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Anais do XV Encontro de Iniciação Científica da PUC-Campinas - 26 e 27 de outubro de 2010

ISSN 1982-0178

A HERMENÊUTICA TEOLÓGICA DO PLURALISMO RELIGIOSO

Deivison Rodrigo do Amaral Paulo Sérgio Lopes Gonçalves


Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas Teologia Contemporânea
Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
deivison_amaral@yahoo.com.br paselogo@puc-campinas.edu.br

Resumo: Objetiva-se neste trabalho, apresentar a Na preocupação com esse complexo pano-
teologia cristã do pluralismo religioso, segundo a óti- rama, por seu interesse e necessidade, ante a esse
ca de Jacques Dupuis, teólogo jesuíta belga que de- contexto plural e globalizado atual, a Igreja, percorre,
dicou a maior parte de sua vida ao pensamento Téo- segundo Jacques Dupuis, um caminho estreito, dada
lógico referente ao encontro do Cristianismo com a delicadeza do tema ao encontrar um equilíbrio en-
outras religiões. Para atingir este objetivo, tomou-se tre o discurso teológico fidedigno a identidade cristã,
a obra Teologia cristã do pluralismo religioso (1999) e ao mesmo tempo que propenso à conversão e dialo-
a obra O Cristianismo e as religiões. Do desencontro go com os outros! Tal processo de abertura dialógica
ao encontro (2004), inferindo de ambas o conteúdo tem seu início a partir do Concílio Vaticano II, pois é
fundamental da referida forma de fazer teologia. Infe- nesse momento que se começa um processo de cri-
riu-se que a teologia cristã do pluralismo religioso é ação de uma teologia das religiões, desenvolvendo
uma hermenêutica teológica, elaborada em um novo temáticas, para além da perspectiva romana.
contexto sócio-religioso, isento de uniformidade reli- Diante do exposto, objetiva-se neste traba-
giosa e rico em diversidade e pluralismo, realidades lho expor a teologia cristã do pluralismo religioso,
nas quais se encontram categorias teológicas fun- elaborada por Jacques Dupuis, tomando como obra
damentais, tais como redenção, salvação e Reino de fundamental Rumo a uma teologia cristã do pluralis-
Deus. mo religioso (1999), amparada em outra obra sua O
Cristianismo e as religiões. Do desencontro ao en-
contro (2004). Para atingir este objetivo, expor-se o
Palavras-chave: pluralismo, religião, cristologia. significado da hermenêutica teológica no contexto do
pluralismo religioso e inferir-se-á elementos funda-
mentais que fundamentam a teologia cristã do plura-
Área do Conhecimento: Ciências Humanas - Antro- lismo religioso.
pologia – Ciências da Religião e Teologia.
1.2 HERMENÊUTICA TEOLÓGICA DO PLURALISMO
RELIGIOSO
1. PROJETO DE PESQUISA
No panorama histórico da evolução e cons-
1.1 INTRODUÇÃO trução do diálogo entre as religiões, o Concílio Vati-
cano II, como um marco de ruptura e recomeço, a-
testa a continuidade histórica desse processo. Se-
A reflexão teológica sob a perspectiva de um
gundo Dupuis, não se pode formular uma teologia
novo cenário social e político bem distintos e reacio-
cristã do pluralismo religioso sem fazer referência
nários, a qual denomina por “invasão” do terceiro
aos vinte séculos passados de interação entre Cristi-
mundo, e da “terceira Igreja”, a faz emergir para uma
anismo e outras tradições religiosas, pois, qualquer
abertura para um novo modo de fazer teologia, pas-
que seja a descontinuidade que separe períodos his-
sando pelo diálogo interreligioso, o que a leva a ex-
tóricos sucessivos sempre haverá intrinsecamente
primir um grande interesse no debate teológico com
alguma continuidade.
