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Mudança Epistemológica e

Introdução ao Pensamento Sistêmico

Brasília-DF.
Elaboração

Karina Santos da Fonseca

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade ÚNICA
PENSAMENTO SISTÊMICO E MUDANÇA EPISTEMOLÓGICA....................................................................... 9

CAPÍTULO 1
Introdução ao pensamento sistêmico e à mudança epistemológica........................... 9

CAPÍTULO 2
Paradigma sistêmico.......................................................................................................... 17

CAPÍTULO 3
História da terapia familiar................................................................................................ 23

CAPÍTULO 4
Da epistemologia cibernética à epistemologia da complexidade................................ 32

CAPÍTULO 5
Comunicação humana...................................................................................................... 42

CAPÍTULO 6
Genograma e ciclo de vida............................................................................................. 50

Para (não) finalizar...................................................................................................................... 57

Referências................................................................................................................................... 59
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao
profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução
científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de
textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a
tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta,
para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução

As relações que os seres humanos estabelecem entre si e com o mundo ao seu redor são
questões que as ciências humanas procuram compreender e desvendar.

Os indivíduos tentam de todo modo elucidar as inúmeras relações existentes entre


os segmentos sociais, na procura pela melhoria da condição do ser humano, objetivo
comum a todos desde o passado até a contemporaneidade. A existência do ser humano
sempre se apresentou sob perspectivas diferentes e diversos modos de concebê-lo se
sucederam e passaram a existir juntos no espaço nas mais diversificadas culturas.

Este Caderno de Estudos e Pesquisa tem o objetivo de proporcionar informações


acerca da Mudança Epistemológica e Introdução ao Pensamento Sistêmico, com o
compromisso de orientar os profissionais da área de Serviço Social, para que possam
desempenhar suas atividades com eficiência e eficácia.

Objetivos
»» Aprofundar conhecimentos sobre paradigma e epistemologia.

»» Refletir sobre os fundamentos da terapia relacional sistêmica.

»» Identificar aspectos relevantes da terapia familiar.

»» Levantar informações relevantes sobre comunicação humana, genograma


e ciclo de vida.

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PENSAMENTO
SISTÊMICO Unidade ÚNICA
E MUDANÇA
EPISTEMOLÓGICA

CAPÍTULO 1
Introdução ao pensamento sistêmico e
à mudança epistemológica

Neste capítulo abordaremos a temática relacionada ao Pensamento Sistêmico, desde


sua gênese até a atualidade, de forma que possamos compreender, como desencadeou
o seu desenvolvimento e quais foram as suas contribuições.

A ética possibilita-nos a ousadia de assumir, com responsabilidade,


novas posturas de projetar novos valores, não por modismo, mas como
serviço à moradia humana. (BOFF, 1997)

O pensamento sistêmico surgiu no século XX em contraposição ao pensamento


“reducionista-mecanicista”, herdado dos filósofos da Revolução Científica do século
XVII, como Descartes, Bacon e Newton.

O pensamento sistêmico é uma forma de abordagem da realidade que compreende o


desenvolvimento humano sobre a perspectiva da complexidade; o mesmo não nega
a racionalidade científica, porém acredita que ela não oferece parâmetros suficientes
para o desenvolvimento humano, assim deve ser desenvolvida conjuntamente com
a subjetividade das artes e das diversas tradições espirituais. É considerado como
componente do paradigma emergente, representado por cientistas, pesquisadores,
filósofos e intelectuais de vários campos. Por definição, aliás, o pensamento sistêmico
inclui a interdisciplinaridade. É importante destacar que o Pensamento Sistêmico é
percebido pela abordagem sistêmica que lança seu olhar não somente para o indivíduo
isoladamente, pois considera também seu contexto e as relações aí estabelecidas.

Para se pensar de forma sistêmica, é necessário ter uma nova forma de olhar o mundo
e o homem, além disso também é exigido uma mudança de postura por parte do
cientista, postura esta que propicia ampliar o foco e entender que o indivíduo não é o

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

único responsável por ser portador de um sintoma, mas, sim, que existem relações que
mantêm este sintoma.

Visão sistêmica
Tem sua formação a partir do conhecimento e do conceito e das características dos
sistemas; consiste na habilidade em compreender os sistemas de acordo com a
abordagem da Teoria Geral dos Sistemas, ou seja, ter o conhecimento do todo, de modo
a permitir a análise ou a interferência no mesmo. Tem por propósito a capacidade de
identificar as ligações de fatos particulares do sistema como um todo. Foi desenvolvida
a partir da necessidade de explicações complexas exigidas pela ciência.

Para melhor compreendermos a visão sistêmica, primeiramente precisamos delinear


as principais características de um sistema, entre as quais podemos citar as seguintes.

»» Um sistema é composto por partes.

»» Todas as partes de um sistema devem se relacionar de forma direta ou


indireta.

»» Um sistema é limitado pelo ponto de vista do observador ou um grupo de


observadores.

»» Um sistema pode abrigar outro sistema.

»» Um sistema é vinculado ao tempo e espaço.

Conforme vimos, o pensamento sistêmico tem por objetivo enxergar o todo, detectar
padrões e inter-relacionamentos e aprender a reestruturar essas inter-relações de
forma mais harmoniosa. Seu desenvolvimento teve como propósito uma alternativa
ao reducionismo, um modo de pensar muito difundido no Ocidente, no entanto, hoje
é considerado simplório e prejudicial. Nesse amplo contexto cultural e institucional, o
pensamento sistêmico começou, partindo de várias disciplinas e tradições intelectuais.

De acordo com Capra (1996), o pensamento sistêmico tem raízes


teóricas na biologia organísmica, na física quântica, na psicologia
Gestalt e na ecologia. É uma disciplina, e não uma tecnologia, porque
constitui um regime de ordem livremente consentida pela pessoa ou
pelo grupo interessado. Entretanto, é possível “empacotar”(codificar)
os princípios da dinâmica de sistemas como tecnologia de modelagem
matemática. (BRIDGELAND,1998)

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

Para entendermos melhor o pensamento sistêmico, é importante fazer um regaste


ao passado e melhor compreendermos a sua gênese, por meio de um breve resumo,
principalmente de Umpleby e Dent (1999). Pelo Instituto de Pesquisa da Saúde Mental
(MHRI) surgiu a Teoria Geral de Sistemas, um programa que teve início nos anos 1950,
com propósito em pensar de forma completamente abrangente sobre as interações
entre seres humanos e ambientes. Esse projeto foi liderado por James G. Miller, Anatol
Rapoport, Kenneth Boulding, John Platt, Richard L. Meier e Walter Cannon.

Na Universidade de Pensilvânia e Universidade Case Western Reserve, pesquisadores


desenvolveram a Abordagem Sistêmica, que enfatizava uma relação produtor-produto,
em vez de preconizar o raciocínio causa-efeito. Outro conceito importante para esse
grupo foi considerar as organizações como estruturas “circulares”. Concentrou seus
esforços de desenvolvimento organizacional no planejamento interativo entre os níveis
hierárquicos das instituições. Os pioneiros de pensamento dessa escola incluem E. A.
Singer, Jr., C. West Churchman e Russell Ackoff.

De acordo com Anderson e Johnson (1997, p. 2), o sistema é definido como “um grupo
de componentes interligados, inter-relacionados ou interdependentes, que formam
um todo complexo e unificado”. Segundo esses autores (1997, pp. 3-5), existem cinco
características essenciais de um sistema.

»» Todas as partes necessitam estar presentes para garantir o funcionamento


ótimo do sistema.

»» É necessário fazer um arranjo específico das partes para que o sistema


consiga alcançar a sua meta.

»» Os sistemas realizam as suas metas específicas e próprias dentro de


sistemas ainda maiores.

»» Os sistemas mantêm a sua estabilidade por meio de flutuações e ajustes.

»» Existem fluxos de retroalimentação (feedback) em sistemas.

A constituição dos sistemas ocorre por meio de estruturas. A estrutura tem por
definição a maneira pela qual os componentes do sistema estão inter-relacionados
como um todo, ou seja, a organização do sistema. Essa organização consiste mais em
inter-relacionamentos do que em objetos do sistema em si, por isso, a estrutura é
invisível.

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

A figura, a seguir, tem por objetivo exemplificar melhor a importância de estruturas


por meio do conceito da pirâmide “Estrutura/Padrões/Eventos”.

De acordo com Anderson e Johnson (1997), cada nível da pirâmide permite um grau
relativo de gerenciamento. Desta forma os administradores estão limitados a reagir
aos eventos. Entretanto, há mais liberdade de ação em adaptar-se aos padrões e, ainda
mais, ao criar transformações por meio das estruturas. É no nível das estruturas que
o administrador encontra maior poder de mudança sobre sua instituição. O gerente
inteligente saberá, em cada nível, atuar ou utilizar técnicas que afetam simultaneamente
os três.

Os pensadores sistêmicos, principalmente do grupo associado ao Instituto de Tecnologia


de Massachusetts, têm formulado oito arquétipos (SENGE, 1990; ANDERSON e
JOHNSON, 1997). Cada um é representado por um círculo de causalidade que retrata
uma “história” comum que ocorre quando certos ingredientes ou variáveis começam
a interagir de uma maneira normalmente problemática. Os arquétipos representam o
desencadeamento de um comportamento estrutural que costuma seguir uma dinâmica
padronizada, independentemente da situação física ou social em que ocorrem. Esses
cenários podem ser bastante diversos, desde inter-relacionamentos familiares até
situações cotidianas que ocorrem no local de trabalho. Muitas vezes, os problemas que
parecem, à primeira vista, ser únicos acabam sendo causados pela mesma estrutura
sistêmica, o arquétipo.

Os oito arquétipos podem ser utilizados para descrever e diagnosticar situações de


gestão ambiental, visando ao melhoramento do gerenciamento. Eisenack et al. (2006)
recomendam a construção de arquétipos como um método formal para analisar
sistemas socioecológicos. Para um exemplo da aplicação de arquétipos à filosofia
ambiental (conceitos de revitalização de áreas degradadas urbanas), vide Griffith e

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

Berdague (2006). Griffith (2007a) tem usado arquétipos para diagnosticar situações de
recuperação ambiental de modo geral.

Pensar de forma sistêmica, nos permite várias possibilidades.

»» Levar em consideração múltiplos focos, aspectos, variáveis e relações.

»» Buscar várias soluções combinadas para resolver um problema e aprender


algo com a situação.

»» Gerar várias interpretações, sem necessariamente fazer julgamentos


apressados.

»» Buscar por alternativas que não haviam sido consideradas antes.

»» Analisar todas as consequências que podem surgir com uma decisão.

»» Ser capaz de projetar um horizonte mais realista.

»» Desenvolver a habilidade de observação.

»» Permitir que sejamos sempre aprendizes, independentemente da situação


ser semelhante a outras já vividas.

De acordo com Peter Senge, em seu livro A Quinta Disciplina, as organizações que
aprendem são aquelas em que as pessoas aprimoram continuamente sua capacidade de
realizar as mais altas aspirações. A tecnologia pode proporcionar muitas informações
às pessoas, mas, se estas não possuírem as capacidades necessárias para aproveitá-las,
não adianta.

Peter acredita que cinco novas “ tecnologias componentes” estão gradualmente


convergindo para inovar as organizações que aprendem.

1. Domínio pessoal – significa aprender a expandir as capacidades


pessoais para obter os resultados desejados e criar um ambiente
empresarial que estimule todos os participantes a alcançar as metas
escolhidas. Para que isso ocorra, no entanto, é necessário que a pessoa
esclareça as coisas que são realmente importantes para si, levando cada
um a viver a serviço de suas mais altas aspirações.

2. Modelos mentais – consiste em refletir, esclarecer continuamente e


melhorar a imagem que cada um tem do mundo, a fim de verificar como
moldar atos e decisões. Modelos mentais são pressupostos profundamente
arraigados, generalizações ou mesmo imagens que influenciam nossa

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

forma de ver e se comportar no mundo, sem que, por muitas vezes,


estejamos conscientes de sua presença.

3. Visão compartilhada – é a capacidade de ter uma imagem


compartilhada do futuro que buscamos criar, estimulando o engajamento
na construção desse futuro. Quando existe uma visão genuína (em
oposição à famosa “declaração de missão”), as pessoas dão tudo de si e
aprendem, não porque são obrigadas, mas porque querem.

4. Aprendizado em equipe – como uma equipe de gerentes


comprometidos, com QI acima de 120, pode ter, coletivamente, um QI
de 63? A disciplina de aprendizagem em equipe enfrenta esse paradoxo.
Quando as equipes realmente estão aprendendo, não só produzem
resultados extraordinários como também seus integrantes crescem
com maior rapidez do que ocorreria de outra forma. O aprendizado em
equipe está em transformar as aptidões coletivas ligadas a pensamentos
e comunicação, de maneira que grupos de pessoas possam desenvolver
inteligência e capacidades maiores do que a soma dos talentos individuais.

5. Pensamento sistêmico – é um quadro de referências conceitual,


um conjunto de conhecimentos e ferramentas desenvolvido ao longo
dos últimos cinquenta anos para esclarecer os padrões como um todo e
ajudar-nos a ver como modificá-los efetivamente. Pensamento sistêmico
é criar uma forma de analisar e uma linguagem para descrever e
compreender as forças e inter-relações que modelam o comportamento
dos sistemas.

Para o autor, é vital que as 5 disciplinas se desenvolvam como um conjunto. Por isso o
Pensamento Sistêmico é a quinta disciplina, aquela que integra as outras, fundindo-as
em um corpo coerente de teoria e prática.

Considerado um conjunto de princípios gerais destilados ao longo do século XX,


abrangendo campos tão diversos quanto as ciências físicas e sociais, a engenharia e a
administração. O pensamento sistêmico é uma disciplina para ver o todo. É um quadro
referencial para ver inter-relacionamentos, ao invés de eventos; para ver os padrões de
mudanças, em vez de “fotos instantâneas”.

