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SABRINA LINS BONFATTI

Psicologia da Educação

1ª Edição

Brasília/DF - 2019
Autores
Sabrina Lins Bonfatti
Revisor
Amanda Damasceno

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático........................................................................................................................................4

Introdução...............................................................................................................................................................................6

Capítulo 1
O Desenvolvimento Humano e suas Dimensões.................................................................................................9

Capítulo 2
Escola Comportamental............................................................................................................................................ 14

Capítulo 3
Freud e a Psicanálise.................................................................................................................................................. 32

Capítulo 4
Jean Piaget e a Epistemologia Genética............................................................................................................. 51

Capítulo 5
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista.................................................................................................................. 69

Capítulo 6
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação............................................................................................ 83

Referências.........................................................................................................................................................................109
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

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Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Como se faz um homem? Falar de psicologia da educação é ter como objeto de investigação
o sujeito que está comprometido com seu processo de construção do conhecimento.
Ora, ao falarmos de processo estamos, portanto, colocando foco em um ser em eterna
constituição. Um ser que embarca numa viagem muito própria, mas com um trilho
universal, que nem por isso é livre de surpresas e percalços.

Trataremos da pluridimensionalidade do ser. Mas, de que se trata tal perspectiva? O sujeito do


conhecimento só pode ser compreendido se o considerarmos em toda a sua complexidade,
ou seja, como portador de três dimensões: relacional, afetiva e racional.

Como se faz este ser pluridimensional? Como se aproximar de um entendimento desse


homem que é relacional, emocional e racional, tudo ao mesmo tempo, aqui e agora? Como,
se ele é muito maior do que a soma das partes?

Para nos aproximarmos da questão, entrelaçamos diversas teorias de estudiosos que,


dando foco em uma das dimensões, não poderiam deixar de iluminar e nem flertar com
as demais. Nosso primeiro capítulo trata das dimensões do ser em constante processo
de conhecimento. Trataremos da dimensão relacional, afetiva e racional (ou cognitiva),
buscando refletir sobre suas interações e consequências para a aprendizagem.

No segundo capítulo, conheceremos a Escola Comportamental. Aprenderemos que mesmo


o Behaviorismo (termo em inglês que significa comportamento), que muitos acreditam
negar a dimensão afetiva, não o faz. No começo de sua trajetória, defendiam o abandono
da introspecção e a adoção da observação direta do comportamento como o único
método possível para uma psicologia científica. Ou seja, eles não negavam a afetividade
como constituinte do ser humano, só não se ativeram a essa dimensão. Ao longo do
desenvolvimento teórico, passaram a compreender que os problemas psicológicos podem ser
entendidos em termos de sistemas de respostas intercalados: cognitivo, afetivo, fisiológico
e o comportamental. Refletiremos sobre a teoria do Sistema Estímulo-Resposta, proposta
por grandes autores, como Pavlov e Watson. Abordaremos o conceito de Condicionamento
Operante, de Skinner, e o sistema de reforço proposto por ele.

Nosso terceiro capítulo trata da Psicanálise de Freud e seu entendimento sobre


afetividade humana. Veremos, mais especificamente, a evolução da libido nas fases
denominadas por ele de: Fase Oral, Fase Anal, Fase Fálica, Período de Latência, Fase
Genital.

Para lançarmos luz sobre os processos de desenvolvimento do conhecimento, recorremos


a Piaget em nosso quarto capítulo. Ao longo dos seus estudos, ele verificou que existem

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formas diversas de interação com o meio, em todas as faixas etárias, denominando-as
estágios ou períodos. Os estágios representam as aquisições típicas de cada idade, que
determinarão a maneira como a criança irá agir no mundo, construindo, assim, a sua
inteligência. “Cada estágio constitui uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se
a evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa e de uma
interiorização progressiva.” (RAPPAPORT, 1981, v.1, p. 65.). Apoiaremos nossa reflexão
nos seguintes estágios: Sensório-motor (0-24 meses), pré-operacional (2-7 anos) e
operatório-concreto (7-11, 12 anos).

Nosso quinto capítulo traz Vygotsky e sua Teoria Sociointeracionista. Trataremos dos
processos mentais, considerados pelo autor como a principal característica da espécie
humana, abordando conceitos como pensamento, inteligência, consciência e linguagem.
A teoria de aprendizagem de Vygotsky dá destaque ao papel das relações sociais no
desenvolvimento intelectual. Para ele, o homem é um ser que se forma em contato com a
sociedade.

No último capítulo, apresentaremos três teóricos que estão influenciando o cenário da


educação contemporânea. Henri Wallon, com sua Teoria Psicogenética, defende o processo
de evolução, dependendo tanto da capacidade biológica do sujeito quanto do ambiente que
o afeta de alguma forma. Observaremos que a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto
do ponto de vista da construção da pessoa quanto do ponto de vista do conhecimento.
Para ele, a gênese da inteligência é genética e organicamente social.

Já Howard Gardner traz a novidade das Inteligências Múltiplas. Ele revolucionou o cenário
da psicologia e da educação, ao afirmar que o sujeito pode desenvolver diversos tipos de
inteligência, dependendo do estímulo que recebe e do contexto em que vive.

David Ausubel nos apresenta a Teoria da Aprendizagem Significativa, afirmando que o


fator isolado mais importante que influencia o aprendizado é aquilo que o aprendiz já
conhece.

Objetivos

» Compreender o sujeito como um indivíduo pluridimensional.

» Conhecer os principais teóricos da psicologia do desenvolvimento humano.

» Refletir sobre as principais teorias da aprendizagem.

» Correlacionar as teorias do desenvolvimento humano e da aprendizagem.

» Pensar a sala de aula à luz das teorias estudadas.

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CAPÍTULO
O DESENVOLVIMENTO HUMANO E
SUAS DIMENSÕES 1
Introdução

Quando falamos de uma ligação entre a Psicologia e a Educação, o primeiro conceito que
nos vem à cabeça é o da Psicopedagogia, não é mesmo? E qual seria, então, o objeto de
estudo da Psicopedagogia? De acordo com Almeida e Silva (2006), esse objeto é o homem
como ser em processo de construção do conhecimento. Para entendermos, então, como se
dá a aprendizagem, precisamos considerar o ser humano como um ser pluridimensional,
com uma dimensão racional, também chamada de dimensão cognitiva, uma dimensão
afetiva e uma dimensão relacional.

Entendermos o sujeito como um ser pluridimensional não quer dizer que acreditamos na
concepção individualista, na qual o homem é um sujeito absoluto e único construtor de
seu conhecimento. Tampouco acreditamos na concepção mecanicista e objetiva que vê
o homem como sujeito passivo, cuja única função é registrar o conhecimento que lhe foi
passado. Aqui, trataremos de um modelo baseado no princípio da interação do sujeito, em
que tanto sujeito quanto objeto atuam um sobre o outro.

Importante

Um objeto não corresponde apenas a coisas e pessoas. Aqui, ele também significa ideias, fatos, ideologias, cultura
e conteúdos transmitidos durante a aprendizagem. Ou seja, entendemos como objeto tudo o que não é sujeito na
relação cognitiva.

Isso significa que jamais o sujeito será passivo no processo de aprendizagem. Ele é
sempre ativo, na medida em que introduz algo de si no conhecimento. Como o sujeito é
determinado por suas dimensões – afetiva, relacional e racional – podemos afirmar que
elas são constituintes no processo de construção do conhecimento.

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CAPÍTULO 1 • O Desenvolvimento Humano e suas Dimensões

Objetivos

» Entender o sujeito como um ser pluridimensional.

» Refletir sobre a influência de cada dimensão no processo de aprendizagem.

» Conhecer as três dimensões constituintes do sujeito: afetiva, racional e relacional.

Dimensão afetiva

A dimensão afetiva é constituinte na construção do conhecimento, pois o sujeito é


determinado por um saber que ele não conhece, ou melhor, que não é consciente. Isso
quer dizer que o indivíduo não é o senhor absoluto dos seus próprios pensamentos, pois
eles são regidos, também, pelo inconsciente, como veremos no Capítulo 2.

Existem ideias que ocorrem no sujeito de origens não conhecidas. Há pensamentos


cuja elaboração não está acessível ao indivíduo. Muitos atos conscientes nos parecem
incoerentes ou incompreensíveis, quando não partimos do pressuposto de que todo o
processo mental tem sua parte consciente, mas também uma grande parcela inconsciente.

Por isso, é fundamental ir além da experiência imediata. O conhecimento consciente


está intimamente ligado a uma inconsciência psíquica. Freud ressalta, em toda a
sua obra, a importância do inconsciente na vida mental, dizendo que a mesma é
essencialmente inconsciente. Isso quer dizer que tudo que é consciente passou por um
estágio inconsciente.

Assim, podemos afirmar que o sujeito pluridimensional tem dois sistemas de


funcionamento. O consciente é lógico e intelectivo e funciona de maneira secundária.
Freud nos ensina que tal sistema é regido pelo princípio da realidade. O segundo sistema
é inconsciente, simbólico, funcionando em processo primário. Tal sistema é regido pelo
princípio de prazer. Isso tudo quer dizer que nós não temos autonomia absoluta sobre
os nossos próprios pensamentos, muito menos do nosso inconsciente e da essência de
nossas vidas mentais

Tanto a dimensão afetiva, como a relacional e a racional têm sua representação no


aparelho psíquico de forma consciente e inconsciente. A dimensão afetiva se articula às
demais dimensões numa totalidade dinâmica, gerando ações que organizam e modificam
o meio. É dessa organização e interação com o meio que, não só o conhecimento, mas
o próprio sujeito é construído.

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O Desenvolvimento Humano e suas Dimensões • CAPÍTULO 1

Dimensão racional

Provocação

“A ação precede o conhecimento e este consiste numa organização, sempre mais rica e coerente, das operações que
prolongam a ação no sujeito.” (PIAGET, 1983 p. 148)

A dimensão racional é constituinte do processo de construção do conhecimento, pois o


sujeito, na medida em que age sobre o meio, constrói suas próprias estruturas no processo
desta ação interiorizada.

Portanto, a ação do indivíduo sobre o objeto é o ponto de partida para a construção de


conhecimento. Para que haja aprendizagem, é preciso que ela se estruture a partir do que
já foi vivido, ou seja, da formulação e enunciação do conceito pelo sujeito.

Quando nascemos, a base da relação sujeito-objeto se dá através de experiências


sensório-motoras e o conhecimento se reduz ao campo da motricidade. Em seguida,
o sujeito representa mentalmente o vivido e faz representações figurativas. O
conhecimento nessa etapa é, apenas, um conhecimento prático, concreto. A última
fase é marcada pelas trocas simbólicas. Aqui, o sujeito já formula hipóteses através
de operações combinadas, baseadas em enunciados verbais em que o conhecimento
se constitui numa lógica formal, aplicada a qualquer conteúdo.

A construção do conhecimento se dá na seguinte ordem: perceber, discriminar, organizar,


conceber, conceituar e enunciar. Independentemente da fase do desenvolvimento em que
o sujeito se encontra, todas essas etapas acontecem. O que muda é qualidade, organização
e seu funcionamento da percepção, discriminação, organização, concepção, conceituação
e enunciação, pois a cada fase eles se tornam mais complexos.

Posicionamento do autor

A dimensão racional é constituinte do processo de construção do conhecimento, pela ação do sujeito sobre o objeto
e pela estruturação do vivido dessa ação, formulada em percepções, discriminações, organizações, concepções,
conceitos e enunciados, que ficam mais complexos, formando estrutura própria que prepara para a etapa seguinte.

Dimensão relacional

O sujeito aprende na interação com o meio e com os outros, construindo sua identidade,
para alcançar o conhecimento e a autonomia. Sendo um ser contextualizado e determinado
por suas condições biológicas, ele interage de maneira particular, estabelecendo vínculos.

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CAPÍTULO 1 • O Desenvolvimento Humano e suas Dimensões

Essas relações vinculares positivas ou negativas são marcadas por relações anteriores e
representativas e, por isso mesmo, podem ser resgatadas.

A título pedagógico, podemos dividir a dimensão relacional em duas partes: contextual


e interpessoal. A dimensão relacional contextual constitui o processo de construção do
conhecimento na medida em que o sujeito é um ser social. O sujeito é formado a partir
das suas relações sociais. Ele é determinado pelas condições materiais de existência que
vive na sociedade.

Ser constituido a partir das relações traz diversas consequências no que tange ao
conhecimento. A maneira de se perceber o mundo à sua volta e de se distinguir
determinados elementos estão intrinsicamente ligadas à maneira pela qual o sujeito
constrói seus conhecimentos. Como percebemos, o mundo também depende dos valores
que recebemos da família e da sociedade em que estamos inseridos. Esse julgamento,
como veremos no próximo capítulo, pode ser consciente ou inconsciente e determina
as ações sobre o objeto, sem as quais o conhecimento não se constrói.

Já a dimensão relacional interpessoal é constituinte no processo de construção do


conhecimento, pois o sujeito é determinado pelas relações que estabelece com as outras
pessoas. Essas relações incluem o sujeito e suas multiplas relações. À medida que os
pressupostos da vida, que não eram questionados, quer pela relação afetiva ou pelas
certezas pré-reflexivas do sujeito, passam a ser questionados, a partir da confrontação
dialógica com o outro é que essa relação passa a ser constitutiva no processo de construção
do conhecimento.

Articulações entre as dimensões

As dimensões do sujeito se articulam de maneira dinâmica. Essa articulação é um


processo complementar e conflitivo. Por terem suas especificidades, as dimensões
não se fundem, mas também não se excluem. Elas se completam mesmo havendo
confronto e conflito. Esse processo de confronto e conflito também se dá no processo
de construção do conhecimento.

A dimensão relacional é quem caracteriza o sujeito como um ser pensante. Ela se


articula com a dimensão afetiva, ajustando o desejo à realidade. Já a dimensão afetiva
caracteriza o ser apaixonado, no qual o desejo se constitui. Ou seja, aquela modula o
desejo através da palavra.

A dimensão relacional interpessoal caracteriza o ser das relações. Ela se articula com as
dimensões afetiva e racional, pois em toda a ação buscamos o reconhecimento do outro,
ou melhor, do desejo do outro; do que o outro espera de nós. A dimensão relacional

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O Desenvolvimento Humano e suas Dimensões • CAPÍTULO 1

contextual é o que caracteriza o ser contextualizado. Sendo assim, ela se relaciona


com as dimensões racional e afetiva, já que o desejo do sujeito é construído a partir do
ambiente em que ele está inserido. Ou seja, o sujeito, que é único, é mediatizado por
formas e significações sociais.

Todavia, como falamos anteriormente, pode haver distorções nesse processo


complementar, mas conflitivo, bloqueando a autonomia e a construção de conhecimento
do sujeito. Quando as dimensões afetiva e relacional se sobrepõem à dimensão racional,
o sujeito torna-se suscetível à falsa consciência, às opiniões e ideologias, impedindo
seu conhecimento.

Caso a dimensão relacional reprima a racional e a afetiva, torna o sujeito emissor de


uma fala vazia, de uma fala justificada, dificultando, assim, a aprendizagem. Como
diz Habermas (1980) “as ideias servem muitas vezes como esquemas justificativos de
ações sem ter em conta dados da realidade, seus móveis reais. No nível individual, esse
processo chama-se racionalização; no nível de ação coletiva, denomina-se ideologia.”
(p. 308)

Concluímos que as distorções que aparecem nas articulações entre as dimensões prejudicam
a estruturação e a organização do meio. Assim, as ações do sujeito se tornam limitadas,
pouco criativas, conservadoras e/ou conformistas. Isto está completamente relacionado a
como o sujeito irá aprender e como ele irá agir dentro de uma sala de aula. Para entendermos
melhor as dificuldades enfrentadas pelos nossos alunos, o primeiro passo é compreender
que esse aluno é constituído por muitas dimensões. O segundo é tentar entender como
as três dimensões (afetiva, relacional e racional) se articulam e se há predominância de
alguma delas naquele momento.

Sintetizando

Vimos até agora:

» O sujeito é constituído por três dimensões: afetiva, racional e relacional.

» O processo de construção do conhecimento se dá através da constituição das suas dimensões.

» A articulação entre as dimensões se dá de maneira complementar e conflitiva.

» Quando uma dimensão se sobrepõe às outras, ocorre disfunção no processo de aprendizagem.

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ESCOLA COMPORTAMENTAL
CAPÍTULO
2
Introdução

É possível haver uma ciência do comportamento? O comportamento é subjetivo, ou seja,


varia de sujeito para sujeito? O Behaviorismo, corrente filosófica que propôs a ciência da
análise do comportamento no começo do século XX, continua sendo uma das correntes
mais fortes da psicologia. Essa corrente considera o comportamento humano como o
centro de estudo e investigação da psicologia.

Aqui no Brasil, é chamada de Escola Comportamental, pois behavior é a tradução de


comportamento em inglês. Essa escola aborda tópicos que muito prezamos e que nos tocam
de perto: por que fazemos, o que fazemos e o que devemos ou não devemos fazer. Você,
aluno, consegue imaginar a aplicabilidade desta abordagem na sala de aula? É possível
ensinar aos alunos o que devem ou não fazer? Os comportamentalistas acreditam que sim.
Acreditam que podemos condicionar pessoas (no nosso caso, o aluno) para que tenham
uma melhor aprendizagem. Vamos entender como? Estudaremos, ao longo deste capítulo,
os principais autores da psicologia comportamental. Refletiremos sobre as implicações
dessa abordagem na Educação.

Objetivos

» Conhecer a Escola Comportamental e a sua evolução ao longo do tempo.

» Apreciar a Teoria do Condicionamento Clásico de Watson:

Estímulo Resposta

» Ampliar o conhecimento a partir do conceito de Condicionamento Operante de


Skinner.

» Refletir sobre os benefícios e as críticas em relação ao comportamento humano.

» Analisar as influências da Escola Comportamental na Educação, buscando estratégias


para a sala de aula.

14
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Behaviorismo(S)

Os pioneiros dessa corrente foram os russos Vladimir Mikhailovich Bechterev e Ivan


Petrovich Pavlov. Bechterev foi o primeiro a propor uma psicologia pautada no estudo do
comportamento humano. Ele chamou essa “nova psicologia” de “psicologia objetiva”

Pavlov, um renomado fisiologista, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 1904, foi


reconhecido ao afirmar que o comportamento pode ser condicionado. Ele iniciou os
seus estudos observando o processo de salivação em cães. Notou que todos os animais
de estudo sempre salivavam quando estavam diante de um pote de comida. Contudo,
alguns desses animais começavam a salivar já ao ouvir os passos do seu assistente que
levava o alimento para os cães. Assim, concluiu que todos os cães salivavam em frente a
um pote de comida porque se tratava de um comportamento inato, mas outros aprendiam
que o som dos passos do assistente era o evento que antecedia a alimentação e, por isso,
já começavam a salivar.

Aprimorando suas observações, Pavlov fez um experimento com seus cães, tocando, primeiro,
um sino. Isso não provocava nenhuma resposta de comportamento do cachorro. Depois,
passou a tocar o sino e colocar, em seguida, o pote de comida. Após algumas repetições,
o cão passava a salivar (resposta nata) ao tocar o sino.

Sendo assim, Pavlov afirmava que, para além dos reflexos inatos, podemos desenvolver
reflexos aprendidos podendo, então, proceder uma alteração no comportamento. Esses
reflexos aprendidos, chamados de reflexos condicionados, são produzidos pela associação
de um estímulo novo, que não produzia, a princípio, nenhuma resposta específica (por
exemplo, o andar do assistente) ao estímulo antigo (o pote de comida chegando). O
Prêmio Nobel foi recebido quando ele comprovou que é no córtex cerebral que os reflexos
condicionados se formam, modificam-se e desaparecem.

Saiba mais

Neste momento, a psicologia, que também poderia ser chamada de Reflexologia, estava limitada ao estudo dos
reflexos. Isso quer dizer que os reflexos – inatos e condicionados – são o fundamento das respostas do indivíduo aos
estímulos provenientes do meio. A partir dos seus estudos sobre condicionamento, Pavlov constrói a sua teoria da
aprendizagem, sobretudo no que tange à linguagem.

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CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Importante

Condicionamento: apresentando repetidamente o estímulo novo (ambiental), seguido do estímulo antigo (inato),
o condicionado passa a ser semelhante ao inato. Após um determinado número de repetições, basta apresentar o
estímulo condicionado para se obter a resposta apresentada pelo estímulo inato.

Contudo, esse condicionamento não é definitivo. Se cessa o estímulo, cessa a resposta.

Foram os estudos de Pavlov que inspiraram John B. Watson a escrever, em 1913, o artigo
“A Psicologia como um behaviorista a vê”, dando início a uma área da psicologia que
desperta interesse e crítica até os dias de hoje.

Dos tempos de Watson até o momento atual, muitos ramos da psicologia comportamental
surgiram, como veremos a seguir:

I. Behaviorismo Clássico:

Provocação

Qualquer comportamento é sempre uma consequência de um estímulo anterior específico.

Figura 1. Condicionamento Clássico.

Fonte: <https://lamenteesmaravillosa.com/pavlov-condicionamiento-clasico/>. Acesso em: 26/4/2019.

Fundada por Watson, essa linha teórica propõe a observação do comportamento em


detrimento do estudo dos processos mentais, que dominavam o cenário da psicologia no
início do século XX. Para ele, era preciso tornar a psicologia uma ciência, concentrando
os estudos naquilo que podería ser observado. Sua crítica ao estruturalismo de Wundt se
dá pois, para ele, o estudo dos processos mentais não são produtivos.

Saiba mais

A psicologia como uma área do saber foi desenvolvida a partir dos trabalhos de Wilhelm Wundt. Foi o primeiro a
construir um laboratório de psicologia experimental, seguindo os modelos dos laboratórios de ciências naturais.
Tanto para Wundt quanto para os seguidores do Estruturalismo, as operações mentais resultam da organização das
sensações elementares que se relacionam com as estruturas do sistema nervoso.

Wundt determina como objeto da psicologia o estudo da mente, da experiência consciente do Homem.

16
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Segundo o Behaviorismo Clássico, o comportamento se define como qualquer


alteração observada em um organismo, sendo produto de um estímulo anterior.
Sua base de estudo é o modelo pavloviano de estímulo-resposta, chamado de
condicionamento clássico.

Cuidado

Watson não negava a importância dos processos mentais na psicologia, mas apenas os considerava pouco
práticos para a realização de estudos objetivos.

II. Behaviorismo Filosófico

Também conhecido como behavior ismo analítico ou behavior ismo lógico, o


behaviorismo filosófico se baseia na premissa de que existem pré-disposições mentais
para determinados comportamentos. Ou seja, em contrapartida ao behaviorismo
clássico, que defendia a tese de estímulo-resposta, o behaviorismo filosófico acredita
que para haver determinada resposta para um estímulo específico é necessário antes
que o indivíduo tenha uma disposição mental para desenvolver tal resposta.

III. Behaviorismo Metodológico

Defendido pelo psicólogo Stanley Smith Stevens, o behaviorismo metodológico se baseia


na teoria de que o comportamento é somente uma resposta pública do indivíduo. Para
o behaviorismo metodológico, apenas comportamentos publicamente observáveis são
admitidos como objeto de estudo psicológico, excluindo desse estudo todo comportamento
de ordem privada, uma vez que este tipo de comportamento não pode ser diretamente
observado.

IV. Behaviorismo Radical

O behaviorismo radical não procura modificar o comportamento de um indivíduo através


de estímulos, mas sim estudar e compreender o comportamento deles. Ou seja, foi
desenvolvido não como uma área de pesquisa experimental, mas como uma proposta de
reflexão sobre o comportamento humano. A realização de pesquisas empíricas constitui
o campo da análise experimental do comportamento, enquanto a implementação prática
faz parte da análise aplicada do comportamento. Nesse sentido, o behaviorismo radical é
uma filosofia da ciência do comportamento.

17
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Saiba mais

Pesquisas empíricas são aquelas realizadas através da observação. Para a ciência, empírica é um tipo de
evidência inicial para comprovar alguns métodos científicos em que o primeiro passo é a observação,
para então fazer uma pesquisa, que é o método científico. Nas ciências, muitas pesquisas são realizadas
inicialmente através da observação e da experiência.

Quer saber mais? Acesse aqui: <https://www.significados.com.br/empirico/>.

A psicologia de estímulo e resposta de Watson

Conhecendo sua história


Figura 2. Pai do comportamentalismo.

Fonte: <http://psychclassics.yorku.ca/Watson/intro.htm>. Acesso em: 26/4/2019.

John Broadus Watson nasceu em 9 de Janeiro de 1878, na Carolina do Sul, Estados Unidos.
Embora tenha crescido em uma família religiosa, na idade adulta se opôs declaradamente
à religião. Cursou Psicologia na Universidade de Chicago, onde começou a desenvolver sua
teoria, baseada nos preceitos de Pavlov. Em 1903, recebeu o PhD em Neuropsicologia, após
apresentar sua tese sobre a relação entre o comportamento dos ratos de laboratório e o
sistema nervoso central. Após o doutorado, permaneceu na Universidade de Chicago, como
pesquisador, até ser convidado a lecionar Psicologia Experimental e Comparada na Johns
Hopkins University em Baltimore. Lá, instalou um um laboratório de Psicologia Animal.

Em 1913 publicou o artigo “A Psicologia como um comportamentalista vê”, tornando-se o


“pai do behaviorismo”. Conhecido como “manifesto behaviorista”, defendeu o abandono
da introspecção e a adoção da observação direta do comportamento como o único método
possível para uma psicologia científica. Watson é muito conhecido como o precursor da Escola
Comportamental, mas pouco sabem de sua importante contribuição na transformação da
psicologia em uma disciplina aplicada, separando-a do campo da Filosofia. Além de um grande
defensor da psicologia como um campo de aplicação, Watson foi um grande disseminador
dessa área do saber para o público leigo.

18
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Nesse manifesto, Watson esclarece as bases da corrente comportamental contrária à


Psicologia de Freud, que ele considerava fantasiosa. Também era contrário à hereditariedade
como responsável pelos diversos tipos de personalidade, atribuindo à experiência e ao
condicionamento do comportamento tal função.

Em função da Primeira Guerra Mundial, interrompeu seus estudos para se integrar


ao exército em uma campanha militar na França. Já em 1915, retornou e foi nomeado
presidente da Associação Psicológica Americana (APA).

Em 1918, retornou às suas investigações, interessado no estudo da primeira infância. Em


1920, foi convidado a deixar a Universidade, após vir a público o seu relacionamento com
sua aluna Rosalie Rayner. Watson e Rayner casaram-se e continuaram suas investigações na
área da infância. O casal Watson se propôs a demostrar como é possível a criação científica
dos filhos. Tornar a criação de filhos uma profissão baseada no conhecimento científico era
o grande objetivo dos Watson para a correção dos caminhos que a civilização americana
seguia em sua época.

