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Este breve estudo é parte integrante do meu livro A

GRAÇA DE OFERTAR, ainda a publicar

“Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus,


que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.”
(Romanos 12:1)

Não é possível condenarmos abertamente a cobrança obrigatória do dízimo


no contexto da Nova Aliança – acima de tudo nos padrões da Teologia da
Prosperidade – sem oferecermos uma alternativa bíblica para a questão da
contribuição financeira legítima na Igreja de Cristo. Portanto, enganam-se aqueles
que leram este estudo até agora e se sentiram aliviados e isentos da necessidade
de contribuir financeiramente com a obra do Senhor. Enganam-se aqueles que
acharam que este estudo é uma apologia a não doação de qualquer tipo de oferta à
Igreja, que tanto precisa dela para manter-se. O nosso objetivo não é acabar com a
contribuição financeira na Igreja, mas apenas combater a forma equivocada como
ela está sendo ensinada e cobrada. Dizer que um crente deve dar o dízimo senão
vai para o inferno, ou que se ele não der Deus não o abençoará, é imoral e vai
contra as doutrinas mais elementares da Palavra de Deus. Mas dizer que o crente
não deve contribuir de maneira nenhuma com a obra do Senhor, é um perigoso
equívoco.
            Então é possível formular uma doutrina bíblica sobre contribuição na Igreja
sem apelar para o Velho Testamento? É possível falar em “oferta” sem citar
qualquer texto que faça alusão à lei mosaica? A resposta é SIM. A partir deste
momento, então, vamos buscar entendimento sobre a contribuição que o Novo
Testamento ensina. A palavra “dízimo” é trocada na Nova Aliança por “oferta”.
O quê ofertar?

Como vimos na primeira parte do nosso estudo, o dízimo não é uma doutrina
cristã e por isso não deve ser cobrado da Igreja cristã. Então, que tipo de
contribuição financeira o crente precisa dar à obra do Senhor? A resposta é: oferta.
Todavia, antes de estudarmos a oferta no Novo Testamento como uma forma
legítima de contribuição do crente para a Igreja, devemos entender melhor a questão
das ofertas. Assim como o dízimo, as ofertas são encontradas, também, apenas no
Antigo Testamento e nada tem a ver com contribuição financeira para o Templo. A
exemplo dos dízimos, as ofertas não eram em dinheiro, mesmo porque não havia
dinheiro como hoje. Ofertas eram oferendas e sacrifícios oferecidos a Deus e
estavam geralmente ligadas ao pecado e a gratidão.
No Antigo Testamento são encontrados sete tipos de ofertas, especificamente
no livro de Levítico:
oferta do Holocausto,  em que o animal era completamente queimado no altar
(1:1-17 e 6:8-13);
 oferta de manjares, isto é, de cereais (2:1-16 e 6:14-23);
 sacrifício pacífico ou de paz (3:1-17; 7:11-21);
 havia três tipos de ofertas pacíficas:
 oferta de gratidão a Deus (7:12),
 oferta para pagar um voto ou uma promessa feita a Deus (7:16), e a
 oferta voluntária (7:16);
 oferta pelo pecado, isto é, para tirar pecados (Levíticos 4.1-5.13; 6.24-30);
 oferta pela culpa, isto é, para tirar a culpa (Levíticos 5.14-6.7; 7.1-7);
 a libação, um tipo de oferta em que se derramava vinho (23:13);
 oferta alçada (essa descrita no livro de Números 18:20-28; cf. Ne 10:37-39).

