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HAYDÉE CARUSO

Fundamentos de Sociologia e
Antropologia

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autores
Haydée Caruso

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático........................................................................................................................................4

Introdução...............................................................................................................................................................................6

Capítulo 1
O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências.....................................................................9

Capítulo 2
Teorias e teóricos sociais clássicos........................................................................................................................ 26

Capítulo 3
Indivíduo e sociedade................................................................................................................................................ 46

Capítulo 4
Cultura e sociedade.................................................................................................................................................... 63

Capítulo 5
Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho......................................... 75

Capítulo 6
Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos.................................................................... 87

Referências.........................................................................................................................................................................101
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

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Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
O principal objetivo deste Livro Didático é apresentar os conteúdos centrais da Sociologia
e da Antropologia, a partir de seus autores clássicos e contemporâneos. Nas próximas
páginas, faremos uma instigante caminhada desde a origem histórica destas disciplinas
para chegar a alguns dos temas que mobilizam permanentemente nossa sociedade na
contemporaneidade.

A partir da apresentação das teorias e os teóricos que ao longo do tempo dedicam-se


a compreender a sociedade, construiremos um espaço de reflexão crítica, através de
questionamentos, sugestões bibliográficas, de filmes e de imagens que terão como
proposta despertar em você, estudante, o olhar apurado sobre a sociedade, sua história
e o mundo em transformação que vivemos.

Logo de partida perceberemos que tanto a Sociologia quanto a Antropologia oferecem


ferramentas analíticas importantes para entender que a maior parte daquilo que fazemos
e dos problemas com os quais lidamos não são determinados, exclusivamente, pela
natureza. São, todavia, hábitos, costumes e crenças histórico e socialmente construídos. Ao
mesmo tempo que fazemos parte da natureza, nos apropriamos dela e a transformamos.
Veremos, pois, ao longo das páginas que se seguem, que questões como natureza x cultura,
indivíduo x sociedade e cultura x sociedade são fundamentais para aprender a pensar
sociologicamente.

Ao final, você perceberá que desenvolver um pensamento sociológico não só facilita


nossa compreensão uns dos outros e de nós mesmos, mas, também, permite-nos ampliar
nosso repertório de explicações sobre como as sociedades se organizam, suas dinâmicas
e as relações sociais que elas propiciam.

O Livro Didático está dividido em seis capítulos. As quatro primeiras apresentam as


principais correntes teóricas e a constribuição de autores considerados fundamentais
para o avanço da Sociologia e da Antropologia. Os dois últimos capítulos apresentam
algumas das problemáticas contemporâneas que ocupam hoje no mundo o cerne das
preocupações, tanto dos cientistas sociais quanto da sociedade em geral.

Boa leitura!

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Objetivos

» Compreender quais foram as condições históricas e sociais que permitiram o


surgimento da Antropologia e da Sociologia enquanto disciplinas científicas.

» Entender a importância de um estudo clássico e conhecer os três grandes


pensadores clássicos das Ciências Sociais: Marx, Weber e Durkheim.

» Observar o papel central da questão indivíduo x sociedade nos estudos sociológicos


clássicos e contemporâneos.

» Compreender as noções de cultura e sociedade numa perspectiva antropológica.

» Apresentar a teoria de evolucionismo cultural.

» Compreender a noção de etnocentrismo e sua aplicação em diferentes contextos.

» Compreender como a globalização se consolidou nas sociedades contemporâneas


e os seus efeitos nas culturas locais.

» Analisar as crises migratórias sob a ótica da globalização.

» Compreender a evolução da desigualdade social no sistema capitalista.

» Compreender como a mobilidade social funciona na nossa sociedade.

» Compreender os principais aspectos da desigualdade social no Brasil.

» Compreender o papel do trabalho nas análises sociológicas clássicas e


contemporâneas.Apresentar um breve histórico da ideia de Direitos Humanos e a
forma institucional adotada por esse sistema de proteção de direitos internacionais
nos dias atuais.

» Observar a relevância de um diálogo constante entre os Direitos Humanos e


a Antropologia para a promoção da diversidade e proteção contra formas de
opressão, simbólica e material.

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CAPÍTULO
O SURGIMENTO DA ANTROPOLOGIA E
DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIAS 1
Introdução

Os seres humanos enquanto espécie têm uma tendência natural a viver em grupo. Desde
os nossos ancestrais primitivos que desenvolveram hábitos sociais convivendo em
pequenos grupos, até as grandes metrópoles contemporâneas que abrigam milhões de
habitantes. Com as mudanças climáticas e o próprio avanço da espécie, que passara agora
a construir estratégias de sociabilidade para manutenção da vida, os pequenos grupos
passaram a evoluir numérica e socialmente. Sendo assim, passamos de pequenos grupos
familiares para tribos, depois vilas e clãs, para, posteriormente, tornarmo-nos sociedades
complexas. Nem todos os grupos sociais se desenvolveram da mesma forma, nos mesmos
moldes, ao mesmo tempo, e são essas diferenças que fazem cada sociedade ser única.
É, também, esta diferença de grupos que chama a atenção de diversos pensadores ao
longo da história da humanidade. Todo este desenvolvimento se deu através de séculos
e despertou nosso interesse; afinal, era preciso entender como nós, enquanto espécie,
conseguimos nos unir, nos organizar e criar tantas instituições, formas de comunicação,
valores, símbolos e signos. Afinal, de formas muito particulares, cada grupo social havia
se desenvolvido a seu modo, construído suas organizações e seus sistemas simbólicos
de forma única. Neste capítulo abordaremos um pouco mais sobre o desenvolvimento
destas sociedades, em especial a sociedade ocidental, e as realidades sociais nas quais
emergiram a Antropologia e a Sociologia, pensando os contextos sociais, econômicos e
culturais que propiciaram seu surgimento.

Objetivos

» Compreender brevemente como se deu o desenvolvimento histórico das sociedades.

» Compreender quais foram as condições históricas e sociais que permitiram o


surgimento da Antropologia.

» Compreender como a Antropologia se desenvolveu com o passar dos anos.

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CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

» Compreender quais foram as condições históricas e sociais que permitiram o


surgimento da Sociologia.

» Compreender como a Sociologia se desenvolveu com o passar dos anos.

» Compreender a relação entre as Ciências Sociais e o senso comum.

A vida em sociedade

Provocação

Você já parou para pensar o que define a sociedade?

Sociedade é, em princípio, uma teia de relações sociais, voluntárias e contratuais, que envolve comunicação,
consenso e diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Estes mantêm laços mediante a língua, a cultura, e o
modo como se relacionam e trabalham. Relações sociais, comunicação e interação são, portanto, componentes
fundamentais da vida social. (ARAÚJO et al., 2013, p. 38).

A espécie humana nem sempre viveu em grandes cidades, rodeada por rodovias, carros
e grandes prédios. Nossa evolução enquanto espécie data de milhões de anos atrás,
mas a históra das sociedades capitalistas, com Estados-Nações e organizações políticas
democráticas é relativamente recente. Para melhor compreendermos como chegamos até
este estágio de desenvolvimento precisamos entender, primeiramente, por que fomos nós
e não outros a avançar nessa direção. Apesar de termos ancestrais comuns com outros
primatas, que também viviam em pequenos grupos parentais, as condições ambientais
e as particularidades cognitivas da nossa espécie foram fundamentais para o nosso
desenvolvimento, que permitiu a formação de grupos sociais para além das relações
familiares. Segundo Barreiros (2018, p. 4), os condicionantes ambientais que ameaçavam a
existência desses grupos familiares foi superada por um “desenvolvimento de instrumentos
cognitivos para cooperação”. Sendo assim, nossos dispositivos cognitivos passam a criar
as ferramentas mentais necessárias para que possamos viver em colaboração uns com os
outros, a luta intragrupal dá lugar à gestão dos grupos e das relações interpessoais. Esta
mudança representa não apenas uma mudança na forma de organização grupal, mas um
passo evolutivo para a espécie, que modifica nossa estrutural biológica.

Surgem assim os “módulos mentais especialmente dedicados ao manejo das relações sociais”
(BARREIROS, 2018, p. 5), saímos, portanto, da condição de primatas primitivos, para indivíduos
sociais. Esta evolução data de milhões de anos atrás e “determina o rito e os limites da luta
pelo poder, reduz o grau de violência interpessoal letal e estabelece os parâmetros para o
fim do conflito” (BARREIROS, 2018,p. 6), tornamo-nos, assim, indivíduos que colaboram e
vivem em grupos maiores, não familiares. Ou seja, deixamos a organização baseada apenas

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O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

em grupos parentais para nos relacionarmos com indivíduos diferentes, de outras “famílias”.
Neste ponto é interessante salientar que a proibição do incesto começa a ser construída, ou
seja, as primeiras restrições para manutenção de relações sexuais entre indivíduos de grupos
específicos. Surgem, assim, os tabus que são:

a expressão de como [o homem] cria um conjunto de meios, mecanismos


e estratégias para lidar com a natureza desde um ponto de vista amplo,
ou seja, sua relação com o meio ambiente, até a sua dimensão individual,
fisiológica, biológica, que tem como consequência a explicitação do ser
social que constrói uma ética, uma moral, regras, leis e instituições, ou
seja, toda uma estrutura para objetivar-se em suas relações. (PONTES,
2004, p. 8).

A sociedade surge, portanto, pela junção destes primeiros grupos familiares, que
posteriormente ampliam suas relações e passam a interagir com outros grupos. Esta
junção de grupos evolui e, assim, vamos formando tribos e clãs, posteriormente, os
conglomerados se ampliam e as necessidades humanas se transformam; assim, os grupos
passam a modificar-se a partir de demandas de produção de alimentos, de moradia, de
mobilidade etc.

Figura 1. Modelo de desenvolvimento das sociedades.

Unidades familiares simples

Clãs e tribos

Vilas e povoados

Cidades e Estados-nações

Autor: Thorpe et al. (2016, p. 12).

Este desenvolvimento social se dá não apenas numa relação entre homens, mas a partir
de uma espécie de “trindade”, onde múltiplos fatores estão envolvidos e relacionados, se
estruturando e sendo estruturados um pelo outro, de forma mútua e contínua. Nas palavras
do sociólogo francês Edgar Morin (2005, pp. 51-52):

O ser humano define-se, antes de t u d o, como trindade


indivíduo/sociedade/espécie: o indivíduo é um termo dessa trindade. Cada
um desses termos contém os outros. Não só os indivíduos estão na espécie,
mas também a espécie está nos indivíduos; não só os individuos estão na
sociedade, mas a sociedade também estás nos indivíduos, incutindo-lhes,
desde o nascimento, a sua cultura (...) a cultura e a sociedade permitem

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CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

a realização dos indivíduos; as interações entre os indivíduos permitem a


perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade.

Inspirados nas palavras de Morin, podemos constatar que desde o século XVIII, passando
pelo XIX e XX, profundas e intensas transformações no modo de viver em sociedade
ocorreram. É justamente no contexto de franco desenvolvimento das sociedades modernas
europeias na virada do século XVIII para o XIX que a Antropologia e a Sociologia surgem
como ciências. Passemos a analisar o contexto de significativas mudanças sociais,
políticas e econômicas ocorridas na Europa Ocidental que culminam com o surgimento
de inquietações sociológicas e antropológicas para explicar o mundo em transformação.

A Antropologia: um olhar sobre o outro

Nossa condição biológica nos permitiu, portanto, viver e trabalhar em conjunto, a fim de
garantir nossa existência enquanto indivíduos e o desenvolvimento de nossos grupos.
Neste contexto, as sociedades começam a se desenvolver, não mais voltadas apenas para a
sobrevivência, mas a convivência entre grupos cada vez maiores e mais complexos dá vazão
ao desenvolvimento intelectual e tecnológico da humanidade. Não somos mais grupos que
apenas sobrevivem, passamos agora a nos organizar politicamente, a criar instituições,
moedas, sistemas de trocas com outros grupos. Começamos a nos questionar sobre nós,
sobre a natureza ao nosso redor e também sobre o outro, o diferente.

Provocação

Quem são os outros para você?

Faça agora um exercício antropológico e tente encontrar um grupo que se distinga ao máximo do seu grupo familiar
ou do seu grupo de convivência. Quem são essas pessoas? Como elas vivem e se organizam? Quais são as principais
diferenças entre seus grupos e os outros? E quais são as similaridades entre vocês?

Sabendo que cada sociedade se desenvolve a partir de processos históricos próprios,


alguns intelectuais começaram a se perguntar o porquê das diferentes organizações
políticas de países europeus e africanos, ou mesmo as organizações de algumas tribos
indígenas do continente americano. Questionavam-se como o sistema de trocas ocorria
em sociedades em que não havia uma moeda, seguindo padrões de troca específicos.
Ou mesmo o porquê de algumas manifestações religiosas serem feitas, ou da divisão
das atividades laborais entre indivíduos de uma mesma tribo. Numa tentativa de
começar a compreender o outro, seus sistemas de crença e seus rituais, suas formas
de troca, as configurações políticas e econômicas tribais, os estudos antropológicos
começam a surgir, auxiliando também a compreensão da nossa própria sociedade.

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O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

A seguir, vamos compreender como se deu o desenvolvimento desta ciência e quais


são alguns dos seus expoentes.

Contextos históricos do surgimento da Antropologia

As primeiras sociedades surgiram no que hoje conhecemos como Oriente Médio.


As sociedades tribais se espalharam ao redor do globo com o passar dos anos e os
contatos entre homens foram se intensificando. As sociedades, cada uma a seu modo,
desenvolveram suas divisões do trabalho, criaram seus símbolos e signos, criaram
seus sistemas de trocas internas e externas, suas organizações políticas. O contato
das sociedades começam a despertar a curiosidade sobre o outro e sobre si. É neste
contexto de contato com o outro que surgem alguns relatos. Pensando neste olhar
sobre os outros, os primeiros antropólogos lançam suas empreitadas ao campo. Como
colocado por Gomes (2008, p. 11):

Para surgir a Antropologia – cuja característica mais essencial é mirar


o outro como um possível igual a si mesmo – seria preciso um tempo
de dúvidas e ao mesmo tempo de abertura ao reconhecimento do
valor próprio de outras culturas. Tal tempo só surgiria séculos depois
[da criação da filosofia grega], quando a Europa, em vias de perder
sua velha identidade medieval, ainda incerta sobre o que viria a ser,
duvidou de si mesma e pôde assim olhar e conceber outros povos, ao
menos teoricamente, como variedades da humanidade, cada qual com
seus valores e significados.

Portanto, a Antropologia é uma ciência que surge em meio ao desenvolvimento e expansão


do próprio continente europeu. As novas colonizações que ocorrem nos século XV e XVI
despertam o fascínio dos europeus, o contato com novos povos, que tinham hábitos
e culturas tão diferentes da europeia chamam a atenção. Os primeiros relatos são de
viajantes, missionários e comerciantes, que transitam entre diferentes continentes e
descreviam seus contatos com outros povos, muitos organizados em sociedades tribais
ou pequenas vilas. Estes relatos por vezes aparecem como descrições de povos “bárbaros”,
pois eram sociedades diferentes, com costumes, valores e organizações políticas diferentes
dos europeus, à época o diferente, por vezes, era caracterizado como bárbaro ou como
se ainda vivessem em um estado de natureza. Estes relatos descreviam os outros povos
como “selvagens dominados pela natureza, pelo clima, que não tinham história, nem
hábitos culturais” (SIQUEIRA, 2007, p. 11), sendo definidos, portanto, pela falta, aquilo
que não existia em suas sociedades, mas que deveria existir para estar de acordo com o
desenvolvimento das sociedades europeias.

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CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

Figura 2. Mapa do Brasil.

Fonte: Giovanni Battista Ramusio, 1556.

Em contrapartida, alguns pensadores descartavam essa visão baseada na comparação


pela falta e destacavam a organização política e econômica destas sociedades tribais,
apontando-as inclusive como instituições mais adequadas que as instituições europeias.
Avançando nesta perspectiva, surge, no século XVIII, o conceito do bom selvagem, uma
ideia que definiria estes povos como os detentores de uma ingenuidade, de uma liberdade
e felicidade que seriam dadas à sua própria natureza. Com o surgimento e complexificação
dos questionamentos e a necessidade de obervações mais autênticas, as expedições para
contactar o novo mundo passaram a ser feitas de forma mais científica, sistematizada,
a fim de coletar mais informações sobre outros povos.

O estudo do outro se torna, então, o objeto de análise propriamente dito, e o método adotado
é a análise dos diários de campos destes viajantes. Será apenas no final do século XIX que as
análises desse relatos de viajantes serão encarados de forma antropológica, criando métodos
de pesquisa próprios que superem os problemas advindos da análise não profissional dos
viajantes e missionários, surgem, então, os primeiros trabalhos de campo. Apesar do caráter
de alteridade que estudos antropológicos tem, de apresentar um olhar sobre outro, estas
reflexões antropológicas sofrem grande influência do Tratado de Berlim, onde os países
europeus dividem os territórios africanos e as novas colônias entre si. Isso nos leva a pensar
sobre o caráter imperialista que marca o surgimento da Antropologia enquanto ciência.
Apesar do interesse nesse “outro” desconhecido, os primeiros antropólogos tinham como
parâmetro ou forma de “medir” a outra sociedade a partir dos seus valores eurocêntricos.
Falaremos mais um pouco sobre a Antropologia como ciência.

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O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

Antropologia como ciência atual

Provocação

Compreendemos assim as condições históricas que deram início aos estudos antropológicos. Mas será que os tempos
atuais mantêm os mesmos paradigmas usados séculos atrás? Será que ainda pensamos a evolução das sociedades da
mesma forma? Será que ainda tratamos o outro como o primitivo, exótico?

Pois bem, as mudanças da Antropologia estão ligadas às próprias mudanças sociais


decorrentes dos processos de colonização, num primeiro momento, os antropólogos se
deparam com o desaparecimento dos povos tradicionais, aqueles tidos como “exóticos”. O
outro torna-se cada vez mais um igual, afinal, o processo de colonização tende a dizimar
a cultura dos colonizados, fazendo com que se apropriem cada vez mais da cultura do
colonizador. Entretanto, este processo produz uma resistência nos povos colonizados,
que constroem estratégias próprias para preservar sua cultura e resistir às investidas do
colonizador. Estes processos de aquisição gradual da independência constroem diferentes
dinâmicas de organização política, cultura e religiosa nos países ora colonizados.

O padrão eurocêntrico de construção do conhecimento, assim como a própria utilização


da Antropologia como instrumento de dominação cultural, como ferramenta dos
colonizadores, passam a ser questionados. Afinal, como estudar as novas sociedades, ora
colonizadas, ora colonizadoras, mas que agora se encontram em momentos históricos,
políticos e econômicos muito distintos do que aqueles que precedem a Antropologia.

Passamos, assim, para a produção de um novo tipo de conhecimento antropológico, que


parte da perspectiva de que o outro é um todo em si mesmo, repleto de significados, de
símbolos, de uma cultura própria. Abandona-se, portanto, a perspectiva desenvolvimentista
cultural, e passa-se para uma ideia em que todos estarão agora no mesmo patamar.
Os povos passam a ser analisados de forma relacional, somos nós e eles, e aquilo que
aprendemos sobre eles poderá dizer muito sobre nós. Esta nova Antropologia poderá ser
definida, portanto, como:

O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os


aspectos culturais e biológicos, no presente e no passado, focalizando
as relações entre o homem e o meio, entre o homem e a cultura e entre o
homem com o homem. (SIQUEIRA, 2007, p. 17)

O conhecimento antropológico passa a ser construído de forma relacional, pensando


grupos e indivíduos em comparação aos outros. Um exemplo desta nova perspectiva
são os estudos das sociedades complexas, que dizem respeito aos nossos grupos

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CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

sociais contemporâneos, esta abordagem nos mostra uma “heterogeneidade cultural


e a coexistência de uma pluralidade de tradições” (SIQUEIRA, 2007, p. 26) dentro
da nossa própria sociedade. Sendo assim, nós também nos tornamos os outros, e a
Antropologia passa a se apresentar “como uma ‘leitura’ do mundo social: como um
conjunto de normas que visam apronfundar o conhecimento do homem pelo homem”
(DAMATTA, 1987, p. 2), e este mundo social se torna o todo a ser decifrado.

A Sociologia como o estudo da sociedade

Como vimos nos tópicos anteriores, nós vivemos em sociedades que se desenvolvem,
crescem e se modificam todo o tempo. O surgimento da Sociologia se dá em um contexto
histórico repleto de mudanças e com conjecturas sociais que se modificavam radicalmente,
onde o pensamento científico se solidifica enquanto forma de compreender o mundo,
e o sistema feudal se finda dando lugar ao sistema capitalista, que modifica não apenas
o modo de produção, mas, também, as relações humanas e as classes sociais. Ao longo
dos próximos capítulos, neste Livro Didático, retomaremos esse aspecto por diferentes
perspectivas, teorias e autores. Mas, voltemos agora à ideia inicial da Sociologia. Essa
ciência se estabelece gradualmente, a fim de compreender as intensas mudanças vividas
pela sociedade moderna e, que por sua vez, interferem diretamente na vida dos indivíduos.
Por essa razão, os primeiros estudiosos da área se dispõem a pensar sobre quais são as
mudanças econômicas, políticas e culturais que estavam ocorrendo à época. Sendo assim,
vamos tentar compreender quais foram essas mudanças, seus impactos e as primeiras
abordagens sociológicas que tentam compreender este processo.

Contextos históricos do surgimento da Sociologia

As Revoluções do século XVIII trouxeram profundas mudanças para a sociedade


ocidental. Até hoje o que entendemos como pensamento científico, como sistema
p o l í t i c o o u m e s m o o n o s s o s i s t e m a e c o n ô m i c o t e m re l a ç ã o c o m a q u i l o q u e
ocorreu na europa ocidental durante o século XVIII. Tanto a Revolução Francesa
quanto a Revolução Industrial foram responsáveis por modificar profundamente
as estruturas sociais da época, o modo de produção da vida material, as relações
e ntre o s i n divíduos e ent re as p róp r ia s ins t it u içõ e s.

16
O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

Figura 3. A liberdade guiando o povo.

Fonte: Óleo sobre tela, Eugène Delacroix.

Para compreender o contexto histórico que permite o surgimento da Sociologia é necessário


compreender quais foram as mudanças promovidas por estes episódios. Sendo assim,
é necessário destacar que a Revolução Francesa foi impulsionada pela classe burguesa,
e contou com o apoio do campesinato e também das massas urbanas. As principais
motivações estavam relacionadas à falta de representatividade política da classe burguesa
e a necessidade de mudanças econômicas, que possibilitassem o desenvolvimento pleno
do sistema capitalista. Ainda nesta perspectiva, é interessante destacar que é na Revolução
Francesa que o Iluminismo encontra seu espaço. A possibilidade de que a produção do
conhecimento fosse feita para além do espaço da Igreja foi um salto para o avanço social
e para o próprio pensamento científico. Como colocado por Martins (2006, p. 18):

O emprego sistemático da razão, do livre exame da realidade [...]


representou um grande avanço para libertar o conhecimento do controle
teológico, da tradição, da “revelação” e, consequentemente, para a
formulação de uma nova atividade intelectual diante dos fenômenos da
natureza e da cultura. Diga-se de passagem que o progressivo abandono
da autoridade, do dogmatismo e de uma concepção providencialista,
enquanto atitudes intelectuais para analisar a realidade, não constituía
um acontecimento circunscrito apenas ao campo científico ou filosófico.