Após sua demissão, o casal se mudou para Nova York, mas Watson não conseguiu se realocar
em universidades. Sendo assim, ingressou em uma agência de publicidade, chegando ao
cargo de presidente da J. Walter Thompson, uma das maiores empresas de publicidade dos
Estados Unidos. Contudo, não deixou suas pesquisas, aproveitando o novo conhecimento em
marketing para divulgar suas teorias.

Após a sua aposentadoria, em 1945, John Watson passou a levar uma vida reclusa em uma
fazenda em Connecticut. Em 1957, recebeu o Prêmio da APA: Pelas Contribuições para a
Psicologia. Pouco antes de sua morte, queimou grande parte de seus documentos e escritos
inéditos. John Watson faleceu em Nova Iorque, Estados Unidos, no dia 25 de setembro de 1958.

Behaviorismo clássico

Já vimos anteriormente que Watson foi influenciado por Pavlov e trabalhou a partir do
conceito de estimulo-resposta e condicionamento clássico. Também vimos que Watson
investiu nos estudos do condicionamento de crianças.

Então, vamos entender um pouco mais sobre a teoria do estímulo-resposta, antes de


conhecermos os experimentos e conclusões de Watson e seu behaviorismo clássico.

19
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Figura 3. Sistema Estímulo-Resposta.

Fonte: <https://www.slideshare.net/Anaruma/teoria-behaviorista-1587515>. Acesso em: 26/4/2019.

Os conceitos de estímulo e resposta não podem ser entendidos separadamente. Qualquer


evento torna-se um estímulo, se for seguido por uma resposta, e a relação entre estímulo e
resposta gera um reflexo. A proposta behaviorista é estudar como estímulos recebidos do
meio ambiente geram uma resposta no indivíduo.

Posicionamento do autor

Para Watson, o comportamento está intrinsecamente ligado ao estímulo daquele meio.

Sendo assim, Watson sugeriu que a relação estímulo-resposta pode ser usada como uma
forma de controle e previsão do comportamento humano. Em contrapartida, uma estimulação
anormal pode provocar o aparecimento de “modelos” de comportamento mal adaptados. Por
isso a relação mãe e filho é fundamental para que ocorra a estimulação infantil.

O tipo de estimulação vai depender da situação social da família e isso vai determinar as
possibilidades de aprendizado e pensamento abstrato da pessoa em desenvolvimento. É
importante considerar essas informações, para que possamos entender que as pessoas
de classes sociais menos privilegiadas não têm menos capacidade de aprender e de se
desenvolver do que as que possuem uma condição social melhor, elas apenas são menos
estimuladas porque, provavelmente, seus pais têm um repertório comportamental mais
limitado e a escola ou creche a que estão vinculadas também estimulam de forma precária
a criança em questão, interferindo no seu desenvolvimento.

Nessa linha teórica, o ser humano é descrito como um objeto a ser observado e analisado
pela Psicologia, o que lhe coloca em uma posição secundária. Como o ser humano é o
resultado da sua capacidade de resposta, compete à Psicologia Comportamental predizer
qual é a resposta produzida em decorrência do estímulo adequado e ainda predizer o
estímulo antecedente dado à resposta, já que o homem é uma máquina estímulo-resposta.

20
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Cabe ressaltar que a teoria behaviorista de Watson não se dedicou ao estudo do cérebro,
chamado de “caixa misteriosa”. Isso porque ele acreditava que o comportamento não era
restrito ao sistema nervoso. Suas pesquisas foram mais voltadas para os comportamentos
humanos mais complexos e sua interação como o meio ambiente.

Para Watson, toda a abordagem comportamentalista podia e devia ser reduzida ao


estudo do comportamento, a partir de suas unidades mais elementares, as reações
estímulo-reposta. Essa unidade básica, além de ser possível se comprovar através
da investigação em laboratório, fornece a base científica para a compreensão dos
comportamentos mais complexos do ser humano.

Voltemos aos experimentos do casal Watson... Você se lembra de que eles acreditavam ser
possível a criação científica dos filhos? Watson sonhava em tornar a criação de filhos em
uma profissão, baseada no conhecimento científico, corrigindo, assim, os caminhos que
a civilização americana seguia na época. Parece absurdo para você? Mas foi a partir desta
hipótese que Watson passou observar o comportamento das crianças.

Provocação

“Ninguém sabe o suficiente para criar uma criança. O mundo seria consideravelmente melhor se parássemos de
ter filhos por vinte anos (exceto aqueles criados com propósitos experimentais) e começássemos novamente com
fatos suficientes para se fazer o trabalho com algum grau de habilidade e precisão” (WATSON, J.; WATSON, R.,
1928, p. 12).

Apesar de não haver nenhum embasamento teórico-científico, Watson argumentava que


raramente uma criança do início do século XX era feliz na América. Para o casal Watson,
uma criança feliz era definida como:

[...] uma criança que nunca chora a menos que furado por uma ponta,
ilustrativamente falando que se perde no trabalho e nas brincadeiras que
rapidamente aprende a superar pequenas dificuldades em seu ambiente sem
correr para a mãe, pai, enfermeira ou outro adulto [...] que aplica aqueles hábitos
de polidez, conforto e limpeza de modo que os adultos fiquem dispostos a ficar
perto dele ao menos parte do dia; crianças que se disponham a ficar perto dos
adultos sem lutar incessantemente para serem notadas [...] que passa pela
adolescência tão bem equipado que essa adolescência é apenas um trecho dos
anos férteis e que consegue finalmente entrar na fase adulta tão fortificado,
com trabalho estável e hábitos emocionais, que nenhuma adversidade pode
sobrepujá-lo (WATSON, J.; WATSON, R., 1928. p. 12.

Analisando esse trecho de sua obra, fica evidente que os Watson não estavam preocupados
em proporcionar uma felicidade subjetiva, ou seja, para aquela criança especificamente.

21
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Sua intenção era que as crianças fossem capazes de superar as dificuldades da vida de modo
autônomo, sem demostrar sofrimento. Para eles, essa seria a concepção de felicidade!

Eles partem de seus antigos estudos na universidade sobre o condicionamento emocional


das crianças para demonstrar que são poucos os estímulos capazes de provocar emoções
em crianças recém-nascidas. Apenas barulhos altos e perda de equilíbrio causam medo,
ser impedido de movimentar-se causa ira e o toque na pele, principalmente nos lábios e
órgãos genitais, causa amor.

Com base nos experimentos de condicionamento que descrevem no livro, J. B. Watson


e R. R. Watson (1928) defendem que todos os outros estímulos que provocam reações
emocionais ganham essas propriedades por emparelhamento com os estímulos prévios,
derivando dessa ideia orientações sobre como se evitar o desenvolvimento de medos, ódio
e o que ele chamava de “amor excessivo”.

Provocação

O medo pode ser ensinado tão facilmente quanto ler e escrever, construir com blocos ou desenhar. Ele pode ser
ensinado adequadamente ou inadequadamente. Quando ensinado cientificamente a vida emocional está então
sob “controle” (WATSON, J.; WATSON, R., 1928, p. 68).

“[...] o amor excessivo cria um invalidismo. Quando adultos temos muitos mal-estares e dores vagos [...] Na exata
medida em que você dispensa tempo mimando e acariciando [...] você furta da criança o tempo que ela deveria
estar dedicando na manipulação do universo, adquirindo técnica com os dedos, mãos e braços [...] Mimar é um
experimento perigoso.” (WATSON, J.; WATSON, R., 1928, pp. 76-80).

Para eles, os contatos físicos deveriam se resumir à higiene das crianças (o que deveria ser-lhes ensinado o quanto
antes). Caso a mãe sentisse muita necessidade de beijar o filho que o fizesse na testa antes de dormir. Para os Watson,
as mães que exageram no contato físico (que eram a maioria das mães americanas) com o filho o fazem motivadas
por suas próprias necessidades de amor (que devem ter sido condicionadas na infância dessas mães.

Todavia, a previsão de que o “supercondicionamento” do amor não era um evento saudável, e especialmente
a previsão de que esses eventos levariam ao desenvolvimento de um adulto inseguro e dependente, não eram
derivados diretamente de observações ou experimentos.

Atualmente, essa teoria de Watson só se perpetua pela curiosidade histórica, tendo pouco a ver com a base científica
do estímulo-resposta construída no início de sua carreira.

Condicionamento operante Skinner

Burrhus Frederic Skinner, um dos autores mais renomados da área da psicologia, defendia
a tese de que o ambiente consiste no principal responsável pelo comportamento humano,
sendo precursor do chamado Behaviorismo Radical, distanciando-se um pouco dos conceitos
iniciais trazidos por Watson.

22
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Conhecendo sua história


Figura 4. Burrhus Skinner.

Fonte: <https://probaway.wordpress.com/2013/08/18/philosophers-squared-b-f-skinner/>. Acesso em: 1/5/2019.

Skinner nasceu na Pensilvânia, Estados Unidos, em 20 de março de 1904. Filho de um


advogado e de uma dona de casa, desde cedo, se interessou pelo comportamento dos
animais. Tinha como meta profissional se tornar escritor, cursando a faculdade em Literatura
Inglesa e Línguas românicas. Contudo, após concluir seu bacharelado, percebeu que não
tinha aptidão literária e foi buscar novos caminhos.

Em 1928, Skinner inscreveu-se no curso de pós-graduação em Psicologia pela Universidade de


Harvard, embora nunca tivesse estudado psicologia antes. Fez simultaneamente o mestrado
e o doutorado, concluindo o mestrado em 1930 e o doutorado em 1931. Permaneceu na
Universidade, como pesquisador, até 1936. Foi professor em diversas universidades dos
Estados Unidos, tornando-se professor titular no Instituto de Psicologia de Harvard.

Skinner escreveu vários livros e centenas de artigos sobre teoria do comportamento, reforço
e teoria da aprendizagem. Seu radicalismo, ao rejeitar a maioria das teorias no campo da
psicologia, levantou diversas polêmicas em seu país. Sua maior crítica foi contra o pensamento
de Sigmund Freud. Ele acreditava que examinar os motivos inconscientes era inútil, pois o
único fato passível de investigação é o comportamento. As ideias de impulsos internos com
Id, Ego e Superego, que veremos em um outro capítulo, eram vistas como absurdas.

Saiba mais

Principais obras de Skinner

» Skinner, B. F. The behavior of organisms. New York: Appleton-Century, 1938. (Comportamento dos Organismos).

» SKINNER, Burrhus Frederic. Walden II: uma sociedade do futuro. 2. Ed. São Paulo: EPU, 2009.

» SKINNER, B. F. (1984). Contingências do reforço: Uma análise teórica. In: Os pensadores (Vol. 51, pp. 158-396). São
Paulo, SP: Abril Cultural. (Original publicado em 1969).

» SKINNER, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix. (Original publicado 1974).

» SKINNER, B. F. (1978). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix. (Original publicado em 1957).

» SKINNER, B. F. (1983). O mito da liberdade. São Paulo, SP: Summus. (Original publicado em 1971).

23
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Aprendizagem por condicionamento

Influenciado pela teoria dos reflexos condicionados de Pavlov e pelo estudo do


comportamento de John B. Watson, Skinner acreditava que o comportamento era
um conjunto de respostas fisiológicas condicionadas. A partir daí, se dedicou
ao estudo de técnicas de reforço (estímulo do comportamento desejado) para o
controle de condutas.

Sua teoria, conhecida como “Behaviorismo Radical”, era contra causas internas (mentais) para
explicar a conduta humana. Mas não foi somente a psicanálise o alvo de suas críticas. Negou
a realidade e a atuação dos elementos cognitivos, opondo-se à concepção de Watson. Para
ele, o indivíduo era um ser único, homogêneo e não um todo construído de corpo e mente.

Em 1950, Skinner apresenta o conceito que mudou o rumo do behaviorismo, o de


condicionamento operante. Ele afirmava que o comportamento operante ocorre sem
qualquer estímulo externo anterior. Segundo o autor, a resposta do organismo parece ser
espontânea, sem relação com qualquer estímulo observável.

Saiba mais

Figura 5. Caixa de Skinner.

Fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/3504017/>. Acesso em: 27/4/2019.

Skinner criou um experimento que ficou conhecido como “Caixa de Skinner”. Nessa caixa, foi colocado um rato,
privado de alimento. Quando o rato se aproximava de uma barra perto da parede, Skinner colocava uma gota
de água na caixa, através de um mecanismo, e o rato bebia. As gotas seguintes foram dadas quando o rato se
aproximou mais da barra, depois quando encostou o nariz na barra, depois as patas e foi seguindo essa lógica. Como
consequência, o rato começou a pressionar a barra dezenas de vezes até saciar completamente a sua sede. Com
esse princípio, Skinner passou a modelar diferente padrão comportamentais em diferentes espécies, inclusive em
humanos.

O condicionamento operante se concentra no uso de reforço ou punição para aumentar ou


diminuir um comportamento. Através desse processo, uma associação é formada entre o
comportamento e as consequências para esse comportamento.

24
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Vários fatores podem influenciar a rapidez com que uma resposta é aprendida e a força
da resposta. Skinner propôs um “cronograma de reforço” para que o comportamento seja
aprendido mais rapidamente e eficazmente. Com que frequência a resposta é reforçada,
conhecida como um cronograma de reforço, pode desempenhar um papel importante na
rapidez com que o comportamento é aprendido e quão forte a resposta se torna. O tipo de
reforçador usado também pode ter um impacto na resposta.

O comportamento operante é modelado a partir de nosso repertório inato. As respostas que


geram mais reforço tendem a ser repetidas em um mesmo contexto. Skinner chamou de
reforço as técnicas que aumentam a probabilidade de acontecer o mesmo comportamento em
ambientes semelhantes. Pode ser definido, também, como aquilo que aumenta a probabilidade
de um comportamento se repetir.

Skinner faz uma distinção entre os conceitos de reforço e punição. Em ambos, cabem os
termos positivo e negativo. Para ele, o reforço aumenta as chances do comportamento voltar
a ocorrer. Já a punição diminui as chances do comportamento voltar a acontecer.
Tabela 1. Reforço X Punição.
Reforço Punição
» Apresentação de um » Apresentação de uma
estímulo agradável após um consequência desagradável
comportamento desejável. após a realização de um
Positivo comportamento indesejável.
» Aumento da frequência de um
comportamento. » Diminuição da frequencia do
comportamento.
» Remoção de um evento » Remoção de um evento
desagradável após o agradável após a realização de
Negativo comportamento desejável. um comportamento indesejável.
» Aumento da frequência do » Diminuição da frequência do
comportamento. comportamento.
Fonte: Elaboração própria da autora.

Atenção

Os termos “positivo” e “negativo” são usados para se referir à ausência ou à presença de estímulos, e não a valores
como “bom” ou “ruim”. O conceito está ligado a termos matemáticos de adição e subtração.

O senso comum costuma se referir ao sujeito da Teoria Comportamental como uma


tábula rasa. Isso porque o ser humano só se torna um indivíduo à medida que adquire
ao longo da vida um variado repertório de comportamentos. Quando nasece, é apenas
um organismo. À medida que estabelece relações mais complexas com o meio ambiente,
vai modificando e aumentando seu repertório comportamental, a partir de reforçadores
presentes em cada situação. Isso quer dizer que nossa resposta depende de inúmeras
possibilidades apresentadas em cada situação, em cada ambiente que se apresenta. Mesmo
que uma resposta possa ser a mais previsível, ela dependerá (positiva ou negativamente)
dos reforçadores apresentados.

25
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Skinner afirmava que devemos entender – e atender – cada diferença individual,


apresentando reforços adequados a cada indivíduo. Somente assim seria possível garantir
o melhor desempenho de cada um.

Skinner propôs uma nova sociedade, substituindo suas regras tradicionais pela Teoria
do Reforço!

Behaviorismo cognitivo

Na década de 1960, os estudiosos estavam muito insatisfeitos com a prática


comportamental por não considerar os fatores cognitivos como importantes, ou
mesmo fundamentais, para compreensão e tratamento de questões mais complexas
como ansiedade e depressão. A partir daí, as pesquisas avançaram, incorporando
processos cognitivos aos modelos comportamentais clássicos, gerando o que muitos
estudiosos da área classificam como “revolução cognitiva”. Atualmente, a abordagem
cognitivo-comportamental é utilizada na maioria das desordens mentais encontradas.

Sendo assim, a sucessora da prática behaviorista, a cognitivo-comportamental,


considera que os problemas psicológicos podem ser compreendidos em termos de
sistema de respostas intercalados: cognitivo, afetivo, fisiológico e o comportamental.
Para os adeptos dessa “revolução”, o modo como uma pessoa percebe seu ambiente é
seletivo e depende de um conjunto de regras e crenças adquiridas no desenvolvimento
dessa pessoa.

As reações cognitivas influenciam e são influenciadas pelas reações afetivas, fisiológicas


e comportamentais. Assim, nas desordens de ansiedade e na depressão, por exemplo,
o indivíduo percebe e avalia a situação de forma distorcida, tendenciosa (distorção
cognitiva), propiciando a ocorrência de afetos desagradáveis (angústia, desânimo etc.), de
reações fisiológicas correspondentes (sudorese, taquicardia, tonteira, fraqueza etc.) e de
comportamento (bloqueio, colapso, tremor, fuga, evitação etc.), que acabam confirmando
as hipóteses negativistas acerca de uma situação e da autoimagem.

Com base no que foi visto até agora, podemos perceber claramente as diferenças
existentes entre os behavioristas e os cognitivistas. A primeira diferença parece estar
no nível de rigor científico, ou melhor, do que se entende por científico.

Para os behavioristas radicais, aceitar o uso da palavra “cognição” seria aderir a uma
postura dualista, constituindo um sério problema metodológico. Seria retroceder ao
que eles mais criticavam nas teorias, como a psicanálise, chamadas de mentalistas.

26
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Volta-se a se falar de “processos mentais” que, segundo essa visão, não são observáveis,
portanto, não devem ser considerados enquanto método científico. A referência às
reações cognitivas como “comportamentos encobertos” foi uma estratégia brilhante de
Skinner que estendeu o modelo operante à compreensão de fenômenos mais complexos.

Já os cognitivistas-comportamentais também consideram as cognições como um


sistema de respostas, mas não de uma forma tão compromissada com contingências
e com termos precisamente impostos. Embora preocupados com validade empírica e
expressão de conceitos operacionais, não são tão rigorosos do ponto de vista científico.

Outra diferença encontrada entre cognitivistas e behavioristas está na ênfase dada às


contingências ambientais e às cognições. Enquanto os behavioristas radicais enfatizam a
determinação ambiental na compreensão dos comportamentos (abertos e encobertos) do
indivíduo, os cognitivo-comportamentais priorizam os processos cognitivos, considerando
que o homem reage a um ambiente percebido e não a um ambiente real.

Percebemos, ao final deste tópico, que a abordagem cognitivo-comportamental se


aproxima bem mais da visão do ser humano integral, repleto de dimensões, que exploramos
no primeiro capítulo.

Críticas ao Behaviorismo

Desde o seu desenvolvimento até os dias atuais, o behaviorismo constitui uma das
mais influentes teorias da psicologia, no entanto ele não é o único modelo de estudo
psicológico e existem diversos críticos de seus métodos e conclusões. Contudo, se fizermos
uma análise detalhada das críticas empregadas a essa abordagem, verificaremos que há
falta de informação sobre os avanços obtidos ao longo do tempo. A maioria das críticas
falam da abordagem clássica, de Pavlov e Watson. Skinner, por ser, talvez, o teórico mais
conhecido, acaba sendo criticado sem que se compreenda a evolução feita por ele na teoria
behaviorista. Inclusive, o termo radical empregado (Behaviorismo radical) fala, justamente,
da radicalidade contra a abordagem clássica.

A crítica mais vista nos meios acadêmicos acusa o behaviorismo de ser reducionista e de
tratar o homem como uma máquina, desprovida de pensamento, que somente responde a
estímulos ambientais. Contudo, isso é uma postura claramente do behaviorismo clássico de
Watson. Skinner afirma que os homens agem sobre o mundo, modificando-o e, por sua vez,
são modificados pela consequência de sua ação. Ou seja, sua teoria não se apoia unicamente
no conceito de comportamento respondente, adotando o conceito de condicionamento
operante.

27
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

A partir do behaviorismo radical, o homem não é mais visto como um indivíduo


que responde, apenas, a estímulos do ambiente. Aqui, o ser humano age no mundo
modificando-o e sendo por ele modificado. O condicionamento operante, e seu método
de reforço e punição, mostra ao sujeito que seu comportamento tem consequências. A
partir dessa constatação, um comportamento pode ser mantido, melhorado ou extinto.

Cabe ressaltar que não se trata de um modelo determinista e sim probabilista. Ou seja, não
há a certeza de que um comportamento, que apresente consequências satisfatórias, voltará
a ocorrer. O que se espera é que, se isso ocorrer, haverá uma probabilidade maior desse
comportamento se repetir. Mais uma prova de que o comportamentalismo não trata do
indivíduo como robô é a afirmativa de Skinner de que o que é satisfatório para uma pessoa
pode não ser para todos. Assim também ocorre com as punições. Skinner via o Homem como
produto da filogênese (história de sua espécie), da ontogênese (sua história individual) e
da cultura. Considerar filogênese, ontogênese e cultura, para Skinner, diferencia os gostos
e valores de cada indivíduo, visto que as pessoas têm histórias de vida diferentes.

Isso nos leva à maior crítica, quando falamos da Escola Comportamental: a de que ela não
leva em consideração a subjetividade. Falam que ela nega a existência de sentimentos,
sensações e outros processos mentais. O que Skinner dizia é que a subjetividade e o
pensamento não são passíveis de observação; logo, não dá para se basear neles para
produzir ciência.

O behavior ismo radical não nega a possibilidade da auto-obser vação ou do


autoconhecimento ou sua possível utilidade, mas questiona a natureza daquilo que
é sentido ou observado e, portanto, conhecido. Restaura a introspecção, mas não
aquilo que os filósofos e os psicólogos introspectivos acreditavam “esperar”, e suscita
o problema de quanto do nosso corpo podemos realmente observar.

Contribuições da escola comportamental à educação

“A escola pública foi inventada para oferecer os serviços de um tutor particular


a mais de um estudante ao mesmo tempo. Como o número de estudantes
aumentou, cada um necessariamente passou a receber menos atenção. No
momento em que o número atingiu a marca de 25 ou 30 alunos, a atenção
pessoal tornou-se esporádica, se tanto. Os livros foram inventados para
fazer uma parte do trabalho do tutor, mas eles não podem fazer duas coisas
importantes . Eles não podem, assim como o tutor, avaliar imediatamente o
que cada estudante disse e nem dizer-lhe exatamente o que deve fazer em
seguida. As máquinas de ensino e os textos programados foram inventados
para restabelecer essas características importantes da instrução tutorial” .
(Skinner, Ciência e Comportamento Humano”, 1954)

28
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Os estudos behavioristas trouxeram grandes influências para a área da educação. Para


John Watson, a educação consiste em um dos principais elementos transformadores
quanto ao comportamento dos indivíduos, sendo possível “moldar” o comportamento
das crianças de modo que elas possam, futuramente, exercer adequadamente uma
profissão.

Skinner apostava na promessa de reforço para que o aluno progrida. O reforço


negativo, caso o aluno se comporte de forma indevida, ou o reforço positivo, quando
o aluno passa a se comportar de maneira adequada. Ele trouxe algumas propostas
psicopedagógicas para a sala de aula:

» Apresentações das informações em pequenas etapas (para que possa haver


controle de cada avanço da aprendizagem).

» Exigência de participação ativa do aluno (resposta) através de um sistema de


avaliação ancorado na reprodução da resposta.

» Reforço imediato à resposta, no sentido de um feedback indicando acerto ou erro.

» Autocontrole por parte do aluno (isto é, o aluno que responde corretamente às


questões pode passar a módulos posteriores).

Skinner apoiava as avaliações como metodologia que supervaloriza o acerto, buscando


a incidência de erro igual a zero. Ou seja, via a avaliação como um sistema de reforço,
afirmando, inclusive, que a aprendizagem não acontece como resultado de penalidade.
Para que haja controle na tríade estímulo – resposta – reforço, acreditava que tanto a
aprendizagem como a avaliação devem ser feitas da seguinte maneira:

» A apresentação do conteúdo deve ser feita em itens sequenciais curtos.

» Os alunos devem responder a uma resposta de cada vez.

» Os alunos devem dispor do tempo necessário para responder.

» As questões não devem ser puladas. A sequência é um importante fator para o


desencadeamento da aprendizagem.

» As perguntas devem ser simples, para que os alunos cometam poucos erros. Cabe
ressaltar que as avaliações servem muito mais como reforçadores do que como
um instrumento de aferição escolar. É um treinamento para melhoramento do
rendimento.

» As sequências devem ser encadeadas em progressão racional.

Seguindo essas sugestões, o aluno é levado, gradualmente e logicamente, a um domínio


cada vez mais completo do assunto.

29
CAPÍTULO 2 • Escola Comportamental

Atualmente, tanto o condicionamento clássico quanto o operante são utilizados para


uma variedade de propósitos por professores, pais e psicólogos. Contudo, percebemos
uma maior utilização de técnicas de condicionamento operante para reforçar a
aprendizagem. Esse envolve punições e recompensas, que podem ser feitas por um
professor, por exemplo, oferecendo um elogio como recompensa por um trabalho bem
feito ou uma lição extra como punição por não fazê-lo bem. O condicionamento clássico
não pode ser utilizado tão diretamente, mas muitas vezes pode funcionar, juntamente ao
condicionamento operante, para reforçar a aprendizagem. Por exemplo, se o ambiente
geral na sala de aula é de elogios e é, também, prazeroso durante a aprendizagem,
se as aulas são realizadas de maneira dinâmica, se os alunos se identificam com o
professor, o educando associará esse prazer com a aula em específico, sendo mais
propenso a participar e, consequentemente, aprender.

Em contrapartida, alunos que associam situações ameaçadoras ou temerosas com


experiências em sala de aula podem ter mais dificuldades. Por exemplo, muitas vezes os
alunos associam testes de matemática à ansiedade e à pressão de uma prova. Mesmo mais
velho, o aluno pode ter respostas autonômicas, como o suor e o aumento da frequência
cardíaca, simplesmente quando pensa em fazer uma prova ou quando é confrontado
com problemas difíceis de matemática. Outro bom exemplo é quando um aluno tira
uma nota baixa e acredita ser “burro”. A partir desse reforço, ele passa a ir mal em todas
as provas, acreditando não conseguir aprender.

Cientes dos efeitos do condicionamento clássico na ansiedade motivada por uma


prova, os professores devem criar um ambiente de aprendizagem e de prova que reforce
a sensação calma e de foco. Quando o aluno, ao longo do tempo, faz provas em um
ambiente positivo sob pouca pressão, a reação classicamente condicionada tornar-se
extinta e desaparece.

