Você está na página 1de 4

UNIDADE 03

ACONSELHAMENTO E CAPELANIA:
EXPRESSÕES DA TEOLOGIA CRISTÃ
Prof. Dr. Edilson Soares de Souza

Introdução
A produção teológica e as práticas pastorais no cenário ministerial das
denominações cristãs apontam para dois aspectos fundamentais no cristianismo: uma
reflexão teológica que busca compreender a revelação de Deus ao ser humano e o
comportamento dos adeptos religiosos inseridos em suas comunidades de fé. Os dois
aspectos citados permitem analisar a trajetória da religião cristã e suas expressões
sociais, desde a antiguidade até os dias atuais.
Eis um dos objetivos da Unidade 03 de nossa disciplina Capelania Social e
Carcerária: considerar a relação entre aconselhamento, capelania e expressões da
teologia cristã no Brasil.

Expressões da Teologia Cristã


Como visto anteriormente, o cristianismo chegou ao Brasil em 1500,
representado pelos clérigos portugueses que integravam a esquadra de Pedro Álvares
Cabral, que após aportar nas praias do litoral brasileiro marcou o início do processo de
colonização das terras ultramarinas. Se o cristianismo instalou-se entre nós a partir do
ano 1500, podemos entender que a Teologia Cristã também se instalou nesta parte da
América do Sul de maneira simultânea. Tratava-se de uma Teologia Cristã Católica
Romana, que nas primeiras décadas do século XVI começou a se diferenciar da outra
teologia cristã – a Teologia Cristã de Protestante.
Importante ressaltar que não estamos afirmando que até 1500, quando os
portugueses iniciaram a colonização do Brasil, havia apenas uma forma de teologia
cristã no mundo. Reconhecendo que o cristianismo originou-se na antiguidade e
atravessou todo o medievo, chegando a Era Moderna, notamos que ele foi marcado por
um profundo movimento de Reforma Religiosa que eclodiu na Europa do século XVI.
Com isso, podemos compreender que as formas de elaboração da teológica cristã, desde
a antiguidade até os dias atuais, indicam as multiplicidades de suas significativas
expressões confessionais. Assim, é possível afirmar que a religião cristã é uma, mas a

1
sua forma de expressão apresenta uma multiplicidade que observamos nos diversos
contextos sociais e culturais. Eis um dos desafios para a religião cristã: o exercício da
unidade num contexto de diversidade. Desafio semelhante ocorre no contexto das
denominações cristãs ou igrejas locais: a vivência da unidade em Cristo Jesus,
reconhecendo a diversidade de pensamentos e opiniões.
Partimos, então, do pressuposto de que a teologia cristã reflete parte do
pensamento da religião cristã, mas em sua diversidade. Neste sentido, podemos
observar também que no interior da tal teologia, marcadamente pluralista, encontramos
algumas expressões teológicas que se materializaram em determinadas áreas da
sociedade, inclusive, no cenário da América Latina e do Brasil. As múltiplas expressões
teológicas de convicção cristã podem ser percebidas na poesia e na teologia, que dão
forma aos hinos e cânticos, entoados dominicalmente pelos adeptos das denominações
cristãs, incluindo entre tais “denominações” o catolicismo romano.1
Ao discorrer sobre A mensagem protestante e o mundo atual, numa reflexão
original que pode ser datada de meados do século XX (1948), Paul Tillich procurou
analisar a contribuição do protestantismo para as sociedades, afirmando o seu caráter
prioritariamente cristão.
Para Tillich,

o protestantismo nasceu da luta em torno da doutrina da justificação pela fé.


A idéia é estranha aos ouvidos de hoje e até mesmo aos freqüentadores de
igrejas protestantes; na verdade, como tenho repetidamente aprendido, é tão
estranha à sensibilidade moderna que dificilmente se pode torná-la
inteligível. Mas foi esta doutrina da justificação pela fé que dividiu a antiga
unidade da cristandade; esfacelou a Europa e, em particular, a Alemanha;
criou inúmeros mártires; provocou as mais terríveis e sanguinolentas guerras
do passado; e afetou profundamente a história da Europa e, com ela, a
história da humanidade (TILLICH, 1992, p. 213).

A origem da doutrina da justificação pela fé não pode ser atribuída,


exclusivamente, ao protestantismo. No entanto, foi a Reforma Religiosa do século XVI
que, entre outros destaques, ressaltou o valor e a importância da justificação pela fé,
provocando uma ruptura no interior da religião cristã ocidental. Desta forma, a ênfase
na doutrina da justificação pela fé trouxe desdobramentos que marcaram de forma