Sendo assim, a Revolução Francesa havia aberto espaço não apenas para o questionamento
das formas tradicionais de dominação política e econômica, ao questionar o Clero e a
Nobreza por seu status de privilégio dentro do sistema feudal, mas, também, modificou
profundamente a forma como os indivíduos pensavam, como produziam conhecimento.
Estas mudanças são fundamentais para entendermos a inquietação que transforma a
sociedade francesa e abre espaço para uma nova forma de organização social, com novas
conjecturas, novas classes e também novos problemas. Este enfraquecimento das classes

17
CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

tradicionais representa, por consequência, o fortalecimento de uma nova classe social,


que objetiva não apenas tirar estas classes dominantes de sua posição, como substituí-
las em um novo sistema de dominação.

As mudanças que decorrerm destas transformações modificam também a forma como


interpretamos a sociedade, afinal, data deste pedíodo a “disposição de tratar a sociedade
a partir do estudo de seus grupos e não dos indivíduos isolados” (MARTINS, 2006, p.19),
portanto, emergem os primeiros estudos científicos que buscavam compreender a realidade
trazida pelas novas mudanças, as obras de Adam Smith (1723-1790), Adam Ferguson
(1723-1816) e Henri de Saint-Simon (1760-1825) nos dão uma primeira visão do impacto
das mudanças econômicas e sociais da época. Há um esforço de tentar compreender o
que era esta nova classe burguesa que ascendia em busca de direitos políticos e também
econômicos, além deste novo sistema criado, em que a participação e as vontades políticas
não eram tomadas em benefício do clero e da nobreza.

A Revolução Industrial, por sua vez, também produziu intensas modificações na sociedade,
afinal, não representava apenas uma simples mudança na forma de produção, onde a
manufatura era substituída pela máquina a vapor, pelo contrário, representou o surgimento
de uma nova classe, o rompimento com antigas instituições. As mudanças impactaram em
toda a coletividade, afinal, aqueles que não detinham os modos de produção passaram
agora a vender sua força de trabalho, seu único bem. A Revolução Industrial representou:

O triunfo da indústria capitalista, capitaneada pelo empresário capitalista


que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas
sob o seu controle, convertendo grandes massas humanas em simples
trabalhadores despossuídos. Cada avanço em relação à consolidação da
sociedade capitalista representava a desintegração, o solapamento de
costumes e instituições até então existentes e a introdução de novas formas
de organizar a vida social. ( MARTINS, 2006, pp. 13-14).

São, portanto, as mudanças sociais fruto das revoluções, que modificam drasticamente
as relações sociais que inspiram filósofos e pensadores a se questionar. As conjunturas
políticas e econômicas, frutos das revoluções, serão as primeiras a estimular os pensadores,
e a era do racionalismo, fruto do Iluminismo, que sobrepõe o pensamento mágico
religioso, oferece as ferramentas para questionarmos a sociedade de forma sistemática
e científica, não pensando mais os indivíduos de forma isolada, mas as relações entre
os grupos sociais, principalmente as relações que se modificam e as classes sociais que
surgiram após as revoluções, como é o caso da classe operária, por exemplo.

18
O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

Figura 4. Os operários.

Fonte: Tarsila do Amaral, 1933.

Para refletir

Os resultados das revoluções que aconteceram nos séculos XVIII e XIX podem ser percebidos em nossas sociedades
contemporâneas. Pensando nisso, identifique características políticas, econômicas e sociais que foram produzidas na
formação da modernidade ocidental e que você ainda percebe na sociedade atual.

O desenvolvimento da Sociologia

Estudar a sociedade por si só não seria uma tarefa fácil, afinal, os objetos de estudo
da Sociologia não são estáticos e passíveis de total controle, como em outras ciências.
Além disso, os primeiros sociólogos se deparavam com o surgimento de classes sociais, a
substituição de grupos políticos, a modificação das atividades econômicas, o rompimento
de formas de controle tradicionais, conjecturas nunca antes vistas na história da
humanidade. Para além das próprias dificuldades particulares dessa ciência, somava-
se a efervecência destas mudanças sociais. Neste sentido, alguns estudiosos buscavam
estabelecer um método que possibilitasse o estudo da sociedade de forma pragmática
e científica. Um dos precursores desta perspectiva é Auguste Comte (1798-1857), que
se apropria de métodos das ciências naturais para explicar os acontecimentos sociais:

Co m t e a c re d i t a va n ã o a p e n a s q u e a s f o r ç a s s o c i a i s p o d i a m s e r
explicadas através de regras similares às da Física e da Química, mas
que a Sociologia poderia produzir a reforma social do mesmo modo
que as ciências aplicadas levaram aos avanços científicos. ( THORPE
et al., 2016, p. 18)

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CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

Desensolve-se então a Física Social, uma tentativa de análise que se apropria dos
métodos das ciências exatas. É assim que Auguste Comte (1798-1857) marca o início de
uma ciência que tinha como objeto o estudo do comportamento social. Seguindo nesta
mesma direção, sociólogos como Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber iniciam suas
produções, a partir de métodos de análise próprios, os autores se debruçam sobre os
problemas sociais que emergiram à época. Seja na análise do Estado Moderno, seja na
observação da divisão do trabalho, a Sociologia se torna uma ciência, com seus métodos
e técnicas próprios, seus objetos específicos e sua produção de conhecimento, que em
muito auxilia na interpretação e compreensão da vida social. No capítulo 2 deste Livro
Didático, você terá acesso a uma discussão mais aprofundada da importância desses
autores que ficaram conhecidos como “fundadores da Sociologia”.

A Sociologia na contemporaneidade

Assim como os precursores, os sociólogos contemporâneos também se deparam com uma


realidade única, criada pelas inovações tecnológicas, por novas formas de divisão social
do trabalho, e uma constante de mudanças, que alguns chegam a comparar à Revolução
Industrial. Em um curto prazo de tempo, a inovação das tecnologias e dos seus aparelhos
conseguiu produzir mudanças radicais na forma de nos relacionarmos, de adquirirmos
conhecimento, de produzirmos a nossa vida física e simbólica. Os avanços tecnológicos
nos aproximoram, o mundo nunca foi tão pequeno, podemos viajar de uma ponta a
outra do globo em questões de horas, nunca a mobilidade foi tão rápida. A comunicação
nunca foi tão eficiente, nos falamos, nos vemos, podemos estar sempre em contato uns
com os outros e com o trabalho. A informação chega com uma velocidade nunca antes
vista, podemos observar tudo o que acontece no mundo, em tempo real. Mas este avanço
tecnológico não tem apenas aspectos positivos. O distanciamento dos indivíduos, o
cyberbullying, as crises migratórias, o avanço do consumismo e os impactos para o meio
ambiente, além da produção de armas de destruição em massa, todos estes são fenômenos
contemporâneos que impactam diretamente na vida dos indivíduos, portanto, são fatos
sociais a serem estudados por sociólogos.

De questões relacionadas ao trabalho, que permeiam os estudos mais clássicos, às


questões relacionadas à segurança pública, tudo se torna passível de observação
sociológica. As ações individuais, as instituições, até mesmo as relações que
estabelecemos uns com os outros estão permeadas de influências sociais, indissociáveis
de nosso comportamento individual. Somos fruto de uma sociedade, na medida em
que esta sociedade nos precede, mas somos também agentes ativos delas. E é nesta
realidade dual, de sermos influenciadores e influenciados, de sermos transformados

20
O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

e sermos também transformadores, que se constroem as sociedades contemporâneas


e os estudos sociológicos mais recentes.

As próprias mudanças sociais existentes na contemporaneidade são responsáveis por


criar novas formas de observação da sociedade, afinal, as relações foram modificadas,
então os métodos também devem ser modificados. Não podemos mais restringir nosso
olhar apenas às instituições, o indivíduo passa a ocupar um papel privilegiado nesta
análise. Como colocado por Alves (2010, p. 29):

Os estudos voltados para a compreensão do cotidiano têm o papel de


alavancar metodologias mais sensíveis à percepção do instituinte do que
do instituído. A análise sociológica tem gradativamente reformulado dois
modelos interpretativos que foram dominantes: aqueles que privilegiam
o indivíduo e suas capacidades estratégias ou táticas e, por outro lado, o
modelo oposto no qual predominava os esquemas de reprodução, a lógica
interna de instituições manipuladoras e redutivas. [...] Mais do que nunca,
a sociologia cada vez mais leva em devida consideração a complexidade
crescente dos problemas e recusa qualquer forma de dogmatismo ou de
reducionismo, passando a lidar mais proximamente com os grilhões da
experiência terrestre.

Afinal, as sociedades contemporâneas encerram em si mesmas questões tão


complexas que exigem uma observação sociológica atenta às diversas variáveis.
Questões econômicas, sociais e culturais se complexificam, pois as formas tradicionais
deram lugar a novas formas de organização que ainda não estão compreendidas em
sua totalidade (e talvez jamais estarão). As questões identitárias individuais também
se tornam uma questão à parte, pois as identidades podem ser fluidas e transitórias.
Caberá aos sociólogos e às sociologas contemporâneas reconhecer “a impossibilidade
e a inutilidade de encerrar o ser humano numa lógica exclusivista, quer seja moral,
cultural, física ou genética” (ALVES, 2010, p. 29). Indivíduos complexos vivendo em
sociedades complexas, este é o nosso objeto de estudo.

Ciências Sociais e senso comum, um diálogo possível

Ao longo da história da humanidade, os indivíduos criaram formas de compreender


sua realidade, o mundo a sua volta, os fenômenos da natureza. Com os avanços da
sociedade e de suas tecnologias, o conhecimento se tornou cada vez mais elaborado. As
explicações míticas e teológicas dão lugar ao conhecimento científico, pragmático. Mas
o desenvolvimento desta racionalidade não findou a forma tradicional de conhecer o
mundo, pelo contrário, apenas somou a esta forma de interpretar a realidade uma nova
forma de conhecimento.

21
CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

Mesmo assim, precisamos compreender o lugar de cada um destes conhecimentos na


contemporaneidade. As Ciências Sociais surgem como um imperativo para compreender
a realidade social que nos cerca, analisando as relações humanas enquanto fenômenos
sociais. Esta forma de analisar o mundo ao nosso redor não faz parte do cotidiano dos
indivíduos, comumente não nos debruçamos sobre os acontecimentos sociais de forma
pragmática, científica. Cotidianamente, interpretamos nossa realidade apenas para nos
adequarmos a ela, para vivermos o nosso dia a dia de forma menos incômoda. Sendo
assim, não estabelecemos métodos de análise, não criamos técnicas para analisarmos
esta realidade e é neste ponto que o senso comum se afasta do fazer sociológico ou
antropológico. Mas isto não significa que o senso comum deva ser substituído pelo
fazer sociológico ou antropológico, os dois podem se complementar. Afinal, não há uma
dicotomia entre os saberes, mas, sim, uma complementação, que objetive compreender
a complexa realidade das sociedades contemporâneas.

Por isso, é plausível afirmar que a Sociologia está intimamente relacionada ao senso
comum, mas cabe estabelecer uma fronteira entre conhecimento sociológico formal
e senso comum. Os sociólogos Bauman e May (2010) propuseram apresentar quatro
modelos segundo os quais essa diferença tem sido levada em consideração. Vejamos o
quadro a seguir:

Quadro 1. Diferença entre Sociologia e senso comum.

A Sociologia, à diferença do senso comum, empenha-se em se subordinar às regras rigorosas do


Modelo 1 discurso responsável. Isto é, trata-se de atributo da ciência para se distinguir de outras formas de
conhecimento mais flexíveis e menos vigilantes em termos de autocontrole.
A Sociologia preocupa-se com a definição e tamanho do campo do qual o material do pensamento
Modelo 2
sociológico é extraído, em outras palavras, não se resume aos nossos próprios mundos da vida.
A Sociologia e o senso comum diferem quanto ao sentido que cada um atribui à vida humana em
termos de como entendem e explicam eventos e circunstâncias. Em outras palavras, a Sociologia se
Modelo 3
opõe tanto ao modelo que se funda na particularidade das visões de mundo, quanto ao que usa formas
inquestionáveis de compreensão da realidade.
O poder do senso comum depende da autoevidência de seu caráter, isto é, do não questionamento
de seus preceitos e de sua autoconfirmação na prática. A ideia aqui é pensar que os fatos da vida
cotidiana passam a ser rotineiros, familiares e autoexplicativos. Todavia, a Sociologia vai em outra
Modelo 4
direção, coloca em questão aquilo que é considerado inquestionável, tido como dado. Implica, portanto,
desfamiliarizar-se, abrir a possibilidade para a compreensão da sociedade a partir de perguntas não
antes feitas sobre a realidade social.

Fonte: Baumann e May (2010).

Para refletir

Entendendo agora os acontecimentos sociais que deram contexto para a formação da Antropologia e da Sociologia,
vamos refletir sobre o nosso contexto social. No seu cotidiano o que lhe chama a atenção? Existe algo que você
acredita que mereça ser mais bem compreendido? Questione-se sobre quais são as estruturas históricas que
precedem este acontecimento, as relações que os indivíduos estabelecem entre eles neste contexto, as instituições
que controlam estas relações.

22
O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

Um dos precursores do pensamento etnológico é o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-


1778). Para ele, o estado primitivo dos indivíduos representava “o estágio em que o homem
já teria deixado de ser um animal bruto e solitário, ganhara razão e passara a viver em
harmonia coletiva” (GOMES, 2008, p. 27), seria, então, um momento de felicidade advinda
desta natureza harmoniosa, o filósofo chamaria este estágio de o bom selvagem. Para
saber mais sobre esse tema, consulte a obra A origem da desigualdade entre os homens,
publicado pela primeira vez em 1754.

Saiba mais

Um dos primeiros filósofos sociais foi Adam Ferguson (1723-1816), estudioso da Select Society, uma organização
que tentava compreender os avanços da sociedade capitalista, ainda em ascensão, e seus impactos na sociedade.
Ferguson chama a atenção para o fato de que o desenvolvimento do capitalismo estava sendo realizado à custa de
valores tradicionais da sociedade, como os valores grupais de cooperação.

Uma boa dica de filme é a A guerra do fogo, que apresenta um interessante panorama
sobre o cotidiano e os contatos entre grupos primitivos. O filme retrata este contato entre
uma tribo de homens de neandertal e outros grupos de primatas primitivos, todo o filme se
desenvolve a partir da disputa pelo fogo, que representava a sobrevivência dos indivíduos.
O filme dá uma visão interessante sobre os processos evolutivos e as adaptações pelas quais
as espécies passaram.

Filme: A guerra do fogo (França, Canadá, 1982), Direção: Jean-Jacque Annaud.

Sugestão de estudo

A Antropologia Visual é um dos importantes instrumentos utilizados para pesquisa, muitos antropólogos utilizam
essa ferramenta para registrar as diferenças culturais, os aspectos cotidianos da vida dos grupos estudados, além
de apresentar uma visão mais fidedigna da realidade. Neste sentido, o filme Nanook, o esquimó, traz importantes
contribuções, além de mostrar uma realidade completamente apartada da nossa, contando a história de um esquimó
que luta pela sua sobrevivência e de sua família. Muito importante para que possamos questionar nossos próprios
modelos sociais.

Filme: Nanook, o esquimó (1922), Direção: Robert J. Flaherty.

As mudanças trazidas pela Revolução Industrial nem sempre são compreensíveis para nós,
afinal, já nascemos na industrialização, onde a maquinofatura determina o modo de produção,
as relações de trabalho já estão estabelecidas. Entretanto, essas mudanças são relativamente
recentes e merecem uma compreensão mais apurada; neste sentido, vale a leitura do livro
Germinal, de Émile Zola. O livro traz a história de uma greve provocada pela redução de

23
CAPÍTULO 1 • O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências

salários, além de dar uma imagem de como funcionavam as minas de carvão e as violências
às quais os trabalhadores eram submetidos.

Livro: Germinal (Editora Cia. das Letras), Autor: Emile Zola.

Sugestão de estudo

As relações de trabalho podem ser encaradas como principal vínculo social que temos, é onde passamos a maior
parte dos nossos dias. O clássico filme Tempos modernos traz uma interessante abordagem sobre a vida de um
operário, chão de fábrica, que participa da linha de montagem. Sua função é extremamente monótona e extenuante,
seus patrões querem que ele trabalhe mais e gaste menos tempo no almoço. As relações de trabalho são tratadas de
forma bem humorada por Charles Chaplin.

Filme: Tempos modernos (1936), Direção: Charles Chaplin.

O sistema capitalista triunfou, frente ao sistema feudal e às tentativas de implementação de


regimes socialistas. Mas seu triunfo não necessariamente produziu sociedades mais igualitárias
e justas, tampouco ofereceu condições plenas para o desenvolvimento de todos os indivíduos.
Em um documentário apresentado por Robert Reich, o ex-secretário do Trabalho dos Estados
Unidos, entrevista pessoas a fim de entender como o capitalismo influencia suas vidas e quais
são os impactos de um sistema que, por definição, produz riquezas para poucos.

Filme: Salvando o capitalismo (2017), Direção: Jacob Kornbluth e Sari Gilman.

Sugestão de estudo

As inovações tecnológicas fazem parte do cotidiano das pessoas. Hoje é quase impossível encontrar alguém que não
esteja, de alguma forma, ligado às tecnologias. Celulares, computadores e tablets, começam a fazer parte das nossas
vidas ainda crianças. A entrada desses objetos e das tecnologias não só está presente, como interfere nas nossas
vidas e na forma como nos relacionamos com os outros. Nesta perspectiva, o filme Ela traz uma abordagem muito
particular da tecnologia, da nossa relação com ela e com os outros. O protagonista, que passara por uma recente
separação compra um sistema operacional para seu computador para auxiliá-lo na organização de sua vida, seus
horários e trabalho. Mas a relação que ele estabelece com o programa ultrapassa esta barreira, torna-se afetiva,
amorosa.

Filme: Ela (2013), Direção: Spike Jonze.

24
O surgimento da Antropologia e da Sociologia como Ciências • CAPÍTULO 1

Sintetizando

Vimos até agora:

» Nossa espécie tem uma tendência natural a viver em sociedade. Evoluímos ao longo dos anos para viver em grupos.

» As sociedades humanas evoluíram de pequenos grupos familiares para clãs e vilas, tribos e povoados, até nos
organizarmos em cidades e estados-nações.

» A Antropologia surge como uma tentativa de compreender o outro, a partir dos contatos que os europeus começam
a ter com outros povos.

» O começo da Antropologia tem uma visão desenvolvimentista, mas, com o fim do domínio europeu e as
decolonialidades, esta visão muda.

» O desenvolvimento da Antropologia se apresenta como um olhar relacional sobre os outros e sobre nós, ampliando
a compreensão da heterogeneidade e a pluralidade das culturas.

» A Sociologia surge como uma tentativa de compreender as mudanças sociais que aconteciam dentro do continente
europeu durante os séculos XVIII e XIX.

» As Revoluções Industrial e Francesa modificaram não apenas as organizações políticas e a forma de produção, mas
toda a estrutura social.

» O Iluminismo é responsável por modificar a forma como os indivíduos construíam seu conhecimento, este
contexto propicia o surgimento de uma ciência social.

» A Revolução Francesa destituiu antigos grupos dominantes, e este lugar foi ocupado pela classe burguesa que
ascendeu.

» A Revolução Industrial findou a sociedade feudal, dando vazão ao desenvolvimento da sociedade capitalista.

» É no seio da sociedade capitalista que surge a classe operária, que passa a vender sua força de trabalho, o único
bem de que ela dispõe.

» Enquanto forma de conhecimento, a Sociologia foi se modificando e se adaptando à realidade social.

» Os avanços tecnológicos produzem mudanças significativas na nossa sociedade. E é sobre esta realidade que os
sociólogos se debruçam na contemporaneidade.

» A diferença entre o senso comum e as Ciências Sociais.

» Como as Ciências Sociais e o senso comum podem se complementar, pois não representam formas excludentes de
compreender a realidade social.

25
CAPÍTULO
TEORIAS E TEÓRICOS SOCIAIS
CLÁSSICOS 2
Introdução

Neste capítulo, conheceremos os principais autores considerados clássicos das Ciências


Sociais, aqueles que foram responsáveis por desenvolver as ideias fundamentais para
pensar o homem e suas relações sociais. Inicialmente, vamos entender o significado
de um clássico, ou seja, o porquê de determinados autores ou teorias serem assim
nomeadas de “clássicos” em detrimento de outros. Em seguida, apresentaremos os
clássicos da sociologia: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Nos tópicos seguintes,
nos dedicaremos ao estudo de suas principais ideias e teorias. Ao final do capítulo, você
dominará os conceitos e ideias básicas das Sociologia clássica, pilares da construção de
todo o pensamento sociológico.

Objetivos

» Entender a importância de um clássico e conhecer os três grandes pensadores clássicos


das Ciências Sociais.

» Entender o conceito de materialismo histórico, alienação e a luta de classes, desenvolvidos


por Karl Marx.

» Entender o conceito de fato social, solidariedade mecânica e orgânica, e representações


sociais, desenvolvidos por Émile Durkheim.

» Entender o conceito de ação social, tipos de dominação social e a racionalização do


mundo, desenvolvidos por Max Weber.

26
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

O que é um clássico? Quem são os clássicos das Ciências


Sociais?

Por vezes, nos deparamos com a ideia de que algo é clássico: um jogo de futebol, um “Fla
x Flu”, um “Gre x Nal”, um livro de literatura, como Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski;
um filme como E o vento levou, mas você já se perguntou o que faz de algo um “clássico”?

A eleição de um evento, de um autor ou de uma obra como um “clássico” em qualquer área


do conhecimento é rodeada de intensas discussões, já que pode se tratar de uma escolha
muito subjetiva de um indivíduo ou de um grupo de pessoas, justificada a partir de trajetórias
e concepções de vida distintas.

Contudo, é possível enumerar alguns parâmetros capazes de descrever ou até definir o que
venha a ser um “clássico”.

O escritor Ítalo Calvino (1991) realizou essa tarefa e apontou indícios que podem facilitar
na escolha do que venha a ser um clássico. Segundo ele, um “clássico” atenderia a todos ou
à maioria dos seguintes requisitos:

1. A superação temporal de seus efeitos, que ultrapassam gerações a partir de leituras e


releituras.

2. O registro ou a invenção da complexidade de seu tempo.

3. A determinação de métodos ou matrizes teóricas de interpretação de ideias.

4. O valor histórico ou documental realizado.

5. A inesgotabilidade de seus significados, ao ser possível sempre reinterpretar os


conceitos e estabelecer novas relações.

6. A promoção de inúmeros debates em torno dos conceitos desenvolvidos.

Como síntese de suas ideias, Calvino imortalizou seu pensamento ao afirmar que “um
clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”.

A partir dos parâmetros apresentados, no campo das Ciências Sociais, podemos dizer que
três são os autores constantemente apontados como clássicos: Karl Marx (1818-1883), Max
Weber (1864-1920), e Émile Durkheim (1858-1917). Todos europeus, do sexo masculino, os
dois primeiros alemães e o último, um francês. Os três são contemporâneos entre si, sendo
Marx o pioneiro dos clássicos.

As principais ideias de cada um deles serão trabalhadas a seguir e você terá oportunidade
de refletir sobre elas, pensar suas possíveis aplicações ainda hoje, mas, pelo menos no
campo das Ciências Sociais, você não poderá fugir do diálogo com elas.

27
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

As obras desses clássicos apresentaram metodologias e “paradigmas” ou matrizes teóricas


específicas para discutir o conceito da Sociologia enquanto ciência independente, apresentando
um incontestável valor documental e histórico da complexidade de seu tempo, a partir da
análise das fortes mudanças impostas pela passagem da sociedade primitiva, pré-capitalista,
segmentada, para a sociedade capitalista, industrial, moderna e racional.

As reflexões e conceitos construídos por eles perduram de tal forma que os estudiosos
contemporâneos constantemente com eles dialogam. Eis, então, a importância de resgatar
o pensamento de cada um desses clássicos para adentrarmos o universo do estudo da
sociedade.