É i m p o r t a n t e l e m b r a r q u e, a o c o n t r á r i o d o c o n d i c i o n a m e n t o o p e r a n t e, o
condicionamento clássico não pode ser suprimido apenas por força de vontade. As
reações ligadas ao condicionamento clássico são involuntárias. É possível suprimir
comportamentos, mas não os impulsos associados a eles. Por exemplo, se um
professor usa doces para reforçar as respostas corretas positivamente, os alunos
associarão o sucesso com o gosto do açúcar. Se em seguida o professor parar de
usar doces, mesmo que explique o motivo da mudança, os alunos provavelmente
ainda ansiarão pelo açúcar ao darem respostas positivas.

30
Escola Comportamental • CAPÍTULO 2

Sintetizando

Vimos até agora:

» A psicologia Objetiva de Pavlov em oposição a Psicologia Mentalista, vigente em sua época.

» O conceito de Reflexo Condicionado de Pavlov.

» O Behaviorismo Clássico de Watson e a psicologia do Estímulo-Resposta (Condicionamento Clássico).

» O Behaviorismo Radical de Skinner e o conceito de Condicionamento Operante.

» A evolução ao longo do tempo da Escola Comportamental.

» As implicações da Escola Comportamental na aprendizagem.

» A influência do Behaviorismo na Educação.

31
CAPÍTULO
FREUD E A PSICANÁLISE 3
Introdução do Capítulo

Neste capítulo, conheceremos um dos maiores ícones do século XX, Sigmund Freud, que
nos deixou como legado a Teoria Psicanalítica. Conheceremos um conceito inovador e
fundamental para entender o sujeito da aprendizagem, o Inconsciente. Abordaremos sua
teoria da personalidade e refletiremos sobre as fases do desenvolvimento psicossexual,
base da teoria psicanalítica freudiana.

Te convido, caro aluno, a fazer uma viagem ao tão falado, mas ao mesmo tempo
desconhecido, inconsciente humano. Saber que não somos senhores absolutos dos
nossos pensamentos e das nossas ações é intrigante, fascinante e desafior. Entender
cada fase do desenvolvimento sob o viés do que não percebemos “a olho nú”, mas que
influencia todo nosso percursso é a proposta deste capítulo. Perceber que nossos alunos
são regidos por forças que eles próprios desconhecem nos faz ter outra visão do processo
de construção de conhecimento.

Objetivos

» Desvendar os conceitos de Consciente e o Incosciente.

» Conhecer as estruturas da personalidade: Ego, Id e Superego.

» Identificar, reconhecer e compreender o desenvolvimento psicossexual e suas fases.

» Promover estratégias adequadas a cada fase da criança para seu desenvolvimento e


aprendizagem.

32
Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Conhecendo sua história


Figura 6. Freud e a Psicanálise.

Fonte: <https://zahar.com.br/blog/post/livros-de-psicanalise-com-desconto-no-aniversario-de-freud>. Acesso em:


16/4/2019.

No capítulo anterior, buscamos entender o sujeito em suas três dimensões, cognitiva, afetiva
e relacional. Entendo ser importante buscarmos compreender todo e qualquer indivíduo com
quem nos relacionamos de forma integral, por isso, acredito ser relevante não só buscarmos a
compreensão dos nossos alunos, enquanto sujeitos únicos, constituídos por três dimensões, mas
também compreendermos o processo de ensino-aprendizagem dos teóricos que influenciam
a nossa maneira de agir com nossos alunos.

Comecemos, então, por esta pessoa fantástica que deixou como legado para a posteridade
um dos maiores marcos do século XX: a psicanálise.

Sigmund Freud nasceu em 6 de Maio de 1856, em Freiberg, Moravia. Viveu a maior parte de sua
vida em Viena, Áustria. Como era judeu, Freud encontrou grandes dificuldades em sua vida e,
como era de imaginar, seus estudos foram comprometidos pelo momento que vivia.

Contudo, sua demora em concluir a faculdade de medicina, em 1881, não se deve às suas
dificuldades pessoais. Sua grande curiosidade científica levava-o a acompanhar cursos
de grandes cientistas e pensadores da época. Adorava o curso de Filosofia, lecionado por
Brentano. Acompanhou tais aulas por três anos, possibilitando a Freud dar uma base bem
humanística para sua teoria psicanalítica.

Também é fato que Freud não se interessou muito pela medicina prática, preferindo o
campo da pesquisa e do ensino. A Neurologia foi a única área da medicina que lhe despertou
desejo. Contudo, após se formar e com a perspectiva de um casamento, foi impelido a
deixar seus projetos acadêmicos para depois e investir na clínica médica.

Dedicou sua prática à Psiquiatria. Depois de anos, concluiu que os conhecimentos existentes
sobre o tema não davam conta da complexidade dos pacientes psicóticos. Deslizou, então,
sua prática para a dermatologia, dedicando-se ao estudo da sífilis e de várias moléstias do
sistema nervoso.

Entre as décadas de 1880 e 1890, Freud se fixa como neurologista. Dissertou sobre diversos
campos do conhecimento, tornando-se um neurologista de renome. Sua dedicação culminou

33
CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

em um trabalho sobre paralisia cerebral infantil, que lhe assegurou um lugar histórico na
medicina.

Seu interesse pela psiquiatria, que estava adormecido, despertou e Freud ganhou uma bolsa
para estudar com Martin Charcot, em Paris. Ele havia trazido, novamente, ao cenário da
psiquiatria, o método da hipnose para pacientes histéricas. Defendia a ideia de que, através
da hipnose, era possível eliminar temporariamente as manifestações dos sintomas histéricos,
bem como introduzir um novo sintoma. Da observação, estudo e prática com Charcot, Freud
descobriu que os fenômenos histéricos eram frutos não de causas físicas, como uma lesão
neural, mas manifestações de um processo sugestivo, como na hipnose.

Apesar de Freud ter abandonado, posteriormente, o método hipnótico e as contribuições


de Charcot, essas serviram como base para a teoria psicanalítica. Isso porque os processos
sugestivos e os sintomas de doenças mentais sedimentarão a ideia de que existem processos
inconscientes, que são determinantes para a constituição do sujeito.

Apesar da grande contribuição de Charcot para a psicanálise, foi Josef Breuer, médico
vienense, que também se utilizava da hipnose para tratar suas pacientes histéricas, o
grande colaborador do início da teoria psicanalítica. Isso porque, uma paciente histérica
de Breuer se tornou o primeiro caso clínico da teoria Psicanalítica. Ela havia se curado de
seus sintomas histéricos pela fala, após reconstituir cenas traumáticas de seu passado,
esquecidos há tempos de sua consciência. O método de eliminar os sintomas, recordando
cenas traumáticas passadas, ficou conhecido como Método Catártico. Freud e Breuer
atuaram juntos por muitos anos, a partir da elaboração do Método Catártico. A ruptura da
parceria só se deu com a elaboração da teoria da sexualidade de Freud. A partir daí, Freud
voou. Construiu, ao longo de cinquenta anos, uma linda e complexa teoria.

Saiba mais

Alguns trabalhos são os organizadores centrais da teoria psicanalítica. São eles:

» Os estudos sobre a histeria. In: Obras completas. Vol.II– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» A interpretação dos sonhos. In: Obras completas. Vol.II– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» Psicopatologia da vida cotidiana. In: Obras completas. Vol.VI– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras completas. Vol. VII– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» Os três casos clínicos (O Pequeno Hans, O “homem dos ratos” e O caso Shereber). In: Obras completas. Vol. VIII– 2ª
edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» Os instintos e seus destinos. In: Obras completas. Vol. XI– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» Mais além do princípio do prazer. In: Obras completas. Vol. XVIII– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» O Ego, o Id e seus destinos. In: Obras completas. Vol. XIX– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

» Inibição, sintoma e angústia. In: Obras completas. Vol. XIX– 2ª edição. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

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Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

O Inconsciente e suas implicações na aprendizagem

Você já ouviu falar do inconsciente? Esse é um conceito, elaborado por Freud, que hoje já é
aceito, tanto pela comunidade científica e acadêmica, como pela sociedade de modo geral.
Contudo, esse foi um conceito muito polêmico, sobretudo na época em que foi concebido. O
próprio Freud fala que é natural rejeitarmos a ideia de que somos dominados por processos
psíquicos que desconhecemos. A descoberta do inconsciente tira do homem o domínio de
sua própria vida.

Na teoria da personalidade, de Freud, o inconsciente é visto como um reservatório de


sentimentos, pensamentos, impulsos e memórias que não são acessados pela nossa
consciência, são “esquecidos”, ou recalcados, como diria o próprio autor. Isso porque
os conteúdos inconscientes são inaceitáveis ou desagradáveis, trazem sentimentos
conflitantes, de dor ou de angústia. Tais sentimentos, desejos e emoções são entendidos
como ameaçadores e, por isso, são reprimidos e mantidos fora da consciência.

Contudo, apesar de parecerem adormecidos, tais conteúdos influenciam todos os nossos


comportamentos e experiências, mesmo que não nos demos conta das suas influências e
consequências.

Para refletir

Figura 7. Inconsciente e o Iceberg.

Fonte: <http://www.novoequilibrio.com.br/ver_topico.php?Tipo=25&Cod=148&w=1366>. Acesso em: 15/4/2019.

A imagem, aqui ilustrada, faz uma analogia bem interessante sobre a estrutura do inconsciente. Como se sabe, os
icebergs são blocos de gelo que flutuam sob águas geladas, deixando, apenas, 10% de seu volume para fora da água.

Ela nos apresenta uma consciência como se fosse a ponta do iceberg. Tudo que está submerso é aquilo que não
conseguimos acessar, mas que exerce forte influência em quem somos e que, como não são vistos “a olho nu”,
tendem a trazer inúmeros transtornos, de ordem física e emocional.

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CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

Baseado em seus estudos sobre a histeria, Freud criou o método da associação livre, para
trazer esses sentimentos recalcados no inconsciente à consciência. Isso porque a psicanálise
diz que a recordação trazida à tona, através da fala, à consciência, produz uma descarga de
emoções reprimidas, fazendo com que o sintoma desapareça.

Já entendemos que sentimentos, desejos e emoções são recalcados em nosso inconsciente,


buscando evitar sofrimento, angústia ou dor para o sujeito, certo?

Agora, precisamos saber como os eventos geradores de angústia e sofrimento são,


constantemente, afastados da percepção consciente. Estes processos psíquicos
são chamados de mecanismos de defesa. Comecemos, então, esclarecendo que
eles são processos inconscientes. Ativado por uma angústia, o sujeito desencadeia,
diante do sinal de perigo, uma série de mecanismos repressores que impedirão a
vivência de fatos dolorosos porque o organismo não está preparado para suportar.
Cabe ressaltar que, tanto o evento doloroso, como seus mecanismos de defesa são
processos inconscientes e, portanto, não perceptíveis ao sujeito.

E o que o inconsciente tem a ver com a aprendizagem? Vou além na nossa reflexão,
perguntando-lhes o que o inconsciente nos fala sobre o processo de ensino- aprendizagem?
Precisamos entender que esse processo se dá, justamente, na troca entre dois sujeitos: o
aluno e o professor. O aluno é composto não só pela sua dimensão cognitiva, mas também
pela relacional e afetiva. Logo, ele será influenciado por seu inconsciente, por seus desejos,
sentimentos e emoções recalcados.

Mas e o professor? Ele também não tem seus desejos, sentimentos e emoções recalcados,
influenciando o processo de ensino – aprendizagem? Será que as dificuldades de
aprendizagem dos alunos não esbarram, justamente, em mecanismos de defesa
inconscientes, tanto do aluno quanto do professor? Termino este tópico, reforçando a
ideia de que o sujeito é regido pelo seu cognitivo, suas relações sociais e pelo seu afeto,
seja ele consciente ou não!

Importante

Para Freud, a aprendizagem se estabelece na relação entre alguém que ensina e alguém que aprende, sendo a
transferência a força motriz desse processo. Segundo Laplanche e Pontalis (1998, p. 514), transferência:

“(...) designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se


atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação
estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-
se, aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de
atualidade acentuada.”

Laplanche e Pontalis - Vocabulário de Psicanálise, São Paulo: EPU,1998 p. 514

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Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Estruturas da personalidade
Figura 8. A Trindade da Mente Humana.

Fonte: https://www.jrmcoaching.com.br/blog/ego-id-e-superego/>. Acesso em: 12/4/2019.

Após entender e explicar os conceitos inovadores de consciente e inconsciente, algumas


perguntas ainda pairavam na mente de Freud. Entendido que uma força repressora
bloqueava sentimentos traumáticos, restava, agora, entender de onde vinha tal força.
A primeira hipótese, de que o consciente era o fator desencadeante da repressão não
fazia muito sentido, visto que o consciente não tem acesso aos conteúdos inconscientes.
Então, como explicar este processo? De onde partia a repressão? Seria consciente,
inconsciente ou ambas? Em 1920 há a grande virada da psicanálise, quando os conceitos
de consciente e inconsciente dão lugar ao modelo da estruturação da personalidade:
Ego, Id e Superego.

Id

Freud nos diz que o Id é o reservatório de energia do indivíduo. Desde o nascimento,


somos impulsionados por uma fonte de energia que nos mobiliza em direção ao mundo,
buscando satisfazer nossas necessidades durante todo o nosso desenvolvimento. Para que
a necessidade seja satisfeita, é preciso que o organismo tenha um objeto que corresponda
a essa necessidade. É através desses objetos que são estabelecidas relações afetivas com
o mundo.

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CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

Para refletir

Um bom exemplo para pensarmos sobre essa fonte de energia, que nos mobiliza para o mundo, através de objetos
que saciam nossas necessidades, que nos trazem satisfação e prazer, é a relação estabelecida com o seio materno.
Quando o bebê está com fome, ele é impulsionado ao seio da mãe (objeto de prazer).

Quando a criança fantasia a imagem do seio para a sua satisfação, não é só sobre fome que estamos falando. Também
é trabalhada a ligação afetiva com este seio, a construção da figura da mãe, as relações de bom e mau estabelecidas, a
adequação do processo mãe – criança, a confiança no mundo exterior etc. (RAPAPPORT, 1981p. 21)

Figura 9. Amamentação.

Fonte: <https://bebe.abril.com.br/amamentacao/mae-e-solicitada-a-parar-de-amamentar-o-filho-na-uti/>. Acesso em:


12/4/2019.

Nos primórdios da psicanálise, vimos que Freud definiu o inconsciente como o conjunto
de desejos reprimidos e as relações que esses desejos estabelecem com o mundo interno e
externo, não é mesmo? Pois bem, este conceito de inconsciente é abarcado pelo do Id, no
novo modelo de estruturação da personalidade. Mas o Id está para além, na medida em que
ele também é a fonte de energia psíquica e o gerador das imagens (seio, por exemplo) que
organizam a canalização dessa energia.

O id tem como uma de suas características principais o funcionamento pelo princípio do


prazer. Ele busca a satisfação imediata das necessidades. Para o Id, não há contradição, ou
seja, dentro de uma lógica, a do prazer, podem estar presentes desejos e fantasias que, a
princípio, parecem excludentes.

Ego

Em seu texto “O Ego e o Id” (1923), Freud coloca o Ego como a instância psíquica que serve
de intermediária entre o desejo e a realidade. Afirma, também, que o Ego é, acima de tudo,
corporal, ou seja, biológico. Esse é o ponto em que Freud e Piaget têm pensamentos similares.
Ambos acreditam que há uma formação instintiva inicial que se desdobra em estruturas mais
sofisticadas a partir do momento em que o sujeito vai construindo sua realidade.

Ao contrário do Id, que é regido pelo princípio de prazer, o Ego, diante do desejo, se mobiliza
para que ele seja satisfeito pela realidade. Isso quer dizer que o Ego funciona a partir do

38
Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

princípio da realidade. É ele quem dá o juízo de realidade. O Id é da ordem do desejo,


do querer, independentemente se esse desejo é possível, ou não, de ser satisfeito. O Ego
também parte do desejo, porém a partir da imagem construída, aqueles objetos de desejo
criados pelo sujeito, que estabelecem as relações afetivas com o mundo, ele constrói na
realidade caminhos que lhe possibilitem saciar sua necessidade.

Uma característica importante, no que tange à aprendizagem, é que todas as funções lógicas
do funcionamento mental são atribuições do Ego, incluindo a memória e o desenvolvimento
do pensamento logico e operatório. Ou seja, é o Ego quem se apresenta na escola, na figura
do aluno. O tão falado “ofício do aluno” é executado por essa parte da psiquê. Cabe lembrar
que o conhecimento epistemológico da construção da realidade é o foco da obra de Piaget.
Para Freud, ao contrário, a organização dessas funções precisa ser entendida após sofrer as
influências afetivas, tanto conscientes quanto inconscientes.

Superego

Essa é a instância psíquica responsável pela estruturação interna dos valores morais. Através
do Superego, o sujeito internaliza as normas sociais e é capaz de discernir aquilo que é
moralmente proibido e aquilo que deve ser valorizado e buscado.

O Superego é fundamental para conseguirmos nos relacionar em grupos sociais, viver em


sociedade. Se não fosse sua existência, estaríamos fadados à delinquência, obedecendo,
apenas, aos limites externos. Ele é o responsável pela autocrítica, pela consciência moral
e pela formação de ideologias.

Porém, apesar de necessário para a convivência em grupo, quando ele se torna exagerado,
tende a imobilizar ou mesmo adoecer o sujeito. Quando as exigências são muito altas, o
sujeito passa a se sentir incapaz de cumpri-las. Se fizermos uma análise para a vida acadêmica,
conseguiremos entender aquele aluno que se desinteressa do estudo, por passar a acreditar
que é burro, que é menos capaz do que seus colegas.

As fases psicossociais do desenvolvimento

Para entermos cada fase do desenvolvimento, segundo a psicanálise, é preciso conhecermos


alguns conceitos fundamentais da teoria. A libido, termo complexo, que sofreu grandes
mudanças conceituais ao longo da construção da teoria de Freud, pode ser compreendida
como a fonte original de energia afetiva que mobiliza o sujeito rumo aos seus objetivos.

Ela é, portanto, uma energia voltada para a obtenção de prazer. Nesse sentido é que Freud
dizia que a libido é uma energia sexual. É preciso entender que o termo sexualidade tem
um conceito mais amplo na psicanálise. Ela abarca todas as evoluções das ligações afetivas

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CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

estabelecidas desde o nascimento até a sexualidade genital adulta. Ou seja, a sexualidade na


psicanálise é carregada de afeto, do afeto que é construído na troca com o outro, com o meio.
O afeto nada mais é do que o vínculo prazeroso que se estrutura, independentemente das
necessidades básicas. Sendo assim, por definição, todo vínculo de prazer é sexual ou erótico.

A libido sofre progressivas mudanças em sua organização, ao longo do desenvolvimento


humano, amparada por organizações biológicas emergentes de cada período da vida.
Ela se organiza progressivamente em torno de zonas erógenas, caracterizando as três
fases de desenvolvimento infantil – fase oral, anal e fálica –, uma fase de latência, sem
novas organizações, e uma fase final de organização adulta, a fase genital.

Fase oral
Figura 10. Fase Oral.

Fonte: <https://www.guiadobebe.com.br/crianca-que-leva-tudo-a-boca/>. Acesso em: 10/5/2019.

Apesar desse estágio compreender o período de zero a dois anos, é necessário começarmos
nossa narrativa na vida intrauterina. A relação estabelecida nesse período é caracterizada
por uma relação simbiótica entre a mãe e seu filho. O feto respira e se alimenta atraves da
mãe. Já há processos que acontecem dentro do útero, como se alimentar do que é necessário
e excretar o que é prejudicial.

A hora do nascimento traz grande angústia ao bebê. E não estamos falando, aqui, dos traumas
físicos sofridos. Estamos falando de uma dor emocional, a dor da separação.

Saiba mais

O termo angústia, etimologicamente falando, significa “dificuldade para respirar”.

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Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Com o corte do cordão umbilical, corta-se, também, o transporte de oxigênio trazido da mãe.
Nesse momento, trava- se uma luta pela sobrevivência. É preciso que o bebê reaja, respire:
inspire e expire. É a primeira troca com o meio ambiente. Ou ele recebe o que é externo, dentro
de si, ou não sobreviverá. A criança terá, necessariamente, que enfrentar o mundo. E e desse
enfrentamento, dessa troca, dessa relação que ela terá a oportunidade de construir, passo a
passo, estágio a estágio, suas relações afetivas e cognitivas. Respirar é apenas a primeira de
várias etapas até a aquisição de sua identidade, marcando o início da independência humana.

Dito isso, passemos para a fase oral, propriamente dita. Nessa fase do desenvolvimento, a
estrutura sensorial mais desenvolvida é a boca. Através dela começamos a conhecer e a “provar”
o mundo. É a partir dela que estabelecemos nossa primeira e mais importante descoberta
afetiva, o seio materno.

Figura 11. Relação Mãe-Bebê.

Fonte: <http://cdn3.mamaeonline.com.br/wp-content/uploads/2013/12/amanetacao-o-que-nao-fazer-620x413.jpg>.
Acesso em: 19/4/2019.

Em um primeiro momento, o bebê ainda não consegue entender que o seio constitui aquele
que vai se tornar seu maior objeto de afeto, a mãe. A figura da mãe vai se construindo,
justamente, a partir da ligação afetiva que o recém-nascido estabelece com o seio. É seu
primeiro objeto de ligação infantil, que lhe desperta amor, quando a fome é saciada, e o
ódio, quando sente fome. Quando a criança bebe o leite, é o momento em que ela sente
ter a mãe dentro dela. Surge o vínculo inicial entre o bebê e sua mãe.

Já vimos, anteriormente, que a capacidade de formar um vínculo de prazer é o que permite


formarmos nossa afetividade. Esse processo de constantes ligações emocionais começa,
justamente, com o amor que a criança dirige ao seio. Posteriormente, o afeto passa a
reconhecer a mãe, pai e outros objetos até constituir a afetividade genital adulta.

Importante

Freud percebeu que, para além da necessidade física de alimentação, a criança sente um grande prazer no ato de
mamar. Neste momento, a libido está organizada em torno da zona oral.

Ressaltamos que o conceito psicanalítico de fase pressupõe a organização da libido em torno de uma zona erógena. A
fase é caracterizada por uma zona erógena alvo da libido. A da fase oral é a boca.

41
CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

Fase anal
Figura 12. Fase Anal.

Fonte: <https://www.padresyhogar.com/dejar-el-panal-como-ensenar-a-ir-al-bano-a-un-nino/>. Acesso em: 19/4/2019.

Esta fase é denominada de anal porque a libido passa a se organizar sobre a zona erógena do
ânus. Ela acontece entre 18 e 24 meses e perdura até os 3 anos de vida, aproximadamente.
Esse é o momento da vida em que se dá a maturação da organização psicomotora básica.
É o período em que a criança começa a andar, a falar e que começamos a controlar nosso
esfíncter.

Por isso, é marcada pelas conquistas de autodomínio e socialização. Momento em que


começamos a manifestar a recusa. Quem nunca observou o NÃO tão falado nessa fase? Chega
ao ponto de, quando um adulto pergunta se a criança quer água, por exemplo, ela balança a
cabeça em sinal afirmativo, mas pronuncia o “não” satisfeita.

Dois processos psicológicos se organizam nesse momento. O primeiro, fala das fantasias
que o sujeito elabora sobre os primeiros produtos que, genuinamente, produzem as fezes.
Pensem bem, é algo que vem de dentro do próprio corpo, que faz “parte” da criança, e que
presenteia aos pais.

Para refletir

Desde que a criança nasce, nasce também a preocupação parental quanto às fezes de seu bebê. Passam pelo
momento dos gases: os pais precisam massagear a barriguinha, fazer exercícios com as pernas para que sejam
liberados. Há a preocupação se o bebê está ou não evacuando... Em seguida vem o temido desfralde. Vemos mães
ensinando suas crianças a utilizarem o “troninho” e, quando a criança, enfim, consegue evacuar de maneira
adequada, é elogiada, parabenizada. As fezes são recebidas com honrarias por toda a família! A criança passa a
querer mostrar aos pais aquele objeto, aquela sua conquista, e é recompensada pelo seu esforço. Agora, imagine,
por exemplo, um extraterrestre em visita à Terra. O que ele pensaria a respeito deste ritual? No mínimo, acharia uma
loucura, não é mesmo?

Outros exemplos podem ser citados como, já na fase adulta, observamos nossas fezes antes de dar descarga. E os
banheiros, transformados em salão de estar, com música, revistas e, até mesmo, sofás? E as meninas, principalmente,
que adoram ir ao banheiro acompanhadas de suas amigas?

Um bom exemplo antropológico são as tribos que defecam em cima do tumulo de entes queridos em sinal de
respeito. Já pararam para reparar que o odor de nossas fezes não nos parece tão ruim quanto para outras pessoas que
o sentem?

42
Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Todo esse ritual desenvolve na criança o sentimento de que coisas suas são boas e que
ela pode apresentar, ou mesmo presentear ao outro. Assim como ela dá ao outro, ela
também nega.

O segundo processo diz respeito ao modelo de retenção nas relações estabelecidas com o
mundo. Um exemplo deste comportamento é o andar ou falar. Quando a criança se sente
amedrontada ou constrangida com a presença de um estranho, ela trava. Ou seja, se o
ambiente lhe parece hostil, seus presentes são negados. Essa etapa é conhecida como
retentiva, proporcionando a base para os mecanismos psicológicos ligados ao controle.

Esses mecanismos são necessários e fazem parte da adequação do sujeito ao mundo. O


sentimento de que o que produzimos é bom, de que o outro gosta deles, é necessário para
construirmos relações produtivas saudáveis com o meio. Contudo, tais mecanismos fazem
parte de uma etapa específica da vida. A questão surge quando um desses mecanismos se
fixa, tornando-se o centro da organização afetiva, fazendo com que o sujeito desenvolva
quadros psicopatológicos.

Qu a n d o o d e s e n vo l v i m e n t o é n o r m a l , a c r i a n ç a s e n t e - s e a m a d a p e l o s p a i s,
presenteando-os com seus produtos, que são valorizados e entendidos como algo
bom. Isso desenvolve no sujeito um sentimento de adequação e de mais valia.
Assim, ele é livre e estimulado a produzir sempre mais. Freud associava o sucesso
deste estágio ao aumento da capacidade artística

No entanto, há aquelas mães que entram em pânico toda vez que o filho suja as fraldas. Ou
aquelas que repreendem o filho quando “escapa” e a criança não faz suas necessidades no
local que ELA acha adequado. Isso pode gerar angústia forte no que diz respeito às relações
de amor. Pode trazer, também, sentimento de fracasso e desenvolver comportamentos
paranoicos ou obsessivos no sujeito.

Em relação à aprendizagem, podemos, agora, compreender melhor aquele aluno que não
consegue produzir com eficiência suas atividades. Alunos que desistem frente ao novo, por
acharem que não são capazes de realizar algo bom, algo que o outro vai valorizar. Podemos
entender melhor o comportamento agressivo daqueles que introjetaram que seus produtos
constituem armas destrutivas que agridem o mundo toda vez que são produzidos.

Fase Fálica
Figura 13. Fase Fálica.

