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Sociologia da Educação
1ª Edição
Brasília/DF - 2018
Autores
Fernanda Sansão Ramos Mattos
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4
Introdução.............................................................................................................................................................................. 6
Capítulo 1
Sociologia e Educação................................................................................................................................................. 7
Capítulo 2
Em busca de uma ciência para entender a sociedade...................................................................................28
Capítulo 3
Max Weber e a ação social....................................................................................................................................... 45
Capítulo 4
Émile Durkheim e os fatos sociais.........................................................................................................................58
Capítulo 5
Karl Marx e a educação transformadora.............................................................................................................74
Capítulo 6
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo.................................................................................................90
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.
Atenção
Cuidado
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
Importante
Observe a Lei
Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.
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Organização do Livro Didático
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Saiba mais
Sintetizando
Posicionamento do autor
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
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Introdução
A Sociologia da Educação pode ser entendida como uma área específica de estudo em que o
olhar sociológico é utilizado como forma de melhor compreender as dinâmicas da vida social,
as relações que se estabelecem no processo educativo e as disputas de força pertinentes ao fazer
educacional enquanto aspecto político da vida em sociedade.
Para estabelecer com segurança esta discussão, nosso estudo está dividido em seis capítulos.
No segundo capítulo, definiremos Sociologia enquanto estudo das sociedades, que prima pela
observação objetiva, sistemática e metódica dos fenômenos sociais, em sintonia com o tipo de
construção de conhecimento proposto pelas ciências da natureza.
Posteriormente, iniciaremos o estudo teórico dos autores clássicos da Sociologia, que se estenderá
ao longo de três capítulos. No capítulo 3 estudaremos o sociólogo alemão Max Weber; no 4 a obra
do funcionalista francês Émile Durkheim e, por fim, no capítulo 5 analisaremos a sociologia de
Karl Marx.
A compreensão do pensamento desses três autores será fundamental para que no capítulo 6
possamos analisar as correntes mais contemporâneas da Sociologia da Educação, aquelas que,
nos dias de hoje, vêm dando sustentação à reflexão teórica e metodológica a respeito da prática
docente e dos demais aspectos das relações de ensino e aprendizagem.
Esperamos que ao final deste material você tenha compreendido a importância da reflexão
sociológica para o fazer do professor, e que se sinta estimulado a desenvolver suas próprias
investigações e reflexões sobre o tema.
Objetivos
» Justificar a importância da Sociologia na grade curricular dos cursos de licenciatura,
apresentando a educação enquanto uma instituição social que precisa ser compreendida
de acordo com o contexto em que está inserida.
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CAPÍTULO
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO 1
Introdução
Esperamos que, através desta discussão, você seja capaz de contextualizar a educação enquanto
uma instituição social, que precisa ser compreendida dentro dos contextos específicos em que
está inserida. Veremos ainda, que a prática cotidiana do professor precisa estar alinhada com
os desafios sociais para a educação, e que o referencial teórico da sociologia pode auxiliá-lo a
situar-se em relação a estas questões.
Objetivos
» Refletir a respeito dos fatores que fazem com que um aprendizado possa ser considerado
significativo.
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Ao nos aproximarmos de uma nova temática de estudo, é comum, e inclusive desejável, que
nos indaguemos a respeito da necessidade e importância deste conhecimento, habilidade ou
competência a ser desenvolvido.
Devemos sempre tentar responder à pergunta “por que eu preciso saber sobre isso?”, pois ao
termos consciência dos usos e aplicações que poderemos fazer daquele novo conhecimento
em nossa atividade prática, estaremos muito mais engajados no processo de aprendizagem,
que deixará de ser um ato mecânico de mero cumprimento formal de uma grade disciplinar
predefinida e passará a ser significativo.
De acordo com Carl Rogers (2001), a aprendizagem significativa é aquela que vai muito além
da simples acumulação de fatos e conceitos, realmente penetrando todas as esferas da vida do
indivíduo. Este é o tipo de educação em que ocorre uma verdadeira modificação no aprendiz,
seja ela no comportamento, na personalidade, nas atitudes ou na forma como ele orientará as
suas ações futuras.
Segundo, ainda, Rogers (2001), uma das tendências mais básicas da educação, aquela em que
podemos sempre confiar, é a de que o aluno possui um desejo natural de aprender, descobrir
e aumentar seus conhecimentos e suas experiências. No entanto, esse desejo muitas vezes é
neutralizado pelo sistema educacional, que não compreende que para que uma aprendizagem
seja significativa, a matéria de estudo precisa ser percebida pelo aluno como algo relevante para
que ele atinja seus objetivos.
serão diferentes. Além disso, quando o aluno percebe que o conteúdo é relevante
1999, p. 142).
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Saiba mais
Carl Rogers foi um psicólogo americano que desenvolveu uma abordagem terapêutica que recusava a visão do paciente
como um doente que necessitava de cura, mas, sim, como um ser autônomo que precisaria
reencontrar seu próprio equilíbrio natural.
Este pensamento foi adaptado também para a educação, baseando-se na premissa de que o
aluno possui um desejo natural para o aprendizado, que se concretiza quando reduzimos os
fatores de ameaça do contexto educacional.
Fonte: <https://medium.com/@dan.musashi/uma-defini%C3%A7%
C3%A3o-de-empatia-por-carl-rogers-acb7386cbfbf>
Imagine que no primeiro dia de aula no ensino superior você recebe de presente uma caixa de
ferramentas vazia e, ao longo do curso e das disciplinas, você vai equipando esta caixa com todas
as habilidades, competências e conceitos que serão, no futuro, as suas ferramentas de trabalho,
aquelas que serão utilizadas para solucionar os desafios da prática profissional. Essa caixa de
ferramentas é preciosa e, por isso, deverá ser tratada com carinho e respeito, sendo atualizada
de acordo com a transformação dos problemas a que elas se propõem a solucionar.
Iniciaremos, então, esta conversa sobre Sociologia justificando a presença dela na sua grade
curricular. Por que um professor competente precisa entender de Sociologia da Educação?
Isso é necessário, mesmo que futuramente ele vá lecionar disciplinas de outras áreas, como
Matemática ou Ciências? Por que a Sociologia da Educação merece um espacinho na minha
caixa de ferramentas?
» A educação é uma instituição social, portanto não pode ser compreendida separadamente
do contexto social, e a Sociologia nos ajuda a compreender este contexto.
» A Sociologia nos auxilia a lidar com os desafios sociais contemporâneos, com os quais
o professor precisa lidar em sua prática profissional.
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Ao analisar esses três fatores, esperamos que fique claro para você o porquê de a compreensão
dos conceitos e reflexões da Sociologia fazerem desta disciplina uma ferramenta valiosa para
estar na sua caixa de ferramentas.
De acordo com Reinaldo Dias (2010), instituições sociais podem ser definidas como sistemas
abstratos e complexos que incorporam os valores fundamentais adotados pela sociedade,
estabelecendo um conjunto de normas, padrões de comportamento e relações sociais que deverão
ser seguidos em prol da satisfação de uma necessidade básica específica. Por se relacionarem
a temas fundamentais da vida social, são relativamente duradouras e qualquer modificação
significativa em um destes sistemas provavelmente afetará os demais.
Muito complicado? Não se preocupe, pois vamos entender cada uma das partes desta definição
utilizando como referência a instituição social da Educação, que é a que nos interessa neste
momento.
Família
Economia
Educação
Política
Como vimos na imagem acima, existem diferentes tipos de instituições sociais, e cada uma delas
se organiza a partir de uma necessidade coletiva fundamental.
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
O primeiro ponto a ser esclarecido diz respeito à caracterização da instituição social enquanto
um sistema. Isso quer dizer que ela é composta por um conjunto de elementos que atuam de
forma integrada para o seu bom funcionamento.
A complexidade deste sistema está no fato de que todos os seus elementos interagem entre si,
influenciando uns aos outros e criando, através da sua relação, algo novo, que vai além da simples
soma das partes. Imagine, por exemplo, os grandes projetos que podem ser concretizados quando
um bom professor tem acesso a recursos materiais de ponta; ou quando a secretaria de educação
consegue trabalhar de verdade em parceria com as escolas e as famílias.
No que diz respeito à abstração, queremos dizer que a instituição social existe enquanto ideia,
mas não é tangível fisicamente, sendo os elementos que a compõem responsáveis por garantir a
sua materialidade. Você sempre pode visitar o prédio da escola, cumprimentar seu professor ao
encontrá-lo na rua, segurar os livros que utiliza para estudar, mas a educação em si é algo que
você não pode enxergar ou tocar. Ela é uma ideia que organiza todos estes elementos concretos.
Prosseguindo com a análise de nossa definição inicial, temos a afirmação de que as instituições
incorporam valores que são compartilhados pela sociedade, ou, ao menos, pela sua maioria.
No caso da educação, podemos assinalar como exemplo valores como o respeito à pessoa,
a universalização da educação, a lisura na gestão dos recursos destinados às escolas, etc.
Estes valores são tão relevantes para a sociedade, que mesmo aqueles indivíduos que não se
beneficiam diretamente deles reconhecem a sua importância. Como no caso de um indivíduo
adulto, já escolarizado e sem filhos, que, ainda assim, se revolta diante de um caso de desvio
de dinheiro da merenda, de crianças em comunidades rurais que caminham horas para chegar
à escola mais próxima, etc.
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Normas
Auxiliam o objetivo a ser
cumprido, sem
desrespeitar os valores
Relações
Auxiliam o objetivo a ser
cumprido, sem
desrespeitar os valores
A educação tem como função atender à necessidade básica de formar as novas gerações para
viver em sociedade e dominar os conhecimentos, valores e condutas acumulados pelas gerações
anteriores. A realização deste objetivo será perseguida a partir de normas, comportamentos e
relações sociais padronizadas, que jamais poderão ir contra os valores daquela sociedade.
Todos esperamos, por exemplo, que a escola seja um espaço de socialização onde os indivíduos
aprendam a controlar suas vontades individuais de acordo com as regras coletivas. A disciplina,
neste contexto, será um valor norteador para a educação, sendo criadas estratégias que nos levem
à finalidade inicial de socializar para a convivência.
Em determinado momento histórico, as punições físicas eram vistas como estratégia legítima para
atingir este valor, mas com a mudança social e a inclusão de novos valores, como o de respeito
à dignidade humana e o repúdio à tortura, as escolas precisaram se reorganizar para continuar
servindo ao seu propósito sem, contudo, ferir os valores da sociedade.
E esta é uma transformação que, normalmente, não se restringe apenas a uma das instituições
sociais, visto que estes valores perpassam toda a vida social. Há entre as instituições um alto
grau de interdependência, que faz com que as transformações ocorridas em uma delas se
multipliquem nas demais.
As instituições exercem tal influência que suas atividades ocupam um lugar central
dentro da sociedade; uma mudança drástica em uma instituição provavelmente
provocará mudanças em outras.
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Vale destacar, no entanto, que ainda que os valores de uma sociedade eventualmente se
transformem, fazendo com que as normas, comportamentos e relações precisem ser revistas, a
finalidade básica a que se destina a instituição social é permanente, não sendo modificada com
o passar do tempo ou de acordo com os diferentes contextos sociais.
Para que haja continuidade e previsão nas relações sociais, deve haver uma certa
rotina nos procedimentos e meios aceitos de lidar com os problemas que surgem.
Cada nova geração não precisa inventar seus próprios métodos e crenças para
lidar com tais problemas; as gerações anteriores já criaram as instituições. Essas,
por sua vez, permanecerão por bastante tempo. É certo que sofrerão algumas
alterações, mas, em sua essência, elas continuaram a suprir aquelas mesmas
necessidades para as quais foram criadas. (DIAS, 2010, p. 239).
De acordo com Reinaldo Dias (2010, p. 243), esta função básica das Instituições Sociais é
composta por diferentes tópicos, que podem ser gerais – quando se aplicam a todas as Instituições
Sociais – ou específicos – quando se aplicam a apenas uma ou algumas Instituições.
» Específicos da Educação
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Através da leitura cuidadosa destes objetivos, percebemos que a educação enquanto instituição
social está diretamente relacionada à compreensão pelo indivíduo da sociedade em que vive.
Devemos, portanto, permitir ao aluno utilizar os conhecimentos, habilidades e competências
curriculares para, através deles, agir no mundo; ser membro consciente e participativo na
sociedade. Por este motivo, é impossível pensar a educação desatrelada do contexto social
em que ela acontece.
Afirmamos, desta maneira, que mesmo que um professor esteja em sala de aula ensinando
conceitos puramente teóricos da Matemática, ele deverá estar o tempo todo consciente dos
usos sociais da Matemática na vida cotidiana dos alunos. Ele deverá também estar atento,
enquanto ensina Matemática, para todos os fatores socioculturais envolvidos no processo,
que podem estar contribuindo ou dificultando a aprendizagem.
Ser professor implica, portanto, saber ler o contexto social e se posicionar diante dele. E a
Sociologia é a ciência que nos ensina a fazer isso.
Ainda que a função social da educação enquanto instituição social seja bem delimitada, como
vimos na anteriormente, existe, ainda, muita disputa com relação aos significados, valores e
delimitações destes objetivos, especialmente no que diz respeito à educação que acontece dentro
dos muros da escola.
Existem grupos sociais que defendem a participação da escola no desenvolvimento global dos
sujeitos, enquanto outros acreditam que a escola deve se ater apenas a transmitir conteúdos
disciplinares para o preparo do aluno para exercer seus papéis sociais relacionados ao trabalho.
Esta é uma discussão longa, baseada em diferentes formas de entender o mundo, mas muito
produtiva, uma vez que é através do debate de ideias que somos capazes de nos aprimorar tanto
como indivíduos quanto como sociedade.
Não podemos deixar de considerar, contudo, que ao assumir um cargo docente, estamos
assumindo, como em qualquer outra atividade profissional, um compromisso legal e ético de agir
de acordo com o que determina a nossa legislação, que nada mais é do que a vontade popular
concretizada democraticamente através do Poder Legislativo.
Por mais que discutamos o papel da educação, investigando diferentes aspectos de diferentes
correntes de pensamento social e político, existe no ordenamento jurídico brasileiro uma definição
clara e precisa do papel da educação em nossa sociedade, com base na qual todo professor deve
orientar a sua prática docente.
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
A Constituição Federal de 1988, que é o ponto mais alto do ordenamento jurídico brasileiro e,
portanto, se sobrepõe a qualquer tipo de legislação estadual ou municipal, define o seguinte:
Como vimos, a Constituição Federal afirma especificamente que cabe à educação não só
apresentar ao aluno os conteúdos específicos das disciplinas curriculares, mas, também,
contribuir para que ele se desenvolva plenamente, ou seja, em seus aspectos intelectual, físico,
emocional, cultural e social. Cabe a ela ainda preparar o indivíduo para exercer a sua cidadania
e estar pronto para ingressar no mercado de trabalho.
Durante a formação profissional para lecionar, você está se preparando para fazer parte deste
sistema da educação, desempenhando um papel importantíssimo que é o de professor. Portanto,
é fundamental que não perca de vista que estas recomendações deverão ser o norte em direção
ao qual caminha a sua prática, seja ela na educação infantil, no ensino médio, na educação de
jovens e adultos ou em qualquer outro espaço em que se desenvolvam práticas educativas.
E é justamente para nos ajudar a enfrentar este desafio que se justifica a presença desta disciplina
de Sociologia na sua grade de formação docente, ainda que muitos alunos ainda se mantenham
resistentes quanto ao seu estudo.
Isto se dá pelo fato de a Sociologia ser uma ciência incômoda, que tende a nos tirar da nossa
zona de conforto ao nos fazer refletir a respeito de temas complexos da realidade, como
sexualidade, religiosidade, ideologia, identidades, entre tantas outras temáticas polêmicas.
Ela nos propõe, a partir destes temas, um olhar o mundo com outros olhos, tentando se colocar
no lugar do outro para buscar compreender a realidade a partir do ponto de vista dele. Isso é
assustador! Faz com que, mesmo que por um minuto, eu precise me afastar das minhas certezas
para dar uma oportunidade à compreensão das certezas do outro. E, com isso, passo a refletir
não só sobre ele, mas, também, sobre mim mesmo.
De acordo com Rogers (2001), toda aprendizagem que envolve uma mudança na percepção que
o indivíduo tem de si mesmo tende a suscitar resistência, por ser compreendida por ele como
algo ameaçador, que está ali para eliminar as certezas sobre as quais organiza o seu próprio eu.
Para a maioria das pessoas parece que na medida que outros estão certos, elas
estão erradas. Então, a aceitação de valores externos pode ser profundamente
ameaçadora aos valores que a pessoa já tem, daí a resistência a este tipo de
aprendizagem. (MOREIRA, 1999, p. 142).
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
É este tipo de reflexão incômoda que Rogers (2001) caracteriza como ameaçadora e, portanto,
dificultadora do processo de aprendizagem, uma vez que o aluno passa a não estar mais
predisposto a aprender.
A Sociologia, neste sentido, nos auxilia a ver que aceitar que é certo para os japoneses comer o
feijão doce não faz com que seja errado para nós comer o feijão salgado. São apenas duas formas
diferentes de comer feijão e eu nem preciso passar a comer anko, apenas tenho que respeitar o
direito dos japoneses de apreciar essa iguaria.
Esse olhar específico das Ciências Sociais, que nos ajuda a tentar colocar as lentes do outro para
entender como ele percebe o mundo, é denominado relativismo e deve ser analisado como uma
oposição direta ao etnocentrismo.
Etnocentrismo
Consiste na atitude de julgar as práticas, crenças e valores de determinada cultura ou grupo social,
tomando como base os critérios da cultura do próprio observador, ou seja, quando julgamos o
outro a partir de nós mesmos.
Este comportamento, como define Allan de Paula Oliveira (2018, p. 73), não é inscrito em um
momento histórico específico ou mesmo restrito a apenas algumas sociedades:
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Oliveira (2018) apresenta o exemplo do uso da palavra religião, que costuma ser utilizada para
designar alguns conjuntos de práticas, enquanto outros são tratados como crenças ou cultos.