Atualmente o pensamento sistêmico é mais necessário do que nunca, pois nos tornamos
cada vez mais desamparados diante de tanta complexidade. Talvez, pela primeira vez
na História, a humanidade tenha a capacidade de criar muito mais informação do que
o homem pode absorver, de gerar uma interdependência muito maior do que o homem

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

pode administrar e de acelerar as mudanças com uma velocidade muito maior do que
o homem pode acompanhar.

A escala de complexidade é considerada sem precedentes. Tudo à nossa volta é exemplo


de “colapsos sistêmicos”, problemas como o aquecimento global, a diminuição da
camada de ozônio, o tráfico de drogas, o deficit comercial etc. , problemas que não
possuem uma simples causa local. Da mesma forma, as organizações também entram
em colapsos, apesar da inteligência individual e dos produtos inovadores, pois elas são
incapazes de reunir suas diversas funções e talentos para criar um todo produtivo.

A complexidade pode de forma facial minar a confiança e a responsabilidade como


no frequente refrão, “É tudo muito complexo para mim...” ou “Não posso fazer nada,
é o sistema”. O pensamento sistêmico é o remédio para essa sensação de impotência
que muitas pessoas sentem ao entrar na “era da interdependência”. O pensamento
sistêmico é uma disciplina para ver as estruturas subjacentes às situações complexas
e para discernir entre mudanças de alta e de baixa alavancagem. Ao ver o todo, o
pensamento sistêmico oferece uma linguagem que começa com a reestruturação do
modo como pensamos.

A mudança de mentalidade desse pensamento reside na essência de:

»» ver inter-relacionamentos, em vez de cadeias lineares de causa-efeito;

»» ver os processos de mudança como uma escalada contínua, em vez de


simples fotos instantâneas.

A prática do pensamento sistêmico começa com a compreensão de um conceito


simples chamado feedback, que mostra como as ações podem se reforçar ou neutralizar
(equilibrar) umas às outras. Essa prática permite aprender a reconhecer os tipos de
“estruturas” continuamente recorrentes.

Existem dois tipos distintos de processos de feedback.

»» Reforço (ou de amplificação) – são os propulsores do crescimento.

»» Equilíbrio (ou de estabilização) – entra em ação sempre que existe um


comportamento orientado para uma meta.

Feedback de reforço. Sempre que você estiver em uma situação em que as coisas
estão crescendo, pode ter certeza de que o feedback de reforço está em ação. O feedback
de reforço também pode produzir declínio acelerado. Ver o sistema permite a você
influenciar seu funcionamento.

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

O psicólogo Robert Merton identificou esse fenômeno como a “profecia autorrealizável”.


Nos processos de reforço, as pequenas mudanças se acentuam. Qualquer movimento que
ocorra é amplificado, produzindo mais movimentos na mesma direção. Uma pequena
ação cresce, acumulando, como uma bola de neve, o mesmo interesse. Alguns processos
de reforço (amplificadores) são “círculos viciosos”, nos quais as coisas começam mal e
pioram à medida que crescem.

Os processos de reforço raramente ocorrem isoladamente. Em um determinado


momento, o processo encontra limites que podem interromper, desviar ou até inverter
o crescimento. Os limites são uma forma de feedback de equilíbrio.

Feedback de equilíbrio. Se você está em um sistema de equilíbrio, você está em


uma sistema que busca a estabilidade. Se você está de acordo com a meta do sistema,
você ficará satisfeito. Caso contrário se sentirá frustrado em todos os seus esforços para
mudar as coisas, a não ser que possam mudar a meta do sistema ou enfraquecer sua
influência.

A natureza adora o equilíbrio, mas, muitas vezes, os homens responsáveis pelas


decisões agem contrariamente a esse equilíbrio e pagam o preço por isso. Em um
sistema de equilíbrio (estabilização), existe uma autocorreção que tenta manter a meta
ou o objetivo. Os processos de feedback de equilíbrio estão por toda a parte. Estão
incorporados em todos os comportamentos orientados para uma meta. Nas empresas,
os processos de produção e compra de materiais se ajustam constantemente em resposta
à mudança nos pedidos que chegam; os preços em curto prazo e longo prazo se ajustam
em resposta às mudanças na demanda ou nos preços dos concorrentes.

Em geral os círculos de equilíbrio são muito mais difíceis de identificar do que os de


reforço, porque, na maioria das vezes, parece que nada está acontecendo. Os líderes que
tentam mudar a organização frequentemente se surpreendem ao se verem aprisionados
em processos de equilíbrio. Para eles, é como se seus esforços enfrentassem uma súbita
resistência que parece vir do nada. Na verdade, a resistência é uma resposta do sistema,
na tentativa de manter uma meta implícita. Enquanto essa meta não for reconhecida, os
esforços de mudança estarão condenados ao fracasso. Em vez de tentar insistentemente
vencer a resistência à mudança, líderes habilidosos identificam a fonte de resistência.
Quase sempre a resistência surge de ameaças às normas e formas tradicionais de fazer
as coisas. Essas normas estão relacionadas aos relacionamentos de poder estabelecidos.

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CAPÍTULO 2
Paradigma sistêmico

O conceito de paradigma representa os conteúdos de uma visão de mundo. Isso significa


que as pessoas que agem de acordo com os axiomas de um paradigma no qual estão
unidas, identificadas ou simplesmente em consenso sobre uma maneira de entender,
de perceber, de agir, a respeito do mundo. Neste capítulo, temos como propósito
uma abordagem sobre o paradigma sistêmico, de modo a transmitir aos leitores os
esclarecimentos referentes a este tema.

Hoje, o pensamento sistêmico é mais necessário do que nunca, pois nos


tornamos cada vez mais desamparados diante de tanta complexidade.
Talvez, pela primeira vez na História, a humanidade tenha a capacidade
'de criar muito mais informações do que o homem pode absorver,
de gerar uma interdependência muito maior que o homem pode
administrar e de acelerar as mudanças com uma velocidade muito maior
que o homem pode acompanhar. (PETER SENGE, A Quinta Disciplina)

Paradigma é um conceito das ciências e da epistemologia (a teoria do conhecimento)


que define um exemplo típico ou um modelo de algo. É a representação de um padrão a
ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento
que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e
valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo
para estudos e pesquisas.

De acordo com Thomas Kuhn (1922-1996), físico célebre por suas contribuições à História
e Filosofia da Ciência, em especial do processo que leva à evolução do desenvolvimento
científico, designou como paradigmáticas as realizações científicas que geram modelos
que, por períodos mais ou menos longos e de modo mais ou menos explícito, orientam
o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os
problemas por elas suscitados.

Apesar da maioria das pessoas não ter o hábito de pensar sobre o paradigma da ciência,
é importante que tenhamos a noção de que é a ciência que embasa nosso modo de viver.
As sociedades modernas adotaram o conhecimento objetivo como fonte de verdade,
em virtude das conquistas obtidas pela ciência, as quais abriram perspectivas para
um desenvolvimento prodigioso da humanidade. Em nossa sociedade, é a ciência que
coloca validade em nossas explicações e compreensão dos fenômenos, além de validar
nossa forma de viver, de estar e agir no mundo. Recentemente, os desenvolvimentos

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

na ciência evidenciaram a possibilidade de a própria ciência responder à pergunta


epistemológica sobre o “como conhecemos” e oferecer uma “teoria científica sobre o
observador”, sobre o sujeito do conhecimento.

Para o pensamento sistêmico, não existe “centro determinante”. O que


há é uma teia, uma rede de relações que se processam mutuamente: a
abstração analítica no processo de conhecimento gera artificialmente um
“centro” e uma dimensão ou escala de observação, ou seja, a sociedade
e o meio interagem entre si, de forma autônoma e interdependente,
numa espécie de acoplamento estrutura (MATURANA, 2000), ou seja,
interações com autonomia operacional.

A questão do sujeito do conhecimento para dentro da própria ciência teve contribuição


da Física, porém manteve a crença no realismo do universo e não implicou o sujeito
na constituição da realidade: apenas reiterou cientificamente a interdição de o sujeito
a ela se referir. Já a Cibernética, constituiu-se como um contexto muito propício ao
questionamento da crença de que podemos conhecer objetivamente o mundo: a
atividade de projetar sistemas artificiais e a consequente necessidade de compreensão
dos sistemas naturais auto-organizadores levaram os ciberneticistas a darem atenção
às noções de autonomia e de autorreferência. A partir daí, a consequência natural foi
assumir que as noções cibernéticas não eram independentes dos ciberneticistas e que
elas deviam aplicar-se também aos próprios cientistas como observadores.

Capra defende o surgimento de um novo paradigma científico, que se caracteriza


fundamentalmente pela necessidade de alteração na forma de percepção da realidade,
quer pela mudança de olhar sobre o objeto pesquisado, quer pela exigência de uma
consciência ecológica e holística ou pela negação da efetividade do método da
fragmentação dos elementos do mundo como forma de compreensão da natureza.

A situação da ciência tradicional é agora ultrapassada, quando o cientista adota o


“caminho explicativo da objetividade entre parênteses”, mas não apenas quando estiver
sendo cientista ou profissional da ciência. Ele terá uma nova crença, um novo pressuposto
epistemológico para seu viver, para uma nova forma de ver e agir no mundo, baseado
em sua única convicção possível: a da inexistência da “realidade” e da “verdade”.
Articula-se, assim, a árvore do conhecimento com a árvore da vida, que teriam sido
separadas desde o Paraíso. O cientista avança de uma epistemologia filosófica para a
ciência para conhecer e atuar cientificamente em direção a uma epistemologia científica
para a vida para estar e agir no mundo, inclusive para conhecer e atuar cientificamente.
Tem-se, então, em vez de uma filosofia da ciência, uma ciência da ciência: os cientistas,
enquanto escolhem mover-se no domínio linguístico da ciência, compartilham uma
epistemologia – que agora pode ser fundada nos desenvolvimentos da própria ciência
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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

compartilham os critérios de validação da verdade desse domínio e, de acordo com


esses critérios, constroem intersubjetivamente suas realidades.

“Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas


umas às outras numa rede de interdependência”. (CAPRA, 1999)

É necessário entendermos que o pensamento sistêmico é uma nova visão, um novo


conjunto de pressupostos, um novo paradigma para nossas ações no mundo e tomo
como equivalentes os conceitos de paradigma: pressuposto epistemológico, premissa,
visão de mundo. Assim, podemos considerar que o novo paradigma da ciência é
o pensamento, o paradigma ou a epistemologia sistêmica, correspondendo a uma
mudança de paradigma da ciência.

Desta forma, para os cientistas a realidade passou a ser, então, uma construção de
um grupo de observadores, quando esses compartilham suas experiências individuais
e definem, por consenso, o que vão tomar como “realidade” para si, qualquer que
seja a “realidade” a que estejam se referindo: física, biológica ou social. Logo, nesses
espaços consensuais de intersubjetividade, a ciência pode se desenvolver, sem cair no
solipsismo (solus ipso = só eu mesmo), sem que o sujeito, com sua experiência individual
e privada, seja a única referência. Sssim , podemos distinguir como pensamento
sistêmico ou como paradigma da ciência contemporânea emergente, esse conjunto de
três novos pressupostos assumido pelo cientista, quando ele faz a ultrapassagem de
três pressupostos epistemológicos constituintes da ciência tradicional. Ultrapassando
os pressupostos da ciência tradicional – as crenças na simplicidade do microscópico, na
estabilidade do mundo e na objetividade e realismo do universo.

Coforme Kuhn, certa significação no âmbito de uma fase da pesquisa é por ele
denominada de “ciência normal”, pois a entende como um trabalho de operação de
limpeza ou resolução de quebra-cabeças. É uma fase da pesquisa caracterizada não
por progressos significativos, mas por adequações norteadas pelo paradigma. Se o
paradigma fornece problemas e possibilidades de solução no quadro da ciência normal,
a transição de paradigmas corresponde a uma crise, e uma revolução científica tem
lugar quando ocorre uma mudança de paradigma.

Parece ser evidente que Kuhn não pretendeu a utilização do termo paradigma em
sentido exageradamente amplo, uma vez que sua concepção de ciência normal
relaciona-se a uma fase específica de determinado campo de pesquisa. Ciência normal,
assim compreendida, não pode ser referida, por exemplo, à ciência moderna ocidental,
da revolução científica até o século XIX. Porém, é admissível referir-se a determinado
período da pesquisa sobre a física óptica no século XVII.

19
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

A compreensão do significado dessa noção enfrenta outros empecilhos, pois Kuhn


expressamente admite que, em seu ensaio, o termo paradigma substitui uma variedade
de noções familiares. Isso, de fato, pode ser verificado, pois, no livro, o termo aparece
comportando diversos significados. Ora toma o sentido de realização científica
universalmente reconhecida, ora o de constelação de valores, crenças e técnicas ou
mito, um modo especial de se ver, um princípio organizador que governa a percepção e,
ainda, o de uma instrumentação real.

Levando-se em consideração os diversos significados atribuídos por Kuhn (1996)


à palavra paradigma, outros ainda foram acrescentados por seus leitores, como, por
exemplo, um conjunto de crenças comunitariamente partilhadas pelos cientistas, teoria
dominante, referência, programa de pesquisa, uma maneira de solucionar problemas,
conjunto de hábitos, guia para elaboração de conceitos, teorias e modelos, entre outros,
compreende-se porque inúmeros discursos que desse termo fazem uso tornaram-se
quase incompreensíveis.