Karl Marx

Em seus apenas 64 anos de vida, Karl Marx (1818-1883) desenvolveu uma obra densa. Baseada
em conteúdos econômicos, históricos, jurídicos e filosóficos, ele foi capaz de analisar com
maestria e precisão elementos da recém-surgida sociedade do capital. A reunião dessa base
teórica com uma vasta pesquisa empírica sobre o funcionamento da economia de sua época
e um vigoroso engajamento político na causa socialista, criou uma mistura única, da qual
resultaram enormes mudanças na geopolítica mundial do século XX.

Figura 5. Karl Marx.

Fonte: Mundo Educação (2018).

Materialismo histórico

No tempo de Marx, era comum a visão da história humana como uma longa sucessão de sociedades
e culturas, cada vez mais desenvolvidas. Essa perspectiva era chamada de evolucionismo social.

Essa visão tem como um dos principais defensores o filósofo alemão Georg Hegel (1770-
1831), que é também uma das grandes influências do pensamento de Marx. Nos seus
estudos, a partir de um exame cuidadoso da história, Hegel procura encontrar a razão
que guia os acontecimentos históricos.

28
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

A partir daí, Hegel observa que o desenvolvimento da história seguiria um padrão dialético
e racional, em que ideias opostas (tese e antítese) dariam origem a uma nova perspectiva
(síntese), a qual reuniria elementos dos pontos de vista anteriormente conflitantes.

Seria por meio desses constantes enfrentamentos que a humanidade teria alcançado
padrões cada vez mais elevados de consciência acerca da sua própria liberdade. Assim,
para Hegel, o objetivo último da história, ou seja, o fio guia da evolução social, seria a
realização plena da liberdade humana, cujo ápice seria precisamente a sociedade moderna,
organizada em torno do moderno Estado burocrático, tão bem descrito por Max Weber,
como se verá mais adiante.

Essa visão dialética e finalística da história foi seguida por Marx, porém com uma
importante modificação. Ao invés de considerar que o motor da história seria o conflito
de ideias, passou a entender que o motor da história seria o enfrentamento entre
forças produtivas, ou seja, entre as forças materiais de uma sociedade, principalmente
as de natureza econômica. Daí porque a sua abordagem do problema é denominada
materialismo histórico.

Dessa maneira, por exemplo, a passagem de uma sociedade feudal para uma sociedade
capitalista moderna não decorreria de inovações no campo das ideias ou da cultura, mas
de mudanças na economia da época. No feudalismo, o principal meio de produção era
a terra, controlada pelos nobres. Já com o crescimento das cidades, o desenvolvimento
do comércio e das atividades financeiras, bem como a aparição de novas técnicas de
produção, a elite dessas cidades, a burguesia, passou a figurar como protagonista das
relações econômicas. Para Marx, mais do que as ideias iluministas, teriam sido essas
modificações nas circunstâncias materiais ou econômicas da sociedade, e os conflitos
que decorrem dessas mudanças, que teriam conduzido à rebelião da burguesia contra a
nobreza, e ao nascimento da modernidade.

É muito importante perceber que, da mesma forma que Hegel, para Marx, o mundo possui
uma racionalidade em si, e, por consequência, a sucessão de etapas históricas segue uma
sucessão necessária, até a sua conclusão última, a sua apoteose, ou o seu granfinale.
Para Marx, a realização dessa última etapa histórica aconteceria com o surgimento do
modo de produção comunista e, por consequência, da sociedade comunista, na qual não
haveria mais a luta de classes, pois os meios de produção seriam de propriedade comum,
e todos estariam livres de qualquer opressão.

Luta de classes

O elemento central da teoria da história de Marx, do materialismo histórico, é a luta de


classes, pois “a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a

29
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

história da luta de classes” (MARX, 1999). Neste segmento, examinaremos, de forma mais
detida, essa que é uma das ideias mais marcantes do pensamento de Marx.

Para esse autor, desde os primórdios da história, desde o primeiro momento em que surge
a propriedade privada, a luta de classes está no centro do processo de desenvolvimento
social. Na antiguidade, essa luta de classes seria entre os escravos e seus mestres; no
feudalismo, entre nobres e camponeses, e no capitalismo, entre burguesia e proletariado.

Mas qual seria a razão da luta de classes? O motivo dessa disputa seriam as contradições
inerentes a cada modo de produção, principalmente os embates trazidos pela divisão da
sociedade entre proprietários e não proprietários. Dessa maneira, seriam essas contradições
a causa última da substituição de um modo de produção por outro, em que uma nova
classe social assume o controle dos meios de produção. Foi também o que aconteceu na
passagem do período feudal para o capitalista, em que a burguesia assumiu o papel que
antes era da aristocracia feudal.

Como um dos principais temas da Sociologia clássica é a modernidade, interessa-nos


especialmente saber a dinâmica da luta de classes e as respectivas contradições no âmbito
do modo de produção capitalista.

Segundo Marx, a atividade principal numa economia capitalista é a produção de


mercadorias. Dessa forma, assume importância central a questão de determinar o preço
em dinheiro de cada mercadoria. Para tanto, Marx (MARX, 1994, p. 56) propõe que esse
valor seja baseado no tempo de “trabalho requerido para produzir-se um valor de uso
qualquer, nas condições de produção socialmente normais, existentes, e com o grau
social médio de destreza e intensidade do trabalho”.

Em suma, o valor de troca do bem, o seu preço, deveria, para Marx, ser proprocional à
quantidade de trabalho investido na sua produção. Assim, um veículo que custou, para
ser fabricado, um mês de trabalho de 10 operários, deveria ser mais barato do que outro
veículo que custou um mês de trabalho de 100 operários para ser completada a sua
construção.

Essa proposição assume uma relevância ainda maior, diante da visão de Marx acerca
da natureza humana. De acordo com esse autor, o que diferencia o ser humano dos
animais é principalmente a sua capapcidade de produzir, por meio de seu trabalho, para
além de suas necessidades imediatas, inclusive como expressão de sua subjetividade,
que não está inteiramente submetida pela escravidão dos instintos. Isso é importante
porque, em razão disso, para Marx, o trabalho tem um significado muito maior do que
o seu aspecto simplesmente econômico, pois é por meio trabalho que o ser humano
expressa e concretiza aquilo que lhe faz especificamente humano. A partir daí, é mais

30
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

fácil compreender o porquê de Marx ter escolhido o trabalho como principal parâmetro
para fixar o valor das mercadorias.

Nesse ponto, observa-se que, no sistema capitalista, o trabalhador contribui com o seu
trabalho, e o capitalista, com os meios de produção, para a fabricação das mercadorias,
destinada à venda e à obtenção do lucro. Ora, como o lucro depende do valor da mercadoria,
e o valor da mercadoria, para Marx, é determinado pela quantidade de trabalho que foi
investido na sua produção, é fácil perceber que o trabalhador contribui muito mais que
o capitalista para a formação desse valor.

Assim, seguindo essa lógica, deveria ficar com trabalhador a maior parte do lucro obtido
com a venda dessa mercadoria. Todavia, não é isso o que ocorre, pois, regra geral, a maior
parte desse dinheiro fica com o capitalista. Assim, este se apropria de parte do lucro que
deveria ser distribuído entre os trabalhadores. Marx chama de mais-valia esse valor que
é apropriado indevidamente pelo capitalista.

Reside nessa mais-valia a principal contradição do modo de produção capitalista:


a enorme riqueza produzida por essa sociedade não é apropriada pelos principais
responsáveis por sua produção.

Observa-se que essa mais-valia é apropriada pelo capitalista, sob o argumento de que o
trabalhador e o capitalista não são sócios, na medida em que este último compra a força
de trabalho do primeiro, em troca de um salário ou outra forma de remuneração, tal qual
compra qualquer outra mercadoria necessária para o seu processo de produção. Por
consequência, como dono dos meios de produção e também da força de trabalho, nada
mais natural do que ele, o capitalista, ficar com a maior parte do lucro obtido com a venda
das mercadorias produzidas. Ou seja, o discurso de justificação da mais-valia é obtido
por meio da separação entre trabalhador e força de trabalho, com graves repercussões
sobre a percepção desse trabalhador sobre si mesmo, como se verá adiante.

Marx chama de burguesia a classe social que reúne esses capitalistas, e de proletariado, a
classe social que agrupa os trabalhadores.

Dentro do evolucionismo social defendido por Marx, caberia ao proletariado conduzir a


sociedade à próxima etapa de desenvolvimento, o comunismo, por meio da superação da
contradição entre proprietário e não proprietário. Contudo, antes disso, os trabalhadores
deveriam alcançar a consciência de classe. Por meio dessa consciência superior, o
trabalhador toma consciencia de sua condição objetiva de proletariado, bem como da
exploração que está submetido. Surge daí a percepção da necessidade de se organizar
para lutar contra essa situação.

31
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

Cuidado

A partir da teoria marxista não devemos confundir mais-valia com lucro. O lucro é mais-valia menos os gastos para a
produção de determinado produto.

Portanto, mais-valia é tudo que o trabalhador gera/produz, mas não recebe.

O esquecimento de si: capitalismo e alienação

Apesar do seu enfoque em questões mais amplas, Marx também se dedicou a examinar as
consequências do capitalismo sobre a subjetividade humana, principalmente por meio
do processo de alienação.

Inicialmente, convém relembrar que, para Marx, a condição humana é caracterizada


por sua capacidade de produzir bens para além das suas necessidades imediatas de
subsistência.

Esclarecido esse ponto, para Marx, a alienação (termo que foi substituído por fetichismo
da mercadoria na fase madura do autor) é o mecanismo pelo qual se esquece as relações
sociais subjacentes à produção de qualquer bem, material ou imaterial, tanto carros
quanto doutrinas filosóficas. Ela oculta que essa coisa é resultado do trabalho humano. A
alienação faz com que a coisa assuma uma aparência de existência própria, autonôma em
relação a quem lhe deu existência. Aliás, essa independência chega ao ponto de permitir o
estabelecimento da percepção de que as coisas estariam em relação direta entre si, o que
oculta as relações pessoais que lhe são subjacentes. Por exemplo, quando você compra
um sanduíche na lanchonete, você não está trocando um sanduíche por dinheiro, você
está trocando o trabalho que você teve para juntar esse dinheiro pelo trabalho que o
vendedor teve para produzir esse sanduíche.

Essa alienação gera uma sensação de distanciamento e separação entre as pessoas e as coisas
que as cercam, inclusive aquelas que foram produto do seu próprio trabalho.

Esse processo de alienação é típico do capitalismo, pois, nesse modelo de produção, aquilo
que o trabalhador produz não pertence a ele, o que gera uma percepção de separação
entre o seu esforço, o seu trabalho, e o resultado desse trabalho. Aliás, há uma separação
que se dá inclusive entre o trabalhador e sua própria atividade, que é reduzida a uma
mercadoria a ser vendida ao empregador. Além disso, a execução desse trabalho não é
mais dirigida pela sua vontade, pela sua própria percepção de qual seria o melhor caminho
para realizar determinada tarefa, mas, sim, pelas ordens de seu chefe, o capitalista para
quem vendeu a sua força de trabalho. Assim, alienado do seu trabalho e do produto desse
trabalho, grande parte da existência do trabalhador é esvaziada de sentido, na medida

32
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

em que, como se viu, na perspectiva de Marx, o trabalho assume um papel fundamental


na configuração da condição humana.

Sugestão de estudo

Figura 6. Tempos modernos (1936).

Fonte: <https://www.imdb.com/>. (2018).

O filme Tempos modernos (1936), estrelado por Charles Chaplin, ilustra bem a realidade social sobre a qual
escreveram Marx e Weber. Ele conta a história de um vagabundo que busca sem sucesso se adaptar às exigências
de uma moderna sociedade industrial, em condições de vida e trabalho deploráveis, e num contexto em que as
máquinas assumem um papel cada vez mais central na vida de todos.

Sintetizando

Vimos até aqui alguns conceitos-chave para Marx:

Materialismo histórico: expressão que designa o corpo central da concepção materialista da história. Engels, em
1892, na “Introdução” da obra Do socialismo utópico ao socialismo científico no ajuda a compreender a proposta
marxista quando diz:

designa uma visão do desenrolar da história que procura a causa final e a grande
força motriz de todos os acontecimentos históricos importantes no desenvolvimento
econômico da sociedade, nas transformações dos modos de produção e de troca, na
consequente divisão da sociedade em classes distintas e na lutra entre essas classes.
(Dicionário do Pensamento Marxista, p. 260)

Luta de classes: expressa a existência de contradições numa estrutura classista, o antagonismo de interesses que
caracteriza necessariamente uma relação entre classes, devido ao caráter dialético da realidade. Relaciona-se
diretamente à mudança social, à superação das contradições existentes. Para Marx, é por meio da luta de classes que
as principais transformações estruturais seriam impulsionadas, por isso ela é o “motor da história”.

Trabalho: atividade humana básica responsável pela produção e reprodução da vida, e que constitui a história dos
homens (e mulheres). É sua atividade vital consciente que o distingue dos animais.

33
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

Alienação: expressa a ideia de tornar-se estranho a si mesmo, não reconhecer-se em suas obras, desprender-se,
distanciar-se, perder o controle. O fundamento da alienação é o trabalho: o estranhamento entre o trabalhador e sua
produção tem como resultado, segundo Marx, o trabalho alienado. Dito de outro modo: ao vender a minha força de
trabalho, meu trabalho passa a ser estranho a mim; não me reconheço no meu próprio trabalho, nem vejo qualquer
finalidade outra que não seja minha sobrevivência.

Mercadoria: unidade de análise mais explícita/visível da sociedade capitalista.

Fetichismo da mercadoria: visão “fantástica” ou “enfeitiçada” da mercadoria, como se a troca fosse uma relação
entre coisas e não uma relação social dos homens e mulheres entre si. Não se enxerga, pois, a mercadoria como
materialização do trabalho humano.

Émile Durkheim

Émile Durkheim é considerado um dos pais da Sociologia, pois uma das suas maiores
preocupações teóricas foi estabelecer um método científico próprio para a Sociologia, o qual foi
proposto na sua obra As regras do método sociológico. Contudo, a principal obra de Durkheim
foi A divisão do trabalho social, na qual ele analisa as transformações e características de
uma sociedade primitiva, pré-industrial, de tipo coletivo, para uma sociedade industrial, de
tipo individual e mais complexa.

Figura 7. Émile Durkheim.

Fonte: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia>. (2018).

Fato social: o objeto da Sociologia

Durkheim, na obra As regras do método sociológico, definiu que o objeto de estudo da


Sociologia é o fato social e, para estudá-lo, seria necessário também um método próprio.

Mas o que seria esse tal “fato social”? Nas próprias palavras de Durkheim (2003, p. 40):

Fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer


sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito
de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria,
independente das suas manifestações individuais.

34
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

Da definição acima, podemos retirar as seguintes ideias-chave acerca do fato social: a exterioridade
(algo que se manifesta fora do íntimo do indivíduo), a coercitividade (algo que se obriga, isto
é, impõe-se à ação e vontade individual) e a generalidade (aplica-se a todos os indivíduos na
mesma situação).

O fato social, para Durkheim, está na sociedade, ele é vivido e criado pelos indivíduos, mas ele
se distingue deles, porque é algo exterior, genérico e coercitivo.

Imagine, por exemplo, um bolo de chocolate. Ele é feito de farinha, fermento, leite, manteiga
e chocolate. Cada um desses ingredientes, separadamente, tem características distintas entre
eles, mas, juntos, eles formam outra coisa, o bolo de chocolate. Não podemos dizer que o
bolo de chocolate tem gosto de leite, farinha, ou manteiga apenas. Juntos, esses ingredientes
formam algo diferente, de características, odor e texturas próprios.

Figura 8. Bolo de chocolate.

Fonte: Guia Avaré (2018).

Assim seria a ideia do fato social, um todo com textura, cor e sabor diferentes dos
ingredientes que o compõe e que o significam: os indivíduos. Enquanto o fato social
seria objeto de estudo da Sociologia, segundo Durkheim, os indivíduos, considerados
separadamente em seu íntimo, seriam objetos da Psicologia.

A ideia de família, por exemplo, é um fato social. Ela é exterior a você, uma vez que,
independentemente de sua vontade ou não, você nasce em uma família. Ela é coercitiva,
porque novamente, querendo ou não, você tem papéis, direitos e obrigações dentro dessa
família. Finalmente, ela é geral, ou seja, ela é instrumento de comparação com outros
indivíduos que estão em mesma situação, de modo que você pode conversar com seus
colegas dizendo que minha família é tradicional, liberal etc.

Um fato social por excelência é o idioma que você fala, o português. Você pode odiar
todas as regras de gramática, mas até para odiá-lo, você vai estruturar seu desgosto em
“português”, não é? Ele é coercitivo, ele é exterior a você e ele é também geral, para você
se comunicar aqui no Brasil pelo menos, será em português.

35
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

Para refletir

O trabalho, o sistema legal, o sistema educacional, todos são fatos sociais. Que outros exemplos você poderia
imaginar de fatos sociais?

Você pode se perguntar: mas eu posso reagir contra esses fatos sociais, afinal, nunca concordei
com as posturas da minha família? Sim, com certeza você pode. Contudo, lembre-se da
coercitividade do fato social. “Não existe almoço grátis”. Desrespeite o fato social e responda
às consequências sociais de seu ato. Alguns poderão julgá-lo negativamente por agir contra
a sua família, por exemplo. Essa é a sanção social.

A ideia de fato social foi muito importante para consolidar a Sociologia como um ramo
autônomo do conhecimento, na virada do século XIX para o século XX, diferenciando-a da
História, que dependia bastante de casos únicos, e povos particulares; da Filosofia, que se
dedicava a questões abstratas, não empíricas; e da Psicologia, que estudava as ações psíquicas
do indivíduo considerado como uma unidade.

A divisão do trabalho social: solidariedade orgânica e mecânica

Uma preocupação central na obra de Durkheim foi entender como a sociedade se


mantinha coesa e em ordem e, para isso, como vimos anteriormente, ele desenvolveu
a ideia do fato social, que, por suas características de externalidade, coercitividade e
externalidade, moldam os comportamentos sociais dos indivíduos.

Outra ideia fundamental, que segundo Durkheim, serve para explicar o funcionamento e a
coesão social é a análise da divisão do trabalho na sociedade. Em sua obra de mesmo nome,
ele concluiu que seria ela a fonte principal da solidariedade social, ou seja, uma condição
da existência da vida em comum.

A ideia de divisão do trabalho realmente representa uma boa observação das sociedades,
as quais se constituem com o esforço dos papéis diferenciados pelos seus indivíduos.
Imagine, por exemplo, uma colmeia ou um formigueiro, que são criados pelos esforços
individuais de cada inseto.

Nas sociedades modernas, por exemplo, temos acesso a uma infinidade de bens de
consumo porque há várias pessoas que desempenham atividades diferentes. Sua mesa
de estudos, por exemplo, é o resultado de inúmeros esforços individuais – o cafezinho,
a caneta, o computador, seu celular, seus óculos, seu caderno – tudo isso resultado da
divisão social do trabalho.

36
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

Para refletir

Durkheim também se lembrou de que a divisão do trabalho social está em nosso círculo de amigos. Você tem amigos
para conversar sobre o campeonato de futebol, sobre seus estudos de Sociologia, sobre culinária, sobre moda, sobre
carros, enfim, cada um deles exerce um papel diferente na sua vida e todos eles participam da construção do seu eu.
Veja só como Durkheim falou da amizade utilizando a divisão do trabalho social:

Por mais ricamente dotados que sejamos, sempre nos falta alguma coisa, e
os melhores entre nós têm o sentimento de sua insuficiência. É por isso que
procuramos, em nossos amigos, as qualidades que nos faltam, porque unindo-nos
a eles participamos de certa forma da sua natureza e nos sentimos, então menos
incompletos. Formam-se, assim, pequenas associações de amigos em que cada
um tem seu papel conforme o seu caráter, em que há um verdadeiro intercâmbio
de serviços. Um protege, o outro consola; este aconselha, aquele executa, e é essa
partilha de funções, ou, para empregarmos a expressão consagrada, essa divisão do
trabalho que determina essas relações de amizade. (...) Nesse caso, de fato, os serviços
econômicos que ela pode prestar são pouca coisa em comparação com o efeito
moral que ela produz, e sua verdadeira função é criar entre duas ou várias pessoas
um sentimento de solidariedade. Como quer que esse resultado seja obtido, é ela
que suscita essas sociedades de amigos, e ela as marca com seu cunho. (DURKHEIM,
2013, p. 21).

Observando as sociedades primitivas até a sociedade moderna na qual vivia Durkheim


(final do século XIX), ele percebeu uma mudança do nível de coesão social entre essas
sociedades, de modo a fundamentar a classificação entre os tipos de solidariedade mecânica
e solidariedade orgânica.

O tipo de sociedade em que há predominância da solidariedade mecânica ou por similitudes,


há uma consciência coletiva maior e os membros da sociedade não são tão diferenciados, de
forma que se há uma conduta capaz de perturbar os estados fortes e definidos da consciência
comum, a resposta é uma pena repressiva, cuja função é manter intacta a coesão social, a
vitalidade dessa consciência comum (DURKHEIM, 2010, p. 79). Esse tipo de solidariedade
mecânica, segundo o autor, predomina nas sociedades primitivas, pré-industriais, em que
não há muita divisão do trabalho social.

Já no tipo de sociedade em que há a predominância da solidariedade orgânica, os membros


da sociedade são mais diferenciados pelas suas atividades laborativas, tendo cada qual
uma função, de forma que eles possuem maior importância individualmente em razão
da especialização e divisão do trabalho. Assim, em caso de uma conduta que perturbe a
consciência coletiva ou a coesão social, nesse tipo de sociedade regida pela solidariedade
orgânica, há predomínio de sanções restitutivas, de indenizações por perdas e danos. Essa
solidariedade orgânica é característica de sociedades industriais, na qual os membros da
sociedade são regidos por suas funções conforme a divisão do trabalho social, havendo um
foco maior no indivíduo do que na própria comunidade e a substituição de uma consciência
coletiva baseada em crenças e valores compartilhados por uma visão individualista.

37
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

Segundo Durkheim, a intensa velocidade do processo de industrialização e a urbanização


das grandes cidades na Europa levaram a um processo muito rápido da passagem das
sociedades em que havia o predomínio de alta coesão social por solidariedade mecânica,
com uma grande consciência de grupo, para o individualismo impessoal das sociedades em
que predominam o tipo de solidariedade orgânica. Tal fato, conforme ele, teria trazido um
forte sentimento de desconexão com a sociedade, gerando um sentimento nos indivíduos
de anomia, conceito melhor trabalho na sua obra O suicídio.

Sugestão de estudo

Uma dica para refletir sobre esse sentimento de anomia em uma grande metrópole é o filme Encontros e
desencontros. Bob (Bill Murray) encontra Charlotte (Scarlett Johansson), ambos estadunidenses, em um hotel de
luxo de Tóquio, Japão, o Hyatt Regency, onde dividem os sentimentos de encantamento, estranhamento, solidão,
amizade e companheirismo, decorrentes daquela experiência de duas semanas na agitada capital japonesa.

Figura 9. Filme Encontros e desencontros.

Fonte: <www.adorocinema.com>. (2003).

Representações sociais

Depois dos conceitos de fato social e da divisão do trabalho social, já mais maduro em sua
carreira, Émile Durkheim dedicou-se a uma questão bem interessante: Como será que o
indivíduo apreende o significado dos objetos? Assim, depois de muitos estudos, os quais
foram consolidados no livro As formas elementares da vida religiosa, Durkheim desenvolveu
a ideia das representações sociais, conceito a ser bastante trabalhado pelos cientistas sociais
contemporâneos.

