente primeiro – quer dizer, a palavra “A”.
b)    O fato de as duas palavras formarem um par paralelo e;
c)    Qual palavra é em geral a segunda ou a “B”.
   
Com isto, pode-se mostrar o Salmo 34.3 desta forma:
   
Engradecei // exaltemos; ao SENHOR // o seu nome; comigo // juntos.
   
Teorias de tradução
 
Afetam grandemente nova interpretação das palavras hebraicas. Pode-se descrever as atuais teorias dominantes de tradução como segue:
 

Tal método presume que se encontrará somente uma palavra portuguesa para representar cada palavra hebraica
que aparece no texto do Antigo Testamento. Considerando algumas palavras hebraicas não possuem equivalência
a nenhuma palavra na língua portuguesa, elas são simplesmente transliteradas (transformadas em caracteres
O método da
portugueses). O leitor, neste caso, deve ser instruído sobre o que o termo transliterado realmente significa.
equivalência direta Este método era usado nas traduções mais antigas do Novo Testamento, que tentavam trazer os equivalentes
latinos das palavras gregas diretamente para o português. Foi assim que as primeiras versões adotaram grande
quantidade de terminologia teológica latina, como justificação, santificação e concupiscência.

 
Este método procura encontrar um número limitado de termos em português que expressem adequadamente o
significado de um termo hebraico em particular. Um estudioso que usa esse método estuda o registro histórico de
O método histórico-
como a palavra foi usada e dá preferência ao seu significado mais frequente no texto. Este método foi usado na
linguístico preparação do Dicionário do autor que estamos nos utilizando (Vine – O Significado Exegético e Expositivo das
Palavras do Antigo e do Novo Testamento).

 
Não procura fazer uso consciente de uma palavra portuguesa por uma palavra hebraica específica. Pelo contrário,
esforça-se para mostrar o impulso ou ênfase de uma palavra hebraica em cada contexto específico. Assim,
proporcionar uma tradução muito livre e coloquial de passagens do Antigo Testamento. Isso permite que os leitores
leigos obtenham o âmago real do significado de uma passagem em particular, mas torna o estudo das palavras
O método da bíblicas praticamente impossíveis.
equivalência
dinâmica
O exemplo que se pode dar é a comparação entre a Bíblia Viva e a Almeida, Revista e Corrigida (ARC) mostrará a
diferença nos métodos de tradução. A Bíblia Viva usa muitas palavras mais específicas para refletir a sutis acepções
do texto hebraico, tornando impossível traçar como determinada palavra hebraica foi usada em contextos
diferentes.

Fonte: VINE et al. (2002, p.20-23).

31
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Tenha sempre em mãos boas edições de pelo menos três versões em português
do Antigo Testamento. Uma versão ARC, edição de 1995, da ARA (Almeida Revista
e Atualizada) e uma versão coloquial como A Bíblia Viva. Não descurar de uma
boa concordância bíblica. Esforce-se por ser consistente ao traduzir determinada
palavra hebraica em contextos diferentes. Busque o menor número de palavras
portuguesas que são semelhantes, com tons equivalentes. Comparação e frequência
são fatores determinantes no estudo de palavras bíblicas. Escreva a passagem
que você está comparando. Sem medo de observar as ocorrências de certa
palavra, o tempo “gasto” com a Bíblia é tempo ganho.

32
CAPÍTULO 3
A Hermenêutica e o Novo Testamento

Antes de tudo, precisamos fazer uma ponte entre o Antigo (AT) e o Novo Testamento
(NT), a fim de tornar nosso estudo o mais didático e cronológico possível. Obviamente
não conseguiremos nos aprofundar em temas tão importantes, uma vez que são
contextos vastos e com muitos tentáculos. Por ora, então, vejamos as principais relações
entre o AT e NT que Berkhof (2004, p.102-105) nos traz:

1. A doutrina da redenção era essencialmente a mesma para aqueles que


viviam sob a antiga aliança como era para a Igreja do Novo Testamento.

2. Os verdadeiros israelitas do Antigo Testamento, assim como no Novo,


não são os descendentes naturais de Abraão, mas somente aqueles que
compartilham de sua fé.

3. A diferença entre os privilégios e as obrigações do povo de Deus do Antigo


Testamento e do Novo era puramente relativa e não absoluta.

4. As ordenanças do antigo e do novo pacto se distinguem apenas por


diferenças relativas como, por exemplo, a concorrência em natureza a
mudança na economia divina e na condição espiritual daqueles colocados
sob ela.

a. Na interpretação do Antigo e do Novo Testamento em suas relações


mútuas, o intérprete deve ser guiado por considerações definidas.

I. O Antigo Testamento oferece a chave para a interpretação correta do


Novo.

II. O Novo Testamento é um comentário sobre o antigo.

III. De um lado, o intérprete deve tomar cuidado para não diminuir a


importância do Antigo Testamento.

IV. Por outro lado, o intérprete deve cuidar para não ver o antigo testamento
porque não está lá.

33
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Novo Testamento e a Hermenêutica Medieval

Segundo Elmer Dyck em Fee et al. (1996, p. 42):

A necessidade de interpretar o Antigo Testamento à luz do testemunho


canônico integral tem sido reconhecida desde muito tempo atrás. As
raízes de semelhante cuidado acham-se no próprio Novo Testamento,
no modo de Jesus interpretar o Antigo Testamento, à luz da sua pessoa
e missão. Os escritores do Novo Testamento, quase sem exceção,
interpretam o Antigo Testamento nesses termos. Era, portanto,
perfeitamente natural as comunidades perpetuarem uma tradição
interpretativa iniciada pelo mestre (rabi) Jesus e seus seguidores
imediatos.

O autor ainda ressalta os componentes básicos a saber: contexto e conteúdo. Para


isso, perguntas do tipo “por que?” devem ser feitas. Tangenciando a época da vida de
Cristo, alega que dividem-se em três partes:

Quadro 7: A tripartite da consideração do contexto e conteúdo para a interpretação.


»» Há a questão do gênero, ou seja, que tipo de literatura estou interpretando? Faz uma diferença considerável
Primeira Parte em termos de intenção original saber se estamos lendo narrativa, poesia, profecia, apocalíptica ou epístolas.
Cada um desses gêneros possui suas próprias “regras”, especiais no tocante a como e por que foi composto.
 
»» Devemos determinar o contexto histórico, isto é, o pano de fundo histórico de determinado documento.
Incluímos aí o contexto histórico-cultural em geral (e.g., a natureza da cidade de Corinto e de seus habitantes)
Segunda Parte bem como a situação histórica à qual Paulo se dirige. Devemos perguntar: Como devemos considerar a
Epístola como um todo? A chave é perguntar ainda: O que está acontecendo na igreja de Corinto e qual é o
estado presente do seu relacionamento com Paulo?
 

»» Para cada palavra e frase, deve-se estar alerta quanto ao contexto literário que depende do significado da
passagem em relação às frases e parágrafos imediatamente ao seu redor. O que significa essa passagem
Terceira Parte
no seu contexto? Por que Paulo disse isso a essa altura do seu argumento? Por que o salmista inclui estas
palavras de lamentação ou esse clamor por justiça, exatamente nesse momento da sua oração ou louvor?

Fonte: Baseado em FEE et al. (1996, p. 15-16).

A Bíblia é o livro sagrado da religião cristã, porém, de acordo com o filósofo Luís Felipe
Pondé, a variedade de autores, de estilos e o tempo em que seus escritos foram produzidos
dificultam a leitura fundamentalista das Sagradas Escrituras. Na verdade, dificultam
qualquer tipo de leitura e igualmente a interpretação. O material do presente curso faz
essas colocações destacando o abismo cultural, linguístico, histórico e filosófico entre o
tempo dos autores e o leitor atual.

A leitura da Bíblia demanda humildade, por parte do leitor, uma vez que em havendo
um abismo filosófico, cultural, linguístico e histórico entre este e os autores, há que
manter uma constante abertura para os novos dados que poderão trazer maior luz ao

34
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

texto. A explicação para a norma supracitada justifica-se pelo fato de que as premissas
que o intérprete traz a respeito do caráter e validade do texto, por si só já influenciam
na postura do mesmo.

Tal distanciamento favoreceu as preocupações observadas desde os primórdios da era


cristã e a formulação dos pressupostos que resultaram na hermenêutica sagrada. Segundo
Virkler (1987), Agostinho foi um dos primeiros pais da igreja a elaborar um
conjunto de regras de interpretação, muitas das quais ainda possuem validade
hodiernamente. Dentre estas, faz-se necessário conferir o devido destaque ao fato de
que, para Agostinho, o interprete cristão teria de possuir genuína fé cristã.

De maneira ortodoxa, é necessário o entendimento de que a Bíblia é a Palavra de Deus,


revelada em linguagem humana, por meio de seres humanos. Um exemplo clássico
desta peculiaridade é a presença de elementos pastores na pregação do profeta Amós,
ao ponto de chamar as nobres de Samaria de vacas de Basã (Am 1 2; 3.4; 4.1); o mesmo
professa diante de Amasias que não era profeta nem filho de profeta, mas que Deus o
havia tirado detrás das juntas de bois para profetizar (Am 7. 14 -16).

Com isto, a hermenêutica medieval desenvolveu uma regra complexa de


interpretação, uma busca de síntese entre as escolas de Alexandria (voltada para
a interpretação alegórica), e a de Antioquia (voltada para o sentido literal do texto).
Esta teve entre os seus representantes João Crisóstomo e Luciano de Samosata, um
exegeta com grande interesse nos estudos das línguas originais da Bíblia. Aquela teve
em Orígenes, Clemente de Alexandria, dentre outros seus ilustres representantes.

No que tange a hermenêutica reformada, esta zela pelo sentido histórico gramatical
do texto. Isto foi feito com o fim de possibilitar ao povo a livre leitura. Neste aspecto
a hermenêutica de Lutero é de fundamental importância para o acesso, por parte do
povo, ao conteúdo das Escrituras.

Com o avanço da ciência e da técnica não demorou muito para que todas as ciências em
nascimento, inclusive a teologia, se rendessem á sedução dos pressupostos científicos,
o que resultou em uma teologia que removia o elemento sobrenatural da Bíblia.

Neste período surge a hermenêutica do teólogo e filósofo Frederich


Schleimacher (falamos dele em nosso Material). Quando este modelo entrou em crise,
surgiu a proposta existencial tendo em Martin Heidgger, seu expoente na Filosofia, e
em Bulltmann e Tillich expoentes na teologia.

35
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Segundo Shaeffer, este modelo ainda que empregue palavras com aparente conotação
cristã, na verdade as usa de forma ambígua, e com outras significações. O resultado é
uma hermenêutica que não traduz sequer a experiência existencial, quiçá a Bíblia.

Retornando para os autores de Entendes o que lês?, leia abaixo os princípios


interpretativos das narrativas bíblicas no velho testamento:

Quadro 7 – Princípios para interpretação das narrativas do AT.

1. Uma narrativa do Antigo Testamento, em geral, não ensina diretamente uma doutrina.

2. Uma narrativa do Antigo Testamento, em geral, ilustra uma doutrina ou doutrinas que são apresentadas em uma proposição registrada em
outros lugares.

3. Narrativas relembram o que aconteceu — e não necessariamente o que devia ter acontecido ou o que deve acontecer todo o tempo.
Portanto, nem todas as narrativas têm uma aplicação moral que possa ser identificada.

4. O que as pessoas fazem nas narrativas não necessariamente é um bom exemplo para nós. Muitas vezes, é justamente o oposto.

5. Muitas das personagens das narrativas do Antigo Testamento estão longe de serem perfeitas — do mesmo modo que suas ações.

6. Nem sempre contamos, no fim de uma narrativa, se o que aconteceu foi bom ou ruim. Esperamos ser capazes de julgar o que aconteceu
com base no que Deus nos ensina, de forma direta e categórica, em outros lugares das Escrituras.

7. Todas as narrativas são seletivas e incompletas. Nem todos os detalhes relevantes são sempre apresentados (cf. Jo 21.25). O que se
registra na narrativa é tudo aquilo que o autor inspirado pensou ser importante para nós sabermos.

8. As narrativas não são escritas para responder a todas as nossas questões teológicas. Elas têm um propósito particular, específico e
limitado, e lidam com certos assuntos, deixando os outros serem trabalhados em outros lugares e de outras formas.

9. As narrativas podem ensinar tanto de forma explícita (claramente declarando algo) como de forma implícita (deixando algo claramente
implícito, sem realmente declará-lo).
10. No final da análise, Deus é o herói de todas as narrativas bíblicas.
Fonte: Adaptado de FEE e STUART (2001, p.129-130).

A relação entre o Antigo é o Novo Testamento

1. A doutrina da redenção era essencialmente a mesma para aqueles que


viviam sob a antiga aliança como era para a Igreja do Novo Testamento.

Os verdadeiros israelitas do Antigo Testamento, assim como no Novo,


não são os descendentes naturais de Abraão, mas somente aqueles que
compartilham da sua fé.

2. A diferença entre os privilégios e as obrigações do povo de Deus do Antigo


Testamento e do Novo era puramente relativa e não absoluta.

3. As ordenanças do antigo e do novo pacto se distinguem apenas por


diferenças relativas como, por exemplo, a concorrência em natureza a

36
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

mudança na economia divina e na condição espiritual daqueles colocados


sob ela.

a) Na interpretação do Antigo e do Novo Testamento em suas relações


mútuas, o intérprete deve ser guiado por considerações definidas.

I) O Antigo Testamento oferece a chave para a interpretação correta do


Novo.

II) O Novo Testamento é um comentário sobre o antigo.

III) De um lado, o intérprete deve tomar cuidado para não diminuir a


importância do Antigo Testamento.

IV) Por outro lado, o intérprete deve cuidar para não ver o antigo
testamento porque não está lá.

A Hermenêutica no período dos pais da igreja

Em Zabatiero et al. (2011, p.26), é esclarecida a diferenciação entre a interpretação


literal “isenta” da doutrina:

O elemento comum a esses três modos hermenêuticos era o da


prioridade da doutrina para a validação da interpretação da Bíblia. A
maioria dos textos bíblicos era interpretada segundo o sentido mais
claro do texto (chamado erroneamente de literal), mas quando os
textos apresentavam dificuldades hermenêuticas, deveriam ser lidos
à luz da doutrina cristã. Nesse sentido, a hermenêutica patrística não
se diferenciava, em termos formais, das hermenêuticas presentes na
Bíblia. Os Pais não se preocupavam em descrever o que o texto bíblico
quis dizer no passado, mas o que o texto bíblico diz no presente (do
intérprete).

Para isto, utilizavam-se de três principais métodos de interpretativos, de acordo


ainda com Zabatiero et al. (2011, p.26):

37
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Quadro 8: Principais métodos interpretativos.

Literal A ampliação se dava do ponto de vista da vida cristã ou espiritualidade.

Era bem mais intenso, de modo que o Antigo Testamento era interpretado à luz dos ensinos do Novo,
e este à luz das doutrinas da Igreja. Como exemplo, após a definição da doutrina da Trindade, mesmo
Tipologia textos bíblicos que não se referiam à Trindade passavam a ser interpretados à luz dessa doutrina, tais
como o plural em Gênesis 1.26, ou as menções ao Anjo do Senhor no Pentateuco, que era visto como
o próprio Senhor Jesus.