Temos, assim, um discurso no qual se fala sobre religião católica, religião budista, religião
protestante e crenças indígenas e cultos afro-brasileiros. A utilização dos termos culto e crença,
como defende o autor, são “formas de diminuir as práticas e as concepções sagradas daqueles
considerados outros” (2018, p. 77).
Pense ainda no exemplo de uma escola pública dentro de uma comunidade carente, em que o
professor que leciona – muitas vezes pertencente à classe média e morador de bairros considerados
mais abastados – propõe uma atividade aos alunos com base em uma música. Ele escolherá para
a atividade uma música que esteja de acordo com o gosto de sua própria classe, em detrimento,
por exemplo, do funk, que pode ser uma predileção daquela comunidade escolar. Muitas vezes,
este estilo musical é, inclusive, tratado pelas elites como “barulho” e não como música.
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Estes dois exemplos, como vimos, não implicam necessariamente a violência física contra o
outro. No entanto, concretizam um tipo de violência igualmente perigosa, a violência simbólica.
Violência simbólica
De acordo com Pierre Bourdieu (1992 e 2007), a socialização do indivíduo às normas da sociedade
em que vive consiste na construção de seu habitus, ou seja, na apreensão pelos indivíduos –
de maneira mais ou menos consciente – dos esquemas de percepções, de apreciação e ação
específicos daquela sociedade.
Figura 4. Socialização.
Esquemas de
Maneiras de perceber o mundo
percepção
Habitus
Esquemas de
Maneiras de julgar o mundo
apreciação
Maneiras de comportar-se no
Esquemas de ação
mundo
Este processo ocorre ao longo de toda a vida do indivíduo e divide-se nas seguintes etapas de
socialização:
Sendo assim, temos mais enraizados aqueles esquemas adquiridos na família e na escola, e os
utilizaremos no futuro em outras situações sociais, como o mercado de trabalho. Isso implica dizer,
por exemplo, que um indivíduo aprende ainda na infância a respeitar as figuras de autoridade
como os pais e os professores, e isso vai orientar futuramente a forma como ele se comportará
diante do chefe.
Vale ressaltar, no entanto, que os habitus dentro de uma sociedade não são uniformizados, eles
variam de acordo com as condições de vida de cada sujeito e a sua trajetória social. Imaginemos
um grupo de crianças que vivam na mesma cidadezinha rural. Todas construirão um mesmo
habitus, uma vez que as condições socioeconômicas em que vivem são as mesmas. Bourdieu
(1992 e 2007) chama isso de habitus de classe. Imaginemos, no entanto, que uma destas crianças,
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
já na vida adulta, se mude para um grande centro urbano, ou que outra delas seja eleita prefeito
daquela cidade. Estas trajetórias de vida individuais trarão diversas modificações em seu habitus
em relação àquelas que se mantiveram de forma inalterada dentro do mesmo contexto de sua
socialização primária.
Bourdieu salienta ainda que toda sociedade se divide internamente entre dominantes e dominados,
sendo o primeiro grupo formado pela elite intelectual e econômica, e o segundo pelas camadas
populares. Estas classes dominantes, segundo ele, possuem o poder para definir o valor que será
atribuído a cada prática ou aspecto da vida cultural. São elas que determinaram a legitimidade
da cultura, criando com isso uma divisão entre aquilo que é de “bom gosto” ou de “mal gosto”,
sendo o primeiro sempre aquele que se refere às práticas das classes dominantes e o segundo
às práticas das classes dominadas.
Bourdieu apresenta, assim, que a hierarquia socioeconômica cria uma hierarquia cultural
a medida que as classes mais abastadas impõem o seu próprio habitus de classe sobre as
demais, pois a cultura não possui valor em si mesma, mas, sim, aquele que é atribuído pela
sociedade.
Cabelo, por exemplo, é apenas cabelo, mas aprendemos desde que somos muito jovens que
existe uma distinção social muito bem delimitada entre o que é um “cabelo bom” e um “cabelo
ruim”. O cabelo bom é liso, enquanto o cabelo ruim é crespo, mas ninguém nos explica que em
sua origem esta distinção tinha um objetivo muito específico de desclassificar a ancestralidade
africana do possuidor do cabelo. Negros ocupam historicamente no Brasil as posições mais baixas
na hierarquia social e, portanto, aquilo que faz parte do seu habitus específico é desqualificado: o
cabelo, as músicas, a religião, etc. E isso continua sendo reproduzido até os dias de hoje, disfarçado
de senso comum, de bom gosto ou mesmo como sinônimo para pessoas bem ou mal-educadas.
Pense, por exemplo, em quantas meninas negras alisam seus cabelos crespos para se sentirem
de acordo com a norma, para conquistarem melhores empregos, para serem levadas a sério
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CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
e respeitadas em diversos contextos sociais. Isso ocorre porque a socialização a que somos
submetidos diz que o cabelo crespo é ruim, sujo, malcuidado, e que a pessoa que o tem é
desorganizada, descuidada, descomprometida.
Novamente, cabelo é apenas cabelo e os significados culturais que atrelamos a eles são construídos
pela sociedade, tendo como referência as classes dominantes.
Re t o m e m o s o exemplo a p re s e n t a d o
anteriormente de uma atividade proposta em sala de aula tendo uma música como referência.
A música utilizada na atividade proposta será escolhida de acordo com o gosto do professor
que, independentemente de sua classe econômica, é membro de uma elite intelectual, e estilos
musicais como o funk ou o rap, que são típicos das periferias e das camadas mais populares da
população, usualmente são classificados como música de “mau gosto” ou de “má qualidade”,
não havendo, portanto, espaço para eles dentro do contexto escolar.
Perceba que, neste caso, o professor atua como reprodutor das relações de poder, muitas vezes
sem sequer ter consciência disto. O aluno, da mesma forma, aceita a dominação ao não se
questionar sobre a legitimidade da música erudita em detrimento da música popular.
Este é um ciclo cruel de manutenção das desigualdades e a consciência de sua existência ajuda
o professor a retirar-se da equação, dando aos seus alunos maiores chances de entenderem
também o seu papel nestas relações.
Falamos sobre o exemplo do cabelo e da música, mas poderíamos nos alongar a respeito das
próprias expectativas relacionadas à educação popular, como as ideias de que nas escolas públicas
as famílias não se importam, os alunos são fracos, desinteressados, acomodados, sem ambições
para o futuro. E estes preconceitos, em alguns casos, acabam sendo absorvidos pelo professor,
que passa a nortear sua prática profissional com base neles.
Quem gosta de perder tempo com causas perdidas? Quem deseja investir tempo e esforço em um
projeto em que os bons resultados são impossíveis? Pra que vou chamar a família para participar
do processo educativo se ela não vai comparecer mesmo?
20
Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Assim, quando assumimos o discurso de que os alunos não são capazes, simplesmente paramos
de tentar, de estimular, de buscar novas estratégias, e, com isso, a profecia se autorrealiza, os
alunos de fato não progridem e a violência simbólica se perpetua.
O objetivo dos autores era testar a hipótese de que, em situação escolar, aquelas
crianças das quais os professores esperam um maior crescimento intelectual,
realmente mostram tal progresso.
Como justificativa para o estudo foi dito às professoras que havia necessidade
de avaliar a eficiência de um novo tipo de teste, planejado para predizer o
progresso intelectual das crianças. Utilizou-se o Teste de Capacidade Geral de
Flanagan (TOGA), que é um teste padronizado de inteligência e desconhecido
pelas professoras na época, por ser relativamente novo. Este teste é formado por
dois subtestes relativamente independentes, destinados a avaliar a capacidade
verbal (compreensão da língua) e o raciocínio.
O teste foi aplicado a todas as crianças da escola pelas professoras. Em cada uma das
18 classes cerca de 20% das crianças foram aleatoriamente escolhidas e indicadas
a suas professoras como potencialmente capazes de rápido desenvolvimento
intelectual, a partir dos resultados obtidos no teste. A apresentação dos nomes
das crianças para as professoras foi intencionalmente informal. O tratamento
experimental constituiu-se, pois, apenas em indicar os nomes de algumas crianças
a suas professoras como sendo crianças das quais se poderia esperar progressos
intelectuais rápidos no ano que se iniciava. Portanto, a diferença entre as crianças
do grupo experimental e as crianças do grupo controle (todas as outras que não
foram indicadas), estavam apenas na mente das professoras.
Não se pretende com isso atribuir a responsabilidade pelo fracasso escolar apenas ao professor,
pois sabemos que ele é causado por uma complexa rede de fatores sociais, culturais, históricos,
econômicos e culturais. No entanto, precisamos entender que somos também parte do problema,
e que, ao termos consciência disso, somos capazes de refletir criticamente e buscar maneiras
de modificar este quadro.
Uma estratégia fundamental para o combate à violência simbólica nas escolas é a adoção,
especialmente por parte dos professores, da atitude relativista.
21
CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Relativismo cultural
O relativismo cultural consiste em compreender a cultura do outro a partir dos seus próprios
termos, buscando entender os significados que as pessoas que fazem parte daquele grupo
atribuem aos fatos e valores de sua cultura. Deixa-se, assim, de julgar os costumes e valores
do outro com base nos do próprio observador e aquilo que, para o senso comum, poderia ser
classificado como irracional ou carente de sentido passa a ser encarado como algo significativo
para aquele grupo específico de pessoas.
As aplicações deste conceito para a realidade educacional e a violência simbólica nas escolas
são inúmeras. No que diz respeito à postura do professor, representa uma modificação moral
no comportamento com relação aos estudantes, pois, antes de julgar e condenar certas práticas,
deve tentar compreendê-las de acordo com o contexto em que estão inseridas.
Podemos refletir sobre esta possibilidade partindo do exemplo hipotético de um aluno muito
comunicativo, desenvolto na forma de falar, mas que utiliza muitas gírias e comete muitos erros
de concordância. Para um professor de Língua Portuguesa etnocêntrico, esta conduta pode ser
julgada como desinteresse e falta de competência, pois se baseia na utilização da forma culta
da língua enquanto único marco de referência para o “falar bem”. A conduta deste professor, em
consequência, será normatizada por este valor e o aluno será tratado como fraco, punido com
notas baixas, ou mesmo ignorado por não manifestar qualquer tipo de inclinação especial para
o estudo de línguas.
Um segundo professor de Língua Portuguesa, no entanto, compreende que este aluno vem de um
contexto social em que as pessoas falam desta forma, que ele foi socializado desde que nasceu
nesta estrutura linguística e com aquele tipo de vocabulário. Percebendo a fala do aluno a partir
dos seus próprios critérios, ele percebe um desempenho acima da média na comunicação do
aluno, na forma como organiza seu pensamento e transmite suas ideias. A partir daí, o que antes
foi visto como deficiência será tratado como potencialidade e o aprendizado da norma culta
será apresentado ao aluno como uma nova estratégia de comunicação que se acredita que ele é
completamente capaz de dominar.
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Qual professor você imagina que obterá os melhores resultados no desempenho deste aluno na
disciplina de Língua Portuguesa? O que apresenta a norma culta como resolução para um defeito
ou o que a trabalha como forma de aprimorar uma qualidade?
No mesmo sentido, no exemplo da música utilizada como motivador para uma atividade em
sala de aula, um professor que relativize o contexto sociocultural de seus alunos escolherá
uma música que se adéque ao tema a ser trabalhado, mas que igualmente seja interessante e
faça sentido para os alunos. Este é um ponto de partida, no qual o aluno se identifica, sente o
seu próprio saber valorizado e, posteriormente, se interessa em saber mais sobre o assunto. O
professor pode, então, com muito mais sucesso, apresentar outras propostas musicais.
O que estamos propondo é um diálogo entre os referenciais já utilizados pelo aluno e aqueles
novos referenciais que serão apresentados pela escola.
Cuidado
Tratar com respeito e empatia os referenciais do outro não equivale a aceitar qualquer coisa com a justificativa da
diversidade cultural. Não é uma questão de vale-tudo!
A proposta é não criar generalizações do tipo “tudo neste universo é bom” e “tudo naquele universo é ruim”. No entanto,
qualquer conteúdo cultural que faça alusão a crime, violência ou a desrespeito aos direitos humanos deverá ser questionado
e, por isso mesmo, o processo é orientado pelo professor. Cabe a ele decidir pedagogicamente as estratégias a serem
adotadas para trabalhar diferentes conteúdos culturais e a adequação de cada um deles de acordo com as turmas em que
serão trabalhados.
Por fim, a Sociologia da educação justifica a sua presença nos cursos de licenciatura por nos
oferecerem os conceitos teóricos e metodológicos que nos permitam lidar com os inúmeros
desafios sociais que se apresentam no cotidiano da sala de aula.
Não é possível que o professor se mantenha vendado para as transformações sociais, acreditando
que a escola seja uma espécie de Ogígia, ilha mitológica afastada de toda a realidade exterior,
onde o tempo não passa e nenhuma influência externa pode penetrar. Este posicionamento,
fundado num saudosismo romantizado de que “no meu tempo tudo era melhor”, não traz
qualquer contribuição para a prática docente, apenas rancor e nenhuma motivação.
23
CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
A educação, como vimos, é uma instituição social e, portanto, a escola, os alunos, os conteúdos, as
metodologias e qualquer outro referencial atrelado a ela não podem ser entendidos isoladamente.
O preço a pagar por esta tentativa de afastamento do docente entre a sua prática e a realidade
é aos poucos ele ir deixando de ser um professor e transformar-se no que Celso Antunes (2007)
define como um “professauro”, ou seja, aquele professor que pretende a qualquer custo fazer
com que os novos tempos se adéquem a ele, e não o contrário.
Como defende o autor, é impossível desejar, nos dias de hoje, os mesmos resultados alcançados
com uma aula planejada há 30 anos:
Há trinta anos não havia o celular, os computadores não eram o que hoje são e
uma simples viagem de São Paulo a Ubatuba não demorava menos que seis horas.
Nesses trinta anos o mundo mudou, a medicina evoluiu, a tecnologia avançou,
os transportes se aceleraram. Mas ainda existem aulas em que o professor é o
centro do processo de aprendizagem. Nem todos os dinossauros foram extintos.
(ANTUNES, 2007, p. 16)
O autor prossegue deixando claro que a utilização do vocábulo dinossauro, neste contexto, não
tem a intenção de ser ofensiva, mas designa aqueles profissionais que insistem em conduzir
a sua prática segundo procedimentos e expectativas de uma escola que não existe mais. O
mundo muda, as sociedades se transformam e a educação precisa acompanhar este processo.
Se definimos no início deste capítulo que o objetivo da educação enquanto instituição social é
formar os indivíduos para a vida em sociedade, precisamos entender que sociedade é essa, ou
estaremos falhando em nossa missão.
Sendo assim, podemos estabelecer os seguintes itens como principais características da sociedade
de nossos tempos a causar impacto sobre a realidade das salas de aula:
» Sociedade tecnológica: o mundo conheceu, nas últimas décadas, uma série de avanços
tecnológicos, especialmente nas áreas de informação e conectividade, que reconstruíram
completamente aquilo que esperamos da educação. Se antes chamávamos de sociedade
24
Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Considerando que um dos maiores desafios da escola sempre foi o de formar os alunos para se
integrarem ao mercado de trabalho, podemos dizer que este desafio aumenta enormemente
quando nos referimos a um mercado de trabalho que não entendemos e que sequer existe ainda.
Estes são apenas alguns entre os tantos fatores que um docente precisa considerar ao organizar
a sua prática de forma reflexiva e contextualizada no Brasil contemporâneo. E, com isso, sequer
nos aproximamos dos tantos desafios locais e regionais que se apresentam ao professor.
No entanto, podemos garantir que o estudo da Sociologia lhe ajudará a lançar uma boa luz sobre
estes temas, o que faz desta disciplina uma ferramenta indispensável na sua caixa de ferramentas
docente.
25
CAPÍTULO 1 • Sociologia e Educação
Para refletir
Para os professores, uma oportunidade ímpar de aprender e crescer, um momento mágico de revisão crítica e decisões
corajosas; para os professauros, o angustiante retorno a uma rotina odiosa, o eterno repetir amanhã tudo quanto de certo e
de errado se fez ontem.
Para os professores, a alegria de percebê-los cada vez mais sabidos e curiosos e a vontade de fazê-los efetivos protagonistas
das aulas que ministrarão. A certeza de que não os ensinarão, mas poderão contribuir de forma decisiva para iluminar suas
inteligências e afiar suas muitas competências. Para os professauros, nada mais que chatíssimos clientes que transformados
em espectadores pensarão sempre mais na indisciplina que na aprendizagem, na vagabundice que no crescimento interior.
Para os professores, um momento especial para propor novas situações de aprendizagens pesquisadas e através das mesmas
provocar reflexões, despertar argumentações, estimular competências e habilidades; para os professauros, nada além que a
repetitividade de informações que estão nos livros e apostilas e a solicitação de esforço agudo das memórias para acolher o
que se transmite, ainda que sem qualquer significação e poder de contextualização ao mundo em que se vive.
Para os professores, um volume de informações que necessitará ser transformado em conhecimentos, uma série de veículos
para que com eles se aprenda a pensar, criar, imaginar e viver; para os professauros, trechos cansativos de programas
estáticos que precisam ser ditos, ainda que não se saiba por que fazê-lo.
Para os professores, desafios a superar, esperanças a aguardar, conhecimentos para cada vez mais se aprender, a fim de se
fazer da arte de amar o segredo de viver; para os professauros, a rotina de se trabalhar por imposição, casar por obrigação,
fazer filhos por tradição, empanturrar-se para depressa se aposentar e quanto antes morrer.
O relatório do pesquisador espacial prossegue, mas não é objetivo desta crônica pelo mesmo avançar. O que com a mesma,
efetivamente, se pretende são duas singelas interrogações. Você descobre em colegas que conhece quem pertence a uma e a
outra categoria? E você, prezado amigo, com sinceridade, a que categoria pertence?