Reconectar-se com a teia da vida significa construir, nutrir e educar


comunidades sustentáveis, nas quais podemos satisfazer nossas
aspirações e nossas necessidades sem diminuir as chances das gerações
futuras. Para realizar esta tarefa precisamos compreender estudos
de ecossistemas, compreender os princípios básicos da ecologia, ser
ecologicamente alfabetizado ou “eco-alfabetizado. (CAPRA, 1999)

O pensamento sistêmico contemporâneo, no âmbito específico dos estudos da natureza


macroscópicos, configura-se, ele próprio, numa nova teoria dos sistemas naturais
da ordem da percepção e do viver humanos, do “domínio explicado” da realidade
representativa da humanidade em sua dimensão histórico-geográfica. Nesse âmbito
específico, não pode haver apenas a “dança” de frequências holísticas, como supõe o
domínio microscópico da ordem subatômica. Na ordem geográfica de explicação, não
existe dança sem bailarino nem bailarino sem dança, pois um pressupõe o outro numa
explícita dialética de coexistência e coevolução.

A complexificação do pensamento sistêmico permite às diversas áreas de estudo da


natureza ter uma compreensão mais profunda da poíesis dos sistemas naturais.

Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades


sem diminuir as perspectivas das gerações futuras. (BROW apud
CAPRA,1981)

20
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

Ressaltamos aqui algumas características da teoria sistêmica.

»» Reivindica a inter-relação e interdependência essencial entre todos os


fenômenos (físicos, biológicos, sociais e culturais). Trata-se de uma rede
de conceitos e modelos interligados.

»» Nenhum paradigma (modelo) teórico será mais importante que o outro.


Todos deverão ser articulados e compatíveis entre si.

»» Nenhuma instituição será mais importante que a outra. Elas deverão


conhecer umas as outras, cooperando e comunicando-se entre si.

»» Os sistemas são dinâmicos, ou seja, são manifestações estáveis ainda que


flexíveis. Isto significa que eles estabelecem relações dinâmicas, isto é,
processos que explicam a interação e a inter-relação das partes em um
processo único (o todo).

»» Toda atividade do sistema se baseia em um processo denominado


“transação”, ou seja, uma interação simultânea e mutuamente
interdependente entre múltiplos componentes.

»» Quando o sistema é destruído? Quando ele é dissecado física e


teoricamente, em partes isoladas.

Os valores dominantes que modelaram a nossa cultura por várias


centenas de anos referenciavam-se na “visão do universo como um
sistema mecânico, composto de blocos de construção elementares;
na visão do corpo humano, como uma máquina; na visão da vida em
sociedade, como uma luta competitiva pela existência; na crença no
progresso material ilimitado, obtido por intermédio de crescimento
tecnológico; na crença na sociedade na qual a mulher era classificada
em uma posição inferior à do homem. (CAPRA, 1999)

A transformação de um profissional sistêmico num profissional sistêmico


novo-paradigmático é uma revisão radical de seus pressupostos epistemológicos,
especialmente do pressuposto da existência de qualquer realidade independente do
observador. Ao fazer essa ultrapassagem do pressuposto da objetividade, o profissional/
cientista assume uma epistemologia que implica sempre suas próprias distinções,
distinções que fazem emergir a realidade com que trabalha: é ele quem distingue a
complexidade, ao colocar o foco nas conexões e fazer emergir o sistema; é quem distingue
a instabilidade ou a auto-organização, em todos os sistemas da natureza, assumindo ser
impossível prever ou controlar o seu funcionamento; é ele quem distingue sua própria

21
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

relação com todo e qualquer sistema com que estiver trabalhando, o qual emergirá na
relação com ele, com base em sua distinção.

Trata-se de uma epistemologia que traz definitivamente, para o âmbito da ciência, o


observador, o sujeito do conhecimento. Isso acontece a qualquer um de nós, a partir
do momento em que, tendo acatado a pergunta sobre o “como conhecemos o mundo”
a pergunta pelo observador ou pergunta epistemológica, e de tê-la respondido,
dentro do domínio linguístico da ciência, de acordo com uma teoria científica do
observador, decidimos optar pelo “caminho da objetividade entre parênteses”, opção
que terá implicações fundamentais. Adotar esse caminho o que, segundo Maturana,
é simplesmente uma questão de preferência, uma escolha na emoção de aceitação,
implica viver, estar e agir no mundo, de acordo com essa nova visão de mundo, sistêmica
novo-paradigmática.

22
CAPÍTULO 3
História da terapia familiar

Neste capítulo falaremos um pouco sobre a terapia familiar, tendo em vista que esse
campo tem sido claramente um campo fértil e prolífero em sua breve existência.
Contribuindo com ideias inovadoras e com uma abertura epistemológica e conceitual
tanto no nível de interpretação de fenômenos psicológicos, como no nível de utilização
de recursos e técnicas psicoterapêuticas.

“Família: grupo de pessoas ligadas entre si por laços de casamento ou de


parentesco ou conjunto de ancestrais ou descendentes de um indivíduo
ou linhagem”. (LAROUSSE CULTURAL, 1992)

Embora a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética tenham surgido em bases


comuns, logo os diferentes sistemas de crenças, envolvidos na elaboração de teorias,
resultaram em diferentes modelos de terapia familiar, caracterizados por sistemas de
inteligibilidade diversos. Com isso, surgira as distintas escolas de terapia familiar, com
suas descrições, compreensões e interpretações próprias, podendo divergir apesar de
terem os mesmos pontos de partida.

Na década de 1950, surgiu nos Estados Unidos, a Terapia de Família. Inúmeros fatores
contribuíram para que o seu surgimento ocorresse nesse país e nessa época, entre os
quais podemos citar como sendo um dos mais relevantes o pós-guerra. Nessa época de
transformações que ocorriam nos Estados Unidos em diversas áreas, como o aumento
da industrialização, a participação das mulheres no mercado de trabalho, as novas
tecnologias, as relações sociais modificadas, o aumento do acesso à educação, entre
outras, foram as consequências da consolidação da expansão que já vinha ocorrendo
desde a Segunda Guerra Mundial.

De acordo com (PONCIANO, 1999), todas essas transformações geraram um clima de


otimismo e fé no futuro, o que favoreceu o aumento das famílias e a crença de que a
família era um lugar da felicidade.

A Segunda Guerra proporcionou um ambiente intelectual e diversificado com a


imigração, de vários profissionais de diversas áreas da Europa para os Estados Unidos.
Esses imigrantes levaram consigo suas histórias e experiências vividas durante a guerra
e esses acontecimentos tiveram efeito importante sobre as disciplinas relacionadas com
a saúde mental. Isso porque, em situações de guerras, a capacidade que as pessoas
costumam ter de possuir o controle sobre as próprias vidas e destino parece ser posta

23
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

à mercê de forças sobre as quais elas não têm nenhum controle. Para Bloch e Rambo
(1998), a consciência da importância do contexto social sobre a vida dos indivíduos
nessa época aumentou rapidamente e adquiriu maior complexidade.

Neste contexto, de forma paralela, ocorreu a união de psicanalistas judeu-europeus


com psiquiatras militares norte-americanos, parcialmente treinados, que retornavam
aos Estados Unidos sem muita perspectiva profissional, o que resultou no crescimento
do movimento psicanalítico e abriu portas para terapias ativas que vieram suplantar
a psiquiatria biológica inicial. Em curto período de tempo, o movimento psicanalítico
dominou o cenário psiquiátrico norte-americano, ao mesmo tempo em que começaram
a surgir sinais de descontentamento com essa teoria.

Segundo Bloch e Rambo (1998), o descontentamento com esse modelo teve origem
em alguns pontos, sendo os principais: o caráter limitado do modelo freudiano de
desenvolvimento psicológico feminino; as mudanças dos paradigmas nas ciências sociais
e naturais, o que inclui a física pós-einsteiniana, a teoria da informação, a cibernética,
a linguística e a teoria geral dos sistemas; a consciência dos limites das noções de saúde
mental e a tomada de consciência em relação à importância do contexto, o que segundo
os críticos estaria em desacordo com a psicanálise, já que esta teria seu enfoque voltado
para a história passada, na experiência interna do indivíduo expressa em sequencias
intrapsíquicas.

O trabalho inicial centrado na família iniciou-se como pesquisa voltada, principalmente,


para famílias com pacientes esquizofrênicos e delinquentes, que não estavam se
beneficiando dos tratamentos convencionais. As primeiras e principais pesquisas
direcionadas às famílias com pacientes esquizofrênicos foram as realizadas por Gregory
Bateson, Don Jackson, Weakland, Haley, Bowen, Lidz, Whitaker, Malone, Scheffen e
Birdwhistle, a maioria descrita no livro organizado por Bateson et al. (1980) “Interación
familiar”. Já as pesquisas direcionadas às famílias com delinquentes tiveram seu marco
inicial no projeto Wiltwick, realizado por Minuchin, no início da década de 1960.

Segundo Grandesso (2000), essas pesquisas representam o início de um novo campo


que começava a se desenvolver e que tinha, como principal característica, a mudança de
foco da prática terapêutica no indivíduo e nos processos intrapsíquicos para a família,
com ênfase nas interações entre seus membros. Diferente de outras correntes teóricas,
como a psicanálise, por exemplo, que tinha no seu início suas formulações centradas
em torno de um autor principal, esse novo campo começou a se desenvolver com muitas
influências, vindas de diversos campos e autores. As influências mais marcantes na
formação desse campo foram da Teoria Geral dos Sistemas e da Cibernética.

24
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

Na década de 1930, foi desenvolvida por Ludwig Bertalanffy a Teoria Geral dos
Sistemas, tendo por objetivo desenvolver leis que explicassem o funcionamento de
sistemas gerais, independentes de sua natureza. Era, também, uma tentativa de aplicar
princípios organizacionais a sistemas biológicos e sociais (RAPIZO, 1996). Junto com
um biomatemático e um fisiologista, Bertalanffy criou o Centro de Estudos Superiores
das Ciências do Comportamento, que mais tarde se tornou a Sociedade de Pesquisa
Geral dos Sistemas, com o objetivo de desenvolver estudos sobre sistemas teóricos que
fossem aplicáveis a mais de uma das disciplinas tradicionais da ciência.

De acordo com essa teoria, existiam princípios e leis que se aplicavam aos sistemas em
geral, independente de seu tipo particular, da natureza de seus elementos e das relações
que atuavam entre eles. A busca por princípios universais aplicáveis aos sistemas em
geral, obteve como resultado três propriedades que estariam presentes em sistemas.

»» A totalidade, que se refere ao fato de todos os sistemas serem compostos


de elementos interdependentes e em interação.

»» A relação, que diz respeito às estruturas básicas dos elementos e ao


modo como eles se relacionam.

»» A equifinalidade, que é a característica de o mesmo estado final poder


ser alcançado partindo de diferentes condições iniciais e de diversas
maneiras.

De acordo com (PONCIANO, 1999), para definir tais propriedades, essa teoria operou
o deslocamento da ênfase no conteúdo para a estrutura.

A palavra cibernética vem do grego kybernetes, que significa piloto, condutor. Tal
palavra foi escolhida pelos criadores da cibernética, Wiener, Rosenblueth e Bigelow,
para nomear o campo do conhecimento que se ocupa da teoria do controle e da
comunicação na máquina e no animal. Ao escolherem esse nome, gostariam que fosse
associado às máquinas que pilotam os navios, por estas serem as primeiras e mais bem
desenvolvidas formas de feedback, conceito central de sua teoria. À medida que suas
ideias foram apresentadas, outros cientistas se interessaram e perceberam claramente
a analogia entre o funcionamento do sistema nervoso e o funcionamento das máquinas
de computação. Com o desenvolvimento de pesquisas e sua importância para a guerra,
visto que a construção de máquinas computadoras era essencial naquele momento
histórico, em 1946, aconteceu a primeira de uma série de conferências dedicadas
ao tema do feedback como promoção da Fundação Josiah Macy, em Nova York.
(VASCONCELOS, 2003)

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

A cibernética evoluiu enquanto teoria e esse momento descrito é conhecido como


primeira cibernética. A segunda cibernética surge com a introdução do conceito de
morfogênese, feita por Maruyama (1968). Segundo esse autor, além da sobrevivência
de os sistemas dependerem de sua capacidade de manter o equilíbrio e a organização
apesar das modificações do meio, um sistema vivo necessita, também, modificar sua
organização básica para se adaptar às situações do meio. Desta forma, o mecanismo
chamado por ele de morfogênese, funcionava com sequências que amplificavam o
desvio, fazendo com que o sistema conseguisse sobreviver adaptando-se às condições
externas. A primeira e segunda cibernéticas constituem a Cibernética de Primeira
Ordem, que evoluiu para o que conhecemos como Cibernética de Segunda Ordem.

Para Vasconcelos (2003), essa passagem da Cibernética de Primeira para a de


Segunda Ordem representa uma mudança paradigmática nas ciências como um todo,
com o surgimento do que ela denomina cientista novo-paradigmático, ressaltando
a mudança que ocorre no cientista e não na ciência como algo independente. Nesse
novo paradigma, alguns pressupostos básicos da ciência tradicional são substituídos, a
partir de problemas que surgem no limite dessa ciência. As dimensões da simplicidade,
da estabilidade e da objetividade são substituídos pela complexidade, instabilidade e
intersubjetividade ou objetividade entre parênteses.

Todas essas teorias influenciaram o campo da Terapia de Família desde início e


continuaram a influenciar o seu desenvolvimento, havendo modificações que ocorreram
paralelamente em ambas. Em um primeiro momento, o principal responsável
pela aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética e a área “psi” é
o antropólogo Gregory Bateson, que veio a ser o grande mentor do que se tornou a
Abordagem Sistêmica na Terapia de Família.

Novos aportes filosóficos, as questões da linguagem, a construção conjunta de


significados ( construtivismo e construcionismo social ), as contribuições da nova física
e os novos conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro e da mente, formam
um pano de fundo para o surgimento de novas escolas de Terapia Família , que sem
abandonar completamente os pressupostos anteriores, passam a explorar as narrativas
dos diversos membros de uma família novas descrições para as histórias familiares,
que tragam mais recursos para o funcionamento da família . O Terapeuta deixa de ser
um observador externo, um expert em detectar problemas, para se transformar em um
articulador, um mediador de conversações, mais preocupado em conhecer como esta
família se organiza e opera, quais os significados que são ou não compartilhados por
seus membros.