1
Para uma discussão sobre as diversas denominações de confissão cristã, indica-se a leitura da
Introdução do livro Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960, quando o conceito de denominação é
analisado e o termo aplicado, tanto às expressões do protestantismo quanto do catolicismo romano.
Referência: SOUZA, Edilson Soares de. Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960. Curitiba: Editora
CRV, 2014, p. 15-37.
2
profunda a Europa e, como lembrou Tillich, marcou também a história da trajetória
humana. Assim, a doutrina da justificação pela fé é um dos pilares do cristianismo de
viés protestante, gerando reflexões no contexto social. É também no contexto social que
percebemos a atuação do Aconselhamento e da Capelania, que podem ser associados à
chamada Teologia Prática.
Para Lothar Carlos Hoch, autor de O lugar da Teologia Prática como disciplina
teológica, “a Teologia Prática é a interlocutora especial das práticas pastorais
desenvolvidas no seio do povo de Deus” (HOCH, 2005, p. 22). E acrescenta o autor,
afirmando que tais práticas pastorais “precisam da análise e da reflexão teológica a fim
de que possam melhor resistir a críticas intermitentes de que são alvo, tais como o
espontaneismo e a falta de rigor metodológico” (HOCH, 2005, p. 22). Neste sentido,
tanto o aconselhamento quanto a capelania, presentes nas ações pastorais das diversas
denominações protestantes ou cristãs, podem se favorecer da reflexão teológica.

Aconselhamento e Capelania como formas de teologia


Para James Reaves Farris, autor de Teologia prática, cuidado e aconselhamento
pastoral: um resumo da história recente e suas conseqüências atuais, “o
aconselhamento pastoral é o processo pelo qual um pastor, ou outro representante da
igreja, trabalha com indivíduos, grupos e famílias, num contexto relativamente
estruturado, com um programa de conhecimento emocional, psicológico e espiritual,
tentando curar suas feridas” (FARRIS, 1996, p. 19). Partindo das considerações do
autor, podemos observar que o aconselhamento é um processo, caracterizado por
alguma estrutura e conhecimento, que visa a recuperação ou reorganização de pessoas
ou sistemas, como casamentos e famílias. Farris, portanto, aproxima conceitos como
Teologia Prática e Aconselhamento Pastoral.
Cristoph Schneider-Harpprecht introduz o seu estudo afirmando que “o termo
‘aconselhamento pastoral’ é uma tradução para o português da palavra inglesa pastoral
counseling, usada especialmente no contexto norte-americano do séc. 20”
(SCHNEIDER-HARPPRECHT, 2005, p. 291). No que pese a origem da palavra
“aconselhamento” ser estadunidense, a prática pastoral voltada ao aconselhamento
disseminou-se entre as denominações protestantes por todo o mundo. Teóricos e
pensadores protestantes estão refletindo sobre a importância do aconselhamento,
inclusive, aqueles que atuam nesta área da Teologia Prática na América Latina.

3
Avançando em suas considerações, o autor afirmou:

definimos a poimênica como o ministério de ajuda da comunidade cristã para


os seus membros e para outras pessoas que a procuram na área da saúde
através da convivência diária no contexto da Igreja, e definimos o
aconselhamento pastoral como uma dimensão da poimênica que procura
ajudar através da conversação e outras formas de comunicação
metodologicamente refletidas. Ambos baseiam-se na fé cristã e na tradição
simbólica do cristianismo (SCHNEIDER-HARPPRECHT, 2005, p. 291-
292).

A percepção do aconselhamento no contexto de uma poimênica, que tem a visão


de atender os adeptos cristãos e as pessoas que procuram as igrejas locais com suas
dificuldades, reflete a ideia de uma Teologia Prática, capaz de motivar outras ações
como a Capelania Social e Carcerária.

Breves considerações
O objetivo da presente reflexão foi procurar situar o Aconselhamento Pastoral e
a Capelania no interior do que chamamos Teologia Cristã. Observamos que a teologia
cristã é o resultado da elaboração humana, buscando compreender a graça e a
misericórdia de Deus Pai, reveladas em Cristo Jesus, que justifica o ser humano a partir
de sua fé no Messias Redentor. Assim, a Capelania Social e Carcerária deve ser
compreendida tomando como base tal discussão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FARRIS, James Reaves. Teologia prática, cuidado e aconselhamento pastoral: um


resumo da história recente e suas conseqüências atuais. Estudos de Religião. Revista
Semestral de Estudos e Pesquisas em Religião, p. 11-30, ano XI, n. 12, dez/1996.

HOCH, Lothar Carlos. O lugar da Teologia Prática como disciplina teológica. In:
Teologia Prática no contexto da América Latina. Cristoph Schneider-Harpprecht (org.).
2.ed. São Leopoldo: Sinodal/ASTE, 2005, p. 21-35.

SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Aconselhamento pastoral. In: Teologia


Prática no contexto da América Latina. Cristoph Schneider-Harpprecht (org.). 2.ed. São
Leopoldo: Sinodal/ASTE, 2005, p. 291-319.

SOUZA, Edilson Soares de. Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960. Curitiba:


Editora CRV, 2014.

TILLICH, Paul. A Era Protestante. São Paulo: Ciências da Religião, 1992.


4

Você também pode gostar