outras religiões, até mesmo as não cristãs, e com
Por meio de uma análise panorâmica são
isso, se afirmar na sociedade como uma instituição
identificadas ao longo dos séculos quatro atitudes
dialogal e inclusivista.
descritas na obra de Dupuis que qualificam a relação
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entre Cristianismo e as outras religiões. A primeira, julgadas é a medida com a qual contribuem efetiva-
identificada como negativa é a simbolizada pelo adá- mente para a libertação das pessoas, identificando
gio “fora da Igreja não há salvação”. A segunda pro- que todas as religiões estão destinadas a ser sinais
põe certa abertura, mas cautelosa e parcial das ou- sensíveis da presença do Reino de Deus no mundo.
tras religiões quanto a possibilidade de salvação para Esta perspectiva escatológica substitui o tradicional
seus adeptos. A terceira, dominante no Concílio Vati- cristocentrismo, entendido, por Dupuis, como uma
cano II reconhece noutras tradições religiosas a exis- nova versão do modelo teocêntrico.
tência de valores positivos que conduzem à salvação Em sua obra Dupuis cita a teoria do logocen-
de seus membros. Já a última, a qual nos encontra- trismo, segundo a qual, o Lógos, Verbo de Deus, não
mos hoje, é caracterizada pela abordagem mais re- é necessariamente o verbo-de-deus-encarnado. A-
ceptiva das tradições religiosas por buscar perscrutar quele que revela, que salva e que transforma é o
o significado positivo que essas tradições distintas, Verbo. O Cristo é um título e um título não salva.
podem ter no desígnio de Deus para a salvação da Quanto a Jesus, ele é aquele que os cristãos reco-
humanidade. nhecem o Verbo, assim como é visto, ouvido e toca-
A partir do debate atual sobre a teologia das do pelos sentidos humanos. Jesus Cristo é o plano
religiões, Dupuis almeja discutir pressupostos advin- de Deus para humanidade que atinge seu ápice. O
dos desde o sec. VIII, que até um breve período a- Verbo-a-ser-encarnado e o Verbo-Encarnado são
presentavam-se como irrenunciáveis: a “unicidade” uma única pessoa, indivisível realidade. Jesus Cristo
de Jesus Cristo, somente em quem o gênero huma- permanece como centro do plano da salvação de
no podia encontrar a salvação e a função insubstituí- Deus e de seu desdobramento na história. Logocen-
vel da Igreja como sacramento universal de salvação trismo e cristocentrismo não se contrapõem um a
em Cristo. outro sob essa perspectiva, mas remetem-se numa
Ante a esse panorama pré e pós conciliar, única economia.
polemizou-se muito no meio teológico, de modo que Uma teologia do pluralismo religioso, em Du-
alguns autores questionaram o caráter universal da puis, vai além dos paradigmas inclusivista e pluralis-
ação salvífica em Jesus, e por conseguinte, da Igre- ta. Uma verdadeira teologia cristã do pluralismo reli-
ja. A partir disso, distinguiu-se três perspectivas fun- gioso deve estar baseada na interação da fé cristã
damentais eclesiocêntrica, cristocêntrica e teocên- com as outras fés vivas e deve ser, nesse sentido,
tria, das quais paralelamente assumiram-se três po- uma teologia inter-religiosa, confessional, isto é, ade-
sições básicas: exclusivismo, inclusivismo e pluralis- rir autenticamente a uma fé, mantendo ao mesmo
mo. tempo uma visão global e uma atitude de abertura
Ocorre que a partir dessas intensas discus- para todas as experiências do Sagrado.