26
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

No Brasil podemos destacar como grandes nomes da Terapia Familiar entre outros:
Marilene Grandesso, Maria José Esteves, Terezinha Féres, Rosa Macedo, Sandra
Fedulo, Roberto Faustino( Recife), Rosana Rapizzo, Luiz Carlos Prado.

Para Oliveira, é possível compreendermos que o sistema familiar vive interações que
repercutem no seu desempenho, tanto em seu ambiente interno quanto externo. Desta
forma conseguimos entender um dos principais pilares da Terapia Familiar que é a
circularidade que estuda, atenciosamente, as sequências interacionais dos familiares,
para um olhar mais aprofundado acerca dos fatores que estão “segurando” o padrão
comportamental familiar. Sabe-se que todo sistema faz parte de um sistema maior, por
esse motivo, é importante relacionar a família, observando-se sua rede de subsistemas,
mediante a leitura de contextos mais amplos, ou seja: indivíduo, grupo, comunidade,
sistema de crenças, cultural, político.

Oliveira também nos coloca que a família é compreendida como um sistema aberto e,
dependendo de como “administra” suas relações, poderá “trabalhar”, para diante de
um desafio-problema, continuar na sua zona de conforto e não propiciar a mudança,
ficando na homeostase. Pode também “trabalhar” no favorecimento da mudança,
buscando condições de superação e novos significados.

É importante ressaltar que a Terapia Familiar dos dias atuais tem seus paradigmas
baseados na Ciência Pós-Moderna e se apoia nos seguintes conceitos.

»» Complexidade (não existe só uma realidade): base no multiverso; há


diferentes olhares, múltiplos significados acerca de um mesmo fato.

»» Imprevisibilidade: compreender que as imprevisibilidades existem, pois


muitos fatos não estão sob o nosso controle.

»» Intersubjetividade ( influências recíprocas entre o observador e a realidade


observada): negação da neutralidade, ou seja, enquanto participante do
processo terapêutico, o terapeuta, também, coloca nesse percurso suas
vivências.

De acordo com Oliveira, a Teoria Sistêmica ensina-nos a olhar como a vida das pessoas
é moldada pelas interações tanto com seus familiares quanto pelos contextos nos quais
estão inseridos. O contexto familiar é compreendido de forma menos objetiva e mais
complexa, na qual se vai à busca dos diversos significados dos membros familiares e da
família como um todo. O terapeuta familiar deverá atuar como um facilitador, ajudando
nesse processo de curar feridas e também de mobilizar talentos e recursos.

27
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

Esta mesma autora ressalta que é preciso, ao trabalhar no processo terapêutico familiar,
que o terapeuta possa se aprofundar nos seguintes pontos significativos.

»» Contexto relacional.

»» Circularidade dos comportamentos: individual e familiar, emocional,


afetivo, cognitivo.

»» Padrão de comportamento familiar: abertura /fechamento à mudança.

»» Estrutura familiar: subsistemas, fronteiras, triângulos, alianças, colisões,


hierarquia, papéis.

»» Heranças familiares e suas influências: proximidade e diferenciação,


sentimento de pertencer à família por meio dos seus valores e
aprendizados, mas também se trabalhar em busca de um sentido de
autoria própria – autonomia.

Esse olhar familiar é transgeracional, focando a família de origem e a


família nuclear. Muitas vezes, trabalhamos com a compreensão de três
gerações.

»» Processos de comunicação.

»» Crenças, valores, significados.

»» Ciclos de vida familiar.

»» Função do sintoma na família.

Para Oliveira, o terapeuta familiar sistêmico procura desenvolver uma epistemologia


voltada à atenção de como evolui na sua forma de conhecer, atuar, mediante a observação
atenta dos seus valores, sua visão de mundo e a forma pela qual faz a integração desses
fatores ao contexto terapêutico. Seu olhar é, continuadamente, voltado ao contextual, ao
relacional, sem esquecer também o valor do fator individual em cada sistema familiar,
refletindo o terapeuta, que ao mesmo tempo é parte integrante do sistema.

Contextualizando uma visão pós- moderna, Maria José Esteves coloca que é
importante reforçar os seguintes pontos.

»» Entender que a família é um sistema aberto e que o terapeuta não deve


estar a serviço de reparar ou consertar a disfunção. Importante o trabalho
cooperativo entre família e terapeuta, voltando o olhar à família também
como recurso e não só dificuldade.

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

»» A intersubjetividade do terapeuta deverá ser compreendida e incluída


no contexto do sistema: o terapeuta deverá, ao mesmo tempo em que faz
parte do sistema, dele tomar distância para refletir conteúdos que são
seus e das famílias.

»» Sabendo que não existe apenas uma realidade, o terapeuta precisa


estar consciente das ideias que tem acerca de patologias, estruturas
disfuncionais, preconceitos, demandas, para que, colocando tudo isso
em parênteses, possa estar aberto para visões alternativas.

»» Essencial que o terapeuta aja como facilitador da autonomia do cliente, vez


que ele tem a função de “arquiteto do diálogo”, que incentiva condições
e facilita a abertura para a criação do espaço dialógico.

»» O terapeuta deverá compreender que adotar o pensamento circular não


significa anular o pensamento linear, que faz parte da sobrevivência
de todos nós. Importante é focalizar ideias, sentimentos e ações,
compreendendo como se entrelaçam e contribuem ao sentido de autoria
das famílias, olhando também as condições de interdependência dessas
situações.

»» Fundamental ao terapeuta pós- moderno é investir, continuadamente, no


exercício de aprender sobre terapia familiar, aprender como fazer terapia
familiar e aprender como ser um terapeuta de família.

Vivemos hoje na terapia familiar uma multiplicidade de abordagens, tantas quantas


forem os terapeutas em questão. Contudo, a ausência de um purismo de abordagens
não significa uma anarquia epistemológica se considerarmos os marcos referenciais da
pós-modernidade como seus denominadores comuns. Uma coerência epistemológica
une as práticas pós-modernas de terapia em torno de alguns pressupostos teóricos
comuns que organizam a ação dos terapeutas.

»» A consciência de que o terapeuta co-constrói no sistema terapêutico, em


ação conjunta com a família, a definição do problema e das possibilidades
de mudança.

»» A crença de que toda mudança só pode ocorrer a partir da própria pessoa


e da sua organização sistêmica autopoiética, sendo responsabilidade e
especialidade do terapeuta a organização da conversação terapêutica.

»» A mobilização dos recursos da família, da comunidade, das redes de


pertencimento, legitimando o saber local de pessoas e contextos.

29
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

»» Uma concepção não essencialista de self, compreendido como construído


no contexto das relações e práticas discursivas; A visão da pessoa como
autora de sua história e existência, competente para a ação, para o
agenciamento de escolhas a partir de um posicionamento autorreflexivo,
moral e ético, podendo criar e expandir suas possibilidades existenciais.

»» A ênfase sobre os significados socialmente construídos na linguagem e


nos espaços dialógicos, sendo construídos nos discursos emergentes e, ao
mesmo tempo, responsáveis por suas transformações.

»» A crença no diálogo, definido como um cruzamento de perspectivas,


como uma prática social transformadora para todos os envolvidos,
independente de seu lugar como terapeuta e cliente.

»» A ênfase nas práticas de conversação e nos processos de questionamento


como recurso para gerar reflexão e mudança, conforme expande os
horizontes de terapeutas e clientes.

»» A adoção de postura hermenêutica em que a compreensão é co-construída


intersubjetivamente pelos participantes da conversação.

»» A ênfase muito mais no processo do que no conteúdo das histórias,


compreendendo as narrativas como locais e, portanto, idiossincráticas.

Refletindo sobre o panorama atual da Terapia Familiar, podemos considerar que sua
consistência decorre de uma epistemologia unificadora pós-moderna apoiada numa
hermenêutica contemporânea construída na intersubjetividade, envolvendo a pessoa
do terapeuta como coconstrutor das realidades com as quais trabalha. A prática dessas
terapias ditas pós-modernas envolve um trânsito do terapeuta entre teoria e prática de
modo epistemologicamente coerente, de acordo com os meios que se lhe apresentem
mais úteis e despertem seu entusiasmo e criatividade enquanto interlocutor qualificado.

Enquanto uma prática social transformadora, esta terapia se organiza a partir dos
contextos locais e das histórias culturais de distintas comunidades linguísticas. O
respeito pela diversidade e multiplicidade de contextos com seus saberes locais implica
uma terapia construída a partir da aceitação da responsabilidade relacional do terapeuta,
legitimando os direitos humanos de bem- estar e de exercício da livre escolha.

Os imensos desafios que se apresentam para o terapeuta, vindos do campo da saúde


mental, das instituições voltadas para o cuidado e tratamento da pessoa, numa
perspectiva pós-moderna, convidam para a humildade na construção do conhecimento
e conduzem, cada vez mais, para uma ação transdisciplinar numa instância de trocas

30
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

colaborativas entre os distintos domínios de saber e no uso de técnicas como recursos


a serviço do bem- estar. O caráter autorreferencial e de reflexo presente nas terapias
pós-modernas desafiam o terapeuta a tornar explícitos seus pré-juízos, seus valores,
suas opções ideológicas, nos limites da sua subjetividade, estabelecendo parâmetros
para a clínica que pratica harmonizando de forma estética teoria e prática a serviço do
bem-estar das famílias que são atendidas.

31
CAPÍTULO 4
Da epistemologia cibernética à
epistemologia da complexidade

Neste capítulo, ainda em torno da terapia familiar, temos como pretensão uma
contextualização do momento histórico em que ocorre seu surgimento ,suas principais
bases teóricas ,seus principais momentos e suas características ,de forma mais especifica
a cibernética de primeira e segunda ordem e a Epistemologia da Complexidade.

“O único meio de se não morrerem as ideias é continuar nascendo...”


(WITTGENSTEIN, L.)

Cibernética significa arte de governar, termo usado, pela primeira vez, em 1834, por
André-Marie Ampère. Modo geral, Cyber ​​pertence à ciência do padrão e da organização.

Heron de Alexandri, em 62 a.C., foi o primeiro a inventar um sistema cibernético. Este


sistema consistia de um mecanismo de feedback negativo que regula o líquido que saía
de uma jarra para encher um copo e parou em um determinado momento. O sistema de
autorregulação já era aplicado nesse momento, mas não há desenvolvimentos teóricos
ou ideias a esse respeito.

A cibernética evoluiu enquanto teoria e o momento descrito é conhecido como primeira


cibernética. A segunda cibernética surge com a introdução do conceito de morfogênese,
feita por Maruyama (1968). Segundo esse autor, a sobrevivência dos sistemas dependiam
de sua capacidade para manter o equilíbrio e organização apesar das modificações
do meio em se adaptar às situações. Dessa forma, o mecanismo chamado por ele de
morfogênese, funcionava com sequencias que amplificavam o desvio, fazendo com
que o sistema conseguisse sobreviver adaptando-se às condições externas. Esses dois
momentos, a primeira e segunda cibernéticas constituem a Cibernética de Primeira
Ordem, que evoluiu para o que conhecemos como Cibernética de Segunda Ordem
(morfoestase), um sistema vivo necessita, também, modificar sua organização básica
para si.

Primeira Cibernética
Seguiremos a linha de pensamento trazido por Maruyama, seguida por Grandesso. O
estudo da Cibernética dividiu a própria Cibernética em duas fases: primeira ordem e
segunda ordem. Como esclarecimento, vale situar que a Cibernética de Primeira Ordem

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

divide-se em dois momentos: o primeiro momento, que se dá por Primeira Cibernética e


o segundo momento, a Segunda Cibernética.Um dos princípios norteadores da Primeira
Cibernética é o interesse pela estabilidade, pela estrutura, entendendo que os sistemas
funcionam com uma meta, um propósito que equivale a um equilíbrio. Interessam-se
pelo que denominam mecanismo de homeostase, que são as estratégias de ação dos
sistemas e organismos para o mantenimento de sua estabilidade.

O primeiro período da cibernética de primeira ordem (primeira


cibernética), ocupava-se dos mecanismos e processos pelos quais
os sistemas, em geral, funcionavam com o intuito de manter a sua
organização. O sistema, de acordo com essa concepção, operava de
acordo com um propósito ou meta, cujo alcance era garantido por
mecanismos de regulação e controle (...) regulação, enquanto um
mecanismo, visa a manter a sobrevivência do sistema à medida que
controla os distúrbios que o atingem, impedindo-os de evoluírem para
uma mudança, que possa quebrar a sua organização. Nesse sentido, o
sistema cibernético era compreendido como equivalente a uma máquina
trivial, fosse ele uma máquina, um organismo biológico ou um sistema
social, que, tendo uma organização e um propósito, operava na correção
dos desvios, de modo que se mantivessem estável e sobrevivesse. Esse
processo conhecido como retroalimentação negativa, por meio do
qual um sistema vivo sobrevive mantendo a sua constância apesar
das mudanças do meio, convencionou-se chamar de morfoestase”.
(GRANDESSO, 2000, p.124)

O conceito de homeostase negativa, advindo da Primeira Cibernética, leva a ideia de


que a permanência ou o surgimento do sintoma é uma forma de não mudança, uma
forma do sistema voltar a ser o que era antes, no sentido de autorregulação do sistema.

Assim, devido a esses motivos, os terapeutas da Primeira Cibernética são mais


diretivos, planejando ativamente suas estratégias e ações. Têm como objetivo definir o
problema de forma clara e aplicar técnicas para a eliminação ou redução do problema
ou sintoma apresentado pela família, pois os sintomas são considerados uma ameaça
de desequilíbrio.