 
Neste terceiro modo, o grau de reinvenção do texto era ainda maior, de modo que o recurso tipológico
era estendido aos próprios detalhes do texto (por exemplo, uma interpretação excessivamente alegórica
Alegórico
procurava nas parábolas um significado específico para cada detalhe: o assaltado na parábola do
Samaritano era o incrédulo, a estalagem a igreja, o samaritano Jesus, etc.

O autor ainda nos auxilia a entender os métodos acima expostos nos tempos medievais.
Vejamos, portanto, em Zabatiero et al. (2011, p.29, grifos nossos):

No período medieval, poucas foram as inovações na hermenêutica.


Em geral, seguiam-se os princípios da Patrística, mas foi feita uma
formalização desses princípios através da definição de uma quádrupla
descrição do sentido dos textos bíblicos. Afirmava-se, em geral, que o
texto bíblico deve ser lido à luz de quatro dimensões de sentido: literal
ou histórico, alegórico ou tipológico (com ênfase na cristologia),
moral ou tropológico e analógico ou místico (distinção que é atribuída a
João Cassiano, auto do V século da era cristã).

A interpretação bíblica e o Novo Testamento

Em Berger (1999, p.17-18), autor que utilizaremos em certa medida neste subitem,
temos alguns pontos sistemáticos que devem ser considerados em uma interpretação:

a) A percepção de situações na verdade não acontece “sem antecedentes”, mas pressupõe a educação para a sensibilidade, como ela pode, em
parte, muito bem ter sido transmitida no arco da história dos efeitos produzidos pelo cristianismo. Importante é que quem produz a aplicação não
é a leitura da Escritura por si mesma, a aplicação pressupõe, antes, uma percepção sensível da situação. Esse tipo de percepção poderia muitas
vezes já ter sido transmitido pelo cristianismo para a solidariedade e à liberdade.

 
b) Decisivo é que a sensibilidade espontânea não seja encoberta por desculpas secundárias (ideológicas), as quais representam, em vista do
comprometimento com a humanidade sentido espontaneamente, uma tentativa de “sair pela tangente”.
 
c) Entretanto, a mera “sensibilidade” não é o bastante; ao contrário, para uma aplicação realmente bem-sucedida uma análise (histórico-crítica)
exata ou um profundo conhecimento de causa é no mínimo tão necessário quanto o “senso de compromisso” a partir disso explique.
 

38
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

d) Em vista do que foi percebido com tanta atenção, levanta-se então a pergunta: em que é a Escritura pode ajudar nessa situação (como apelo,
como promessa, consolo, crítica – aqui pode ser mencionada todos os gênios da história da forma)? Este é justamente o campo da inovação.

e) Se realmente se quer que a reação corresponda à situação, deve-se levar em conta não só pergunta “por quê?”, mas também “para quem?”.
Isto é, na resposta à situação é necessário considerar também o destinatário de minha ação. Por essa razão, há o dever de realizar uma crítica
precedente da recepção. Trata-se, portanto, de um abrangente processo de recepção de diversas fases, o qual não consiste simplesmente em
inserir-se num processo de transmissão. O ato de partir das condições e possibilidades da recepção deve ser acompanhado de uma análise
cuidadosa.
Fonte: Adaptado de BERGER (1999, p.18-19).

Apenas reforçando, o tópico inovação também traz outros tipos de concepções. Por
exemplo, o intérprete pode trazer consigo dentro de um procedimento aplicado à
lembrança recente ou latente de uma necessidade atual; como também essa lembrança
concretiza-se uma forma nova em contato com o texto, adquirindo com isto o novo
acento que leva em conta àquele que interpretou texto.

Todavia, Berger (1999) afirma que não se pode concluir que a situação de necessidade
tenha somente sido reconhecida baseada no texto, mas também que o quadro da
situação pode ganhar novas formas. Análise da situação deve produzir, por sua vez, o
resultado muito semelhante para o campo da inovação ao ser realizada igualmente e
modo praticamente histórico-crítico. Não somente isto, demonstrar o rico conteúdo do
texto também é um possível etos do exegeta.

Existem ainda alguns critérios de aplicações e considerações e devem ser lembradas


antes de uma hermenêutica bíblica adequada. Berger (1999) afirma que modelos
alternativos como (1) a própria Bíblia deve ser o critério; (2) o centro da escritura deve
ser o critério; (3) o magistério da igreja deve ditar as normas de modo impositivo; (4)
renúncia a critérios; (5) critérios são axiomas implícitos; (5) o critério é a experiência
universal escatológica, devem ser contemplados, bem como:

»» a identidade do ser e dever-se;

»» critério da edificação da comunidade;

»» santidade;

»» radica0

Não poderíamos nos esquecer, já que estamos tratando de uma interpretação do Novo
Testamento neste tópico, das parábolas.

Ainda em Berger (1999), o ponto de correspondência com o texto abrange a própria


teoria das parábolas como tal, a qual a autonomia dos dois níveis não é posta em dúvida.
O material da parábola só pode exercer influência com base em seu caráter estranho. A

39
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

soma das inter-relações entre o nível inicial e o nível de imagem pode ser designada de
“encadeamento semântico” de maior ou menor grau entre elas.

A consequência para aplicação, aplicando tal modelo à relação entre texto bíblico
situação atual, aplica se em ambos os casos, dentro de um contexto que tem função
emolduradora e circundante, está localizado um texto especialmente destacado que lhe
é estranho, Berger (1999, p.185) traz que:

Ele explica:

O texto estranho, emoldurado é no Novo Testamento a parábola e


na situação posterior a aplicação do texto bíblico. Moldura é no novo
testamento o contexto literário e depois também ou não-literário, na
situação da aplicação posterior a situação com todos os seus fatores. Na
parábola, a estranheza se dá pelo fato de o espaço que proporciona a
metáfora ser, espaço estranho, não religioso. Na situação da aplicação,
em contrapartida, a estranheza se origina do caráter antigo do texto
bíblico. Em todo caso, origina se uma tensão que é percebida pelo leitor
e que constitui o “atrativo” especial dessa inclusão. Pois essa tensão deve
ser “soletrada” pelo próprio leitor; o simples fato de ela existir leva-o, de
maneira especial, à interpretação, pois ele tem de resolver essa tensão
e então a supera em “seu” texto. Em todo caso, sua recepção tem de
compensar a tensão entre o texto estranho e seu contexto (BERGER,
1999, p.185).

De qualquer maneira a experiência religiosa do texto emoldurado, automaticamente


apresenta uma discrepância na experiência religiosa de caráter diferente localizado na
moldura. Desta forma, surge verdade viva quando o leitor vírgula ambas. E com isto
a interpretação alegórica das parábolas essa vinculação é dirigida. Vejamos ainda no
mesmo autor, os seguintes aspectos:

a. A situação da antiguidade não é misturada com a atual; trata-se de dois


níveis autônomos;

b. O que torna possível a influência do texto sobre a situação é a estranheza


é a presença simultânea de relações de afinidade.

40
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

c. No lugar do encadeamento semântico entra em cena, na interpretação


das parábolas, a ligação dos dois âmbitos por meio da história de sua
influência. Esta exige tanto com base nas tradições comuns quanto
especialmente com base na influência da presente da bíblia sobre o
cristianismo em sua respectiva época. Esta ligação torna o texto bíblico
largamente “legível”.

d. A situação atual é comparável com um texto na medida em que se pode


relacioná-la com determinadas experiências (religiosas) articuladas.

e. Na aplicação, os dois “textos” estão de maneira inacabados, pois somente


ao leitor se revela qual é o ponto principal do texto emoldurado e onde
está a ênfase da situação em vista desse texto. Desta maneira, apresenta-
se um círculo, uma elucidação recíproca entre o ponto principal do texto
bíblico e aí em fazer da situação em face desse texto. É somente em face
do texto bíblico a ser interpretado que a situação adquire a ênfase que
combina com esse texto. Dessa forma, apresenta-se então no final uma
ligação entre o ponto principal do texto bíblico hoje é a ênfase da situação
para dentro da qual ele fala e sobre a qual ele deve influir.

f. A diferença em relação a alguma técnica da interpretação alegórica


consiste em que nem todos os pontos são realmente aplicados. Isso
constitui a liberdade de quem interpreta. A pergunta pelo ponto principal
deve servir sobretudo para impedir uma aplicação por parte do texto
bíblico.

Não podemos, outrossim, olvidar algumas perguntas base para a aplicação correta dos
critérios hermenêuticos:

Quadro 9: A base para a pergunta pelos critérios.


Os critérios para uma hermenêutica de cunho ético evidentemente não podem, por sua vez, ser
Impossibilidade de uma meramente de natureza ética, porque então só se seguiriam novas necessidades de fundamentação.
fundamentação meramente Assim, o ponto de partida nos direitos humanos ou no mandamento do amor ao próximo somente teria
ética um caráter de postulado e, sem a demonstração de sua legitimidade, estaria “suspenso no ar”. Por isso, o
dever-ser, pelo visto, só pode ser fundamentado no ser.
Em consonância com a compreensão de verdade, não se podem visar critérios atemporais, ubiquidade
e novas eternidades. Podem visar-se somente valores norteadores de generalização limitada que talvez
Critérios limitados sejam adequado para descortinar nexos maiores na presente situação e tornar-se passíveis de consenso.
Aqui consenso é bem outra coisa do que a opinião geral na igreja oficial. Somente então será tirado um
pouco mais do caráter abstrato do que aqui permanece teoria.
As pessoas cristãs não compreendem seu agir impendentemente da conexão com seu credo, qualquer
Fundamentação religiosa dos que seja a forma deste. No âmbito do judaísmo e do cristianismo as exortações frequentemente resultam
critérios de nexos de fundamentação pré-éticos e em conexão com a respectiva experiência de Deus. Pois as
pessoas não agem “no vácuo”, mas com base numa formação social, cosmovisiva ou religiosa.

41
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Importante é que o critério fundamental a ser mencionado aqui é o da autocontradição, o qual funciona,
portanto, com base na lógica. Os critérios aqui inquiridos deveriam ter algo a ver com aspectos que,
para a religião cristã, pelo visto são muito importantes. O critério seria então a contradição em relação à
própria religião em elementos decisivos, constitutivos dessa realidade.

O critério da autocontradição
religiosa A pergunta por critérios não é aqui direcionada simplesmente para metanormas éticas, mas para as
articulações entre a religião e a ética, para os elementos de ligação entre ambas, que são tão importantes
que ambas dependem deles, que uma coisa não é possível sem a outra. Trata-se, então, de medidas
para normas que possam ser discutidas “no marco da religião cristã”.
Não se trata de tais situações “metafóricas”, mas de pontos de ligação entre os dois âmbitos,
que, como pontos de ligação, são eles mesmos somente um objeto, uma realidade.

Por causa do ponto de partida ético da presente hermenêutica não se pode tratar somente de um critério
religioso fundamental, mas precisa tratar-se de um critério religioso e, ao mesmo tempo, ético. Essa
escolha certamente também é condicionado do ponto de vista da história da igreja. O critério da verdade
Fundamentação para a
no cristianismo sofreu um deslocamento em relação à Antiguidade e à Idade Média. Um sintoma desse
escolha do ponto de partida deslocamento é a relação entre pluralismo e compromissividade. Enquanto que antes o acento estava no
caráter compromissivo da dogmática, neste campo, já há muito tempo, o pluralismo tem a preferência;
enquanto que antes a ética e a teologia moral tinham pouco espaço, é justamente nesse campo que se
espera hoje compromisssividade da igreja.
Fonte: Adaptado de BERGER (1999, p.35-37).

De acordo com Grassmick (2009), em a “Exegese do Novo Testamento” o grego é a


base para a exegese, uma vez que toda tradução possui barreiras por não existirem duas
línguas com expressões exatamente iguais. A língua mútua entre o autor e os leitores é
a melhor para a difusão do sentido pretendido pelo autor.

Desta maneira, a objetividade é o problema básico que confronta o exegeta na exegese,


segundo ainda o autor:

»» Indução pura: é impossível para o exegeta a observação de todos os


detalhes da situação para a obtenção de conclusões gerais. Cada estudante
chega às Escrituras com algumas conclusões prontas.

»» Dedução pura: essa abordagem coloca o intérprete e sua opinião acima


das Escrituras por partir de um princípio geral ou conclusão, explicando
todos os detalhes à sua luz.

»» Indução e dedução são métodos legítimos da lógica.

a. todo exegeta possui certas pressuposições teológicas e filosóficas;

b. na exegese de uma passagem, a abordagem inicial deverá ser indutiva. É


a lógica da descoberta;

c. À medida que novas conclusões são obtidas dos detalhes do texto, o


exegeta deve verifica-las com os dados conhecidos;

42
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

d. à medida que conclusões válidas são estabelecidas, elas se tornam guia


para a interpretação de outros detalhes.

A validação, por sua vez, tem por objetivo sancionar de forma direta a interpretação
particular do texto. Portanto, as técnicas de estudo da Bíblia são importantes na
exegese: “a observação, interpretação e aplicação, nesta ordem, são a base da
abordagem indutiva da exegese”, como tanto estamos abordando e abordaremos até o
final de nosso material.

Destaca-se na exegese o uso da análise e síntese. Os estudos panorâmico, intensivo


e extensivo são passos essenciais para a boa exegese. Faz-se necessária à boa exegese
a validação da interpretação. O círculo hermenêutico rege a boa exegese (GRASSMICK,
2009).

43
HERMENÊUTICA UNIDADE II
D.C.
Existem diversos pontos elementares hermenêuticos os quais seguramente podemos
chamar de “armadilhas de interpretação” hermenêutica, não somente no mundo antigo,
mas chegando aos tempos modernos, acarretando, com isto, profundos e acalorados
debates teológicos e doutrinários. Tentaremos fazer uma abordagem nesta Unidade dos
principais pontos “escorregadios” a fim de evitar ao máximos intepretações profanas e
heréticas dos Textos Sagrados.

CAPÍTULO 1
Hermenêutica após Cristo

Os intérpretes da Idade Média


De acordo com Lopes (2013), o período da Idade Média esteve em meio à atividade
hermenêutica, ao contrário do que se imagina. Existem muitos pontos para serem
considerados deste período da história, especificamente entre os séculos V a XVI.
Genericamente, prevaleceu o sistema de interpretação difundido por Alexandria, apesar
da grande influência moderadora de Agostinho, cujo sistema de interpretação só foi
lembrado pelos lapsos alegóricos. Contudo, nem toda exegese dessa época foi alegórica.

Substitui um núcleo que, em certos sentidos, anteciparam os princípios históricos


gramaticais dos reformadores, valorizando o sentido primário e textual das
Escrituras, bem como procurando encontrar a intenção do autor como o sentido real
da passagem. Embora ocasionalmente surgissem estudiosos reconhecendo o valor
da interpretação naturas das Escrituras, prevaleceu na Idade Média a interpretação
alegórica defendida por Orígenes (LOPES, 2013).

Vejamos então as características da interpretação bíblica dessa época:

44
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Quadro 10: Características da interpretação na Idade Média.

Um dos primeiros intérpretes da Idade Média é João Cassiano, que morreu no século V. Monge e escritor
asceta do sul da Gália, Cassiano foi um dos maiores defensores do semi pelagianismo naquela época.
Ele escreveu um livro intitulado Institutas de Coenobia, no qual explica e regulamenta a vida nos mosteiros
no Egito valendo-se de uma interpretação bastante alegórica das Escrituras. É atribuído a João Cassiano
O uso da quadriga a famosa distinção entre os quatros sentidos da Escritura, também chamada de “quadriga”: Histórico ou
literal: o sentido evidente e óbvio do texto; alegórico ou cristológico: o sentido mais profundo, geralmente
apontando para Cristo; tropológico ou moral: o sentido que determinava as obrigações do cristão e a sua
conduta; anagógico ou escatológico: o sentido que apontava para as coisas vindouras que o cristão deveria
esperar.