sões epistemológicas, muitas pretensões teológicas Na afirmação de um só Deus, é indicado o
radicais emergiram para uma perspectiva teocêntri- mistério absoluto do divino, e na comunhão interpes-
ca, também denominada pluralista contrapondo-se soal trinitária implica-se ao mesmo tempo unidade e
ao cristocentrismo inclusivista. De modo que, sob pluralidade. Também ao afirmar um só Cristo, indica-
essa nova perspectiva, Deus e apenas ele, constitui se o Jesus- Cristo do querigma cristão, afirmado no
figura central e Jesus Cristo, constitui uma da vias ou evento-cristo assumido em sua integridade sem qual-
figuras salvíficas que nos conduzem a Deus-Centro. quer reducionismo logológico ou jesuológico, sendo
Alguns autores, como John Hick, rejeitam a idéia de caracterizado e visto dentro de uma múltipla modali-
um Jesus normativo, e com isso, assumem como dade da auto-revelação e da automanifestação divina
possibilidade para o pluralismo teocêntrico uma revo- por meio do Verbo e do Espírito.
lução cristológica.
Pelo ritmo trinitário da auto-revelação de
Sendo assim, a teologia cristã não se encon- Deus descrita por Gregório de Nazianzo, grande teó-
tra diante do dilema de ser cristocêntrica ou teocên- logo da antigüidade, são atestados os estágios pelos
trica, e sim, convergente, tendo Jesus Cristo como quais desenrolam a autocomunicação de Deus na
Sumo mediador entre Deus e a humanidade. história da salvação, tendo a Bíblia como reveladora
Diante das objeções feitas ao paradigma te- dessa ação trinitária desde as origens da vida. Sendo
ocêntrico, Dupuis nos sugere o pensamento de Paul assim, ele faz o resgate do valor permanente da ali-
Knitter que propõe substituir o modelo teocêntrico ança cósmica referendando os diversos valores e
pelo o que ele denomina como Reinocêntrico ou so- ações divinas para toda humanidade.
teriocêntrico, observando que todas as religiões Baseando-se na teologia rahneriana, Dupuis
propõem uma mensagem de salvação e libertação afirma que a partir do existencial sobrenatural, pare-
humana. Deste modo, o critério com que devem ser
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ce possível chegar a priori à conclusão da universali- com as diversas possibilidades de escolhas, apre-
dade da revelação divina na história humana. Além sentadas a nós nessa era pós-moderna, surge uma
disso, assegura que nas várias tradições religiosas proposta teológica, a qual designamos agregadora,
no mundo encontram-se elementos de verdade que uma vez que almeja a unidade, é inserida numa rea-
têm origem na revelação divina. Contudo, essa afir- lidade complexa sem perder a identidade.
mação é meramente formal, e exigiria averiguar a Deste modo, constatamos a teologia herme-
posteriori a presença de traços da verdade divina nas nêutico-pluralista de Jacques Dupuis, que ao refe-
sagradas escrituras e nas tradições vivas das religi- rendar o modelo Reinocêntrico como paradigmático
ões mundiais. para uma futura teologia, nos revela a importância de
Em busca por um modelo teológico de um dialogarmos com as outras religiões e culturas, não
inclusivismo pluralista da teologia das religiões, Du- por meio de proposições metafísicas, abstratas, mas
puis nos propõe a leitura a partir de uma cristologia a partir de uma práxis evangélica resgatada na Tra-
trinitária como chave interpretativa, na qual a fé cristã dição de nossa fé, e que pode, e deve ser comunica-
continuará a conceber a plenitude da manifestação e da a todos os outros que, juntamente conosco, com-
da revelação divina em Jesus Cristo, mas dialogando partilham e constroem um oikos comum.
com outras realidades religiosas vistas reciproca-
mente conexas, interdependentes e relacionadas,
como formadoras, em seu todo, do conjunto comple- 2. AGRADECIMENTOS
to das relações humano-divinas.