Neste sentido é que ocorre o surgimento da ideia de homeostase familiar, ao se observar


que os esforços psicoterapêuticos dirigidos ao membro da família que trazia o sintoma
(paciente identificado) podiam ser frustrados pelo comportamento de outros membros
ou que outros membros poderiam tornar-se perturbados na medida em que o membro
em tratamento melhorasse. Isso sugeria que a família é algo como um sistema estável
e o sintoma existe para manter o status quo.
33
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

O terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da família que mantinham


ou alimentavam o sintoma. As técnicas destinavam a burlar a homeostase e a induzir
uma crise na família que se reorganizava mais funcionalmente, sem a necessidade do
sintoma. O que importava era a função do sintoma e não o comportamento em si. O
ponto- chave da terapia era que o terapeuta assumia a responsabilidade de planejar
ações a fim de resolver o problema de seu cliente. Isso implica uma definição clara do
problema com o qual vai se trabalhar a partir da queixa trazida pela família.

A ideia básica é gerar, a partir de intervenções, situações que vençam a homeostase, sua
resistência à mudança e empurrar a família para outro padrão de funcionamento que
não necessite a presença do sintoma.

Assim, enfatizavam o sintoma para quebrá-lo. O tratamento rapidamente se efetivava


e a terapia de família se tornou um tratamento eficiente e breve, contrapondo-se aos
tratamentos psicoterapêuticos da época. Porém, passando algum tempo do tratamento,
muitas famílias voltavam a fazer sintomas em busca da sua homeostase conforme se
acreditava.

Surge, então, a chamada Segunda Cibernética: o sintoma não é o foco; o sintoma serve
apenas para identificar que algo não vai bem na família. O foco agora está nas relações e
não no sintoma ou na pessoa que traz o sintoma. A pessoa com o sintoma, denomina-se
como paciente referido (P.R.), que é a pessoa que leva a família à terapia.

Nessa visão, não significa que o problema é do paciente referido somente, mas, sim, que
o problema passa por todos os membros da família.

Na Segunda Cibernética, acrescenta-se a homeostase positiva, cuja equilibração leva


à permanência ou ao surgimento do sintoma como forma de mudança, porque se
há sintoma tem que se procurar ajuda terapêutica, aumentando a possibilidade de
mudança (autotranscendência). Não temos mais como modelo um sistema resistente,
“paralizado” em seu movimento, mas, sim, um sistema que, inevitavelmente, muda
para novas coerências e onde o sintoma não é mais um “mecanismo homeostático”
que impede a família de mudar ou de sucumbir a uma crise, mas apresenta-se como
alternativa amplificada, solução possível naquele momento para aquele sistema.

Esta visão implica a ideia de que o sistema tem e adquire, ao longo do tempo, seus
próprios recursos para realizar mudanças, possuindo autonomia e uma capacidade
de auto-organização. A crise, ao invés de ser considerada como um perigo, como na
Primeira Cibernética, é vista, agora, como parte do processo de mudança, e o sintoma
como surgido no meio dela.

34
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

A sobrevivência dos sistemas vivos não dependia apenas de sua


capacidade de morfoestase. Além de conseguir manter sus estabilidade,
um sistema vivo necessitava, também, de ser capaz de modificar sua
estrutura básica, para adaptar-se às situações de mudanças do meio.
Esse processo, chamado de morfogênese, não poderia ser explicado por
uma retroalimentação negativa, mas, sim, por uma retroalimentação
positiva, consistindo de sequências que amplificavam o desvio de modo
que o organismo, adaptando-se às condições do contexto, conseguisse
sobreviver. Esses processos de amplificação do desvio, por meio da
retroalimentação positiva, e os processos sistêmicos de mudança daí
decorrentes foram descritos por Maruyama como segunda cibernética,
constituindo-se, assim, no segundo período da cibernética primeira
ordem. Até então, os teóricos dos sistemas costumavam ver a
retroalimentação positiva como indesejável, associando-a à destruição
do sistema. Diferentemente da primeira cibernética que se constituía
como uma visão homeoSTÁTICA dos processos sistêmicos, a segunda
cibernética caracterizou-se por uma visão homeoDINÂMICA, termos
cuja grafia assim cunhada por Sluzki salientam a dialética estabilidade-
mudança. (GRANDESSO, 2000, p.125)

Portanto, o foco da Teoria Sistêmica está nas relações, e a proposta terapêutica é


trabalhar com todos os membros da família juntamente.

Quando consideramos a intervenção terapêutica numa perspectiva


sistêmica, temos de redefinir a terapia não como uma intervenção
centrada num indivíduo “doente”, mas como um ato de participação e
crescimento num grupo com uma história. (ANDOLFI. M, 1996, p.87)

Além da preocupação com a homeostase positiva ou negativa, um sistema, pensado a


partir da Cibernética de Primeira Ordem, pode ser operado “de fora”, entendendo seus
modelos como correspondentes a uma realidade independente do observador. Este seria
o outro princípio importante da Cibernética de Primeira Ordem, a não inclusão da ideia
de autorreferência, caracterizada pelo postulado de independência entre observador do
sistema e sistema observado. Esta ideia de autorreferência, em que o observador faz
parte da observação, foi trazida pela Cibernética de Segunda Ordem.

Resumindo, toda esta ideia de Cibernética de Primeira Ordem, Primeira Cibernética,


Segunda Cibernética, Cibernética de Segunda Ordem, embasada em Maruyama, pode
ser esquematizada desta maneira.

35
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

1a Ordem: palavras e princípios básicos (não inclusão da autorreferência)

»» Primeira Cibernética: homeostase negativa

»» Segunda Cibernética: homeostase positiva

2a Ordem: palavras e princípios básicos (autorreferência)

»» Relação

De acordo com Maruyama, em 1963:

A 1a cibernética trataria dos processos morfostáticos, resultantes


de retroação negativa ou retroação autorreguladora. Diante do
desvio, a retroalimentação negativa conduz o sistema de volta a
seu estado de equilíbrio homeostático, otimizando a obtenção do
objetivo. A 1a cibernética trataria da capacidade de autoestabilização
do sistema. Por outro lado, a 2a cibernética trataria dos processos
morfogenéticos, resultantes de retroação positiva ou amplificadora
do desvio, amplificação que pode – caso não produza a destruição
ou ruptura do sistema – promover a sua transformação, levando-o
a um novo regime de funcionamento. Poderíamos dizer que a 2a
cibernética trataria da capacidade de auto-organização – no sentido de
auto-mudança – do sistema, enquanto a 1a cibernética trataria da
capacidade de reorganização – no sentido de automanutenção – do
sistema”. (MARUYAMA, apud, VASCONCELOS, 1995, p.105).

Entretanto, Maruyama acaba contribuindo para a confusão conceitual quando nomeia um


segundo momento da Cibernética de Primeira Ordem, como Segunda Cibernética, pois
acaba-se confundindo-o com Cibernética de Segunda Ordem, o que não seria a mesma
coisa. É claro que acaba recebendo críticas, por isso Keeney (apud VASCONCELOS)
fala que as ideias cibernéticas surgiram mais ou menos simultaneamente por diversos
autores, sendo que cada um nomeia de uma forma diferente as mesmas coisas, não
havendo concordância entre eles. São os termos: Cibernética de Primeira Ordem,
Cibernética de Segunda Ordem, Primeira Cibernética, Segunda Cibernética, Primeiro
Grau da Cibernética, Segundo Grau da Cibernética, Cibernética da Cibernética, Si-
Cibernética, Segunda Potência, Visão de Segunda Ordem, entre outros.

Devo preveni-los, imediatamente, de que certos terapeutas de família


têm feito uso da distinção estabelecida por Maruyama entre o primeiro
e o segundo grau da cibernética, que reenvia respectivamente aos
processos de estabilidade e mudança. Essa é uma distinção não

36
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

cibernética, diferente da enunciada por Von Foerster. A distinção de


Maruyama entre o primeiro e o segundo grau de cibernética não se
inscreve na tradição histórica do pensamento cibernético a que estamos
nos referindo. (KEENEY, apud, VASCONCELOS, 1995, p.107)

Segunda Cibernética
A velha noção de consertar uma estrutura que apresenta um problema não serve mais.
Os problemas não estão nas famílias, mas em sua construção da realidade, em sua
relação e na forma pela qual esta permite a emergência de realidades, sujeitos, crenças
e sintomas.

Não há uma família dada “lá fora” a ser conhecida, previsível e manipulada, mas
uma família ou um sistema imprevisível, incerto, dependente de uma história,
auto- organizador e autônomo, regidos por suas próprias leis. Com base no conceito de
autonomia, questiona-se o valor e a pertinência de intervenções que pretendem dirigir o
sistema para determinado lugar. Questiona-se também a ideia de que tais intervenções
causam mudanças, já que o meio (terapeuta) não determina o que acontece no sistema
(família).

O interesse dos terapeutas desloca-se, assim, das sequências de comportamento a


serem modificadas para os processos de construção da realidade e identidade familiar
para os significados gerados no sistema. Não é o sistema que determina o problema,
mas o problema que determina o sistema.

A terapia transforma-se em uma rede de conversações em torno do problema e o


terapeuta em um participante ativo da transformação do sistema. O terapeuta não é
mais um implementador de técnicas. Ele trata de criar um espaço para a conversação;
busca compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família, para
co-construir realidades alternativas, novas conotações, com as quais o sistema
terapêutico desenvolva novas perspectivas que não trazem em si o comportamento
sintomático.

Não se trata de solucionar problemas, mas de solucionar impasses na resolução de


problemas, por meio da mudança de perspectiva que permita um melhor agenciamento
do próprio sistema para tomada de decisões e mobilização de seu potencial
auto-organizativo. A terapia introduz complexidade nas narrativas, sugere ações que não
têm caráter fundante, mas que dão lugar ao surgimento de alternativas possíveis de ação.

A intervenção é feita por perguntas conversacionais, reflexivas, circulares. Perguntas


que procuram explorar a influência do problema na vida da família e a influência
37
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

da família na vida do problema. Investigam conexões, padrões, relações. Perguntas


conversacionais são aquelas que abrem espaço para novas perguntas e criam
oportunidade para que novos significados do cliente emerjam e promovam a mudança
de visão e comportamento.

Boscolo e Cecchin (in: RAPIZO; ROSANA. 1998, p.79) divulgaram o primeiro modelo
discursivo ou de conversação para a terapia de família. Adotando essas premissas, o
terapeuta ou a equipe terapêutica questiona também suas próprias crenças a respeito
da família e de seu trabalho. Temos, então, a valorização de um contexto terapêutico
mais colaborativo e menos hierárquico.

A tarefa terapêutica é facilitar o diálogo entre diferente vozes do sistema,


operando com a ambigüidade, fontes de mal-entendido e contradições,
diferenças que permitam gerar descrições mais abrangentes, menos
antagônicas do problema compartilhado. Neste sentido, a terapia deve
promover um canal de expressão. (RAPIZO, ROZANA.1998, p.75)

Enfim, com o passar do tempo, a Cibernética amplia seu olhar e começa a se deslocar
para o entendimento de sistemas que não são e não podem ser organizados de fora,
colocando em cheque a possibilidade de se falar em uma observação objetiva de uma
realidade independente, livre das influências do observador.

A noção de autorreferência é fundamental na Cibernética de Segunda Ordem, surgindo


a ideia de que o observador está inserido na observação que realiza, pois aquele que
descreve suas observações, descreve a respeito de si. Conceito não trazido pela Primeira
Cibernética, em que entende seus modelos como correspondentes a uma realidade
independente do observador. Então, quem traz esta ideia é a Cibernética de Segunda
Ordem e o Construtivismo e Construcionismo Social, que veio dar consistência ao
pensamento Cibernético.

Um discurso científico passa a ser entendido não apenas como um


discurso sobre um referente, mas também como um discurso sobre os
limites da linguagem e dos processos mentais de quem o produz (...) a
incorporação dessa nova epistemologia às práticas sistêmicas implicou
mudanças fundamentais no papel do terapeuta e na própria concepção
da terapia. Antes de ser um interventor que opera sobre um sistema
(família, casal, indivíduo, por exemplo) para mudá-lo em uma dada
direção previamente definida como “mais funcional” para o sistema, o
terapeuta passa a ser visto como mais um no sistema. (GRANDESSO,
2000, p.131)

38
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

É preciso não perder de vista que o homem buscava o conhecimento numa integração
harmônica com a natureza, numa perspectiva relacional entre todo e partes. Porém,
a propósito dessa discussão, os antagonismos estabelecidos separaram as relações
que deveriam ser conectadas, como a relação sujeito-objeto, teoria e prática, razão
emancipação, entre outros, adquirem uma relação de dominação, um sobre o outro.
A necessidade de mudanças é importante para ultrapassar essa visão utilitarista de
homem-mundo e a partir daí novas (re) configurações para os modos de pensar e fazer
o conhecimento e a educação sob o modelo de uma pluralidade teórica e epistemológica
instaurada pela modernidade.

É importante ressaltar que toda aprendizagem e todo conhecimento são tentativas de


mergulhar sobre as essências, as realidades, para identificar e extrair os objetos do
conhecimento. Morin, em Os Sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro
(2000) diz que “o conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo”
(p.20), quer dizer que todo o conhecimento é uma busca, investigação, indagação e por
isso pode incorrer erros (Bacon) sobre o modo de conhecer.

A teoria da complexidade, ao propor um novo modo de pensar, ressalta a possibilidade


da religação dos saberes compartimentados, como possibilidade de superação do
processo de atomização. Ao examinarmos a estrutura que orienta a produção do
conhecimento científico, sedimentada em bases instrumentais, identifica-se que a visão
mecanicista e utilitarista ainda persiste na produção do conhecimento na universidade,
transformando essa prática num ato simplificado e compartimentado do contexto em
que se insere. A universidade tem contribuído para essa simplificação, configurando
uma crise de legitimidade daquilo que ela produz e da função social que ocupa.

Morin (2000) apresenta na epistemologia da complexidade, no seu sentido próprio, a


capacidade de interligar, ou seja, a capacidade de juntar e reconstruir aquilo que nunca
deveria ser separado. Para isso, o autor apresenta as relações necessárias, a educação,
a cultura, a sociedade, o meio ambiente, envolvendo dimensões políticas no sentido
da argumentação coerente às necessidades humanas e planetárias. Em relação à
educação, ao conhecimento e à formação, o autor apresenta contribuições importantes,
envolvendo os aspectos culturais, sociais e éticos necessários para subsidiar uma
reforma do pensamento e novos modos de organização conhecimento.