Fonte: <https://espelhopsicanalitico.wordpress.com/2016/06/30/a-fase-genital/>. Acesso em: 19/4/2019.

43
CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

Aos três anos, aproximadamente, a libido passa por nova organização sendo dirigida aos
genitais. A criança passa a discriminar o feminino e o masculino, a partir da comparação
entre esses orgãos.

Para refletir

As crianças desta idade tendem a reproduzir essa comparação, inclusive, em objetos. Você já observou uma criança
de 3 ou 4 anos? Elas são capazes de pensar: o avião tem pipi? Ah, se não tem, é menina! Percebe que a pergunta é
sempre se tem ou não tem pênis?

Freud nos diz que, nessa fase do desenvolvimento, o masculino e o feminino são
caracterizados pela presença ou ausência do pênis. Ou seja, homens são marcados pela
presença do falo e mulheres por sua ausência.

Importante

Vimos que, na fase oral, a criança tem a fantasia da incorporação do afeto através do seio. Incorporando, pela boca, o
leite materno, se estabelece sua relação com o mundo.

Na fase anal, a fantasia infantil está no campo do controle. Através de seu esfincter, a criança pode escolher a quem
dar, ou recusar, seu produto de afeto, as fezes.

Aqui, na fase fálica, a fantasia é a presença ou ausência do pênis. Sua tarefa básica é a construção da relação entre os
homens e as mulheres.

A princípio, as crianças acreditam que o clitóris é o pênis feminino, e que ele irá crescer
também. Quando elas percebem que, ao contrário, há uma ausência, meninos passam a ter
medo da castração. Aqui se estabelecem conflitos nas relações interpessoais, pois o homem
passa a ter medo de ser castrado. Já as meninas passam a ter inveja deste pênis, e suas relações
são estabelecidas a partir do desejo de se ter o falo ou de compensar sua ausência no campo
da fantasia.

Figura 14. Medo da castração.

Fonte: <http://psicoaulas.blogspot.com/p/freud.html>. Acesso em: 20/4/2019.

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Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Já entendemos que na fase fálica a libido erotiza os genitais. A fantasia básica é fálica. Os
genitais erotizados buscam a satisfação do desejo nos órgãos sexuais. Mas cabe lembrar,
também, que estamos falando de fantasias infantis. A procura de parceiros para relações
sexuais só acontecerá na fase genital quando já adultos. Aqui, o que é definido é o modo
como as relações são constituídas. É uma etapa de socialização importante na vida do
sujeito, pois estabelece a relação homem-mulher.

A erotização genital cria a necessidade de satisfação no sexo oposto. É natural que os


meninos busquem uma figura feminina para satisfazer sua fantasia. E, nada mais óbvio,
que a mãe seja a representação dessa figura feminina aos olhos do menino. Essa relação
construída será o suporte para as relações amorosas futuras. A partir desse vínculo afetivo,
o sujeito constrói outros vínculos futuramente, formando, então, sua própria família. Isso
significa que é aprendendo a amar em casa que o sujeito é capaz de amar o mundo exterior.

Porém, entra em cena a figura paterna e um esquema repressor é instituído. Foi


importante aprender a amar, mas a relação incestuosa é proibida e deve ser reprimida.
O pai entra como a autoridade capaz de barrar tal relação. A autoridade paterna usará
de sua força, de seu falo, para barrar o desejo incestuoso do filho pela mãe.

Um sentimento de amor e ódio passa a ser dirigido ao pai. O menino passa a ter o desejo de
eliminar o pai, estabelencendo, aqui, o que Freud chamou de Complexo de Édipo. Como,
na fantasia infantil o pai é mais forte, dono da mãe, a criança passa a temer que o pai lhe
castre, obrigando-o a reprimir sua atração sexual pela mãe. Dessa angústia de castração vem
a resolução da crise edipiana.

Duas consequências decisivas ocorrem na estruturação da personalidade do menino ao


fim do Complexo de Édipo: o surgimento do superego e a confirmação de uma identidade
sexual nascida por volta dos dois anos de idade e afirmada, mais solidamente, após o fim
da puberdade. Ao renunciar aos pais como objeto sexual, incorpora-os como objetos do
seu eu. Aí surge o superego: o sujeito renuncia à mãe, como parceira sexual, prometendo,
inconscientemente, ser como eles em suas ambições, fraquezas e ideais.

Provocação

Aqui vale lembrarmos a poesia de Shakespeare “Você aprende”: “Com o tempo você descobre que há muito mais
do seus pais em você do que você supunha”. Disponível em: <https://cemgrilos.blogspot.com/2006/12/william-
shakespeare-voc-aprende.html>. Acesso em: 11/5/2019.

Ou nosso saudoso Renato Russo em sua música Pais e Filhos: “Você culpa seus pais por tudo. Isso é absurdo! São
crianças como você. O que você vai ser, quando você crescer”.

45
CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

Com essa repressão, encerra-se a fase fálica, possibilitando ao sujeito ingressar no período
de latência.

E nas meninas, como se dá esse processo? O Complexo de Édipo feminino é um dos temas
mais controversos entre os continuadores da psicanálise. Desde que Freud falou sobre este
complexo até os dias atuais, tem sido alvo de críticas e de releituras. O próprio Freud se
posicionou algumas vezes, dizendo que lhe faltavam elementos confirmadores acerca da
sexualidade feminina.

As meninas também vivem a dicotomia falo/castração. Como vimos anteriormente, a


menina também acredita que o clitóris é um pênis que irá se desenvolver a posteriori. Ela
também valoriza o falo como objeto de prazer. É esse erro de percepção que mantém a
menina na fase fálica.

Dentro de seu grupo familiar, é o pai quem possui o objeto fálico. Sendo assim, a
menina passa a dirigir sua afetividade para esse pai, símbolo de força e poder. Não há
uma atração física, como acontece na relação da mãe com o filho, mas a busca por essa
pessoa poderosa, fálica, representada na figura do pai.

Quando fica claro para a menina o vínculo afetivo existente entre a mãe e o pai, a
menina passa, então, a imitar a mãe em uma tentativa de atrair o pai. É a mãe quem
sabe como conquistar o falo do pai, e é com ela que a menina deverá aprender como
ter o sonhado pênis. Com isso, a menina passa a desenvolver sua feminilidade,
introjetando os valores femininos passados pela sua mãe.

Sendo assim, o Édipo nas mulheres é iniciado na descoberta de sua castração, mas
perdura durante o período de latência. A identidade feminina e a organização da
sexualidade são graduais, possuindo dois desfechos: a transição da libido do clitóris
para a vagina e a vinda do filho. Freud acreditava que a solução do Complexo de Édipo
é mais satisfatória com a vinda do filho homem, quando a mulher, em sua fantasia,
obtém um pênis.

Período de Latência
Figura 15. Período de Latência.

Fonte: <http://psicoaulas.blogspot.com/p/freud.html>. Acesso em: 19/4/2019.

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Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Esse período se inicia entre os 5 ou 6 anos de idade e perdura até 10 a 12 anos,


aproximadamente. Após a dissolução do complexo de Édipo, com a repressão da
energia sexual, a libido fica temporariamente deslocada de seus objetivos sexuais.
Mas toda essa energia, essa libido, tem que ser canalizada para outra finalidade, já que
ela não pode ser reprimida ou extirpada. Como os objetivos eróticos estão suspensos,
temporariamente, ela é, então, dirigida para o desenvolvimento intelectual e social da
criança. O mecanismo de defesa que permite o deslocamento da libido sexual para uma
energia mobilizadora, Freud chamou de subilimação.

Nesse momento, não há formação de novas modalidades de relações objetais, não há novas
organizações quanto a estruturas afetivas também. Surge um sentimento de ternura no
que tange às relações, substituindo a libido sexual. Surgem, também, aspirações morais
e estéticas, bem como o pudor. Todos frutos da superação do Complexo de Édipo e da
cristalização do Superego.

Com o fim da fase fálica e todo o progresso no desenvolvimento afetivo construído nas
fases oral, anal e fálica, a criança usa o período de latência para se preparar para o seu
desenvolvimento em relação ao mundo exterior. Para que isso aconteça, ela precisa retirar
sua libido das fontes sexuais para se dedicar a essas relações, já que conhecer não está
mais ligado à obtenção imediata de prazer. Assim, a criança fica mais focada em resolver
suas questões de socialização e o conhecimento epistemológico. Não por coincidência, o
período de latência acontece, justamente, quando a criança ingressa na educação básica.

Contudo, as questões que surgiram ao longo das fases anteriores e as evoluções emocionais
inadequadas refletirão em sintomas, no período de latência, refletindo na socialização
e no aprendizado da criança. Podemos encontrar, por exemplo, uma forte resistência
ao aprendizado, um temor à aquisição de novos conhecimentos, transformando-se em
uma incapacidade real para conhecer. Isso acontece porque, em períodos anteriores à
escolarização, não há uma cobrança formal de conhecimento. A criança que já apresentava
uma defasagem, sem que isso fosse percebido ou valorizado, será cobrada nas avaliações
escolares, confirmando sua incapacidade para aprender.

Em contrapartida, o pensamento escolar erotizado poderá criar grandes gênios em matemática


e xadrez, por exemplo, mas suas relações sociais poderão estar comprometidas, fazendo com
que a criança, agora representada na figura do aluno, se isole em seus estudos. Esse quadro
se agrava na entrada da adolescência, período marcado pela formação de grupos sociais.

Quando há questões de defasagem evolutiva em fases anteriores, além das questões


trazidas anteriormente, como a resistência ao aprendizado e a dificuldade de socialização,
crianças que se afastam muito das ideologias parentais ou das normas sociais são vistas
como “delinquentes”, apresentando comportamento agressivo, tanto com os colegas como
com os professores, desafiadores ou de recusa, por exemplo, de realizar as tarefas impostas
pela escola. Para essas crianças, é melhor serem conhecidos como maus caracteres do que
serem consideradas burras ou incapazes.

47
CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

No período de latência, a criança começa a elaborar suas primeiras saídas reais em grupos
sociais fora do âmbito familiar. Nas fases anteriores, a criança era sempre mediada por um
adulto em suas relações sociais. Poucas eram as conquistas reais efetuadas. Elas não tinham
acesso a grupos sociais com suas regras próprias, por isso as dificuldades e os conflitos
não eram resolvidos sozinhos pelo grupo de crianças.

Com a entrada na escola, isso muda radicalmente. Os grupos de amigos começam a se


formar efetivamente. No começo, esses grupos, influenciados pela dissolução do Complexo
de Édipo são compostos quase que exclusivamente por meninos ou por meninas. Em um
segundo momento, os grupos começam a se constituir mais por afinidade do que por
gênero, marcando, inclusive, o final do período de latência, na entrada da adolescência.

Uma vez constituído o próprio grupo, o conflito pelo poder e pela liderança é estabelecido.
Demostrações de força, inteligência e coragem começam a surgir, chegando, às vezes, a
níveis de crueldade. Cada membro do grupo buscará stentar suas melhores habilidades em
detrimento das qualidades dos outros. Não raro, observamos episódios de agressividade
e segregação. Porém, em um grupo sadio, tudo isso acontecerá, mas, no fim, prevalecerá
o espírito de união, camaradagem, proteção daqueles que eles julgam mais frágeis e de
perseverança em busca de objetivos únicos.

A fomação de um grupo de crianças também tem como objetivo a criação de uma fortaleza
contra os adultos. Este é o momento em que o sujeito busca se afastar de seu núcleo familiar, na
tentativa de construir a sua própria identidade. É perceptível que muitos dos comportamentos
de bravura e enfrentamento são a tentativa de confrontar as regras de proteção impostas pelos
pais. Mas, para aquela criança com um desenvolvimento tido como normal, apesar de todo
o esforço e tentativa de camuflagem, os valores parentais sempre prevalecerão.

Com a entrada na puberdade, a sexualidade, que permaneceu reprimida durante todo o


período de latência, ressurge, dando início à fase genital.

Fase genital
Figura 16. Fase Genital.

Fonte: <http://psicoaulas.blogspot.com/p/freud.html>. Acesso em: 19/4/2019.

48
Freud e a Psicanálise • CAPÍTULO 3

Durante as fases anteriores, o sujeito aprendeu a amar e a competir. Discriminou seu


papel sexual e desenvolveu sua socialização e seu intelecto. Agora, ele entra no período
das realizações. Certa vez, quando questionado sobre como definiria o adulto tido como
normal, Freud respondeu que o homem é aquele capaz de amar e trabalhar. Alcançar
a fase genital, para a psicanálise, significa atingir o pleno desenvolvimento do adulto
normal.

Esse estágio do desenvolvimento psicossocial se inicia com o começo da puberdade


(11/12 anos) e termina com a aquisição a fase adulta. Nesse estágio, o sujeito busca
o objeto sexual fora de si, almejando satisfazer suas pulsões sexuais com alguém do
sexo oposto.

A puberdade é um momento em que toda a fisiologia do sujeito se altera. É essa mudança


abrupta e profunda endócrino-hormonal que permite uma abertura fisiológica de
canalização da libido.

Como vimos anteriormente, cada fase do desenvolvimento é marcada pela fixação da


libido em um objeto de prazer. À medida que o sujeito alcança satisfação nesse objeto,
a libido se afasta, buscando satisfação no objeto da nova fase que se aproxima. Assim, a
libido que primeiramente investiu no seio, ou, para ser mais precisa, na representação
psíquica do seio (fase oral), se instala depois nas fezes (fase anal), e ainda mais tarde
no pênis (fase fálica).

Essa nova composição acaba por personificar o modo de ser do sujeito, assim como
suas relações específicas com o próprio corpo e, qualitativamente, suas interações
relacionais sociais. Dessa forma, o sujeito supera o autoerotismo das fases anteriores,
redirecionando sua energia libidinal a um objeto externo, ou seja, a outro indivíduo.

Alcançando integralmente seu desenvolvimento psicossexual, o sujeito é capaz de amar e


trabalhar. Essa é a configuração subjetiva apropriada do sujeito social. Ele surge da adaptação
biológica, psicológica, intelectual e socialmente desenvolvidos a partir das experiências,
vivências e interdições do mundo, sentidas por aquele sujeito único.

Finalizamos afirmando que um adulto desenvolvido psicossexualmente é aquele que tem


seu papel sexual determinado, capaz de compartilhar afeto, competente para produzir, com
vínculos emocionais e sexuais maduros, expressivos, relevantes e perenes, com o objetivo de
procriar e, assim, perpetuar sua biogenética subjetiva.

49
CAPÍTULO 3 • Freud e a Psicanálise

Importante

Nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud fala sobre a fase genital:

“A diferença desta última reside apenas em que a concentração das pulsões


parciais e sua subordinação ao primado da genitália não são conseguidas na
infância, ou só o são de maneira muito incompleta. Assim, o estabelecimento
desse primado a serviço da reprodução é a última fase por que passa a
organização sexual.” (FREUD, 1905, p. 233)

Sintetizando

Vimos até agora:

» O revolucionário conceito de Inconsciente e de Consciente.

» As instâncias psíquicas – Ego, Id e Superego – e os conceitos de pulsão e libido.

» A teoria do desenvolvimento psicossexual e suas fases: oral, anal, fálica, período de latência e genital.

A teoria do desenvolvimento que nos ajuda a compreender sobre o vínculo com a aprendizagem de cada sujeito.

50
CAPÍTULO
JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA
GENÉTICA 4
Introdução do Capítulo

Neste capítulo, conheceremos um pouco da história de Jean Piaget, uma das principais
influências no pensamento da Psicologia do século XX, possibilitando-nos refletir sobre o
próprio processo de construção do conhecimento, que culminou na Epistemologia Genética.
Abordaremos conceitos importantes para entendermos a teoria do desenvolvimento, como
inteligência, hereditariedade, adaptação e esquemas, bem como a teoria da equilibração
e refletiremos sobre os estágios de desenvolvimento humano.

Objetivos
» Ampliar a compreensão sobre o desenvolvimento humano na perspectiva da
Epistemologia Genética.
» Conhecer sobre o processo de aprendizagem.
» Identificar, reconhecer e compreender as etapas de desenvolvimento lógico do
nascimento até a idade adulta.
» Promover estratégias adequadas a cada fase da criança para seu desenvolvimento
e aprendizagem.

Conhecendo sua historia


Figura 17. Jean Piaget.

Fonte: <http://mtmmrl.pbworks.com/w/page/25818078/Piaget>. Acesso em: 8/5/2019.

51
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

Quem nunca ouviu falar de Piaget e de sua teoria do desenvolvimento humano, não é
mesmo? Em todo este material, reforço a importância de entendermos o sujeito único, em
todas as suas dimensões, para compreendermos como se dá o processo de aprendizagem
em determinado indivíduo em particular. Sendo assim, que tal voltarmos nosso olhar para
o processo que levou Piaget a desenvolver a sua teoria?

A vida que precisa ser sonhada parece ter estado, desde muito cedo, na certeza de Jean
Piaget. Sonhada e realizada. Nascido em 1896, na Suíça, o precoce investigador, que aos
7 anos já revelava o desejo de saber, passaria grande parte dos 84 anos de sua existência
mergulhado em estudos sobre a inteligência do homem. Considerado uma das principais
influências no pensamento da Psicologia do século XX, ele criou um arcabouço teórico
complexo e consistente, que ficou registrado em 70 livros e inúmeros artigos. Frutos
esses, em grande parte, das investigações clínicas de Piaget, que aprimorou um método de
entrevistas, inspirado na Psiquiatria, para utilizá-lo com crianças e buscar compreender
seu objeto de estudo.

Desde a tenra infância, Piaget já se interessava em assuntos relativos à biologia. Seu


interesse foi crescendo à medida que se desenvolvia. Durante a adolescência, expandiu
seu interesse em estudar assuntos da área de Filosofia, Religião, Biologia, Sociologia
e Psicologia. Começou a esboçar algumas ideias que já indicavam o aparecimento de
conceitos teóricos que iria desenvolver mais tarde, na fase adulta.

Atenção

Neste período, desenvolveu a convicção de que tanto as ações externas, como os processos do pensamento, admitem
organizações lógicas e que essas surgem de uma espécie de organização dos atos.

Foi após concluir seu doutorado em Ciências Naturais, em 1918, que Piaget buscou
conhecer mais profundamente, através de estudos e experiências, o campo da psicologia.
Fez cursos na Sorbonne e observou práticas em uma clínica psiquiátrica. A partir daí,
desenvolveu o que chamou de “método clínico”, característico de seu trabalho.

Convidado por uma colega, trabalhou em um laboratório na padronização do teste de


raciocínio de Burt em crianças. A Piaget não interessavam muito os aspectos normativos
e psicométricos do teste, mas os processos mediante os quais a criança chegava às suas
respostas, sobretudo, fascinavam-lhe as respostas incorretas. Assim, iniciou seus estudos
de desenvolvimento infantil, cujo principal objetivo era a obtenção de dados para uma
epistemologia sistemática e ampla, que lhe daria notoriedade nos anos seguintes.

Na década de 1920, Piaget começou a estudar a teoria freudiana. Interessou-se, sobretudo,


pela concepção psicanalítica do funcionamento cognitivo como oposto ao afetivo. Buscou

52
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

a relação entre a estrutura do pensamento inconsciente adulto com o pensamento


consciente do adulto e da criança. Também aproveitou a teoria psicanalítica para
interpretar alguns mitos infantis, quando estudou o artificialismo no pensamento da
criança, na fase egocêntrica, que conheceremos mais adiante. Contudo, divergiu em
muitos pontos com o que Freud pregava, abandonando tal teoria mais adiante.

Para refletir

Certa vez, ao levar para minha terapia a angústia que eu vivia com algumas discordâncias na teoria psicanalítica, que
me levavam a buscar novos referencias teóricos para minha prática profissional, minha analista disse uma frase que
me marcou: “Uma vez conhecedor da psicanálise, para sempre seu olhar para o outro carregará essa marca.”

Entender o funcionamento do inconsciente e sua influência na forma de agir e pensar de cada sujeito, de fato,
muda nossa visão e, nossa perspectiva sobre a pessoa. Sendo assim, acredito que, mesmo abandonando a teoria
psicanalítica, Piaget nunca poderia abandonar seu “olhar psicanalítico” em suas teorias.

Entre 1940 e 1950, em colaboração com sua esposa, novos progressos na investigação de
Piaget aconteceram a partir de uma série de estudos feitos na observação detalhada da
conduta espontânea de seus próprios filhos. Tais observações foram fundamentais na coleta
dos dados necessários sobre os fundamentos do desenvolvimento cognitivo a e organização
das fases do desenvolvimento humano. Foi a partir desse estudo que Piaget realizou sua
pesquisa sobre as propriedades estruturais do pensamento.

Piaget utilizava um método de conversação livre com a criança sobre um tema específico,
pedindo que ela justificasse sua resposta, explicando o porquê de seu pensamento. Tal
método foi empregado exaustivamente por ele e seus colaboradores, juntamente com a
pura observação. Entretanto, ao contrário da psiquiatria, que tem como alvo de estudo a
psicopatologia, ou da psicanálise, que traz luz sobre os processos inconscientes, Piaget,
desde cedo, faz uma opção clara e coerente: “.... preferindo sempre o estudo dos casos
normais e do funcionamento do intelecto ao das malícias do inconsciente” (PIAGET apud
DOLLE, 2000. p. 146).

Quando paramos para pensar em toda a trajetória de Piaget, podemos dividir seus
estudos em três grandes categorias. A primeira, investiga espaço, tempo, probabilidade,
movimento etc. Publicou alguns livros, com seus colaboradores, sobre o emprego de tarefas
quantitativas (constância de massa, peso e volume), como instrumento de diagnóstico
destinado a provar a capacidade de pessoas com deficiência intelectual. Também foi a
partir desses estudos que dissertou sobre o raciocínio adolescente, em que é feita uma
análise teórica completa das operações concretas, formais e da relação entre as duas.

53
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

A segunda grande categoria de estudo refere-se à pesquisa sobre a percepção. Essa


pesquisa foi mais bem fundamentada teoricamente do que aquela que tratava do
desenvolvimento intelectual, pesquisada na primeira categoria. Cabe ressaltar que, até
hoje, essa categoria continua sendo pesquisada, explorada e desenvolvida.

A terceira categoria refere - se ao estudo sistemático, teórico e experimental dos


problemas de epistemologia genética que, já em 1950, contava com três volumes
publicados sobre o tema. Em 1955, Piaget fundou, em Genebra, o Centro Internacional
de Epistemologia Genética, com a proposta de estudar problemas de natureza
genético-epistemológica. Assim, nasce sua teoria, que veremos a seguir.

Conhecendo sua teoria

Epistemologia genética

Na busca pelo conhecimento, Piaget criou e se dedicou ao que denominou de Epistemologia


Genética. A Epistemologia é um ramo da Filosofia que se dedica a investigar o que é o
conhecimento.

Saiba mais

Epistemologia vem do grego ἐπιστήμη [episteme] – conhecimento, ciência; λόγος [logos] – estudo de, ou seja, estudo
do conhecimento.

Porém, Piaget visava a responder a uma pergunta muito mais empírica. Ele quis ir para além
das hipóteses da esfera do pensamento, tão caras à Filosofia, e que tornam a epistemologia,
ainda hoje, muitas vezes objeto de especulação pura. Piaget situou sua obra no campo da
experiência científica. Ao falar de GENÉTICA, foge do sentido usual desse termo e põe em
foco a gênese e a evolução do conhecimento. Sua maior preocupação, objeto de estudo, era
o sujeito epistêmico, ou seja, aprofundou- se no estudo dos processos de pensamento que
acompanham o sujeito desde a infância até a velhice.

Falava sobre a necessidade de conhecimento, característico dos Homens. Este foi


o diferencial de sua teoria. Correntes teóricas, que também dissertavam sobre o
desenvolvimento humano, tais como a Psicanálise e o Behaviorismo, não abordavam a
necessidade de conhecimento como inerente ao ser humano.

Ele nos ensina que não há conhecimento predeterminado, nem na estrutura do sujeito,
nem nas características preexistentes do objeto, já que o conhecimento é adquirido da
interação entre sujeito e objeto.

54
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

Importante

Conceito de Interacionismo Piagetiano: é no contexto de uma interação entre o sujeito e o objeto que se situa a
problemática, que se constrói um conhecimento.

As principais perguntas que acompanharam Piaget, ao longo de seus estudos, e que ele tentou
responder foram:

» Como se formam nossos conhecimentos?

» Como os homens, sozinhos ou em conjunto, aumentam o conhecimento?

» Por quais etapas?

Uma vez que as crianças são seres que essencialmente constroem conhecimento, Piaget contou
com elas para a sua investigação. Através da criança, mostrou que o ser humano está em um
processo ativo e contínuo de interações, buscando explicar quais os mecanismos mentais que
o sujeito utiliza em todas as etapas de seu desenvolvimento para construir seu conhecimento.
Para Piaget, a adaptação à realidade externa depende basicamente do conhecimento

Sugestão de estudo

Quer saber mais sobre a obra de Jean Piaget? Acesse: Vídeo: Coleção Grandes Educadores – Jean Piaget, em: <https://
www.youtube.com/watch?v=rRLukE2HGzA>.

Inteligência e a teoria da equilibração

Não podemos, contudo, falar em construção do conhecimento sem compreendermos


o que Piaget entendeu por inteligência. Esta foi definida por ele, segundo De La Taille,
enquanto função e estrutura. Desse modo, os processos de inteligência têm por finalidade
a ADAPTAÇÃO, permitindo a conservação e a sobrevivência: “(...) há adaptação quando
o organismo se transforma em função do meio, e que essa variação tem por efeito um
aumento das trocas entre o meio e o organismo, favoráveis a sua conservação” (PIAGET
apud DOLLE, 2000. P. 49).

Já enquanto estrutura, a inteligência é uma organização de processos. Quanto mais complexa


for tal organização, mais superior é a inteligência. O crescimento desta não se dá de forma
linear e pelo acúmulo de informações, mas por saltos, rupturas e pela sua reorganização.
Na medida em que o sujeito reestrutura seu saber, ele supera esquemas e conhecimentos
anteriores e ruma em direção a um melhor entendimento sobre o objeto.

55
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

Hereditariedade

Será que herdamos nossa inteligência? Para Piaget, o sujeito herda estruturas biológicas,
sensoriais e neurológicas, mas não inteligência. Essas estruturas herdadas, que amadurecem
em contato com o meio ambiente, resultarão em estruturas cognitivas que funcionarão
por toda a vida do sujeito de maneira semelhante.

Paremos, agora, para pensar o que entendemos por “meio ambiente”. O meio ambiente
abarca aspectos físicos, como o local onde você mora – casa, bairro, cidade e país – por
exemplo. Contudo, ele é constituído, também, por aspectos sociais, como comportamentos,
conceitos e valores.

Sendo assim, a criança precisará desenvolver sua inteligência para solucionar uma variedade
de situações, para viver em um determinado ambiente social. Pensemos, por exemplo, se uma
criança que nasce na Noruega precisará desenvolver as mesmas habilidades e competências
de uma criança no Congo. Aquela que nasceu em uma família de artistas desenvolverá as
mesmas habilidades que outra nascida em uma família de corredores de carros?