(ANTUNES, 2007, p. 13-14).
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Sociologia e Educação • CAPÍTULO 1
Sintetizando
» Para que uma aprendizagem possa ser considerada significativa, o aluno deve compreendê-la como relevante para a
obtenção de seus objetivos.
» A presença da Sociologia da Educação nos cursos de formação de professores pode se justificar pelos seguintes motivos:
A educação é uma instituição social, que, portanto, não pode ser compreendida separadamente do contexto social, e a
Sociologia nos ajuda a compreender este contexto.
A Sociologia nos dá o suporte necessário para refletir criticamente sobre a prática docente, questionando nosso papel
enquanto educadores e desnaturalizando tudo o que fazemos cotidianamente.
A Sociologia nos auxilia a lidar com os desafios sociais contemporâneos, com os quais o professor precisa lidar em sua
prática profissional.
» Instituições sociais podem ser definidas como sistemas abstratos e complexos que incorporam os valores fundamentais
adotados pela sociedade, estabelecendo um conjunto de normas, padrões de comportamento e relações sociais
que deverão ser seguidos em prol da satisfação de uma necessidade básica específica. Por se relacionarem a temas
fundamentais da vida social, são relativamente duradouras e qualquer modificação significativa em um destes sistemas
provavelmente afetará os demais.
» A educação é uma instituição social que visa atender à necessidade básica de formar as novas gerações para viver em
sociedade e dominar os conhecimentos, valores e condutas acumulados pelas gerações anteriores.
» De acordo com a Constituição Federal, cabe à educação não só apresentar ao aluno os conteúdos específicos das
disciplinas curriculares, mas, também, contribuir para que ele se desenvolva plenamente, ou seja, em seus aspectos
intelectual, físico, emocional, cultural e social. Cabe a ela, ainda, preparar o indivíduo para exercer a sua cidadania e estar
pronto para ingressar no mercado de trabalho.
» O conceito de etnocentrismo consiste na atitude de julgar as práticas, crenças e valores de determinada cultura ou grupo
social, tomando como base os critérios da cultura do próprio observador, ou seja, quando julgamos o outro a partir de nós
mesmos.
» A violência simbólica ocorre quando os esquemas de dominação submetem a própria vontade do dominado em perpetuar
a dominação, uma vez que o habitus das classes dominantes é ensinado dentro do processo de socialização como única
cultura legítima.
» O relativismo cultural consiste em compreender a cultura do outro a partir dos seus próprios termos, buscando entender
os significados que as pessoas que fazem parte daquele grupo atribuem aos fatos e valores de sua cultura.
» As transformações na sociedade implicam também transformações no campo da educação, com relação às quais o
professor precisa manter-se atualizado.
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CAPÍTULO
EM BUSCA DE UMA CIÊNCIA PARA
ENTENDER A SOCIEDADE 2
Introdução
Neste capítulo, definiremos a Sociologia enquanto estudo das sociedades, que prima pela
observação objetiva, sistemática e metódica dos fenômenos sociais, em sintonia com o tipo de
construção de conhecimento proposto pelas Ciências da Natureza.
Veremos que o pensamento científico não é a única forma através da qual os seres humanos
explicam a sua própria realidade e analisaremos as transformações sociais desenroladas a partir
do século XV que levaram à valorização deste tipo de saber.
Objetivos
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Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
Quando falamos sobre Sociologia, a primeira imagem que vem à mente da maioria das pessoas
é a de um campo de estudos que pensa sobre a sociedade, buscando entender e explicar de que
forma ela funciona. O propósito do sociólogo seria, portanto, responder a perguntas como:
» Por que os indivíduos em sociedade fazem o que fazem da maneira que fazem?
» Por que os indivíduos em sociedade fazem o que fazem no momento em que fazem?
» Por que os indivíduos em sociedade fazem o que fazem nas condições que fazem?
» Por que os indivíduos em sociedade fazem o que fazem com as pessoas que fazem?
Na verdade, este ato de se perguntar a respeito do mundo é o que nos torna diferentes de todos
os outros animais. O ser humano não só pensa, como é capaz de utilizar este pensamento para
interpretar o mundo, analisar seus próprios atos, planejar, criar e transmitir o conhecimento
acumulado através das gerações.
No entanto, é preciso compreender que existem diferentes tipos de conhecimentos que podem
ser construídos através do pensamento, cada um deles partindo de uma premissa diferente
para responder a um questionamento. Sendo assim, não é a pergunta em si que nos leva a uma
resposta, mas o tipo de pensamento que utilizamos para abordar esta pergunta, que nos levará
a um resultado entre muitos possíveis.
Vejamos a seguir os quatro principais tipos de conhecimentos e as premissas a partir das quais
cada um deles busca analisar os fatos:
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CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
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Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
» Tenho certeza de que vai chover! Esse céu preto não me engana. Toda vez que fica assim
cai um baita temporal. É melhor levar um guarda-chuva e, antes de sair, vou cobrir o
espelho da penteadeira, pois minha avó sempre me disse que espelho descoberto em
dia de temporal atrai raio. Não sei se isso é verdade, mas é melhor não arriscar.
» Ah, não! Vai cair o maior temporal! É Deus me castigando porque eu disse pra minha
mãe que ia ficar em casa estudando. Pode ser também um aviso divino de que se eu sair
de casa uma coisa terrível vai acontecer, como um acidente ou um assalto. É melhor
ficar em casa. Vou ligar pro pessoal e dizer que eu não vou.
» Sempre que o céu está cheio de nuvens negras a probabilidade de que chova aumenta
consideravelmente. Está tarde; o céu está cheio de nuvens negras, portanto é lógico
afirmar que a probabilidade de que chova aumentou consideravelmente. Deixar de ir
ao cinema, nesta situação, seria uma ação sábia, mas será que tal comportamento não
seria antiético, uma vez que meus amigos já podem ter saído de casa e, portanto, estão
expostos às consequências da chuva acreditando que eu honrarei a minha palavra e me
encontrarei com eles na entrada do cinema?
» Essa quantidade de nuvens negras no céu me leva a crer que vai chover, pois as nuvens
de chuva normalmente são mais espessas por estarem carregadas de gotículas de água,
o que dificulta a passagem dos raios de sol, explicando, assim, a coloração escura. No
entanto, a mera aglomeração de nuvens e a sua coloração não me fornecem dados
suficientes para determinar as chances de chover. Vou consultar a previsão do site do
Instituto Nacional de Meteorologia, pois eles utilizam dados confiáveis coletados por
satélite e uma metodologia de cálculo da possibilidade de chuva com uma alta taxa de
acertos. Vou fazer esta pesquisa antes de tomar uma decisão sobre ir ou não ao cinema.
31
CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
Você consegue identificar a que tipo de conhecimento se relaciona cada uma das respostas
apresentadas acima?
Já na segunda resposta, a questão sobre o mau tempo foi respondida com base no pensamento
teológico, pois a possibilidade de chuva foi associada a um ato divino. Deus estaria punindo o
sujeito por um mau comportamento ou enviando um presságio para protegê-lo de um infortúnio
iminente. Neste caso, o conhecimento sobre a chuva se fundamenta estritamente na fé do
indivíduo de que Deus tem o poder de transformar o tempo de acordo com a sua vontade, e não
cabe ao devoto questionar este fato.
No terceiro caso, o conhecimento utilizado para refletir sobre o tempo foi o filosófico. Perceba
que o sujeito parte da observação racional e lógica para determinar que a chuva se aproxima
e, partindo desta informação, conclui que a melhor ação a tomar seria não se arriscar saindo
de casa. No entanto, esta conclusão o leva a uma nova reflexão, que diz respeito às implicações
éticas atreladas ao seu não comparecimento ao cinema.
Por fim, temos uma resposta fundamentada no conhecimento científico, pois o sujeito associa
sua observação objetiva do tempo aos conhecimentos já testados e verificados a respeito da
formação das nuvens de chuva. Complementando esta análise, ele decide verificar uma fonte
de dados confiável, da qual ele conhece o método rigoroso de coleta e análise de informações,
para chegar a uma resposta a mais próxima possível da realidade. Apenas quando todos estes
fatores forem devidamente analisados será possível passar à próxima pergunta, que diz respeito
a ida ou não ao cinema.
As principais diferenças entre esses dois tipos de conhecimento têm a ver com
o objeto e o método de estudo. O objeto de estudo do conhecimento científico
são dados materiais, que podem ser percebidos pelos sentidos e observados
com a ajuda do método experimental. Já o objeto do conhecimento filosófico
é bem diferente. A filosofia está interessada em temas que vão além do que os
sentidos podem captar: ela parte da experiência material para a reflexão abstrata.
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Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
Aqui, usamos a reflexão para pensar sobre nós mesmos e sobre a realidade.
(MASCARENHAS, 2012, p. 23).
Da mesma forma, é possível argumentar que tanto a ciência quanto o senso comum podem partir
da observação de um fato e da experimentação para construir um conhecimento. No entanto,
a ciência precisa ser objetiva, e restringir as suas conclusões apenas àquilo que se pode avaliar
e concluir através dos dados analisados, enquanto o senso comum é subjetivo e, portanto, abre
espaço para a imaginação, as predileções, valores e afetos.
Considere que um estudo conduzido cientificamente conclui que o chá de camomila e o chá
de erva cidreira contêm um elemento em sua composição que possui propriedades calmantes.
Uma pessoa que escute os conselhos da avó poderá chegar à mesma conclusão simplesmente
tomando o chá em um dia estressante e sentindo-se mais calma depois disso.
Se perguntarmos ao cientista qual dos dois chás é mais eficiente, sua resposta estará vinculada
à composição química das ervas e de sua reação na bioquímica do corpo. Ele deverá ainda
apresentar junto com suas conclusões o exato processo através do qual testou e investigou as
propriedades calmantes das duas ervas, para que outro pesquisador, se desejar, possa reproduzir
o experimento para comprovar ou refutar a sua hipótese.
A pessoa que simplesmente toma o chá recomendado pela avó, por outro lado, poderá dizer
que um deles é melhor porque é mais gostoso ou porque tem uma recordação afetiva da avó
preparando o chá. E se fizermos a mesma pergunta a outro bebedor de chás, seu veredito pode
ser exatamente oposto baseado nas mesmas justificativas.
Você agora deve estar pensando: então, se a ciência me garante maior precisão nas respostas,
posso dizer que o conhecimento científico é melhor do que todos os outros!
Não necessariamente.
Contudo, o que definirá o quão “melhor” será um tipo de conhecimento, será o contexto em
que ele será necessário, seus objetivos e a utilização que será feita dele. Se você deseja construir
uma ponte, aconselho que utilize o método científico; para decidir que sapato usar na festa de
aniversário do seu irmão, o senso comum poderá ser mais indicado; no caso da perda de um ente
querido, o conhecimento religioso pode ser capaz de trazer o conforto que nenhum dos outros
trará; e o conhecimento filosófico pode ser essencial para que você analise todas as implicações
envolvidas em contar para sua melhor amiga que o marido dela está tendo um caso extraconjugal.
33
CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
Mas o que tudo isso tem a ver com a Sociologia? Como toda esta distinção entre tipos de
conhecimento nos ajuda a saber se nosso amigo das cavernas, há sessenta mil anos, refletindo
sobre as pessoas se abrigando da chuva já era um sociólogo?
Estou certa de que, depois de discutirmos os diferentes tipos de conhecimentos, você pode imaginar
que a resposta a que aquele sujeito chegou sobre o dilema da chuva foi baseada na reflexão religiosa
ou do senso comum. A utilização da racionalidade na construção de conhecimento surgiu apenas
na Grécia do século VI a.C., quando a insatisfação diante das respostas fornecidas pelos mitos
fez com que os primeiros filósofos buscassem uma nova forma de explicar o mundo, não mais
centrada no sobrenatural, mas, sim, na observação e na reflexão racional a respeito da realidade.
Com o passar do tempo, esta observação racional da filosofia a respeito dos fenômenos da natureza
foi se tornando cada vez mais metódica e especializada, dando origem, assim, a ciências como
Biologia, Física, Química, etc.
Entretanto, é apenas no século XV, com o final da Idade Média e o início da Idade Moderna, que
a ciência se tornará, como aponta Alessandro Paixão (2012), a forma dominante e aceita como
verdadeira para explicar a realidade. Este, para nós, é um dado importante, pois foi apenas quando
atribuímos à ciência a primazia enquanto forma de explicação da realidade, que estabelecemos
o contexto propício para o surgimento da Sociologia.
Para de fato compreendermos o que é a Sociologia, seu objeto de estudo e o método através do
qual ela se dedica a explicar a sociedade, é fundamental compreendermos o contexto histórico e
social em que se dá o nascimento desta disciplina. Como apontado por Bomeny (2016), a Sociologia
é uma filha da modernidade, criada na Europa no século XIX, mas herdeira das transformações
sociais que se iniciaram a partir do século XV.
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Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
Vejamos a seguir mais detidamente a contribuição de cada uma destas grandes transformações
sociais para o surgimento da Sociologia:
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CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
A união de todos estes fatores constrói um retrato bastante preciso de como era a vida no final
do século XVIII e início do século XIX.
Não temos mais a autoridade religiosa nos dizendo que a vida é como é por desígnio divino e
precisamos encarar a nossa própria responsabilidade pelas condições sociais em que vivemos;
lidamos agora com cidades populosas que apresentavam problemas sociais em escalas nunca
antes vistas; o contato com povos e culturas completamente diferentes da europeia criavam um
estranhamento crescente e suscitavam o incômodo de se perguntar como lidar com este “outro”
que é tão diferente de mim. Por fim, temos a ciência a todo vapor, utilizando seu método de
investigação para refletir sobre todas as áreas da vida humana e para solucionar toda sorte de
problemas que ela pudesse apresentar.
É neste contexto que surge o seguinte questionamento: e se nós utilizássemos o método científico
para estudar a sociedade e solucionar, com isso, os seus problemas?
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Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
Saiba mais
Para visualizar as condições sociais conturbadas no início do século XIX, temos duas boas dicas de filme:
Germinal
Fonte: <filmow.com/germinal-t5082/>
Os miseráveis
Baseado no romance de Victor Hugo, este filme musical é ambientado em plena Revolução Francesa
e, a partir da história de vida do personagem Jean Valjean, retrata as condições de exploração da
classe operária no século XIX.
Fonte: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-190788/fotos
/detalhe/?cmediafile=20369586>
Ao longo da história da Sociologia, muitas definições foram atribuídas a esta disciplina, cada
uma delas associada a uma corrente de pensamento específica, na tentativa de deixar claro o seu
próprio ponto de vista a respeito da particularidade de sua abordagem, de seu foco de estudo e
de suas interpretações. É admissível, desta forma, afirmar que a Sociologia pode ser entendida
como “a ciência dos fatos sociais”, “a ciência da ação social”, “a ciência das relações sociais”, “a
ciência dos fenômenos sociais”, entre tantas outras definições corretas, mas não necessariamente
completas ou consensuais dentro do próprio campo da Sociologia.
De acordo com Nildo Viana (2011), existe, no entanto, uma definição mais simples a que podemos
recorrer para entendermos com clareza o que significa a Sociologia. Esta definição proposta por
ele é interessante não só por simplificar o entendimento, mas por ser tão abrangente que todas
as definições complexas apresentadas anteriormente cabem dentro dela:
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CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
Esta definição é um excelente ponto de partida para nossa reflexão, pois deixa evidentes os dois
pontos fundamentais de todo o fazer sociológico:
A própria formação do termo sociologia revela a importância destes dois pressupostos para a
compreensão do que significa esta disciplina:
Torna-se claro, desta forma, que o sociólogo não é aquele que simplesmente se questiona a
respeito da vida em sociedade, mas, sim, aquele que busca respostas para estes questionamentos
através da investigação científica, cujos principais aspectos são:
» Ser objetiva, pois suas conclusões são baseadas exclusivamente nos fatos e não em
valores, crenças ou experiências pessoais do investigador, que deve ser manter o mais
neutro possível para não influenciar os resultados obtidos.
» Ser verificável, pois os experimentos que levaram a determinado resultado podem ser
reproduzidos para avaliar a sua autenticidade.
Imagine, por exemplo, que um cientista da área da Física estuda a velocidade atingida por um
projétil ao ser arremessado de determinada altura. Para desenvolver esta experiência, ele seguirá
uma metodologia rígida, em que sejam devidamente registradas e controladas variáveis como
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Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
o peso do projétil, a altura e a força do arremesso, o atrito com o ar, etc. Depois de concluída a
análise, um segundo pesquisador, que tenha tido acesso aos dados da primeira pesquisa, poderá
reproduzir o mesmo experimento, partindo das mesmas variáveis, para verificar se o resultado
apresentado anteriormente está correto ou não.
Outro ponto complexo diz respeito à metodologia, pois se no exemplo inicial o experimento era
conduzido em um laboratório com as variáveis devidamente controladas, a vida social não pode
ser retirada de seu contexto ou reproduzida em ambiente estéril. Isso faz com que a Sociologia
precise construir seus próprios métodos de investigação da realidade, que se aproximam das
Ciências da Natureza na rigorosidade, mas devem possuir suas próprias estratégias de análise.
Por fim, ainda que o registro metodológico me forneça todas as variáveis e circunstâncias nas
quais determinada pesquisa sociológica foi desenvolvida, a capacidade de reprodução desta para
verificação nunca será tão precisa quanto nas Ciências Naturais. Mesmo que eu vá ao mesmo
local, converse com as mesmas pessoas e observe os mesmos costumes e práticas, o simples fato
da passagem de tempo pode ser suficiente para alterar meus resultados.