(...) O conhecimento do conhecimento não pode fechar-se em fronteiras


estritas” pois o conhecimento não é insular, mas peninsular, e, para
conhecê-lo, temos que ligá-lo a o contexto mais amplo, do qual faz
parte. As partes devem ser interligadas entre si. (p.26)

39
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

Esclarece que todo conhecimento comporta necessariamente: a) uma competência


(aptidão para produzir conhecimentos); b) uma atividade cognitiva (cognição),
realizando-se em função da competência; c) um saber (resultante dessas atividades).
As competências e atividades cognitivas humanas necessitam de uma formação, de
um aparelho cognitivo, o cérebro, e ainda,das relações que permeiam essa interligação
entre o cérebro que pensa e sobre o que pensa, para quem pensa, para além da cegueira.
As aptidões cognitivas humanas só podem se desenvolver no seio de uma cultura que
produziu e conservou sob a lógica e os critérios de verdade estabelecidos para o capital
de saberes necessário à especialização.

Acrescentando, tanto o ensino quanto a pesquisa direcionam nessa perspectiva,


o pesquisador deve perguntar: o que pesquisar, por que pesquisar e para quem
serve? A produção do conhecimento vai depender dessas questões: a compreensão
do conhecimento como prática social, articulada a outras dimensões da sociedade,
orientada pela visão de mundo, de homem e natureza mais ampla. Quanto ao segundo
buraco é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente. O caráter
disciplinar e a ordem dada aos processos do ensino e da pesquisa ajudaram no avanço
do conhecimento científico, obedecendo à ordem metodológica do processo, bem como
à simplificação das concepções teóricas e epistemológicas que fundamentam a prática
do ensino e da pesquisa. Não é a quantidade dos avanços da ciência, de conhecimentos
e informações, nem a sofisticação de determinadas áreas que podem responder pelo
conhecimento pertinente, mas, sim, a capacidade de colocar o conhecimento no
contexto das inter-relações necessárias.

Contextualizar as questões atuais é uma questão ética, porém, ainda persiste a visão
sob as bases teóricas do paradigma dominante, negligenciando as questões complexas,
pela produção exacerbada do conhecimento científico. Consequentemente, o modo de
pensar dos sujeitos encontra-se na cegueira (MORIN, 1996), reproduzindo a educação
e o ensino e, da mesma forma, os objetos de investigação que reproduzem a organização
social e econômica, conforme os interesses políticos e econômicos.

Trata-se de uma obsessão individual o cientista em relação àquilo que faz e domina
(ensino-pesquisa), seguida pelo método ou modelo em que apoia as sua fundamentação
teórica e metodológica e, ainda, das relações econômicas e de poderes existentes,
que possibilitam o desenvolvimento do conhecimento – compreender a realidade da
construção do conhecimento na universidade em sua multidimensionalidade; o todo
nunca poderá resumir como a soma das partes.

40
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

De fato a hiperespecialização impede tanto a percepção do global (que


ela fragmenta em parcelas), quanto da essência (que ela dissolve).
Impede até mesmo tratar corretamente os problemas particulares, que
só podem ser propostos e pensados em seu contexto. (MORIN, 2000:
p.41).

A relevância do diálogo entre as ciências humanas e ciências exatas, enfim, religar tudo
o que separamos em toda a história da modernidade, na obediência a modelos, leis,
métodos e técnicas. A hiperespecialização comprometeu os aspectos essenciais – a
noção de interdependência e da visão de conjunto – que se apreende mediante uma
visão de mundo,

de ciência, de homem e de natureza. A filosofia pode contribuir eminentemente para


o desenvolvimento de uma concepção crítica e problematizada, no sentido de situar o
sujeito em relação ao objeto, de forma contextualizada, interrogando-o e submetendo-o
a condições interrogativas, este seria o caminho e a condição para a construção do
conhecimento científico, incluindo a condição humana. A complexidade é o desafio da
visão global. Já a visão fragmentada, que promove a irresponsabilidade, cuida apenas
de partes, deixando de considerar a totalidade. (MORIN, 2004: p. 18)

É urgente promover uma reforma do pensamento, da educação e da ciência. O


conhecimento precisa voltar a ser um bem social, uma obra da condição humana, um
bem para a humanidade “a reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a
reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”(2004: p. 20).

41
CAPÍTULO 5
Comunicação humana

A comunicação humana é uma área de investigação e de estudos muito complexa, é


tanto um fenômeno quanto uma função social e profissional. Neste capítulo falaremos
um pouco sobre essa comunicação, desde seus primórdios.

Respondemos aos gestos com uma extrema vivacidade e, quase se


poderia dizer, segundo um código elaborado e secreto que não está escrito
em partealguma, não é conhecido por ninguém mas compreendido por
todos. (SAPIRCITADO POR CORRAZE, 1982, p.9)

Na época dos homens das cavernas, o ser humano possuía um cérebro rudimentar. A
comunicação era feita com gestos, posturas, gritos e grunhidos. No entanto, chegou
um momento em que o homem percebeu a necessidade de aprender a relação entre os
objetos e suas utilidades , como exemplo podemos citar os utensílios de caça e proteção.
Esse aprendizado foi sendo passado aos demais, por meio de gestos e repetição do
processo, criando, assim, uma forma primitiva e simples de linguagem.

Com o passar do tempo, a comunicação adquiriu formas mais objetivas e evoluídas, o


que facilitou a comunicação não só entre os povos da mesma tribo, como entre tribos
diferentes. As primeiras comunicações escritas (desenhos) de que se têm notícias são
das inscrições nas cavernas 8.000 anos a.C.

Quando fazemos um resgate histórico, lembramos de uma das mais antigas civilizações,
o povo sumério, que ocupava a região da Mesopotâmia quatro séculos a.C. Essa
civilização foi a primeira a usar o sistema pictográfico (escritas feitas nas cavernas, com
tintas). Essa escrita também era utilizada pelos egípcios que, em 3100 a.C., criaram
seus hierós glyphós ou “escrita sagrada”, como os gregos as chamavam.

De acordo com Machado, esse tipo de escrita era, além de pictórica, ideográfica, ou
seja, utilizava símbolos simples para representar tanto objetos materiais quanto ideias
abstratas. Utilizava o princípio do ideograma (sinal que exprime ideias) no estágio em
que deixa de significar o objeto que representa, para indicar o fonograma referente ao
nome desse objeto.

Ainda conforme Machado, uma das mais significativas contribuições dos sumerianos está
ligada ao desenvolvimento da chamada escrita cuneiforme. Nesse sistema, observamos
a impressão dos caracteres sobre uma base de argila que era exposta ao sol e, logo
depois, endurecida com sua exposição ao fogo. De fato, essa civilização mesopotâmica

42
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

produziu uma extensa atividade literária que contou com a criação de poemas, códigos
de leis, fábulas, mitos e outras narrativas. É a língua escrita mais antiga das que se têm
testemunhos gráficos. As primeiras inscrições procedem de 3.000 a.C.

Um estágio moderno da comunicação humana foi a descoberta da tipografia (arte de


imprimir), pelo alemão Johann Gutemberg, em 1445. Essa invenção multiplicou e
barateou os custos dos escritos da época e abriu a era da comunicação social.

Em relação aos processo de comunicação ,devemos considerar os seguintes componentes:


o emissor da mensagem, o receptor, a mensagem em si, o canal de propagação, o meio
de comunicação, a resposta (feedback) e o ambiente onde o processo comunicativo
acontece.

Em relação ao ambiente, o processo comunicacional sofre interferências do ruído e


a interpretação e compreensão da mensagem fica dependente do repertório (crenças,
modo de ser, comportamentos) do receptor.

Machado coloca-nos que são consideradas forma de comunicação: verbal, não verbal,
gestual e mediada.

»» Verbal – Comunicação através da fala propriamente dita, formada por


palavras e frases. Tem suas dificuldades (timidez, gagueira etc.), mas
ainda é a melhor forma de comunicação.

»» Não verbal – Comunicação que não é feita por palavras faladas ou


escritas. Usam-se muito os símbolos (sinais, placas, logotipos, ícones),
que são constituídos de formas, cores e tipografias e que, combinados,
transmitem uma ideia ou mensagem.

»» Linguagem corporal – Corresponde a todos os movimentos gestuais


e de postura que fazem com que a comunicação seja mais efetiva. A
gesticulação foi a primeira forma de comunicação. Com o aparecimento
da palavra falada, os gestos foram se tornando secundários, contudo eles
constituem o complemento da expressão, devendo ser coerentes com o
conteúdo da mensagem.

A expressão corporal é fortemente ligada ao psicológico; traços


comportamentais são secundários e auxiliares. Geralmente é utilizada
para auxiliar na comunicação verbal, porém deve-se tomar cuidado, pois,
muitas vezes, a boca diz uma coisa, mas o corpo fala outra completamente
diferente.

43
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

»» Comunicação mediada – Processo de comunicação em que está


envolvido algum tipo de aparato técnico que intermedia os locutores.

A inovação nas formas de comunicação faz com que a humanidade passe a viver de uma
forma totalmente nova, onde as fronteiras físicas deixam de ser obstáculos à comunicação
constante entre os povos. Formas que até há alguns anos eram impensáveis passam a
fazer parte do nosso dia a dia.

Para Machado, se um universo novo se apresenta e os horizontes se alargam, perde-se


o controle da informação próxima e garantida. Chegamos à exacerbação da informação
(que é diferente do conhecimento), através dos meios eletrônicos, dos quais a internet é
a campeã. Nesse universo tecnológico, predomina a sapiência humana, suas qualidades,
mas, também, suas mazelas. Cabe às pessoas que se comunicam, fazê-lo de forma a
utilizar as informações como fonte de troca para aquisição do conhecimento e usá-las
com sabedoria.

O mesmo autor sugere as seguintes dicas para uma boa comunicação.

»» Fale com o público e não para o público, envolva a plateia.

»» Descomplique, fale de forma simples e direta.

»» Prepare-se. Qual assunto será abordado na sua comunicação?

»» Conheça seu público: características, tamanho, sujeitos etc.

»» Procure elaborar textos curtos, de leitura rápida.

»» Se possível, coloque imagens relacionadas ao assunto, para chamar a


atenção.

»» Releia seu comunicado para ver se está claro.

A comunicação é o centro de todo relacionamento, seja ele pessoal, profissional etc. Ela
é a chave para o desenvolvimento de uma relação saudável com o outro, uma vez que
pode ser considerada a arte do entender e do fazer-se entender.

Por meio de uma breve recordação podemos citar, como exemplo, as aventuras de
Robson Crusoé: um navegante que ficou a ermo numa ilha deserta, cercada de água por
todos os lados e sem ter para aonde ir. Ao se deparar com a solidão naquele lugar, Crusoé
logo sentiu uma grande dificuldade que, talvez, muitos de nós ainda não dedicamos um
tempo para reflexão: a necessidade de comunicar-se com alguém.

Precisamos compreender que a comunicação é o processo verbal ou não verbal de


transmitir uma informação a outra pessoa de maneira que ela entenda o que está

44
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

sendo expresso. A comunicação, portanto, não está limitada à fala, à linguagem oral,
mas também é possível por meio de gestos, símbolos, expressões, bem como qualquer
outra forma que contenha em si um significado inteligível, compreensível. A mesma
ocorre quando, ao emitirmos uma mensagem, nos fazemos entender por uma pessoa
e modificamos seu comportamento. Isso é possível por meio da linguagem, que é a
representação do pensamento por meio de sinais que permitam a comunicação e a
interação entre as pessoas.

O primordial da atividade comunicativa é a compreensão do que se está querendo


expressar e, por meio deste ato, conhecemos a nossa maneira de ser, pensar e agir.
Assim, a forma como nos comunicamos denuncia quem somos na realidade. Pela
maneira peculiar como cada um se comunica e pelo fato de cada indivíduo possuir um
jeito próprio de ser, a comunicação tende a enfrentar algumas barreiras, as quais surgem
da heterogeneidade de pensamentos, sentimentos e ideias. No entanto, é preciso saber
como lidar com essas barreiras, de forma que a comunicação não fique comprometida e
os possíveis conflitos possam ser resolvidos da maneira mais adequada.

A comunicação verbal é a forma de comunicação humana mais utilizada. Todo ato de


comunicação envolve sempre 6 componentes essenciais.

»» O emissor (ou locutor) – é aquele que diz algo a alguém.

»» O receptor (ou interlocutor) – aquele com quem o emissor se comunica.

»» A mensagem – tudo o que foi transmitido do emissor ao receptor.

»» O código – é o conjunto de sinais convencionados socialmente que


permite ao receptor compreender a mensagem (ex.: a língua portuguesa
e os sinais de trânsito).

»» O canal (ou contato) – é o meio físico que conduz a mensagem ao receptor


(ex.: o som e o ar).

»» O referente (ou contexto) – é o assunto da mensagem.

Todos esses elementos são indispensáveis à comunicação verbal e podem ser assim
esquematizados.

Mensagem
Referente
Emissor ----------------------------------------------------- Receptor
Canal
Código

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

Quando o objetivo é atingido, conseguimos identificar que a comunicação se realizou


de forma adequada, isso significa que a mensagem foi interpretada da mesma maneira
pelo comunicador e pelo recebedor da comunicação. Quando se fazem interpretações
semelhantes, cada um dos participantes transmite ao outro o seu pensamento e o seu
sentimento sobre o objeto da comunicação; não significa que os participantes precisem
concordar totalmente com o pensamento sobre o objeto da comunicação. Podem
discordar, mas, se um apreende precisamente os pensamentos do outro, a comunicação
foi satisfatória.

A compreensão dos outros, um dos aspectos mais importantes nas relações humanas, é
a aptidão de se colocar no lugar do outro, ou seja, ver e perceber com os olhos do outro.
A essa aptidão denominamos sensibilidade social ou empatia.