A inteligência, portanto, não é herdada e sim construída e pressupõe uma mudança de


qualidade, ao longo de toda a vida, passando por estágios. Estágios esses que, aliás, não podem
ser pulados e que guardam – cada um em seu tempo – conceitos/ características universais,
distinguindo-os e conferindo-lhes a identidade de cada etapa e que são fundamentais para
a seguinte. Não obstante falaremos de tais estágios mais adiante. Por ora, vamos mergulhar
um pouco mais em como se dá o processo de construção do conhecimento. Para isso, é
fundamental considerarmos três importantes conceitos da obra piagetiana: ASSIMILAÇÃO,
ACOMODAÇÃO e EQUILIBRAÇÂO.

Teoria do esquema equilibração

O termo “assimilação” – com toda a sua fundamentação – foi extraído da Biologia. Mas o que
é assimilar? Em contato com um objeto de conhecimento, o homem extrai dele informações,
incorporando-as a partir da e à estrutura preexistente: “(...) em todos os casos a adaptação
intelectual comporta um elemento de assimilação, isto é, de estruturação por incorporação
da realidade externa a formas devidas à atividade do sujeito” (PIAGET apud DOLLE, 2000, p.
59). Ou seja, assimilar é criar sentido, tendo como ponto de partida os conceitos formados
anteriormente por aquele sujeito específico, tornando seus alguns elementos do mundo. Isso
faz com que as coisas nunca sejam conhecidas em si mesmas, mas a partir do que aquele
sujeito assimila delas. Nesse processo, informações ficam para trás em detrimento de outras
mais complexas.

56
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

Ora, a assimilação não pode ser pensada dissociada da Acomodação. Afinal, é preciso que
o sujeito modifique suas estruturas mentais, reorganizando-as (acomodando-as) para
açambarcar a singularidade do objeto.

A Equilibração é justamente a estabilidade mental alcançada, quando aquilo do objeto


que havia escapado à organização e provocado desequilíbrio se acomoda. Assim, a
adaptação intelectual é o “(...) equilíbrio progressivo entre um mecanismo assimilador e
uma acomodação complementar”, e a “(...) adaptação só se completa quando chega a um
sistema estável, isto é, quando há equilíbrio entre a assimilação e a acomodação” (DOLLE,
2000, p. 59).

Importante

Dessa forma, a construção da inteligência se dá de modo dinâmico por um processo de desequilíbrio e equilibração
presente ao longo de toda a vida do sujeito.

Figura 18. Teoria da Equilibração.

Fonte: <https://piagetvygostky.wordpress.com/category/jean-piaget/>. Acesso em: 15/4/2019.

Agora, que já entendemos os conceitos de inteligência, assimilação, acomodação e


equilibração, podemos voltar aos estágios do desenvolvimento da inteligência listados
por Piaget. Esses dizem respeito a diferentes lógicas de pensamento, que são superadas
radicalmente pela posterior em direção a uma inteligência sempre superior. Esses estágios
são conhecidos como:

» Sensório-motor (0-24 meses).

» Pré-operatório (2-7 anos).

57
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

» Operatório Concreto (7-12 anos).

» Operatório Formal (a partir dos 12 anos).

Estágios do desenvolvimento

Sensório – Motor – 0 a 2 anos


Figura 19 . Sensório-Motor.

Fonte: <http://psicopedagogiacuritiba.com.br/fases-desenvolvimento-infantil-parte-2-estagio-sensorio-motor/>. Acesso


em: 20/4/2019.

Antigamente, acreditava-se que um bebê não tinha inteligência, já que não tem o instrumento
da linguagem. Foi Piaget, com sua teoria, que mostrou ao mundo que crianças com idade
entre 0 e 2 anos possuem, sim, inteligência. Só que essa é sem representações, sem fala, sem
linguagem verbal. Ou seja, é uma inteligência prática, pautada na ação. Todo o conhecimento
adquirido visa ao êxito e não à verdade. Falta à criança dessa idade a função simbólica.
Assim, a construção do real se dá através da percepção e da ação. Por isso, esse estágio é
chamado de Sensório (percepção) – Motor (ação).

Há três conceitos básicos que Piaget utilizou para entendermos o processo de construção
do conhecimento nesse período:

1. OBJETO: construção da noção de objeto. Nessa fase, a criança e o objeto são uma só
coisa, indiferenciados. Outra característica importante é que para ela, a princípio, só
existe aquilo que ela vê.

2. CAUSALIDADE: construção da consciência de relações entre causa e efeito. O sujeito


já se percebe diferente do objeto, estabelecendo uma interação com ele. A causalidade
introduz-se pela atribuição de operações lógicas nos objetos, ou seja, é a percepção de
que nas interações do indivíduo com seu meio, há uma relação de causa e efeito.

3. NOÇÃO ESPACIAL: reconhecimento do objeto no espaço. No começo desse estágio, o


bebê não tem noção de espaço. Ele só percebe os objetos em 2 dimensões.

58
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

Segundo De La Taille (2003 p. 38), na obra piagetiana, “a criança nasce em um universo para ela
caótico, habitado por objetos evanescentes (que desapareceriam uma vez fora do campo da
percepção), com o tempo e o espaço subjetivamente sentidos e causalidade reduzida ao poder
das ações, em uma forma de onipotência”. No recém-nascido, portanto, as funções mentais
limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos. Assim sendo, o universo que circunda a
criança é conquistado mediante a percepção e os movimentos, como, por exemplo, na sucção
e no movimento dos olhos.

Progressivamente, ela vai aperfeiçoando tais movimentos reflexos e adquirindo habilidades.


Assim, a criança chega ao final do período sensório-motor já se concebendo dentro de um
cosmo “...com objetos, tempo, espaço, situando a si mesma como um objeto específico, agente
e paciente dos eventos que nele ocorrem” (TAILLE, 2003 p. 42).

Para o bebê recém-nascido o que é do seu corpo e o que é do meio exterior não se distinguem.
Há, nessa fase, uma onipotência infantil. Tudo gira em torno da sua própria ação. Mesmo quando
o bebê já começa a diferenciar o objeto de si, ainda demora a entender que as coisas são regidas
por normas e regras próprias. Para a criança, as coisas acontecem como num passe de mágica
e sempre atreladas a ela. Ainda não há a noção de causalidade.

Outra característica importante dessa fase da vida é que não há construção do objeto
permanente. Para o bebê, tal permanência é estabelecida apenas enquanto a ação está em
curso.

Tendo certos padrões prontos ao nascer (reflexo de sucção, preensão...) e pequena


plasticidade em termos de adaptação ao meio, predominará a repetição dos comportamentos
que possui. Essa repetição vai cedendo lugar à invenção e criação de formas novas de
adaptação. O bebê começa a repetir resultados interessantes, descobertos por obra do
acaso – chamado de reação circular. A seguir, estende essa reação ao meio externo. Dessa
forma, torna-se consciente dos eventos do mundo ao seu redor e procura produzir o mesmo
efeito sobre ele, aprimorando os movimentos numa aprendizagem por tentativa e erro.
Esse período marca a atividade propriamente inteligente, ainda que incompleta por não
haver intencionalidade.

O período entre 08 e 12 meses é de extrema importância no desenvolvimento da


inteligência do bebê. Ele irá construir conceitos importantes como: dissociação entre
meios e fins, mobilidade dos esquemas e intencionalidade do comportamento.

A partir dos 12 meses, o bebê não se satisfaz mais com a repetição do comportamento
original, mas experimenta variações. Buscar novidades é a marca desse período. A criança
inventa novas formas de ação para atingir um objetivo almejado. São comuns, por exemplo,
comportamentos como deixar cair inúmeras vezes o brinquedo no chão, saboreando novas
formas de jogá-lo para descobrir flutuações nos resultados. Também é nessa fase que a

59
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

criança começa a construir o conceito de objeto permanente. Mesmo sem vê-lo, ela sabe que
o objeto existe e passa a procurá-lo. Agora, ela está preparada para entrar numa nova fase.

Pré – Operatório - 2 a 7 anos


Figura 20. Pensamento Pré-Operatório.

Fonte: Elaboração própria da autora.

Para Piaget, o que marca a passagem do período sensório-motor para o pré-operatório


é o aparecimento da função simbólica, com a emergência da linguagem. Neste estágio,
a criança não depende mais unicamente de suas sensações, de seus movimentos. Ela já
distingue uma imagem, palavra ou símbolo daquilo que ele significa (o objeto ausente).
Exemplos de funções simbólicas nesse estágio são a imitação diferida, o desenhar e o
jogo simbólico.

Saiba mais

Imitação diferida é a repetição de um comportamento atrasado em um momento posterior ao que ele realmente
ocorreu. Este fenômeno foi descrito pela primeira vez pelo psicólogo Jean Piaget que observou que essa
capacidade surgiu em crianças com idades entre 18 e 24 meses. Bebês e crianças muito jovens são incapazes
de manter memórias de comportamentos e recuperá-las mais tarde. Crianças, eventualmente, desenvolvem a
capacidade de representar mentalmente o comportamento em sua mente e repeti-lo.

Exemplos de Imitação Diferida:

» Quando a criança pega as panelas de casa e imita, dizendo que está fazendo comida.

» Quando a criança em idade pré-escolar imita a professora, dando aula para suas bonecas.

60
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

Também conhecido como o estágio da representação, nele a criança é capaz de pensar


um objeto através de outro objeto. Assim sendo, cada vez que nomeia um objeto,
ela consegue evocar uma imagem correspondente. O pensamento está dominado
pela representação imagística de caráter simbólico. A criança trata as imagens como
verdadeiras substitutas do objeto e pensa, efetuando relações entre elas.

É nesse período que percebe sua imagem refletida no espelho. Ela sabe que aquela imagem
não é outra criança e que, tampouco, é ela. Contudo, as representações ainda não são
coerentes. O mundo não se distribui em categorias lógicas, mas em elementos particulares,
individuais, em relação com a sua experiência pessoal (egocentrismo intelectual).

A criança não sabe pensar a generalidade. Está encerrada na particularidade. Quando fala,
vê o que enuncia tão fortemente que sua linguagem é mais alusiva que informativa. É como
se o adulto pudesse ver como ela o que ela evoca. Meninos e meninas, aqui, constroem
o mundo a partir de si mesmos. Por isso, essa fase é tão fantasiosa. Aquilo que a criança
sente e vê é realidade. Podemos afirmar que não há conceitos, e sim, pré-conceitos, uma
vez que a criança evoca realidades particulares.

Resumindo, a criança deste estágio é egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se


colocar, abstratamente, no lugar do outro. Não aceita a ideia do acaso e tudo deve ter uma
explicação. Já pode agir por simulação, “como se”. Possui percepção global sem discriminar
detalhes e deixa-se levar pela aparência sem relacionar fatos.

O raciocínio infantil não é nem dedutivo nem indutivo, mas transdutivo, indo do público
ao particular. O juízo não é lógico, porque está centrado no sujeito, em suas experiências
passadas e nas relações subjetivas que estabelece em função das mesmas.

Os desejos, as motivações e todas as características conscientes, morais e afetivas são


atribuídas às coisas (animismo). A criança pensa, por exemplo, que o cão late porque
está com saudades da mãe. Por outro lado, para as crianças até os seis anos de idade, os
processos psicológicos internos têm realidade física: ela acha que os pensamentos estão na
boca ou os sonhos estão no quarto. Dessa confusão entre o real e o irreal surge a explicação
artificialista, segundo a qual, se as coisas existem é porque alguém as criou.

Assim, apesar de a criança desse estágio trabalhar com representações, ainda não tem
capacidade de organizá-las de maneira coerente. Essas lacunas e dificuldades serão
superadas, justamente, no estágio posterior.

61
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

Operatório Concreto – 7 a 12 anos


Figura 21. Pensamento Operatório Concreto.

Fonte: <http://psicopedagogiacuritiba.com.br/fases-desenvolvimento-infantil-parte-4-estagio-operatorio-concreto/>.
Acesso em: 20/4/2019.

No estágio operatório concreto, o pensamento da criança vai, aos poucos, deixando de


ser simbólico e passando a ser mais lógico. A percepção, tão forte no estágio anterior,
vai perdendo espaço para a razão. O egocentrismo dá lugar à socialização. A criança
desenvolve características como centração, compreensão das transformações, reversibilidade,
classificação, seriação e conservação.

O declínio do egocentrismo e o aumento da socialização se dá tanto em relação ao


pensamento quanto à linguagem. No primeiro caso, enquanto a criança pré-operatória é
incapaz de assumir os pontos de vista dos outros e não tem necessidade de buscar validação
para seus próprios pensamentos, a operatória concreta compreende que as outras pessoas
podem chegar a conclusões diferentes das suas e, como consequência, está preparada para
perceber a necessidade de validação dos seus pensamentos. No segundo caso, pode-se
dizer que o uso da linguagem se torna mais comunicativo quanto à função. Os conceitos
são verificados ou negados através das trocas de “argumentações” com os outros, na
interação social. Praticamente não se veem mais os monólogos coletivos, característicos
da fala infantil antes dos 6 ou 7 anos. As crianças trocam informações em suas conversas
e aprendem a ver os eventos da perspectiva dos outros.

Outra característica do estágio operatório concreto é a descentração. Enquanto, no estágio


anterior, a criança tende a centrar ou fixar sua atenção sobre os aspectos perceptivos do
objeto, nesse estágio, ela é capaz de descentrar o enfoque visual, avaliando os eventos
perceptivos de forma coordenada com os conhecimentos. Por exemplo, ao comparar duas
fileiras de objetos semelhantes, uma com nove objetos e a outra, mais longa, com apenas
sete (porém, mais distantes um do outro), a criança pré-operatória tende a identificar a
fileira perceptivelmente maior como tendo “mais” objetos. Já a criança operatória concreta

62
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

compreende que a fileira perceptivelmente maior tem menos objetos porque sabe que sete
é menos que nove. Desse modo, ela aplica seu raciocínio lógico ao problema concreto.

A capacidade de compreender transformações também é característica do estágio


operatório concreto. Se antes a criança era incapaz de enfocar ou coordenar os vários
passos de uma transformação, percebendo-os como independentes uns dos outros,
agora ela compreende as relações entre os passos sucessivos. Por exemplo, a criança
pré-operatória não entende como a chuva cai, enquanto a operatória concreta consegue
compreender que o sol evapora a água do oceano, que condensa ao chegar nas camadas
mais frias da atmosfera, formando gotículas de água que se acumulam e se precipitam,
ou caem em forma de chuva.

O raciocínio transformacional também se faz presente na avaliação dos sentimentos. Assim,


as crianças deste estágio adquirem a capacidade de compreender as razões das mudanças
ou transformações nos estados afetivos dos outros, como por exemplo, da alegria à tristeza,
ou vice-versa.

O estágio operatório concreto é marcado, ainda, pela reversibilidade, ou seja, a capacidade


da representação de uma ação no sentido inverso a uma anterior, anulando a transformação
observada. A criança deste estágio consegue, então, compreender, por exemplo, que se do
RJ a SP a distância é de 400 km, a mesma distância é percorrida de SP ao RJ, ou seja, no
caminho inverso.

As construções lógicas fundamentais do estágio operatório concreto são:

» Classificação: o agrupamento mental de objetos de acordo com as semelhanças (animais,


pessoas, objetos etc.).

» Seriação: ordenação de acordo com as diferenças (tamanho, altura, distância, peso etc.).

» Conservação: conservação (de substância, área ou volume) é a capacidade de perceber


que, apesar das variações de forma ou arranjo espacial, uma quantidade ou valor não
varia se dele não se retira ou adiciona algo. Por exemplo, um saco com 1kg de penas
e um saco com 1kg de pedras têm o mesmo peso. A criança pré-operatória entenderá
que a pedra é mais pesada do que a pena e, por isso, o saco de pedras é mais pesado. Já
a criança operatória concreta percebe que, apesar da pedra ser mais pesada do que a
pena, ambos os sacos têm o mesmo peso, ou seja, 1kg.

Como podemos perceber, são muitas as conquistas adquiridas pela criança no estágio
operatório concreto, uma vez que ela descentra suas percepções e acompanha as
transformações, alcança a reversibilidade das operações mentais e passa a ser cada vez
mais social e menos egocêntrica, tanto no pensamento quanto na linguagem. A qualidade

63
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

do pensamento operatório concreto ultrapassa a do pensamento pré-operatório, surgindo


os esquemas para operações lógicas de seriação e classificação.

Embora, neste estágio, a criança desenvolva operações lógicas, estas têm emprego apenas
na solução de problemas que envolvam objetos e fatos concretos (reais, observáveis) no
presente imediato. Em geral, a criança ainda não pode aplicar a lógica a problemas hipotéticos,
puramente verbais ou abstratos. Além disso, também não consegue raciocinar corretamente
sobre problemas concretos que envolvam muitas variáveis.

O estágio operatório concreto pode ser entendido como um período de transição entre o
pensamento pré-lógico (pré-operatório) e a capacidade de pensamento totalmente lógico,
própria das crianças mais velhas, que atingiram as operações formais.

Operatório Formal - 12 anos em diante


Figura 22. Operatório Formal.

Fonte: <http://noticias.universia.com.br/educacao/noticia/2016/5/12/1139398/universidades-90-dias-criar-cotas-pos-
graduacao.html>. Acesso em: 20/4/2019.

Nesse estágio, a criança constrói o tipo de raciocínio e a lógica que possibilitam a solução de
todos os tipos de problemas. O pensamento se liberta da experiência direta e as estruturas
cognitivas da criança adquirem maturidade.

Do ponto de vista funcional, o pensamento concreto e o formal são semelhantes, uma


vez que ambos empregam a lógica. Porém, o pensamento concreto limita-se à solução
de problemas concretos palpáveis, conhecidos no presente, enquanto o formal lida com
problemas hipotéticos e problemas proposicionais verbais, ligados ao presente, passado
ou futuro. A criança operatória formal torna-se, ainda, capaz de introspecção e está apta
a pensar sobre seus próprios pensamentos e sentimentos como se fossem objetos.

As principais estruturas desenvolvidas no estágio operatório formal são: o raciocínio


hipotético-dedutivo, o raciocínio científico-indutivo e a abstração reflexiva.

64
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

O raciocínio hipotético vai além da percepção e da memória e lida com objetos dos quais
não temos conhecimento direto, ou seja, objetos hipotéticos. O dedutivo é aquele que vai das
premissas à conclusão, ou do geral para o específico. O raciocínio hipotético-dedutivo é o
que implica deduzir conclusões de premissas que são hipóteses em vez de deduzir fatos que
o sujeito tenha realmente verificado

São características deste tipo de raciocínio: (1) a capacidade de raciocinar sobre hipóteses
verdadeiras chegando a conclusões lógicas e (2) a capacidade de raciocinar sobre hipóteses
não verdadeiras chegando a conclusões lógicas. No primeiro caso, temos como exemplo
a seguinte afirmação: “Maria é menor que João e João é menor que Carlos”. A criança
operatória formal consegue concluir logicamente que Maria é menor que Carlos. Já a
criança operatória concreta não consegue resolver esse problema. No segundo caso, a partir
da frase “Suponha que o carvão é branco”, a criança operatória concreta diz que o carvão
é preto e que a questão não pode ser respondida, enquanto a criança operatória formal
aceita a hipótese de o carvão ser branco e aplica o raciocínio lógico sobre o argumento.

O raciocínio científico-indutivo é aquele comumente empregado pelos cientistas. É


indutivo na medida em que vai dos fatos específicos às conclusões gerais. Uma importante
característica desse tipo de raciocínio é a capacidade de pensar sobre certo número de
variáveis diferentes ao mesmo tempo. Por exemplo, num jogo de xadrez, a criança operatória
formal é capaz de prever jogadas, trabalhar com hipóteses e estratégias, a fim de ganhar
o jogo. Ou seja, ela pensa nas diferentes combinações de um conjunto de variáveis, o que
Piaget chamou de raciocínio combinatório. A criança operatória concreta, por sua vez, só
consegue raciocinar sobre problemas com uma única variável ou aqueles que ela pode
resolver através da observação.

A abstração reflexiva diz respeito ao pensamento interno ou reflexão baseada no


conhecimento disponível. É muito comum em analogias. Por exemplo, em “cachorro
está para pelo assim como pássaro está para penas”, há quatro membros na analogia:
cachorro, pássaro, pelo e penas. O núcleo é a relação entre cachorro-pelo e pássaro-penas.
A relação não é observável e só se dá pela reflexão, ou seja, pela abstração reflexiva. Esta
ultrapassa o observável e resulta em reorganização mental. Implica sempre em uma
abstração de um nível mais elementar para um nível mais alto.

É importante ressaltar que as capacidades cognitivas do adolescente com as operações


formais já consolidadas são qualitativamente iguais às do adulto. Os adolescentes podem
raciocinar de forma tão lógica quanto os adultos, embora estes, por terem mais experiência,
possam ser mais hábeis em raciocinar sobre mais coisas do que os adolescentes. Nem
todos os adolescentes e adultos desenvolvem as operações formais completamente, mas,
de acordo com Piaget, todas as pessoas normais têm o potencial para desenvolvê-las.

65
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

Desenvolvimento afetivo nos diferentes estágios

No capítulo anterior, vimos como se dá o desenvolvimento na dimensão cognitiva do ser.


Mas, como já discutimos aqui, não e só do desenvolvimento cognitivo que se constrói a
aprendizagem. Ou seja, sempre que pensamos a aprendizagem, há de se pensar na dimensão
cognitiva, relacional, e afetiva daquele que aprende. Assim como o desenvolvimento
cognitivo, o desenvolvimento afetivo é construído e amadurece a cada estágio.

Os primeiros sentimentos sociais bem definidos surgem durante o desenvolvimento


pré-operacional. As crianças mais novas mostram afeição e têm sentimentos de
gostar e não gostar, mas a representação e a linguagem falada são fundamentais no
desenvolvimento dos sentimentos sociais.

Durante o estágio sensório-motor, as experiências e eventos passados não podem ser


reconstruídos por não serem representados pela criança. Tal representação só é construída
durante o estágio pré-operatório. Segundo Piaget:

“A representação e a linguagem permitem que os sentimentos adquiram


uma estabilidade e duração que não tinham antes. Os afetos, ao serem
representados, duram além da presença dos objetos que os provocou. Esta
capacidade para conservar os sentimentos torna possível os sentimentos
interpessoais e morais.”
(Piaget, 1981p. 75)

As crianças pré-operatórias têm potencial para interagir socialmente com os outros


enquanto iguais, mas normalmente com os adultos elas interagem como se fossem
inferiores (respeito unilateral). Os conflitos entre as crianças são superados somente
através da autêntica cooperação.

Como vimos anteriormente, no estágio operatório concreto, o raciocínio e o pensamento


adquirem mais estabilidade em relação ao pensamento pré-operatório. A capacidade para
raciocinar torna-se cada vez mais lógica e menos sujeita às influências perceptivas. A
reversibilidade do pensamento e a descentração ajudam a trazer consistência e conservação
ao raciocínio da criança. Esses fatores não influenciam apenas o desenvolvimento
cognitivo, mas também o afetivo. Nesse estágio, os afetos adquirem maior estabilidade
e consistência do que antes.

No estágio operatório concreto, emerge a conservação dos sentimentos e dos valores. As


crianças são capazes de coordenar os seus pensamentos afetivos de um evento para outro.
O pensamento afetivo agora é reversível. O passado pode ser transformado em uma parte
do raciocínio presente, através da capacidade de reverter e de conservar.

66
Jean Piaget e a Epistemologia Genética • CAPÍTULO 4

Outro avanço no desenvolvimento da afetividade no estágio operatório concreto é a


emergência dos sentimentos autônomos e, por consequência, as relações de respeito mútuo
com os adultos. Segundo Piaget,

“O conceito de autônomo ... significa que, pelo menos em parte, é possível


para a [criança] ... elaborar suas próprias normas. Após os 7 ou 8 anos,
a criança passa a ser capaz de fazer suas próprias avaliações morais,
desempenhar atos de livre vontade e exibir apreciações morais que, em
certos casos, conflitam com aquelas presentes na moralidade heterônoma
de obediência [respeito unilateral]”

(Piaget, 1981 p. 69 com adaptações acréscimo da autora)

No estágio operatório formal, o desenvolvimento afetivo é caracterizado por dois fatores


principais: o desenvolvimento dos sentimentos idealistas e a continuação da formação da
personalidade.

O pensamento do adolescente é puramente lógico. Falta-lhe uma compreensão maior de


como o mundo está organizado. Ele ainda não distingue entre o mundo lógico e o “real”.
Assim, não consegue entender, por exemplo, por que, apesar das sociedades afirmarem
que é errado matar, algumas adotam a pena de morte, outras estão constantemente em
guerra etc. Seu pensamento lógico-idealista frequentemente se manifesta na crítica à
sociedade e na elaboração de mundos ideais. Quando o adolescente se defronta com o
mundo como ele realmente é, e não como acha que deveria ser, as adaptações podem
ser realizadas, o que permite uma mudança de perspectiva lógico-egocêntrica para uma
perspectiva lógico-realista. Segundo Piaget, isso ocorre quando o adolescente entra no
mundo do trabalho.

Quanto à formação da personalidade, é na adolescência que ela se define. Piaget faz uma
distinção entre personalidade e eu. O eu começa o seu desenvolvimento no primeiro
ano de vida e se orienta para o indivíduo. Refere-se ao auto interesse e não implica em
obrigação para com os outros além do eu. Diferentemente do eu, que se dirige para o
indivíduo, a personalidade se dirige para a sociedade e para tornar-se parte dela. Refere-
se ao “papel que o indivíduo desempenha na sociedade ou ao papel que o(a) jovem se
atribui e que deseja desempenhar.” (Piaget, 1963, p.177) A personalidade é, então, um
produto do desejo e do esforço ativo para tornar-se um adulto, enquanto afirmação da
autonomia e dos valores.

67
CAPÍTULO 4 • Jean Piaget e a Epistemologia Genética

Tabela 2. Afetividade em Piaget.

ESTÁGIO AFETIVIDADE
Sensório-motor Surgem os sentimentos primitivos de gostar e não gostar.
A afetividade é investida no “eu”.
(0-2 anos)
Pré-operatório Tem início o verdadeiro comportamento social: cooperação.
Intencionalidade ausente nos julgamentos morais.
(2-7 anos)
Operatório Concreto Aparecimento da vontade e início da autonomia.
A intencionalidade é construída.
(7-11 anos)
Operatório Formal Emergência dos sentimentos idealistas e formação da personalidade.
Início da adaptação ao mundo adulto.
(11-15 anos)
Fonte: Elaboração própria da autora.

Sintetizando

Vimos até agora:

» Teoria criada por Piaget, denominada Epistemologia Genética.

» Conceitos como adaptação, acomodação e equilibração.

» A inteligência não é hereditária, e sim construída a partir dos estágios do desenvolvimento humano.