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CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
Fonte: <https://novaescola.org.br/conteudo/186/auguste-comte-pensador-frances-pai-positivismo>
O pensador francês Auguste Comte foi o responsável, em 1839, por cunhar o termo sociologia
para se referir a esta nova disciplina, que era vista por ele como a verdadeira ciência para
compreender a natureza humana. De acordo com este autor, caberia à Sociologia utilizar os
métodos das Ciências Naturais – observação, experimentação e comparação – para analisar de
forma positivista todas as leis fundamentais dos fenômenos sociais (FERRÉOL e NORECK, 2007).
O Positivismo desenvolvido por Comte postulava que o método científico aplicado ao estudo
da sociedade seria capaz não só de compreender o seu funcionamento como de construir
uma linha evolutiva das sociedades, onde estivesse claro o seu passado e pudéssemos prever
também o seu futuro. Desta forma, ao conhecer as leis que regeriam a sociedade, seria possível
reorganizar a vida social para progredir, fazendo com que a sociedade alcançasse o seu ponto
máximo de desenvolvimento.
Da mesma forma que o químico poderia prever como se dariam as reações entre
elementos químicos depois de descobrir as leis de funcionamento dessas reações,
o sociólogo seria capaz também de identificar leis invariáveis de funcionamento
da coletividade e prever os acontecimentos com base no entendimento dessas
leis. (PAIXÃO, 2012, p. 49).
Com base neste ideal positivista, Comte elabora a “lei dos três estados”, na qual defende que o
pensamento humano teria se desenvolvido em fases ou estágio bem definidos.
» Estado teológico – marcado pelo pensamento mítico em que todas as explicações para
o mundo recorrem à religiosidade e ao sobrenatural.
Esta teoria evolutiva da sociedade foi utilizada inclusive para justificar a colonização e opressão
das populações de todo o globo pelos europeus, que, de acordo com o esquema proposto por
40
Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
Comte, estariam no ponto mais alto da evolução social. Uma vez que se acreditava que todas
as sociedades evoluiriam da mesma forma, seria, inclusive, um ato de bondade e justiça que os
colonizadores impusessem sobre os colonizados o seu próprio modo de vida com o intuito de
acelerar este processo evolutivo.
Posteriormente, esta teoria da evolução social foi duramente criticada, por não considerar a
pluralidade das sociedades e das suas culturas. No entanto, como destaca Nildo Viana (2011, p.
25), não podemos desconsiderar a importância de Comte para o estabelecimento da Sociologia
como uma ciência particular.
Sociologia clássica
É apenas no final do século XIX, no entanto, que despontam os três pensadores que de fato
conseguiram lançar as bases teóricas para o estudo da sociedade enquanto ciência. São eles:
Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.
Como indicado por Paixão (2012), estes autores possuem reflexões teóricas que ainda nos dias
de hoje são capazes de suscitar questionamentos interessantes e de propor respostas para eles.
Trata-se de pensadores que, pela amplitude de suas elaborações teóricas, são considerados como
clássicos, e suas obras continuam sendo estudadas como bases do pensamento sociológico.
Cuidado
↓ ↓
Autores, como Comte, que contribuíram historicamente Autores que, além da contribuição histórica, possuem
para a constituição da disciplina, mas cujas teorias teorias que, apesar da passagem do tempo, não perderam
perderam seu valor explicativo. seu valor enquanto explicações da realidade. Ainda hoje,
estes autores clássicos são utilizados para fundamentar
teoricamente as reflexões sociológicas.
41
CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
Desde a origem da Sociologia, uma das principais indagações teóricas a mobilizar a reflexão e
investigação de inúmeros pensadores diz respeito à relação existente entre indivíduo e sociedade.
Trata-se, como sintetiza Afrânio Silva et al. (2016, p. 41), da tentativa de responder aos seguintes
questionamentos:
Para melhor compreender esta inquietação teórica, imagine que a sociedade é marcada pela
existência de um grande cabo de guerra. De um lado, estaria puxando o indivíduo e seu
comportamento particular. Do outro lado, estaria a sociedade e seu comportamento coletivo.
Quem venceria esta disputa?
Fonte: superpsicoeducador.blogspot.com
Ainda segundo Silva (2016), o pensamento sociológico produziu três propostas de resposta
para este questionamento e cada uma delas está atrelada a uma das três principais correntes de
pensamento clássicas da Sociologia, que não só fundamentaram esta discussão historicamente,
como ainda hoje dialogam e servem de ponto de partida para diversas interpretações
contemporâneas que continuam a se debruçar sobre esta questão.
Retomando a metáfora do cabo de guerra, podemos dizer que estas três matrizes de resposta para
o dilema da relação entre indivíduo e sociedade divide os autores entre aqueles que apostam na
vitória do indivíduo, os que acreditam na vitória da sociedade e os que entendem que o resultado
desta disputa seria um empate.
Em termos formais, as apostas podem ser apresentadas de acordo com o seguinte esquema:
42
Em busca de uma ciência para entender a sociedade • CAPÍTULO 2
Analisaremos, a seguir, cada uma destas proposições teóricas e estudaremos, com isso, aqueles
que são considerados os principais autores da Sociologia clássica: Émile Durkheim, Max Weber
e Karl Marx.
Para refletir
O impacto da frase vem da nossa percepção usual (muitas vezes equivocada) de que a presença da dúvida é caminho
para a ignorância; quando, especialmente em Ciências, é quando ela se apresenta que começamos a abandonar o
desconhecido.
Cautela com gente que não tem dúvidas! Gente assim não inova, não avança, não cria; só repete e redunda. Claro que não
podemos ser alguém que só tem dúvidas, pois, se assim for, qualquer ação e intervenção fica impossibilitada; no entanto,
não ter algumas delas em alguns momentos é sinal de tolice e reducionismo mental.
A ciência só se renova quando seus praticantes são capazes de colocar sob suspeita algumas das certezas que não
expõesm. Será que isto é assim mesmo? Será que não há outro modo de fazer? Será que isto não resulta mais de hábito
do que de verdade? Será que aceito o argumento pela autoridade que o proclama em vez de buscar os fundamentos da
veracidade do proclamador? Será?
Os “serás”, quando metódicos e sistemáticos, ajudam-nos a dar vigor às certezas e conhecimentos que nossas teorias
e práticas devem ter; em todas as situações nas quais não admitimos a presença de indagações e questionamentos,
aproximamo-nos do dogmatismo, e este sempre foi o principal veículo de degradação do saber científico.
Um pessoa inteligente, com humildade e sabedoria, é aquela que consolida as certezas do que deve fazer a partir da
capacidade de não supor que estas são imutáveis e invulneráveis. Afinal, sabemos, a melhor maneira de ficar vulnerável é
pensar-se como invulnerável...
Em 399 a.C., em Atenas, Sócrates foi condenado à morte, acusado de desprezo aos deuses do Estado; sua defesa frente
ao tribunal, registrada por Platão no diálogo Apologia de Sócrates, inclui, logo no início, uma profunda reflexão sobre a
sabedoria humana.
Como alguns amigos afirmavam que o oráculo de Delfos houvera dito que Sócrates era o mais sábio dos homens – e isso
compôs parte da acusação –, o filósofo rebate a soberba de um adversário dizendo que “Aquele homem acredita saber
alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber”.
A ideia é bastante inteligente e complexa e, mesmo resumido no clássico: “Só sei que nada sei”, permanece demonstrando
sabedoria. É evidente que Sócrates não está afirmando que nada sabia no sentido literal, mas, isso sim, que nada sabia por
completo, exceto o conhecimento que tinha sobre as suas próprias ignorâncias.
43
CAPÍTULO 2 • Em busca de uma ciência para entender a sociedade
Poderíamos chamar esta postura – saber que não se sabe tudo, o tempo todo, de todos os modos – de “sábia ignorância”,
ou, como denominada em obra de Nicolau de Cusa no século XV (antecipando a dúvida metódica de Descartes), a douta
ignorância.
Ainda vale! A consciência dos nossos desconhecimentos e, portanto, a procura incessante por uma formação continuada,
não é só sinal de necessária humildade; é, antes de tudo, poderoso antídoto às eventuais arrogâncias que vitimam mais os
seus praticantes do que certos algozes involuntários.
Um poço de ignorância? Precisamos, vez ou outra, entender a máxima popular, e citá-la de novo: “Quando estiver no fundo
do poço, a primeira coisa a fazer para sair dele é parar de cavar”.
Saber e admitir que não sabe interrompe a escavação... (CORTELLA, 2014, p. 121).
Sintetizando
» Existem quatro tipos de pensamento através dos quais os seres humanos buscam explicar o mundo em que vivem:
› Conhecimento empírico ou de senso comum é aquele que se constrói a partir das vivências cotidianas e das referências
herdadas das gerações anteriores. É um tipo de conhecimento superficial, que não busca investigação, comprovação ou
aprofundamento;
› Conhecimento teológico, que se define pela explicação dos fatos através da ação de seres sobrenaturais. Com relação a
estes conhecimentos, não cabe refutação pois sustentam-se na fé daqueles que os utilizam;
› Conhecimento filosófico, que se baseia na utilização da racionalidade para explicar a realidade. Este tipo de pensamento
fundamenta-se na reflexão crítica, na abstração e na construção de argumentos;
› Conhecimento científico, que tem como fundamento a investigação objetiva, sistemática e metódica dos fatos.
» A partir do século XV, com o final da Idade Média e o início da Idade Moderna, uma série de transformações sociais
acontecem na Europa, sendo as principais delas:
› Migração da população rural para as cidades, criando, assim, novas problemáticas, demandas e formas de organização
da sociedade;
» Este novo contexto histórico justifica a criação de uma nova ciência que tenha como objeto de estudo a sociedade e suas
problemáticas.
» Auguste Comte é considerado fundador da Sociologia, responsável por cunhar esta palavra e por desenvolver o
pensamento positivista, segundo o qual a sociedade poderia ser compreendida e transformada através da investigação
científica.
44
MAX WEBER E A AÇÃO SOCIAL
CAPÍTULO
3
Introdução
Neste capítulo, analisaremos a teoria de Max Weber, um dos pensadores definidos como um
clássico da Sociologia, que ainda hoje serve de referencial para muitos trabalhos desenvolvidos
em diferentes áreas do conhecimento.
Esperamos que ao longo desta reflexão você seja capaz de compreender os principais conceitos
da obra deste autor para relacioná-los posteriormente com o campo da educação.
Objetivos
» Definir as ações sociais enquanto objeto de estudo definido por Weber para a Sociologia.
» Apresentar o método compreensivo definido por este autor como específico das ciências
sociais.
» Analisar os quatro tipos ideais nos quais Weber classifica a ação social.
45
CAPÍTULO 3 • Max Weber e a ação social
Max Weber foi um intelectual alemão, nascido em 1864, que além de suas contribuições como
um dos pais fundadores da Sociologia, dedicou-se ao estudo de disciplinas como Economia,
História, Direito e Filosofia.
Segundo indica Reinaldo Dias (2014, p. 31), Weber pode ser considerado um dos mais relevantes
pensadores do século XX, especialmente no que diz respeito ao estudo da burocracia, da religião,
das questões relativas à autoridade e dos sistemas de estratificação social.
Fonte: brasilescola.uol.com.br
Objeto de estudo
O olhar de Weber para o estudo das sociedades se distingue dos demais por não partir da
apreciação do todo para compreender as partes. Ele faz o caminho inverso, defendendo que é
a partir da compreensão daquilo que motiva o indivíduo que poderemos entender a estrutura
da sociedade.
Com isso, Weber afirma que os indivíduos orientam conscientemente a sua conduta a partir de
um número variado de motivadores. Diferente do sujeito coagido pela sociedade que vimos em
Durkheim, para Weber as pessoas decidem o que fazer e a partir destas decisões agem de forma
individual ou social.
46
Max Weber e a ação social • CAPÍTULO 3
» Ações individuais: são aquelas que ocorrem quando o sujeito toma uma decisão
considerando apenas a sua própria agência. Como quando você decide comprar um
chocolate para comer depois do almoço, sentado sozinho na sua mesa de trabalho
enquanto revisa os e-mails do dia. É uma ação solitária, que depende apenas de você
mesmo.
» Ações sociais: são aquelas em que a decisão tomada pelo indivíduo está diretamente
relacionada à expectativa de ação de outros sujeitos. Como o cafezinho das três horas
no escritório, quando você se levanta da sua mesa na expectativa de que a funcionária
da copa tenha acabado de passar o café, expectativa esta que você compartilha com
outros colegas, que também se levantarão no mesmo momento, não só para tomar café,
mas para relaxarem juntos por um momento, discutindo amenidades e colocando o
papo em dia.
Neste caso, sua decisão estava diretamente relacionada à expectativa de que todos os envolvidos
se comportassem de uma maneira determinada: que a funcionária da copa passasse o café e
que todos os colegas de trabalho tomassem a mesma decisão de se levantar naquele momento.
É importante destacar, contudo, que ação social não é meramente uma ação coletiva, ou seja,
praticada simultaneamente por vários indivíduos. É necessário que nesta ação compartilhada
exista a expectativa de ação do outro.
Imagine, por exemplo, que você está no alto de um prédio e comece a chover. Olhando para a rua,
você nota que todos os pedestres começam, ao mesmo tempo, a abrir os seus guarda-chuvas. Esta
ação, no entanto, apesar de coletiva, não pode ser considerada como uma ação social, mesmo
que ao olhar de cima seja esta a impressão. Isso ocorre, pois cada pessoa abre o seu guarda-chuva
para proteger a si mesmo, sem se importar em saber o que farão as outras pessoas.
Se analisarmos, no entanto, a partir da visão da rua, a forma como estas pessoas se deslocam
pela cidade com seus guarda-chuvas abertos, pode fornecer indícios de ação social. Imagine,
por exemplo, duas pessoas vindo ao encontro uma da outra, e ao se aproximarem e trocarem um
breve olhar, uma delas suspende o guarda-chuva e a outra o abaixa para evitar que eles colidam.
A ação de desviar, neste caso, foi mútua e, portanto, pode ser considerada uma ação social.
Para Weber, as ações sociais devem ser o objeto de estudo da Sociologia. Cabe ao sociólogo,
segundo este autor, compreender as motivações que levam os sujeitos a se comportarem de
determinada maneira.
Vale ressaltar, neste sentido, que a ação do indivíduo, mesmo sendo social, pode ser motivada
por diferentes fatores, ou seja, várias pessoas podem se engajar em uma ação social partindo de
estímulos diferentes.
47
CAPÍTULO 3 • Max Weber e a ação social
Imagine, por exemplo, que um grupo de pessoas se reúna para organizar uma grande festa junina
na praça de uma cidade. Todos os indivíduos trabalham em parceria para que a festa aconteça.
No entanto, cada um deles foi levado a se voluntariar para a organização da festa por motivos
específicos:
» Maria vem de uma família católica muito devota de São João e, por isso, é uma tradição
familiar fazer parte da organização da festa em homenagem a este santo.
» Marcos deseja o status de organizador para ser visto pela mídia na companhia do prefeito,
com quem pretende estabelecer uma aliança política.
Perceba que a ação praticada pelos quatro indivíduos é a mesma: participar da organização da
festa junina na praça da cidade. E, mesmo que estejam engajados na organização por motivações
distintas, a atuação de cada um dos participantes possui a expectativa de que os demais membros
façam a sua parte para garantir que tudo esteja pronto no dia do evento.
Estes são, para Weber, os elementos fundamentais que compõem o objeto de estudo da
Sociologia:
48
Max Weber e a ação social • CAPÍTULO 3
Weber, assim como Durkheim, dedicou-se a desenvolver uma metodologia de estudo específica
para a sociologia. No entanto, enquanto Durkheim acreditava na maior proximidade possível
com os métodos das Ciências da Natureza, Weber defendia que a Sociologia, pela especificidade
de seu objeto de estudo, necessitaria de um método próprio.
Segundo ele, o método das Ciências da Natureza se adéqua ao fato de elas investigarem as
regularidades dos fenômenos, enquanto a Sociologia precisaria trabalhar com a multiplicidade
de sentidos atribuídos pelos sujeitos às suas ações.
Não há [...] um sentido único que possa ser captado para sempre pelo investigador,
uma vez que os agentes podem estar motivados por um número variado de
sentidos. Portanto, conclui-se que uma interpretação sociológica de uma realidade
humana jamais poderá ser tomada como exata ou como a única verdadeira, já
que os motivos dos indivíduos variam muito e acaba ocorrendo de um sociólogo
julgar que um motivo é o mais relevante, quando, para outro pesquisador, de
acordo com as informações de que dispõe, a explicação pode ser completamente
diferente. Por isso, Weber acredita ser o pesquisador quem atribui o significado
que julga como explicativo de um fenômeno social. (DIAS. 2004, p. 36)
Retomando nosso exemplo da festa junina, isso equivaleria a dizer que, além de ser devota de
São João, Maria pode também gostar de pamonha, estar apaixonada por alguém com quem
gostaria de dançar, ou desejar propor uma aliança política ao prefeito. Todas estas motivações
atuam simultaneamente para fazer com que ela participe da organização da festa e é uma
escolha do observador estabelecer a devoção como a principal delas. Outro pesquisador, que
tenha presenciado a voracidade com que ela come pamonhas talvez tivesse definido este outro
fator como determinante para a ação de Maria. Podemos considerar ainda uma hipótese em
que nenhum observador seja capaz de compreender a real motivação que o levou a se oferecer
para participar da organização da festa.
Para a reflexão de Weber a realidade social é infinita, uma vez que são infinitos os sentidos que os
indivíduos podem atribuir à ação social. Isso faz com que seja impossível para o sociólogo captar
toda a realidade, pois apenas alguns aspectos dela estão disponíveis para a sua observação. Além
49
CAPÍTULO 3 • Max Weber e a ação social
disso, os próprios valores pessoais do investigador estão envolvidos neste processo de escolha
das partes da realidade que serão observadas e investigadas.
Este processo weberiano de investigação da realidade deve ser considerado como subjetivo, ainda
que isso não comprometa necessariamente a objetividade do conhecimento produzido por ele.