Entende-se que empatia é diferente de simpatia, de antipatia ou de apatia. Simpatia


você sente em relação ao outro quando esse outro lhe remonta lembranças, atitudes,
ideias que lhe são agradáveis, que lhe atraem. Se tenho simpatia por Maria, sinto-me
alegre se ela está alegre, triste se está triste e vibro com seu sucesso.

Na atitude empática, compreendo como Maria se sente (alegre ou triste) e sua


maneira de agir em função desses sentimentos, mas não me envolvo neles. Sou capaz
de compreendê-la, mas não de sentir o que ela sente (simpatia). A atitude empática
independe da simpatia, não precisamos gostar nem simpatizar com a pessoa, precisamos
ter sensibilidade para compreender como a pessoa se sente frente a determinada
situação ou determinado sentimento.

Quando a comunicação se estabelece mal ou não se estabelece entre pessoas ou entre


grupos, resultam alguns fenômenos psíquicos chamados bloqueio, filtragem e ruído.

»» Ruído é a interrupção da comunicação através de mecanismos externos,


sons estranhos à comunicação, visualizações que comprometem
a comunicação, ou mecanismos utilizados pelo locutor, que seja
incompreendido pelo interlocutor. A partir do momento em que se
elimina o ruído a comunicação tende a se estabelecer.

»» Bloqueio é a interrupção total ou provisória da comunicação e


paradoxalmente parecem comprometer menos a evolução da comunicação
do que a filtragem.

»» Filtragem é o mecanismo de seleção, danosa, dos aspectos da


comunicação que erroneamente interessam aos interlocutores.

46
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

Desde que surge um bloqueio, ele obriga os interlocutores a questionar suas comunicações
e geralmente lhes permite reatá-las e restabelecê-las em clima mais aberto e em uma
base mais autêntica, desde que cada interlocutor tenha tomado consciência de que
entre eles existem obstáculos.

Em caso de filtragem, a comunicação tende a acompanhar-se de reticências e de


restrições mentais, degradando-se pouco a pouco em mensagens cada vez mais
ambíguas e equivocadas.

Curvelo diz que a aprendizagem é a busca criativa da inovação, ao mesmo tempo em que
lida com a memória organizacional e a reconstrói. Pressupõe, também, motivação para
aprender. A motivação só é possível se as pessoas se identificam e consideram nobres
as missões organizacionais e se orgulham de fazer parte e de lutar pelos objetivos. Se
existe uma sensação de que é bom trabalhar com essa empresa, pode-se vislumbrar
um crescimento conjunto e ilimitado ( se há ética e confiança nessa relação, se não há
medos e se há valorização à livre troca de experiências e saberes).

Para esse mesmo autor, podemos perceber que a comunicação organizacional é


constituída em uma instância de aprendizagem, pois, se praticada com ética, pode
provocar uma tendência favorável à participação dos trabalhadores, dar maior sentido
ao trabalho, favorecer a credibilidade da direção (desde que seja transparente),
fomentar a responsabilidade e aumentar as possibilidades de melhoria da organização
ao favorecer o pensamento criativo entre os empregados para solucionar os problemas
da empres. (RICARTE, 1996)

Para Ricarte, um dos grandes desafios das próximas décadas será fazer da criatividade
o principal foco de gestão de todas as empresas, pois o único caminho para tornar uma
empresa competitiva é a geração de ideias criativas; a única forma de gerar ideias é
atrair para a empresa pessoas criativas, e a melhor maneira de atrair e manter pessoas
criativas é proporcionando-lhes um ambiente adequado para trabalhar.

De acordo com Curvelo, esse ambiente adequado pressupõe liberdade e competência


para comunicar. Hoje, uma das principais exigências para o exercício da função
gerencial é certamente a habilidade comunicacional. As outras habilidades seriam
a predisposição para a mudança e para a inovação; a busca do equilíbrio entre
a flexibilidade e a ética, a desordem e a incerteza; a capacidade permanente de
aprendizagem; saber fazer e saber ser.

Desta forma conseguimos entender que essa habilidade comunicacional, na maioria das
empresas, ainda não faz parte da job-description de um executivo. É ainda uma reserva

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

do profissional de comunicação, embora devesse ser encarada como responsabilidade


de todos, em todos os níveis.

Segundo Curvelo, o desenvolvimento dessa habilidade pressupõe, antes de tudo, saber


ouvir e lidar com a diferença. É preciso lembrar: sempre apenas metade da mensagem
pertence a quem a emite; a outra metade é de quem a escuta e a processa. Lasswell já
dizia que quem decodifica a mensagem é aquele que a recebe, por isso a necessidade de
se ajustarem os signos e códigos ao repertório de quem vai processá-los.

Conforme as colocações de Curvelo, podemos afirmar, ainda, que as bases para a


construção de um ambiente propício à criatividade, à inovação e à aprendizagem estão
na autoestima, na empatia e na afetividade. Sem esses elementos, não se estabelece a
comunicação nem o entendimento. Embora durante o texto tenhamos exposto inúmeros
obstáculos para o advento dessa nova realidade e que poderiam nos levar a acreditar,
tal qual Luhman (1992), na improbabilidade da comunicação, acreditamos que esta é
uma utopia pela qual vale a pena lutar.

Mediante a todas as colocações de Curvelo, precisamos ter cuidado. Afinal ,esse ambiente
de mudanças traz consigo uma radical mudança no processo de troca de informações nas
organizações e afeta, também, todo um sistema de comunicação baseado no paradigma
da transmissão controlada de informações. Favorece o surgimento e a atuação do que
chamo de novos Messias da comunicação, que prometem internalizarem nas pessoas
os novos objetivos e conceitos, estimularem a motivação e o comprometimento à
nova ordem de coisas, organizarem rituais de passagem em que se dá outro sentido
aos valores abandonados e introduz-se o novo.

Portanto, Curvelo entende que, hoje, não é raro encontrar-se nos corredores das
organizações profissionais da mudança cultural agentes da nova ordem, verdadeiros
profetas munidos de fórmulas infalíveis, de cartilhas iluministas, capazes de minar
resistências e viabilizar uma nova cultura e que se autodenominam “reengenheiros da
cultura”.

Esses profissionais se aproveitam da constatação de que a comunicação é sim instrumento


essencial da mudança, mas se esquecem de que o que transforma e qualifica é o diálogo,
a experiência vivida e praticada, e não a simples transmissão unilateral de conceitos,
frases feitas e fórmulas acabadas tão próprias da chamada educação bancária descrita
por Paulo Freire.

Em Sociologia, grupo é um sistema de relações sociais, de interações recorrentes


entre pessoas. Também pode ser definido como uma coleção de várias pessoas que
compartilham certas características, interajem uns com os outros, aceitam direitos e

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

obrigações como sócios do grupo e compartilham uma identidade comum – para haver
um grupo social, é preciso que os indivíduos se percebam de alguma forma afiliados ao
grupo.

Segundo Costa (2002), o grupo surgiu pela necessidade de o homem viver em contato
com os outros homens. Nessa relação homem-homem, vários fenômenos estão
presentes: comunicação, percepção, afeição, liderança, integração, normas e outros. À
medida que nós nos observamos na relação eu-outro, surge uma amplitude de caminhos
para nosso conhecimento e nossa orientação. Cada um passa a ser um espelho que
reflete atitudes e dá retorno ao outro, por meio do feedback.

Para encontrarmos mais crescimento, a disponibilidade em aprender se faz necessária.


Só aprendemos aquilo que queremos e quando queremos. Nas relações humanas,
nada é mais importante do que nossa motivação em estar com o outro, participar na
coordenação de caminhos ou metas a alcançar. Um fato merecedor de nossa atenção é
que o homem necessita viver com outros homens, pela sua própria natureza social, mas
ainda não se harmonizou nessa relação.

Lewin (1965) considerou o grupo como o terreno sobre o qual o indivíduo se sustenta e
se satisfaz. Um instrumento para satisfação das necessidades pessoal, física, econômica,
política, social.

O feedback tem como finalidade ajudar o outro a fazer algo de forma diferente no futuro,
ou seja, melhorar habilidades e comportamentos, proporcionando, assim, melhorias
nas relações interpessoais

Ao dar um feedback, este deverá ser especificamente sobre o comportamento e não


sobre a identidade de uma pessoa, sempre se baseando no quanto as pessoas estão
receptivas a isso, pois nem todos estão preparados psicologicamente para receber
críticas construtivas e com isso melhorar sua conduta, a fim de atingir os objetivos
individuais e/ou do grupo. Sempre procurando fazer de uma forma em que o indivíduo
não se sinta acuado e tome uma atitude defensiva, não recebendo adequadamente o
feedback.

Assim, segundo Knapp (1982), tais conhecimentos e habilidades podem ser essenciais
para o desenvolvimento da competência social, seja no escritório, no tribunal, na sala
de aula ou no bar. É também importante quando se quer entender diferenças sociais e
culturais.

49
CAPÍTULO 6
Genograma e ciclo de vida

Estudar família hoje em dia, surge não só como uma necessidade de compreender
melhor as diversas formas que elas se organizam mas antes de tudo, é poder visualizar
as varias lentes que podem ser utilizadas, em busca do entendimento e ampliação das
conversações entre dos membros de uma família. Neste capítulo temos por objetivo
compreender a família relacionando-a com o genograma e o ciclo de vida.

“O genograma tem sido descrito como um instrumento de avaliação


e intervenção que proporciona uma aproximação com o ‘tecido de
transmissão familiar’”. ( VITALE ,2004,p 234)

O genograma foi desenvolvido na América do Norte, baseado no modelo do


heredograma, e mostra graficamente a estrutura e o padrão de repetição das relações
familiares. Sua característica básica é identificar a estrutura familiar e seu padrão
de relação, mostrandoas doenças que costumam ocorrer, a repetição dos padrões de
relacionamento e os conflitos que desembocam no processo de adoecer (RAKEL, 1997;
MOYSÉS e col., 1999; MOYSÉS; SILVEIRA FILHO, 2002). Também pode ser usado
como fator educativo, permitindo ao paciente e a sua família ter a noção das repetições
dos processos que vem ocorrendo e como estes se repetem.

O genograma é traçado a partir de símbolos gráficos, ao lado dos símbolos data de


nascimento, eventos importantes, patologias e nome dos pacientes. Pode ser colocado
no início do prontuário como sumário de problemas prévios, ações preventivas e
medicamentos em uso (MOYSÉS e col., 1999).

O genograma ou genetograma ou ainda árvore genealógica de uma pessoa e família é


uma forma de representar graficamente a composição de uma família, ao longo de duas
ou mais gerações, ou seja, algo que fala da história e dos padrões de uma família. Um
bom exemplo de seu uso é nas consultas médicas, em que, frente a uma determinada
doença, busca-se saber quem mais na família apresenta tal enfermidade, apontando o
seu viés hereditário. (RAKEL, 1997; MOYSÉS e col., 1999; MOYSÉS; SILVEIRA FILHO,
2002).

O genograma pode ser definido como um desenho gráfico da vida em família, um


instrumento de avaliação e intervenção que proporciona uma aproximação com o
tecido de transmissão familiar tramado de geração em geração. O genograma, inserido

50
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

na conversação terapêutica, transcende suas origens funcionalistas, para transformar-


se num recurso de compreensão colaborativa.

Pode-se considerar, então, que a função limitadora dos sistemas sociais, por um
lado, contribui para o senso de continuidade dos indivíduos e da comunidade, pelo
reconhecimento do familiar, do sentimento de pertencer, de fazer parte; por outro, em
função de não conseguir dar conta de significar todas as contingências que aparecem
na vida das pessoas, propicia o aparecimento de lacunas e inconsistências que geram as
contradições, pelas quais os sujeitos inventam e reinventam a suas histórias (WHITE,
1994), atualizando, também, as histórias que suportam a existência dos sistemas sociais
dos quais esses sujeitos participam.

Igualmente, os sistemas familiares elegem algumas histórias e abandonam outras para


construir o contexto histórico intrínseco da família através das gerações. Uma vez que
a história da família esteja configurada em torno de um problema, ao selecionar partes
da experiência que tenham sentido nesta narração, as pessoas vão incrementando a
narrativa que mantém o significado problemático. Nesse processo, as famílias tendem
a confundir a sua própria história com a história de seus problemas, de forma que, com
o passar do tempo, não conseguem mais discriminar uma da outra.

A possibilidade de uma história que foi abandonada (marginal) emergir das


experiências vividas reside na ocorrência de um incidente que possa produzir um
acontecimento extraordinário, que constitua uma oportunidade para colocar dúvidas,
para desestabilizar o relato que a família conta e que a define. Acessar essas histórias
que, com o passar do tempo, foram marginalizadas nas narrativas familiares, constitui
um caminho para a elaboração de HISTÓRIAS alternativas que possam fazer sentido
na experiência vivida pelas pessoas.

White e Epson (1990) consideram ser este o fundamento da abordagem terapêutica:


por meio de encontros conversacionais, auxiliar as pessoas a vislumbrar novas
histórias. Não qualquer história, mas, sim, uma nova narrativa que encontre sentido no
contexto histórico daquela família. As ideias apresentadas neste texto buscam inserir
o trabalho com o genograma no espaço conversacional terapêutico. Ao serem descritas
na perspectiva das práticas construcionistas (ANDERSON, 2001, ANDERSON;
GOOLISHIAN, 1988; GERGEN, 1999; WHITE; EPSON, 1990), realiza-se uma escolha,
entre muitas outras possibilidades de abordagem teórica, ou seja, elege-se determinados
aspectos.

O genograma pode ser algo mais, embora pareça ser simples, se olharmos apenas um
aspecto, mas um dos principais objetivos de sua realização é possibilitar uma (re)
conexão com a família de origem de cada um, revendo ou resgatando histórias perdidas

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

ao longo do tempo. E oferece um efeito especial quando realizado conjuntamente com


ou mais membros da família junto com um profissional.