68
CAPÍTULO
LEV VYGOTSKY E A TEORIA
INTERACIONISTA 5
Introdução do Capítulo

Neste capítulo, conheceremos a obra do psicólogo Lev Vygotsky e sua Teoria Interacionista. Para
isso, refletiremos sobre o contexto histórico em que seu pensamento foi elaborado, a Revolução
Russa de 1917, entendendo o papel de destaque dado à cultura em sua teoria.

Trataremos dos processos mentais, considerados pelo autor a principal característica


da espécie humana, abordando conceitos como pensamento, inteligência, consciência
e linguagem. Conheceremos um novo conceito: Zona de Desenvolvimento Proximal.
Refletiremos, a partir desses conceitos, sobre a aprendizagem e o papel do professor na
teoria vygotskyana.

Por fim, traçaremos um paralelo entre a obra de Piaget e Vygotsky, buscando reconhecer
suas semelhanças e diferenças.

Objetivos

» Analisar o contexto histórico no qual foi elaborada a Teoria Interacionista de Lev


Vygotsky, buscando entender o papel fundamental da cultura em sua obra.

» Entender como ocorre o desenvolvimento dos processos mentais superiores, a partir


da influência do meio social em que o indivíduo está.

» Refletir sobre o papel da escola no processo de aprendizagem.

» Promover estratégias adequadas, em sala de aula, a partir da interação social.

69
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

Conhecendo sua história


Figura 23. Vygotsky.

Fonte: <https://www.firstdiscoverers.co.uk/virtual-interview-lev-vygotsky/>. Acesso em: 20/4/2019.

Lev Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896 na cidade de Orsha, na antiga União


Soviética. Foi educado, a princípio, por tutores em sua casa, indo para a educação formal
aos 15 anos de idade. Formou-se em Direito, História e Filosofia. Também estudou literatura,
medicina e psicologia, aprimorando seu conhecimento, apesar de não ter concluído alguns
desses cursos. Em direito, formou-se após apresentar um trabalho sobre Hamlet.

Saiba mais

Tão importante quanto Piaget, Vygotsky é conhecido por sua obra tanto no campo da Psicologia como no da
Educação. Contudo, poucos sabem que o eminente psicólogo bielo-russo escreveu uma das obras fundamentais da
crítica shakespeariana.

Paulo Bezerra, notório tradutor e crítico literário brasileiro, conhecido principalmente pelas traduções de diversas
obras de Fiódor Dostoiévski para a língua portuguesa, traduziu A Tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca em
1999, com acesso público (Vygoysky, Lev. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. São Paulo: Martins Fontes,
1999).

Segundo Vygotsky, Hamlet passa por um processo de transformação psicológica e existencial a partir da morte de
seu pai. Tal transformação se completa quando o filho se encontra com o fantasma, entendendo o encontro como
um segundo nascimento ou um divórcio da razão, da vida e do mundo. A partir daí, todas as coisas vislumbradas
pelo príncipe da Dinamarca passam a ser da ordem do incompreensível. Vygotsky conclui dizendo que a alma do
personagem rapta e conduz os outros personagens a um automatismo trágico de grande força magnética, capaz de
atraí-los para o fim igualmente trágico ao dele, como acontece com Ophelia, Guildenstern e Rosencrants. Aliás, o
único personagem que não morre é Horatio, que após as súplicas de Hamlet, não se suicida.

Segundo Vygotsky, ao invés de ter um efeito catártico, como acontece nas tragédias clássicas, o desfecho de Hamlet
transtorna o espectador, sem nada expurgar. Para ele, não há, propriamente, um fim nessa história. Há algo, um
“resto”, que o protagonista não revela, levando-o consigo para o túmulo. Para ele, isso faz com que todos nós,
espectadores, nascidos e cúmplices da tragédia, ao contemplá-la vejamos reproduzida em cena a culpa de havermos
nascido; a culpa de existirmos e nos identificamos com a dor desta tragédia. (Vygotsky, 1999, p. 185) E, talvez,
sejamos, TODOS, acometidos pela vontade de tomarmos o veneno que ainda sobra na taça, tal qual o personagem
Horatio.

70
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista • CAPÍTULO 5

Em 1917, Vygotsky começa a ministrar aulas de Psicologia, tendo a oportunidade de criar um


laboratório de Psicologia na Escola de Formação de Professores.

Quando nos propomos a conhecer o legado que Vygotsky nos deixou, não podemos deixar
de pensar no contexto socioemocional em que vivia, afinal, a cada capítulo deste material,
reforço a importância de pensarmos o sujeito de maneira integral, em suas dimensões
cognitiva, afetiva e relacional. É preciso, portanto, analisar a conjuntura intelectual e sócio-
política em que se encontravam nossos teóricos influenciadores.

Nascido sob o regime dos czares russos, Vygotsky acompanhou de perto, como estudante e
intelectual, os acontecimentos que levaram à revolução comunista de 1917. O período que se
seguiu foi marcado por um clima de efervescência intelectual, com a abertura de espaço para
as vanguardas artísticas e o pensamento inovador nas ciências, além de uma preocupação
em promover políticas educacionais eficazes e abrangentes.

Tanto a revolução de 1917 quanto o período que a sucede marcam de forma significativa
todo o pensamento vygotskyano. Visitou comunidades rurais, nas quais pesquisou a relação
entre nível de escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento
cognitivo.

Influenciado por Marx, Vygotsky usou a dialética para sua teoria de aprendizado, mas sua
análise da importância da esfera social no desenvolvimento intelectual era criticada por não
se basear na luta de classes, como se tornara obrigatório na produção científica soviética.

Cabe ressaltar que Vygotsky não foi um teórico do marxismo, mas um pensador marxista.
Essa sutil diferença representa um fator determinante dentro da sua configuração intelectual,
posto que o pensamento marxista representava o substrato teórico sobre o qual Vygotsky
construiu a sua psicologia, mas não os limites aos quais ela estava circunscrita.

Influenciado, também, pelo socialista Friedrich Engels, Vygotsky utiliza a tese filosófica
do materialismo histórico-dialético como ferramenta em seu modelo científico de estudo
dos fenômenos psíquicos.

71
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

Saiba mais

O materialismo dialético, teoria criada por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), é uma corrente
filosófica que utiliza o conceito de dialética para entender os processos sociais ao longo da história. A dialética é uma
forma de discurso entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto, mas
que pretendem estabelecer a verdade através de argumentos fundamentados e não simplesmente vencer um debate
ou persuadir o opositor.

A premissa básica do materialismo dialético é “O movimento é o modo de existência da matéria”. Isto quer dizer que
a história, quando é analisada como algo em movimento, torna-se transitória e, por sua vez, pode ser transformada
pelas ações humanas.

Por meio dessa relação dialética entre o ambiente, o organismo e os fenômenos físicos, os seres humanos, a cultura e
a sociedade criam o mundo, ao mesmo tempo que são modelados por ele.

Quer saber mais? Acesse: <https://www.todamateria.com.br/materialismo-dialetico/>.

Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente cultural ficou cada vez mais
limitado. Neste mesmo ano, Vygotsky começa a trabalhar no Instituto de Psicologia em
Moscou e um ano depois alguns de seus trabalhos começam a ser reconhecidos e publicados
em meios acadêmicos.

No entanto, a maior parte de sua obra, suas principais ideias, foram publicadas postumamente,
pois Vygotsky morreu aos 38 anos, vítima de tuberculose. Em 1936, dois anos após a sua
morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de Stalin e assim permaneceu
por 20 anos.
Figura 24. Lenin discursando em Moscou.

Fonte: <https://novaescola.org.br/conteudo/382/lev-vygotsky-o-teorico-do-ensino-como-processo-social>. Acesso em:


20/4/2019.

Teoria Sociointeracionista

A teoria de aprendizagem de Vygotsky dá destaque ao papel das relações sociais no


desenvolvimento intelectual. Para ele, o homem é um ser que se forma em contato
com a sociedade. Na ausência do outro, o homem não se constrói homem, ele afirma.

72
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista • CAPÍTULO 5

Sua compreensão é a de que a formação se dá na relação entre o sujeito e a sociedade


ao seu redor. Assim, o indivíduo modifica o ambiente e este o modifica de volta. Por
atribuir um papel preponderante às relações sociais, a sua teoria é conhecida como
sócioconstrutivista ou sociointeracionista.

Diferentemente de Piaget, que elaborou um sistema lógico e ordenadamente estruturado,


os trabalhos de Vygotsky não se constituem em uma teoria propriamente dita. Primeiro
porque sua obra, durante e após ser escrita, sofreu perseguição política. Segundo porque
ele morreu precocemente. Coube aos seus seguidores organizar suas ideias e princípios.
Fato é que, mesmo sem uma teoria do desenvolvimento humano que configure um sistema
explicativo completo, totalmente estruturado, sua obra alcançou seu objetivo: mostrar que
processos socioculturais estão totalmente implicados na formação dos processos mentais
superiores. Ele acredita que a partir das estruturas orgânicas, determinadas pelo processo
maturacional da espécie, novas funções mentais mais complexas se formam, a partir das
experiências sociais vividas pela criança.

Sendo assim, o ser humano é percebido como construtor da cultura e, ao mesmo


tempo, transformado por ela e, por isso, um agente de mudança social. Em relação à
aprendizagem, segue o mesmo raciocínio. Ela é um processo que parte de uma estrutura
orgânica, mas vai se estruturando de maneira mais complexa ao longo das experiências
sociais vividas.

Ele afirma, também, que o único momento em que fatores biológicos prevalecem sobre
fatores sociais é no início da vida. Depois disso, cada sujeito segue seu caminho a partir das
suas vivências, das suas relações sociais. Por isso o sujeito é único. Por isso, mesmo nascendo
da mesma mãe e do mesmo pai, por exemplo, cada irmão age de uma forma totalmente
distinta. Mesmo gêmeos univitelinos, que apresentam o mesmo DNA, não passam pelo
mesmo processo de aprendizagem. Cada um deles tem a sua própria experiência, pois as
pessoas, mesmo os gêmeos univitelinos, interagem de maneira diferente com o ambiente.
Eles entendem o mundo e se relacionam com ele, a partir do seu entendimento pessoal,
que é único.

Sugestão de estudo

Quer conhecer melhor a obra de Vygotsky? Indico:

» VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem (1989). São Paulo: Martins Fontes, 2005.

» VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores 7ª ed. –
São Paulo: Martins Fontes, 2007.

» Vygotsky, L.S. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

73
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

Processos mentais superiores

Vygotsky dedicou grande parte de seus estudos à descrição dos processos mentais
superiores, considerados por ele a principal característica da espécie humana.

Atenção

Os processos mentais superiores são: percepção, memória, linguagem e pensamento.

O estudo sobre o pensamento foi a base para a teoria de Vygotsky. Ele acreditava que
este era estimulado e transformado pelo contexto social e pela constante comunicação
que se estabelece entre a criança e uma outra pessoa. A interação da criança com outro
adulto, ou com uma criança mais experiente, estimula o processo de pensamento, por
isso a escola assume papel de destaque, como veremos a seguir.

Levando em consideração que todo o desenvolvimento humano depende de fatores


históricos e sociais, Vygotsky não podia acreditar em fases do desenvolvimento únicas
para todo tipo de pessoa. Sendo assim, a inteligência é uma habilidade adquirida e não
uma aptidão inata. Assim como o pensamento e a inteligência, a consciência também tem
sua origem no social.

Para Vygotsky, o sujeito não é apenas ativo, mais interativo por excelência, porque forma
conhecimento e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.

O processo de aprendizagem é resultado, portanto, das trocas sociais, afetivas, no dia a dia,
no trabalho, enfim, na própria vida. Formamos nossa consciência e conhecimento através
da internalização de informações, papéis e funções sociais.

A linguagem é um dos processos mentais superiores mais valorizados, já que representa a


cultura e depende do intercâmbio social. É por meio dela que interiorizamos as orientações
advindas do social. Para Vygotsky, pensamento e linguagem estão intimamente interligados.

As palavras (conceitos) são construídas durante o processo histórico e o cérebro humano


é resultado desta evolução. São os símbolos os grandes mediadores civilizatórios. E,
apesar de serem símbolos, os conceitos são internalizados de maneira não linear, ou
seja, diferente para cada pessoa.

74
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista • CAPÍTULO 5

Importante

Vygotsky introduz o conceito de internalização, dizendo ser fundamental para o desenvolvimento do funcionamento
psicológico humano. Ela envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade
interna. Tal processo pressupõe que um movimento de apropriação da realidade, que inicialmente é interpessoal, ou
seja, social, torne-se, progressivamente, intrapessoal e individual.

A cultura é a instância que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos e os esquemas


cognitivos de representação da realidade. Isso quer dizer que os símbolos – e seus significados
– e a capacidade de se apropriar deles é que nos permitem construir a nossa realidade.

Para refletir

Você já ouviu falar do complexo de vira lata, termo criado por Nelson Rodrigues? Comumente, ouvimos esse termo
para denominar o brasileiro. Ele significa que nós, os brasileiros, estamos sempre com um discurso de nos diminuir,
comparando-nos, por exemplo, a sociedades tidas como “mais civilizadas”. São alguns exemplos do discurso que
ouvimos:

» “Lá no Japão, todos limpam os estádios de futebol, após o término da partida”.

» “Brasileiro é corrupto. Quando tem a oportunidade, vai lá e se corrompe”.

Que tal pensarmos neste discurso sobre a ótica da teoria Sociointeracionista e do conceito de internalização?

Desde o descobrimento do Brasil, ouvíamos que os portugueses eram uma sociedade civilizada, disposta ao trabalho,
ao novo. Os nativos, que aqui viviam, a saber, os índios, eram vistos como preguiçosos, ruins para o trabalho. Depois
trouxeram os negros, escravizados, para o trabalho. Esses eram vistos como arredios, transgressores da ordem e dos
bons costumes.

Como se constituiu o povo brasileiro? Fomos formados por índios – preguiçosos – negros – transgressores – e pelos
portugueses libidinosos, que ousaram se relacionar com os outros povos que aqui viviam.

Durante séculos, esse estereótipo de brasileiro foi internalizado por nós! Essa é a realidade construída por todos os
brasileiros. Internalizamos esse discurso e hoje ele se tornou um fato, sem muito questionamento. Por isso, vivemos
nos diminuindo frente a outras culturas.

Nessa mesma linha de pensamento podemos refletir sobre o racismo, questões de gênero, homofobia e muitos outros
preconceitos que permeiam a nossa vida.

Para Vygotsky, a subjetividade

“(...) é constituída através das mediações sociais, dentre as quais a


linguagem é a que melhor representa a síntese entre objetividade e
subjetividade, já que o signo é ao mesmo tempo produto social que
designa a realidade objetiva, construção subjetiva compartilhada por
diferentes indivíduos e construção individual que se dá através do processo
de apropriação do significado social e atribuição de sentidos pessoais”.
Estudos sobre a História do Comportamento, 1997 p. 267)

75
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

Ainda hoje, suas ideias acerca do pensamento e da linguagem são influência no meio
acadêmico. O caráter contemporâneo das ideias de Vygotsky são:

1. A visão do ser humano e, consequentemente, do desenvolvimento humano estão


imersos em um contexto histórico.

2. A interdisciplinaridade dos processos sociais.

Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)

Já entendemos, ao longo deste capítulo, que o desenvolvimento da criança está


diretamente relacionado à sua socialização. Sendo assim, Vygotsky categorizou o
processo de desenvolvimento em três níveis:

1. Zona de desenvolvimento real: refere-se às etapas já alcançadas pela criança


e que permitem que ela solucione problemas de forma independente. Aqui,
as funções psicológicas já estão consolidadas. A criança já tem capacidade de
desempenhar a tarefa sozinha.

2. Zona de desenvolvimento potencial: é a capacidade que a criança tem de


desempenhar tarefas desde que seja ajudada por adultos ou companheiros mais
capazes. Aqui, as funções psicológicas estão em processo de amadurecimento.
A criança só poderá desempenhar tarefas com a colaboração de adultos ou
companheiros mais capazes.

3. Zona de desenvolvimento proximal: é a distância entre as zonas de


desenvolvimento real e potencial. Ou seja, é o caminho a ser percorrido até
o amadurecimento e a consolidação de funções.

Figura 25. Zona de Desenvolvimento Proximal.

Fonte: <https://www.researchgate.net/figure/Figura-3-Zona-de-Desenvolvimento-Proximal_fig3_320474614>. Acesso em:


21/4/2019.

76
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista • CAPÍTULO 5

Atenção

Conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal:


“(...) a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial determinado através da solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.”
(VYGOTSKY, 1994 p. 87).

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal demostra que o desenvolvimento do


indivíduo dependerá das trocas sociais e do suporte cultural acontecidos em um determinado
contexto histórico. Tais zonas são constituídas pela aprendizagem. Antes mesmo de
frequentar a escola, a criança desenvolve seu potencial a partir das trocas estabelecidas e
adquire conhecimento.

Quando vai para o ambiente escolar, ela se familiariza com esse mundo e sai da zona de
desenvolvimento real para, com auxílio do professor, atingir seu desenvolvimento potencial.

A noção de desenvolvimento remete a um contínuo de evolução. Assim, é como se o


indivíduo caminhasse ao longo do ciclo vital. Essa evolução nem sempre é linear e ocorre
nos aspectos afetivo, cognitivo, social e motor. O processo inclui tanto a maturação biológica
quanto as interações com o meio.

A cultura ao redor do indivíduo é uma das principais influências nesse processo. Pela
interação social, cada pessoa aprende, se desenvolve, cria formas de agir no mundo e
amplia os meios de atuar no complexo contexto que a cerca.

Aprendizagem escolar

Diante de tudo que já foi falado, podemos afirmar que os ensinamentos de Vygotsky têm
grande peso nas rupturas de construção das ideias pedagógicas. Isto porque a base de seus
estudos é a psicologia evolutiva e a perspectiva usada para concebê-los é a da função social
do professor, pois será ele o mediador da zona de desenvolvimento proximal.

Vygotsky atr ibui ao professor um impor tante papel como impulsionador do


desenvolvimento psíquico da criança. Compete ao professor observar o desenvolvimento
das zonas de desenvolvimento proximal para orientar o aprendizado do aluno, buscando
adiantar o seu desenvolvimento potencial, tornando-o real. Isto quer dizer que o
desenvolvimento mental só se realiza por intermédio do aprendizado, que é realizado
em grupo, mas a atividade cognitiva é internalizada por cada sujeito de forma diferente.

Como o contexto social é determinante no desenvolvimento cognitivo, o professor


terá que responder aos desafios impostos pela diversidade em sala de aula. Não há um

77
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

estudante igual a outro. As habilidades individuais são distintas, o que significa também
que cada criança avança em seu próprio ritmo.

À primeira vista, ter como missão lidar com tantas individualidades parece assustador. Mas
o que realmente está ao alcance do professor é uma excelente oportunidade de promover
a troca de experiências. Através da diversidade, da troca com o novo, o desconhecido, a
criança aprende novos conceitos e novas formas de agir. Vygotsky, inclusive, defendia o
convívio em sala de aula de crianças mais adiantadas com aquelas que ainda precisam de
maior apoio. Para ele, o convívio em classe de alunos mais velhos, com mais conhecimentos,
com aqueles com menor conhecimento é riquíssimo para ambos.

Frente as diferenças em sala de aula, o professor tem duas opções: olhar para trás avaliando
as deficiências do aluno e aquilo que já foi, ou não, aprendido por ele, ou olhar para frente,
tentando trazer à tona seu potencial. Muito mais importante do que avaliar a deficiência
buscando eliminar tal deficiência, a fim que ele consiga “acompanhar” os seus colegas de
turma, o professor deve estimular as diferenças, buscando transformar isso em aprendizado
para todos. Esse conceito é promissor porque sinaliza novas estratégias em sala de aula.

Depois que Vygotsky dissertou sobre o tema, a integração de crianças em diferentes níveis
de desenvolvimento passou a ser encarada como um fator determinante no processo de
aprendizado. Nessa troca de experiência proposta, o professor deixa de ser a única fonte de
saber na sala de aula. Porém, seu papel enquanto mediador continua sendo decisivo. Cabe
a ele identificar os diferentes níveis de conhecimento de seus alunos e propor, por exemplo,
grupos de trabalhos formado por todos os tipos de alunos.

A principal vantagem de promover essa mescla, na concepção vygotskyana, é que todos saem
ganhando. Por um lado, o aluno menos experiente se sente desafiado pelo que sabe mais e,
com a sua assistência, consegue realizar tarefas que não conseguiria sozinho. Por outro, o
mais experiente ganha discernimento e aperfeiçoa suas habilidades ao ajudar o colega. Além
disso, quando um aluno mais experiente ajuda aqueles com menos experiência, dá lugar para
que o professor possa investir naqueles alunos com mais dificuldades e que precisam da sua
orientação mais próxima.

Figura 26. A riqueza do grupo mediado pelo professor.

Fonte: <https://novaescola.org.br/conteudo/4911/entrevista-o-desafio-de-organizar-e-mediar-o-trabalho-em-grupo-
rachel-lotan>. Acesso em: 20/4/2019.

78
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista • CAPÍTULO 5

Provocação

Há um ponto que não pode ser negligenciado. A zona de desenvolvimento proximal tem limite, além do qual a
criança não consegue realizar tarefa alguma, nem com ajuda ou supervisão de quem quer que seja. É papel do
professor determinar o que os alunos podem fazer sozinhos ou o que devem trabalhar em grupos, avaliar quais
atividades precisam de acompanhamento e decidir quais exercícios ainda são inviáveis mesmo com assistência (por
exigir saberes prévios que ainda não estão consolidados ou acessíveis).

Porém, quando o conceito de zona de desenvolvimento proximal não é levado em conta pelo
professor, isso pode acarretar alguns problemas no desenvolver das aulas. Ao ignorar o limite
proximal, muitas propostas em sala de aula acabam colocando os alunos diante de desafios
impossíveis. Isso pode acarretar o desestímulo do grupo ou mesmo uma baixa autoestima de
alguns alunos os impossibilitando de adquirir novos conhecimentos.

Corre-se o risco também de formar grupos homogêneos ou permitir que os alunos se


organizem somente de acordo com suas afinidades. Isso traz empobrecimento nas trocas
de saberes e, consequentemente o empobrecimento da aprendizagem. É importante
aproximar alunos com diferentes níveis de ensino nas atividades em que o domínio dos
saberes seja um diferencial.

Diante de tudo que aprendemos neste capítulo, podemos afirmar que o aluno não é somente o
sujeito da aprendizagem. Ele é o sujeito que aprende a partir da troca com o outro, a partir do
que o seu grupo social produz, como valores, linguagem e o próprio conhecimento.

Vygotsky e Piaget

Tanto Piaget quanto Vygotsky são pessoas notórias quando falamos de psicologia do
desenvolvimento. Suas teorias influenciaram acadêmicos e profissionais da educação e
psicologia, desde os clássicos até os modernos. Graças aos dois, podemos entender como as
crianças se desenvolvem a partir de uma perspectiva ampla.

Contudo, historicamente, as teorias de Piaget e Vygotsky foram categorizadas como


totalmente opostas. Mas será que é assim mesmo? É importante, então, fazermos uma
reflexão sobre as semelhanças e diferenças entre esses dois autores. Analisar todas as suas
teorias nos ajudará a interpretá-las com base em um contexto integrador nos dando uma
visão mais completa do desenvolvimento do ser humano.

Cabe ressaltar que Piaget e Vygotsky desenvolveram suas teorias separados um do outro,
em épocas distintas e em países diferentes. Já sabemos que contexto histórico, pessoal e
emocional determinam a aprendizagem do sujeito, e com eles não seria diferente. Porém, é
interessante perceber como chegaram a ideias similares sobre o processo de desenvolvimento
e onde suas ideias divergem.

79
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

É importante comparar e avaliar a forma como cada teórico explica o desenvolvimento


humano. Ambos se distanciaram das propostas inatistas e empiristas quando falam da
aquisição de conhecimentos, apresentando uma teoria a partir de um paradigma construtivista
e interacionista.

Para eles, as mudanças produzidas no desenvolvimento são principalmente qualitativas,


com determinantes complexos de caráter interativo e dialético. Por isso, categorizaram a
criança como um sujeito ativo, atento que cria hipóteses sobre seu ambiente, criando uma
versão particular da sua realidade.

A partir deste momento, suas teorias começam a se separar. Em primeiro lugar, eles
recorrem a fatores distintos como principal fonte de conhecimento. Para Vygotsky, o
importante era a interação com o ambiente social, ao passo que Piaget achava fundamental
a ação individual.

Por aceitar que os fatores internos preponderam sobre os externos, Piaget postula que o
desenvolvimento humano segue uma sequência fixa e universal de estágios. Para ele, o
desenvolvimento é fruto de reorganizações internas do indivíduo, tendo como bases suas
manipulações objetivas, sem necessidade de ajuda por parte de uma fonte externa.

Já Vygotsky, ao dissertar sobre o ambiente social em que a criança nasceu, reconhece que,
em se variando esse ambiente, o desenvolvimento também variará. Neste sentido, não se
pode aceitar uma visão única, universal, de desenvolvimento humano. Ele está relacionado
à contínua internalização dos meios e recursos cognitivo-culturais adquiridos através da
interação com o contexto social.

Uma das maiores divergências entre os autores diz respeito a importância da cultura
empregada em cada teoria. Vygotsky faz uma distinção entre o “desenvolvimento natural”
e o “desenvolvimento cultural”. Esta dicotomia criada por Vygotsky é um bom exemplo do
caráter dualista dessa abordagem. Sua teoria é pautada em conceitos contrapostos, como o
crescimento biológico (amadurecimento) X desenvolvimento cultural (aprendizagem). Piaget,
por sua vez, rejeita veementemente a distinção entre desenvolvimento natural e cultural.
Sua perspectiva, ao contrário, é monista. Ou seja, o sujeito é unificador do contraste social/
biológico.

Em hipótese alguma, Piaget ignorava os aspectos sociais do desenvolvimento. Ele somente


interpreta o fator social de maneira diferente a de Vygotsky. Enquanto para Vygotsky a unidade
de análise é o ambiente sociocultural em que o indivíduo vive, Piaget acreditava que a unidade
de análise é o indivíduo, sendo o fator social uma variável que influencia os processos.

A direção do desenvolvimento proposta por cada um dos teóricos, talvez, seja a maior
divergência proposta por eles. Para Piaget, o desenvolvimento avança no sentido de

80
Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista • CAPÍTULO 5

uma maior descentralização e socialização. Significa dizer que o indivíduo parte do


internalismo para uma concepção sobre a realidade. Vygotsky pensa justamente o oposto.
O conhecimento vem de fora para dentro. Ele vem da sociedade, da cultura em que está
inserido, e é internalizada pelo sujeito, transformando algo que é sociocultural em pessoal.