É fundamental, para tanto, que ao interpretar as ações e suas relações, o investigador leve em
consideração os valores que o próprio ator que executa a ação atribui a ela, e não os valores que
ele, investigador, lhes atribui.
Esta dificuldade percebida pelo autor na forma como o sociólogo investiga as ações do indivíduo,
fez com que ele estabelecesse como estratégia metodológica a definição de tipos ideais de acordo
com os quais deveriam ser classificadas todas as ações sociais em relação aos motivos que as
levaram a existir.
50
Max Weber e a ação social • CAPÍTULO 3
Fonte: <www.facebook.com/MinisteriodoTurismo>.
» Ação afetiva é aquela em que o indivíduo reage motivado com base nos afetos ou em
estados emocionais específicos.
Exemplo: Um pai que denuncia o paradeiro do filho criminoso para a polícia. Mesmo
sabendo que sua atitude poderá acarretar a prisão do filho, ele não pode abrir mão de
seus valores éticos e morais.
» Ação racional orientada a fins é aquela em que o sujeito possui um objetivo específico
e organiza a sua ação como estratégia para atingir aquele fim.
Exemplo: O político que visita as comunidades carentes de sua região no período das
eleições, visando, com isso, angariar votos.
Para exemplificar a divisão destes tipos ideais proposta por Weber, Alessandro Paixão (2012, p.
123) apresenta o seguinte exemplo:
51
CAPÍTULO 3 • Max Weber e a ação social
Vamos supor que uma garota queira comprar uma calça nova. O fim desejado por ela é comprar a
calça. Se ela agir racionalmente com relação a fins, terá de escolher o melhor meio para conseguir
a calça. Poderá economizar dinheiro e de posse dele fazer uma pesquisa para efetuar a compra
no lugar mais barato. Isso é uma ação social com relação a fins. Por outro lado, se ela se guiar
por um valor estético, poderá não comprar a calça mais barata, mas, sim, a mais barata entre
as que mais lhe agradarem, segundo o valor estético que utiliza. Essa é uma ação racional com
relação a valores. Ela também poderá agir de maneira emotiva e deixar-se levar pelo impulso,
adquirindo a calça na primeira loja que vir e praticando uma ação afetiva. Se a jovem comprar
a calça em uma loja em que sua família sempre faz compras, ela estará seguindo um costume,
uma tradição. Nesse caso, sua ação será tradicional.
Vale ressaltar que, como defende Paixão (2012), estes tipos ideais estabelecidos por Weber não
existem de forma pura na sociedade, sendo apenas uma construção mental do pesquisador com
base em dados históricos e sociais que facilitam a sua compreensão e análise dos fatos. Uma
vez que a ação de um mesmo indivíduo pode ser motivada por diferentes fatores, não podemos
deixar de considerar a possibilidade de que estes estejam inscritos em diferentes tipos ideais.
Retomando o exemplo de Maria, que vem de uma família católica que tradicionalmente participa
da organização da festa de São João, podemos dizer que sua ação estaria inscrita no tipo de ação
social tradicional. No entanto, pode ser que ela também deseje comer pamonha, o que revelaria
uma ação racional orientada a fins, ou que a sua devoção ao santo homenageado faça com que
sua participação na festa seja pautada em uma ação racional baseada em valores.
Outro ponto a considerar na teoria de Weber, é o de que apesar da centralidade atribuída por
ele ao papel da escolha individual, esta decisão dos sujeitos não está completamente descolada
das normas, leis, tradições e convenções estabelecidas pela sociedade. Sendo assim, ao agir, o
indivíduo considera não somente a ação do outro, mas, também, as determinações da própria
sociedade. Segundo Paixão (2012, p. 124), “é o mesmo que dizer que os indivíduos fazem as
normas e também são feitos por elas”.
As normas e regras
As decisões
predefinidas pela
tomadas pelos
sociedade são
indivíduos
consideradas pelo
influenciam a
indivíduo no
estrutura da
momento de
sociedade.
decisão
52
Max Weber e a ação social • CAPÍTULO 3
Partindo deste pressuposto, Weber distingue ainda entre duas maneiras possíveis de agência do
indivíduo:
» Agir em sociedade: quando o indivíduo age de acordo com as normas e leis vigentes
na expectativa de que os outros indivíduos também nortearão a sua conduta de acordo
com estas leis, como quando você atravessa a rua quando o sinal está vermelho para os
carros confiando que os motoristas também se comportarão de acordo com a legislação
de trânsito.
Esta maneira de agir em sociedade, descrita por Weber está diretamente relacionada a sua visão
a respeito da distribuição do poder, ou seja, nas razões pelas quais alguns sujeitos detêm o poder
e, por isso, impõem sua vontade sobre a dos demais que, em contrapartida, submetem-se a este
poder e o obedecem.
Segundo a teoria weberiana, existem três tipos ideais entre os quais se dividem os tipos puros
de dominação legítima, aquelas em que há aceitação pelos dominados sobre o poder de mando
do dominador (SOUZA, 2015):
Exemplo: O poder dos reis, ou aquele que se atribui aos coronéis no Brasil, desde os
tempos coloniais.
Exemplo: É o caso de figuras religiosas como Jesus Cristo, Maomé ou Gautama Sidarta,
que possuem seu poder fundamentado em atributos religiosos. Podemos relacioná-lo
53
CAPÍTULO 3 • Max Weber e a ação social
Dentre os três pensadores clássicos da Sociologia, Weber é o único que não possui uma reflexão
específica e mais sistemática sobre o papel da educação na sociedade. No entanto, é possível
aproximar esta temática de sua reflexão sobre o processo de racionalização da sociedade
moderna, através do qual os indivíduos baseiam cada vez mais as suas condutas de acordo com
uma tomada de decisão racional.
Juntamente com o crescimento desta tendência à racionalização, Weber identifica uma tendência
maior dos indivíduos a organizarem a sua ação social com relação a fins e a legitimarem a
dominação a partir de processos racionais-legais. Com isso, aumenta consideravelmente o
número de normas e leis a que se sujeitam os indivíduos, fazendo com que o agir em comunidade
vá sendo cada vez mais substituído pelo agir em sociedade. Com isso, Weber indica que o
54
Max Weber e a ação social • CAPÍTULO 3
comportamento das pessoas passa a se fundamentar menos na expectativa pela ação individual
do outro e mais na expectativa à obediência coletiva nas normas e leis estipuladas.
Por um lado, como indica Paixão (2012), este processo é vantajoso, pois torna o mundo mais fácil
de ser compreendido, uma vez que possuímos as normas para organizar nossa conduta e saber
exatamente o que é esperado de nós. Por outro lado, no entanto, esta racionalização exacerbada
através da criação de leis faz com que percamos um pouco do sentido e da liberdade, uma vez
que não interpretamos mais ou refletimos sobre o mundo, apenas cumprimos ordens como se
a elas estivéssemos presos.
Para ilustrar este ponto de vista, vejamos o exemplo a seguir, que se relaciona diretamente com
a educação:
Vamos pensar na chamada que é feita em todas as escolas para verificar quais
alunos estão presentes na aula. A lista ou o livro de chamada é um procedimento
criado com o pressuposto de que todo aluno deve chegar no horário e de que todo
aluno deve assistir a um número mínimo de aulas para garantir seu aprendizado.
Isso é uma norma, uma regra burocrática, que orienta o comportamento dos
indivíduos em busca de um fim, que é a aquisição de conhecimentos ou a
capacitação. Entretanto, essa norma pode se transformar em um fim em si
mesma quando os alunos ou o professor vão à aula unicamente tendo em vista a
presença no livro de chamada. Nesse caso, o fim se perde, e o que era apenas um
meio se transforma em fim. Não se comparece à aula pelos conteúdos a serem
aprendidos ou ministrados, mas pela presença que todos devem ter segundo o
que a lei orienta ou estabelece. (PAIXÃO, 20012, p. 131).
Como aponta Carlos Eduardo Sell (2015), neste trabalho estão definidos os três tipos ideais
relacionados à educação que, por sua vez, estão diretamente relacionados à tipologia da
dominação que analisamos anteriormente.
55
CAPÍTULO 3 • Max Weber e a ação social
De acordo com Weber, no contexto das sociedades modernas, a educação vai sendo cada vez
mais racionalizada, se afastando de seus elementos religiosos e metafísicos para atender à
necessidade burocrática de treinar os sujeitos que possibilitarão a manutenção da organização
social. Com isso, da mesma forma como ocorre na sociedade de forma mais ampla, ganhamos
no sentido de especializar a atuação dos indivíduos para as atividades que irão desempenhar,
mas perdemos o conteúdo ético e reflexivo da educação Apreende-se ainda deste texto, a
relação estabelecida por Weber entre a educação ocidental e o processo de racionalização
(SELL, 2015, p. 214).
Esta é uma discussão bastante atual na educação, ainda nos dias de hoje. Pensemos, por exemplo,
nos tantos alunos que percebem enquanto finalidade da educação escolar não a construção de
conhecimentos e o exercício da reflexão crítica, mas, sim, o treinamento objetivo para a realização
das provas do vestibular que lhes permitirão acesso nas universidades onde especializarão seus
saberes de acordo com a prática profissional escolhida.
Despertar o interesse destes alunos para questões que vão além das métricas, classificações e
certificações é um desafio constante, mas, ainda assim, válido, visto que é refletindo a respeito de
sua própria realidade que os indivíduos se tornam atores de suas próprias vidas e não somente
expectadores passivos, que cumprem sem questionar as regras e normas que lhes são impostas.
Isto não implica, segundo o pensamento de Weber, uma incitação à desobediência, visto que este
autor entende que a dominação legítima é aquela em que existe um acordo entre dominantes
e dominados de que o poder lhes pode ser imposto. Mas não se pode admitir, no entanto, o
obedecer por obedecer, sem compreender de fato os motivos pelos quais o indivíduo está
conduzindo a sua ação.
56
Max Weber e a ação social • CAPÍTULO 3
Sintetizando
» A visão weberiana de que a relação entre indivíduo e sociedade se dá através da ação dos sujeitos.
» As ações sociais enquanto objeto de estudo definido por Weber para a sociologia.
» O método compreensivo definido por este autor como específico das Ciências Sociais.
57
CAPÍTULO
ÉMILE DURKHEIM E
OS FATOS SOCIAIS 4
Introdução
Objetivos
58
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
O sociólogo francês Émile Durkheim nasceu em 1858, em uma família judia, e dedicou-se no
início de sua carreira a lecionar Pedagogia e Ciências Sociais na Universidade de Bordeaux e,
posteriormente, na Sorbonne.
No campo das Ciências Sociais, foi o primeiro a de fato desenvolver a Sociologia enquanto uma
disciplina acadêmica, tendo dedicado seus maiores esforços a definir o objeto de estudo da
Sociologia e estabelecer um método de investigação verdadeiramente científico para explicar
os fenômenos sociais. Por este motivo, é considerado por muitos o verdadeiro fundador da
Sociologia e sempre figura entre seus autores clássicos.
» O suicídio (1897).
Fonte: <paradigmas-sociais.blogspot.com>
Objeto de estudo
59
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
Para esse estudioso, a sociedade pode ser definida como um conjunto de crenças, sentimentos,
representações e práticas que associam os homens entre si. A sociedade, assim, não é composta
pela soma dos indivíduos, isto é, de suas consciências individuais, mas sim pela presença de
uma consciência coletiva (ou comum). Essa consciência coletiva é responsável pela formação
dos valores morais e, dessa forma, ela exerce uma pressão externa aos indivíduos no momento
de suas escolhas, em maior (nas sociedades pré-industriais) ou menor (na sociedade industrial).
(DIAS, 2014, p. 23).
Durkheim denomina estes elementos fatos sociais e determina que o seu estudo deve ser o
objetivo da Sociologia. No entanto, nem todos os comportamentos e ações observadas em
uma sociedade podem ser denominados fatos sociais, sendo fundamental que, para isso, sejam
observados os seguintes critérios:
» Coercitividade, pois existe uma obrigação implícita ou explícita para que as normas
sejam seguidas, e o não cumprimento delas acarreta para o infrator um tipo de punição::
» Generalidade, pois uma vez que os fatos sociais são coletivos, eles existem e se aplicam
a todos os indivíduos de determinada sociedade.
Um exemplo óbvio destes critérios é o cumprimento das leis. Ao dirigir, somos obrigados a nos
manter dentro do limite de velocidade estabelecido em lei para cada uma das vias públicas,
norma esta que não é decidida por nós. Ela existe para além de nossa vontade e nos obriga a
seguir certo comportamento, pois a infração nos acarretará multa ou mesmo a perda do direito
de dirigir. Podemos dizer, com isso, que o cumprimento das leis é um fato social, que por ter uma
norma expressa e uma punição juridicamente estabelecida é facilmente identificado como tal.
Analisemos, então, uma situação menos óbvia, como uma festa de aniversário para a qual
sejamos convidados. Não existe qualquer legislação que estabeleça a obrigação de oferecermos
um presente ao aniversariante. No entanto, nossa sociedade compartilha este princípio de que
ao comparecer a uma festa de aniversário você deve levar um presente.
60
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
Antes mesmo de você nascer, este costume já existia, portanto, a vontade de presentear não é
algo que simplesmente aflora de você, mas, sim, um comportamento externo e anterior a sua
própria existência que os indivíduos aprendem no convívio em sociedade e sentem-se compelidos
a cumprir independente de sua vontade (exterioridade).
No caso de chegarmos a uma festa de aniversário de mãos abanando, não existe também uma
punição formal para o não cumprimento da norma. No entanto, a sociedade punirá o infrator
através dos olhares de reprovação dos outros convidados, da fofoca, do desapontamento do
aniversariante, da perda de prestígio, da alcunha de “mão de vaca”, “sovina” ou “muquirana”, bem
como o próprio sentimento de vergonha sentido pelo sujeito, que buscará justificar a ausência
do presente e passará a se sentir em dívida com o aniversariante até retificar o comportamento
inadequado (coercitividade).
Por fim, a normatização de que se presenteie o aniversariante em uma festa, se aplica a todos
os membros da sociedade, não importando sexo, religião, nível de escolaridade, classe social,
etc. Não importa se o presente dado será um carro zero ou um par de meias, mas a expectativa
social pelo presente estará sempre lá (generalidade).
Para visualizar esta teoria, imagine que sobre uma mesa você encontra, de um lado, um relógio
montado e funcionando perfeitamente, e ao lado estão dispostas todas as peças necessárias
para a montagem de um relógio semelhante ao primeiro. Podemos afirmar que sobre a mesa
encontram-se dois relógios?
61
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
Durkheim afirmaria objetivamente que temos sobre a mesa um relógio e um conjunto de peças,
pois, assim como na sociedade, o todo do relógio é diferente da mera soma de suas partes. O que
configura o relógio não é o fato de termos todas as suas engrenagens, mas, sim, a ocorrência de
todas estas peças estarem conectadas na ordem correta, cada uma executando a sua função e
todas dependendo umas das outras para que o relógio cumpra o seu objetivo de marcar as horas.
O corpo humano também nos fornece uma boa analogia, pois nele, mesmo que cada um dos
órgãos possua sua função específica, eles dependem que o todo esteja funcionando de forma
harmônica para a manutenção da vida. Não importa que o sujeito, depois de um acidente
automobilístico, esteja com o baço, os rins e os pulmões funcionando perfeitamente; se o coração
parar, todo o sistema se desequilibra e o corpo tende à morte se o funcionamento do coração
não for normalizado.
Para que este funcionamento adequado da sociedade se concretize, todos os seus elementos
precisam estar agindo em harmonia, de forma coesa. Por isso, Durkheim desenvolve o conceito
de coesão social, que resulta da ação solidária de todas as partes. A solidariedade social é dividida
da seguinte forma:
62
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
médico, que só tem onde morar porque um engenheiro construiu o prédio em que ele
habita.
Solidariedades
Mecânica Orgânica
Sociedades simples Sociedades industriais
Indivíduos semelhantes Indivíduos diferentes
Funções iguais Função especializada e interdependente
Sem divisão do trabalho Com divisão do trabalho
Consciência social menor Consciência social maior
Mecanismos de coerção exercidos de forma imediata, Mecanismos de coerção mais formalizados e exercidos
violenta e punitiva de forma mediata
Direito repressivo (prevenções) Predomínio do direito restitutivo (reparação)
Pouco desenvolvidas Bem desenvolvidas
Uma vez que a solidariedade social esteja funcionando adequadamente para manter ordenada
a conduta dos indivíduos, Durkheim considera que esta comunidade possui uma vida social
saudável. Por outro lado, quando os indivíduos deixam de agir de forma solidária, comportando-
se em desacordo com suas funções sociais, esta sociedade perde a coesão e passa a estar em
estado de anomia.
A anomia é tratada por Durkheim como um caso extremo de patologia social, ou seja, uma espécie
de doença da sociedade que se manifesta em situação em que os laços sociais que prendem o
indivíduo ao grupo estão enfraquecidos e, com isso, a sociedade perde ou tem diminuída a sua
capacidade de determinar a conduta individual.
Quando experimentamos, por exemplo, um grande aumento no número de alunos de uma escola
que chegam atrasados ou faltam ao primeiro tempo de aula, isso pode significar que as regras
relativas ao horário não são mais suficientes para manter a coesão dos alunos.
Como vimos anteriormente, Durkheim defende que os fatos sociais são gerais, pois se aplicam
a todos os membros de uma sociedade de forma igual. Se, no entanto, as regras começam a ser
burladas ou relativizadas, dando a sensação de que se aplicam mais a uns do que a outros, isso
pode colocar em risco a sua eficiência no condicionamento dos comportamentos.