Outra preocupação dos intérpretes desse período era a prática. O período das polêmicas havia passado
após o Concílio de Calcedônia (451 d.C.) sobre a pessoa de Cristo. Como exemplo, podemos citar Gregório,
o Grande (Papa, séc. VI). Gregório tinha um alto apreço pela Escritura como a Palavra de Deus, dada para
Aplicações práticas instruir os homens quanto à sua salvação. Porém, era seguidor do método alegórico de Orígenes. Isso o
levou a procurar o sentido espiritual, interior, oculto por detrás da letra, determinando três níveis de sentido
para cada passagem (histórico ou literal, alegórico ou típico e moral). Desses, estava mais preocupado com o
sentido moral, pois era um pregador com audiência enorme.

Com o objetivo de proteger a usurpação hierárquica, os monges, bispos e padres exageraram o fato de que
existem passagens obscuras na Bíblia e assim a mantiveram longe das multidões. Transformaram-na em
um livro fechado, cujo sentido somente os bispos e monges podiam desvendar. A interpretação alegórica
Ênfase na obscuridade de Jó 1:1-5 feita por Gregório é bem representativa: Jó teve 7 filhos e 3 filhas; o número 7 representa
das Escrituras os apóstolos, já que 7 é composto de 4 e 3, que multiplicados dão 12. Os números 3 e 4 indicam que a
Trindade é pregada nos 4 cantos da terra. AS 3 filhas representam os 3 santos de Ezequiel 14:14, Noé,
Daniel e Jó, que por sua vez representam os sacerdotes, o celibato e o que é fiel no casamento. (LOPES,
2013, p. 152).

O tipo de interpretação praticado durante a Idade Média era na maioria dos casos arbitrariamente alegórico,
como os exemplos anteriores demonstram. Isso não quer dizer que não havia nesse período quem
Presença de uma
defendesse uma leitura da Bíblia em seu sentido natural e óbvio. Por exemplo, o monge alemão Tomás de
tradição hermenêutica
Kempis, do século XV, famoso por sua obra Imitação de Cristo, recomenda no capítulo V de seu livro que se
gramático-histórica leia a Bíblia com simplicidade. Podemos dizer que uma nova apreciação pelo sentido literal das Escrituras
surgiu no período medieval.

Fonte: Adaptado de LOPES (2013, p. 150-153).

A interpretação bíblica pelos pais latinos

Trata-se dos pais da igreja que viveram nos séculos 4 e 5, cujas obras foram escritas em
Latim. São destacados Tertuliano (155-220), Jerônimo (347-420), tradutor da Vulgata
Latina, e Agostinho (354-430), o famoso bispo de Hipona.

Conforme Augustus Nicodemos Lopes (2013, p.141-146):

1. Preferência pela interpretação literal: os pais latinos seguiram,


embora nem sempre de modo coerente, a linha de interpretação
representada pela escola de Antioquia. Eles favoreciam a interpretação
literal, sendo geralmente atentos ao sentido natural do texto bíblico.

45
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

2. Contexto histórico: os pais latinos também davam atenção ao


contexto histórico da passagem. Os intérpretes alegoristas, muito embora
respeitassem as Escrituras como a Palavra de Deus, tendiam a desprezar
o contexto histórico e cultural em elas foram escritas, tratando-as via de
regra quase que como um livro que havia caído já pronto do céu.

3. Intenção do autor: muito embora conscientes dos diversos sentidos


que se poderia atribuir a um único texto, os intérpretes latinos manifestam
preferência por aquele que melhor reflete a intenção do autor bíblico.

4. Alegorias ocasionais: algumas vezes os intérpretes alegorizavam


o Antigo Testamento. Eles não estavam de todo livres da maior
tentação hermenêutica da sua época, que era interpretar as Escrituras
alegoricamente.

5. Escritura com escritura: outra característica da interpretação dos


pais latinos era a observância da regra que passagens mais obscuras
devem ser interpretadas à luz das mais claras.

A interpretação em Calvino
Na época de Calvino, uma tarefa foi marcada como mais do que necessária: a
interpretação bíblica, uma vez que havia traços apologéticos claros. Havia
confronto frontal com os anabatistas e os antinomistas, por um lado, e a diversidade
de interpretações da Bíblia no movimento da reforma, de outro (mas que sequer era
lida na época de Lutero). Interpretar didaticamente o conteúdo da fé tornou-se então,
urgente em Calvino. Zabatiero (2011, p.61-62, grifos nossos) ressalta:

O comentário sobre De Clementia prefigura a forma de interpretação


seguida mais tarde por Calvino na exposição bíblica. Calvino utiliza o
método filológico e o método retórico para interpretação do texto,
só que a partir de bases teológicas. Calvino utiliza a expressão “lúcida
brevidade”, que em si mesma não constitui uma teoria hermenêutica,
indicando muito mais o desejo de escrever de forma compreensível.
A alusão à “lúcida brevidade”, justamente com o acento na “mente do
escritor” ou intenção e suas declarações sobre a “meta” ou “escopo” do
comentário bíblico é um testemunho do papel que os valores e métodos
da retórica do período do Renascimento assumiram na sua exposição
bíblica. Este legado e a influência dos precursores protestantes da época
são fundamentais para a concepção e interpretação bíblica de Calvino.

46
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

A Hermenêutica de Santo Agostinho


Considerado o autor da mais bem-elaborada síntese do saber do mundo antigo,
Aurelius Augustinus (354-430 d.C.) no campo da semiótica deu impulso à tradição de
interpretação alegórica, a qual baseia a visão de mundo que acaba por dominar toda a
tradição medieval.

Uma mediação hermenêutica explícita é necessária onde surgem


dificuldades de compreensão das passagens obscuras das Escrituras.
As Escrituras foram escritas em linguagem humana, e a linguagem é
o nível mais básico de significação. Sua teoria de significação reflete a
compreensão que tinha da hierarquia da criação e está intimamente
ligada à compreensão de Cristo como signo, embora siga a epistemologia
de sua época, tanto sua tendência clássica tardia, que buscava entender
a literatura e a história alegoricamente, quanto na ênfase neoplatônica
sobre a importância do mundo espiritual. Enfatizava mais o mundo
inteligível que o físico, o caminho da sabedoria vai do mundo físico ao
espiritual, dos sentidos das ideias na mente, a linguagem como signo
também procede da esfera dos sentidos às ideias na mente. Mas os anos
de ministério de Agostinho como sacerdote e bispo de Hipona o levaram
a reconhecer a importância do mundo físico. Devido à natureza humana
decaída, ele reconhece que o conhecimento e a comunicação, mesmo
a comunicação divina, dependem da esfera sensível. A encarnação
de Jesus Cristo é o modelo primário da significação, do caminho do
físico ao espiritual, do signum and res. Linguagem e signo refletem o
caminho de Cristo; a carne de Cristo, que pode ser apreendida pelos
sentidos, é o signo do mundo que estava no começo com Deus e que é
Deus (ZABATIERO, 2011, p. 34).

Ainda o autor nos chama a atenção afirmando que toda ciência possui três fundamentos:

1. a fé;

2. a esperança e;

3. o amor.

Cabendo-nos deduzir que, em toda obediência a regras, no que se refere ao que se faz
necessária para penetrar nos meandros das passagens das Sagradas Escrituras só pode
vir de uma mente consciente de si mesma e perfeita por definição, a saber: Deus. Afirma
ainda que quem quiser aproximar-se da Bíblia com amor e cautela lerá, no primeiro
momento, todos os livros canônicos, para adquirir ao menos algum conhecimento
deles, mesmo que ainda não entenda todo o conteúdo. Por meio desse caminho, ela se

47
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

familiarizará com a linguagem da Escritura, habilitando-se para iluminar as passagens


obscuras com o auxílio das passagens claras.

Princípios de interpretação na Escola de


Antioquia
A Escola de Antioquia e seus representantes seguiam princípios de interpretação que
estabeleciam, em muitos aspectos, uma diferença crucial da exegese de Alexandria.
Vejamos mais na obra de Augusto Nicodemos Lopes “A Bíblia e seus interpretes”:

Quadro 11: Princípios de interpretação na escola de Antioquia.

Era uma abordagem que em rigor não poderia ser chamada de “gramático-histórica”, visto que este termo só
1. SENSIBILIDADE E
apareceu após a Reforma. Entretanto, os princípios que caracterizavam este tipo de interpretação já estavam
ATENÇÃO AO SENTIDO
presentes em Antioquia: procurar alcançar o sentido do texto por meio da busca da intenção do seu autor
LITERAL DO TEXTO (daí estudar-se o sentido óbvio das palavras, gramma em grego), considerando o texto histórico em si.

 
Desenvolveu-se em Antioquia o conceito de teoria. Esse termo designa o estado mental dos profetas que
2. THEORIA recebiam as visões, em oposição à alegoria. É uma intuição ou visão pela qual o profeta pode ver o futuro
por meio das circunstâncias presentes.
 
Os antioquianos não negavam o caráter metafórico de algumas passagens: reconheciam que havia um
3. HISTORICIDADE DOS sentido mais profundo nas profecias do Antigo Testamento e que havia tipologias, como a que Paulo fez em
RELATOS Gálatas 4:21-31. Entretanto, afirmavam a historicidade da narrativa veterotestamentária e procuravam em
seguida descobrir o sentido teológico da mesma.
 
Ainda buscavam determinar a intenção do autor pela atenção cuidadosa ao sentido histórico das palavras
4. INTENÇÃO AUTORAL em seu contexto original. Nesse sentido, eram contra descobertas arbitrárias de Cristo no Antigo Testamento,
como as feitas pela alegorese alexandrina.
Adaptado de LOPES (2013, p.135-136).

A prática exegética de Agostinho


A doutrina cristã, a qual o autor chama de doutrina cristã I, explica o que são as coisas
de modos diversos, bem como explica que a existência dessas coisas são para serem
desfrutadas e utilizadas. Prossegue em suas concepções Zabatiero (2011, p.41):

A doutrina cristã II-III discute o que é um signo, em particular os signos


convencionais ou palavras encontradas nos escritos bíblicos. Todas as
palavras, Agostinho afirma, são signos, e ele procura fornecer orientações
práticas aos intérpretes da Bíblia e auxiliá-los na compreensão dos signos
desconhecidos e ambíguos. Ademais, uma das consequências da compreensão
das Escrituras de Agostinho, como a comunicação de um retórico divino, é sua

48
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

percepção do Cânon bíblico como uma unidade, que apresenta um tema


único e definitivo e que as palavras, frases ou imagens da Escritura devem ser
compreendidas à luz da ocorrência das mesmas expressões em outras seções
ou livros independentemente de seus contextos literários e históricos [...].
Agostinho não duvidava de que a Escritura ilustra a observação de Paulo de I
Coríntios 13.12: “Agora, vemos como num espelho, de maneira confusa (“como
em enigma”); depois veremos face a face. Agora, conheço de modo imperfeito;
depois, conhecerei como sou conhecido”. Ele tinha também de lidar com a
multiplicidade de leituras do texto bíblico e, nesse sentido, sua prática exegética
desafia a generalização fácil. Na interpretação de Gênesis 1:1-2 (Confissões
11:3-12.13), por exemplo, ele utiliza nove mil palavras de comentário de um
texto que, na versão utilizada por ele, tem apenas dezessete palavras. Ele traz
para sua exegese a medida total da fé cristã. Sua meta, além do mais, não é
meramente informar, mas ajudar a ver as coisas diferentemente. Ele não
oferece somente uma rápida definição de um termo difícil da Escritura, mas
pede a seus leitores para olhar em profundidade ao procurar as implicações de
uma experiência comum ou ideia, ao mostrar o que o texto significa.

Desta maneira, Agostinho procurava o sentido que subjaz ao elemento material em


qualquer nível de significado. No Velho Testamento, procurava a figuração profética
de Jesus1, escondida na história do povo de Israel. Já no Novo Testamento, buscava o
significado nos meandros das palavras e ações de Cristo. No que se refere à carne de
Cristo, ele procurava a “Palavra que estava no princípio com Deus” (João 1:1). Suas
raízes neoplatônicas ensinaram-no a ver um sistema de símbolos no universo
visível, sob os quais podiam-se descobrir as realidades celestes. O elemento interior,
o nível espiritual, que Agostinho buscava invariavelmente é muito menos subordinado
à mudança e corrupção do o elemento físico. Ele cria que a verdadeira compreensão é
oriunda do nível interior (ZABATIERO, 2011).

A interpretação Bíblia e as Escolas


Hermenêuticas
Para Zuck (1994, p. 16), “Um dos maiores motivos por que a Bíblia é um livro difícil de
entender é o fato de ser antigo. Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento foram
escritos por Moisés em 1400 a.C., Apocalipse – o último livro da Bíblia – foi escrito pelo
apóstolo João por volta de 90 d.C.”.

Obviamente não há consenso da veracidade factuais de tais datações, no entanto, os


abismos de Roy Zuck em A interpretação bíblica existem e devem ser transpostos:
1 Um excelente exercício de leitura bíblica para qualquer cristão.

49
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

1. O abismo temporal.
2. O abismo geográfico.
3. O abismo cultura.
4. O abismo linguístico.
Se estes abismos forem de fato considerados, é muito provável que a interpretação
alcance patamares mais elevados de fidelidade.

Vejamos agora os princípios da interpretação da Bíblia em R.N. Champlin (1991,


p.95-96):

»» As línguas originais devem ser lidas e compreendidas, ou então, o


estudioso precisa ter acesso a textos fidedignos, que transmitam fielmente
o sentido do texto original.

»» O tipo de literatura a ser examinado. O estudioso precisa examinar


prosa, poesia, alegoria, trechos literais e trechos simbólicos.

»» Pano de fundo histórico. Precisamos entender um livro dentro do


contexto histórico no qual foi escrito.

Mazotti (2010, p.3-8) nos auxilia na compreensão das diferenças entre dizer, explicar
e traduzir:
O primeiro sentido de hermenêutica é exprimir, ou dizer. Tal função está estritamente relacionada com
a tarefa de Hermes em aos homens as mensagens do Olimpo [...]. Note-se que dizer uma palavra
não é o mesmo que explicar ou debater a mesma. A tarefa sacerdotal era nitidamente a utilizar da
Dizer vivacidade da linguagem oral para proferir belos e emocionados sermões, a fim de provocar adesão
das massas aos dogmas da fé cristã. Não se deve olvidar que segundo os ditames da Igreja Católica
a própria razão divina era vista como inacessível aos olhos dos mortais cabendo a este é o papel de
meros ouvintes dos sermões proferidos pelos homens estimados por Deus.
 
Essa é a utilização moderna e mais usual da palavra hermeneuein, que se refere ao ato de determinar e
clarificar o sentido de algo. É sabido que antigamente a Igreja Católica, para bem organizar e auxiliar na
difusão do Texto Sagrado, escrevia obras bíblica de exegese nas quais se inseriam comentários sobre
suas passagens, determinando explicitamente quais eram as verdades divinas de cada uma delas.
Explicar
Não cabe à Hermenêutica determinar o que era verdade e o que é equívoco. O sentido encontrado deve
ser justificado ora pela intenção do autor, ora pela forma como o intérprete o conteúdo. A quem se
refira ainda à força própria do texto, como se esse possuísse vida autônoma face aos sujeitos criadores
e interpretativos, conferindo significado a si mesmo.
 