Outra diferença entre eles diz respeito à construção do real. Piaget acreditava que os
conhecimentos são elaborados espontaneamente pela criança, de acordo com o estágio de
desenvolvimento em que se encontra. A visão egocêntrica que as crianças mantêm sobre
o mundo vai, progressivamente, aproximando-se da concepção dos adultos, tornando-se
socializada e objetiva.

Vygotsky discorda de que a construção da realidade parta do individual para o social. Em


seu entender a criança já nasce num mundo social e, desde o nascimento, vai formando
uma visão desse mundo através da interação com adultos ou crianças mais experientes.
A construção do real é, então, mediada pelo interpessoal antes de ser internalizada pela
criança. Desta forma, procede-se do social para o individual, ao longo do desenvolvimento.

Em relação à aprendizagem, Vygotsky acredita que tanto ela quanto o desenvolvimento são
processos que se influenciam reciprocamente, de modo que, quanto mais aprendizagem,
mais desenvolvimento. Já Piaget preconiza que a aprendizagem está subordinada ao
desenvolvimento, tendo pouco impacto sobre ele. Ou seja, enquanto Piaget minimiza o
papel da interação social, Vygotsky postula.

Sobre a linguagem, para Piaget o pensamento é anterior, sendo, apenas, uma das formas
de expressão. Ou seja, a formação do pensamento não é atrelada à linguagem, e sim aos
esquemas sensório-motores. A linguagem só é alcançada depois que o sujeito alcançou
determinado nível de habilidades mentais, estando, desta forma, subordinada aos processos
de pensamento.

Piaget estabeleceu uma clara separação entre as informações que podem ser passadas
por meio da linguagem e os processos que não parecem sofrer qualquer influência
dela. Este é o caso das operações cognitivas que não podem ser trabalhadas por meio
de treinamento específico feito com o auxílio da linguagem. Por exemplo, não se pode
ensinar, apenas usando palavras, a classificar, a seriar, a pensar com responsabilidade.

Já para Vygotsky, pensamento e linguagem são processos interdependentes, desde o


início da vida. A aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais
superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento, possibilita o aparecimento
da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a
linguagem, diferentemente daquilo que Piaget postula, sistematiza a experiência
direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento
cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento.

81
CAPÍTULO 5 • Lev Vygotsky e a Teoria Interacionista

Mas, quem teria razão entre os dois? São pontos de vista diferentes. E o são, justamente,
porque a unidade de análise é o ponto de referência e, por isso, não tem uma posição
verdadeira. Seria tentar ver uma figura geométrica a partir de ângulos diferentes. Um
cilindro, por exemplo, visto por um lado pode parecer um círculo. Visto de outro lado, pode
parecer um quadrado. Mas, ele nunca deixará de ser um cilindro. Cabe a nós, aproveitarmos
cada olhar, cada diferença e semelhança, aprimorando nossos conhecimentos e tornando
nossa prática educacional mais rica.

Sintetizando

Vimos até agora:

» A teoria criada por Vygotsky, denominada Teoria Interacionista.

» A influência do social e do cultural na construção de conhecimento.

» O papel da linguagem no processo de desenvolvimento humano.

» Como ocorre o desenvolvimento dos processos mentais superiores, segundo o autor.

82
CAPÍTULO
MAIS ALGUMAS BASES PSICOLÓGICAS
PARA EDUCAÇÃO 6
Introdução do Capítulo

Neste último capítulo do nosso livro, apresentaremos três teóricos contemporâneos


que estão influenciando o cenário da educação.

Baseado em sua história pessoal e experiência profissional, Henri Wallon criou a Teoria
Psicogenética. Observaremos que sua teoria defende o processo de evolução, dependendo
tanto da capacidade biológica do sujeito quanto do ambiente que o afeta de alguma forma.

Entenderemos que a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da
construção da pessoa quanto do conhecimento. Para ele, a gênese da inteligência é
genética e organicamente social. Refletiremos, a partir de seus conceitos, sobre as fases
do desenvolvimento humano.

O segundo autor, Howard Gardner, é um dos mais renomados e reconhecidos psicólogos


que disserta acerca da inteligência. Gardner causou forte impacto na área educacional
com sua teoria das inteligências múltiplas, divulgada no início da década de 1980. Ele
revolucionou o cenário da psicologia e da educação, ao afirmar que o sujeito pode
desenvolver diversos tipos de inteligência, dependendo do estímulo que recebe e do
contexto em que vive. Sendo assim, refletiremos sobre as nove inteligências apresentadas
por Gardner e debateremos sobre as implicações dessa teoria no ensino formal.

O terceiro autor, David Ausubel, apresenta-nos a Teoria da Aprendizagem Significativa,


afirmando que o fator isolado mais importante que influencia o aprendizado é aquilo que o
aprendiz já conhece. Ele, diferentemente da maioria dos autores abordados neste livro, não
estava interessado com as etapas do desenvolvimento. Sua preocupação foi construir uma
teoria de ensino que pudesse ajudar os professores no seu desempenho em sala de aula.

Por isso, conheceremos o processo da aprendizagem significativa. Refletiremos sobre


o papel do professor e, também, sobre os princípios apresentados por Ausubel, para
conseguirmos uma aprendizagem significativa.

83
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Objetivos

» Conhecer a Teoria Psicogética de Henri Wallon.

» Refletir sobre as inteligências múltiplas propostas por Howard Gardner.

» Analisar as propostas da aprendizagem significativa de David Ausubel.

Henri Wallon e a Psicogenética

Ao longo deste livro, tivemos a oportunidade de conhecer grandes teóricos do


desenvolvimento humano. Observamos que Freud, Piaget e Vygotsky já atribuíam
importância à afetividade no processo evolutivo. Mas foi Henri Wallon quem se aprofundou
na questão. Para ele, a afetividade é a porta de entrada do conhecimento.

Em seus estudos sobre o desenvolvimento, a inteligência não é vista como o principal


componente do desenvolvimento. Também não acredita ser a interação com o ambiente
o fator primordial, embora dê grande ênfase ao contexto social, tampouco disserta sobre
ações inconscientes agindo no sujeito.

Wallon defende que a vida psíquica é formada por três dimensões: motora, afetiva e
cognitiva. Essas dimensões coexistem e atuam de forma integrada.

Conhecendo sua história


Figura 27. Henri Wallon.

Fonte: <https://pedagogiaaopedaletra.com/henri-wallon/>. Acesso em: 21/4/2019.

Henri Wallon nasceu em 15 de junho de 1879 em Paris. Viveu em um período de instabilidade


social e turbulência política. Viveu as duas grandes guerras, o avanço do fascismo entre elas; a
revolução russa de 1917 e as guerras para a libertação das colônias francesas na África.

Em 1902, formou-se em Filosofia e em 1908 em Medicina. Tornou-se conhecido por seu


trabalho científico sobre a Psicologia do Desenvolvimento. Entre 1908 e 1931 dedicou-se
ao trabalho com crianças com deficiência cognitiva. Em 1914 foi a 1ª Guerra Mundial.

84
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Lá atuou como médico, acompanhando soldados com lesões neurológicas graves. Essa
experiência fez com que revisse algumas convicções quando trabalhava com as crianças
com deficiência. Após a guerra, até 1931, trabalhou em instituições psiquiátricas.

Atuou na Resistência Francesa na 2ª Guerra Mundial contra os alemães, sendo perseguido


pela Gestapo, vivendo na clandestinidade por anos. De 1920 a 1937 foi o encarregado da
Conferência sobre Psicologia, em Sorbonne. Durante os anos dedicados à academia, fundou
um laboratório de pesquisa, dedicado ao atendimento de crianças com deficiência. A partir
daí, lança inúmeros livros voltados para a Psicologia da criança.

Saiba mais

O primeiro trabalho de Wallon se chama Delírio da Perseguição. O delírio Crônico na base da interpretação, publicado
em 1909. A maioria de sua obra não foi traduzida para o português, apenas algumas, são elas:

I. Evolução psicológica da criança. Rio de Janeiro: Andes, s.d.

II. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975.

III. Objetivos e métodos da psicologia. Lisboa: Estampa, 1975.

IV. Origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.

Wallon também teve uma vida política muito agitada, era marxista convicto e criticava
a forma agressiva de ensino aplicada em sua época. Filiou-se ao partido socialista e em
1931 viaja para Moscou, convidado para integrar o Círculo da Rússia Nova. Esse grupo era
formado por intelectuais, para aprofundar o conhecimento sobre o materialismo dialético,
buscando possibilidades para a integração dessa ideia aos campos da ciência. Em 1942
filia-se ao Partido Comunista, mantendo relação com o partido até sua morte, em 1962.

Atenção

Já falamos sobre as ideias marxistas e o materialismo dialético quando estudamos Vygotsky.

Teoria psicogenética

Wallon defende que o processo de evolução depende tanto da capacidade biológica


do sujeito quanto do ambiente, que o afeta de alguma forma. Para ele, o organismo é a
condição primeira do pensamento, visto que toda função psíquica supõe um componente
orgânico e que o objeto da ação mental vem do ambiente em que o sujeito está inserido.
Ou seja, o indivíduo é determinado tanto fisiologicamente quanto socialmente. Para ele,
a gênese da inteligência é genética e organicamente social.

85
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Assim como Piaget, Wallon divide o desenvolvimento em etapas. No entanto, sua


pesquisa estava centrada na criança enquanto sujeito contextualizado. Para ele,
o desenvolvimento da criança aparece como um processo descontínuo, sempre
marcado por contradições e conflitos, como resultado do processo maturacional e das
condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu comportamento em
geral. Wallon preconiza, inclusive, que no processo de desenvolvimento pode haver
uma regressão. Apesar da aquisição de um estágio ser irreversível, o sujeito pode
retornar a atividades anteriores ao estágio. Isso porque um estágio não suprime os
comportamentos anteriores, mas sim os integra, resultando em um comportamento
que é a acumulação das partes.

É nesse ponto que Wallon discorda da teoria behaviorista. Enquanto estes acreditam que a
aprendizagem é um processo de modelagem, no qual vários comportamentos são condicionados
e posteriormente extintos, Wallon afirma que o comportamento aprendido não é extinto, mas
sim integrado a outra aprendizagem.

Na teoria de Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da
construção da pessoa quanto do conhecimento. Ele afirma que a emoção é a exteriorização
da afetividade. A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo recém-nascido para
estabelecer uma relação com o mundo externo. Os movimentos de expressão evoluem de
fisiológicos a afetivos, em que a emoção cede terreno aos sentimentos e, depois, às atividades.

A emoção precede as condutas cognitivas. Ela é um processo corporal que, quando intenso,
prejudica a percepção do exterior. Portanto, com um bom desenvolvimento cognitivo a
razão prepondera sobre a emoção.

Em sua obra, Wallon demostra que não é possível separar um único aspecto da vida do ser
humano, pois seu desenvolvimento acontece dentro de vários campos funcionais – afetivo,
motor e cognitivo – de forma integrada.

Fases do desenvolvimento

Para Wallon, ‘o desenvolvimento humano é dividido em cinco estágios. Segundo ele, na


sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses
da criança, denominada de “alternância funcional”, em que cada fase predominante
incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se, reciprocamente, em um
permanente processo de integração e diferenciação. Wallon enfatiza o papel da emoção no
desenvolvimento humano, pois todo contato que a criança estabelece com as pessoas que
cuidam dela, desde o nascimento, é feito de emoções e não apenas cognições. Classificou
os estágios da seguinte maneira:

86
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Impulsivo-emocional

Figura 28. Mãe e Bebê.

Fonte: <http://time.com/1311/the-impossibility-of-the-good-black-mother/>. Acesso em: 22/4/2019.

Este estágio ocorre no primeiro ano de vida e está relacionado a questões internas,
emocionais e motoras da criança, especificamente no desenvolvimento do seu “EU”.
Quando nasce, a criança é totalmente dependente do meio externo, mostrando-se incapaz
de sobreviver sozinha, necessitando do meio social para dar significado e trazer respostas
para ela. Consequentemente necessita de adultos, que os cercam de reações de cunho afetivo
e de natureza emocional, que os trazem as respostas de suas necessidades e estabelecem
paulatinamente a interação entre a criança e o meio externo.

Aqui, o bebê ainda não consegue distinguir o “eu” do outro. Através das trocas ocorridas
nas relações estabelecidas com seus cuidadores é que a criança irá se diferenciar de seu
meio, constituindo seu eu diferenciado do outro.

Wallon subdividiu esta fase do desenvolvimento em dois momentos. No primeiro, que vai
de 0 a 3 meses de idade, o bebê é quase um organismo puro, e suas atividades se baseiam
em reflexo e movimentos impulsivos. Para este momento, Wallon chamou de Impulsividade
Motora.

Tais atividades são da ordem fisiológica e não são mais atendidas automaticamente como
no período fetal, causando lhe momentos de espera, ansiedade e desconforto. Nesse
momento ocorrem descargas motoras que são os movimentos reflexo, que servem como
a primeira comunicação entre a criança e o meio exterior.

O segundo momento, chamado de Emocional é construído após ser estabelecida


esta primeira comunicação entre o bebê e seu cuidador, que sacia suas necessidades
primeiras.

Esta troca entre o bebê e seu cuidador é uma troca essencialmente afetiva e, inicialmente,
sem relação intelectual. Após experiência de trocas, o bebê passará a estabelecer
associações aprendendo a interpretar os significados que recebe do meio. A partir desse

87
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

momento, suas atitudes passam a ser intencionais. Suas ações passam a ter como objetivo
não só a satisfação das necessidades básicas, mas a construção de novas relações sociais,
com o predomínio da emoção sobre as demais atividades. Quanto melhor a qualidade
das interações emocionais maior o horizonte da criança levando-a a ultrapassar sua
subjetividade e se inserir no social.

Sensório-motor e projetivo

Figura 29. Expressão Corporal.

Fonte: <https://cannonballread.com/2016/03/its-not-just-for-parents/>. Acesso em: 22/4/2019.

Ocorre entre 1 e 2 anos, quando a criança já possui coordenação motora que a impulsiona
a manipular objetos. Inicialmente, a manipulação de objetos se restringe ao espaço bucal,
por ser a boca o único local que possui movimentos coordenados. Com o desenvolvimento
do aparato motor, a criança coordena o movimento das mãos e braços, realizando a
manipulação de objetos, com intencionalidade em suas ações. Nesse período, a função
dominante é a sensório-motora, que desencadeia dupla função: a manipulação de objetos
e a imitação, que possibilita a representação e o pensamento.

O desenvolvimento da marcha e da fala demarcam o início do estágio sensório-motor,


aprofundando e expandindo as relações com o mundo exterior. O desenvolvimento da
linguagem possibilita nomear os objetos, propriedades e ações do mundo físico, representando-
os e conceituando-os a partir do significado daquele repertório da linguagem, que é dado
pela sociedade na qual a criança está inserida.

Ao se apropriar do espaço, a criança desenvolve a inteligência prática, denominada


por Wallon de inteligência espacial. As atividades circulares (sensações que produzem
movimentos e movimentos que produzem sensações, através da coordenação entre percepção
e situação correspondente) garantem o progresso da preensão, do reconhecimento do
esquema corporal e da linguagem, passando a diferenciar-se do mundo físico.

O período projetivo surge quando o movimento deixa de se relacionar exclusivamente com


a percepção e manipulação de objetos. A expressão gestual cede lugar à representação,
que independe do movimento. A atividade projetiva produz representação, permitindo

88
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

que a criança avance em relação ao pensamento presente e imediato. As atividades


predominantes, nesse período, são a imitação e o simulação. A partir da imitação
aparecem os jogos de ficção, que permitem realizar uma ação com o objeto, mesmo na
sua ausência, o que conduz à autonomia da imagem, à representação.

Personalismo

Figura 30. Egocentrismo.

Fonte: <http://criancapequenina.blogspot.com/2013/08/dicas-para-brincar-usando-o-espelho.html>. Acesso em:


22/4/2019.

É nesta fase do desenvolvimento, entre os 3 e os 6 anos, que a criança começa a construir


a consciência de si, através das interações sociais que estabelece. Essa fase é marcada por
oposições, inibições, autonomia, sedução e imitação, que irão contribuir para a formação
e enriquecimento do eu, a edificação interior. Divide-se em três períodos:

Primeiramente, ao buscar afirmar-se como indivíduo autônomo, a criança toma consciência


de si própria, o que é constatado pelo emprego dos pronomes eu e meu e demonstração
de atitudes de recusa (uso do não). Seu ponto de vista diante do mundo se torna único e
exclusivo, e suas crises de oposição confrontam-se com as pessoas do meio próximo a fim
de imperar sua vontade. Ao conseguir tal objetivo, sente-se exaltada.

Contudo, nem sempre a criança sai vencedora do “duelo” com o outro. Isso lhe causa
ressentimentos e diminuição da autoestima. A alternância entre a vitória e a derrota
causam uma crise no sujeito necessária para a construção do eu. Os sentimentos de
ciúme, a posse extensiva aos objetos e as cenas para chamar a atenção dos que estão ao
seu redor são características essenciais para se distinguir dos outros.

É um período regido pelas interações sociais, no qual as crianças demonstram interesse


pelas pessoas do seu cotidiano. A etapa é marcada pelo retorno da preponderância da
afetividade, ou seja, das relações afetivas.

89
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Em um segundo momento é marcado pelo narcisismo da criança que busca admiração e


satisfação pessoal, expressando-se de forma sedutora, elegante e suave, a fim de ser aceita
pelo outro. A criança só agrada a si mesma se agradar ao outro. Se é frustrada em sua
necessidade de afirmação, pode demonstrar timidez. São tais contradições que desencadeiam
a apropriação de papéis e personagens que possuem prestígio, admiração ou atração para si.
A criança passa a reproduzi-los com acréscimo de características subjetivas, enriquecendo
o personagem imitado por ela.

No último período, a criança se esforça para substituir a imitação do outro por


representações. É a representação que garante ao pensamento a função de antecipação
e a possibilidade de pensar na relação entre um significante e um significado, além de
expressar simbolicamente os objetos interiorizados.

Categorial

Figura 31. Categorial.

Fonte: <https://pt.depositphotos.com/122560908/stock-illustration-three-kids-reading-books.html>. Acesso em:


22/4/2019.

Essa etapa estende-se dos 7 aos 11 anos de idade, ocorrendo uma predominância
funcional. Tanto a função simbólica quanto a inteligência são concretizadas nessa
etapa. Nela a criança direciona suas atenções para a aquisição e para o entendimento
do mundo exterior. Assim como no Estágio Sensório-Motor, essa etapa é guiada pelas
relações cognitivas com o meio, predominando, assim, o aspecto cognitivo.

Quando ingressa nesta etapa, o pensamento da criança é marcado pelo sincretismo. Ou


seja, a criança pensa em pares. O pensamento de pares é um ato intelectual, inicialmente
confuso e mesclado, que supõe vários outros pares concorrentes e complementares que
culminam por desencadear a identificação e diferenciação. Para um melhor entendimento,
citarei um exemplo da utilização dos pares para a formação das estruturas de pensamento:

» O que é a chuva?

» A chuva é vento.

90
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

» Então a chuva e o vento são iguais?

» Não.

» O que é a chuva?

» A chuva é quando tem trovão.

» O que é o vento?

» É a chuva.

» Então é a mesma coisa?

» Não, não é igual.

» O que é que não é igual?

» É o vento.

» O que é o vento?

» É céu.

A estrutura de pares é etapa necessária ao desenvolvimento do pensamento categorial,


permitindo à criança afirmar as qualidades e as relações existentes, a partir dos conflitos e
contradições entre a estrutura elementar do par e as interações entre os pares.

Em um segundo momento, o pensamento torna-se categorial, passando a haver


a representação das coisas e a explicação do real, iniciada com a integração das
diferenciações produzidas durante o período pré-categorial.

É com o desenvolvimento da função categorial que a relação causa-efeito se faz presente.


A noção de espaço e tempo passam a integrar-se a um sistema permitindo que a criança
relacione as suas implicações com o movimento.

Aqui, aumenta-se a concentração e atenção na atividade, permitindo que as atividades


espontâneas sejam progressivamente substituídas por atividades intencionais. Tais
diferenciações, no nível de operações mentais, culminam com a formação das categorias
intelectuais, tornando possível a representação e a explicação da realidade. Este momento
é determinante para a construção de uma personalidade polivalente, dando início à
participação em diferentes grupos sociais, enriquecendo sua identidade. A criança começa
a atravessar para o estágio da puberdade e da adolescência, no qual as exigências para a
construção da identidade adulta se impõem.

Assim como no Estágio Sensório-Motor, esta etapa é guiada pelas relações cognitivas com
o meio, predominando, assim o aspecto cognitivo.

91
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Adolescência

Figura 32. A puberdade.

Fonte: <https://www.papodemae.com.br/wp-content/uploads/2015/07/puberdade.png>. Acesso em: 22/4/2019.

Esse estágio inicia-se a partir dos 12 anos, quando a relação da criança e do adulto é
rompida começando uma crise a que Wallon denominou crise da puberdade. Essa fase
afeta todos o sentimento do adolescente.

O jovem expressa seus sentimentos com o corpo. A prova disso é que o espelho se torna
uma companhia constante, proporcionando momentos de prazer e de grande inquietação.

Na adolescência aparece a ambivalência de atitudes e vários sentimentos, que são


resultado da riqueza da vida afetiva e imaginativa que traduz o desequilíbrio interior. É
uma fase de transformação na qual se inicia um período de rebeldia e oposição.

Wallon afirma que o jovem pode procurar satisfazer suas necessidades de conquista
e aventuras não em sonhos ou fantasia, mas em ações reais cujos efeitos podem ser
positivos ou negativos dependendo das opções de ordem social e moral que o jovem faça
nessa fase de desenvolvimento. Trata-se, portanto, de uma escolha de valores morais
que o jovem precisa fazer e implica o estabelecimento de relações com a sociedade que
podem se adequados ou não, conforme orientação recebida dos adultos e do meio à
qual está inserido.

A etapa é marcada, novamente, pelo retorno da preponderância da afetividade, com


especial atenção a motes de ordem pessoal, existencial e moral.

Aprendizagem

Segundo Wallon, como uma aptidão só se manifesta se encontrar ocasião favorável e


objetos que lhes respondam, muitas aptidões novas poderiam manifestar-se no encontro
das necessidades psicológicas das crianças com as necessidades crescentes da sociedade.

92
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Assim, o acesso à cultura é função primordial da educação formal, pois ela é a expressão
do florescimento das criações e das aptidões, sejam manuais, corporais, estéticas,
intelectuais ou morais.

A escola tem como função primordial dar acesso à cultura. É a partir dela que o sujeito
se desenvolve e se constitui, devendo intervir nesse processo de maneira a promover o
desenvolvimento de tantas aptidões quantas forem possíveis. Só assim o homem poderá
se desenvolver de maneira completa, aprendendo a compreender, ponderar e escolher.

Wallon acreditava que todos deveriam ter oportunidades iguais, mas respeitando a
singularidade de cada um. Para isso, seria necessário haver escola para todos, em que
cada um pudesse encontrar, segundo suas aptidões, todo o desenvolvimento intelectual,
estético e moral que fosse capaz de assimilar.

Por isso, Wallon insiste na importância de o professor conhecer as condições de existência


de seu aluno. É necessário conhecer os valores que estão sendo cultivados pelo aluno,
conhecer o meio em que esse aluno vive, para saber qual o objetivo a ser alcançado pelo
educando.

A sala de aula deve ser um ambiente de cooperação, um espaço heterogêneo e de troca,


onde os alunos que dominam uma dada função promovam o desenvolvimento desta função
em seus colegas. Ao professor cabe a tarefa de promover a colaboração entre os alunos,
socializando e construindo conceitos.

As ideias devem ser constantemente reformuladas no confronto com a realidade,


considerando as contradições sociais. A educação deve ajudar a criar as condições para
que os alunos sejam transformadores da sociedade e de si mesmos.

Howard Gardner e a teoria da inteligência emocional

Muitos são os autores que dialogam sobre a educação e suas nuances. Um dos mais
renomados e reconhecidos internacionalmente é Howard Gardner, psicólogo cognitivo
e educacional e professor na Universidade Harvard. Seu interesse pelos processos
de aprendizado já estava presente nos primeiros estudos de pós-graduação, quando
pesquisou as descobertas do suíço Jean Piaget (1896-1980). Gardner causou forte impacto
na área educacional com sua teoria das inteligências múltiplas, divulgada no início da
década de 1980.

E le propôs que a vida humana requer o desenvolvimento de vár ios tipos de


inteligências. Portanto, Gardner não entra em conflito com a definição científica
de inteligência como sendo “a capacidade de resolver problemas ou fazer coisas

93
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

importantes”, mas ele acredita que é possível resolver problemas ou fazer coisas
importantes de maneiras diferentes.

Howard Gardner afirma que a inteligência acadêmica (obtida através de qualificações


e méritos educacionais) não pode ser o fator decisivo para determinar a inteligência de
uma pessoa.

Conhecendo sua história


Figura 33. Howard Gardner.

Fonte: <http://pixelrz.com/lists/suggestions/howard-gardner/>. Acesso em: 22/4/2019.

Filho de pais refugiados da Alemanha nazista, Howard Gardner nasceu em 1943 na


Pensilvânia, Estados Unidos. Seus pais chegaram aos Estados Unidos em 1938 com um
filho, Eric, de três anos. Um pouco antes do nascimento de Howard, Eric faleceu, vítima
de um acidente de trenó. Traumatizados com a morte do filho mais velho, seus pais não
estimulavam as atividades físicas. Em contrapartida, a criatividade e as atividades cognitivas
eram muito valorizadas.

A morte do irmão e as origens judaicas eram tabus na família Gardner. Mas o próprio dizia
que ambos os eventos impactaram sobre sua obra, pois o conhecimento é construído a partir
das experiências vividas. (GARDNER, 1994. pág. 22) A dedicação à música e às artes, que
começou na infância, levou-o a supor que as noções consagradas a respeito das aptidões
intelectuais humanas eram parciais e insuficientes.

Imerso em um mundo de manifestas atividades estéticas e de comunicação com grande


força, Gardner começou a supor que as aptidões intelectuais humanas não eram tudo o
que uma pessoa precisava ter. Ou seja, o seu QI (Quociente de Inteligência, que mede o
conhecimento cognitivo e lógico-matemático de uma pessoa) não era suficiente para medir
suas reais competências e habilidades.

Em 1961 ingressa na universidade de Harvard para estudar história. Lá, conheceu um


renomado psicólogo, especializado em desenvolvimento humano e educação, Erik
Erikson, que muito influenciou Gardner.

94
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Saiba mais

Erik Erikson defendeu, em seu livro Infância e Sociedade, publicado em 1950, a ideia de que as sociedades criam
mecanismos institucionais que propiciam e enquadram o desenvolvimento da personalidade, embora as soluções
específicas para problemas similares variem de cultura para cultura.

Erikson publicou livros sobre Martinho Lutero, Gandhi e Hitler e escreveu ensaios em que relaciona a psicanálise com
a história, política, filosofia e teologia, tais como A história da vida e o momento histórico (1975).