Basicamente, para Durkheim, os objetos são apreendidos por meio de representações


construídas socialmente sobre eles, as quais determinam sua função na sociedade. A partir
daí, semelhante às características do fato social – generalidade, coercitividade e externalidade
– essas representações construídas socialmente, ou seja, em um grupo, consolidam-se em
significados sobre aquele objeto específico e são capazes de ser ensinadas para outros
indivíduos.

38
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

Por exemplo, quando falamos na ideia de uma caneta, tenho certeza de que logo vem à sua
mente aquele objeto geralmente que cabe em uma mão, utilizado para escrever. O objeto
caneta já está associado à sua função escrever, que foi construída pelo grupo social. E você
nem tem tanto trabalho em imaginar que caneta é para escrever. Parece óbvio, não é? Mas
é exatamente essa ideia de obviedade que dá sentido à força dessas representações sociais.
Você nem sequer cogita, em uma pergunta rápida, que uma caneta poderia ser usada para
prender os cabelos, ou para furar o saquinho de salgadinhos.

A ideia das representações sociais, segundo Durkheim, não abrange apenas os objetos,
mas, também, ideias abstratas como tempo e espaço, os quais seriam também resultados
de construção social. Como assim? Há várias culturas que percebem o tempo de forma
diferente, uns pelo estilo “flecha do tempo”, havendo uma reta unidirecional apontada para
o futuro, para outros, como na Índia, por exemplo, o tempo é contado de maneira cíclica,
no qual ideias de passado, presente e futuro são estranhas a esse tipo de visão de mundo.

Sintetizando

Vimos até aqui um conceito central do pensamento Durkheimiano: os fatos sociais que representam
maneiras de agir, pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências
individuais. Esses tipos de comportamento ou de pensamento são não só exteriores ao indivíduo, como
dotados de um poder imperativo e coercitivo em virtude do que se lhe impõem, quer queira quer não.
(DURKHEIM, 2003, p. 32)

Max Weber
Figura 10. Max Weber.

Fonte: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia>. (2018).

Apesar de não se intitular como sociólogo, Max Weber (1864-1920) tratou de temas
bastante caros à Sociologia, como poder, Estado, burocracia, relação entre indivíduo
e sociedade, e religião, todos tendo como cenário de fundo, de certa forma, as grandes
transformações sociais promovidas pelo “espírito” do capitalismo. Além disso, para

39
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

analisar tais temáticas, Weber desenvolveu uma metodologia extremamente útil às


Ciências Sociais: a construção do tipo puro ideal.

A ação individual como ponto de partida da Sociologia

Weber parte da ação individual e do sentido que essa ação assume para o sujeito, para,
passo a passo, construir o seu entendimento sobre estruturas sociais mais amplas, como
a religião, o Estado e o sistema econômico. Assim, essas ações e seus sentidos seriam
como pequenos blocos de montar, a partir dos quais seria construída a realidade social.
Ou seja, Weber segue o caminho inverso de Marx e Durkheim, pois esses autores partem
das estruturas sociais mais amplas, para tentar explicar a conduta dos indivíduos.

É por isso, inclusive, que o pensamento de Weber não apresenta o mesmo grau de
sistematicidade dos demais autores clássicos. Weber não tinha a pretensão de formular
leis sociais universais, como Marx, ou de lançar os fundamentos de uma nova área do
conhecimento, como Durkheim.

Em contrapartida, o pensamento de Weber apresenta maior sensibilidade à vida cotidiana, que,


entre os sociólogos clássicos, fica atrás apenas daquela de Georg Simmel, seu contemporâneo
e amigo. Interessam a Weber os pequenos movimentos que conduzem às grandes mudanças
sociais.

Saiba mais

Apesar de a presença de Georg Simmel entre os clássicos da Sociologia ser questionada, sua obra atende a todos os
parâmetros da inesgotabilidade e dos efeitos produzidos por um “clássico”, com reflexões referentes à objetivação
das relações pessoais, estudos das diferenças entre cultura objetiva e subjetiva, observações sobre a socialização
nos grandes centros urbanos. Além disso, a leveza e a forma com a qual Simmel apresenta suas ideias faz de seus
estudos uma atividade incrivelmente prazerosa, conseguindo unir forma e conteúdo primorosamente. Ler seus
textos é sentir-se a todo tempo sob os efeitos psicológicos da “intensificação dos estímulos nervosos provocados
pelos aspectos exteriores e interiores da grande metrópole. Recomendamos o texto A metrópole e a vida mental.
Disponível em: <http://www.marcoaureliosc.com.br/03velho_completo.pdf>. Acesso em: 10/8/2018.

Esse cuidado com os pequenos atos que compõem a realidade social está presente em uma
das suas mais importantes ferramentas metodológicas: o tipo ideal. O “tipo ideal” é uma
técnica por meio da qual, para estudar um fenômeno, um fato ou uma categoria, por exemplo,
o pesquisador reúne um conjunto de características de seu objeto observado. Em seguida, ele
leva ao extermo, ou seja, ele exagera essas características observadas em comum, buscando
criar um modelo, ou o que Weber chama de “tipo ideal”.

Esse “tipo ideal” não possui existência no mundo dos fatos, porque ele é resultado de
um truque do pesquisador para melhor entender a realidade. Assim, no mundo dos
fatos, nenhum dos fenômenos, fatos ou objetos do estudo se enquadrará inteiramente

40
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

nesse “tipo ideal”. Todos eles apresentam uma sobra, uma individualidade que não
se reduz ao “tipo ideal”.

Para Weber, o tipo ideal é uma ferramenta de descrição e explicação da realidade, e não
uma qualidade dela mesma. Isso é importante porque muitos dos conceitos que serão
apresentados a seguir, como o de dominação e o de racionalização, são tipos ideais,
que nunca são encontradas na forma pura no mundo da vida. Assim, nada impede, por
exemplo, que, em uma sociedade moderna, continuem a existir elementos das sociedades
pré-modernas, sem que, com isso, o termo sociedade moderna perca a sua utilidade.

Obediência consentida: o Estado e os tipos de dominação

O poder é um dos principais temas da Sociologia e, resumidamente, ele se refere à


capacidade de um indíviduo ou grupo impor a sua vontade ao outro.

Muito próxima à ideia de poder é aquela de dominação, que, para Weber (2015, p. 33),
seria a “probabilidade de encontrar obediência a uma ordem”. Assim, dominação é o
poder exercido com o consentimento daquele que é por ele submetido. É o caso, por
exemplo, de um oficial do Exército que, no exercício de suas funções, dá um comando a
um soldado e tem a expectativa de que a ordem seja atendida.

Frequentemente, essa dominação se apresenta como uma dominação legítima, ou seja,


justa, correta e devida, embora não necessariamente o destinatário do comando se
convença de sua justiça do exercício desse poder. No exemplo acima, o comando do
oficial apresenta-se como legítimo, em razão da hierarquia e da disciplina que vigora no
meio militar.

A partir dessa ideia de poder e de dominação, Weber desenvolve três tipos ideiais referentes
às subespécies de dominação: a dominação tradicional, a carismática e a racional-legal.

A dominação legítima tradicional baseia-se “na crença cotidiana, na santidade das


tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas
tradições, representam a autoridade” ( WEBER, 2015, p. 141). É a que está presente nos
costumes sociais, por exemplo, no respeito pelos mais velhos.

Já a dominação carismática é fundamentada na “veneração extracotidiana da santidade,


do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas
ou criadas” ( WEBER, 2015, p. 141). É aquela exercida por grandes líderes políticos e
religiosos em relação aos seus seguidores, como, por exemplo, o líder indiano Gandhi.

Por fim, a dominação racional-legal é “na crença de legitimidade das ordens estatuídas
e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para

41
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

exercer a dominação” ( WEBER, 2015, p. 141). É a que está presente na autoridade legal,
um governo democraticamente eleito, por exemplo.

Lembre-se de que essas modalidades de dominação legítima são tipos ideais, ou seja,
são caricaturas extremadas da grande variedade de formas de dominação que estão
presentes na realidade social. Dessa forma, nada impede que, por exemplo, no tipo de
dominação que caracteriza a relação de um líder religioso com os seus fiéis estejam
presentes elementos tanto da dominação tradicional quanto da dominação carismática.

Essa ideia de dominação, nas suas diversas modalidades, ganha força quando ela tem
à sua disposição um quadro administrativo, um conjunto organizado de pessoas, cuja
tarefa é impor as normas do sujeito dominador ou grupo dominante. A existência desse
quadro administrativo, que não é necessariamente estatal, aumenta a chance de uma
ação de repressão contra aquele que desafiar o poder dominante.

O Estado moderno caracteriza-se por uma crescente dependência da dominação


legítima do tipo racional-legal, cuja efetividade é garantida por uma burocracia.
Essa burocracia nada mais é do que um quadro administrativo, com elevado grau de
organização e divisão de tarefas, cujo funcionamento está orientado por estatutos
jurídicos.

Rumo à jaula de ferro: a racionalização da sociedade moderna

De acordo com Weber, uma das principais características da modernidade seria a


racionalização cada vez maior do mundo, quer dizer, uma crescente redução do mundo
a diversos processos de cálculo.

Weber explorou esse amplo processo a partir de diversas vertentes. Provalvemente, a mais
famosa delas é aquela trazida na sua obra mais famosa: A ética protestante e o espírito
do capitalismo.

Nesse livro, Weber diverge de Marx ao argumentar que o capitalismo moderno não
surgiu em razão apenas de mudanças nos meios de produção, embora tenham sido elas
também muito importantes. Decorreu também de transformações no âmbito cultural,
principalmente por aquelas trazidas por algumas das correntes religiosas da Reforma
Protestante.

Entre elas, Weber destaca os calvinistas, que seriam um dos pioneiros, nos tempos
modernos, do que ele chama de ética ascética intramundana: um estilo de vida que era, ao
mesmo tempo, rigidamente disciplinado, e voltado para atividades cotidianas, inclusive
de natureza profissional. Ademais, esses protestantes não viam o sucesso material, a
aquisição de riquezas, como algo pecaminoso, mas, sim, como um sinal de que aquele

42
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

indivíduo fora destinado por Deus para salvação, e, por consequência, beneficiado
com a bem-aventurança já nesta vida. Em suma, esse estilo de vida valorizava de forma
positiva o trabalho duro e disciplinado, bem como o acúmulo de riqueza, como dever
vocacional, e não por simples ganância. Dito de outra forma, esses calvinistas traziam a
ética do monje e do soldado para atividades do dia a dia, como o comércio e produção
das mais distintas mercadorias.

Para Weber, esses valores, que tinham originalmente uma fundamentação religiosa
muito específica, foram ganhando cada vez mais aceitação na sociedade mais ampla,
e, paralelamente, foram se desligando dessas raízes religiosas. Por fim, a disciplina e a
busca do lucro tornaram-se valores em si mesmos, e não mais simples instrumentos na
busca pela salvação.

Se o capitalismo é a atividade econômica voltada predominantemente para a obtenção


de lucros, e não para a simples aquisição de utilidade, o capitalismo não nasceu na época
moderna. Todavia, esse capitalismo anterior, para Weber, é um capitalismo de aventureiros,
centrado na busca de oportunidades de grandes lucros com grandes riscos e pouco esforço.
Basta pensar nos mercadores que enfrentavam o mar para obter fabulosos lucros com
o comércio de especiarias no Oriente distante. Por outro lado, esse novo capitalismo é
racionalizado, e centrado no trabalho árduo, regrado e constante.

Esse processo de racionalização está presente ainda em outros aspectos da sociedade


moderna. Simultaneamente ao surgimento desse capitalismo racional, os quadros
administrativos do Estado passavam também por profundas transformações. Ele se
tornava cada vez mais impessoal e profissionalizado, e suas rotinas e divisões de tarefas,
progressivamente mais formalizadas. Assim, tanto na fábrica quanto nos quadros
adminitrativos do governo a divisão social do trabalho se tornava cada vez mais acentuada,
com os efeitos tão bem examinados por Durkheim e Marx.

É importante notar que, para Weber, esses e outros processos sociais que aconteciam na
mesma época não eram causados por um fenômeno de base, como ocorre no pensamento
de Marx, em que a transformação dos meios de produção seria a causa primeira de todas as
demais alterações sociais. Já para Weber, não existe essa causa primeira: o surgimento do
capitalismo racional, da burocracia moderna e de tantos outros fenômenos racionalizantes
correlacionam-se entre si, influenciam-se mutuamente, mas não são seriam causados
uns pelos outros.

Dito isso, Weber possui uma visão pessimista acerca da modernidade, que se aproxima
muito daquela de Marx. Ambos os autores consideram que a modernidade aliena
e despersonaliza. Todavia, ao menos, Marx oferece uma luz no fim do túnel, pois
ele considera inevitável a superação da atual etapa histórica, de modo a alcançar

43
CAPÍTULO 2 • Teorias e teóricos sociais clássicos

o que ele considerava como a próxima fase do desenvolvimento social humano: o


comunismo. Por outro lado, o pessimismo de Weber não encontra qualquer válvula
de escape equivalente.

Sugestão de estudo

Figura 11. Metropolis (1927).

Fonte: <https://Imdb.com> (2018).

Em uma cidade futurista, caracterizada por uma divisão marcante entre trabalhadores e uma elite burocratica,
os trabalhadores levam uma vida sem sentido e dominada por grandes máquinas, sem perspectiva de, por si só,
alterarem o seu destino. É nesse contexto que o filho do líder administrativo da cidade, o jovem princípe da elite
dominante, se apaixona por uma profeta proletária, que prevê a chegada de um salvador para pôr fim a essa diferença
de classes.

Esse pessimismo de Weber está bem resumido na seguinte passagem do seu mais famoso
livro, Ética protestante e o espírito do capitalismo, em que ele compara a racionalização
da vida trazida pela modernidade a uma jaula de ferro (chamada na versão a seguir de
crosta de ferro):

Ninguém sabe ainda quem no futuro vai viver sob essa crosta e, se ao cabo
desse desenvolvimento monstro hão de surgir profetas inteiramente novos,
ou um vigoroso renascer de velhas idéias e antigos ideais, ou – se nem
uma coisa nem outra – o que vai restar não será uma petrificação chinesa
[ou melhor: mecanizada], arrematada com uma espécie convulsiva de
auto-suficiência. Então, para os “últimos homens” desse desenvolvimento
cultural, bem poderiam tornar-se verdade as palavras: “Especialistas sem
espírito, gozadores sem coração: esse Nada imagina ter chegado a um grau
de humanidade nunca antes alcançado”.

Em resumo, para Weber, o desenvolvimento inexorável da racionalização levará à


perda completa da liberdade e do sentido no mundo moderno. Todavia, ao contrário
de Marx, Weber não acredita que a história se desenvolve inexoravelmente em uma

44
Teorias e teóricos sociais clássicos • CAPÍTULO 2

direção, e, nessa medida, seria possível, em tese, evitar o fechamento completo da


jaula de ferro, embora ele não confie nesse desfecho feliz.

Sintetizando

Vimos até agora:

» Que um clássico se refere àqueles conceitos que ainda continuam sendo discutidos e construídos.

» Os três autores da Sociologia clássica são: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.

» Em meados do século XIX, Karl Marx (1818-1883) concentrava seus esforços em compreender “os homens
de carne e osso”, movidos por suas necessidades materiais e inseridos no rio da História. Embora sua obra
não possa ser considerada estritamente sociológica, ela lançou as bases para explicar a vida social a partir do
modo como os homens produzem socialmente sua existência por meio do trabalho, e de seu papel enquanto
agentes transformadores da sociedade. Isto trouxe de volta ao centro do debate político e intelectual o tema da
desigualdade social, vinculando-o a processos histórico-sociais. (QUINTANEIRO et al., 2002).

» A Sociologia começou a se consolidar enquanto disciplina acadêmica e a inspirar rigorosos procedimentos de


pesquisa a partir das reflexões de Émile Durkheim (1858-1917) e de Max Weber (1864-1920). Ambos se dedicaram
não só a delimitar e a investigar um grande número de temas como a dar-lhes uma clara definição sociológica.
Uma parcela considerável da produção desses autores esteve voltada à discussão do método de pesquisa
adequado à Sociologia. (QUINTANEIRO et al., 2002).

45
INDIVÍDUO E SOCIEDADE
CAPÍTULO
3
Introdução

Em diversos momentos vemos notícias de pessoas que quando estão em grupo agem de
maneira igual. Isso ocorre em momentos de diversão como em jogos de futebol ou até
mesmo em protestos políticos. A pergunta que sempre fica no fundo é: Por que essas
pessoas agiram de maneira coletiva e em alguns momentos até de maneira violenta em
grupo? Essa pergunta nos leva a outro grande questionamento da humanidade que a
Sociologia tenta responder: O que faz de nós humanos seres racionais? O que nos diferencia
dos outros animais? Os sociólogos tentaram responder a essas perguntas considerando
a capacidade do homem de viver em sociedade e produzir cultura. Essa forma como o
indivíduo se relaciona com a sociedade em que vive e que o “torna humano racional” é
um dos objetos de estudo da sociologia.

Como vimos no capítulo anterior, autores como Marx, Weber e Durkheim tentaram entender
a influência que a sociedade exerce sobre o indivíduo e que o indivíduo exerce sobre a
sociedade. Aprofundaremos neste capítulo sobre como os conceitos dos autores clássicos
podem ser vistos na nossa realidade e vamos ver como a Sociologia contemporânea
avançou na análise dessa questão.

Objetivos

» Observar o papel central da questão indivíduo x sociedade nos estudos sociológicos.

» Analisar a partir dos autores clássicos, vistos no capítulo anterior, como é essa relação
na nossa sociedade.

» Conhecer os avanços das análises sociológicas contemporanêas sobre essas


questões.

46
Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Sociedade x indivíduos

Ao longo dos capítulos estamos desenvolvendo o entendimento da complexidade


da sociedade (que é esse conjunto dos mais diversos indivíduos, com as mais diversas
vontades e comportamentos). Essas pessoas com diversos desejos, vontades e aspirações
podem, por vezes, praticar certas ações por influência da sociedade em que vivem. Mas
qual o papel do indivíduo? Como ele pode também influenciar o seu meio social?

Alguns sociólogos viram esse movimento de desejos e ações dos indivíduos e da


sociedade como um movimento pendular, onde ora a sociedade influencia, ora
o indivíduo influencia. Vamos resgatar os autores estudados no capítulo passado
para pensar melhor sobre esse movimento .

A sociedade condiciona o indivíduo?

Como vimos no capítulo anterior, para Durkheim, as pessoas agem de acordo com
o processo de socialização que viveram, ou seja, sua forma de criação e a sociedade
onde vivem estabelecem as normas e os valores que os indivíduos devem seguir de
modo que essa sociedade permaneça em harmonia e integrada. Para Durkheim, essa
influência externa da sociedade modela as pessoas.

A apresentação dos fatos sociais como maneiras de agir, pensar e sentir, externas
ao indivíduo é investido de um poder de coerção. Conseguimos ver isso claramente
quando analisamos as aplicações de leis. Um exemplo da nossa realidade: Todos os
motoristas (generalidade) foram proibidos por uma lei (externalidade) de dirigirem
com qualquer nível de consumo de álcool. Caso façam isso eles são penalizados
(coercibilidade).

Observe a lei

A Lei no 11.705, de 19 de junho de 2008, alterou o Código de Trânsito Brasileiro passando a colocar o ato de dirigir
sob a influência de qualquer quantidade de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência uma infração gravíssima, além de punir também quem se recusar a fazer o teste.

47
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Figura 12. Externalidade/generalidade e coercibilidade através das leis.

Fonte: <www.g1.com.br>. (2018a).

Ao ver a manchete, uma curiosidade que ressalta no texto é que muitos motoristas se
recusam a soprar o bafômetro, ficando claro que o medo de ir preso é algo derivado dos
efeitos da coerção e externalidade das leis.

Além disso, vimos no último capítulo que, para Durkheim, a sociedade funciona a partir
de uma lógica de solidariedade e de coesão que se dá através do estabelecimento dessas
regras. Em momentos que temos ausência de coesão por ausência de regras e normas
sociais comuns podemos ter o que Durkheim chama de anomia. A anomia, para o autor,
levaria o corpo social a entrar em colapso e gerar nos indivíduos sentimentos de não
pertencimento.

Durkheim entende que momentos anômicos podem ser vistos na nossa sociedade,
muitas vezes, por atos como o suicídio. O suicídio é percebido em diversas sociedades
e em diversos momentos históricos.

Segundo a reportagem do G1 de 27/9/2018, o número do suicídio de indígenas no Brasil


vem crescendo. Possivelmente, como estudado por Durkheim, a falta do sentimento de
pertencimento e conflitos pode ser um dos motes do suicídio. Segundo a reportagem “a
maior taxa de mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes é entre indígenas – 15,2 casos
por 100 mil. Entre os homens, o número chega a 23,1; entre as mulheres, a 7,7.” (G1, 2018b).

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Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Figura 13. Manchete reportagem G1 sobre suicídio indígena.

Fonte: <www.g1.com.br>. (2018b).

Para refletir

A nossa sociedade está preparada para lidar com esse tipo de problema social? Você conhece alguma instituição
governamental que oferece atendimento psicológico para a comunidade?

Sugestão de estudo

Para entender como os fatos sociais estão até mesmo nas nossas relações pessoais, um bom filme para ver é Amor
sem escalas. Além de abordar um contexto de crise econômica nos Estados Unidos que gera um grande número de
desempregos, o filme mostra o reflexo disso na vida dos indivíduos, mas com o formato leve de comédia romântica.

49
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Figura 14. Cartaz do filme Amor sem escalas.

Fonte: <www.adorocinema.com>. (2010).

Apesar de o nome do filme não chamar tanta atenção (como bem destacado pela crítica do site “Adoro Cinema”),
ele é interessante para analisar as relações indivíduo x sociedade de Durkheim. O filme consegue mostrar como a
sociedade moderna consegue afetar coercitivamente e de maneira externa e geral a vida das pessoas.

Amor sem escalas, péssimo título nacional, (...): a preocupação com o roteiro, em
desenvolver o tema analisando-o com o mundo que o cerca. Aqui Reitman quer
apresentar um pouco do mundo moderno, em especial como ele afeta as relações
humanas. Tudo através do ponto de vista de Ryan Bingham, interpretado com
desenvoltura por George Clooney. (ADORO CINEMA, 2010)

O indivíduo condiciona a sociedade?

Ainda como vimos no capítulo anterior, para Weber o indivíduo parte da ação social. A
sociedade existe, mas não de forma externa e superior às pessoas, mas como um conjunto
de ações dos próprios indivíduos. A sociedade, para o autor, é composta pelas ações dos
indivíduos através das relações, da comunicação com os outros etc. O termo outros pode ser
tanto um único indivíduo, vários indivíduos e até mesmo desconhecidos. Para o Weber, as
normas, os costumes e as regras sociais estão internalizados nos indivíduos, que escolhem
condutas e comportamentos, dependendo de cada situação.

A seguir, colocamos uma manchete que pode nos ajudar a pensar mais sobre a relação
indivíduo x sociedade para Weber.

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Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Figura 15. Manchete reportagem sobre advogado que recolheu lixo em praia.

Fonte: <www.catracalivre.com>. (2018)

Afroz Shah, o advogado que a reportagem cita, começou sozinho a limpar uma praia na
Índia. Após oito semanas de trabalho, dois voluntários se uniram a Afroz e, a partir de
então, conseguiram juntar mais de mil pessoas e retirar cerca de 5,3 milhões de quilos
de lixo. Após esse feito, Afroz ganhou o prêmio da ONU em 2016 de Campeão da Terra e
teve seu projeto classificado como a maior de limpeza de praias.

Saiba mais

Para saber mais do projeto de Afroz entre no site da ONU. Disponível em: <https://www.unenvironment.org/pt-br/
node/21784>.

51
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Provocação

Qual a relação entre a sociedade e os indivíduos, para Weber? No caso da limpeza da praia, os indivíduos foram
completamente influenciados pela sociedade ou a sociedade foi influenciada pelos indivíduos?