Imagine, seguindo o exemplo anterior, que a direção da escola comece a permitir a entrada dos
alunos atrasados que morem longe da escola. Inicialmente, os alunos que se atrasaram por terem
tido problemas ao longo do trajeto serão beneficiados, mas logo se darão conta de que a regra,
que anteriormente os coagia a chegar no horário, agora não é mais tão rígida, e passam a se
atrasar simplesmente porque estão incluídos na nova exceção à regra. Os alunos que moram nos
arredores se sentirão tratados de forma desigual e isso diminuirá seu nível de solidariedade. Aos
63
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
poucos, estes também começarão a descumprir a sua função (chegar no horário), comprometendo,
assim, todo o funcionamento da escola.
Para refletir
Leia com atenção a notícia a seguir, na qual vemos a exemplificação de uma situação de anomia, em que o não cumprimento
da função de uma parcela da sociedade inviabiliza diversas outras funções.
Os caminhoneiros provaram ser a única categoria capaz de converter o Brasil em um refém do tamanho de um continente.
Figura 15.
Fonte: <brasil.elpais.com/brasil/2018/05/28/politica/1527459606_634917.html.>
É sexta-feira ao meio-dia no centro do Recife, uma cidade de mais de um milhão e meio de habitantes, capital de
Pernambuco, mas poderia ser a primeira hora de um domingo, a julgar pelo ambiente desértico. No que deveria ser o ápice
do horário comercial, as ruas estão quase vazias, pelas vias quase não passam carros e há várias lojas fechadas. Claudenilson
Carlos da Silva, de 34 anos, conta as mesas que estão sem ninguém no restaurante em que trabalha. “Se continuar assim
vamos fechar mais cedo”, calcula. “Agora é hora do almoço, era para isso estar cheio.”
Isso é o que se passa por uma cena normal no Brasil dos últimos dias. O País inteiro passou ao menos uma semana imerso
em uma greve de caminhotneiros que paralisou boa parte de sua vida pública, quando não transformou o dia a dia em
seus 26 Estados em um pesadelo logístico. Postos de gasolina, supermercados, hospitais e aeroportos foram ficando
desabastecidos com o passar dos dias e suspenderam alguns de seus serviços: os portos ficaram sem nada para exportar e os
cidadãos e governos locais ainda buscam desesperadamente fórmulas para resolver a situação.
Disponível em: brasil.elpais.com/brasil/2018/05/28/politica/1527459606_634917.html.
64
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
Saiba mais
Os livros da série Harry Potter, da autora inglesa J. K. Rowling, retratam um mundo fantástico
em que coexistiria com a nossa sociedade uma comunidade de indivíduos dotados de poderes
mágicos. Nesta sociedade fictícia, todas as crianças que apresentem a propensão para realizar
magia – tenham nascido em uma família bruxa ou não – devem frequentar a Escola de Magia
e Bruxaria. Neste local ela será educada tanto para controlar os seus poderes quanto para
aprender a se comportar em sociedade.
Harry Potter, o personagem principal da série, apesar de famoso na comunidade bruxa, cresceu
sem saber de sua existência e, por isso, o livro nos fornece uma visão interessante do processo
de socialização a que ele é submetido ao ingressar na escola.
Ler os livros tentando mapear este processo pelo qual ele passa de um indivíduo externo para
um membro integrado àquela sociedade, é uma dica interessante!
Fica claro, desta forma, o papel homogeneizador da educação, uma vez que ela se presta a
transmitir às novas gerações as “maneiras de ser” típicas daquela sociedade, com suas crenças e
valores em comum. No entanto, em uma sociedade complexa, em que as pessoas não são mais
tão semelhantes entre si, a educação cumpre também um papel de diferenciação, transmitindo
ao jovem as “maneiras de ser” específicas do grupo ao qual ela pertence.
65
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
frequentando escolas de ricos e aprendendo a ser ricos; filhos de pobres frequentando escolas
de pobres e aprendendo a ser pobres.
Como destaca Nery (2013), a pedagogia moderna, denominada conservadora, surge a partir do
pensamento funcionalista de Durkheim, baseado na premissa de que a sociedade é composta por
um aglomerado de indivíduos que precisam ser preparados através do processo educativo para se
adequarem à vida em sociedade. Estas correntes pedagógicas denominam-se conservadoras por
não conceberem a educação enquanto espaço de transformação da realidade, mais especificamente
da lógica capitalista.
» Pedagogia conservadora tradicional: Tem como objetivo fazer com que o indivíduo
assimile a maior quantidade possível de conhecimentos construídos historicamente
pela humanidade para, com eles, desenvolver, no futuro, funções úteis para a sociedade.
Neste tipo de pedagogia o aluno é mero receptor de informações e o professor, enquanto
proprietário do saber a ser transmitido, é o centro do processo educativo.
66
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
Fonte: <www.marcelo.sabbatini.com/educacao-em-charges-2>.
A visão de que a educação seria uma forma de domínio sobre os indivíduos, através da qual a
sociedade se manteria inalterada é uma interpretação possível, mas não a única a respeito da
educação, um fenômeno complexo que dificilmente poderia ser explicado ou definido de forma
tão simples.
No entanto, para seguir o fio condutor de raciocínio que o estudo das teorias de Durkheim nos
proporcionou, analisaremos a partir deste ponto, e de forma isolada, esta potencialidade da
educação como ferramenta de opressão. Faremos isso com base na proposição de Piletti (2003)
de que existem seis processos específicos através dos quais a educação exerce o controle social:
67
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
Reprodução
Ocorre quando todos os processos dentro da escola são planejados para reproduzir o sistema
social em que a escola está inserida, ou seja, o objetivo da educação é transmitir aos alunos as
informações, comportamentos e valores exatamente da mesma forma como eles foram recebidos
pela geração anterior, sem nenhuma modificação ou acréscimo.
Sendo assim, não haverá inovação nas metodologias ou nos materiais didáticos, os professores
serão formados para simplesmente transmitir o conhecimento da mesma forma como foi
transmitido a eles, seja no que diz respeito aos conteúdos ou às técnicas de ensino utilizadas com
este fim. A própria estrutura da escola, com salas de aula separadas por série e idade, onde os
alunos são organizados em carteiras individuais, que dificultam a troca de ideias e a criatividade,
todas elas enfileiradas e voltadas para o professor, que atua como único agente ativo no processo
de ensino e aprendizagem.
Os alunos, neste cenário, comportam-se como meros receptores das informações transmitidas,
que no dia da prova deverão ser replicadas exatamente da mesma maneira como foram
apresentadas em sala de aula ou no material didático.
Este tipo de educação foi classificado por Paulo Freire (2011) como educação bancária, pois o
aluno se comporta como se fosse uma conta, em que o professor faz depósitos regulares ao longo
do período letivo e ao final do processo utiliza a avaliação como uma espécie de estrato para
verificar o saldo da transação, certificando-se de que tudo quanto foi depositado permanece
inalterado dentro da conta.
No que diz respeito à reprodução, Piletti (2003) indica ainda a existência de três áreas específicas
da vida escolar em que ela mais se manifesta:
68
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
Saiba mais
O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1992 e 2007) analisou longamente as formas através das quais as classes dominantes
utilizam o monopólio dos bens culturais para manter o seu domínio sobre as classes menos privilegiadas. Este autor foi
responsável também por um longo estudo a respeito da escola reprodutora.
Repetição
Através do processo de repetição, os hábitos vistos como desejáveis são internalizados pelos
indivíduos. Esta rotina escolar, em que tudo é feito de acordo com uma ordem específica e
permanentemente inalterada, busca condicionar o comportamento dos alunos até que se
transforme em hábito.
69
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
É importante salientar que a rotina não é um problema em si, podendo ser benéfica no processo
de ensino e aprendizagem. No entanto, quando ela não abre espaço para a espontaneidade, a
criatividade e a curiosidade do aluno, acaba transformando o cotidiano escolar em mera repetição
monótona de procedimentos, que não é atrativa aos alunos.
Segregação
Segregar quer dizer separar, afastar alguém do convívio com os demais ou com outras realidades.
Sendo assim, como aponta Piletti (2003), a segregação em sala de aula acontece todas as vezes
que o aluno é levado a desconectar-se, seja da vida real, dos conteúdos estudados ou das pessoas
que fazem parte do próprio processo.
» A segregação da vida ocorre quando a escola não dialoga com a comunidade em que está
inserida e a própria arquitetura destas tende a transmitir esta sensação claustrofóbica de
que o que está dentro deve ser mantido dentro e o que está fora deve ser mantido fora.
O mundo real, com suas notícias, dilemas e problemáticas é mantido do lado de fora,
e o aluno, em vez de ser preparado para lidar com estas questões e agir na sociedade,
torna-se cada vez mais alienado.
Condicionamento
Um aluno, por exemplo, com grande talento artístico e baixo rendimento em Matemática, neste
modelo de escola, não receberá os elogios e recomendações atribuídos àquele aluno que se sai
70
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
bem nas matérias que a autoridade social considera mais importantes. Ao contrário, ele será
punido pelo baixo rendimento ou simplesmente terá seu desempenho global ignorado.
Com esta estratégia, os alunos serão condicionados a buscar aqueles comportamentos que a
sociedade estabelece como desejáveis.
Repressão
Processo através do qual, em nome da disciplina e do bom desempenho, vai sendo tolhida a
iniciativa, a curiosidade e a espontaneidade que o aluno naturalmente traz consigo quando
ingressa na escola. Certamente, a disciplina, enquanto entendimento das regras de convivência
e dos limites, mas ela não pode ser confundida com a repressão, que consiste em conter, impedir
e punir a ação do indivíduo. A repressão, em regra, possui dois efeitos possíveis:
Exclusão
De acordo com Piletti (2003) este é o nível mais alto e mais violento de controle social através
da escola, que é aquele em que o aluno é levado de fato a abandonar os seus estudos. Como
defende o autor:
Grande parte dos alunos já são preparados, desde os primeiros dias da escola,
para conformar-se com um fato que se apresenta como imutável, um “destino”
contra o qual nada se pode fazer: ficar à margem de tudo, na periferia da sociedade.
Percebe-se, desta forma, que o próprio sistema – ao reprimir, segregar, coibir, rotular – está criando
um projeto de seletividade, em que aqueles considerados aptos são aceitos e formatados para
serem entregues à sociedade, enquanto um contingente enorme de indivíduos considerados
inaptos ou inadequados são postos à margem da educação e de todas as possibilidades de
transformação e desenvolvimento oferecidas por ela.
Últimas palavras
Ao longo deste capítulo, analisamos o pensamento de Émile Durkheim e o peso atribuído por este
autor à ação da sociedade sobre a conduta individual. Vimos que os indivíduos são condicionados
71
CAPÍTULO 4 • Émile Durkheim e os fatos sociais
a agir de maneiras específicas, ainda que acreditem que o estão fazendo por escolha própria ou
uma inclinação pessoal.
Provocação
Você tem a sensação de que a sua escolha é puramente subjetiva quando, na verdade, mesmo que você não seja um
aficionado por moda ou um seguidor de tendências, a sua decisão está atrelada às possibilidades de escolha definidas pela
indústria.
Neste cenário, a escola é vista por Durkheim como espaço privilegiado para a socialização dos
indivíduos às suas funções sociais futuras, sendo papel da educação formatar os comportamentos
para que as formas de agir, pensar e sentir daquele grupo sejam reproduzidas de forma inalterada
na próxima geração.
Estou certa de que o quadro que desenhamos desta instituição, com todos os seus instrumentos
de controle e achatamento da vontade individual, devem ter sido, inclusive, incômodos de ler.
Quem em sã consciência manda um filho estudar num lugar como esse?
Nós mandamos!
E, com isso, não me refiro apenas aos indivíduos das classes populares, que certamente sentem
com mais violência a força coercitiva do sistema. Mas o jovem das classes mais privilegiadas sofre
também com essa necessidade constante de se encaixar em um modelo de alto desempenho e
produtividade, muitas vezes irreal, em que os não adaptados são excluídos do processo.
Nas últimas décadas, certamente, a mera discussão deste paradigma e as constantes tentativas
de substituição da escola reprodutiva por uma escola mais transformadora, já foram capazes de
transformar em parte este cenário. Mas é preciso que estejamos atentos para não nos permitir
naturalizar estas estratégias de dominação.
Enquanto docentes, somos uma engrenagem fundamental deste sistema e, portanto, precisamos
estar atentos para pensar criticamente sobre o nosso próprio comportamento, bem como sobre
aquilo que esperamos dos nossos alunos.
72
Émile Durkheim e os fatos sociais • CAPÍTULO 4
Sintetizando
» O papel da escola para Durkheim é moldar os indivíduos de acordo com a sociedade em que vivem;
» O modelo de escola defendido por Durkheim é reprodutivista, ou seja, tem como objetivo manter a sociedade como ela é.
73
CAPÍTULO
KARL MARX E A EDUCAÇÃO
TRANSFORMADORA 5
Introdução
Neste capítulo, apresentaremos a teoria sociológica de Karl Marx, o último dos fundadores da
Sociologia clássica a ser estudado neste material. Por meio dele, faremos uma reflexão a respeito
da observação da sociedade a partir das relações sociais e da luta de classes.
Objetivos
74
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
Karl Marx foi um pensador alemão que passou a maior parte de sua vida na Inglaterra, durante a
segunda metade da Revolução Industrial. Nesse momento, consolidava-se o modo de produção
capitalista, temática que ocupou a maior parte das suas preocupações científicas e ideológicas.
Vale destacar que este autor antecede historicamente o pensamento de Weber e Durkheim que,
ao iniciarem, cada um à sua maneira, a sistematizar a Sociologia enquanto disciplina, já o fizeram
tendo os trabalhos de Marx como interlocutores.
A produção escrita de Marx é extensa e bastante variada em suas formas de divulgação. Ele
escreve desde textos científicos minuciosos e complexos como O capital até textos mais curtos e
de leitura simples para a divulgação ideológica, como O manifesto do partido comunista. Estes
dois trabalhos caracterizam muito bem duas facetas distintas deste autor, na primeira, temos
um cientista materialista, preocupado em observar a realidade do mundo para compreendê-la;
enquanto no segundo caso temos o Marx revolucionário, ativista na causa proletária.
É importante destacar que, neste trabalho, estamos preocupados com a produção científica deste
autor, aquela que deu profundidade à reflexão da Sociologia enquanto disciplina ao observar
metodologicamente o contexto social. É difícil, no entanto, separar completamente estes dois
aspectos do autor, visto que a sua participação política foi fundamental para a forma como se
construiu sua reflexão sobre o mundo.
75
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
» O capital (1867).
Fonte: <www.infoescola.com>
Objeto de estudo
Ao analisarmos o objeto de estudo definido por Marx para a Sociologia, percebe-se um claro
afastamento dele com relação às duas teorias mais clássicas para a explicação da relação entre
indivíduo e sociedade. A teoria de Marx é marcada pela recusa tanto ao subjetivismo, que
posteriormente será caracterizado pelo pensamento de Weber, quanto do objetivismo, que
ficaria conhecido mais tarde pelo trabalho de Durkheim. Sendo assim, para ele, o homem não
seria nem autor absoluto da realidade, nem um mero produto das circunstâncias.
Para ele, os homens, ao serem observados pelos cientistas, jamais poderão ser corretamente
conhecidos se forem reduzidos a “fatos”, a “dados” ou a “coisas”.
Em outras palavras, podemos dizer que na Sociologia de Marx o homem é entendido como
sujeito às forças sociais do contexto em que vive, que o forçarão a agir de maneira específica.
No entanto, o indivíduo possui o poder de controlar a sua atuação com relação a esta força
impositiva. Ao afirmar que o homem é um sujeito da práxis, Marx indica que os indivíduos
transformam a si mesmos, bem como à sua realidade material e histórica, através das
atividades livres, universais e criativas a que se dedicam. A práxis é, portanto, uma atividade
76
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
exclusivamente humana, que nos distingue de todos os outros seres, e o trabalho seria a mais
importante destas atividades.
A reflexão de Marx, neste sentido, volta-se de forma muito específica para as condições de vida
impostas aos operários das fábricas pela estrutura da sociedade capitalista. Estes trabalhadores
seriam submetidos a longas horas de trabalho, em precárias condições, mal remunerados
e alienados da sua produção. Seria possível, no entanto, organizar-se enquanto classe para
rebelar-se diante desta situação, o que comprova a capacidade do indivíduo de agir com relação
às determinações sociais.
Podemos definir, portanto, que as relações de produção são o objeto de estudo a que se dedicará
Marx em sua análise da sociedade.
Como vimos, Marx está preocupado em observar as relações de produção, para, desta forma,
compreender a sociedade. Ele estabelece, por conseguinte, a necessidade de que voltemos
nosso olhar para a história, pois ela é o plano no qual os indivíduos agem e fazem suas escolhas,
expressando assim de forma mais significativa a sua práxis.
Diante disso, é importante deixar clara a oposição de Marx com relação à percepção então
vigente das transformações históricas, que se fundamentavam no idealismo. Para esta corrente
de pensamento, na relação entre o observador e a realidade, o foco de investigação deveria
sempre recair sobre o próprio investigador, uma vez que a realidade, em suas nuances e variáveis,
é impossível de ser plenamente capturada pelo entendimento humano e, portanto, só existe a
partir das ideias que fazemos delas. No que diz respeito à história, o idealismo identifica que
são as ideias e a consciência dos atores sociais os únicos responsáveis pelas transformações.
77
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
Idealismo ≠ Materialismo
↓ ↓
Parte do pressuposto de que a base de tudo são as Compreende que a matéria é o princípio de tudo
ideias e a consciência e, portanto, a matéria teria aquilo que possibilita a própria consciência e as
importância secundária na análise do mundo. Trata- ideias. É um tipo de pensamento concreto e objetivo,
se de um pensamento abstrato e objetivo, centrado centrado no ser humano e na realidade material
naquilo que não se pode ver, tocar ou medir. palpável. Tudo que existe é matéria ou depende dela.