Deste modo, concebe-se que a partir da cen- Agradeço a Deus pelos dons concedidos em sua
tralidade do evento-Cristo na história pressupõe, in- gratuidade capacitando-me para executar esse traba-
voca e amplia-se a universalidade ativa do Verbo de lho. Agradeço ao Dr. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves
Deus e do Espírito de Deus na economia da salva- ao confiar a mim essa oportunidade de estar partici-
ção, e especificamente, nas tradições religiosas da pando desse grupo de pesquisa e o auxílio e incenti-
humanidade. Utilizando-se de K. Rahner, Dupuis nos vo prestados no transcorrer das atividades. Também
ilumina quando infere que o evento-Cristo constitui o a todos os companheiros do grupo, amigos e profes-
objetivo e o fim da ação antecipada do Lógos-que- sores, me estimularam nessa jornada fazendo-a
está-por-se-fazer-homem e da obra universal do Es- mais profícua e prazerosa. A todos funcionários e
pírito no mundo antes da encarnação. Por essa ra- professores da PUC-Campinas, que contribuíram
zão, a ação pré-encarnacional do Lógos esta orien- para o melhor desenvolvimento desse trabalho e pa-
tada ao evento-Cristo, do mesmo modo que o Espíri- ra o Reitor do seminário de Limeira pelo incentivo ao
to é o Espírito de Cristo desde o início da história da estudo e pesquisa.
salvação. Portanto, ação do Lógos, a obra do Espírito
e o evento-Cristo são aspectos inerentes de uma
única economia da salvação.
3. REFERÊNCIAS
Tal fato nos encaminha ao entendimento de
um Cristo que é Sumo Mediador, mas que conta com
participações em sua mediação, o que nos leva à BAUMAM, Zygmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro:
compreensão inclusivista de outras denominações Jorge Zahar Editor, 2003.
religiosas em seus credos a partir da fiel busca do BINGEMER, Maria Clara Lucchetti – ARAGÃO, Gil-
Reino, mediante a ação do Espírito que é universal. braz de Souza. “Teologia, transdisciplinaridade e físi-
Nesse sentido, essa participação se revela também ca: uma nova lógica para o diálogo inter-religioso”, in
pelos exemplos de amor ao próximo e profunda bus- REB 66 (2006), pp. 880-920.
ca da unidade que supera as diferenças e qualifica COMPENDIO VATICANO II. Constituição Dogmática
as relações. Dei Verbum sobre a revelação divina, 29 ed. Petró-
polís: Vozes, 2000.
__________. Decreto Ad Gentes sobre a atividade
1.3 CONCLUSÃO missionária da Igreja, 29 ed. São Paulo: Vozes,
2000.
Dentro desse panorama cósmico atual, no DUPUIS, Jacques. Introdução à Cristologia. 2ed. São
qual convivemos, em que as informações, as rela- Paulo: Loyola, 1999.
ções, os anseios mais íntimos tornam-se um tanto
quanto instantâneos, como se fluíssem ao contato
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__________. O Cristianismo e as religiões. 1ed. São JUSTINO DE ROMA. Diálogo com Trifão. 2 ed. São
Paulo: Loyola, 2004. Paulo: Paulus, 1997 .
__________. Rumo a uma teologia cristã do plura- KNITTER, Paul. Introdução a Teologia das religiões.
lismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999. 1 ed. São Paulo: Paulinas, 2005
GONÇALVES, Paulo S. L. Questões contemporâ- LATOURELLE, René. Teologia da Revelação. São
neas de Teologia. São Paulo: Paulus, 2010. Paulo: Paulinas, 1981.
HICK, John. Teologia cristã e pluralismo religioso. LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem.
São Paulo: Paulinas, 2005. Petrópolis: Vozes, 1993.
IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. 1 ed. São PAULO VI. Encíclica Evangelii Nuntiandi, 1975.
Paulo: Paulus, 1997 . USARSKI, Frank. Constituintes da Ciência da Religi-
JOÃO PAULO II. Carta encíclica Fides et ratio, 1998. ão: cinco ensaios em prol de uma obra plena autô-
__________. Carta Encíclica Dives in misericordiam, noma. São Paulo: Paulinas, 2008.
1980.

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