Sugestão de estudo

A influência exercida pelo indivíduo na sociedade pode ser vista de maneira tocante no filme Hotel Ruanda. Esse
filme é de 2004 e se você não viu ainda, é um bom filme para pensar sobre, e se viu, reveja pensando no papel do
gerente Paul naquela comunidade e no conceito de ação social de Weber. Além de tudo, o filme é baseado em fatos
reais, o que nos leva a uma reflexão ainda maior.

Figura 16. Cartaz do filme Hotel Ruanda.

Fonte: <www.adorocinema.com>. (2004).

O filme se passa em 1994 e trata de um conflito político e social em Ruanda. Aqui vai a sinopse para entender um
pouco do contexto do conflito que tem muitas mortes. Esse filme não é recomendado para crianças.

O conflito levou à morte de quase um milhão de pessoas em apenas cem dias. Sem
apoio dos demais países, os ruandenses tiveram que buscar saídas em seu próprio
cotidiano para sobreviver. Uma delas foi oferecida por Paul Rusesabagina (Don
Cheadle), que era gerente do hotel Milles Collines, localizado na capital do país.
Contando apenas com sua coragem, Paul abrigou no hotel mais de 1.200 pessoas
durante o conflito. (ADORO CINEMA, 2014)

52
Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

O contexto histórico, econômico e social influencia o


indivíduo?

Como vimos no capítulo passado, Marx entendeu que os indivíduos agiam de acordo com
o contexto das situações sociais a partir das relações de trabalho e, além disso: para ele, os
indivíduos são condicionados por situações históricas. Ou seja, não é somente a sociedade
atual em que vivemos que nos influencia, para Marx, essa sociedade também é influenciada
por sua história, por sua forma de produzir bens e sua economia.

A seguir, temos a manchete de um estudo que pode nos ajudar a pensar mais sobre a
relação classe social e condicionantes históricos da sociedade brasileira.

Figura 17. Manchete Estudo sobre sobrenome x salário.

Fonte <www.bbc.com/portuguese>. (2017)

53
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Nesse estudo, o que fica em destaque é a influência da ancestralidade familiar nas


possibilidades de as pessoas alcançarem maiores patamares educacionais e salariais.
Pode parecer algo distante e difícil de influenciar e mais ainda de medir e pesquisar,
mas a pesquisa conseguiu analisar 71,7 mil sobrenomes e cruzou com a base de dados
do Ministério do Trabalho, que conta com mais de 46 milhões de trabalhadores.

O que a pesquisa conseguiu mostrar é que fatores como ancestralidade pode interferir,
de algum modo, na chance de conseguir maior salário. Quando falamos de chance não
significa que isso vai ser completamente determinante e que a pessoa não poderá receber
mais ou que ela vai receber necessariamente menos, mas, sim, que quando se olha para
pessoas com determinados sobrenomes, elas tiveram uma grande distância de outras
pessoas com outros tipos de origem e isso, de algum modo, pode revelar a forma como
Marx via a influência de fatores sociais e históricos na vida das pessoas.

Segundo a pesquisa, além do fator do nome ser uma interessante forma de analisar,
podem existir outras causalidades também para as desigualdades encontradas.

Apesar da associação positiva, que já é um dado relevante e importante, a


causalidade não é clara. Talvez não seja apenas o sobrenome, sozinho, que
impacte no salário”, observa o pesquisador.(...) Monasterio diz que os ganhos
também podem estar associados a outras variáveis como, por exemplo, a
cor da pele, o gênero e a qualidade da educação que a pessoa teve. ‘‘Anos
de estudo não indicam o tipo de formação’’, afirma, ponderando que, por
exemplo, europeus e japoneses que vieram ao Brasil tinham em média mais
anos de estudo que os brasileiros herdeiros dos portugueses e espanhóis. Isso,
segundo o pesquisador, pode ter representado uma certa vantagem familiar
que impactou as gerações seguintes. A distribuição geográfica dos nomes pode
influenciar também no tamanho dos salários. A região centro-sul do Brasil,
onde salários e nível de escolaridade tendem a ser mais altos, concentra a
maioria dos sobrenomes não ibéricos. Já os nomes de origem portuguesa
e espanhola aparecem mais concentrados no Nordeste e no Norte, onde
renda e anos de estudo são menores. São Paulo, onde, em média, se paga os
maiores salários do país, tem uma grande concentração de descendentes de
japoneses. (BBC, 2017)

Esses dados a seguir foram retirados da reportagem com o economista Leonardo


Monasterio, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e nos ajuda a visualizar
rapidamente o que a pesquisa conseguiu relacionar.

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Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Figura 18. Ancestralidade do sobrenome x salário.

Fonte: <www.ipea.gov.br>. (2017).

Saiba mais

A reportagem completa está disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41987454>.

Para saber mais sobre a pesquisa, ela está disponível no repositório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada:

<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28476>.

Sugestão de estudo

Para melhor entender como as formas de trabalho influenciam nossa vida ao longo da história, um bom filme para
ver (com a família inclusive) é O menino e o mundo. Em um primeiro momento, o filme parece ser infantil e feito
com poucos recursos pelo seu desenho simples e ausência de falas, mas não se engane: Tudo isso foi intencional e o
filme surpreende e ganhou até mesmo o “Oscar da animação”, o prêmio Annie Awards.

A crítica do site “Adoro Cinema” resume bem a simplicidade com que o filme explica e retrata diversas dessas
influências que estudamos.

A história, sabiamente contada sem palavra alguma (algo que pode facilitar a
exportação do filme), mostra uma criança pobre cujo pai abandona a família para
ir trabalhar em algum lugar distante. O cenário familiar é rural, mas o mundo para
onde partem os adultos é o da cidade grande. Estes ambientes – personagens centrais
à trama – ganham uma caracterização expressiva e inteligente: enquanto o campo
é simbolizado por pequenos traços coloridos (referentes à grama, à felicidade), a
cidade é uma mistura cinzenta de pesadelo futurista (com favelas em formas de
cones) e pastiche do capitalismo (outdoors, televisores por todos os lados). O trem
que atravessa a fazenda nada mais é do que um monstro gigantesco, como uma
serpente, que engole os adultos e depois desaparece no espaço branco, sem devolvê-
los mais.’ (ADORO CINEMA, 2016)

55
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Figura 19. Cartaz do filme O menino e o mundo.

Fonte: <www.adorocinema.com>. (2016).

Relação de indivíduo e sociedade para os autores


contemporâneos

Após estudar os autores clássicos da Sociologia através de exemplos, vamos ver como dois
importnates autores contemporâneos conseguiram contribuir para o avanço do estudo
dessa complexa relação entre indivíduo e sociedade.

A sociedade dos indivíduos

Para avançar nos estudos sobre indivíduo e sociedade, Norbet Elias tentou entender
como a diversidade de pessoas e indivíduos se ralaciona com o pequeno termo indivíduo.
Elias utilizou o termo sociedade dos indivíduos, indo, então, além dos autores clássicos
e juntando os termos, que antes eram tidos como antagônicos.

Saiba mais

Norbert Elias foi um sociólogo alemão judeu que também estudou Medicina, Filosofia e Psicologia. Elias nasceu em
uma Alemanha conflituosa nazista no ano de 1897 e teve que fugir em 1933 para a França e Inglaterra. Trabalhou
com Karl Mannheim e desenvolveu uma abordagem chamada sociologia figuracional, que examina o surgimento
das figurações sociais como consequências inesperadas da interação social. O trabalho mais conhecido de Elias é O
processo civilizador, feito em 1939, em que analisa os efeitos da formação do Estado sobre os costumes e a moral dos
indivíduos. (ELIAS,1994)

56
Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Figura 20. Norbet Elias.

Fonte: <www.norberteliasfoundation.nl>. (2018).

Para Elias, a sociedade e o indivíduo não funcionariam em um sistema pendular e, sim, em


um sistema único onde ao mesmo tempo um modelaria o outro. O ser humano, então, seria
diferente dos outros animais por essa capacidade de moldagem social que também seria
uma forma de autorregulação.

O autor também destaca que existe todo um processo de civilização das pessoas nesse
processo de modelagem: “As pessoas mudam em relação umas às outras através de uma
relação mútua de moldagem e remodelagem. Crianças são exemplos de formas mais
maleáveis.” (ELIAS, 1994). E por serem mais “modeláveis”, as crianças passam justamente
por diversos processos educativos civilizatórios.

Figura 21. Crianças aprendendo regras.

Fonte: <www.istoe.com.br>. (2009).

57
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Funcionaríamos, então, ao mesmo tempo, como a moeda e a matriz, onde ao mesmo


tempo em que somos educados e civilizados nós também modelamos a sociedade
e mudamos hábitos. “O que é moldado pela sociedade também molda, por sua vez:
é a autorregulação do indivíduo em relação aos outros que estabelece limites entre
autorregulação destes. O indivíduo é, ao mesmo tempo, moeda e matriz” (ELIAS, 1994).

Figura 22. Moeda e matriz celtas.

Fonte: Journal of Celtic Studies in Eastern Europe and Asia-Minor (2018).

A forma de educar as pessoas tamb ém foi o foco de estudos de Elias, que analisou esse
processo na história da humanidade e o chamou de o processo civilizador. Para ele, houve
todo um processo na nossa sociedade de modelação civilizatória em que aprendemos
certos modos: os famosos bons modos e regras de etiqueta.

Provocação

Pare para relembrar momentos da infância. Todos nós aprendemos em algum momento como devemos nos vestir,
como devemos nos comportar em determinados lugares, como usar talheres para comer e não comer com as mãos.
Você se lembra de mais momentos que aprendemos regras e comportamentos?

Sugestão de estudo

Com Norbert Elias refletimos sobre certos costumes e regras que aprendemos. No filme O sorriso de Monalisa
podemos entender melhor como essas regras são passadas para determinados indivíduos e como eles conseguem
refletir e mudar certos preceitos. No filme, a professora Katharine Watson se mostra incomodada com certas regras.

O filme conta a história de uma professora de História da Arte que, educada na liberal
Universidade de Berkeley, na Califórnia, enfrenta uma escola feminina, tradicionalista
– Wellesley College, onde as melhores e mais brilhantes jovens mulheres dos Estados
Unidos recebem uma dispendiosa educação para se transformarem em cultas esposas
e responsáveis mães. No filme, a professora irá tentar abrir a mente de suas alunas
as solicitando ao “anticonservadorismo” para um pensamento libereral (ADORO
CINEMA, 2013).

58
Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Figura 23. Cartaz do filme O sorriso de Monalisa

Fonte: <www.adorocinema.com>. (2013).

Estruturas sociais e a modernidade

Giddens é um autor contemporâneo que tenta avançar na análise indivíduo x sociedade


repensando através das estruturas e olhando para a influência da modernidade nos
indivíduos. Para Giddens, a ideia é que as estruturas são completamente exteriores às
ações humanas e se reproduzem ao se impor sobre os agentes independentemente (ou
mesmo a despeito) de suas consciências. Para Giddens, então:

1. As estruturas são em boa medida mais internas do que externas às atividades dos
indivíduos.

2. A vida social possui uma natureza recursiva pela qual as estruturas sociais recriam-se
a si mesmas através dos próprios recursos que a constituem e por meio das próprias
regras de comportamento e ação que apresentam aos agentes.

Além de analisar a sociedade a partir de estruturas, Giddens analisa como a modernidade


traz uma grande mudança nas formas em que as regras e comportamentos sociais se dão.
Nas sociedades tradicionais a vida das pessoas era limitada pela tradição, pela cidade
onde moravam, por seus familiares etc. Já na modernidade, para Giddens, o rompimento
com a tradicionalidade diminui os laços de identidade das pessoas com a comunidade.
Na modernidade o eu passa a ser algo construído por si.

59
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

Provocação

As pessoas que crescem em cidades pequenas geralmente escutam muito a frase: “Fulano é filho ou neto de tal
pessoa”. Em sociedades mais tradicionais, muitas vezes o nome e o parentesco podem dizer muito para aquela
relação que se estabelece. Você já ouviu esse tipo de frase? Conhece alguém que já ouviu?

Saiba mais

Anthony Giddens é um sociólogo inglês que nasceu em 1938. Ele é conhecido pela Teoria da Estruturação. Os
trabalhos mais recentes de Giddens analisam como a modernidade tem impacto na vida social e pessoal dos
indivíduos.

Figura 24. Anthony Giddens.

Fonte: <www.amazon.com.br>. (2018).

Provocação

Quais influências da modernidade você consegue perceber na sua vida e na vida das pessoas com quem você
convive?

60
Indivíduo e sociedade • CAPÍTULO 3

Sugestão de estudo

Um bom filme para entender como as estruturas sociais se entrelaçam com as mudanças dadas pela modernidade
e pelas diferenças de culturas é o filme Nome de família. Além de ser um filme que foge aos roteiros comuns, ele
consegue mostrar de maneira diferente os choques da tradição x modernidade e a busca de identidade.

Este filme, fugindo ao lugar comum, conta a história de um casal de indianos que
partem de Calcutá e vão morar em Nova York em busca de melhores condições
de vida. Trata do choque entre culturas extremamente diferentes, a aceitação e
resignação da mulher no casamento, seguindo os costumes e as tradições do seu
povo, a negação de suas origens e do seu próprio nome por parte do personagem
Gogol, filho mais velho do casal, do arrependimento, da descoberta brusca de valores
até então ignorados por ele, devido a um fato inesperado. A partir daí, uma mudança
radical e a procura constante de uma identidade própria. (ADORO CINEMA, 2014).

Figura 25. Cartaz do filme Nome de família.

Fonte: <www.adorocinema.com>. (2014).

Tudo o que foi visto até aqui nos ajuda a entender um pouco do que a Sociologia conseguiu
avançar e debater sobre a questão sociedade x indivíduo. Quando Durkheim diz sobre os fatos
sociais, Weber sobre a ação social e Marx sobre os condicionantes históricos e sociais, eles
não estão respondendo completamente a essa complexa questão, tampouco nos deixando
sem respostas. Os autores clássicos conseguem, de algum modo, abrir outras possibilidades
de entendimento. Entender os clássicos e estudá-los nos ajuda a ter uma base, um ponto
de partida.

Os avanços dos autores contemporâneos Elias e Giddens sobre essa questão também não
conseguem esgotar a pergunta, mas novamente nos ajudam a repensar as influências

61
CAPÍTULO 3 • Indivíduo e sociedade

sociais e individuais a partir dos novos contextos como a modernidade. O que vimos
neste capítulo, portanto, é uma pincelada sobre importantes perspectivas e teorias para
nos ajudar a avançar no entendimento do objeto de estudo sociológico.

Provocação

O que você conseguiu entender da relação sociedade x indivíduo?

Sintetizando

Vimos até agora:

» Que Durkheim analisou a sociedade a partir dos fatos sociais e podemos ver como a coercibilidade, generalidade e
externalidade que ele falou se dão em exemplos como a aplicação de leis de trânsito.

» Que o indivíduo consegue também ter gerência no seu meio social, como no caso do advogado que limpou a praia.

» Que, por vezes, temos influências históricas na chance de alcançar maiores salários através da origem familiar.

» Que Elias avança na análise do indivíduo x sociedade e entende que as pessoas mudam em relação umas às outras
através de uma relação mútua de moldagem e remodelagem.

» Como Giddens avança também no sentido de entender a sociedade como estrutura e que a modernidade
influencia a vida dos indivíduos.

62
CAPÍTULO
CULTURA E SOCIEDADE 4
Introdução

Imaginamos que você já tenha utilizado, por diversas vezes, no seu dia a dia, as palavras cultura
e sociedade. Pense, por um minuto, sobre as circunstâncias em que normalmente você aplicaria
essas duas palavras. O que você quis dizer com elas? Que significados estas duas palavras
agregavam ao que era dito? Em seu uso comum, cultura e sociedade são termos que chamamos
“polissêmicos”, querendo dizer que eles possuem diversos significados derivados da sua aplicação
na linguagem cotidiana. Arriscaremos alguns “palpites” sobre isso para esquentar este nosso
capítulo, em que trataremos das relações entre as estruturas materiais (da sociedade) e morais
(da cultura) da vida das coletividades e comunidades políticas. Vamos começar.

Objetivos

» Compreender as noções de cultura e sociedade numa perspectiva antropológica.

» Apresentar a teoria de evolucionismo cultural.

» Compreender a noção de etnocentrismo e sua aplicação em diferentes contextos.

Cultura e sociedade

Quando fazemos afirmações do tipo “a sociedade é desigual” ou “a cultura é diversa”,


estamos usando esses termos como espécies de totalizações. Estas são afirmações
genéricas e não se referem a nenhum lugar ou grupo humano em específico, servindo
apenas para explicitar um ponto de vista sobre determinado “estado de coisas”.
Entretanto, quando falamos, por exemplo, na existência de uma sociedade e/ou
uma cultura “brasileira” (ou “americana”, “europeia” etc.), passamos a agregar
alguma dimensão de especificidade a estas categorias. E o que queremos dizer com
isso? Primeiramente, queremos dizer que, dentro de fronteiras delimitadas pelo
compartilhamento de uma língua, de um território e de valores comuns, existiriam

63
CAPÍTULO 4 • Cultura e sociedade

traços que nos diferenciariam, enquanto “povo”, em relação a outras culturas e


sociedades que nos cercam.

Figura 26. A Família, de Tarsila do Amaral, 1925.

Fonte: <www.tarsiladoamaral.com.br>.

At é e s s e m o m e n t o, t a l v e z v o c ê t e n h a u t i l i z a d o e s s a s c a t e g o r i a s d e f o r m a s
intercambiáveis, como se fossem termos equivalentes entre si. Mesmo quando
os empregamos na linguagem do dia a dia, no entanto, cultura e sociedade são
palavras que guardam diferenças sutis, porém extremamente relevantes para aquilo
que gostaríamos de dizer por meio delas. Pense, mais uma vez, sobre as situações
em que você empregou essas palavras. A que tipo de “diferenças” estaríamos nos
referindo?

Para começar, arriscaríamos dizer que, quando utilizamos a palavra sociedade, tendemos
a trazer para nossas falas imagens de estruturas observáveis de longa duração: as pessoas
de “carne e osso” e suas relações econômicas, a forma pela qual estas se distribuem em
um território delimitado, seu regime de governo e história sociopolítica, a sua estrutura
jurídico-normativa, dentre outros. Tende a nos vir à mente também a ideia de um sistema.

Como um organismo vivo busca a “homeostase”, ou seja, um equilíbrio interno de


suas funções vitais, a sociedade, para sua reprodução material e moral, buscaria a
complementaridade e o equilíbrio entre suas partes constitutivas (grupos, classes,
associações, instituições etc.), assim como o corpo humano.

64
Cultura e sociedade • CAPÍTULO 4

Figura 27. O organismo humano e suas partes constitutivas

Fonte: <www.escolakids.uol.com.br>.

Muito embora a imagem da “coesão” possa até ser boa para totalizar determinada
experiência da sociedade, não podemos jamais esquecer que a vida social também é
conflito.

Como nos fala Georg Simmel, em seu livro Questões fundamentais de Sociologia,
publicado em 1917, pouco antes de sua morte, o conceito de sociedade, por si só, não
explica as formas concretas assumidas pela vida coletiva. Observando as relações entre
os sujeitos da ação social, Simmel nos fala de suas “paixões” e “interesses”, bem como
das formas pelos quais estes ora colidem, ora cooperam para a formação de um sentido
de unidade, o que o autor chama de “sociedade”.

Instintos eróticos, interesses objetivos, impulsos religiosos, objetivos de


defesa, ataque, jogo, conquista, ajuda, doutrinação e inúmeras outras
situações fazem com que o ser humano entre, com os outros, em uma
relação de convívio, de atuação com referência ao outro, com o outro e
contra o outro, em um estado de correlação com os outros. Isso quer dizer
que ele exerce efeito sobre os demais e também sofre efeitos por parte
deles. Essas interações significam que os portadores individuais daqueles
impulsos e finalidades formam uma unidade – mais exatamente, uma
sociedade (SIMMEL, 2006, p. 60).

Na definição anterior, o autor nos fala do convívio entre relações “com o outro e contra
o outro”, da formação de alianças e antagonismos na sociedade. Mas a partir de que
“base comum” são formados estes padrões de relações de conflito e cooperação?
Podemos dizer que essa “comunidade moral” que nos envolve a todos e todas se chama
cultura, um conjunto de valores compartilhados que garante um sentido mínimo

65
CAPÍTULO 4 • Cultura e sociedade

para a compreensão mútua das ações dos sujeitos sociais concretos. E o que seriam
esses tais “valores”?

Para refletir

Os valores são os intermediadores de nossa compreensão do mundo. Bastante próximos ao conceito de “fato social”
durkheimiano (rever no capítulo 2), os valores são formas simbólicas passadas de geração em geração com pequenas
alterações de significado e que funcionam, em seu conjunto, como regras de conduta compartilhadas, significados
comuns para a vida em sociedade.

O antropólogo Clifford Geertz tem um ótimo exemplo sobre essa questão. Em seu
famoso livro A interpretação das culturas, de 1973, o autor fala sobre os significados
possíveis para um ato bastante simples e corriqueiro: a piscadela. Você conseguiria
diferenciar entre uma piscadela “cúmplice” e um “tique-nervoso”, por exemplo, quando
o autor pisca de forma involuntária? Saberia distinguir entre a piscadela que busca
uma proximidade, como no caso da paquera, daquela simplesmente performada para
demonstrar concordância com algo ou alguém? Imaginamos que sim. E você tem
alguma ideia do porquê de isso acontecer?

Sugestão de estudo

Figura 28. Imagem do livro A interpretação das culturas, de Clifford Geertz.

Fonte: <https://www.grupogen.com.br/a-interpretacao-das-culturas>.

66
Cultura e sociedade • CAPÍTULO 4

Isso acontece porque os valores culturais atuam como uma ponte entre a ação dos
sujeitos no mundo, suas motivações e a compreensão/interpretação de seus significados
por aqueles que porventura a observam de fora. Façamos um último e breve exercício de
“estranhamento” antes de continuarmos, para que possamos fixar bem a ideia da cultura
como um fenômeno que cria um “ponto de vista” específico sobre as coisas.

Imagine você que viajamos para um lugar distante, com uma cultura totalmente diferente
da nossa, como a Índia. Nas margens do Ganges, o maior e mais famoso rio do país,
vemos um homem banhar-se em suas águas poluídas por séculos de despejo de esgoto
in natura ao longo de todo o seu curso. Possivelmente, olharemos para esse homem –
segundo a nossa cultura, ou seja, o nosso sistema de valores compartilhados – nutrindo
certo desgosto por seus hábitos de higiene. Para nós, visitantes alienígenas, o Ganges
pode ser apenas um rio poluído; entretanto, para a cultura indiana, o Ganges é um lugar
“sagrado”. Para nós, brasileiros e brasileiras, a ação daquele homem evoca uma imagem
de “impureza” corporal; para ele, entretanto, da perspectiva de sua cultura, é exatamente
o oposto: banhar-se no Ganges significa a purificação de sua alma.

Figura 29. Homem indiano rezando no Ganges.

Fonte: aummagic.blogspot

Quando falamos em cultura, além da referência a um conjunto de valores compartilhados,


como vimos, falamos também das realizações, crenças e da “cultura material” de um povo.
O antropólogo E. B. Taylor foi um dos primeiros a oferecer uma definição abrangente e
científica para esse conceito, em seu livro A ciência da cultura, publicado originalmente
em 1871:

Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico,


é aquele todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral,
leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade (CASTRO, 2005, p. 31).