A função de traduzir um texto torna-se explícita quando se trata da compreensão de uma língua
estrangeira. É o que Hermes fazia quando traduzia as mensagens divinas para a linguagem dos
homens. Entretanto, pode-se dizer que a tradução mesmo quando texto e intérprete dominam o mesmo
idioma. Não há diferença estrutural de apreensão do conteúdo de um discurso quando ele é escrito em
Traduzir língua materna ou estrangeira.
Todo idioma, independentemente de sua denominação, é um repositório cultural que nos remete a
certas qualificações, por exemplo, históricas e regionais. Entender o substrato de determinado idioma,
seus vocábulos e suas expressões próprias, é essencial na tarefa da compreensão.

50
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Assim como toda a história do conhecimento é moldada por pequenas junções de blocos,
com a hermenêutica não poderia ser diferente. Desta forma vemos ao longo do tempo
linhas diferentes de metodologias e abordagens do entendimento da interpretação e
forma de aplicação da mesma nos diversos estudos exegéticos.

É desta maneira que veremos abaixo esses “blocos” desmembrados em escolas, exposto
em quadro para facilitar o processo de absorção, aprendizagem e manuseio:
Quadro 12: Escolas hermenêuticas.

Os estudos de interpretação da Bíblia foram os primeiros a utilizar o termo hermenêutica para descrever atividade
de investigação de sentido a partir do estudo de um texto. Não se deve olvidar, todavia, que os clássicos já vi um
pensado em formas de se apreender o sentido de um discurso, mas estavam a isto o nome de interpretação, e,
muitas vezes, a estudavam junto a poesia e a retórica.
Escola Bíblica
A diferença entre a exegese bíblica e a hermenêutica moderna se origina somente com o Iluminismo [...]. O
intérprete sacro estava então totalmente desprovido de liberdade para descobrir os sentidos das passagens bíblicas.
A Escola da Exegese Bíblica, rigorosamente falando, não criou um método hermenêutico propriamente dito, tomado
aqui no sentido de um sistema de regras e procedimentos para a interpretação de um texto. Entretanto, revelou a
necessidade de tornar claras passagens textuais consideradas obscuras.
As portas abertas pela teologia bíblica permitiram que inúmeros intelectuais do período racionalista-iluminista buscar
em um método que permitiria um maior entendimento das obras clássicas, relida avidamente naquela época [...].
Não era conveniente tratar a hermenêutica de uma forma universal, já que os próprios teólogos consideravam que
Escola Filológica é a prática interpretativa deveria ser reservada aos textos sacros. Sendo assim, para esses intelectuais sedentos de
interpretação, o estudo da filologia passou a ser a chave-mestra. A ciência das línguas, semântica dos vocábulos,
das regras gramaticais, morfologia etc. Se demonstrou como a forma mais racional possível de se alcançar o sentido
de um texto.
Somente com Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher, filósofo alemão do século XVIII e início do XIX, a hermenêutica
é concebida como um procedimento universal que visa a interpretar qualquer tipo de texto independente da ciência
aqui está adstrito seu conteúdo. Sua ideia é de que no diálogo entre os homens, a estranheza (Fremdheit) é uma
constante, na medida em que a carga de vida e as experiências particulares constroem os seres humanos diversos
Schleiermacher um dos outros. Contrariando a ordem iluminista da existência de uma razão pura e superior, considera o discurso à
(1768-1834) luz da sua subjetividade e do psicologismo de seu autor.
Para Schleiermacher, a compreensão deve mover-se dentro deste círculo, formado por uma relação dialética entre o
todo e as partes. O retorno de uma parte a outra é fundamental para que se ampliem cada vez mais está o círculo e
aprofunde-se a compreensão
Com o desenvolvimento da filologia e da hermenêutica romântica, a historiografia encontrou bases sólidas para
trabalhar metodologicamente o seu tema central: a história universal. Seus estudos se alicerçam na pesquisa das
correlações existentes entre os fatos históricos individuais, de forma que estes viabilizem uma compreensão integral
da história [...]. A historiografia assume uma posição hermenêutica na medida em que realiza essa mediação entre
o passado factual-individual e o todo-histórico, descrevendo e interpretando suas relações dialéticas. A partir de tal
concepção, o estudo de um texto não pode mais ser compreendido unicamente por meio de seus vocábulos que
Escola Histórica acabam por limitar semanticamente os sentidos possíveis, nem ao menos como uma investigação psicológica da
produção originária do autor. O sentido do texto deverá ser extraído por meio de sua análise metodológica com os
nexos históricos mais amplos, que justificaram as razões de seu existir como tal. O texto é visto como uma parte,
deve ser lida em razão de um todo (história), dada a relação de concordância e coerência que os permeia.
Wilhelm Dilthey (1833-1911) é uma importante figura que ajuda compreender melhor os meandros da escola
histórica hermenêutica.

51
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

As ações propostas pela historiografia filosofia em termos de uma hermenêutica de alta compreensão e superação
das contradições do tempo, somente poderão ser mais bem elaboradas com o surgimento da fenomenologia [..]. A
investigação fenomenológica é ontológica, pois busca responder à questão do sentido do ser visto em sua própria
existencialidade, não como sinônimo de realidade, de uma coisa que está no mundo e pode ser empiricamente
constatável. Na fenomenologia, o sentido do ser não é trabalhado como sentido de algo que é, mas sim o próprio
Escola é. Portanto, o compreender do sujeito se torna um compreender-se, pois o homem vê o seu ato de compreensão
Fenomenológica também “são” e deverão ser compreendidos. O compreender volta sobre si mesmo para realizar a sua própria
compreensão. É como ser sujeito e objeto se fundissem em uma relação original em que um sujeito para a ser
também objeto e interpreta-se.

Husserl (1859-1938), Martin Heidegger (1889-1976), Hans-Georg Gadamer (1900-2002) são importantes figuras
que nos ajudam compreender melhor a escola fenomenológica.

Se afasta da Escola Fenomenológica, ele resgata uma definição hermenêutica mais próxima de sua intenção
originária. Ricoeur efetua um profundo estudo da fenomenologia e das teorias modernas da linguagem (com
imersões na psicanálise), partindo do ponto que existem dois polos dialéticos nas manifestações linguísticas:
Paul Ricoeur (1913- referência (acerca do quê do discurso) e o sentido (o quê do discurso). Essa investigação conduz Ricoeur aos
2005) ensinamentos de Nietsche, Marx e Freud. Ricoeur utiliza uma lógica de probabilidades, subjetiva, não empírica, é
essencialmente argumentativa para realizar um arbitramento dos sentidos e alcançar um acordo sobre eles. Logo, o
círculo hermenêutico será sempre progressivo, nunca vicioso, pois os sentidos inválidos são retirados de seu campo
de dialeticismos, e o solipsismo infinito não ocorre.

Fonte: Adaptado de MAZOTTI (2010, p.17-43).

Na obra Hermenêutica de Lund e Nelson (1999), há a apresentação de cinco regras


para que haja uma correta interpretação bíblica:

1. Tomar as palavras, quanto seja possível, em seu sentido usual e comum.


Os escritores tendiam a se fazer entendidos, por conseguinte, deveriam se
valer de palavras conhecidas e usa-las no sentido que geralmente tinha.

2. É todo necessário tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da


frase.

3. É necessário tomar as palavras no sentido indicado no contexto, a saber,


os versículos que precedem e seguem ao texto que se estuda. Isto ajuda,
na maioria dos casos, a clarear passagens obscuras.

4. É preciso tomar em consideração o objetivo ou desígnio do livro ou


passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras. Quando
nem o conjunto da frase, nem o contexto, removem a dificuldade ou
dissipam a dúvida, essa regra é fundamental. Ocasião e destinatários
aqui devem ser analisados, bem como repetidas leituras com o objetivo
de entendimento.

5. É necessário consultar as passagens paralelas. «Explicando coisas


espirituais pelas espirituais» I Coríntios 2:13. Trata-se de passagens, em
diferentes livros da Bíblia, que falam do mesmo assunto. A Bíblia deve ser
olhada de modo harmônico, portanto, no mesmo assunto, se devidamente
observado o que o autor transmite, não haverá conflito. Exemplo: fé por
Paulo e obras por Tiago: pode parecer, inicialmente, que ambos discordam
52
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

da forma necessária para justificação, mas se observarmos o primeiro


versículo do primeiro capítulo de Tiago, veremos que ele se declara servo
de Jesus Cristo. Logo, ele não pode estar falando de justificação por
obras, já que ele é um servo e, como servo, já foi justificado. Concluindo,
ele concorda que apenas pela fé pode haver justificação, e passa então
a dissertar sobre o que é importante após a justificação (as obras que a
pessoa justificada não pode negligenciar).

53
CAPÍTULO 2
Conceitos interpretativos

O método-histórico crítico
Em uma perspectiva dos diversos graus de fidelidade em relação ao texto bíblico,
considera-se a fidelidade estrita, uma característica do etos da exegese histórico-crítica
no momento da reconstrução. Segundo J. A. Filho:

O Renascimento, o humanismo e a Reforma Protestante ocupam


um lugar importante no desenvolvimento cultural da Europa, além
de estabelecerem as bases de uma nova interpretação da Bíblia.
O surgimento de uma nova cosmovisão, resultado da descoberta
de Copérnico, e a passagem do teocentrismo ao antropomorfismo
conduziram à necessidade de buscar uma posição ante o debate entre a
ciência moderna e a verdade bíblica. Nesse contexto, fala-se, com razão,
de uma revolução copernicana no campo das ciências bíblicas. A ênfase
na gramática do texto, em seu aspecto histórico e em seu contexto de
surgimento, antecipa um tipo de exegese que dominará a interpretação
bíblica até meados do século XX, chamado pesquisa histórico-crítica. A
Bíblia será examinada criticamente e perguntar-se-á se a cosmovisão
bíblica é verdadeira ou científica. Essa pesquisa alcança um ponto
culminante durante o Iluminismo, constituindo o final de um longo
processo durante o qual se produziu um grande desenvolvimento e
revolução científica, além de novas formas de interpretação bíblica
(ZABATIERO et al, 2011, p. 95).

Contudo, vejamos a partir daí, na aplicação libertária, os diversos graus de fidelidade e


lealdade que devem ser definidos (e obedecidos) como seguem:

Quadro 13: Lealdade e fidelidade na interpretação.


FIDELIDADE
a) Renarração distanciadora. Já que aqui se acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, o grau de fidelidade é considerável.
 
b) A aplicação por analogia. Aqui vale o conceito de lealdade.
 
c) Aplicação apenas por meio da
A situação tem uma prerrogativa tão grande a ponto de o próprio texto inicial não ser mais determinante.
associação a partir de palavras-chave.
 
d) Inversão deliberada Do fluxo de sentido do texto (a chamada “pregação contra texto”).

54
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

LEALDADE
Não se trata, de modo algum, de um procedimento apenas técnico, mas de uma atitude ética básica,
fonte poder justiça que faz a intermediação entre duas reivindicações - as do texto inicial e as da situação.
a) Em analogia ao etos do exegeta Característica especial desse etos a relação entre liberdade e vinculação. Trata-se de aprender o autor bíblico,
como irmão mais velho e mestre, algo sobre os primórdios cristãos, preservando a peculiaridade deles e a
própria. Trata-se, portanto, ao mesmo tempo de comunhão através do ouvir e de duas liberdades.
 
b) A vinculação do intérprete leal Situa-se entre a fidelidade este da reconstrução exegética e à liberdade da mera associação.
 

A mesma não pode ser demonstrada -, mas pode dar-se com base na validade canônica do texto. Ou seja, a
lealdade pode se dar quando a função eclesiológica do texto é aceita: ele é para a igreja ou meio constitutivo
c) A lealdade não parte de uma
e único do eclesiologicamente indispensável reportar-se a Jesus Cristo. Por causa disso, o texto tem para ela
suposta exigência do texto ao
uma primazia de autoridade histórica. Esta não ser expressa como exigência demonstrável por determinados
intérprete
métodos, mas como encargo ao intérprete. Lealdade significa o respeitar livre e apropriado dessa
validade anterior.

 
Significa, portanto: o intérprete (como intérprete) só está livre da vinculação em nível de conteúdo com o
d) Lealdade texto a ser interpretado na medida em que a situação dada ou torne necessário. Por isso, o dever de lealdade
é dado por princípio - mas ele está em tensão com a necessária liberdade.
 
Significa poder antes esperar pelo kairós de um texto do que descartá-lo precipitadamente, ser capaz de
e) Procedimento leal
autocrítica sobre o modo de lidar com ele e disposição para partilhar com outros para fazer-lhe justiça.
Fonte: Adaptado de BERGER (1999, p.197-198).

Zanatiero (2011) nos respalda a entender que em uma “tradição normativa” se procura
transmitir os conteúdos a fim de garantir-se contra desfigurações e falsificações,
bem como buscar as atualizações indispensáveis (quando necessária). Tal modelo de
interpretação entende a validade de uma tradição normativa dada anteriormente
e está, quase sempre, em função de sua aplicação como autoridade. Apesar disso,
quando um contexto de compreensão dado de antemão e, até então evidente, por uma
ou outra razão é questionado, surgem novas colocações hermenêuticas, as quais por
sua vez, exigem novas conexões com a tradição quebrada. Ainda continua:

Um exemplo dessa problemática interpretação ocorreu nas relações


entre o cristianismo dos primeiros séculos e a história da revelação do
Antigo Testamento, quando alguns cristãos promoveram um modelo de
interpretação que preservava o sentido literal da Escritura Sagrada. Essa
leitura procura encontrar no Antigo Testamento prenúncios e analogias
historicamente reais da pessoa de Jesus. O passado é relacionado com o
presente em termos de uma correspondência e escala históricas na qual
a prefiguração divinamente ordenada complementa-se num evento
maior subsequente. A presença viva do Senhor segue sendo o princípio
hermenêutico decisivo, mesmo depois da redação do Novo Testamento
[...]. A Reforma Protestante do século XVI representa uma distinção

55
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

entre os mundos político e religioso, uma crítica das estruturas da Igreja


a partir da comunidade e uma ênfase na consciência como critério para
a leitura da Bíblia. Ela também apresenta um corte definitivo quando,
contra a autoridade da Igreja, que se considerava guardiã e intérprete
da Escritura, abre o caminho aos impulsos mais originais e críticos do
Novo Testamento. A Reforma afirmou o princípio da Sola Scriptura e a
liberdade de avaliação da Escritura. A doutrina do sacerdócio universal
dos batizados crentes, desenvolvida por Lutero, implica uma ruptura
com o monopólio papal de interpretação da Bíblia. Lutero não quis
substituir o que considerou como arbítrio da autoridade eclesiástica
pelo juízo igualmente arbitrário do crente individual, mas empenhou-se,
juntamente com o estabelecimento do ensino do sacerdócio universal,
em inserir esta tarefa de discernimento no contexto de vivência
comunitária, que também respeitasse diversidade de funções no corpo
eclesial. O sacerdócio universal é exercido num empenho comunitário
em torno da palavra bíblica, no qual seu sentido se vai descortinando.
Ao traduzir a Bíblia para o alemão, Lutero também afirmava um cânon
dentro do cânon: “aquilo que promove a Cristo” – “Aquilo que ensina
não Cristo não é apostólico, mesmo que Pedro ou Paulo o ensinem;
inversamente, aquilo que prega Cristo é apostólico, mesmo que Judas,
Anás, Pilatos ou Herodes o façam”. (ZABATIERO et al., 2011, p. 95-96).