Criador da expressão “crise de identidade”, Erik Erikson morreu em 12 de maio de 1994, em Harwich, estado de
Massachusetts. As suas concepções revolucionaram a psicologia do desenvolvimento, influenciando acadêmicos e
clínicos nos dias de hoje.

Howard Gardner mudou de curso, passando a estudar Ciências Sociais, uma combinação
de psicologia, sociologia e antropologia, com particular interesse em psicologia clínica.
Novamente troca de curso, após conhecer o psicólogo cognitivo Jerome Bruner, que se
dedicava aos estudos sobre o processo de educação, graduando-se em psicologia em 1965.

Dentre emoção e cognição, optou por estudar a cognição, dando destaque à obra
de Piaget. Também se interessava em estudar as manifestações artísticas modernas.
Passou a se dedicar aos estudos sobre a inteligência humana, dedicando-se ao estudo
da criatividade, das competências e do talento das pessoas.

Em seus primeiros estudos, observou a inteligência dos superdotados., depois, a das pessoas
com lesões ou disfunções cerebrais. Assim, ele foi formulando hipóteses sobre habilidades
individuais e sobre qual região do cérebro reagia a tipos diferentes de estímulos.

Em 1966 começou seu doutorado, também em Harvard, escrevendo sua tese sobre a
sensibilidade e estilo nas crianças. Em 1967 passou a integrar a equipe do Projeto Zero, na
área de educação artística, permanecendo lá até hoje.

Saiba mais

O Projeto Zero é composto por equipes multidisciplinares e tem como objetivo estudar as relações entre inteligência,
compreensão e ensino.

Quer saber mais? Acesse aqui: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/o-projeto-de-harvard-que-esta-


mudando-a-maneira-de-dar-aulas-2m8n5cewct51u4bvyb29vzaqt/>.

Seu primeiro grande livro, A Mente Quebrada, foi escrito em 1975. Depois desse, mais de
15 livros foram publicados. Howard Gardner é atualmente Hobbs Professor de Cognição e
Educação da Escola Superior de Educação de Harward e professor adjunto de neurologia
da Universidade de Boston School of Medicine.

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CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Saiba mais

Publicações traduzidas para o português:

» Gardner, H. A Criança Pré-escolar. São Paulo: Artmed, 1994.

» ________. Estruturas da Mente. São Paulo: Artmed, 1994.

» ________. A Nova Ciência da Mente. São Paulo: EDUSP, 1995.

» ________. Inteligências - Múltiplas Perspectivas. São Paulo: Artmed, 1995.

» ________. Inteligências Múltiplas - A Teoria na Prática. São Paulo: Artmed, 1995.

» ________. Mentes Que Lideram. São Paulo: Artmed, 1995.

» ________.Mentes Que Criam. São Paulo: Artmed, 1996.

» ________. As Artes e o Desenvolvimento Humano. São Paulo: Artmed, 1997.

» ________. A Inteligência - Múltiplas Perspectivas. São Paulo: Artmed, 1998.

» ________. Arte, Mente e Cérebro. São Paulo: Artmed, 1999.

» ________. A Inteligência - Um Conceito Reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

» ________. Mentes Extraordinárias. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

» ________. O Verdadeiro, o Belo e o Bom. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

» ________. Atividades Iniciais de Aprendizagem. São Paulo: Artmed, 2001.

» ________. Avaliação em Educação Infantil. São Paulo: Artmed, 2001.

» ________. Nova Ciência da Mente. São Paulo: EDUSP, 2002.

» ________.Mentes Que Mudam - A Arte e a Ciência de Mudar. São Paulo: Artmed, 2005.

» ________. Cinco Mentes para o Futuro. São Paulo: Artmed, 2007.

Teoria das inteligências múltiplas


Figura 34. O Cérebro Humano.

Fonte: <https://www.pinterest.es/pin/692006298965935506/?autologin=true&lp=true>. Acesso em: 22/4/2019.

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Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Desde a década de 1900, o homem realiza testes para medir a inteligência e,


consequentemente, o sucesso escolar. A palavra inteligência tem sua origem na junção
de duas outras palavras latinas, a palavra inter (entre) e a palavra legere (eleger ou
escolher), ou seja, é a capacidade de fazer a escolha melhor entre duas ou mais situações.

O primeiro dos testes de sucesso escolar foi realizado e desenvolvido pelo psicólogo
Alfred Binet, em 1900, conhecido como teste de QI (quoeficiente de inteligência). Esse
teste tinha por finalidade diagnosticar crianças com e sem deficiência mental e também
foi usado para medir a inteligência dos soldados, após a primeira guerra mundial.
Acreditava-se que era possível medir quantitativamente a inteligência. Mesmo hoje em
dia, o senso comum, e alguns acadêmicos, ainda creem neste tipo de avaliação para
medir a inteligência.

Gardner apresenta uma nova proposta, dizendo que os testes desenvolvidos


anteriormente medem, apenas, a inteligências verbal e lógico-matemática. Isso porque
ele acredita que há 9 dimensões da inteligência e que cada sujeito tem habilidades
em determinadas dimensões.

O que leva as pessoas a desenvolverem suas inteligências são a educação que recebem e as
oportunidades que encontram. Para Gardner, cada indivíduo nasce com um vasto potencial
de talentos, ainda não moldado pela cultura, o que só começa a ocorrer por volta dos 5
anos. Segundo ele, a educação costuma errar, ao não levar em conta os vários potenciais
de cada um. Além disso, é comum que essas aptidões sejam sufocadas pela tendência das
escolas de nivelar seus alunos. Estimular as aptidões individuais de cada aluno é a proposta
do autor para termos escolas de excelência.

Em sua publicação mais conhecida, Estruturas da Mente, Gardner propôs sete dimensões da
inteligência. Depois, acrescentou mais duas, totalizando 9 dimensões, a saber:

Inteligência linguística:

Figura 35. Inteligência Linguística.

Fonte: <https://asafetuosas.blogspot.com/2012/10/historia-e-vida-de-gardner.html>. Acesso em: 22/4/2019.

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CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Capacidade de pensar em palavras e usar a linguagem para expressar e apreciar


significados complexos. Permite-nos compreender a ordem e significado das palavras
e aplicar habilidades metalinguísticas para refletir sobre nosso uso da linguagem. Essa
inteligência é a competência humana mais amplamente compartilhada e é evidente
em poetas, escritores, jornalistas, dentre outros. Adultos com esse tipo de inteligência
gostam de escrever, ler, contar histórias e fazer palavras cruzadas. Os indivíduos com
essa inteligência desenvolvida são ótimos oradores e comunicadores, além de possuírem
grande capacidade de aprendizado de idiomas.

Inteligência lógico-matemática

Figura 36. Inteligência Lógico-matemática.

Fonte: <http://criancasenumeros.blogspot.com/2012/08/porque-estudar-matematica.html>. Acesso em: 22/4/2019.

Competência para calcular, quantificar, considerar proposições e hipóteses e realizar


operações matemáticas completas. Ela nos permite perceber relações e conexões e usar
pensamento abstrato e simbólico. As pessoas com essa inteligência têm habilidade de
raciocínio sequencial, padrões de pensamento indutivo e dedutivo e, geralmente, são
atraídas por problemas de aritmética, jogos de estratégia e experimentos.

São sujeitos voltados para conclusões baseadas em dados numéricos e na razão. As pessoas
com essa inteligência possuem facilidade em explicar o mundo, utilizando-se de fórmulas
e números. Costumam fazer contas de cabeça rapidamente.

Inteligência musical

Figura 37. Inteligência Musical.

Fonte: <http://losarquitectosdelfuturo.es/inteligencia-musical/>. Acesso em: 22/4/2019.

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Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

A inteligência musical é a capacidade de discernir entre ritmo, timbre e tom. Permite que
as pessoas reconheçam, criem, reproduzam e reflitam sobre música, como demonstrado
por compositores, maestros, músicos, vocalistas e ouvintes sensíveis. Curiosamente,
muitas vezes há uma ligação afetiva entre música e emoções. Além disso, inteligências
matemáticas e musicais podem compartilhar processos de pensamento comuns. Adultos
jovens com esse tipo de inteligência são geralmente muito conscientes de sons que outros
podem não notar.

Inteligência naturalista
Figura 38. Inteligência Naturalista.

Fonte: <https://br.freepik.com/fotos-premium/crianca-feliz-explorando-a-natureza-com-lupa_1951478.htm>. Acesso em:


22/4/2019.

A Inteligência Naturalista está voltada para a análise e compreensão dos fenômenos


da natureza: físicos, climáticos, astronômicos e químicos. Ela está ligada à capacidade
humana de discriminar os seres vivos – plantas, animais – bem como à sensibilidade do
homem para observar outras características do mundo natural, como nuvens, formações
rochosas etc. Essa capacidade foi muito valorizada, no nosso passado evolutivo, quando
era extremamente útil aos caçadores, coletores e agricultores, e continua a ser central em
profissões como botânicos ou chefes de cozinha. Acredita-se que grande parte da nossa
sociedade de consumo explora as inteligências naturalistas, que podem ser mobilizadas
na discriminação entre carros, tênis, tipos de maquiagem e afins.

Inteligência existencial

Figura 39. Inteligência Existencial.

Fonte: <http://picture24gallery.blogspot.com/2012/11/existential-intelligence-multiple.html>. Acesso em: 22/4/2019.

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CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

A inteligência existencial é a sensibilidade e capacidade de abordar questões profundas


sobre a existência humana, tais como o sentido da vida, por que morremos e como
chegamos aqui. Muito comum em líderes espirituais, teólogos e filósofos. Um indivíduo
tem alta inteligência existencial, quando possui forte interesse por questões relacionadas
à existência, como a morte, o universo, à origem da vida etc.

Inteligência interpessoal

Figura 40. Inteligência Intrapessoal.

Fonte: <https://soumamae.com.br/iteligencia-interpessoal-nas-criancas-o-que-e-e-como-se-desenvolve/>. Acesso em:


22/4/2019.

Aptidão de compreender e interagir eficazmente com os outros. Trata-se de uma


comunicação eficaz, verbal e não verbal, a capacidade de notar as diferenças entre as
pessoas, ter sensibilidade para identificar os humores e temperamentos dos outros e a
capacidade de ter múltiplas perspectivas. Pessoas com predominância dessa inteligência
têm facilidade em estabelecer relacionamentos com outras pessoas. Indivíduos com
essa inteligência conseguem facilmente identificar a personalidade das outras pessoas.
Costumam ser ótimos líderes e atuam com facilidade em trabalhos em equipe.

Geralmente, professores, assistentes sociais, atores e políticos exibem inteligência


interpessoal. Adultos jovens com esse tipo de inteligência são normalmente líderes, bons
em se comunicar e parecem compreender sentimentos e motivações dos outros.

Inteligência corporal-cenestésica

Figura 41. Inteligência Corporal-Cinestésica.

Fonte: <https://luzflores.com/>. Acesso em: 22/4/2019.

100
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Competência para manipular objetos e usar uma variedade de habilidades físicas. Essa
inteligência também envolve um senso de tempo certo e perfeição de habilidades através da
união mente-corpo. A pessoa com essa inteligência pode utilizar o corpo para se expressar.

Atletas, dançarinos, cirurgiões e artesãos exibem essa inteligência bem desenvolvida.

Inteligência intrapessoal

Figura 42. Inteligência Intrapessoal.

Fonte: <https://ramblingsofa20yearold.wordpress.com/2014/02/23/being-stupid-about-intelligence/>. Acesso em:


22/4/2019.

Capacidade de compreender a si mesmo, seus pensamentos e sentimentos e emoções,


usando esse conhecimento no planejamento e direcionamento da vida. Essa inteligência
envolve não só a valorização do eu, mas também da condição humana. É evidente em
psicólogos, líderes espirituais e filósofos. Estes jovens adultos podem ser tímidos. São
muito conscientes de seus próprios sentimentos e são auto motivados.

Inteligência espacial

Figura 43. Inteligência Espacial.

Fonte: <https://amenteemaravilhosa.com.br/inteligencia-espacial/>. Acesso em: 22/4/2019.

101
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

É a habilidade na interpretação e reconhecimento de fenômenos que envolvem movimentos


e posicionamento de objetos. A pessoa com essa inteligência, tem a capacidade de perceber
com exatidão o mundo visual, realizar transformações e modificações em relação às
percepções iniciais próprias e recriar aspectos das próprias experiência visual.

Um jogador de futebol habilidoso possui esta inteligência, pois consegue facilmente


observar, analisar e atuar com relação ao movimento da bola. Saber se localizar, ler mapas
e fazer esculturas

O papel da escola

Após a obra de Gardner, algumas escolas se esforçam para mudar seus procedimentos,
buscando valorizar todos os tipos de inteligências. Elas tentam estimular todas as
habilidades potenciais dos alunos, quando se está ensinando um mesmo conteúdo.
As melhores estratégias partem da resolução de problemas. Gardner diz que não há
como compensar totalmente a desvantagem genética com um ambiente estimulador
da habilidade correspondente, mas condições adequadas de aprendizado sempre
suscitam alguma resposta positiva do aluno - desde que elas despertem o prazer do
aprendizado.

Para Gardner, a escola tem duas funções primordiais: modelar papéis sociais e transmitir
valores. “A missão da educação deve continuar a ser uma confrontação com a verdade,
a beleza e a bondade, sem negar as facetas problemáticas dessas categorias ou as
discordâncias entre diferentes culturas”, (Atividades Iniciais de Aprendizagem. 2001,
p.37) escreveu. Pela própria natureza de suas descobertas, o trabalho de Gardner favorece
uma visão integral de cada indivíduo e a valorização da multiplicidade e da diversidade
na sala de aula.

David Ausubel e a teoria da aprendizagem significativa

David Paul Ausubel dizia que, quanto mais sabemos, mais aprendemos. Famoso por ter
proposto o conceito de aprendizagem significativa, afirmava que o fator isolado mais
importante que influencia o aprendizado é aquilo que o aprendiz já conhece.

Quando sua teoria foi apresentada, em 1963, as ideias behavioristas predominavam.


Acreditava-se na influência do meio sobre o sujeito. O que os alunos sabiam não
era considerado e entendia-se que só aprenderiam se fossem ensinados por alguém.
Ausubel pensava justamente o oposto. Para ele, aprender significativamente é ampliar e
reconfigurar ideias já existentes na estrutura mental e com isso ser capaz de relacionar
e acessar novos conteúdos.

102
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Conhecendo sua história


Figura 44. David Ausubel.

Fonte: <https://novaescola.org.br/conteudo/262/david-ausubel-e-a-aprendizagem-significativa>. Acesso em: 8/5/2019.

David Ausubel nasceu em 1918, em Nova York, Estados Unidos. Filho de imigrantes, de
família judia e pobre, imigrantes da Europa Central, cresceu insatisfeito com a educação
que recebera. Seu interesse pela forma de aprendizagem surgiu a partir do sofrimento
vivido na escola.

Revoltado contra os castigos e humilhações pelos quais passara, afirmava que a educação
é violenta e reacionária. Ele contava que, certa vez, ao falar um palavrão, sua professora
lavou sua boca com sabão e o manteve em pé em um canto da sala, o dia inteiro, para que
servisse de exemplo para a turma com cinquenta alunos assustados. Para ele, a escola é
um cárcere para meninos. O crime de todos é a pouca idade e por isso os carcereiros lhes
dão castigos.

Formado pela universidade de Nova York, é o criador da teoria da aprendizagem


significativa, um dos conceitos básicos no construtivismo moderno. Sua teoria é
baseada na concepção cognitiva, segundo a qual a aprendizagem acontece quando
as pessoas interagem com ela, tentando dar sentido ao mundo que percebem. Apesar
de sua formação em Medicina Psiquiátrica, ele dedicou parte de sua vida acadêmica à
Psicologia Educacional.

Após sua formação acadêmica, vai viver no Canadá, buscando pensar nas melhorias
necessárias ao verdadeiro aprendizado. Totalmente contra a aprendizagem puramente
mecânica, torna-se um representante do cognitivismo, e propõe uma aprendizagem que
tenha uma “estrutura cognitivista”, de modo a intensificar a aprendizagem como um
processo de armazenamento de informações que, ao agrupar-se no âmbito mental do
indivíduo, seja manipulada e utilizada adequadamente no futuro, através da organização
e integração dos conteúdos aprendidos significativamente.

103
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Baseado em sua história de vida, sua obra leva em consideração a história do sujeito e
ressalta o papel dos docentes como facilitadores da aprendizagem. De acordo com ele, há
duas condições para que ocorra uma aprendizagem significativa: o conteúdo a ser ensinado
deve ser potencialmente revelador e o estudante precisa estar disposto a relacionar o
material de maneira consistente e não arbitrária

Ensinar sem levar em conta o que a criança já sabe, segundo Ausubel, é um esforço vão,
pois o novo conhecimento não tem em que se ancorar. Mas há outro requisito, que se
refere ao desafio diário de tornar a escola um ambiente motivador. Pode-se preparar
a melhor atividade, mas é o aluno que determina se houve ou não a compreensão do
tema. Não adiantaria o professor criar uma aula divertida se ela não trouxer a reflexão
e a negociação de significados para seus alunos.

Ausubel publicou seus primeiros estudos sobre a teoria da aprendizagem significativa


na obra Psychology of Meaningful Verbal Learning, publicada em 1963. Mais tarde, no
final da década de 1970, recebeu a contribuição de Joseph Novak, que progressivamente
incumbiu-se de refinar e divulgar a teoria. Em 1975, Ausubel esteve no Brasil na,
PUC-SP, e coordenou um Seminário Avançado, que reuniu 25 pesquisadores de todo o
Brasil. Com a contribuição de Novak, a teoria da aprendizagem significativa modificou
o foco do ensino do modelo estímulo → resposta → reforço positivo para o modelo:
aprendizagem significativa → mudança conceptual → construtivismo.

Aprendizagem significativa
Figura 45. Aprendizagem Significativa.

Fonte: <https://amenteemaravilhosa.com.br/aprendizagem-significativa/>. Acesso em: 23/4/2019.

Um dos aspectos mais importantes da obra de David Ausubel foi a sua preocupação em
construir uma teoria de ensino que pudesse ajudar os professores no seu desempenho
em sala de aula. Quem aqui não se lembra do seu próprio período escolar? De quais
conteúdos que você ainda se lembra? E aqueles que esqueceu? Que fez questão de
esquecer? Isso nos mostra que nem tudo que nos ensinam, aprendemos de maneira igual.
A aprendizagem profunda só acontece, quando derivada de um tema de nosso interesse.

104
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

Por isso, Ausubel estudou as diferenças entre a aprendizagem profunda e a superficial,


partindo dessa observação para construir sua teoria da aprendizagem significativa.

Sua teoria é uma das que melhor explicam como ocorre a aprendizagem profunda. Para
que haja uma aprendizagem significativa dos conteúdos escolares, é fundamental que
eles façam algum sentido para o aluno. Também deverá ser uma aprendizagem construída
e relacionada com os conhecimentos prévios, na qual o sujeito adquire um papel ativo,
reestruturando e organizando a informação.

É no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de


aprendizagem transforma-se em significado psicológico para o sujeito. Para Ausubel
(1963, p. 58), a aprendizagem significativa é o mecanismo humano, por excelência,
para adquirir e armazenar a vasta quantidade de ideias e informações representadas
em qualquer campo de conhecimento.

A teoria da aprendizagem significativa sofreu forte influência do construtivismo de


Piaget, na medida em que seu autor acredita que o conhecimento verdadeiro é construído
pelo sujeito através de suas próprias interpretações. Contudo, diferentemente de outros
autores que vimos neste livro, preocupados com o processo de desenvolvimento humano,
Ausubel estava interessado em provocar uma mudança no modo como a informação é
passada em sala de aula

Aqueles conteúdos que não absorvemos de fato, que esquecemos com o passar do tempo,
são baseados na memória literal, sem um significado para quem está aprendendo. É difícil
que uma aprendizagem literal ou superficial modifique as representações do sujeito, não
sendo, portanto, uma aprendizagem real. Precisamente, nasce desse questionamento a
necessidade de entender o que é a aprendizagem significativa.

O primeiro conceito que devemos ter em mente, quando falamos de uma aprendizagem
significativa, é que ela é relacional. Ou seja, está relacionada com os conhecimentos
prévios e experiências vividas. Ela precisa modificar ou complementar nossos
esquemas ou representações da realidade, para que se torne uma aprendizagem
profunda. Muito mais do que dados memorizados, ela precisa ser um marco conceitual
sobre como interpretamos a realidade que nos rodeia.

Para Ausubel, a aprendizagem é cíclica. Observamos a realidade e, a partir de nossos


esquemas prévios, construímos a representação dessa realidade. Ao construir tal
representação, ela se incorpora em nosso esquema, mudando ou complementando nosso
conhecimento. Assim, as representações adicionadas influenciarão na criação de novas
representações, criando assim um ciclo

REPRESENTAÇÃO NOVO MARCO CONCEITUAL NOVA REPRESENTAÇÃO

105
CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

Fica, então, claro que nesta perspectiva, o conhecimento prévio – a estrutura cognitiva do
aprendiz – é a variável crucial para a aprendizagem significativa.

Aprendizagem significativa e a sala de aula

O processo de aprendizagem significativa, utilizado para as crianças em idade pré-escolar


é o de formação de conceito, envolvendo generalizações de interesses específicos para que,
na idade escolar, os alunos já tenham desenvolvido um conjunto de conceitos, de modo a
favorecer o desenvolvimento da aprendizagem significativa. Esses conceitos deverão ser
adquiridos através de assimilação, diferenciação progressiva e reconciliação integrativa
de conceitos.

Para tanto, Ausubel sugere para esse processo, a utilização de organizadores prévios para,
de fato, ancorar a nova aprendizagem, levando o aluno ao desenvolvimento de conceitos
subsunçores, isto é, conceitos relevantes, preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz,
de modo a facilitar a aprendizagem seguinte.

Saiba mais

Mas o que são organizadores prévios? Segundo o autor, são informações e recursos introdutórios, que devem ser
apresentados antes dos conteúdos da matriz curricular, uma vez que têm a função de servir de ponte entre o que
o aluno já sabe e o que ele deve saber, para que o conteúdo possa ser realmente aprendido de forma significativa.
Os organizadores se tornarão mais eficazes, se forem apresentados no início das tarefas de aprendizagem, para
que suas propriedades possam integrar-se como elemento atrativo para o aluno, visando a provocar o interesse e
desejo de aprender. Sua formulação deve contar com um vocabulário bastante familiar ao aluno, de modo que, sua
organização, bem como a aprendizagem sejam consideradas como material de valor pedagógico.

Atenção

Subsunçores significa: “que funcionam como âncoras para as novas aprendizagens”.

Para que a aprendizagem significativa ocorra, o autor assinala duas condições essenciais:

1. Disposição do aluno para aprender.

2. O material didático desenvolvido, que deve ser, sobretudo, significativo para o aluno.

Somente dessa forma é que se dará a verdadeira compreensão de conceitos e


proposições, o que implica na posse de significados claros e intransferíveis. Para
a avaliação consistente da aprendizagem significativa, o método válido e prático,
segundo Ausubel, consiste em buscar soluções de problemas diversos, através de
testes de compreensão, utilizando-se de recursos diferentes daqueles, utilizados

106
Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação • CAPÍTULO 6

anteriormente no material instrucional. Para que se possa constatar, de fato, se o


aluno desenvolveu ou não, as habilidades necessárias à aquisição da aprendizagem
significativa.

Se trouxermos a teoria da aprendizagem significativa para os dias de hoje, observaremos


vários equívocos no método de ensino-aprendizagem. O sistema é feito para favorecer
uma aprendizagem de memorização ou literal, em que os alunos aprendem dados e
fórmulas sem nenhum significado para ele.

Nosso sistema de avaliação, baseado em provas, também é falho, pois valoriza a


aprendizagem superficial. Isso porque, para realizar uma boa prova não é necessária
uma aprendizagem profunda, significativa. Basta tirar uma boa nota. Para isso, temos
excelentes professores particulares para ensinar “macetes” para seus alunos. Para
aqueles alunos que buscam compreender a matéria, tirar uma nota inferior à nota dos
colegas, que apenas memorizaram o conteúdo, faz com que se sintam desmotivados e
não entendam por que têm resultados piores.

Para conseguir uma aprendizagem significativa, Ausubel propôs os seguintes princípios:

I. Levar em consideração os conhecimentos prévios dos alunos. Lembramos que


a aprendizagem significativa é relacional. Para ser profunda, ela precisa estar
conectada com conteúdos já introjetados pelo sujeito.

II. Proporcionar atividades que despertem o interesse do aluno. Quanto maior o


interesse, mais disposto ele estará para incorporar novos conhecimentos em seu
marco conceitual.

III. Confiança no professor. É fundamental que o professor crie um clima harmônico em


sua sala de aula. O aluno jamais deveria ver seu professor como um obstáculo à sua
aprendizagem. Um dos papéis do professor é transmitir confiança e tranquilidade
para seus alunos.

IV. Proporcionar atividades em que o aluno possa opinar e debater sobre o conteúdo.
O conhecimento deve ser construído pelo próprio sujeito, pois é ele, através de
seu marco conceitual, quem irá interpretar a realidade material.

V. Dar exemplos concretos do conteúdo explicado. Eles ajudam a contextualizar o


conteúdo, a partir da realidade vivida.

VI. Ser o guia do processo cognitivo do aluno. Como o aluno é livre para construir
seu conhecimento, cabe ao professor supervisionar o processo, orientando seu
aluno, quando o mesmo cometer algum erro conceitual.

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CAPÍTULO 6 • Mais Algumas Bases Psicológicas para Educação

VII. Criar uma aprendizagem situada no ambiente sociocultural. É fundamental que


o aluno entenda que o conhecimento é construído e interpretado a partir da sua
realidade sociocultural. Entender o porquê das diferentes interpretações ajudará
a construir uma aprendizagem significativa.

Claramente, apostar em um modelo que priorize a aprendizagem significativa requer uma


maior dedicação do corpo docente escolar. É preciso que o professor tenha disponibilidade
para identificar os conhecimentos prévios de seus alunos e construir sua aula a partir disso.

Termino, assim, este livro perguntando a vocês: que modelo de ensino-aprendizagem


queremos para nossos alunos?

Sintetizando

Vimos até agora:

» A Psicogenética, teoria criada por Henri Wallon defende o processo de evolução, dependendo tanto da capacidade
biológica do sujeito quanto do ambiente, que o afeta de alguma forma.

» Assim como Piaget, Wallon divide o desenvolvimento em etapas. Contudo, sua pesquisa estava centrada na criança
enquanto sujeito contextualizado.

» Na teoria de Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa
quanto do conhecimento.

» As inteligências múltiplas, propostas pelo renomado Howard Gardner.

» Segundo Gardner, o que leva a pessoa a desenvolver suas inteligências é a educação que recebem e as
oportunidades que encontram.

» O processo de aprendizagem significativa, segundo David Ausubel.

» Como proporcionarmos conhecimento profundo a nossos alunos.

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