67
CAPÍTULO 4 • Cultura e sociedade

Como podemos notar, tomando a definição dada por E. B. Taylor, desde suas origens, o
conceito de cultura esteve muito próximo a outro, o de civilização. Isso, historicamente,
teve seus prós e contras. Talvez o “pró” mais significativo, decorrente dessa proximidade,
tenha sido facilitar a compreensão dos novos contextos de uso da palavra cultura.
Naquela época, final do século XIX, cultura era uma palavra cujo significado estava
dominantemente associado à prática agrícola, como na expressão “cultivo da terra”.

Da sua associação à ideia de civilização, de uso muito mais corrente, a cultura


desenvolveu progressivamente os significados associados ao seu uso nos dias atuais.
Entretanto, tirando a melhor compreensão de seus novos contextos de uso, a associação
entre os conceitos de cultura e civilização teve também consequências não tão positivas
assim. Você consegue imaginar por que?

Para refletir

Pare para pensar, dessa vez, nas situações sociais em que você já utilizou a palavra civilização ou civilizado. O que
você queria dizer? Você consegue perceber certo tom de “juízo moral” nas suas colocações? Como se, por detrás
dessas afirmações, houvesse sempre a intenção de estabelecer hierarquia entre condutas consideradas “apropriadas”
e “inapropriadas” em relação a um parâmetro dominante. Pois bem, da associação entre as ideias de cultura e
civilização, surge um terceiro fenômeno, o chamado etnocentrismo. Imaginamos que essa seja uma palavra bastante
nova para você. Vamos começar, então, analisando a sua estrutura.

O radical etno vem de etnia, fazendo referência a um grupo social e cultural delimitado,
uma nacionalidade ou naturalidade comum. Quando adicionado o sufixo centrismo, por
sua vez, formando, então, etnocentrismo, ao radical etno é agregada a ideia de que o
grupo social a qual pertence um observador qualquer é, digamos, o “centro do mundo”.
Em que sentido? Para explicar melhor essa questão, entretanto, precisaremos retornar
ao ponto de associação entre os conceitos de cultura e civilização.

Na época em que isso aconteceu, ao longo dos séculos XVIII e XIX, a Europa já era, há
pelo menos 300 anos, a principal “potência colonial” do Ocidente, expandindo seus
domínios territoriais pelos continentes asiático, americano e africano. Não é preciso muito
esforço para perceber que, inserida nesse contexto histórico, em que os países europeus
se lançavam à conquista de novos territórios, a ideia de civilização era naturalmente
equivalente à de “civilização europeia”. Quando o conceito científico de cultura é cunhado
por E. B. Taylor, nesse sentido, ele acaba recepcionando a ideia de civilização em sua
dimensão etnocêntrica, ou seja, supondo a Europa como parâmetro ideal, como “centro
do mundo”.

68
Cultura e sociedade • CAPÍTULO 4

Figura 30. A Primeira Missa no Brasil (1861), pintura de Victor Meirelles.

Fonte: <aummagic.blogspot>.

Desde os primórdios da empresa colonial, nos séculos XV-XVI, o contato com as populações
de terras distantes e seus costumes ditos “exóticos” colocou em xeque toda a estrutura
da vida europeia da época. Costumes, padrões estéticos, formas de fazer e pensar foram
questionados pela descoberta de populações que viviam de modo totalmente distinto.
Como a Europa era, como vimos, o berço da ideia de civilização, esses povos receberam
a alcunha de “primitivos” e “atrasados”. Mas como isso aconteceu?

Do contato entre a “civilização europeia” e as então denominadas “sociedades


primitivas”, emergiu
Sugestão de estudoum questionamento um tanto inquietante. “Seriam aquelas
criaturas, humanas como nós?”, perguntavam-se os navegadores europeus. Essa era
Figura 31. Imagem filme A missão (1986).
uma questão de maior importância para aquela época. A própria Antropologia nasce
dessa curiosidade sobre a diferença e do questionamento sobre a humanidade do
“primitivo”.

Fonte: <www.adorocinema.com>.

No final do século XVIII, Mendoza (Robert De Niro), um mercador de escravos, fica com crise de consciência por
ter matado Felipe (Aidan Quinn), seu irmão, num duelo, pois Felipe se envolveu com Carlotta (Cherie Lunghi). Ela
havia se apaixonado por Felipe, e Mendoza não aceitou isto, pois ela tinha um relacionamento com ele. Para tentar
se penitenciar, Mendoza se torna um padre e se une a Gabriel (Jeremy Irons), um jesuíta bem-intencionado que luta
para defender os índios, mas se depara com interesses econômicos. O filme tem a direção de Roland Joffée.

69
CAPÍTULO 4 • Cultura e sociedade

Depois de muitos debates nas sociedades científicas da época, chegou-se a uma conclusão
um tanto perturbadora: sim, aquelas eram pessoas como nós, filhos e filhas do mesmo
“gênero humano”. Era preciso agora, entretanto, oferecer uma explicação minimamente
convincente para as diferenças existentes entre nós. Como explicá-las sem provocar
a ruína total da sociedade europeia da época? Era mais que natural que as pessoas
passassem a se questionar sobre as regras e convenções de sua própria sociedade ao
tomar contato com pessoas que viviam de forma totalmente diferente. A solução foi dada
pelo desenvolvimento de outra ideia, a evolução.

Figura 32. Evolução do homem.

Fonte: <www.abril.com.br>. (2009).

O conceito de evolução, imortalizado por Charles Darwin em seu livro A origem das
espécies, lançado em 1859, decorre diretamente de outra ideia, a de progresso, palavra
popularizada na Europa, por sua vez, entre a Primeira e a Segunda Revolução Industrial
(1800-1850). Expostos ao espetáculo da “modernidade” e suas máquinas engenhosas,
o cidadão europeu comum não podia conter o seu deslumbramento com os feitos
espetaculares de sua própria civilização. Sua resposta ao contato com a diferença não
poderia ser plenamente compreendida fora desse quadro de referência histórico. O
chamado evolucionismo cultural surge nesse período. E no que ele consistia?

Etnocentrismo e o evolucionismo cultural

O evolucionismo cultural foi uma das primeiras teorias da Antropologia enquanto


disciplina científica. Ela afirmava que todas as sociedades do planeta tinham evoluído
de um mesmo ponto em comum, passando pelos estágios de “selvageria”, seguido
da “barbárie”, até alcançar a “civilização”. A essa altura, você já deve saber qual era o
parâmetro de “civilização” que inspirava os evolucionistas culturais daquela época: a
sociedade europeia, de onde eles mesmos provinham.

70
Cultura e sociedade • CAPÍTULO 4

Figura 33. Evolucionismo cultural.

Fonte: Roberto DaMatta (1987).

No esquema reproduzido acima, extraído do livro do antropólogo Roberto Da Matta,


Relativizando: uma introdução à antropologia social, lançado em 1981, podemos
compreender um pouco melhor o movimento produzido pela teoria da “evolução das
sociedades”. Perceba que, no eixo das “diferenças”, as sociedades se afastam em relação ao
“olho” de um observador hipotético, imaginado. Essas diferenças acontecem no espaço,
ou seja, elas existem simultaneamente à sociedade do observador. O evolucionismo
cultural, enquanto teoria sobre a diferença, projeta as especificidades de cada cultura,
de cada uma dessas sociedades, sobre um eixo temporal, transformando-as em “estágios
de evolução”: quanto mais distante do observador (quanto mais “diferente”), menos
“evoluída” era considerada a sociedade.

Para refletir

Você arriscaria listar algumas consequências dessa forma de pensar as diferenças, pensando no que conversamos até
aqui sobre os conceitos de cultura e sociedade? Você já se pegou pensando os costumes e valores de outras pessoas
sobre uma perspectiva que poderia ser dita “evolucionista”?

No que se refere à Antropologia, da perspectiva do estudo da “vida em sociedade”, a


principal consequência desse modo de pensar foi a transformação da disciplina em uma
espécie de “museu de curiosidades”. Os antropólogos e antropólogas da época, viajavam

71
CAPÍTULO 4 • Cultura e sociedade

(quando muito) até as sociedades ditas “primitivas” para coletar objetos de sua “cultura
material”, que eram organizados em exposições e coleções na Europa de modo totalmente
descontextualizado de seus usos e significados culturais originais.

Uma cabaça de cerâmica, utilizada originalmente em algum ritual de iniciação, por


exemplo, poderia ser classificada, segundo essa perspectiva, como mero utensílio
doméstico e situada em um desses estágios de evolução (selvageria, barbárie, civilização)
em razão do tipo de técnica aplicada para o seu cozimento.

Para a Antropologia praticada nos dias de hoje, isso seria algo absolutamente
aberrativo, como nos fala Roque de Barros Laraia (2006, p. 114):

Para os evolucionistas do século XIX a evolução desenvolvia-se através


de uma linha única; a evolução das raízes em uma unidade psíquica
através da qual todos os grupos humanos teriam o mesmo potencial de
desenvolvimento, embora alguns estivessem mais adiantados que outros.
Esta abordagem unilinear considerava que cada sociedade seguiria o seu
curso histórico através de três estágios: selvageria, barbarismo e civilização.
Em oposição a essa teoria, e a partir de Franz Boas, surgiu a ideia de que
cada grupo humano desenvolve-se através de caminho próprio, que não
pode ser simplificado na estrutura tríplice dos estágios. Essa possibilidade
de desenvolvimento múltiplo constitui o objeto da abordagem multilinear.

Em termos de suas consequências sociais mais amplas, digamos, o discurso sobre a


“evolução das sociedades”, em seu etnocentrismo gritante, acabou por produzir uma
série de justificativas morais para a dominação colonial europeia sobre os povos nativos
da África, Ásia e Américas. As práticas culturais desses povos foram sistematicamente
eliminadas da face da terra por serem consideradas “primitivas”. Em seu lugar, sobre
aqueles que sobreviveram à destruição de suas culturas originais, foram edificadas
instituições e valores totalmente alienígenas, impostos pelas “potências coloniais”, com
efeitos nocivos de longo prazo para aquelas sociedades.

No continente africano, por exemplo, a introdução da ideia de “nação soberana”, um


conceito “ocidental”, contribuiu para o agravamento dos conflitos interétnicos (as chamadas
“guerras tribais”) ao unir, sob um mesmo governo, grupos étnicos tradicionalmente rivais.
Nos dias atuais, esses grupos disputam violentamente a supremacia sobre países cujas
fronteiras foram criadas pelas mãos do “colonizador”, com fuzis AK-47, outra invenção
do mundo “ocidental” europeu.

72
Cultura e sociedade • CAPÍTULO 4

Sugestão de estudo

Figura 34. Filme Beasts of no Nation (2015).

Fonte: <www.adorocinema.com>.

Em uma cidade africana, Agu (Abraham Attah) é uma criança, que atingida pela guerra, é transformada em
soldado. Após a morte de seu pai, por militantes, ele é obrigado a abandonar sua família para lutar na guerra
civil da África do Sul, instruído por um grande comandante (Idris Elba), que o ensinará os caminhos de um
conflito. O filme foi dirigido por Cary Fukunaga.

Por fim, retomando a pergunta sobre se você já foi “evolucionista”, ou melhor, “etnocêntrico”,
em relação aos costumes e práticas alheios, não se preocupe. O etnocentrismo, muito
embora tenha tido seus desdobramentos negativos, é uma reação absolutamente comum a
qualquer ser humano. Afinal, não podemos “sair” da nossa cultura, do nosso próprio sistema
de valores, para pensar e falar da cultura alheia. Mesmo o antropólogo ou a antropóloga,
especialistas, digamos, no “estudo das culturas”, entendem hoje que o conhecimento que
produzem é fruto de um diálogo entre dois sistemas de valores “nativos”: a teoria nativa do
nativo e a teoria nativa do antropólogo ou antropóloga.

A exposição à diferença, entretanto, ao suscitar reações do tipo etnocêntricas, pode


também produzir equívocos como é o caso do próprio evolucionismo cultural na Europa e
o Colonialismo, como vimos anteriormente. Quanto mais radical a diferença, maior tende a
ser o caráter conservador da reação. Entretanto, como dissemos, isso não é, de forma alguma,
exclusividade ou privilégio do “colonizador europeu”. Enquanto o mundo dito “civilizado”
debatia filosoficamente sobre a humanidade dos “primitivos”, estes utilizavam seus próprios
métodos para tentar compreender a natureza daquelas criaturas estranhas que chegavam para
tomar suas terras e extrair suas riquezas naturais. Tanto para “nós”, quanto para “eles”, como
dizia o antropólogo Claude Lévi-Strauss, a “humanidade” terminava nas fronteiras da tribo.

73
CAPÍTULO 4 • Cultura e sociedade

A humanidade cessa nas fronteiras da tribo, do grupo linguístico, às vezes


mesmo da aldeia; a tal ponto, que um grande número de populações ditas
primitivas se autodesigna com um nome que significa “os homens” (ou
às vezes – digamo-lo com mais discrição? – os “bons”, os “excelentes”, “os
completos”), implicando, assim, que as outras tribos, grupos ou aldeias não
participam das virtudes ou mesmo da natureza humana, mas são, quando
muito, compostos de “maus”, “malvados”, “macacos da terra” ou de “ovos de
piolho”. (STRAUSS, 1989, p. 334).

Sintetizando

Vimos até agora:

» Algumas definições para os conceitos de sociedade e cultura. Entretanto, é importante observar que essa
delimitação apenas aparentemente clara entre os dois conceitos, não pode obscurecer a percepção de que, na vida
das coletividades, estas duas dimensões encontram-se intimamente conectadas.

» Que não se pode pensar os valores de um grupo humano, sua cultura, sem referência às suas bases materiais de
reprodução social e vice-versa.

» Que no passado, a associação entre as ideias de “evolução/progresso” e “civilização” produziu uma escola
de pensamento, o “evolucionismo cultural”, cuja vinculação a empresa colonial europeia do século XIX (o
“neocolonialismo” ou “colonialismo de segunda geração”), justificou a destruição do estilo de vida e das tradições
de povos nativos de todo o planeta, considerados como “primitivos”.

» Que qualquer sujeito que tenha um ponto de vista socialmente localizado e culturalmente orientado, como vimos,
pode reagir de forma “etnocêntrica” ao contato com a diferença e o diferente. Entretanto, quando essas diferenças
são transformadas – como no caso dos evolucionistas culturais e colonizadores europeus – em instrumento de
desigualdade e opressão, isso tende a reduzir a diversidade cultural planetária a um punhado de perspectivas
“dominantes”, restritas aos pontos de vista daqueles que detêm o poder político e financeiro para impor seu modo
de vida aos demais.

74
CAPÍTULO
TEMAS CONTEMPORÂNEOS 1:
GLOBALIZAÇÃO, DESIGUALDADES
SOCIAIS E TRABALHO 5
Introdução

A globalização não é um fenômeno da contemporaneidade, pelo contrário, a integração


comercial de países acontece ainda nos séculos XVI e XVII. O avanço do capitalismo e a
necessidade de expansão de mercados consumidores ampliam esta globalização em sentido
geral. Fazemos parte, portanto, de uma sociedade em rede, em que todos estão conectados,
em contato. Entretanto, o fato de estarmos em contato não significa que tenhamos todos
um lugar similar nesta nova configuração global. Países desenvolvidos tomam a posição de
controle nas economias globalizadas e relegam aos países em desenvolvimento o lugar de
submissão. Os avanços desta sociedade globalizada são restritos a alguns fluxos econômicos,
políticos e culturais. A globalização e o avanço do sistema capitalista auxiliam na perpetuação
de sistemas desiguais, que mantêm na pobreza milhões de pessoas. Mesmo com o crescimento
econômico, a tendência mundial é que as riquezas sejam acumuladas na mão de alguns
poucos. As desigualdades sociais e os problemas que resultam desta disparidade atingem os
habitantes de todo o globo, vulnerabilizando trabalhadores, empurrando populações inteiras
para a miséria, criando problemas em dimensões planetárias. Neste capítulo abordaremos
um pouco deste processo de globalização, as diferentes interpretações deste processo, além
do seu impacto na desigualdade social e no mundo do trabalho.

Objetivos

» Compreender brevemente como a globalização se consolidou nas sociedades


contemporâneas.

» Compreender os efeitos da globalização nas culturas locais.

» Compreender os diferentes acessos à globalização.

» Analisar as crises migratórias sob a ótica da globalização.

» Compreender a evolução da desigualdade social no sistema capitalista.

» Compreender como a mobilidade social funciona na nossa sociedade.

75
CAPÍTULO 5 • Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho

» Compreender os principais aspectos da desigualdade social no Brasil.

» Compreender o papel do trabalho nas análises sociológicas clássicas.

» Compreender o papel do trabalho nas sociedades contemporâneas.

Globalização, um fenômeno contemporâneo?

Provocação

É impossível pensarmos a vida contemporânea sem pensarmos numa vida global, afinal, estamos conectados com o
resto do mundo a todo instante. Consumimos produtos feitos na China, ouvimos músicas feitas nos Estados Unidos,
vemos filmes feitos na França, andamos em carros feitos no Japão. O mundo está todo conectado. Mas será que
estamos de fato conectados? Será que a participação nesta comunidade global é ofertada para todos os países da
mesma forma?

A globalização não é um fênomeno contemporâneo, apesar de nos parecer algo inseparável


da nossa vivência cotidiana. São os comércios internacionais criados ainda nos séculos XVI
e XVII, durante a colonização dos continentes feita pelos impérios da Europa Ocidental,
que permitem que os países se vinculem em uma escala global. Entretanto, esta primeira
globalização tem como objetivo extrair as riquezas naturais das colônias e conseguir mão de
obra barata, a fim de enriquecer os países colonizadores. Com o avanço do sistema capitalista
e a necessidade de construir novos mercados consumidores, muitos países saem de seus
lugares de colônia para, então, assumir uma posição de consumidores de produtos de seus
colonizadores. Como colocado por Thorpe et al. (2016, p. 134) :

O comércio internacional tem sido importante há tempos, com corporações


multinacionais atuando nos impérios comerciais dos séculos XVI e XVII,
logo a ideia de globalização não era nada nova. Mas, desde a Revolução
Industrial, o ritmo do progresso nos transportes e nas comunicações
acelerou. No século XX, o telégrafo e a aviação revolucionaram as conexões
internacionais e a tecnologia da informação no pós-Segunda Guerra
Mundial sustentou esse padrão.

Portanto, o desenvolvimento da globalização segue um padrão de monopólio econômico


europeu até o começo do século XX, quando os Estados Unidos assumem a liderança econômica
e se fixam enquanto potência mundial. O desenvolvimento tecnológico e informacional
avança, mas os benefícios que resultam deste avanço não alcançam todos os países da mesma
forma. Sendo assim, a desigualdade social criada por processos de colonização se perpetua
com o avanço da globalização, afinal “o capitalismo rouba uma vantagem econômica ao
manter essa diferença e ao explorar os recursos dos países em deselvolvimento” (THORPE

76
Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho • CAPÍTULO 5

et al., 2016, p. 135). Sendo assim, o sistema capitalista se ampara num sistema global que
vincula todas as relações econômicas e mantém um status de privilégio àqueles que estão
na elite do capitalismo mundial, relegando a países em desenvolvimento um local de
subordinação e dependência.

Apesar dos aspectos econômicos, a globalização é também um fênomeno social e


cultural. Afinal, a globalização é uma realidade presente em todas as sociedades,
portanto, produz um impacto em toda a vida social contemporânea. Sendo assim, vamos
analisar nos tópicos seguintes qual é o impacto desta globalização nas sociedades
contemporâneas.

Os efeitos da globalização em culturas locais

Os impactos da globalização se fazem presentes na vida cotidiana dos indivíduos


contemporâneos. É quase impossível encontrar pessoas que ainda não tenham tido acesso
a algum tipo de tecnologia, ou que não conheçam os meios de comunicação modernos.
Há uma homogeneização nos processos globais de consumo, afinal, o mundo é um campo
econômico aberto a todos os mercados. Mas será que caminhamos, de fato, para uma
uniformização cultural global?

Para o antropólogo indiano Arjun Appadurai (1949-), este efeito homogeneizador não
é, necessariamente, comum a todas as sociedades. Segundo Appadurai, as mudanças
trazidas pela globalização são incorporadas às sociedades de forma distinta, cada uma
a sua maneira se apropria daquilo que melhor lhe cabe e dispensa aquilo que não lhe
é adequado. Para ele, “as nações estão mais propensas a certas facetas da globalização
do que outras, dependendo de uma série de fatores, como o estado da economia, a
estabilidade política e a força da identidade cultural” (THORPE et al., 2016, p. 167). Sendo
assim, a estabilidade econômica ou mesmo uma identidade cultural mais rígida pode
fazer resistência aos processos uniformizadores da economia global.

Ainda neste sentido, devemos salientar que existem diferentes interpretações a respeito da
globalização e seus impactos na vida contemporânea, nos processos econômicos e na própria
concepção do papel do Estado neste contexto. Para melhor compreender estas abordagens,
Anthony Giddens (1938-) separa-as em três escolas de pensamento, são elas os céticos, os
hiperglobalizadores e transformacionalistas. Cada abordagem apresenta uma representação
dos acontecimentos trazidos pelo avanço da globalização.

77
CAPÍTULO 5 • Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho

Quadro 2. Contextualizando a globalização: três tendências.

Escolas/Perspectivas Hiperglobalizadores Céticos Transformacionalistas


Blocos de comércio, formas
Níveis historicamente sem
de geogovernança mais fracas
O que há de novo? Uma era global precedentes de interligação
do que em períodos históricos
global
anteriores
Capitalismo global,
Características Mundo menos interdependente Globalização “espessa”
governação global,
dominantes sociedade civil global
do que por volta de 1890 (intensa e extensivamente)

Poder dos governos Reconstituído e


Em declínio ou erosão Reforçado ou aumentado
nacionais reestruturado
Forças motrizes da Combinação de forças da
Capitalismo e tecnologia Governos e mercados
globalização modernidade
Padrão de Erosão das antigas Marginalização crescente dos Nova configuração da
estratificação hierarquias países pobres do Sul ordem mundial
Transformação da
Interesse dominante McDonald’s, Madonna etc. Interesse nacional
comunidade política
Como um reordenamento Como o reordenamento das
Conceptualização da Como internacionalização e
do enquadramento da ação relações inter-regionais e
globalização humana
regionalização
como a ação à distância

Blocos regionais e confronto de Indeterminada: integração


Trajetória histórica Civilização global
civilizações e fragmentação global

A globalização está a
A internacionalização depende
transformar o poder dos
Argumento principal O fim do estado-nação da concordância e do apoio do
governos e a política
governo
mundial

Fonte: Adaptado de Held et al., Global Transformation, 1999, p. 10 apud Giddens, Sociologia, 2008, p. 60.

Existem, portanto, três perspectivas apresentadas por Giddens, cada escola produz
um modelo explicativo para compreender o fenômeno da globalização. Para o
autor, a abordagem que mais se aproximaria de uma descrição dos fatos é a dos
transformacionistas, tendo em vista que os céticos “não t ê m em conta até que
ponto o mundo está a mudar” (GIDDENS, 2008, p. 61) e os hiperglobalizadores
“veem o fenômeno demasiadamente em termos econômicos e como um processo
excessivamente unilateral” (GIDDENS, 2008, p. 61). Sendo assim, o processo de
globalização e seu impacto na vida cotidiana dos indivíduos e nas culturas locais se
apresenta como um complexo emaranhado de questões, pois não existem apenas
forças de homogeneização, mas, também, existem restrições culturais locais. Além de
uma construção de novas formas de organização global, aproximando e distanciando
países, segundo seus interesses e capacidades econômicas.