Hierarquia das funções do texto

Como já passamos por lealdade, entendemos que a melhor forma de caracterizá-la é


conceber a hierarquia das funções do texto, bem aplicá-la ao processo. Ela é detectada
exegeticamente no contexto histórico inicial. E desta maneira a hierarquia das funções
do texto, dentro do campo textual histórico, é então de codificada de acordo e em função
dos elementos de importância e significado de versos. A principal vantagem dessa forma
orientadora é que ela pode ser fundamentada com meios e argumentos exegéticos.

Hierarquia: uma sequência de prioridades conforme o peso.

Portanto, a hierarquia trata simplesmente de linhas de orientação dentro do texto que


são efetivadas também lá na leitura. Vejamos seus diversos níveis:

56
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Quadro 14 - Níveis hierárquicos das funções do texto.


O nível mais alto na hierarquia das funções do texto é ocupado pelo propósito mais concreto e imediato do autor
de um texto. Isto refere-se à finalidade concreta no marco do campo textual histórico. Esta é desvendada com
ajuda da linguística textual e da história da forma. Ela muitas vezes é singular, mas frequentemente também de
Nível 1 uma generalidade limitada. Se for possível desvendar a intenção do autor de um texto, então esta é o critério para
que o que é prioritário no texto [...]. O propósito concreto do autor está em primeiro lugar pelo fato de que na
Intenção no Autor relação com a situação não apenas está dado o motivo iniludível da confecção do texto, mas também porque é
onde se expressam do modo mais evidente sua individualidade, seu caráter inconfundível e sua riqueza [...]. Todos
os demais níveis na hierarquia das funções do texto referem-se a escopos secundários ou caracteriza-se por
maior abstração ou maior generalidade.
Nível 2 Os escopos secundários de um texto muitas vezes se encontram em trechos que também segundo o gênero
são subordinados; trata-se de partes de argumentações, bem como de regras mais gerais usadas como apoio.
Escopos Secundários Frequentemente visa-se aí inculcar de novo o que já é conhecido.
Nível 3 O objetivo concreto do autor (nível 1) é, por via de regra, um aspecto parcial de um tema maior e mais geral da
vida humana. Especialmente as observações da história da forma e comparações de textos são apropriadas para
A Intenção Mais Geral revelar esse tema mais abrangente. A contribuição do texto se situa então num nível abstrato.
Um saber mais geral advindos da experiência está presente quando partes ou elementos do texto poderiam ser
Nível 4 aplicados a diferentes situações e, assim, representam tradições potencialmente aplicáveis de diversos modos.
Saber Provindo da Diferentemente do nível 3, não se trata aqui de um tema mais geral, generalidade sapiencial, como por exemplo,
Experiência de sentenças ou ditos itinerantes. Diferentemente dos escopos secundários (nível 2), estes trechos praticamente
não estão vinculados ao texto, mas se refere a conhecimentos gerais do leitor.
Nível 5
O nível mais baixo da hierarquia é formado por afirmações muito generalizadas que valem de modo geral para
Elementos Pobres em textos bíblicos ou neotestamentários. Em relação ao texto específico, esses dados podem muitas vezes ser
Conteúdo, Presentes no chamados de pobres em conteúdo, já que não contribuem com nada de novo.
Contexto Mais Amplo
Fonte: Adaptado de BERGER (1999, p.199-201).

Interpretação

Sensibilidade interpretativa

Berger (1999) nos traz um interessante contexto sobre as diferentes formas


interpretativas sensíveis ao ser, como, por exemplo, cita o atentado a Hitler, em 20 de
julho de 1944, quando o atentado a Hans Martin Schleyer, em 1977, foi realizado, de
acordo com o modelo do assassinato do tirano, por poucas pessoas e sem cobertura por
parte da maioria, mas “unicamente com base numa decisão da consciência moral”.

Em ambos os casos, os executores do plano se consideram a elite chamada para isso.


Pensando nos acontecimentos fundamentalistas que ocorrem no Oriente Médio nos dias
hoje (assim como em toda a história), o que falta? “Plausibilidade” e “sensibilidade”?

Desta maneira, Berger (1999, p.29) cita algumas medidas necessárias que devem ser
consideradas neste contexto:

57
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Revelar uma situação catastrófica intolerável, em que a denúncia desse estado


Articulação intolerável também “está na ponta da língua” de outras pessoas, mas que, muitas
vezes, é reprimida por costume ou resignação.
Ter o propósito de prever e calcular todas as consequências com o auxílio da
Antecipação
fantasia prospectiva.

Capacidade de Trata-se da proporcionalidade dos meios e da parcimônia quanto ao sacrifício e


Avaliação risco. Esta é certamente a “paixão pelo possível” pretendida por Soren Kierkegaard.

Inculcar a Como alvo ético mais importante da pedagogia, para despertar um senso de
Sensibilidade justiça e proporcionalidade, a coragem e a paixão.

Como reflexão constante sobre a relação entre realidade, ação e aquilo que
Atenção e vigilância poderia ser necessário fazer de novo em cada momento (“ a vontade de deus em
cada situação”).

Outras pessoas em solidariedade crítica para com elas; ao que tudo indica um
- critério importante para uma potencial aprovação “pública” é se pessoas bem
diferentes de posições bastante divergentes podem concordar.

58
CAPÍTULO 3
Falácias exegéticas

Em Os perigos da interpretação bíblica, Donald A. Carson, constam as principais e tão


importantes falácias que podem ser cometidas em uma exegese e interpretação bíblica.

Dentro do contexto de falácias vocabulares, existem algumas falácias semânticas


comuns que são verificadas por diversos estudiosos. Baseemo-nos na obra de Carson,
adaptada e em formato de quadro, como de costume, para facilitar nosso processo de
aprendizagem e manipulação das informações:

Quadro 15: Falácias vocabulares.

De acordo com Carson (2001), a falácia do radical, um dos erros mais comuns, concebe que
toda palavra realmente tem um sentido que se liga à sua forma ou a seus componentes. Dessa
maneira, o significado é verificado pela etimologia, isto é, pela raiz ou raízes de uma palavra [...].
A busca de significados ocultos somada à etimologia torna-se ainda mais grotesca quando duas
palavras com significados totalmente díspares dividem a mesma etimologia. O autor acrescente
que é preciso deixar claros três pontos?

1. A falácia do radical

1)    Não significa que qualquer palavra pode significar qualquer coisa.

2)    O sentido de uma palavra pode refletir os significados de seus componentes.

3)    Não sugere de maneira alguma que o estudo etimológico é inútil.

Esta falácia ocorre quando um significado mais atualizado de alguma palavra é conduzido para a
bibliografia antiga. No nível mais simples, isso ocorre dentro de um mesmo idioma, de igual modo
2. Anacronismo aos pais da igreja primitiva grega, utilizavam-se uma palavra de uma forma não comprovadamente
semântico imaginada por aqueles que escreveram o Novo Testamento [...]. Isto não é simplesmente uma
reprodução da velha falácia do radical. Mas pior: é uma reivindicação de um tipo de etimologia
reversa, uma falácia do radical combinada com o anacronismo.
Esta falácia, em alguns aspectos, é a imagem elucubrada pelo anacronismo semântico.
Neste caso, o intérprete atribui a uma determinada palavra de seu texto uma definição que o
termo tratado costumava ter em tempos passados, porém, não mais encontrado dentro de um
3. Obsolescência
campo semântico hodierno da palavra; isto é, o significado é semanticamente obsoleto.
semântica Em suma, pode-se dizer que as palavras alteram o significado ao longo do tempo. Atualmente, é
conhecido que a força dos sufixos diminutivos já havia sido amplamente dissipada na época em
que o Novo Testamento foi escrito.

4. Reivindicação Existem diversos exemplos nesta quarta falácia. Alguns se originam de análises escassas, talvez
fornecendo créditos estranhos sem a devida averiguação das fontes originais; outros nascem do
de significados
anseio de legitimar certa interpretação, fazendo com que automaticamente o estudioso deixe de
desconhecidos ou ser imparcial. Em alguns casos, um sentido intrinsecamente improvável ou mal examinado recebe
improváveis uma defesa delineada, podendo até firmar-se na igreja.
Ainda que os limites desta quinta falácia sobreponham-se aos da quarta, até certo ponto eles são
5. Negligência no uso de
mais amplos. Pode haver um uso inadequado de material de apoio não envolvendo um sentido
material de apoio intrinsecamente improvável.

59
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Samuel Sandmel elucidou o termo paralelomania para designar a intenção a qual muitos do
setor de estudos bíblicos têm a aludir “paralelismos” de valor duvidoso. Uma subdivisão é a
6. Paralelomania verbal
paralelomania verbal — onde a enumeração de paralelismos verbais de alguma obra literária
como se esses meros fenômenos demonstrassem elos conceituais ou mesmo dependência.
O cerne desta falácia é a suposição de que qualquer língua limita de tal forma os métodos
7. A associação entre
mentais de seus nativos, forçando as pessoas a ter certos padrões de pensamento a fim de se
língua e mentalidade proteger de terceiros.

8. Falsas pressuposições Aqui o intérprete conjectura incorretamente que uma palavra sucessivamente ou quase sempre
sobre significados possui uma determinada definição técnica — um sentido comumente proveniente de uma
técnicos subdivisão da evidência ou ainda da teologia sistemática interpessoal do leitor.

Há duas falácias principais e relacionadas. A primeira surge do fato de que os termos Sinonímia
e equivalência são tão pouco compreendidos por muitos de nós que nem sempre distinções
adequadas são mantidas. A falácia é a crença injustificada de que “sinônimos” são idênticos de
formas mais variadas do que a evidência permite. Já no segundo, tipo de estudo que tenta isolar
9. Problemas envolvendo os componentes do significado (isto é, os componentes semânticos) de palavras (em geral). No
caso de muitas palavras, a lista de “componentes” semânticos toma-se de fato muito extensa e
sinônimos e análise de
problemática. Além disso, não há nenhum procedimento unânime para a análise de termos quanto
componentes a seus componentes; portanto, diferentes estudiosos às vezes chegam a resultados bastante
desiguais — o que não é muito animador. Mas, mesmo quando duas análises de um termo estão
de acordo, normalmente não se tenta alistar todos os elementos cabíveis no significado da palavra
em questão, já que em geral a análise de componentes apresenta somente os elementos do
significado referencial.

10. Uso seletivo e


Refere-se a uma espécie de reivindicação de evidências seletivas, o que capacita o intérprete a
preconceituoso das
dizer o que quer, sem realmente ouvir o que diz a Palavra de Deus.
evidências

11. Disjunções e Não são poucos os estudos vocabulares que oferecem ao leitor alternativas do tipo “e/ou” e
restrições semânticas então forçam uma decisão. Em outras palavras, exigem uma disjunção semântica, quando talvez a
injustificadas complementação fosse possível.

Há muitas maneiras diferentes de se entender mal o significado de uma palavra em determinado


contexto, restringindo-se de forma ilegítima seu campo semântico. Isto acontece se erroneamente
a declaramos um terminus technicus (item 8), recorrendo a disjunções semânticas (item 11) ou
12. Restrição
usando de forma inadequada algum material de apoio (item 5). Mas o problema vai além destas
injustificada do campo
três categorias isoladas. Às vezes, deixamos de notar o quanto é amplo todo o campo semântico
semântico de uma palavra; assim, quando nos dispomos a fazer a exegese de certa passagem, não
consideramos apropriadamente as opções em potencial e, sem perceber, acabamos por excluir
algumas possibilidades dentre as quais poderia estar a correta.

Neste caso, a falácia está na suposição de que o significado de uma palavra em determinado
13. Adoção injustificada
contexto é muito mais amplo do que o contexto em si permite, podendo trazer consigo todo o
de um campo semântico
campo semântico do termo em questão. “Às vezes, esta medida é chamada-transferência ilegítima
expandido da totalidade”.

60
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Há uma extensa série de questões difíceis que podem ser agrupadas sob esse título e uma
lista correspondente de falácias. Os tipos de problemas que Carson tem em mente podem
ser revelados fazendo-se algumas perguntas retóricas: até que ponto o vocabulário do Novo
14. Problemas relativos Testamento grego é configurado pelas línguas semíticas que, presume-se, dão-lhe a base de
ao contexto semítico do longos trechos (especialmente os evangelhos e trechos de Atos)? Até que ponto o campo
Novo Testamento grego semântico normal das palavras do Novo Testamento grego é alterado pelo impacto dos
antecedentes semíticos pessoais de algum escritor do Novo Testamento, por sua leitura do Antigo
Testamento hebraico, quando pertinente, ou pela influência indireta do Antigo Testamento hebraico
sobre a Septuaginta, que por sua vez influenciou o Novo Testamento?

15. Negligência
injustificada de Neste caso, a falácia está na falsa suposição de que o uso predominante de qualquer palavra
particularidades em um dos escritores do Novo Testamento é basicamente o mesmo em todos os outros; quase
distintivas de um grupo nunca isso acontece.
de palavra
Referência ou denotação é a representação de alguma entidade não linguística por meio de um
16. Associação símbolo linguístico. Nem todas as palavras são referenciais. Contudo, o sentido ou significado
injustificada de sentido de uma palavra não é seu referente, mas sim o conteúdo mental com o qual esse termo está
e referência associado. Algumas palavras, notavelmente os adjetivos abstratos, têm significado, mas nenhum
referente (e,g., “belo”).
Fonte: Adaptado de CARSON (2001, p.26-60).

Uma exegese que parte da experiência de opressão pode gerar um ventriloquismo


exegético, em que a Bíblia é forçada a dizer o que não diz, em outras palavras, um
compromisso prévio com uma visão da realidade distorceria ou não as Escrituras? Mas
as teologias oriundas da sociologia possuem, na ótica de Gay (2001), a vantagem de
identificar problemas relevantes tornando com isto a Teologia e a Interpretação bíblica
relevante. Mas a experiência de opressão é colocada como critério de avaliação, melhor
como paradigma da correta interpretação.

Podemos, ainda sim, nos depara com alguns problemas interpretativos, os quais nos
são válidos ter em mente:

61
UNIDADE I │PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO

Quadro 16: Algumas áreas problemáticas da hermenêutica bíblica.