Para compreendermos melhor os conceitos da teoria marxista apresentados até aqui, imagine
uma pessoa que observa um rio, tentando explicar o que ele é. Depois de observá-lo a partir
de variados ângulos e de perceber que em diferentes momentos e circunstâncias ele apresenta
características diferentes e às vezes até contraditórias com o observado anteriormente (rápido
e devagar; escuro e claro, etc.); o observador conclui que é impossível explicar o que de fato é o
rio. A realidade do rio é inatingível para ele em todas as suas dimensões. O que ele pode fazer é
discorrer sobre o próprio pensamento sobre o rio, a ideia de rio que surge de sua consciência.
Neste primeiro caso, estamos diante de um observador idealista.
Esta preocupação materialista é aplicada por Marx a dois elementos específicos que darão
sustentação ao seu método de estudo e, consequentemente, à sua teoria: a história e a dialética,
cada uma destas vertentes do materialismo possuindo um objeto de investigação específico.
O materialismo histórico é aquele que investiga o trabalho e, mais especificamente, o modo como
as pessoas trabalham e produzem em determinado momento histórico. A partir desta forma
de produção construída historicamente, constroem-se também as ideias, que serão objeto de
estudo do materialismo ideológico.
Materialismo
produção, de seu financiamento e de suas
histórico
transformações
78
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
Esta visão da realidade centrada no materialismo histórico e dialético será utilizada por Marx
para compreender a sociedade capitalista de seu tempo e, através desta reflexão, o autor define
os seguintes conceitos:
Luta de classe
Segundo a teoria marxista, existem na sociedade diferentes grupos de pessoas, agregadas por
possuírem as mesmas condições dentro do processo produtivo e por compartilharem de afinidades
políticas e ideológicas. A estes grupos, Marx atribuirá a denominação classe social.
De acordo com Marx, a partir do momento em que uma única classe social (burguesia) toma
posse dos meios de produção e através disso passa a explorar outra classe (proletariado) para
fazer uso da sua força de trabalho, cria-se uma situação de luta de classes, que se fundamenta
nesta constante disputa de interesses opostos entre burguesia e proletariado.
O Manifesto do partido comunista, de Marx e Engels se inicia com a frase: “A história de toda
sociedade até hoje é a história da luta de classes” (2014, p. 39), e no prefácio à edição alemã deste
mesmo livro, Engels, já após a morte de Marx, complementa esta afirmação da seguinte maneira:
(...) em cada época histórica a produção econômica e a estrutura social que dela
necessariamente decorre constituem a base da história política e intelectual dessa
época; que, consequentemente (desde a dissolução da antiga posse em comum
da terra), toda a história tem sido uma história de lutas de classe, de lutas entre
classes exploradas e classes exploradoras, entre classes dominadas e classes
dominantes, nos diferentes estágios do desenvolvimento social; que essa luta,
porém, atingiu atualmente um estágio em que a classe explorada e oprimida
(o proletariado) não pode mais se libertar da classe exploradora e opressora (a
burguesia) sem libertar ao mesmo tempo e para sempre toda a sociedade da
exploração, da opressão e das lutas de classe. (ENGELS, 2014, p. 19)
É a partir desta luta de classes, também, que surge o conceito de consciência de classe, que nada
mais é do que o sentimento de pertencimento que determinado indivíduo possui a respeito da
classe em que ele está inscrito. Ele passa a ser solidário aos demais membros daquela classe
por compreender que todos compartilham os mesmos valores e estão lutando pelos mesmos
interesses.
79
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
Saiba mais
Este filme brasileiro é uma indicação interessante de análise da luta de classes fora do contexto urbano
da Revolução Industrial apresentado por Marx.
O filme narra a história do vaqueiro Manuel que, revoltado pela exploração que sofria, assassina em
uma briga o coronel Moraes e passa a levar uma vida de fugitivo junto com a esposa, Rosa.
Fonte: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67136/cartaz-
do-filme-deus-e-o-diabo-da-terra-do-so>l
Estrutura social
Dentro da sociologia de Marx, a estrutura social deve ser compreendida como dividida em duas
partes: a infraestrutura e a superestrutura.
80
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
Figura 21.
Determina
Infraestrutura Infraestrutura
(aspectos econômicos) (aspectos ideológicos)
Justifica
Para ilustrar esta relação, pense no nosso próprio modelo produtivo, em que existe uma ligação
direta entre a produção e o tempo trabalhado. Você é contratado pelo seu empregador para
trabalhar determinado número de horas em troca de um salário específico. Esta relação faz
parte da infraestrutura, ou seja, da forma como organizamos nosso sistema produtivo. A partir
daí, termos uma série de ditados populares afirmando que “Deus ajuda quem cedo madruga”
ou que “tempo é dinheiro”. As pessoas comprovam o seu status social a partir do valor da sua
hora trabalhada e existe um glamour em torno do “não ter tempo para mais nada”. Todos estes
elementos fazem parte da superestrutura, ou seja, das ideias relacionadas especificamente a
nossa sociedade.
O que Marx está sugerindo com esta teoria de interconexão da infraestrutura e da superestrutura
é que você acha mesmo que trabalha muito porque acredita que “tempo é dinheiro”. Você
acredita nesta frase por viver em uma sociedade que organiza a sua produção na lógica do tempo
relacionado ao dinheiro.
Sendo assim, podemos dizer que em Marx a estrutura social é economicamente determinada e,
portanto, é impossível compreender a sociedade sem analisar o seu sistema de produção.
81
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
Mais-valia
O conceito de mais-valia definido por Marx está diretamente associado à relação desigual existente
entre o valor gerado pelo trabalho e o valor atribuído ao trabalho.
Imagine, por exemplo, que em uma linha de produção de sapatos cada operário receba 25 reais
por hora trabalhada. Em uma hora, cada um destes operários produz 25 sapatos, logo o valor
que ele recebe para cada sapato produzido equivale a um real. Ao final da produção, no entanto,
cada um destes sapatos é vendido às lojas por 150 reais.
Quadro 4.
Valor gerado pela hora de trabalho do operário da Valor atribuído à hora de trabalho do operário da
x
fábrica de sapatos fábrica de sapatos
↓ ↓
R$ 3.750,00 R$ 25,00
Em uma hora foram produzidos 25 sapatos, cada um Valor da hora de trabalho do funcionário
vendido às lojas por R$ 150,00
Imagine, por exemplo, um artesão sapateiro que, em sua pequena oficina, produz sapatos
utilizando o seu próprio equipamento e recursos. Ao final do dia, ele terá partido da matéria-
82
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
prima bruta e feito surgir dela um sapato, fruto de seu trabalho e, portanto, realizador de sua
própria existência.
Em uma linha de montagem de uma fábrica de sapatos, por outro lado, este mesmo sapateiro, agora
transformado em operário responsável por costurar as solas, participa apenas de uma pequena
parte do processo de produção. Sendo assim, ao final do dia, mesmo que tenha costurado a sola
de dezenas de sapatos, não reconhece nestes o fruto de seu trabalho. Desta forma, o trabalhador
é afastado da própria produção e passa a se ver como mero costurador de solas e não mais como
produtor de sapatos.
É este afastamento que tira o significado do mundo que o “jovem Marx” chama de alienação. Como
destaca Sell (2015), em obras escritas por Marx já na maturidade o termo parece ser substituído
pela ideia de fetichismo da mercadoria, que indica o mesmo pensamento de mundo em que o
valor está nas coisas e não mais nas pessoas. As relações interpessoais tornam-se relações entre
coisas.
Ainda segundo Sell (2015), através da obra de Marx podemos dividir o princípio da alienação
nas quatro seguintes formas.
Alienação de sua própria natureza humana: como vimos anteriormente, Marx acredita que o
trabalho é o que nos diferencia de todas as outras espécies. É o que nos humaniza e nos torna
únicos. Na produção capitalista, no entanto, o trabalho deixa de estar a serviço do homem e
os dois passam a estar submetidos ao sistema de produção capitalista. Se antes o nosso amigo
sapateiro sentia orgulho de ser um produtor de sapatos, agora ele é apenas um costurador de solas.
Alienação com relação à sua própria espécie: na visão de Marx, as relações de produção
e consumo do capital fazem com que o valor deixe de estar nas pessoas e passe a estar nas
83
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
Para refletir
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome Com outros seres diversos e conscientes
Que não é meu de batismo ou de cartório De sua humana, invencível condição.
Um nome... estranho Agora sou anúncio
Meu blusão traz lembrete de bebida Ora vulgar ora bizarro.
Que jamais pus na boca, nessa vida, Em língua nacional ou em qualquer língua
Em minha camiseta, a marca de cigarro (Qualquer, principalmente.)
Que não fumo, até hoje não fumei. E nisto me comprazo, tiro glória
Minhas meias falam de produtos De minha anulação.
Que nunca experimentei Não sou ─ vê lá ─ anúncio contratado.
Mas são comunicados a meus pés. Eu é que mimosamente pago
Meu tênis é proclama colorido Para anunciar, para vender
De alguma coisa não provada Em bares festas praias pérgulas piscinas,
Por este provador de longa idade. E bem à vista exibo esta etiqueta
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Global no corpo que desiste
Minha gravata e cinto e escova e pente, De ser veste e sandália de uma essência
Meu copo, minha xícara, Tão viva, independente,
Minha toalha de banho e sabonete, Que moda ou suborno algum a compromete.
Meu isso, meu aquilo. Onde terei jogado fora
Desde a cabeça ao bico dos sapatos, meu gosto e capacidade de escolher,
São mensagens, Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Letras falantes, Tão minhas que no rosto se espelhavam
Gritos visuais, E cada gesto, cada olhar,
Ordens de uso, abuso, reincidências. Cada vinco da roupa
Costume, hábito, premência, Sou gravado de forma universal,
Indispensabilidade, Saio da estamparia, não de casa,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante, Da vitrine me tiram, recolocam,
Escravo da matéria anunciada. Objeto pulsante mas objeto
Estou, estou na moda. Que se oferece como signo de outros
É duro andar na moda, ainda que a moda Objetos estáticos, tarifados.
Seja negar minha identidade, Por me ostentar assim, tão orgulhoso
Trocá-lo por mil, açambarcando De ser não eu, mar artigo industrial,
Todas as marcas registradas, Peço que meu nome retifiquem.
Todos os logotipos do mercado. Já não me convém o título de homem.
Com que inocência demito-me de ser Meu nome novo é Coisa.
Eu que antes era e me sabia Eu sou a Coisa, coisamente.
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
(Carlos Drumond de Andrade – 1984)
84
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
Karl Marx não foi um pensador dedicado especificamente a refletir sobre a questão da educação.
No entanto, a partir de seus textos podemos compreender a visão que ele possuía tanto da
educação como ela vinha se desenvolvendo no sistema de produção capitalista como aquela
que ele via como própria do sistema de produção socialista, que viria a seguir.
Para ele, a educação não pode ser analisada enquanto algo que existe para além da sociedade em
que está inserida, como se fosse um fato externo, superior e imutável, que possuiria, portanto,
uma existência própria e independente do sistema de produção. De acordo com Marx, a educação
faz parte da superestrutura e, assim sendo, está diretamente ligada à forma como a sociedade se
organiza em sua consciência e com a forma como os indivíduos se organizam.
Este ponto de vista da escola como estratégia de reprodução da sociedade aproxima-se da visão de
educação que analisamos em Durkheim, ainda que neste autor não houvesse qualquer alusão a
esta manutenção da ordem vigente enquanto estratégia de reprodução das desigualdades sociais.
Para Marx, no entanto, a escola destinada a receber os filhos da burguesia serão aquelas escolas
de elite, interessadas em formar seus alunos para serem burgueses, detentores dos meios de
produção e ponto mais alto da hierarquia social. Os filhos do proletariado, da mesma forma,
estariam destinados a frequentar as escolas populares, condizentes com a sua posição na
hierarquia social e destinadas a formar mais força de trabalho.
85
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
Assim, as escolas “de rico” formam ricos enquanto as escolas “de pobre” formam pobres,
fazendo com que a ordem social capitalista se mantenha inalterada. Esta distinção se baseia
importantemente na valorização polarizada presente nestes dois tipos de instituição entre o
trabalho intelectual e o trabalho manual.
A escola, portanto, é vista por Marx como parte da superestrutura capitalista, que tem como
objetivo a manutenção da estrutura de classes bem delimitadas, bem como o processo de
dominação. No entanto, para este autor os sujeitos podem ser autores da história através da sua
mobilização e pela luta pela emancipação.
Ainda que o próprio Marx tenha feito reflexões muito pontuais a respeito da escola e da educação
dentro do processo de alienação e/ou emancipação do homem, diversos foram os autores, como
Gramsci (1981), que partiram de sua reflexão a respeito da ordem social e da luta de classes nela
existentes para construir as bases de uma Sociologia da Educação de caráter marxista.
De acordo com Bottomore (2001, p. 122), este tipo de educação é aquele que se fundamentado
nos seguintes ideais:
Educação pública, gratuita, compulsória e uniforme para todas as crianças, para que, desta
forma, todos tenham o mesmo acesso à cultura e ao conhecimento.
Educação que inclua tanto o trabalho intelectual quanto o trabalho manual, para que, assim, todos
os indivíduos conheçam a totalidade do processo de produção da vida material da sociedade.
Educação em que a relação entre professor e aluno parte do princípio da colaboração e não
da competição, para que, desta forma, sejam transformadas as relações dos diferentes grupos
sociais dentro da escola.
86
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
» Pedagogia progressista libertadora: desenvolvida por Paulo Freire (2011), esta corrente
pedagógica fundamenta-se na busca pela transformação social através da consciência
crítica desenvolvida pelo próprio indivíduo a partir da percepção da realidade em que
vive. Para Freire (2011), quando o sujeito compreende sua própria situação de oprimido,
pode agir no mundo para libertar-se e, neste processo, o professor atua em parceria com
o aluno, aprendendo e ensinando mutuamente.
De acordo com Nelson Piletti (2003), a respeito dos processos existentes na escola que contribuem
para a transformação social, podemos elencar os seguintes:
87
CAPÍTULO 5 • Karl Marx e a educação transformadora
Para refletir
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a
continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.
Por isso, quando alguém diz “Fiquei muito satisfeito com você” ou “Estou muito satisfeita com seu trabalho”, é assustador.
O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha
possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a
ideia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é alguém dizer “seu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou
música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas”.
Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, nos deixa insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a
tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura,
permanece um pouco apoiado no colo e nos deixa absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa,
um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?
Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda
bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar,
treinar, emagrecer, etc.), ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: “Por que a gente já não nasce pronto,
sabendo todas as coisas?” Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo nem prontos; o ser que nasce
sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição;
todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto o ganancioso quer só para si
próprio.
88
Karl Marx e a educação transformadora • CAPÍTULO 5
Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais
se nasce pronto, mais se é refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos
tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.
Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém
quanto mais vivesse, mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando...
Isso não ocorre com gente, mas com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não
pronta e vai se fazendo. Eu, no ano 2000, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais
velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente.
Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo;
só aos poucos é que o escuro é claro”...
(CORTELLA, 2015, p. 11).
Sintetizando
» A centralidade das relações sociais para a análise feita por Marx a respeito da sociedade capitalista, dando especial
destaque à luta de classes, que para este autor é a mola-mestra para a transformação social.
» A especificidade da sociedade capitalista e a sua relação com o tipo de produção que a fundamente, baseada na oposição
entre aqueles que são os detentores da posse dos meios de produção e aqueles que precisam vender sua força de trabalho
como forma de subsistência.
» A importância de entender a sociedade como um espaço marcado pelas disputas e não pela uniformidade. A preocupação,
portanto, deve ser avaliar historicamente as formas como os homens utilizam esta potencialidade de disputa para a
transformação social.
» A contribuição da Sociologia marxista e de seus princípios para a formação do pensamento pedagógico progressista
brasileiro que se divide entre as correntes libertária, libertadora e crítico-social dos conteúdos.
89
CAPÍTULO
DOS CLÁSSICOS AO PENSAMENTO
CONTEMPORÂNEO 6
Introdução
Neste último capítulo, partiremos da base construída através do estudo da Sociologia clássica
representada por Weber, Durkheim e Marx, para analisar as teorias contemporâneas da Sociologia
da Educação.
Objetivos
90
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
Atenção
As Ciências Sociais são consideradas aquelas disciplinas emergentes no século XIX, que tentavam dar sentido às
transformações advindas da modernidade e da sociedade capitalista que tomava forma.
» Sociologia: estudo das interações sociais e da estrutura das sociedades em seus diversos aspectos.
» Ciência Política: estudo das relações de poder, de forma mais geral, e dos diversos tipos de sistemas políticos.
Compreender a relação entre indivíduo e sociedade é uma questão motivadora para os três
autores. Partindo dela, chegam a discussões completamente diferentes a respeito da estrutura
da sociedade e das relações sociais. Através do quadro a seguir tornam-se claros os principais
pontos de divergência no pensamento de Marx, Weber e Durkheim.
91
CAPÍTULO 6 • Dos clássicos ao pensamento contemporâneo
Outro ponto a considerar sobre o estudo dos clássicos para a Sociologia da Educação, é que,
com exceção de Durkheim, que possui uma reflexão específica a respeito da educação, os outros
dois autores não tinham este aspecto da vida social como ponto focal de seus estudos. O que
apresentamos a respeito da visão de Marx e Weber sobre a educação não está sistematizado em
suas obras, mas pode ser captado de forma pontual ao longo de sua produção.
Destaca-se, ainda, que estes três autores não estão produzindo suas teorias em diálogo direto, o
que dificulta certas aproximações e padronizações da análise. Marx, apesar de alemão, produz
também na França e na Inglaterra. Durkheim é um acadêmico francês e Weber alemão. Na linha
do tempo proposta a seguir, podemos ver também que Marx é anterior ao pensamento de Weber
e Durkheim, permitindo que os dois últimos autores tenham tido contato com os escritos de
Marx, sem, contudo, que o contrário tenha sido possível.
Figura 22.
Provocação
Você consegue imaginar a reação de Marx, Weber e Durkheim se conseguíssemos trazê-los para analisar o sistema
educacional de nossa sociedade e nosso tempo? Quais você imagina que seriam as considerações que estes três autores
fariam a respeito das nossas práticas docentes?