A liquidez da vida nas sociedades globais

Se a vida em sociedade é determinada pelas formas como produzimos a vida material,


como trocamos mercadorias, como nos relacionamos uns com os outros, é inegável
que a globalização e todos os seus efeitos iriam impactar na vida dos indivíduos. Neste

78
Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho • CAPÍTULO 5

sentido, Zygmunt Bauman (1925-2017) descreve o impacto dessas mudanças, atribuindo


à modernidade um caráter de fluidez, pois as formas tradicionais de organizações sociais
foram sendo substituídas com o avanço da modernidade. Para o autor

Estamos passando de uma era de “grupos de referência” predeterminados


a uma outra de “comparação universal”, em que o destino dos trabalhos de
autoconstrução individual está endêmica e incuravelmente subdeterminado,
não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas
mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o
fim da vida do indivíduo. Hoje, os padrões e configurações não são mais
“dados”, e menos ainda “auto-evidentes”; eles são muitos, chocando-se
entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma
que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de
coercitivamente compelir e restringir. (BAUMAN, 2001, p. 14).

A transição de uma modernidade mais “sólida”, como a que ocorreu na Europa dos
séculos XVIII e XIX (capítulos 1, 2 e 3), para uma modernidade mais líquida, onde
as estruturas de vinculação e construção da identidade individual ocorrem de
maneira muito mais fluida e cambiável, impactou diretamente a vida de todos os
indivíduos. Afinal, as antigas instituições de coerção social não têm mais a mesma
capacidade de vincular e coibir comportamentos, sendo assim, vão sendo trocadas
e modificadas conforme a sociedade avança. Portanto, a formação identitária dos
indivíduos passam por contínuos processos de modificação, de transformação, algo
impensável em sociedades em que a estrutura de formação fosse mais rígida, mas
no mundo contemporâneo global as identidades e as relações fluem.

Globalização para quem?

Para compreendermos os processos de globalização, devemos considerar também que sua


construção é feita a partir de um desenvolvimento tecnológico e informacional. Afinal,
a tecnologia é responsável por construir esta rede de conexões entre os diversos países
do globo. Mas esta tecnologia é resultante de um processo de construção social, que
tem suas próprias lógicas de funcionamento. Portanto, não há uma dispersão igualitária
das informações, das tecnologias, tampouco dos processos de vinculação. Viver em um
mundo globalizado não significa, necessariamente, que todos os países estão em um lugar
igual ou mesmo parecido, dentro da hierarquia global. Os países em desenvolvimento,
por sua vez, ocupam um lugar inferior dentro desta nova dinâmica. Nesta perspectiva, o
sociólogo Manuel Castells (1942-) chama a atenção para a necessidade de observarmos
as distintas distribuições das tecnologias e dos seus efeitos positivos, pois

79
CAPÍTULO 5 • Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho

Aquilo a que chamamos globalização é outra maneira de nos referirmos


à sociedade em rede [...]. Porém, como as redes são seletivas de acordo
com seus programas específicos, e porque conseguem, simultaneamente,
comunicar e não comunicar, a sociedade em rede difunde-se por todo o
mundo, mas não inclui todas as pessoas. De fato, neste início de século,
ela exclui a maior parte da humanidade, embora toda a humanidade seja
afetada pela sua lógica, e pelas relações de poder que interagem nas redes
globais da organização social. (,).

Figura 35. Comunicação em rede.

Fonte: Vladgrin/Getty Images.

Há, portanto, uma conexão entre os países em um mundo global, uma rede de comunicação
que interliga a todos. Mas esta conexão não representa, necessariamente, uma livre
participação no desenvolvimento global. Pelo contrário, apesar de esta rede interligar
todos os países, não significa que todos os habitantes terão acesso a ela, nem mesmo
significa que todos os países serão contemplados por ela. Portanto, apesar de ter um
caráter planetário, a economia global não abrange todos os territórios, pelo contrário,
ela exclui sumariamente aqueles que não são desenvolvidos.

Crises migratórias – um problema global

Até aqui pudemos perceber que a globalização não é um processo recente, mas seus
impactos na contemporaneidade o são. Tanto na perspectiva da liquidez da vida moderna
como na construção de uma sociedade de rede que interliga todos, mas que não
permite o pleno desenvolvimento global, há de se pensar quais são os impactos dessa
globalização. Um dos aspectos mais problemáticos, que emerge de forma urgente são as
crises migratórias, motivadas por questões relacionadas tanto à desigualdade de renda,
como questões políticas e religiosas.

80
Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho • CAPÍTULO 5

Figura 36. Criança síria que morreu afogada em praia turca.

Fonte: AP/DHA (2015).

A foto da criança síria morta enquanto tenta atravessar o mar para chegar à Europa
é um dos símbolos da grave crise migratória que vivemos na atualidade. Em um
mundo globalizado, em que países se conectam, se relacionam, as fronteiras estão
fechadas para aqueles que tentam fugir da miséria, da fome, da guerra. Países que
antes costumavam transitar pelo mundo colonizando, hoje se negam a receber os
habitantes dos países que um dia exploraram. Segundo dados da ACNUR, a Agência
da ONU para Refugiados, no final de 2016 existiam 22,5 milhões de refugiados no
mundo. A maior parte destas pessoas, cerca de 5,5 milhões de pessoas fogem da guerra
da Síria, que assola o país desde 2011. Apesar da necessidade de acolhimento destas
pessoas, muitos países se recusam a receber os refugiados, alegando que seus países
não têm obrigação ou mesmo estrutura para receber estas pessoas. Relegando, assim,
milhares de pessoas a se aglomerar em campos de refugiados, tentando sobreviver
em condições extremas.

No Brasil, o fluxo migratório de venezuelanos devido à crise econômica no país se tornou


uma preocupação. Há uma sobrecarga dos sistemas de saúde dos estados fronteiriços,
além da incapacidade de acolher os milhares de pessoas que chegam ao País anualmente.
A ACNUR estima que entre 40 e 60 mil venezuelanos vieram para o Brasil entre 2014 e 2017.

Figura 37. Indígenas venezuelanos no abrigo improvisado em Boa Vista.

Fonte: Leonardo Costa, El País, 2017.

81
CAPÍTULO 5 • Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho

Para refletir

As crises migratórias são, portanto, produto de uma necessidade global de reavaliar as políticas de fronteira,
principalmente dos países desenvolvidos. Pois, se vivemos em um mundo global, onde mercadorias, valores e
riquezas transitam, por que impedir que pessoas em situação de vulnerabilidade transitem? Além disso, devemos
nos questionar a respeito das próprias políticas que levam estas pessoas a deixar seus países, pois numa economia
globalizada, norteada por interesses capitalistas, por vezes relegamos a países em desenvolvimento todo o prejuízo e
danos de decisões tomadas em nível global, como é o caso da guerra na Síria, que tem participação de países como a
Rússia, os Estados Unidos, além de interesses locais.

Desigualdades sociais

Desde o princípio das organizações humanas as sociedades se organizam a partir de


estratos, onde cada indivíduo tem seu espaço conforme a estrutura dos grupos. Mas
estas estratificações ganham um novo recorte nas sociedades capitalistas. Segundo
Giddens (2008, p. 284), estas diferenças entre classes econômicas se dão principalmente
por “desigualdades na posse e no controle de recursos materiais”, diferente das antigas
formas de divisão da sociedade que não tinham, necessariamente, uma vinculação
com o monopólio dos recursos materiais. Ainda neste sentido, o autor acrescenta que
em “outros tipos de sistema de estratificação, as desigualdades são primordialmente
expressas em relações pessoais de dever ou de obrigação” (2008, p. 284), portanto, as
formas de subordinação se dão em nível pessoal, enquanto nas sociedades de classe
ocorre o contrário, pois “opera principalmente através de conexões em larga escala de tipo
impessoal” (2008, p. 284). Sendo assim, a sociedade de classe impõe suas desigualdades
de forma estruturante, não são apenas as relações entre indivíduos que pressupõem essa
desigualdade, mas todo o sistema econômico que constitui a sociedade.

Figura 38. Desigualdade social no Brasil.

Fonte: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2015-01/reducao-da-pobreza-na-america-latina-ficou-
estavel-aponta-cepal>. Agência Brasil, 2015.

82
Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho • CAPÍTULO 5

Provocação

O mundo produz riquezas, mas a distribuição destas riquezas não é feita de forma igualitária, tampouco considera
as necessidades humanas. Agora, como um exercício de reflexão, pondere sobre a sua região, os lugares onde passa
e as pessoas com quem tem contato. Você acredita que onde mora a distribuição das riquezas é feita de forma mais
igualitária? Será que é possível construir uma sociedade mais igualitária e justa?

Mobilidade social no Brasil

Se as condições de desenvolvimento na sociedade capitalista contemporânea não são as


mesmas para os diferentes países do globo, também não o são para os habitantes destes
países. As diferenças de classes condicionam o indivíduo a permanecer em uma classe
específica e oferecem pouca mobilidade. Ou seja, há pouco trânsito entre uma classe
social e outras, principalmente para os mais pobres. Segundo o trabalho da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma família brasileira pode
levar até nove gerações para sair da situação de miserabilidade e alcançar a renda média
nacional. Segundo o relatório,

No Brasil, como em outros países latino-americanos, a maior mobilidade


do grupo de baixa renda também é acompanhada por um alto nível de
recorrência de períodos de baixa renda, por exemplo, devido ao emprego
instável. O aumento da renda pode, portanto, não curar com o tempo, e as
pessoas podem facilmente voltar à pobreza. ().

Sendo assim, a própria constituição da sociedade não permite o pleno desenvolvimento


de sua população, principalmente os mais pobres. Existe, portanto, uma tendência de que
pessoas que estão nas classes mais baixas da sociedade permaneçam onde estão, assim
como as que estão no topo também tendem a permanecer. A falta de mobilidade social
implica, necessariamente, o baixo desenvolvimento, na exclusão social de milhares de
pessoas, assim como a manutenção da desigualdade social.

Desigualdades sociais no Brasil: a face da pobreza

O crescimento econômico brasileiro foi notável nos últimos anos, a despeito da retração
econômica dos últimos três anos. Neste sentido, é esperado que o crescimento econômico
tenha impactado diretamente na desigualdade social, afinal, um país mais rico deveria ser
sinônimo de um país mais igualitário. Entretanto, um recente estudo sobre desigualdade
social no Brasil mostra que apesar do crescimento econômico, a desigualdade social
se mantém estável desde 2006. Segundo o estudo “a renda no Brasil é extremamente

83
CAPÍTULO 5 • Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho

concentrada” (MEDEIROS et al., 2015, p. 1), ou seja, apesar de haver um crescimento


econômico, aquilo que é adquirido não é distribuído. Neste sentido, vale esclarecer que
no Brasil “quase metade da renda do país é recebida pelos 5% mais ricos, um quarto
pelo 1% no topo. A concentração é tamanha que um décimo de toda a renda de 2012 foi
apropriado pelos 0,1% mais ricos, um grupo de cerca de 140 mil pessoas” (MEDEIROS
et al., 2015, p. 1). Portanto, o crescimento econômico por si só não é suficiente para
garantir a diminuição da desigualdade no País, é preciso, antes de mais nada, rever as
condições que permitem o acúmulo das riquezas produzidas no País por um pequeno
grupo de pessoas.

Trabalho
O trabalho sempre ocupou um papel central nas análises sociológicas, desde os estudos
clássicos. Autores como Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim que estudamos nos capítulos
anteriores, trazem extensas contribuições para a temática do trabalho, seja interpretando o
trabalho humano como o transformador da vida material e depois compreendendo como este
foi apropriado e transformado pelo capital, seja percebendo o trabalho como construção de
um modelo ético que se adequou ao sistema capitalista e permitiu a ascensão de determinado
grupo social, ou mesmo pela compreensão de que a divisão social do trabalho cria a
solidariedade que mantém a coesão social. Apesar das particularidades, estas abordagens
demonstram a relevância da temática do trabalho para a compreensão da realidade social.
Neste sentido, precisamos compreender qual o lugar do trabalho e do trabalhador na nossa
sociedade contemporânea.

O trabalho nas sociedades contemporâneas (flexibilização,


dedicação)

Uma das consequências da globalização e do desenvolvimento tecnológico e


informacional é a transformação das relações de trabalho. A precarização das carreiras,
a necessidade de especialização contínua, além da disponibilidade total ao trabalho
transformaram as relações de forma significativa. Não cabe mais ao trabalhador
apenas exercer sua função em um horário e espaço definido, principalmente com o
avanço das tecnologias que conectam o trabalhador de forma contínua à sua atividade.
Segundo a pesquisadora Selma Lancman (2011, p. 33):
o processo de globalização em curso tem definido intensas transformações
no mundo do trabalho. Inovações tecnológicas, enfraquecimento da
atividade econômica, mudanças na organização do trabalho, entrada
crescente no mercado de trabalho de mulheres, são alguns dos fatores
que vêm contribuindo para que haja redefinição das relações entre

84
Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho • CAPÍTULO 5

capital e trabalho.Portanto, as mudanças advindas da globalização e da


evolução tecnológica impactam diretamente nas relações de trabalho.
Exigindo cada vez mais dos trabalhadores e oferecendo cada vez menos
garantias, o sistema capitalista coloca a sociedade do trabalho em
cheque. Os avanços tendem a se precarizar e intensificar o trabalho,
colocando uma sobrecarga sobre os indivíduos, principalmente aqueles
que ocupam posições menos qualificadas, que podem ser facilmente
substituídos.

Provocação

As relações de trabalho mudaram substancialmente nos últimos anos. As longas carreiras em empresas deram
lugar à alta rotatividade de trabalhadores, além da necessidade de especialização contínua. Pensando nas novas
configurações do trabalho mundial, como você percebe essa mudança em seu cotidiano? Você percebe alguma
mudança entre as suas relações de trabalho e as que seus pais, ou seus avós estabeleceram?

Figura 39. Carteira de trabalho.

Fonte: <www.istoedinheiro.com.br>. (2018).

Desemprego e vulnerabilidade no mundo do trabalho

O sistema capitalista contemporâneo exige do trabalhador um nível de especialização e


dedicação nunca antes visto. Afinal, o trabalho ultrapassou o limite da fábrica, do escritório,
e tomou a casa e a vida íntima dos trabalhadores. As exigências contínuas, entretanto,
não são seguidas de direitos ou mesmo de uma estabilidade de carreira. Ao contrário,
o Brasil e outros países do mundo têm assistido a diversas ações que vulnerabilizam
os trabalhadores, como perda de direitos trabalhistas, terceirizações e o aumento do
desemprego.

No Brasil, o número de desempregados chegou a 27,6 milhões de pessoas no segundo


semestre deste ano, segundo dados do IBGE. As consequências da falta de emprego não se
relacionam apenas à atividade econômica, mas têm efeitos substantivos na vida subjetiva

85
CAPÍTULO 5 • Temas contemporâneos 1: Globalização, Desigualdades Sociais e Trabalho

dos trabalhadores. É através do trabalho que o indivíduo adquire seu salário, forma de se
integrar à sociedade do consumo, mas é também no exercício da atividade laboral que os
indivíduos produzem suas identidades e subjetividades.

Saiba mais

Para acessar matéria completa sobre o número de desempregados no Brasil, consultar: <https://g1.globo.com/
economia/noticia/2018/08/16/falta-trabalho-para-276-milhoes-de-brasileiros-aponta-ibge.ghtml>.

Neste sentido, o crescimento do desemprego, assim como a precarização do trabalho


desestabilizam não apenas as atividades econômicas, mas a sociedade como um todo.
Além disso, vale destacar que a precarização atinge principalmente os trabalhadores de
baixa remuneração, que executam trabalhos tidos como menos relevantes, com menor
especialização. Caso não se adequem ao trabalho precarizado, os trabalhadores enfrentam
a ameaça do desemprego, condição que alicerça a comunidade capitalista desde sua gênese.

Provocação

Pensando as relações de trabalho precarizadas e a vulnerabilidade do trabalhador contemporâneo, pesquise sobre


as Reforma Trabalhista e a Reforma Previdenciária brasileiras. Quais são os pontos fundamentais dessa Reforma?
No que ela dificulta ou promove melhoria na vida do trabalhador? As terceirizações são um importante passo para o
crescimento econômico ou serão uma forma de vulnerabilizar ainda mais o trabalhador?

Sintetizando

Vimos até agora:

» A globalização é fruto do desenvolvimento da economia de mercado, e começou ainda no século XVI.

» Com o avanço do sistema capitalista, a globalização se transformou em um sistema econômico global.

» Apesar da globalização, o desenvolvimento econômico não atinge todos os países da mesma forma.

» As mudanças advindas da globalização atingem a vida dos indivíduos, a modernidade líquida toma conta da vida
contemporânea.

» A solidez da formação das identidades dá lugar a identidades mais líquidas e mutáveis.

» Apesar de as crises migratórias serem um problema crescente, a maior parte dos países se nega a oferecer ajuda e
receber refugiados e migrantes.

» As classes do sistema capitalista são estáticas e oferecem pouca mobilidade, principalmente para os mais pobres.

» O crescimento econômico brasileiro não representou uma distribuição de renda, pelo contrário, há acúmulo de
riqueza na mão de poucos.

» As relações de trabalho foram radicalmente transformadas na contemporaneidade.

» O desemprego e a vulnerabilidade se tornaram uma realidade para os trabalhadores.

86
CAPÍTULO
TEMAS CONTEMPORÂNEOS 2:
ANTROPOLOGIA E DIREITOS
HUMANOS 6
Introdução
A Antropologia é a ciência que estuda os grupos sociais a partir da observação direta de
sua “cultura”, da forma como os sujeitos performam valores e tradições compartilhados,
por meio de rituais sociais, dos mais simples e cotidianos (cuidados corporais, preparação
de alimentos etc.), àqueles mais solenes e complexos (ritos de iniciação, casamentos,
funerais etc.). Essa observação cientificamente orientada, a que chamamos etnografia,
pode ser feita “em casa”, ou seja, na própria sociedade do antropólogo ou antropóloga;
mas, também, com grupos humanos situados “fora” desse universo de coisas familiares,
em outro país, cujos costumes podem ser mais ou menos “próximos” aos seus. Nesse
movimento, a Antropologia, em sua contribuição social mais ampla, para além de
seu campo disciplinar, acaba funcionando também como um tipo de “repositório de
diversidade”. E o que isso significa? Em última instância, isso significa que o acúmulo de
etnografias produzidas pela disciplina, ao retratar a cultura de diversos povos, converte-
se em retrato panorâmico de uma humanidade que é essencialmente diversa em suas
formas de ser e de viver.

Os Direitos Humanos, por sua vez, são garantias de direito que se aplicam universalmente,
independente de especificidades de raça, credo, idioma, nacionalidade etc. A criação
dessa esfera do “direito internacional” é um processo historicamente “datado”, cujas
origens remetem à França do século XVIII. A ideia de um “Direito Humano” é filha,
portanto, das mesmas agitações sociais que deram origem aos ideais iluministas de
“indivíduo” e de “igualdade”. O surgimento de um indivíduo universal na França (o
“cidadão”), portador de direitos iguais, independentes de seu status social (renda,
títulos, nome), quando expandido para uma escala mundial, redundou no surgimento
de um direito que se pretende aplicável a toda a “humanidade”, independentemente
de qualquer diferença observável entre os “seres humanos”.

Como veremos a seguir, o diálogo entre essas duas formas de conhecimento, uma
científica, a outra militante, pode ser extremamente produtivo e enriquecedor.
Para a Antropologia, os Direitos Humanos pressionam a sua tendência filosófica
ao esvaziamento político, sob a forma de um “relativismo cultural” extremo do tipo
“outras terras, outros costumes”. Para o campo dos Direitos Humanos, a Antropologia

87
CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

representa uma lembrança constante de que, por sobre a ideia de um “direito universal”,
podem sempre se esconder formas de opressão sutis, advindas da própria pretensão
de submeter toda a diversidade humana a um parâmetro unitário e dominante de
vida e de direitos.

Objetivos
» Observar a relevância de um diálogo constante entre os Direitos Humanos e a
Antropologia para a promoção da diversidade e proteção contra formas de opressão,
simbólica e material.

» Apresentar um breve histórico da ideia de Direitos Humanos e a forma


institucional adotada por esse sistema de proteção de direito internacional
nos dias atuais.

» Analisar situações eticamente complexas nos encontros entre Antropologia e


Direitos Humanos, advindas do conflito entre a valorização da “especificidade”
e o pressuposto de “universalidade”, tensão constitutiva desse diálogo.

Silêncio, silenciamento e Direitos Humanos

Começaremos nosso capítulo falando de um tema talvez um pouco inesperado: o silêncio.


Pode o silêncio dizer algo? Pode parecer uma ideia contraditória, em princípio, pensar que a
ausência de uma voz fisicamente audível possa dizer alguma coisa. Entretanto, se pararmos
para pensar por um segundo, chegaremos à conclusão de que as coisas que não dizemos
contribuem criticamente para a comunicação cotidiana, para as mensagens que queremos
transmitir, mas, também, para aquelas depreendidas sobre nós por terceiros.

Quando tocamos em algum assunto delicado, numa conversa entre amigos, por exemplo,
o silêncio do outro pode significar muitas coisas. Pode ser expressão de dor, medo,
vergonha, preocupação, consentimento; pode significar tanto desconfiança e o anúncio
do fim de uma amizade quanto conivência e a reafirmação de laços entre as pessoas.

Figura 40. Comunicação silenciosa.

Fonte: Banco de imagens Shutterstock.

88
Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos • CAPÍTULO 6

Mas o silêncio pode ser também silenciamento. Você saberia dizer qual a diferença entre
os dois? Comecemos com a principal e mais “gritante” delas. O silenciamento produz um
efeito de silêncio atingido contra a vontade, explícita ou não, daquele ou daquela que
seriam os potenciais portadores de uma mensagem. Em resumo, você teria algo a dizer,
mas foi impedido ou impedida, seja por um constrangimento exterior, totalmente alheio
à vontade, seja interior, quando a exposição prolongada a uma situação de silenciamento
se converte em dispositivo de “autocensura” individual. E o que, em última instância,
isso quer dizer? Isso quer dizer que o silêncio, a omissão da “voz”, é mais que a simples
negação da comunicação, tática individual de ocultamento/revelação. O silêncio tem
uma dimensão política importante. Este não se impõe a todos e todas da mesma forma
e com a mesma intensidade.

Enquanto fenômeno social complexo, o silêncio é altamente sensível às estruturas de


distribuição de poder e hierarquias sociais. Por exemplo, em sala de aula, na relação
professor(a)-aluno(a), por mais que se estabeleça uma “dialogia”, uma troca de percepções
aberta e horizontalizada entre esses atores, será visível ainda uma espécie de “precedência”
do(a) primeiro(a) em relação ao(à) segundo(a) baseada no mútuo reconhecimento de
uma distribuição desigual do conhecimento entre eles. O aluno ou aluna reconhece, de
boa vontade, que deve silenciar em determinados momentos desse diálogo, para ouvir
e aprender com seus “guias” no processo de conhecimento.

Quando esse reconhecimento, entretanto, não é voluntário ou desejado pela pessoa ou


o grupo social a que esta pertence, instala-se uma relação de opressão, característica da
situação de silenciamento.

Figura 41. Escrava Anastácia e o silenciamento.

Fonte: Imagem Castigo de Escravos, de Jacques Etienne Arago, 1839.

89
CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

Mas o que isso tem a ver com a discussão de Direitos Humanos, objeto de nosso capítulo
de hoje? Você arriscaria levantar algumas possíveis relações entre aquilo que conversamos,
até esse momento, sobre silêncio e silenciamento, e a questão dos Direitos Humanos?
Para auxiliarmos nossos alunos e alunas a responderem a essas perguntas, centrais para
a compreensão do tópico deste capítulo, faremos uma pausa nessa discussão para falar
da história do surgimento da ideia de Direitos Humanos como um direito aplicado a
toda a humanidade.