Essa é uma área particularmente difícil. Então, o que devemos fazer? Transliterar os termos hebraico
e grego (“efa”, “ômer”, etc.), ou tentar encontrar seu equivalente na língua-alvo? Outra pergunta: se o
tradutor optar por um equivalente em pesos e medidas, ele deve tomar o cuidado de usar o padrão
1. Pesos, medidas, existente na cultura de seu país ou deve pensar de forma mais ampla, adotando padrões que sejam
dinheiro. utilizados por outros falantes de sua língua em outros países? Por exemplo, em inglês o padrão usado
nos Estados Unidos é “pound” e “feet”, enquanto em outros países de língua inglesa o padrão é
“liters” e “meters”. O mesmo problema ocorre na economia, em que a inflação pode promover uma
oscilação dos equivalentes monetários em poucos anos.
Quase todas as línguas têm eufemismos em relação a assuntos de sexo e higiene pessoal. Para
essas questões, o tradutor tem três possibilidades de escolha: (1) traduzir literalmente, o que talvez
2. Eufemismos. possa deixar o leitor desnorteado ou tentando adivinhar o que significa a expressão; (2) traduzir pelo
equivalente formal, o que talvez poderia ofender ou chocar o leitor; ou (3) traduzir por um eufemismo
que seja funcionalmente equivalente.
Quando a maioria das pessoas pensa em tradução, essa é a área que mais elas têm em mente. A
tradução parece resumir-se à simples tarefa de encontrar uma palavra na língua-alvo que signifique
o mesmo que uma palavra em hebraico ou grego. No entanto, é justamente a arte de encontrar
a palavra certa que faz da tradução uma tarefa tão difícil. Parte da dificuldade não está apenas na
escolha de uma palavra adequada na língua-alvo, mas também na escolha de uma palavra que já não
3. Vocabulário.
estará comprometida com conotações que sejam estranhas à língua-fonte. O problema é ainda mais
complicado pelo fato de que algumas palavras hebraicas e gregas têm um conjunto de diferentes
significados para algo na língua-alvo. Além disso, algumas palavras podem ter nuanças de significado,
bem como dois ou mais significados diferentes. E um jogo de palavras intencional é comumente
impossível de ser traduzido de uma língua para outra.
Estes tendem a ser bastante recorrentes em muitas línguas, embora sejam sempre singulares na
língua-fonte e quase nunca possam ser “traduzidos” para a língua-alvo. A mesma coisa acontece
4. Jogos de palavras.
quando ocorrem jogos de palavras na Bíblia, que são abundantes nos textos poéticos do Antigo
Testamento e também podem ser encontrados ao longo do Novo Testamento.
Embora muitas línguas latinas tenham muitas semelhanças, cada língua tem sua própria estrutura,
o modo como palavras e ideias se relacionam nas sentenças. E especialmente nesse ponto que a
tradução por equivalência funcional é preferível. A tradução por equivalência formal tende a abusar
ou ignorar as estruturas comuns da língua-alvo, ao transferir diretamente para esta a sintaxe e a
gramática da língua-fonte. Tais transferências diretas são muitas vezes possíveis na língua-alvo, mas
são raramente p referíveis. Dentre centenas de exemplos, escolhemos dois para ilustração, um do
grego e um do hebraico.
a. Uma das características do grego é sua predileção pelas conhecidas construções genitivas. O
genitivo é um caso comum que indica posse, como em “meu livro”. Esse possessivo verdadeiro pode
também ser traduzido por “o livro de mim”, é claro que de uma forma pouco comum. Contudo, outros
tipos de possessivo, como o caso em inglês “Gods grace” [graça de Deus], nem sempre significam,
5. Gramática e sintaxe. por exemplo, que Deus é o proprietário da graça; pode também indicar que ele é o doador da graça
ou ainda que esta vem dele. Tais possessivos “não verdadeiros” podem sempre ser traduzidos em
inglês por “the grace of God” [a graça de Deus].
b.    Em diversas passagens do Antigo Testamento, os tradutores da KJV seguiram, de forma
incoerente, a ordem das palavras no hebraico, a ponto de não produzir algo que se aproxime da língua
corrente. Um exemplo comum pode ser observado na constante recorrência de versículos (cada um
correspondendo a um parágrafo!) que começam com a conjunção “e” [...]. Os tradutores da NIV/
TNIV produziram uma tradução aperfeiçoada, ao considerar com seriedade o fato de que a grande
maioria das sentenças inseridas na prosa do hebraico do Antigo Testamento começa com uma das
duas formas hebraicas correspondentes à conjunção “e”. O termo correspondente a “e” aparece
até mesmo quando não há absolutamente nada antecedendo àquilo a que a sentença logicamente
conecta.

62
PANORAMA CONCEITUAL HERMENÊUTICO│ UNIDADE I

Apesar de o assunto ainda ser polêmico, não pode haver dúvida de que o padrão de uso, tanto
nos Estados Unidos como em outros países, mudou um pouco em relação à inclusão, quando se
quer alcançar homens e mulheres ou quando estes estão em vista [...]. A fim de evitar a exclusão
das mulheres em passagens também voltadas a elas ou a pessoas em geral, alguns consideram
necessário pluralizar certas passagens que estão expressas no singular (embora isso, em geral,
não seja relevante). Muitas vezes, “pluralizar” não é algo particularmente prejudicial, sendo o
6. Questões de gênero.
problema muito mais uma questão de se adaptar à mudança na gramática da língua-alvo. Em
sentenças declarativas que começam com “se alguém” ou “quem” ou “quando alguém”, a regra
que aprendemos no período escolar era que esses pronomes devem ser seguidos por um pronome
no singular, naturalmente sempre no masculino. Mas essa regra não era seguida por todos, pois se
verifica que vários autores bem conhecidos do século XIX frequentemente usaram em seus romances
sentenças como essas seguidas de pronomes no plural (os, as).

Fonte: Adaptado de FEE e STUART (2011, p.54-63).

Falácias gramaticais

O autor de Os perigos da interpretação da Bíblia, D.A. Carson, nos chama a atenção


para que, antes de falarmos sobre tais interpretações falaciosas, é preciso ter em mente
o princípio da entropia o qual também opera nas línguas.

Para efeito de conhecimento, de acordo com a segunda lei da termodinâmica,


tudo tende a entrar em um estado absoluto de desorganização, a entropia.
Como acontecerá com o universo por completo em seu “final”, onde tudo
(absolutamente tudo o que conhecemos) entrará em um estado completo de
homogeneidade de pressão e temperatura em todos os seus setores.

Já quando falamos de línguas, sabemos que estas se “desmancham” ao decorrer do


tempo, causando alguns fatores conhecidos:

»» A sintaxe torna-se menos estruturada.

»» O número de exceções aumenta.

»» A morfologia é simplificada.

Contudo, o que nos importa na prática é o fato que a gramática da época do grego
clássico, parcialmente mais estruturada, não pode ser esboçada de uma só vez de
maneira fidedigna ao Novo Testamento grego. Os resultados das maiores descobertas
papirológicas que ressaltam os estudiosos do Novo Testamento para este fato foram
largamente difundidos particularmente ao final do século passado.

63
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

O que nos importa é que os comentários técnicos sobre o texto do Novo Testamento
grego, os quais foram escritos muito antes deste período, são falíveis em diversos pontos
gramaticais.

Sem mais delongas, vejamos as principais falácias relacionadas a tempos e modos


verbais em seus mais variados tipos:

Quadro 17: Falácias relacionadas a tempos e modos verbais.

Há cerca de vinte anos, Frank Stagg escreveu um artigo sobre o uso inadequado do aoristo. Stagg via um
problema no fato de que, a partir da presença de um verbo no aoristo, estudiosos competentes estavam
deduzindo que a ação referida era “definitiva” ou “completa”. A dificuldade surge em parte porque o aoristo é
frequentemente descrito como o tempo pontilear. Gramáticos cuidadosos, claro, entendem e explicam que isto
não significa que o aoristo poderia ser usado apenas para ações pontuais. Afinal, o nome aoristo é adequado:
é a-oristo, sem lugar, indefinido. Ele simplesmente refere-se à ação em si, sem especificar se é única, repetida,
ingressiva, instantânea, passada ou completa. Já os melhores gramáticos compreendem bem isto e usam o
O tempo aoristo termo pontilear de maneira muito semelhante à de um matemático com relação ao termo ponto em geometria
— para se referir a um local sem dimensão. A principal razão pela qual o tempo aoristo pode, em suas relações
com contextos específicos, expressar uma imensa variedade de tipos de ação é justamente o fato de ser
mais maleável que os outros tempos verbais. Ele tem uma estrutura semântica menos definida — isto é, seu
valor semântico não-marcado é simplesmente a ação do verbo. Devemos apenas lembrar que o rótulo aoristo
constativo não pretende transmitir os resultados de informações morfológicas ou mesmo de informações
semânticas, que são atributos exclusivos do próprio verbo no aoristo, mas sim de informações semânticas
próprias do verbo no tempo aoristo em sua relação com o restante daquele contexto em particular.

 
Começamos pela seguinte pergunta: o que é um subjuntivo deliberativo? Quando ele é usado?
Tradicionalmente, a resposta é que o subjuntivo deliberativo é o emprego da primeira pessoa (singular ou plural)
do subjuntivo em orações interrogativas que tratam do que é necessário, desejável, possível ou duvidoso. Deve-
se decidir a respeito do curso apropriado da ação; às vezes, a pergunta é retórica; outras vezes, espera-se uma
resposta. A definição típica de subjuntivo deliberativo (e há diversas variações) de fato abrange três categorias
bastante distintas. O verdadeiro deliberativo, como o subjuntivo hortativo, é intramural — isto é, a primeira
pessoa (singular ou plural) indicada pelo sujeito do verbo faz uma pergunta que deve ser respondida por ela
mesma. O dono da vinha pergunta a si próprio: “Que farei?” (Lc 20.13), e o resultado dessa deliberação é sua
A primeira pessoa do própria resposta, expressa na decisão de enviar seu filho. Há somente sete casos deste verdadeiro subjuntivo
aoristo do subjuntivo deliberativo no Novo Testamento.
A segunda e terceira categorias são pseudodeliberações. O sujeito na primeira pessoa do subjuntivo não faz a
pergunta para si mesmo — o que seria um verdadeiro subjuntivo deliberativo; ou ele fala com um interlocutor,
esperando uma resposta direta (subjuntivo pseudodeliberativo de pergunta direta), ou então simplesmente faz a
pergunta como recurso para introduzir uma declaração, sem haver nenhuma sugestão de deliberação ou de que
ele está buscando uma resposta de outra pessoa (subjuntivo pseudodeliberativo retórico). E três, existe ainda
muito território gramatical a ser vencido, os resultados podem ser exegeticamente proveitosos e, entretanto, não
poucas categorias gramaticais tanto ocultam quanto revelam.
 
A falácia mais comum ligada à voz média é a suposição de que praticamente todo ponto em que ela ocorre é
reflexivo ou sugere que o sujeito age por si só. E claro que os gramáticos competentes não são tão ingênuos,
A voz média
mas ainda assim esta falácia tem aparecido em muitas obras e, normalmente, surge com o propósito de
sustentar alguma doutrina preferencial.
Fonte: Adaptado de CARSON (2001, p.65-73).

64
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Falácias lógicas
Ainda em Carson (2001), temos quatro sentidos em que a palavra lógica é usada:

1. Em nível teórico e simbólico. “Lógica” é um termo abrangente que


se refere a séries de relações axiomáticas, “uma análise e avaliação das
maneiras de se usar a evidência para tirar conclusões corretas”.

2. No uso comum, em nível não técnico, “lógica” é um sinônimo de


palavras como “praticável”, “razoável” ou algo semelhante — um plano
lógico pode ser um plano praticável, um passo lógico talvez seja um passo
precipitado.

3. “Lógica” às vezes significa uma apresentação formal de um


argumento: por exemplo, as pessoas desenvolvem “argumentos
lógicos”, havendo ou não falácias nos passos dados.

4. No uso popular, “lógica” pode referir-se a uma série de proposições ou


mesmo a uma probabilidade que pode ou não ser “lógica” no primeiro
sentido. Por exemplo, às vezes falamos de “lógica ocidental”, “lógica
japonesa”, “a lógica do mercado” ou “a lógica da ecologia”.

Neste último sentido, pode uma lógica confrontar outra, tal como a lógica do comunismo
e a lógica do capitalismo as quais concorrem em diversos níveis. Desta maneira, vejamos
algumas falácias lógicas interpretativas que o autor nos traz:

Quadro 18: Tipos de falácias lógicas.


1. Falsas disjunções:
Naturalmente, algumas disjunções formais são apenas recursos estilísticos que não devem ser interpretados
uso inadequado da
como verdadeiras disjunções. Podemos esperar também que algumas disjunções formais apresentadas por
lei do termo médio eruditos modernos o contexto de seus escritos desfaz essa esperança indulgente.
excluído

2. Deixar de Um bom exemplo desta falácia — aquela que argumenta que, por serem semelhantes em certos aspectos,
reconhecer distinções eles são semelhantes em todos os aspectos.

De forma geral, quanto mais complexa e/ou sentimental a questão, maior a tendência de selecionar somente
3. Uso de evidência parte da evidência, construir precipitadamente uma grade e então filtrar através dela o resto da evidência
seletiva despojada de qualquer substância. E preciso imparcialidade, juntamente com um desejo maior de fidelidade do
que de originalidade na interpretação das Escrituras.
4. Uso inadequado de A falácia consiste em achar que certos argumentos são bons, quando uma breve reflexão mostra que não têm
silogismos valor algum.

A falácia consiste em alguém acreditar que a experiência e a interpretação da realidade individuais de uma
5. Confusão de pessoa são a estrutura adequada para se interpretar o texto bíblico; na verdade, porém, se examinarmos além
cosmovisões do nível superficial, pode haver diferenças tão profundas que descobrimos que estão sendo usadas diferentes
categorias, e a lei do termo médio excluído pode ser aplicada.

65
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Esta é uma subdivisão da falácia anterior. A pergunta: “Quando você parou de bater em sua mulher?” pode
6. Falácias de estrutura provocar sorrisos, porque impinge uma situação desconfortável sobre o homem a quem a pergunta é dirigida.
interrogativa Se ele nunca bateu em sua mulher, uma indagação sobre quando parou é irrelevante. Aquele que fez a
pergunta impôs seu entendimento da situação à pessoa a quem a pergunta é feita.

7. Confusão
Às vezes, a veracidade das Escrituras é depreciada devido à sua demonstrável imprecisão. Contudo, é uma
injustificada entre
falácia confundir essas duas categorias ou achar que há algum tipo de vínculo entre os dois conceitos.
verdade e precisão
8. Apelos puramente É claro que não há nada intrinsecamente errado com a emoção. A falácia está na crença de que a emoção
emotivos pode substituir a razão ou tem valor lógico.
9. Generalização
Neste caso, a falácia consiste na crença de que uma proposição particular pode ser generalizada apenas
e demasiada
porque se adapta ao que queremos que o texto transmita, ou na crença de que um texto diz mais do que na
especificação verdade diz.
injustificadas
Se uma proposição é verdadeira, isto não significa necessariamente que uma inferência negativa a partir dessa
10. Inferências proposição também seja verdadeira. A inferência negativa pode ser verdadeira; mas isto não deve ser tomado
negativas como certo, e em qualquer caso ela nunca é verdadeira porque é uma inferência negativa. Isto pode ser
facilmente demonstrado de forma silogística,
11. Inferências Ela ocorre quando uma palavra ou expressão desencadeia uma ideia, conceito ou experiência associados que
injustificadas não têm nenhuma relação direta com o texto em questão, mas mesmo assim são usados para interpretá-lo.
É surpreendente a frequência com que livros ou artigos dão informações falsas; e se nos basearmos demais
em tais obras, nossa exegese será mal direcionada. Até mesmo eruditos que geralmente são cuidadosos
12. Falsas declarações
cometem erros, às vezes porque se baseiam em fontes secundárias incertas, outras porque a própria memória
os enganou.
Este caso diz respeito a conclusões que “não seguem” da evidência e dos argumentos apresentados. Há muitas
formas, com frequência facilmente apresentadas pelos silogismos que já construí diversas vezes neste capítulo;
13. O non sequitur
mas há diversos exemplos que parecem ser o resultado de pensamentos confusos ou falsas premissas que não
são fáceis de analisar.
Neste caso, a falácia consiste em pensar que o argumento de um opositor já foi realmente discutido, quando na
14. Rejeição arrogante
verdade foi apenas colocado de lado.
15. Falácias baseadas
Com este título geral, Carson se refere a argumentos que não podem ser considerados errados, mas que
em argumentações
mesmo assim são imperfeitos, equívocos, insatisfatórios, Eles alegam proferir mais do podem.
equívocas
A falácia aqui está na suposição de que determinada analogia esclarece um texto ou tema bíblico quando, na
16. Analogias verdade, ela é comprovadamente inadequada ou imprópria. Analogias sempre incluem elementos tanto de
inadequadas continuidade quanto de descontinuidade junto com o que se propõem a explicar; mas para que uma analogia
seja de alguma forma válida, os elementos de continuidade devem predominar no momento da explicação.