Em alguns textos do Novo Testamento, encontramos alusões às ofertas


oferecidas segundo a Lei de Moisés (cf. Mt 5:23,24; 23:18,19; Mc 7:11; Lc 21:1-4; At
10:4; 21:24; Hb 10:8; 11:4). Em Romanos 15:16, Paulo usa a palavra “oferta” para
falar dos cristãos gentios. São os gentios uma oferta aceitável a Deus, santificada
pelo Espírito Santo de Deus (cf. At 15:8-11). Em 1 Coríntios 16:13, Paulo faz
menção da oferta recolhida que seria enviada a Jerusalém. Em Filipenses 4:18, ele
comenta a respeito da oferta que recebera da Igreja de Filipos e que o havia suprido
em tudo com abundância. Em nenhum desses textos encontramos recomendações
quanto às ofertas no sentido de um mandamento.
Da mesma forma que os dízimos, as ofertas como prescritas no Antigo
Testamento estão completamente obsoletas para nós, cristãos. Dessa forma, tudo
aquilo que foi dito anteriormente para refutar a doutrina da obrigatoriedade do
dízimo, pode ser direcionado às ofertas nos moldes da Antiga Aliança. Em Cristo,
tais ofertas não podem ser cobradas nem mesmo oferecidas, pois Cristo já se
ofereceu por nós de uma vez por todas na cruz para nos livrar dos nossos pecados
e nos trazer favor diante de Deus. Conclui-se, pois, que não há prescrição alguma
de oferta do Novo Testamento. Essa não é uma suposição, mas uma constatação.
Então, também a oferta deve ser abolida na Igreja? Se aquilo que
entendemos como oferta diz respeito ao que era praticado pelos judeus em
obediência à lei mosaica, a resposta é sim. Todavia, restam-nos ainda algumas
questões a serem respondidas: Que tipo de oferta devemos dar, então, movidos
pela graça? E: Qual é a forma verdadeira de contribuição na Igreja, uma vez que
nem o dízimo nem a oferta são legítimos na esfera da Graça? Tais respostas
encontraremos ao estudarmos a forma como a Igreja primitiva lidava com os seus
problemas financeiros, e que formas encontrava para suprir as necessidades dos
irmãos mais carentes, em especial os santos pobres da Igreja em Jerusalém. De
fato, como veremos a partir daqui, não existe uma doutrina direta a respeito da
contribuição financeira na Igreja; por essa razão, devemos usar o bom senso e nos
pautar pelo exemplo que os personagens da Igreja nascente nos dão através do seu
testemunho registrado nas Escrituras.