Para refletir

É bom que você tenha sempre em mente que todas essas ideias e conceitos (“direito”, “humanidade”, “cultura” etc.),
trazidos em nossos capítulos, são fenômenos sociais “datados”. E o que isso quer dizer? Falando de maneira bem
simples, isso quer dizer que eles nem sempre “existiram”. A forma que assumem no presente resulta da aplicação
de camadas e camadas de significados historicamente construídos, de sua passagem por lugares, eventos, das
“conversas” com outras ideias e conceitos. Com os Direitos Humanos não seria diferente. Falaremos um pouco sobre
os seus “caminhos” a seguir.

Sugestão de estudo

Figura 42. Imagem do filme História de uma Revolução (A Revolução Francesa) (1989).

Fonte: <www.filmow.com>.

La Révolution française é um filme de duas partes. A primeira, intitulada La Révolution française: les années lumière
foi dirigida por Robert Enrico. A segunda parte, La Révolution française: les années terribles, teve a direção de
Richard T. Heffron. Foi produzido em 1989 para o 200o aniversário da Revolução Francesa, e se propõe a contar uma
história fiel e neutra da Revolução, a partir da decisão do rei Luís XVI de convocar os Estados Gerais (a fim de lidar com
o problema da dívida da França) à morte de Robespierre. Alto orçamento e um elenco internacional.

A ideia de um Direito Humano, como a conhecemos hoje, surgiu e se desenvolveu a partir


da Revolução Francesa, cujo marco histórico foi a “Tomada da Bastilha”, em 14 de julho
de 1789, quando foi oficialmente derrubada a monarquia na França. Como a monarquia
era considerada, pelos revolucionários franceses, um regime de governo “corrompido”,

90
Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos • CAPÍTULO 6

que atribuía direitos e distribuía propriedade observando o status social das pessoas,
foi elaborada uma nova “constituição” para a recém-instaurada “República Francesa”.
Esta, além de proclamar a “igualdade de direitos” como princípio, foi a responsável por
cunhar o termo cidadão. Retornaremos a essa discussão mais à frente.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi promulgada naquele mesmo ano
“revolucionário” de 1789. Em seu preâmbulo, o legislador escreveu:
Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional,
tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos
direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da
corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração,
sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre
permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do
Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento
comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso
mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante
fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à
conservação da Constituição e à felicidade geral.

Como você deve ter notado, já em seu preâmbulo, a Declaração deixa clara a intenção do
legislador, em primeiro lugar, de instituir e proteger os direitos do homem igualmente,
colocando a felicidade geral e a própria proteção desse instituto jurídico (a “Constituição”)
como objetivos últimos para a recém-fundada República Francesa e seus cidadãos. Para
sustentar sua intenção de aplicar-se a todos e todas igualmente, a ideia nascente de
um direito universal precisava encontrar uma espécie de unidade de medida comum a
toda a humanidade. Essa medida era a ideia de indivíduo, surgida do chamado “século
das luzes”, do Iluminismo, movimento que valorizava a razão e a figura humana, tomada
como “medida de todas as coisas”, e teve seu auge entre os séculos XVIII-XIX. O indivíduo
viria a se tornar o cidadão da República Francesa (1789).

Figura 43. O Homem Vitruviano, de Leonardo Da Vinci.

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Homem_Vitruviano_(desenho_de_Leonardo_da_Vinci)>.

91
CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

Todos e todas são cidadãos, porque iguais em suas diferenças. Essa medida de igualdade,
o “indivíduo”, refletia a humanidade como uma experiência social diversa, em seus modos
e aparência, mas unida por uma mesma natureza humana. Sobre esse substrato comum,
o legislador francês atrelou os chamados direitos naturais, inalienáveis e sagrados, como
vimos acima. Essas “garantias fundamentais” seriam consideradas essenciais à viabilidade
material e moral da existência humana.

Saiba mais

Necessárias a reprodução da vida e das condições de vida do povo francês, na percepção do legislador da época, os
direitos naturais eram “a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão” (Declaração, Art. 2o).

A partir da França “revolucionária” de 1789, a “capital mundial das luzes”, berço do Iluminismo
(século XVII-XVIII), estas ideias viajaram o mundo, atravessando oceanos e influenciando
gerações. Mais de 150 anos depois, em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações
Unidas (ONU), em resposta às atrocidades cometidas durante os conflitos planetários do
início do século XX, em especial, na recém-encerrada Segunda Guerra Mundial, edita a
Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu preâmbulo, coloca:

[...] a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos


Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos
e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão
da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por
meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos
e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional
e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância
universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros
quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Depois desse breve passeio pela história da ideia de Direitos Humanos, podemos perceber
dois movimentos fundamentais: o primeiro, feito já no século XVIII, com a Revolução
Francesa, de afirmar a existência de um universal humano, uma matéria comum sobre
a qual se pode supor a existência de “direitos naturais”, como vimos; o segundo, realçado
pelos horrores das “guerras mundiais” do século XX, era o da proteção às chamadas
minorias políticas, grupos mais vulneráveis à opressão e ao extermínio.

As minorias políticas não são necessariamente grupos minoritários na sociedade. É


muito comum, na verdade, que seja o contrário. Na África do Sul do regime do apartheid,
por exemplo, mesmo a população negra sendo a esmagadora maioria, a sociedade
foi governada, por mais de 400 anos, por representantes de uma “minoria” branca,
detentora do poder político e econômico no país. Mesmo com a eleição de Nelson

92
Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos • CAPÍTULO 6

Mandela, famoso líder da resistência negra ao apartheid, em 1994, os sul-africanos


e sul-africanas negros ainda não podiam dizer que estavam livres da “situação de
opressão” criada por séculos de segregação racial.

Sugestão de estudo

Figura 44. Imagem do filme Mandela: o caminho para a liberdade (2014).

Fonte: <www.adorocinema.com>.

O filme dirigido por Justin Chadwick foi inspirado na autobiografia de Nelson Mandela, lançada em 1994. O filme
retrata todo o percurso traçado pelo líder sul-africano a partir de seu próprio ponto de vista, desde a sua infância,
vivendo em uma pequena aldeia rural, até a eleição democrática ao cargo de Presidente da República da África do
Sul. Em uma luta constante pelo fim do apartheid no país, Mandela (Idris Elba) chegou a passar 27 anos em cárcere
pelo que acreditava.

A minoria política, nesse sentido, é como uma personagem a quem não é permitida uma
“voz” política própria, sua existência é silenciada, sua perspectiva não é considerada.
Esperamos que, a essa altura de nossa discussão, você já possa compreender a relação
que tentamos estabelecer entre silêncio, silenciamento e Direitos Humanos.

As minorias sofrem com processos de silenciamento de diversas ordens, estando mais


expostas a situações de vulnerabilidade econômica, à violência do Estado, de outros grupos
sociais ou mesmo perpetradas dentro de seu próprio círculo social e familiar. A ideia de
Direitos Humanos, depois de mais de 200 anos de história, desenvolveu-se muito sob a
perspectiva de “dar voz”, no sentido político, a estas pessoas silenciadas, denunciando
sua situação e pressionando por sua transformação de fato.

93
CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

Observe a lei

Lei no 11.340 (Lei Maria da Penha)


Decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006,
a lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006. Desde a sua publicação, a lei é considerada pela Organização das
Nações Unidas uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Além
disso, segundo dados de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a lei Maria da Penha contribuiu
para uma diminuição de cerca de 10% na taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das
vítimas.

Segundo a intenção do legislador, a Lei Maria da Penha:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,


nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o
Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências.

Não podemos esquecer também que a difusão da ideia de Direitos Humanos fundou,
além disso, uma espécie de jurisprudência planetária, vinculando os países signatários
das diversas convenções e protocolos editados pela Organização das Nações Unidas
(ONU), criada em 1945, como, por exemplo, sobre o Estatuto dos Refugiados (Genebra,
1951), sobre crime organizado transnacional (Nova York, 2000) ou contra a tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (Nova York, 1984).
Essa legislação, além disso, é resguardada, em nível mundial, por diversas instituições de
direito internacional, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem.

Saiba mais

Conheça um pouco melhor o chamado “Sistema ONU”, a forma de organização da Organização das Nações Unidas
(ONU), o mais importante órgão internacional de proteção aos Direitos Humanos nos dias atuais.

A Assembleia Geral é principal assembleia deliberativa da ONU. Composta por todos os Estados-Membros das
Nações Unidas, a Assembleia se reúne em uma sessão ordinária anual. Ao longo do período de duas semanas, os
representantes de cada nação se reúnem para discutir assuntos que afetam a vida de todos os habitantes do planeta.
Não há, nesse órgão, desigualdade entre os membros, todos os países têm direito a um voto e os principais assuntos
em pauta são: paz e segurança, aprovação de novos membros, eleição dos Secretários-Gerais, questões concernentes
ao orçamento, desarmamento, cooperação internacional, direitos humanos etc. As resoluções, votadas e aprovadas,
funcionam como recomendação, e não são obrigatórias.

94
Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos • CAPÍTULO 6

O Conselho de Segurança é o órgão responsável pela paz e segurança internacionais. É formado por cinco
membros permanentes detentores do poder de veto: Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China. Não
coincidentemente, esses países são os quatro vencedores da Segunda Guerra Mundial mais a China, potência que
ascendia à época. Esses países se reuniram no Conselho para dispor no que tange aos acertos pós-guerra e com
a finalidade de evitar que novas atrocidades como as daquele período voltassem a acontecer. Além dos membros
permanentes, há também dez não permanentes, eleitos pela Assembleia Geral a cada dois anos. O Brasil, atualmente,
é uma dessas nações eleitas. As decisões desse órgão, ao contrário das disposições da Assembleia, têm caráter
obrigatório, e devem ser seguidas pelos países-membros da ONU a fim de manter a ordem internacional. Os países
que não cumprem as decisões do Conselho recebem punições tais como barreiras econômicas e isolamento dos
demais países componentes, o que pode levar, em alguns casos, à exclusão da nação rebelde do corpo das Nações
Unidas. As principais funções e atribuições do Conselho de Segurança são: determinar a criação, manutenção e
extinção das Missões de Paz, recomendar métodos de diálogos entre os países, elaborar planos de regulamentação de
armamentos etc.

O único dos órgãos da ONU que não está localizado em território internacional em Nova Iorque, nos Estados Unidos,
na sede principal das Nações Unidas, é o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que fica em Haia, nos Países Baixos.
A Corte é o principal órgão judiciário da ONU e todos os países (nunca indivíduos) que compõem o Estatuto da Corte
– parte integrante da Carta das Nações Unidas – podem recorrem a ela, pedindo pareceres. Além disso, a Assembleia
e o Conselho de Segurança podem pedir auxílio sobre quaisquer questões jurídicas, bem como os outros órgãos
das Nações Unidas. Sua principal finalidade é dirimir litígios entre os Estados. O tribunal ouve casos relacionados a
crimes de guerra, interferência estatal ilegal, casos de limpeza étnica, entre outros. O TIJ se compõe de 15 juízes, os
“membros”, que são eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança.

Ademais, há outros dois outros conselhos que merecem destaque entre os mais importantes. O Conselho Econômico
e Social (ECOSOC) é o órgão coordenador do trabalho econômico e social da ONU, das Agências Especializadas e das
demais instituições integrantes do Sistema das Nações Unidas. O ECOSOC formula recomendações e inicia atividades
relacionadas com o desenvolvimento, comércio internacional, industrialização, recursos naturais, direitos humanos,
bem-estar social etc. Sua principal função é promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais
por meio do trabalho social que assiste. O Conselho de Tutela foi importante e eficiente há algum tempo; em 1994
seus trabalhos foram suspensos. Segundo a Carta, cabia a esse conselho a supervisão e administração dos territórios
sobre regime de tutela internacional.

Por último, o Secretariado. Esse órgão funciona como um “diretor” dos demais. A Carta das Nações Unidas prevê que
esses instrumentos forneçam estudos, informações e facilidades necessárias ao bom funcionamento das reuniões
dos organismos das Nações Unidas. O Secretariado é chefiado pelo Secretário-Geral, auxiliado por uma equipe de
cerca de 16 mil funcionários no mundo inteiro. O atual Secretário-Geral, Ban Ki-moon, atua como porta-voz e líder da
ONU. Ele assumiu no lugar de Kofi Annan em 2007. Entre os principais trabalhos do Secretariado estão administrar
as forças de paz, analisar problemas econômicos e sociais e repassá-los ao ECOSOC, sensibilizar a opinião pública a
respeito do trabalho da ONU e organizar as conferências internacionais.

Além de todos esses órgãos maiores, há muitas outras organizações e agências das Nações Unidas que tratam sobre
questões específicas, e por meio das quais a ONU realiza a maior parte de seu trabalho humanitário. Algumas das
agências mais conhecidas são a Agência Internacional de Energia Atômica, a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura, o Banco Mundial, a Organização Mundial da Saúde e a UNESCO.
(Fonte: Info ONU)

Em alguns momentos, entretanto, essa perspectiva “universalista” dos Direitos Humanos,


que postula uma igualdade em escala planetária, pode entrar em choque com a sua
outra “parte”, a questão da defesa das minorias políticas. Algumas vezes, a proteção a
essas minorias pode envolver, por exemplo, a desautorização de práticas consideradas
“tradicionais” por um agrupamento humano qualquer. Quando isso acontece, a defesa

95
CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

de um Direito Humano pode produzir situações eticamente complexas, de conflito entre


princípios, na passagem entre um direito universal e o caso particular. Esse é um dos
grandes debates no campo dos Direitos Humanos nos dias atuais. Esperamos que a questão
fique um pouco mais clara para você à medida que a iluminamos com alguns exemplos.

Figura 45. Cremação no Rio Ganges (Índia).

Fonte: <india-milenar.blogspot.com>. (2014).

O antropólogo Louis Dumont, em seu livro Homo Hierarchicus: o sistema de castas e


suas implicações, lançado em 1966, nos conta uma história sobre a Índia, da época em
que o país ainda era colônia da Inglaterra (1858-1947), e a prática do sati. Segundo esse
costume, a esposa viúva de um hindu recém-falecido deveria “voluntariamente” se atirar
em sua pira funerária, de modo a demonstrar sua dor e acompanhá-lo na continuação de
sua jornada no “mundo espiritual”. Com a colonização britânica, essa prática “tradicional”,
entretanto, foi terminantemente proibida e não se tem mais notícias de sua ocorrência
em território indiano desde o final do século XIX.

Da perspectiva dos colonizadores britânicos, nesse caso, em seus objetivos de dominação


sobre a sociedade indiana, não se colocavam grandes dilemas éticos em proibir um costume
que consideravam “primitivos”. Esse posicionamento, entretanto, encarnaria, nos dias
de hoje, um debate eticamente um tanto mais complexo da perspectiva da proteção dos
Direitos Humanos. Vamos exercitar a nossa imaginação nesse sentido. Mesmo quando
ainda era uma prática bastante difundida na Índia, certamente havia mulheres que se
recusavam a submeter-se voluntariamente ao sati. Em relação a sua própria cultura,
ao seu grupo social original, estas mulheres poderiam ser consideradas uma “minoria
política”. Em que sentido? No sentido de que sua existência, seu desejo de se distanciar
de suas “tradições”, não tinha “voz” na sociedade indiana de sua época, que via a vida
das mulheres como meros complementos das de seus esposos.

Da perspectiva da proteção dos Direitos Humanos, nosso exercício de transposição do


sati para os dias atuais, nos colocaria frente à seguinte questão:

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Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos • CAPÍTULO 6

Para refletir

Seria possível proteger estas mulheres, na condição de minorias políticas, e, simultaneamente, respeitar o direito
universalmente consagrado a “autodeterminação dos povos”, ao cultivo de seus costumes, heranças e modos de vida
ditos “tradicionais”? No campo da Antropologia, disciplina cujos saberes são constantemente mobilizados pelos
debates de Direitos Humanos, esses choques entre valores “universais” e casos “particulares” produziu uma crítica
contundente ao chamado relativismo cultural. Mas o que seria isso?

O “relativismo cultural” é um conceito bastante simples de se compreender. Em seu livro


Cultura: um conceito antropológico, de 1986, Roque de Barros Laraia nos fala sobre a
reação de Michel de Montaigne (jurista, político, filósofo e escritor francês do século
XVI), ao tomar contato, na França, com os relatos de canibalismo praticado pelos índios
Tupinambá. Destoando da indignação de seus conterrâneos, Montaigne teria surpreendido
todos com um relativismo pioneiro, dizendo “na verdade, cada qual considera bárbaro
o que não se pratica em sua terra” (LARAIA, 2006, p. 13).

O relativismo cultural foi uma espécie de resposta da Antropologia ao “etnocentrismo” e ao


“evolucionismo cultural” (ver capítulo 4 deste Livro Didático). Distanciando-se dessas duas
outras perspectivas, o relativismo afirmava que o caráter de uma prática ou artefato não
poderia ser analisado corretamente quando destacado de seu ambiente cultural original.
A cultura, segundo essa perspectiva, é um “sistema”, um “todo coerente”. Isso implica que
suas “partes” não façam sentido de forma isolada, mas apenas quando analisadas à luz do
conjunto mais amplo de valores e práticas em que se inserem. Essa é uma afirmação teórico-
metodológica relativamente simples, mas com implicações políticas poderosas. Ela afirmava,
em última instância, que nenhum costume ou prática cultural de um povo poderia ser
condenado e perseguido apenas por parecer “bárbaro” aos olhos de um observador externo.

Figura 46. Mulher da tribo Ndebele (África do Sul) e seus colares.

Fonte: <http://artesvisuaisnaescolaclasse4.blogspot.com>.

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CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

Com o avanço do debate sobre Direitos Humanos, entretanto, as implicações políticas do


relativismo viram-se provocadas por casos que colocavam dilemas éticos importantes,
como a chamada mutilação genital feminina. Adotada atualmente em alguns países
africanos, como a Somália, Uganda e Etiópia, a prática consiste na retirada de parte da
vulva das mulheres ainda muito jovens.

Esse ritual, de cunho religioso, baseia-se na percepção de que o prazer sexual feminino
levaria ao “pecado”, não só a própria mulher, mas a sociedade como um todo. Além de
impedir que esta tenha uma vida sexual saudável, as condições de higiene em que são
performadas as intervenções e a própria agressividade do procedimento (em alguns
casos, a vagina da mulher é costurada) trazem consequências física e emocionalmente
muito pesadas para estas mulheres.

Da perspectiva das formas mais radicais de relativismo cultural na


Antropologia, a crítica às situações de opressão fundadas na “tradição” e
no “costume” serão sempre muito complicadas de serem feitas em razão
do envolvimento e identificação de antropólogos e antropólogas com os
seus interlocutores. “O envolvimento afetivo imposto pelo trabalho de
campo fez com que, tradicionalmente, os antropólogos se distanciassem
de qualquer forma de crítica moral da cultura observada”. (DINIZ, 2001,
pp. 29-30)

Em seu artigo Antropologia e os limites dos Direitos Humanos: o dilema moral de Tashi,
a antropóloga Débora Diniz nos fala dos dramas de uma dessas mulheres. Tashi era uma
mulher Olinka que não se submeteu, na idade prescrita pelas tradições de seu povo, ao
ritual de circuncisão/mutilação feminina.

Sua mãe já tinha perdido uma filha, morta em decorrência de complicações no procedimento,
e decidiu proteger Tashi, temendo que ela tivesse o mesmo destino de sua irmã mais velha.
Por conta disso, Tashi cresceu como uma “estranha” em sua própria cultura, isolada das
demais mulheres, por não ser considerada uma “mulher completa” entre os seus. Tashi
decidiu, então, migrar para longe da África, mas os conflitos emocionais e o sentimento
de inadequação a perseguiram, mesmo longe de seu povo, consumindo-a a ponto de
suscitar nela um desejo de morte.

O desfecho da história é trágico. Tashi, depois de muitos anos de sofrimento emocional


e físico, decide voltar pra casa e assassinar a mulher que performou sua circuncisão
tardiamente, quando ela já era uma mulher adulta. Ela foi presa, condenada e morreu
consumida pela “tragédia moral” de sua vida.

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Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos • CAPÍTULO 6

Sugestão de estudo

Figura 47. Imagem do documentário A maçã de Eva (2017).

Fonte: <www.filmow.com>.

O documentário, dirigido por José Manuel Colón, apresenta entrevistas com estrategistas políticos e garotas em
Gâmbia e no Quênia detalham os horrores da mutilação genital feminina e os esforços para acabar com essa prática.

Existem muitas controvérsias colocadas nesse debate. A principal delas, entretanto, no


que se refere à contribuição da Antropologia, é que, muito embora a proteção dos Direitos
Humanos possa contribuir para a manutenção de uma “diversidade cultural planetária”,
devemos ter cuidado para que o seu caráter de “direito universal” não tenha o efeito
contrário, de uniformização da “humanidade” a uma visão unitária do que é “ser humano”.

Por um lado, sabemos o quanto etnocêntrica é a expressão “direitos


humanos” com suas pretensões hegemônicas inerentes a formações
culturais específicas, ancoradas em instituições, estados e demais aparatos
de poder. Por outro lado, embora inserida nesta mesma história que se
vê como universal, a tradição disciplinar antropológica nos legou como
herança a possibilidade de questionar preconceitos e ver os “direitos” dos
outros. É por este ângulo que podemos reconhecer hoje no interior do
campo dos “Diretos Humanos” instrumentos valiosos para a reafirmação
do valor da diversidade cultural, para o questionamento das desigualdades
sociais, para a defesa dos valores democráticos (NOVAES, 2001, p. 9).

Não podemos esquecer, como nos relembra a antropóloga Regina Novaes, no texto
transcrito acima, que os Direitos Humanos, enquanto fenômeno “datado”, como mostramos
no começo do capítulo de hoje, tem suas origens associadas a uma cultura e a uma
institucionalidade específica, suscetível, portanto, a certo “etnocentrismo” (rever capítulo
4). Mas essa característica “datada”, como vimos também, não é privilégio do discurso
sobre os Direitos Humanos. Toda afirmação que busca estabelecer linhas demarcatórias

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CAPÍTULO 6 • Temas contemporâneos 2: Antropologia e Direitos Humanos

entre “bom”/“mau”, “aceitável”/“inaceitável”, é necessariamente construída a partir de


um “juízo de valor”, ou seja, por uma avaliação culturalmente informada. É importante
também não esquecer que, muito embora o debate sobre Direitos Humanos se apresente
como um debate “técnico”, este não se encontra emancipado do mundo dos “valores” e
do “poder”.

Provocação

Por fim, podemos dizer que a aproximação entre a proteção dos Direitos Humanos e a Antropologia é uma tendência
muito saudável, tanto para ativistas quanto para antropólogos e antropólogas. De um lado, para os primeiros, os
esforços da Antropologia em documentar formas diversas de viver e pensar, bem como a sua atenção às relações
de poder e desigualdades, cria uma maior “conscientização” quanto ao etnocentrismo e suas formas sutis de
opressão. Por outro, no caso dos antropólogos e antropólogas, o caráter essencialmente militante da ideia de Direitos
Humanos, nos força a um incômodo político constante, afastando da disciplina os perigos do relativismo cultural
extremado e da tolerância como conivência.

Sintetizando

Vimos até agora:

» Que silêncio e silenciamento são processos sociais diferentes e que servem de metáfora para analisarmos a
situação das chamadas “minorias políticas”.

» Que a ideia de Direitos Humanos possui uma história e que essa história remete, originalmente, à Revolução
Francesa de 1879 e ao surgimento dos conceitos de indivíduo, igualdade e cidadania.

» Que essa ideia, a partir da chamada “França Revolucionária” e seus ideais, se espalharam pelo mundo,
desembocando na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

» Que o diálogo entre Antropologia e Direitos Humanos coloca em perspectiva o debate entre a garantia de “valores
universais”, encarnados na ideia de um “direito planetário”, e as formas de vida específicas, nos casos em que
minorias políticas lutam contra a formas de opressão produzidas em sua própria cultura.

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