A inclusão dos aspectos relacionais, linhas de afinidade, de tensão, de intensa


amorosidade, de separações, recasamentos favorecem o universo de possibilidades de
interpretações e entendimentos da vida cotidiana. O mais importante é o processo de
realização do genograma, na medida em que nos colocamos em contato com a história
familiar, com suas crenças, seus mitos, suas repetições, seus mandatos etc.

Existem algumas maneiras de iniciar e significar um genograma, tais dados quando


explorados são colaborativos para abertura de novas conversações e, consequentemente,
uma mudança de entendimento e postura frente a um evento, muitas vezes, paralisante
ou conflitante na família.

O genograma é como uma foto que foi tirada já algum tempo e que neste momento se
revela, dando oportunidade de falar do momento que a “foto” foi tirada e que significado
ela traz agora.

»» Podemos começar um genograma a partir de qualquer fase do ciclo de


vida, pelo membro em foco naquele encontro, seus pais, seus avôs; o
critério é construído pelo próprio autor do genograma.

»» No casamento, ele mostra a união de duas famílias e a fase do ciclo de


vida em que cada membro do casal se encontra.

»» Numa família formada a partir de um recasamento, há pelo menos dois


triângulos previsíveis: o novo casal e o(s) cônjuge(s) anterior(es) e filho(s)
se estes existirem.

»» O genograma pode revelar estressores na passagem de uma fase para


outra. Quando vemos perdas ou eventos traumáticos coincidentes,
devemos avaliar seus impactos no processo familiar.

»» Após uma perda, o processo da fase do ciclo de vida pode paralisar-se ou


apresentar distorções.

»» Quando os filhos atingem a adolescência provável que se desenvolvam


triângulos, envolvendo seus iguais, seus pais ou avós.

»» Na fase tardia, o genograma poderá revelar qual o filho ficou/ficará como


cuidador dos pais.

52
PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

O uso do genograma, nos atendimentos de casais e famílias, colabora no entendimento


da complementaridade de um com o do outro ou até mesmo aponta para diferenças
significativas que, apesar de todos já a conhecerem, ao visualizá-las organizadas, numa
determinada “distância”, num formato (uso de cartaz ou lousa) de representação não
habitual, permite conversações sobre diferenças e semelhanças e o que desejam fazer
com elas para as gerações seguintes.

Não é incomum, ao se fazer o genograma, surgirem vazios, dúvidas sobre a ordem de


irmãos, sobre os casamentos, do fato de saber mais sobre um dos lados da família, o
paterno ou o materno. O significado desses “vazios” ou dúvidas podem proporcionar
uma “ida” à família de origem e abrirem outras possibilidades de entendimentos do que
se vive no aqui e agora. O foco daquilo que era problema, até então, pode ser dissolver, ao
compreender que um aspecto se repete há muitas gerações e a importância de explorá-lo,
nem tanto para confirmar o fato em si, mas para criar uma abertura e gerar negociações
para modificar o preestabelecido.Ao reencontrar o “álbum de fotografia”, até então no
domínio de um ou de outro, temas proibidos podem sair da clandestinidade, segredos
transformam-se em revelações e comportamentos com causalidade desconhecida
passam a ter sentido, e daí, sim, se for o caso, transformados.

Construir o genograma de famílias com crianças e adolescentes permite que inúmeras


histórias dos familiares surjam, curiosidades apareçam e , principalmente, possibilita o
lúdico na convivência familiar. Nesse caso com as crianças, mas não só com elas, o uso
de imagens pode facilitar a dinâmica, incluindo-a ativamente no processo, dando voz
as suas dúvidas e tornando-a portadora e cuidadora de uma nova forma de contar a sua
própria história.

O genograma é um riquíssimo instrumento para ser mentalizado e materializado,


segundo a disponibilidade e criatividade de cada participante. Ele pode ser (re)ativado
sempre que os interlocutores desejem, uma vez que muito de nossas crenças invisíveis
aos nossos olhos, tornam-se presentes, prontos para dialogar com nossos dilemas do
cotidiano.

Inúmeros exercícios de perguntas podem ser criados a partir de um genograma.


Perguntas entre os membros do genograma – do pai para o filho, da nora para a sogra,
de uma avó para mãe da neta... Esta “dialogação” entre os vários membros rendem
inúmeras sessões, e muitas curiosidades que podem iniciar novas e interessantes
conversas literais entre os membros de uma família Assim como as pessoas, as famílias
têm os seus ciclos, influenciando-se mutuamente no viver do seu dia a dia. (OLIVEIRA
e col., 1999)

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

O ciclo de vida é um fenômeno complexo, pois ele é uma espiral da evolução familiar,
na medida em que as gerações avançam no tempo em seu desenvolvimento, que vai do
nascimento à morte. (MCGOLDRICK; GERSON, 1995)

O ciclo de vida das famílias é uma série de eventos previsíveis que ocorrem na família,
como resultado das mudanças em sua organização. Toda mudança requer de cada
membro uma acomodação ao novo arranjo, transformando o papel a cada alteração
de limites. Afinal, “nas fases de transição em que a família é desafiada a estruturar um
novo pacto, que o estresse cresce, possibilitando o surgimento de doenças”. (WAGNER
e col., 1999).

O conhecimento do desenvolvimento da família é útil porque facilita a previsão e


antecipa os desafios que serão enfrentados no estágio de desenvolvimento de uma dada
família. (MCWHINNEY, 1994; CARTER; MCGOLDRICK, 1995; WILSON; BADER,
1996)

Os estágios apresentam movimentos de autonomização, expansão de uma nova família


jovem que se constitui, seguida pela contração de uma família madura, que envelhece.
Tais estágios incluem tarefas a serem cumpridas pelos membros familiares, bem como
tópicos de promoção de saúde familiar que podem ser implementados. (MOYSÉS;
SILVEIRA FILHO, 2002)

O estudo relacionado às famílias, além do aspecto histórico e sua rede social, podem
também considerar a perspectiva transgeracional, levando em conta que “o ciclo de
vida familiar é um fenômeno complexo. Ele é uma espiral da evolução familiar, na
medida em que as gerações avançam no tempo em seu desenvolvimento do nascimento
à morte” (MCGOLDRIICK). E considerando famílias como “uma unidade básica no
processo socializador, as relações transgeracionais permitem apreender o movimento
da transmissão, ou seja, sua dimensão temporal”. (VITALE)

Em cada geração, temos a criação de suas histórias, suas regras, seus legados e seus
mandatos que costumam se perpetuar para as gerações seguintes e podem ou não ser
adequados e/ou compatíveis com os novos tempos. Aquilo que foi transmitido pode ser
ressignificado, por meio da construção de novas narrativas, pelas novas gerações.

Através do olhar transgeracional nos é permitido que , ao “visitarmos” uma família,


sejam percebidas questões que permeiam os conflitos ou confrontos familiares que
podem estar ligados a determinados aspectos dos legados.

Segundo Vitale, a partir de estudos ligados a famílias de classe media, em São Paulo, ao
longo do séc.XX, não é incomum pensarmos que conteúdos recebidos e transmitidos

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PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica │ UNIDADE única

pelas gerações mais velhas podem ser agrupados em legados de ordem, que falam a
respeito da responsabilidade, organização e educação; legados de solidariedade, que se
referem a amor, amizade, senso de justiça, colaboração e respeito; e legados de fé, que
incluem a espiritualidade.

A geração do meio recebe a incumbência de transmitir para os seus filhos tais legados.
Habitualmente acaba fazendo exatamente o oposto, podendo assim este grupo ser
denominado como o “libertador das repressões”. Ainda segundo Vitale, a geração do
meio recebeu legados de repressão, que dizem respeito à contenção das expressões do
afeto e do corpo; legados de família, que se referem à importância da vida familiar, do
casamento para este universo; e legado de fé, ou seja, religião.

Na geração mais jovem, embora se observe uma proximidade maior com a geração
anterior, a do meio, ela também pode ser marcada pelo movimento de oposição.
Os legados desta geração podem ainda ser os legados de família no que diz respeito
ao casamento, mas não necessariamente com relação à convivência familiar, se
desprendendo ao longo do cotidiano segundo as condições que a própria geração
anterior proporciona. Um bom exemplo são as famílias que migram de uma vida rural
para a urbana ou da cidade pequena para uma maior em busca de melhores condições de
trabalho, saúde e educação. Podem manter os legados de repressão no que se referem ao
tabu com o corpo e a repressão sexual, mas, uma vez mais expostos a outras dinâmicas
sociais ( escolas, clubes, festas e outros) descobrem outros valores e facilmente entrarão
em contato com uma situação inesperada e eventualmente conflitante. Já com relação
aos legados de fé, sua manutenção favorece a união da família, habitualmente, mesmo
que alguns membros venham frequentar espaços diferentes.

Ao pensarmos um encontro com as famílias, tomamos por base esses conceitos e


incluimos algumas reflexões focadas neste recorte.

»» Quais são as regras e os legados vigentes nas diversas gerações da família,


uma vez que eles podem alterar-se no tempo e no espaço?

»» De que forma a família lida ou lidou com as mudanças desses legados ao


longo das gerações?

»» Os conflitos ou confrontos, ora apresentados, podem ser explicitados por


meio dessa visão transgeracional?

O trabalho com famílias exige a incorporação de uma tecnologia “relacional” (FRANCO;


MEHRY, 1999), fundada na abordagem humanista e desenvolvida por meio da
compreensão do funcionamento sistêmico da família e da aplicação do método clínico

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UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

centrado no paciente. Existem momentos-chave que podem e devem ser explorados,


com a ocasião de cadastro das famílias, as mudanças no ciclo de vida delas, a observação
da resiliência familiar para situações adversas e o surgimento de doenças crônicas ou
agudas de maior impacto entre seus membros.

Moysés e Silveira Filho ( 2002) dizem que o ciclo de vida é constituído por uma série
de eventos previsíveis que ocorrem no desenvolvimento da vida familiar, exigindo
adaptação e ajustamento de seus membros. Por isso, o ciclo de vida familiar possibilita
uma visão antecipada dos problemas e, embora não utilize tecnologia “dura” na forma de
equipamentos biomédicos, permite uma “tomografia” da situação de vida das pessoas,
no contexto familiar, com seu processo de viver, ter saúde ou adoecer. O ciclo de vida é
particularmente útil no diagnóstico de situações indefinidas, que perfazem quase 50%
dos comparecimentos em serviços de saúde (MOYSÉS; SILVEIRA FILHO, 2002). De
acordo com Moysés e Kriger (2008), ele pode expandir as possibilidades de atenção em
saúde centradas nas relações e papéis familiares.

Com o genograma, o ciclo de vida permite identificar as doenças mais prevalentes no


grupamento familiar. Dessa forma, fornece uma visão antecipada dos problemas, além
de ser útil no diagnóstico de situações indefinidas. O ciclo de vida também identifica
dois momentos básicos: se a família está em expansão ou em contração, que podem ser
normais ou patológicos. (WAGNER e col., 2001)

É necessário, entretanto, que se compreenda que os estágios do desenvolvimento


humano não podem ser tratados de maneira fragmentada, de modo a gerar estratégias
de ações e serviços em saúde verticalizados para cada etapa da vida em que o indivíduo
esteja. (SILVEIRA FILHO, 2006).

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Para (não) finalizar

A partir do momento em que se adota uma visão de sistema, a ciência tende a não isolar
os fenômenos de seus contextos, examinando unidades cada vez maiores. Sob o título
comum de investigação dos sistemas, convergem os avanços de diversas especializações
científicas.

Várias disciplinas se incluem entre as “ciências dos sistemas”, entre elas e às que são
relevantes neste momento são: Teoria Geral dos Sistemas e Cibernética, uma organicista
e outra mecanicista. A tendência mecanicista relaciona-se a técnicas de controle,
automatização, inovações tecnológicas, tendo como teoria a Cibernética. Já a tendência
organicista, partindo do princípio que um “organismo é uma coisa organizada”, trata de
especificar as leis de funcionamento desse tipo de sistema.

As duas tendências desenvolveram-se paralelamente, Wiener – Cibernética e


Bertalanflly – Teoria Geral dos Sistemas. Bertalanffy preocupava-se com os sistemas
biológicos e sociais, os matemáticos (mecanicistas), com a cibernética. Para ele, o
modelo de retroalimentação (homeostase negativa e positiva) podia muito bem explicar
o processo das máquinas, portanto era insuficiente para explicar ou descrever sistemas
biológicos. O organismo vivo mantém pelas interações dinâmicas múltiplas um estado
de desequilíbrio constante. E a desconsideração do potencial evolutivo e de crescente
organização dos organismos vivos na cibernética inviabilizava sua aplicação ao mundo
biológico ou social.

Para ele sistemas de retroalimentação são sistemas fechados, onde não se considera a
possibilidade de transição a estados de maior complexidade.

Os desafios são muitos na luta para a superação da racionalidade técnica-instrumental,


e seus desdobramentos epistemológicos para a educação e para a ciência.

O momento é de certezas, esperanças, na medida em que novas possibilidades apontam


caminhos a serem seguidos, ainda com atalhos longos e inesperados. A novidade é que
nosso planeta, a sociedade em geral, o desenvolvimento da civilização acenam para
a urgência de conhecimento sob bases teóricas contextuais entre cultura, ética e no
diálogo entre as áreas da ciência.

Re-encontrar o elo perdido entre Homem e Natureza, resgatar o diálogo entre as


exigências da reflexão filosófica, epistemológica, procurar a sustentação necessária para

57
UNIDADE única │ PENSAMENTO SISTÊMICO E Mudança epistemológica

avançar em direção a uma nova visão de ciência, de mundo, e para tanto, isso implica
compreender a complexidade como uma unidade que exige e amplia a visão do contexto,
situando a humanidade e o planeta como fonte indissociável e muldimensional.

“O único meio de se não morrerem as ideias é continuar nascendo...”


(WITTGENSTEIN, L.)

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