A oferta de amor no Novo Testamento

Se no Antigo Testamento a oferta está ligada ao Templo, no Novo


Testamento ela assume outro significado. Não se fala mais em oferta pelo pecado,
não são mais utilizados animais em sacrifício nem é no Templo em Jerusalém que
as ofertas são oferecidas. O crente passa a ser a sua própria oferta a Deus e, após
ofertar-se a Deus limpo e purificado por Cristo, ele dá ofertas de amor aos seus
irmãos desfavorecidos, aos missionários que andam pelo mundo pregando o
Evangelho, aos oprimidos e miseráveis em geral.
Existe uma grande diferença entre o dízimo do Antigo Testamento e a oferta
do Novo Testamento. No Antigo, o dízimo era uma atitude externa de obediência,
uma forma de agradar a Deus através do cumprimento das suas ordenanças. Era
uma espiritualidade de fora para dentro. Os judeus dizimavam aquilo que Deus havia
proposto na Lei como uma obrigação religiosa, o que não quer dizer que muitos não
dizimavam com alegria e amor a Deus, com verdadeira devoção. No Novo
Testamento, a oferta continua, mas não é mais uma atitude externa, mas interna, de
dentro para fora. Os cristãos devem contribuir voluntaria e amorosamente com
aquilo que tiverem proposto no seu coração (2 Co 9:7). Enquanto que para o povo
judeu o dízimo era uma forma que Deus usava para derramar bênçãos, para nós,
cristãos, a nossa maior bênção é o sacrifício de Cristo por nós (Ef 1:3). Se antes os
judeus ofertavam o seu melhor a Deus, agora é Cristo quem ofereceu a si próprio
por amor a nós (Jo 3:16). Isso, porém, não exclui a possibilidade de uma oferta sem
amor e por interesses egoístas.
            Jesus Cristo cumpriu toda a Lei (Rm 10:4) para estabelecer um Novo
Testamento entre o homem e Deus (Hb 8:13). E embora neste Novo Testamento o
sacerdócio levítico tenha sido abolido e o Templo tenha perdido a sua razão de ser,
ainda restam os presbíteros da igreja que são merecedores do seu salário, acima de
tudo se doam o seu tempo ao ministério; restam também os órfãos e as viúvas; resta
a manutenção do espaço físico onde a Igreja se reúne, os impostos e as contas a
serem pagas todos os meses. E para estas coisas, como já afirmamos, não adianta
jejuar e orar – embora jejum e oração precisem sempre estar presentes, porque
demonstram a nossa dependência de Deus, de quem nos vem todas as coisas. É
preciso abrir o coração e a carteira, colocar as nossas finanças a serviço do Reino
de Deus. Quando o agricultor deseja uma colheita farta, além de confiar em Deus e
na sua providência, ele ara o solo e planta a semente.
            Tiago escreveu: “Se um irmão ou uma irmã tiverem carecidos de roupa e
necessitados de alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz,
aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o
proveito disso?” (Tg 2:15,16). No capítulo anterior, ele havia definido a verdadeira
religião nos seguintes termos: “A religião pura e sem mácula para com o nosso Deus
e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo
guardar-se incontaminado do mundo” (1:27). Como vemos, a lei cerimonial e
religiosa foi abolida – o dízimo – mas o princípio moral permanece: a generosidade,
o desprendimento e a gratidão. Dessa forma, a lei suprema de Deus é cumprida por
aqueles que têm fé em Cristo Jesus, não porque são obrigados a isto, mas porque o
seu coração regenerado transborda de amor pelos oprimidos e pelos necessitados –
alvos do amor de Deus tanto na Antiga, quanto na Nova Aliança.
            No Novo Testamento está claro que aumenta a nossa responsabilidade com
relação à manutenção da obra do Senhor em todas as áreas. Embora a maior
ênfase dada pelos grupos pentecostais e neopentecostais à descida do Espírito
Santo no dia de Pentecostes seja a manifestação do dom de línguas, foi ali que teve
início o mais importante modelo de contribuição da Igreja que permeia toda a história
bíblia do Cristianismo. É interessante como certas denominações ávidas por receber
dízimos e ofertas não fazem uso deste episódio crucial da história da Igreja. Mais
adiante veremos o motivo disto.
Após a descida do Espírito Santo, o discurso de Pedro e a conversão de mais
de três mil pessoas, a Igreja começou a dar os seus primeiros passos. Além da
perseverança na doutrina dos apóstolos, da comunhão, do partir do pão e das
orações; e além dos sinais e maravilhas que eram operados, havia ali um forte
sentimento de comunidade. Eles não pregavam sobre o dízimo, não faziam
campanhas de oração para Deus repreender o devorador, nem exigiam os seus
direitos aos tesouros celestiais para enriquecerem.  A Palavra de Deus diz que
“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas
propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha
necessidade (At 2:44,45).
Já nesse primeiro exemplo, vemos que a contribuição financeira da Igreja
primitiva não era uma obrigação, mas todos contribuíam voluntariamente, movidos
pelo Espírito Santo e pelo amor. O objetivo das contribuições não era receber o
dobro ou cem vezes mais em troca, mas suprir a necessidade da própria Igreja,
porque aqueles irmãos compreenderam a mensagem do Evangelho e estavam
agindo motivados por uma vida transformada, liberta do egoísmo e da ganância. Por
que este modelo de contribuição generosa e desinteressada não faz parte do rol de
doutrinas da Teologia da Prosperidade? Por que as igrejas não incentivam os seus
fiéis a agirem assim?
Um pouco adiante, ainda no livro de Atos, o testemunho da comunidade
cristã, que crescia a cada dia, é ainda mais contundente. Ninguém ali considerava
qualquer coisa exclusivamente sua, mas tudo era de todos, de modo que não havia
necessitados entre eles, “porquanto os que possuíam terras e casas, vendendo-as,
traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então, se
distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade” (4:34,35). Então,
podemos nos perguntar: Com quem fica o dinheiro arrecadado nas igrejas da
Prosperidade que faturam milhões a cada ano: ele é dado aos pobres da igreja, vai
parar nas contas bancárias dos pastores, vai para paraísos fiscais, é usado na
construção de mega-templos, dá boa vida aos pastores, ajuda na compra de
emissoras de rádio e de televisão? Quanto é destinado às missões? E ainda: Por
que os líderes das igrejas da Prosperidade possuem casa própria e carro do ano
enquanto muitos dos seus fiéis mal têm o que comer?
Se o imperativo é ESTÁ NA BÍBLIA É PARA SE CUMPRIR, por que esses
dois textos também não são usados como fontes de mandamentos? Porque utiliza-
se de maneira equivocada e totalmente fora de contexto Hebreus 7:4-10 para
afirmar que o dízimo é uma dívida e uma obrigação do crente para com Deus, e não
se utiliza esses dois textos para dizer que devemos ter tudo em comum, inclusive os
bens, carros, casas, emissoras de rádio e televisão, fazendas, contas na Suíça?
Uma das regras da hermenêutica diz que devemos ter muito cuidado ao estabelecer
doutrinas baseando-os no livro de Atos sem ter em vista outras passagens. Mas
seguir o seu exemplo já demonstraria um cristianismo prático e solidário.
Em sua defesa diante do governador Félix contra judeus que levantavam
várias acusações contra ele, Paulo diz: “Depois de dois anos, vim trazer esmolas à
minha nação” (At 24:17a). Essas “esmolas” eram contribuições que as Igrejas da
Ásia e da Europa tinham enviado à Igreja de Jerusalém e estão descritas em 1 Co
16:1ss, 2 Co 8:1ss, At 20:4 e Rm 15:25ss, revelando-nos algumas coisas
interessantes:

 A oferta idealizada por Paulo tinha como objetivo específico ajudar a


comunidade de Jerusalém que estava passando por sérias dificuldades (cf. Hb
10:32; At 11:17-20). Apesar de ter sido uma coleta sistemática (cf. 1 Co 16:2), não
há indícios de arrecadação financeira nos moldes do dízimo de hoje.
 A oferta que Paulo pedia não obedecia o padrão dos 10%, mas era conforme
a prosperidade de cada um (1 Co 16:2). O discurso de hoje não leva isto em conta,
mas afirma que quem der mais será mais abençoado. A oferta aqui sequer era para
abençoar os ofertantes, mas sim aqueles que a receberiam, como bem podemos ver
em 2 Co 9:6.

 A oferta dos crentes da Macedônia foi muito superior àquilo que eles podiam
ofertar, pois chegaram a pedir dinheiro emprestado para que a sua oferta
aumentasse (cf. 2 Co 8:1-4). É claro que esse ato não se assemelha ao de muitos
fiéis incautos da Teologia da Prosperidade, que chegam a contrair dívidas imensas
porque o pastor disse que quanto maior fosse a sua oferta, maior seria a sua
prosperidade. Não era esta a intenção dos macedônios. A contribuição delas
também não foi imposta com ameaça de expulsão da igreja ou qualquer outra, mas
foi voluntária e cheia de alegria (vs. 3,4). Essa é a maior demonstração da diferença
entre a oferta proveniente da Graça e o dízimo imposto. O primeiro não precisa de
lei, pois nasce de um coração transformado pelo Espírito Santo, que dá liberalmente,
sem calcular o montante e sem motivos egoístas. O segundo, dentro de uma
perspectiva da Teologia da Prosperidade, dá apenas os 10% e por motivos egoístas
e mesquinhos, esperando receber muito mais em troca. É uma barganha.

 Embora tenha sido sistemática, como insistem em lembrar alguns, o que


podemos perceber é que aquela oferta serviu a um propósito específico da igreja da
Judéia e foi arrecadada por meio de uma campanha liderada pelo apóstolo Paulo.
Embora possamos nos alegrar com os frutos dessa campanha e seguir este
exemplo de contribuição financeira da Igreja nos dias de hoje – principalmente
quando vemos irmãos nas igrejas padecendo necessidades e comunidades inteiras
passando privações – o fato é que nenhum desses textos é doutrinário, nenhum
formula diretamente um sistema fixo sobre como deve ser arrecadada a oferta e
como ela deve ser administrada. A despeito de afirmações contrárias, não há
nenhuma sistematização das ofertas no Novo Testamento.

Até onde podemos perceber, se quisermos falar em oferta no Novo


Testamento, deveremos falar em “responsabilidade social”[1]. Todos os textos
ligados à oferta nos remetem a essa assistência que a Igreja deve prestar aos
santos, para suprir as suas necessidades físicas. A oferta não é para engordar os
cofres da Igreja ou para manter ostatus social dos seus líderes; ela também nada
tem a ver com liberação de bênçãos sem medida, mas com a liberação do coração
do crente para amar o seu próximo e se importar com ele. A oferta não pode ser
dada por intuitos mesquinhos, mas precisa ser apresentada diante de Deus com
amor e alegria. Existem crentes piedosos que dão os seus dízimos com o coração,
na intenção de abençoar a Igreja, como crentes comprometidos com o reino de
Deus. Apresentando a eles a perspectiva bíblica da oferta, estaremos incentivando-
os a contribuir ainda mais e com maior liberalidade.

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