17. Uso impróprio E perfeitamente adequado que um comentarista use expressões como “obviamente”, “nada pode ser mais
evidente” ou algo assim, quando ele já dispôs evidências tão irrefutáveis que a grande maioria dos leitores
de expressões como
concordaria que o assunto abordado é evidente ou que o argumento é logicamente conclusivo. Contudo, é
“obviamente” e outras impróprio usar tais expressões quando argumentos opostos ainda não foram refutados definitivamente, e é uma
semelhantes falácia achar que as expressões em si acrescentam algo significativo à argumentação.

Pode-se reivindicar a autoridade de ilustres eruditos, pastores respeitados ou autores célebres, a opinião da
maioria e várias outras. A falácia consiste na crença de que recorrer à autoridade de outros justifica determinada
18. Reivindicações interpretação de um texto; na verdade, porém, a menos que as razões de tal autoridade sejam expostas, a
simplistas de única coisa que tais reivindicações demonstram é que o escritor está sob a influência daquela autoridade
autoridade importante! O máximo de contribuição que isso pode dar a um argumento é o empréstimo da reputação geral
da autoridade para apoiá-lo; mas isso é mais um tipo de referência de caráter acadêmico do que uma defesa
ou explanação refletida.
Fonte: Adaptado de CARSON (2001, p. 88-116).

66
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Falácias históricas e de pressupostos

Ao abordar o tema sobre falácias no que tange às terminologias históricas e de


pressupostos, automaticamente levantam-se complexas questões a respeito de filosofia
e história.

Quando se fala em falácias históricas, o próprio Carson aduz que o ideal a ser feito
é ler David Hackett Fischer; os que se interessam em falácias de pressupostos
devem estudar de modo extremamente aprofundado epistemologia, a fim de
atingir minimamente uma abrangência satisfatória.

Contudo, veremos algumas, uma vez que elas exercem um importante papel na exegese
bíblica. A exegese envolve uma linha de pensamento e argumentação sistematizada;
uma vez que onde houver tal raciocínio sistematizado, aí também encontraremos
falácias de pressupostos (CARSON, 2001).

Vamos a elas:

Quadro 19: Falácias lógicas.


Reconstrução histórica Falácia está em enfatizar demais reconstruções especulativas da história judaica e cristã do primeiro século
livre na exegese de documentos do Novo Testamento.
Falácias de causalidade Falácias de causalidade são explicações falhas das causas dos eventos.

Falácias de motivação podem ser consideradas uma subdivisão das falácias causais. A proporção mais
alta de falácias de motivação surge hoje em alguns estudos radicais da crítica da redação do Novo
Testamento. Cada mudança de redação deve ter uma razão subjacente; assim, gasta-se muita energia
Falácias de motivação
criativa para apresentar tais razões. Elas são muito difíceis de refutar mas, com exceção dos casos onde
o próprio texto fornece evidências ricas e inconfundíveis, raramente essas razões são algo mais do que
meras especulações.

A paralelomania conceitual é atraente para aqueles que fizeram estudos avançados em um campo
Paralelomania especializado, mas que não têm mais do que um sério conhecimento de escola dominical das Escrituras.
conceitual Muitos especialistas que caem nessas falácias são cristãos sinceros que querem relacionar a Bíblia à sua
disciplina.
Falácias que surgem da
falta de distanciamento
A mais óbvia destas é a transferência de uma teologia pessoal para o texto.
no processo
interpretativo
Há muitos. Nossas definições modernas de “parábola” ou “alegoria” podem não ser exatamente o que os
escritores antigos queriam dizer com esses termos. A nova hermenêutica estabeleceu muito de sua teoria
Problemas relativos ao
estudando parábolas, as quais, nas mãos de Jesus, muitas vezes pretendiam tanto chocar e “interpretar” o
gênero literário ouvinte para si mesmo tanto quanto ser interpretadas por ele; mas as teorias funcionam bem menos em
um tratado ou discurso.
Problemas relativos Estes incluem a natureza da autoria do Antigo Testamento quando a correlação é tipológica, o risco de
ao uso que o Novo uma reivindicação puramente fideísta nas passagens difíceis, a questão de a citação pretender ou não (e
Testamento faz do quando) trazer consigo o contexto do Antigo Testamento e muito mais. Todos esses problemas provocam
Antigo falácias de vários tipos.

67
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Os eruditos geralmente reconhecem que os argumentos a partir do silêncio são fracos; mas são mais
Argumentos a partir do
fortes se podemos alegar que, em qualquer contexto particular, poderíamos ter esperado comentários
silêncio adicionais por parte do falante ou narrador.
Podem existir falácias relacionadas não só ao modo pelo qual versículos isolados são interpretados, mas
Problemas relativos à
também ao modo pelo qual diversas passagens são associadas — e então igualmente à maneira como
justaposição de textos uma associação dessas afeta a interpretação do próximo versículo examinado.
Muitas avaliações estatísticas são estruturadas em parte por decisões da crítica da redação que dependem
de números — a frequência com que certa palavra ou expressão aparece em um corpo literário
Problemas relativos a
específico, se aparece em um texto não ambíguo ou em algum outro lugar, e assim por diante. Contudo,
argumentos estatísticos há muitas falácias metodológicas ligadas a argumentos estatísticos, falácias das quais muitos eruditos do
Novo Testamento estão apenas vagamente conscientes.
O surgimento do Uma nova geração de falácias vem sendo criada à medida que esta disciplina relativamente jovem é
estruturalismo aplicada aos estudos bíblicos.
Problemas na distinção E muito comum encontrarmos interpretações que tomam o literal pelo figurado ou vice-versa. A teologia
entre o figurado e o de algumas seitas depende de tais leituras errôneas. James W. Sire enfatiza que a Ciência Cristã apresenta
literal interpretações figuradas de um grande número de palavras
Fonte: Adaptado de CARSON (2001, p.127-130).

68
CAPÍTULO 4
Hermenêutica contemporânea

No que tange a hermenêutica reformada, vejamos diretamente nas palavras Spurgeon:

Uma leitura obvia não é leitura bíblica. Os olhos passam pelos versos e
as sentenças voam pela mente, mas não é uma leitura verdadeira. Um
velho pregador costumava dizer que a palavra hoje em dia tem um curso
livre e poderoso, pois entra em um ouvido e sai pelo outro; as pessoas
podem ler muito, mas na verdade não leram nada (SPURGEON, 2010,
p. 70).

Destaca-se aqui que, para este pregador e pensador cristão, a pessoa que lê sem interpretar
na verdade não lê. Para Spurgeon, a leitura da Bíblia é um ato de interpretação. Esta
abordagem está em acordo com o conceito lexical de leitura.

Compreender o seu significado é a essência da verdadeira leitura. A


leitura tem um âmago e a simples aparência nada vale [...] há uma leitura
interior, uma leitura do âmago, viva – uma leitura viva e verdadeira da
Palavra. Esta é a alma da leitura, e, se ela não existir, será um exercício
mecânico e sem nenhum valor (SPURGEON, 2010, p. 70).

Para o autor a meditação é o principal caminho para a compreensão do significado


do texto sagrado. Meditar, neste caso, é similar a ação de quem está esmagando uvas
com os pés com o intuito claro de extrair o sumo das mesmas, desta forma, a mesma
aplicação se dá à complexidade aparente de alguns textos, em oposição a clareza de
outros é um sinal de que o desejo divino é a de que as mentes sejam exercitadas pela
busca da interpretação mediante exaustiva reflexão.

Muito do véu que cobre as Escrituras não tem a finalidade de esconder o significado
daquele que é diligente, mas sim, tem como objetivo estimular a mente a ser produtiva,
pois a diligência do coração na ânsia por conhecer a mente divina faz com que ele seja
aperfeiçoado, sendo isto melhor do que o conhecimento em si mesmo (SPURGEON,
2010, p. 70).

O passo seguinte a este é a conciliação entre a meditação e o compartilhamento dos


resultados da reflexão. Para Spurgeon, o trabalho exegético de outros autores é de
fundamental importância na compreensão que leitor desenvolve do texto, daí que tão
logo alcançado o entendimento, este seja compartilhado.

69
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Métodos contemporâneos

Quanto aos métodos contemporâneos é possível situar no campo ortodoxo o que


Dick (2001) chamou de hermenêutica canônica. Dentro desta metodologia de
interpretação, alguns textos aplicados à pessoa de Jesus foram distorcidos de forma
a parecerem ser profecias exatas, às quais os cristãos poderiam recorrer sempre que
necessitassem de um texto-prova a fim de demonstrar o caráter messiânico da vida de
Jesus.

Em um artigo intitulado “Profecia e Cumprimento”, Bultmann elaborou uma resposta


estimulante. Percebeu que o verbo empregado por Mateus, por exemplo, para se referir
ao cumprimento de cada profecia era πλερω, cujo sentido é o de levar à plenitude, desta
maneira, textos em seu sentido original eram aparentemente contraditórios.

Exemplificando como isso funciona na prática, o texto que fala da fuga de José para o
Egito, como também o texto do profeta Oséias em seu respectivo contexto. O profeta
vaticina: quando Israel era menino, eu o amei e do Egito chamei meu filho (Os 11. 1 -
Almeida Revista e Atualizada).

Considerações atentas ao contexto possibilitam a constatação de que o profeta está


falando da história de Israel e de sua inclinação constante à apostasia (Os 11. 2, 3),
oposta ao amor de Deus (Os 11. 3, 4). Qual seria então a relação existente entre o filho
de Deus e este texto?

Aprofundando-se no contexto de Oséias, ali indica que Israel é comparado a uma vide
luxuriante. Tal comparação remonta à fala profética que compara Israel com uma
vide plantada por Deus. Como na mensagem de Jeremias: “eu mesmo te plantei como
vide excelente, da semente mais pura, como, pois te tornaste para mim uma planta
degenerada, como vide brava?” (Jr 2. 21 ARA).

Deus plantou Israel, mas Israel não deu os frutos esperados (Is 5. 1 – 7; Lc 13. 6 – 9).
Estes relatos mostram que onde Israel, o filho de Deus errou, Jesus, o Filho do Deus
vivo triunfou, por meio de sua obediência até a morte (Fp 2. 6 – 11). Por este motivo
ele exclama: “Eu Sou a videira verdadeira, e o meu pai é o agricultor” (Jo 15. 1 ARA).

Desta forma, este tipo de interpretação resolve alguns problemas entre Velho e Novo
Testamento sem ter de recorrer às alegorizações e tipologizações das escolas de
interpretação primitivas e da Hermenêutica medieval. O resultado é que Jesus cumpre
as expectativas depositadas outrora sobre Israel.

A Hermenêutica sociológica advém de uma leitura sociológica da Bíblia, é um


padrão de leitura que clama pelo sentido do texto, foca-se nos interesses a respeito do

70
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

mesmo. A interpretação de Leonardo Boff a respeito de Cristo como um libertador


social é um claro exemplo deste tipo de hermenêutica, uma vez que segundo Gay
(2001), esta metodologia encontra-se atrelada à sociologia do conhecimento e a arte da
suspeita.

A teologia da libertação sul-americana, por exemplo, tem procurado


reformular o significado no contexto do neo-colonialismo e dependência
econômica opressivos no terceiro mundo. Na América do Norte uma
teologia negra tem sido desenvolvida no contexto da opressão branca,
e tem procurado reinterpretar o Evangelho sob a perspectiva da
negritude. O movimento feminista tem dado origem a uma teologia
feminista, nas quais as mulheres têm procurado livrar o Evangelho
das influências opressivas do sexismo e do domínio patriarcal. Todas
estas teologias focalizam conflitos que, segundo se acredita, existem
no âmago da existência social. Todas elas estão comprometidas com
a noção de que o conflito entre oprimidos e opressores é a força
motriz do desenvolvimento histórico. É por este motivo que as várias
Teologias da Libertação insistem que o pensamento teológico, inclusive
a interpretação das Escrituras, deve ser antecedida por uma análise
sociológica que visa desmascarar os mecanismos específicos de opressão
em qualquer realidade (GAY, 2001, P. 118).

Podemos ver que o conceito de ideologia é primordial na arte da suspeita, visto que ele
permite identificar quando uma exegese que segue todas as formalidades das teologias
ortodoxas é instrumentalizada para mascarar uma realidade, ou encobrir a situação de
opressão. Porém nem tudo é tão simples quanto parece.

Cânticos, tratados, profecias e leis

Profecias

Jesus afirmou ser o Único Caminho que leva ao Pai, muitos teólogos argumentam que
antes da vinda do Messias, o que salva é a fé em vinda (profética) do Messias. O que
para uns a Lei justificava e salvava, para outros o sendo o cumprimento completo da Lei
impossível segue-se que todos pereceram mesmo sendo justificados pela Lei.

Como este não é ponto (discorrer sobre a salvação do Antigo Testamento), foquemo-
nos ainda dentro deste contexto, nas profecias.

71
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Ainda no mesmo autor, vemos algumas regras interpretativas de profecias, as


quais Berkhof (2004, p.115-116) alude que:

a. As palavras dos profetas devem ser aceitas no sentido literal usual a não
ser que o contexto o modo do qual foram cumpridas indiquem claramente
que tenha um significado simbólico.

b. Ao estudar as descrições figurada encontradas nos profetas, o intérprete


deve objetivar descobrir a ideia fundamental e expressa.

c. Na interpretação das ações simbólicas dos profetas, o intérprete deve


partir do pressuposto da sua realidade, isto é, da sua ocorrência na vida
real, que o contexto prove claramente o contrário.

d. O cumprimento de algumas das mais importantes profecias germinante,


isto é, foram cumpridas em etapas, cada comprimento sendo uma
garantia do que se seguiria.

e. As profecias devem ser lidas à luz do seu cumprimento porque isso


irá, muitas vezes, revelar profundezas que teriam, de outra maneira,
escapado à atenção. Além disso, ele não deve prosseguir no pressuposto
de que as profecias são sempre cumprir das na forma exata em que foram
proferidas. O pressuposto é que, se forem cumpridas numa dispensação
posterior, a forma dispensacional deve ser considerada no cumprimento.

Pacto

Os pactos na Bíblia, normalmente, não recebem a importante merecida, haja vista de


Adão e Eva, Noé, Abraão (talvez o pacto mais importante das Escrituras).

No século XX, muitas pesquisas foram feitas para com assuntos concernentes aos pactos
bíblicos, os quais descobriram, na literatura antiga do Oriente Próximo, principalmente
na literatura e hitita, dois tipos principais de pactos.

De acordo com Stein (1999), a diferença entre eles vai depender da relação dos
envolvidos. Se a relação envolve igualdade (como em I Sm 18.3; I Rs 5.12), resulta-se
em um pacto de “paridade”. Neste tipo de pacto, ambas as partes concordam entre si,
obedecendo às mesmas cláusulas gerais básicas. Outra forma é denominada pacto de
“suseranato”.