Os filmes indicados abaixo brincam com esta ideia de um indivíduo do passado que consegue vir para o presente. São boas
dicas para imaginarmos a problemática do “estar fora de contexto”.
Kate e Leopold
EUA: 2001 – Direção de James Mangold
A comédia romântica Kate e Leopold brinca com a ideia de um indivíduo do século XIX que
consegue viajar no tempo e se depara com a sociedade do século XXI. Neste filme podemos ver
Fonte: <https://pt.wikipedia.
org/wiki/Kate_%26_Leopold> a forma como a adaptação de valores de um momento histórico para outro não é simples.
92
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
Nesta comédia, o ditador nazista Adolf Hitler acorda completamente perdido na Alemanha de
2011, sem nenhuma informação sobre o que aconteceu depois do fim da guerra em 1945.
Fonte: <http://www.
adorocinema.com/filmes/
filme-225657/>
Tendo concluído nosso estudo a respeito dos clássicos da Sociologia e estabelecido, com isso,
as bases que sustentam a Sociologia da Educação, passemos agora a analisar as teorias que vêm
sendo utilizadas contemporaneamente para o estudo da educação e sua relação com a sociedade.
Atenção
Na Trilha de Aprendizagem da Estação 6 da sua sala de aula virtual, você encontrará uma discussão interessante sobre a
forma como a Sociologia do século XX apropriou-se dos conceitos clássicos de Marx, Weber e Durkheim.
Pós-colonialismo
Como vimos no segundo capítulo deste livro, a Sociologia tem origem em um momento histórico
em que o europeu é colocado em contraste direto com outras populações através da expansão
comercial que aumentou as distâncias percorridas na África e na Ásia, bem como desbravou os
novos continentes da Oceania e da América. Neste contexto, criou-se uma disciplina em que
o nós (homens brancos europeus) dedicava-se a estudar o eles (homens e mulheres de outras
culturas, vistas como selvagens ou primitivas).
Esta narrativa que colocava o europeu e sua “civilização” como centro do mundo, ponto de
desenvolvimento humano a ser alcançado por todas as demais sociedades, foi usada durante
muito tempo como justificativa para a dominação colonial pela Europa do restante do mundo.
Da mesma forma, as ex-colônias por todo o mundo começam a construir seus próprios centros
de pesquisa, suas universidades e a utilizar o discurso acadêmico, anteriormente visto como uma
ferramenta da dominação, enquanto estratégia para questionar estas narrativas eurocêntricas
que por tanto tempo foram apresentadas enquanto modelo civilizatório universal.
93
CAPÍTULO 6 • Dos clássicos ao pensamento contemporâneo
O movimento pós-colonial foi responsável, desta forma, por superar as leituras feitas de fora
a respeito da África, da Ásia, da Oceania e da América Latina, dando, assim, lugar de fala aos
pesquisadores e pensadores destas localidades para refletirem sobre si mesmos e para evidenciarem
as relações de poder envolvidas na construção do conhecimento.
Neste processo, autores como o palestino Edward Said (2003), o jamaicano Stuart Hall (2009) e
o indiano Homi Bhabha (2007) foram fundamentais.
de dominação que ainda nos dias de hoje podem ser do mundo. Pode ser aplicada, portanto, a
diferentes populações, como os judeus, os
vistos nas instituições de ensino das ex-colônias.
armênios e os povos africanos, que estão
presentes em sociedades por todas as partes
Piletti e Praxedes (2010, p. 116), destacam os seguintes do globo.
tópicos como norteadores deste processo de
desconstrução do saber colonial:
» Até que ponto podemos afirmar que o conceito de raça elaborado pelo pensamento
europeu nos séculos XVIII e XIX ainda influencia a construção das identidades dos
alunos e dos educadores?
» Como a soberania do sujeito imperial europeu ainda é celebrada nos materiais didáticos,
nas narrativas literárias e nos textos científicos e filosóficos?
94
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
Para refletir
Neste processo de os países periféricos refletirem sobre si mesmos e apresentarem ao mundo suas próprias narrativas pós-
coloniais, o cinema assumiu papel importante.
Estudos culturais
Os estudos culturais são apresentados por Renato Ortiz (2004) como um processo de renovação
das Ciências Sociais, no qual se rompem as fronteiras disciplinares formalmente construídas nos
departamentos das universidades em prol de uma visão multidisciplinar a respeito da cultura e
de suas mais variadas expressões.
No campo da educação, de acordo com Piletti e Praxedes (2010), os estudos culturais possuem
uma análise crítica e política dos processos educativos, buscando, com isso, a transformação da
realidade social em que esses processos se desenvolvem. Para tanto, é fundamental questionarmos
e desnaturalizarmos a visão da produção acadêmica e das práticas escolares como calcadas em
conhecimentos produzidos de forma neutra, científica, racional, universal e, portanto, legítima.
95
CAPÍTULO 6 • Dos clássicos ao pensamento contemporâneo
Esta tentativa de captar a diversidade do real nas diversas representações elaboradas a respeito da
educação, do ambiente escolar e dos atores sociais que fazem parte dele, pode ser exemplificada
especialmente pelo questionamento da escolarização da educação, a neutralidade do currículo
e da uniformidade da escola.
Para refletir
O filme Entre os muros da escola narra a história do professor francês François Marin, que leciona
em uma escola marcada pela intolerância, que está situada na periferia de Paris e possui um corpo
estudantil multicultural, formado por alunos asiáticos, africanos, árabes e francês. O longa apresenta a
luta do professor para se conectar com seus alunos.
Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Entre_les_murs>
O termo nova sociologia da educação, como destacam Piletti e Praxedes (2010) foi atribuído na
década de 1970 à abordagem crítica da educação que via os currículos e as práticas pedagógicas
como processos sociais que permanecem constantemente em construção. A proposta da NSE é,
portanto, desconstruir o olhar teórico sobre o currículo, bem como o de que tudo o que é feito na
escola deve ser entendido como algo neutro e cristalizado, dado a priori e jamais questionado.
Tente se lembrar, por exemplo, de quantas vezes você ouviu dizer que Matemática e Português
são as disciplinas mais importantes do currículo, o que lhes garante uma carga horária mais
ampla, um local central nos programas de avaliação do rendimento dos alunos, políticas
públicas de valorização dos seus saberes, etc.
Este valor do estudo da Matemática e da Língua Portuguesa, no entanto, não é um dado imutável
da natureza. Não é por que é. Ao dizermos que algo é importante, estamos automaticamente
afirmando que aquele algo é importante para alguém, em algum momento, em algum lugar e
por alguma razão específica.
96
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
Como destaca Basil Bernstein (apud PILETTI e PRAXEDES, 2010, p. 110) , é fundamental termos
a consciência de que:
Reflita, por exemplo, a respeito de todas as implicações sociais, culturais e políticas da Lei nº 10.639,
de 2003, que inseriu a história e cultura afro-brasileira e africana como conteúdos obrigatórios
do currículo escolar e da Lei nº 11.645, de 2008, que, posteriormente, incluiu também a história
e cultura dos povos indígenas brasileiros.
Ao decidir que a história e a cultura destes povos devem ser ensinadas a todos os alunos das
escolas brasileiras, estabelecem-se como importantes estas mesmas culturas. É uma afirmação
oficial de que saber sobre estas pessoas e a contribuição delas para a fundação e desenvolvimento
da sociedade brasileira importa.
O mesmo pode ser dito sobre o debate a respeito da exclusão ou não das disciplinas Filosofia e
Sociologia da grade curricular do ensino médio. Paralelo a isso, cresce a presença no currículo
das instituições de ensino, especialmente as privadas, de disciplinas como empreendedorismo
e robótica.
Não se pretende, com isso, afirmar que o estudo da Filosofia e da Sociologia seria mais
importante do que o estudo da robótica e do empreendedorismo. São dois tipos distintos de
saberes, que importam para parcelas da população de forma diferente, sem que, com isso, haja
uma hierarquia preexistente que afirme a primazia de uma disciplina sobre a outra.
É ingênuo acreditar, contudo, que a decisão de acrescentar ou retirar uma disciplina da grade
curricular é meramente burocrática ou não possui intencionalidade. Tudo o que é feito com
relação ao currículo – nos dirão os pensadores da nova Sociologia da Educação – é um ato político.
A desconstrução das relações de poder até então naturalizadas deve ocorrer ainda dentro das
próprias salas de aula, na interação que ocorre entre professores e alunos. Isto se deve ao fato
de que, em dadas circunstâncias, o preconceito do professor, esteja ele relacionado a uma visão
97
CAPÍTULO 6 • Dos clássicos ao pensamento contemporâneo
Em uma situação hipotética, tomemos uma professora de Química que lecione para três turmas
do primeiro ano do ensino médio, que foram organizadas de acordo com o rendimento dos alunos
no ano anterior. A turma um tem os alunos com as melhores notas, a dois tem os alunos com
rendimento mediano, e a turma três reúne os alunos com as menores médias no ano anterior.
Partindo desta análise antecipada, a professora prepara as suas aulas com níveis distintos de
profundidade na abordagem dos conteúdos, pois a sua expectativa é de que a turma considerada
mais fraca não tenha a capacidade de “acompanhar o assunto” da mesma forma que os alunos
das outras duas turmas. Na turma um, inclusive, ela pretende ir um pouco além do conteúdo
curricular obrigatório, para que os alunos estejam mais bem preparados para o vestibular.
É importante destacar que no nono ano do ensino fundamental, quando as avaliações para
nivelamento e classificação das turmas foram feitas, a disciplina de Química sequer era ministrada
a estes alunos que, portanto, estão sendo apresentados ao conteúdo de Química com diferentes
níveis de dificuldade com base em seu desempenho em outras disciplinas. Um aluno, da mesma
forma, que esteja na turma número três por ter apresentado baixo rendimento nas disciplinas
da área de Humana também estará sendo limitado por fatores arbitrários.
Consideremos ainda, que dentro desta lógica de estimular mais aqueles com melhores rendimentos,
certamente a previsão de sucesso e fracasso relacionada às três turmas se concretizará, não pelo
desempenho dos alunos, mas pela decisão pedagógica do docente a respeito de como ministrar
o currículo.
Vemos, assim, que toda decisão pedagógica, seja ela de longo alcance, tomada pela gestão do
sistema educacional; ou mais pontual e aplicada diretamente às salas de aula, não podem ser
analisadas sem a consideração de seus reflexos políticos sobre os resultados que serão obtidos.
Cuidado
É de fundamental importância compreendermos que o conceito de política é diferente do conceito de partidarismo político.
Qualquer ação, reflexão ou debate que esteja relacionado à nossa vida civil e coletiva são atos políticos. Já os atos partidários
são aqueles em que além de se considerar a ação com relação à vida civil e coletiva, estão incluídos também os valores
associados a um partido político específico.
Sendo assim, todo ato partidário é político, mas nem todo ato político é partidário.
Ações como matricular um filho na escola, alfabetizar uma criança, participar de uma campanha de vacinação, tirar carteira
de motorista, votar, comprar verduras diretamente do produtor local, todos estes atos podem ser entendidos como políticos.
Quando nos referimos às escolhas pedagógicas e ao currículo escolar como instrumento político, não se defende, com isso,
que eles estejam atrelados a uma corrente partidária específica, mas, sim, que a sua execução está diretamente relacionada à
cidadania e à vida coletiva dos indivíduos.
98
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
No que diz respeito ao espaço, é importante considerarmos a contribuição dos espaços não
escolares para a formação integral dos indivíduos, servindo de suporte ao sistema formal de
ensino e garantindo, ainda, a multiplicidade de olhares. Sendo assim, a Sociologia da Educação
passa a ter que analisar de forma crítica todas as práticas pedagógicas e processos de construção
de conhecimento desenvolvidos dentro e fora da escola.
Imagine uma pessoa que inicia um novo emprego e precisa aprender tudo sobre aquela instituição
e as formas como são conduzidos os procedimentos; um indivíduo que se descobre diabético na
idade adulta e precisa aprender a respeito de conceitos como células betas e índice glicêmico;
um indivíduo que desenvolve como hobby a corrida de rua passa a conviver com novos conceitos
relacionados aos treinos e à alimentação prescrita para aprimorar o desempenho; uma pessoa
que converta-se a uma nova religião e tenha que ser socializada àquela nova forma de agir, sentir
e pensar.
Sendo assim, ao falarmos de educação, temos que ter em mente que não estamos falando
exclusivamente de escolas e universidades, mas, também, de:
» Empresas.
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CAPÍTULO 6 • Dos clássicos ao pensamento contemporâneo
» Museus.
» Hospitais.
» Igrejas.
» Projetos sociais.
Vale ressaltar também que a própria escola, espaço ainda privilegiado para a formação e
socialização dos indivíduos, não pode ser vista como algo único e homogêneo, especialmente em
um país que possui a extensão territorial, a diversidade cultural e social do Brasil. Neste contexto,
é fundamental nos indagarmos se ainda é possível falar sobre a escola no singular.
Será que realmente existe esta instituição única, padronizada e imutável que convencionamos
chamar de escola ou seria mais adequado nos referirmos a ela no plural, valorizando todos os
diferentes contextos e significados que ela abarca?
Ainda que possuamos uma normatização nacional, que organiza e estabelece um limite mínimo
comum compartilhado entre todas as instituições formais de educação do País, é importante
estarmos atentos para as especificidades dos contextos educacionais em que nos inserimos, para
que possamos adaptar o conteúdo e as próprias metodologias de acordo.
» Escolas quilombolas.
» Escolas indígenas.
» Escolas urbanas.
» Escolas técnicas.
Poderíamos nos deter aqui analisando de forma pormenorizada cada um destes ambientes de
aprendizagem: os diferentes espaços não escolares e as diversas facetas da escola. Certamente,
as especificidades de cada um deles são inúmeras e, justamente por isso, um livro didático que
se dedicasse inteiramente a esta temática não seria capaz de esgotá-la ou garantir que o docente
em formação estará 100% preparado para lidar com todos os dilemas da escola, esteja ela no
contexto em que estiver.
100
Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
O importante da discussão que travamos aqui é que você tenha em mente o aspecto múltiplo e
mutável da educação, que exige que o professor esteja sempre atento para as suas transformações
e atualizado com relação aos debates teóricos e metodológicos que envolvem a sua prática.
Últimas reflexões
O objetivo deste material foi apresentar, da forma mais rica possível, as inúmeras possibilidades
oferecidas pela Sociologia da Educação para o professor que se interesse em refletir criticamente
sobre sua prática, sem aceitar de forma passiva que as coisas são como são e, portanto, devem
permanecer como estão.
E esta é uma postura que independe de alinhamentos políticos, filiações partidárias, devoções
religiosas ou qualquer outro traço identitário ou sistema de valores com o qual você se identifique.
Aqueles que acreditam que tudo vai mal precisam se mobilizar para mudar esta realidade. Aqueles
que acreditam que tudo vai bem precisam se mobilizar para que tudo fique ainda melhor.
Com esta reflexão, concluímos o nosso estudo sobre a sociologia da educação, com a esperança
de que esta conversa se prolongue ao longo de toda a sua vida docente. Mantenha sempre suas
lentes sociológicas diante dos olhos e não tire jamais a sociologia da educação da sua caixinha
de ferramentas!
101
CAPÍTULO 6 • Dos clássicos ao pensamento contemporâneo
Para refletir
Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade
que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna
curiosidade epistemológica. Muda de qualidade, mas não de essência. A curiosidade de camponeses com quem tenho
dialogado ao longo de minha experiência político-pedagógica, fatalistas ou já rebeldes diante da violência das injustiças,
é a mesma curiosidade, enquanto abertura mais ou menos espantada diante de “não eus”, com que cientistas ou filósofos
acadêmicos “admiram” o mundo. Os cientistas e os filósofos superam, porém, a ingenuidade da curiosidade do camponês e
se tornam epistemologicamente curiosos.
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou
não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não
haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não
fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
Como manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e
reconstruída. Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das
tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita,
indócil. Curiosidade com que podemos nos defender de “irracionalismos” decorrentes ou produzidos por certo excesso de
“racionalidade” de nosso tempo altamente tecnologizado. E não vai nesta consideração nenhuma arrancada falsamente
humanista de negação da tecnologia e da ciência. Pelo contrário, é consideração de quem, de um lado, não diviniza a
tecnologia, mas, de outro, não a diaboliza. De quem a olha ou mesmo a espreita de forma criticamente curiosa. (FREIRE,
2011, p. 32-33).
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Dos clássicos ao pensamento contemporâneo • CAPÍTULO 6
Sintetizando
» Os estudos clássicos da Sociologia elaborados por Marx, Weber e Durkheim até os dias de hoje contribuem para a reflexão
sobre educação, no entanto, devemos ter sempre em vista o contexto em que estes pensadores produziram seus trabalhos
e os pontos de reflexão a que eles se dedicaram.
» O conceito de pós-colonialismo está diretamente ligado à necessidade de desnaturalizar os saberes construídos sobre as
colônias a partir do olhar dos colonizadores, que ainda hoje influenciam a forma como pensamos e agimos.
» O conceito de diáspora se refere aos grupos étnicos e raciais dispersos pelo mundo por motivos como guerras, preconceito
e a escravidão. Os pensadores da diáspora são os intelectuais oriundos de países periféricos que refletem sobra a própria
cultura nos grandes centros coloniais.
» A educação acontece não só nas escolas, mas, também, em ambientes não escolares.
» A educação escolar não pode ser vista como algo único, pois a escola assume aspectos distintos de acordo com o contexto
em que está inserida.
» Os estudos culturais buscam compreender as especificidades da educação e da escola através de um olhar crítico e
político.
» A Nova Sociologia da Educação consiste em uma corrente de pensamento que desnaturaliza os currículos e práticas
escolares, analisando-os de forma crítica e investigando seus significados.
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105