Esta forma não é um tratado entre iguais, visto que um suserano


antigo era um senhor feudal. Em um pacto de “suseranato”, o senhor

72
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

estabelecia unilateralmente os termos e condições para seus vassalos.


Os vassalos, na ocasião, podiam apenas aceitar ou rejeitar o pacto e seus
termos (STEIN, 1999, p.202).

Vejamos as regras que segundo o autor vigoram ainda hoje:

Quadro 20 – Regra específica de interpretação: pacto.


Preâmbulo No preâmbulo, o autor do pacto se identifica.
 
Prólogo Este descreve a relação prévia das duas partes e enfatiza o caráter benevolente do suserano nos seus
histórico procedimentos anteriores com grupos inferiores. Isto acontece como justificativa às obrigações seguintes.

 
São as obrigações e responsabilidades de grupos inferiores, envolvendo coisas, como: proibição das relações
Cláusulas gerais estabelecidas e tratados com outras nações (“Não terás outros deuses diante de mim” — Êx 20.3); apoio ao
básicas suserano; obrigação de odiar os inimigos; várias proibições e ordens semelhantes. Estas obrigações não eram
condições para associar-se ao pacto, mas para viver o pacto. A principal estipulação envolvia lealdade ao suserano.
 
Prescrição de
lembrança Esta era projetada para assegurar a familiaridade com o pacto através do povo e de seus descendentes.
contínua
 
Relação de Frequentemente, o suserano apelava para os deuses (conforme no Antigo Testamento, “céu e terra”) como testem
testemunhas unhas para o estabelecimento do pacto.
 
Bênção e
São contingentes sobre a obediência ou desobediência dos súditos.
maldição
 
Juramento Os súditos juram lealdade ao pacto e às suas obrigações.
Fonte: Adaptado de STEIN (1999, p.202-203).

Lei

A Lei (Tora) normalmente é confundida com os dez mandamentos (tábuas da Lei)


presentes em Êxodo 20 e Deuteronômio 33. Contudo, vai muito além disto, sendo o
Pentateuco composto por 613 Mitzvot, contida em cinco Livros, a saber:

Gênesis...................Bereshit – ‫תישארב‬

Êxodo......................Shemót – ‫תומש‬

Levítico....................Vayikrá – ‫ארקיו‬

Números..................Bamidbar – ‫רבדמב‬

Deuteronômio..........Devarim – ‫םירבד‬

73
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

Os nomes derivados do grego relacionam-se com o conteúdo, enquanto as denominações


hebraicas são constituídas pela primeira ou principal palavra do início de cada livro.
Stein (1999, p.208, grifos nossos) traz um interessante comentário:

As leis da Bíblia têm sido classificadas, de acordo com suas formas, em dois
tipos: leis casuísticas e leis apodíticas. O padrão é uma lei caso por
caso, cujo procedimento é o seguinte: “Se A ocorre, então B terá a mesma
consequência”. Lei casuística geralmente envolve assuntos do tipo material ou
civil. Lei apodítica, contudo, é declarativa e categórica. Tende a compreender
proibições, mandamentos e instruções. Estas leis são frequentemente inábeis
e tendem, na realidade, a ficar no âmbito religioso. A maior parte das leis
do antigo Oriente Próximo tendem a ser casuísticas. Isto também é verdade
com relação ao Antigo Testamento [...]. Outra distinção feita frequentemente
entre as várias leis nem ao menos envolvem a forma ou o conteúdo delas.
Estas são, frequentemente, divididas em três classes: leis éticas (como os
Dez Mandamentos — Êx 20.1; 34.27,28; Dt. 4.13; 10.4); leis de veneração
(como as leis rituais que envolvem sacrifícios, qualificações para obediência
sacerdotal, proibição de comidas impuras etc.) e leis civis (penalidades para
crimes, regulamentos de herança etc). Pelo fato de o Antigo Testamento não
fazer uma distinção explicita, muitas pessoas não têm concordado com esta
divisão tripla, pois tais leis sobrepõem tal classificação. As leis que regulavam
a doença e a purificação

(Lv 13—15) eram leis de veneração ou civil? Ou eram ambos? Pelo fato de
envolverem sacerdotes e sacrifícios, não é fácil determinar. Porém, a distinção
entre as dimensões éticas, de veneração e civil das leis, é a base da distinção
feita no Novo Testamento. Jesus observou a distinção entre a dimensão de
veneração e ética da lei

O autor ainda nos lembra da importância de nos atentarmos para alguns pontos
importantes, segundo seu ponto de vista, quando na interpretação das leis bíblicas. Em
primeiro lugar:

»» Elas estão (todas) associadas a um pacto da graça. Onde salvação precede


a obediência.

Com isto lembra-nos da famosa frase: “não obedeço para ser salvo, mas porque estou
salvo obedeço”.

»» O significado específico delas não esgota todos os seus significados.

74
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

Ele explica:

As leis da Bíblia são padrões de significado que contêm numerosas


implicações. Até mesmo se a lei é formulada como um mandamento
específico ou proibição em lugar de um princípio geral, seu significado
não é exaurido, obedecendo a lei especifica. Assim, até mesmo leis que
parecem antiquadas e não são mais aplicáveis ao longo do tempo, podem
trazer implicações úteis e apropriadas para hoje! Se um mandamento
como “olho por olho, dente por dente” não parece ser aplicável hoje, é
porque o interprete não está atento ao padrão de significado e as várias
implicações contidas naquela declaração. Seu princípio, que castigo
deveria se adaptar ao crime, sempre será pertinente [...]. Um princípio
adicional para interpretar as leis da Bíblia pode ser aludido. A lei tem
como um de seus propósitos a revelação de nosso pecado e corrupção.
Até mesmo em nossos melhores momentos, não mantemos as leis de
Deus perfeitamente. Assim, temos que reconhecer que precisamos de
perdão e misericórdia. A lei tem como objetivo nos mostrar a necessidade
da graça de Deus [...]. A nossa relação com Deus está baseada na graça,
e essa relação é mantida através de sua misericórdia para conosco.
(STEIN, 1999, p.212).

É certo que a autoria do Pentateuco é atribuída a Moisés, mas existem três diferentes
redações do Pentateuco:

1. A judaica.

2. A samaritana.

3. A grega.

Os principais exegetas do judaísmo de todos os tempos, considerados pela maior parte


dos judeus são:

»» Rabi Shelomo Yits´chaki (Rashi).

»» Onkelos (Targum).

»» Rashbam.

»» Baal Haturim.

»» Daat Zekenim Mibaale Hatossafot.

75
UNIDADE II │HERMENÊUTICA D.C

»» As do Talmud e do Midrash.

»» Rabino M. Wolff (obra mais conhecida: V aríetes Homilétiques.

Não vamos nos aprofundar na Torá, tampouco na hermenêutica das leis mosaicas, as
quais, conforme a tradição judaica, o profeta Moisés explicou a Torá em 70 idiomas. No
entanto, para o aluno dedicado, o aprofundamento da Torá é útil para si e para o ensino
das Escrituras em todos os aspectos.

Há um excelente “curso de aprofundamento da Torá” do Canal Programa


Israelita disponível na web que trata com real profundidade pontos específicos
e interpretações rabínicas. Ele é ministrado por Rosh Ezra. Existem algumas
versões para as quais, por crerem em Jesus como Messias verdadeiro, não são
judias verdadeiras, no entanto, deixando as diferenças de lado, os estudos ali
contidos são excelentes para àqueles que desejam conhecer mais da Torá:

»» Curso aprofundamento da Torah. Disponível em: <https://www.


youtube.com/watch?v=0K4AS1spJ7g>. Link curto: <https://goo.gl/
eLYFhI>. Composto por cinco vídeos de 1h30 aproximadamente cada
um.

Salmos
Certamente, cada salmo bíblico deve ser estudado por completo, uma vez que pode ser
usado de diferentes formas, dentro de um mesmo cabeçalho. Muito remetem a Davi
sendo o único escritor de Salmos, isto não é verdade. Moisés, Salomão, Asafe e outros
escreveram alguns também. Se for “lamed de autoria”, é certo que temos algumas
tradições que remetem a:

»» Moisés: salmo 90.


»» Davi: escreveu 73 salmos.
»» Asafe ou seus descendentes: salmos 50 e 73-73.
»» Hemã, o ezraíta: salmo 88.
»» Etã, o ezraíta: salmo 89.
»» Salomão: salmos 72 e 127.
»» Os demais são anônimos.
No início do século XX, alguns estudos críticos foram responsáveis por uma abordagem
relativamente mais positiva aos estudos críticos, levando o intérprete a entendimento

76
HERMENÊUTICA D.C │UNIDADE II

com maior profundidade no contexto literário e suas funções, especialmente em


conjunto com os atos rituais da adoração de Israel.

Os críticos procuraram determinar a origem de cada salmo, acreditando mais na forma


e função do que na referência histórica ocasional. Tal identificação nem sempre é
possível ser feita. Contudo, a abordagem separou em si os tipos de salmos, a saber:

»» Salmos de Lamentações.

»» Salmos de Louvores Informativos.

»» Salmos de Louvores Descritivos.

»» Salmos de Realeza.

»» Salmos de Peregrinos.

»» Salmos de Entronização.

»» Salmos de Sabedoria.

»» Dentre muitos outros baseados nestes.

Diversos estudiosos críticos de forma, contudo, procuraram investigar o desenvolvimento


de cada salmo até seu formato final, trabalho praticamente impossível (uma vez que
não há evidências), muitos acreditam na atitude desnecessária de tais estudiosos. Já os
estudos modernos focam na teologia moderna dos salmos.

Existe um consenso bastante sólido com relação à originalidade dos salmos. O texto
em hebraico envie seu original, está preservado no Texto Massorético (TM), o qual
evidentemente é o tipo superior de texto, dados suas características de autenticidade
em seus contextos.

A tradução grega é extremamente útil por conta do significado dos versos e seus
respectivos contextos. Ao invés de preservar o original rude, geralmente eles sua vida
as dificuldades, utilizando-se de palavras familiares ou palavras genéricas em lugar de
específicas, esclarecendo, com isto, estruturas complexas.

Os Manuscritos do Mar Morto confirmaram que o texto preservado na tradição ética


é muito aos Manuscritos Massoréticos que temos. Em suma, é certo que estamos com
o livro de Salmos em sua originalidade praticamente isenta de erros tradicionais de
copistas, dado a este contexto arqueológico.

Quando existem interpretações diversas, a utilização apropriada da crítica textual quase


sempre indica o texto correto.

77
Para (não) finalizar

Não pare no meio do caminho


Ingenuidade é acreditar que um assunto encontra-se esgotado sempre ao final de algum
livro, material ou estudo. Este é um meio de pesquisa para que seus estudos continuem
e prossigam sempre avançando.

À luz do conhecimento e da profundidade das análises, métodos e princípios


hermenêuticos, é certo que vimos neste Material de Apoio o suficiente para uma
abordagem teológica (intuito do curso).

Impossível falar hermeneuticamente de cada livro bíblico, tampouco profundamente


de cada metodologia aplica à hermenêutica.

Também é certo que a hermenêutica não se restringe às Sagradas Escrituras, tampouco


qualquer outro tipo de livro considerado sagrado (como o Alcorão, os escritos de
Gilgamesh, entre outros).

Como exemplo, sob um entendimento jurisprudente, temos:

»» Método gramatical ou literal.

»» Método exegético e o espírito do legislador.

»» Método lógico-sistemático.

»» A analogia e as interpretações extensiva e restritiva.

»» Método histórico.

»» Método teleológico.

»» Escola de livre pesquisa e o método científico.

»» Método sociológico.

»» Escola do direito livre.

78
PARA (NÃO) FINALIZAR

Links úteis:

A Hermenêutica de Calvino

Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/hermeneutica_calvino.


htm>.

Link curto: <http://goo.gl/y3748o>.

A Hermenêutica de Lutero

Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/bibliologia/augustus_lutero_


interpretacao.htm>.

Link curto: <http://goo.gl/wGqhpV>.

A Hermenêutica de Agostinho

Disponível em:

<http://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/15389/11495>.

Link curto: <http://goo.gl/pMpkhb>.

A Hermenêutica de Paulo

Disponível em: <http://adfg.com.br/a-hermeneutica-de-paulo/>.

Link curto: <http://goo.gl/rptGaz>

Paul Ricouer e a hermenêutica de si no espelho das palavras

Disponível em:

<http://www.scielo.org.ve/scielo.php?pid=S1315-52162009000400004&script=sci_
arttext>.

Link curto: <http://goo.gl/3CQW0q>.

Hermenêutica e exegese, onde contempla:

»» - A Hermenêutica Jurídica, Filológica e Teológica.

»» - O Argumento bíblico, extra bíblico, Antibíblico.

79
PARA (NÃO) FINALIZAR

Disponível em:

<http://www.napec.org/apologetica/hermeneutica-e-exegese/>.

Link curto: <http://goo.gl/PirgVW>.

Princípios hermenêuticos, principais teólogos da história e suas influências.

Disponível em:

<http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/hermA_01.pdf>.

Link curto: <http://goo.gl/VX2iZR>.

O paradigma hermenêutico como fundamentação das pesquisas etnográficas e


fenomenologias

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v6n2/13905.pdf>.

Link curto: <http://goo.gl/QxHGJW>

Rudolf Bultmann (1884-1976) e a Demitologização da Nova Hermenêutica

Disponível em:

<http://www.teologiacontemporanea.com.br/index.php?pg=dinamic-
subcontent&&id=120>.

Link curto: <http://goo.gl/SDIvB2>.

Regras hermenêuticas

Disponível em: <http://www.fatecc.com.br/alunos/apostilas/teologia/4periodo/


hermeneutica.pdf>.

Link curto: <http://goo.gl/dSCZ4f>.

Hermenêutica, uma visão apologética

Disponível em:

<http://www.cacp.org.br/hermeneutica/>.

Estudos em hermenêutica bíblica ou, leis básicas de interpretação da Bíblia

Disponível em:

80
PARA (NÃO) FINALIZAR

<http://www.baptistlink.com/creationists/hermeneuticahuckabee.pdf>.

Link curto: <http://goo.gl/yCYQtq>.

A hermenêutica textual de Paul Ricoeur: Aportes à compreensão da


identidade cristã

Disponível em:

<http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/21665/21665.PDF>.

Link curto: <http://goo.gl/elTI2s>.

A hermenêutica da teologia da libertação: Uma análise de Jesus Cristo


libertador (Leonardo Boff)

Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/SeparacaoEclesiastFundament/Hermene


uticaTeologiaLibertacaoDeLBoff-AugustusNicodemusLopes.htm>.

Link curto: <http://goo.gl/XNX6Vt>.

Vídeos do polêmico Caio Fabio:

JESUS - A chave hermenêutica | Para entender o que lemos nas Escrituras

Disponível em: <https://vimeo.com/20640663>.

Jesus a chave hermenêutica

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PIQaZLIoXzI>.

Link curto: <https://goo.gl/cLpqHe>.

Há, portanto, muito a estudar e como diria Ovídio (43 a.C -18 d.C), Finis coronat Opus2.

2 O fim coroa a obra!

81
Referências

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São Paulo: Candeia, 1991.

_______, v.2. São Paulo: Candeia, 1991.

_______, v.3. São Paulo: Candeia, 1991.

_______, v.4. São Paulo: Candeia, 1995.

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BERGER, Klaus. Hermenêutica do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal,


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CARSON, D.A. Os perigos da interpretação bíblica: a exegese e suas falácias. São


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