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Atendimento Familiar

Brasília-DF.
Elaboração

Karina Santos da Fonseca

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE ÚNICA
ATENDIMENTO FAMILIAR......................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DA TERAPIA FAMILIAR ................................................................................................. 9

CAPÍTULO 2
TERAPIA FAMILIAR ................................................................................................................... 18

CAPÍTULO 3
AS ESCOLAS E A TERAPIA PÓS-MODERNA................................................................................ 26

CAPÍTULO 4
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO FAMILIAR E O GENOGRAMA..................................................... 34

CAPÍTULO 5
TERAPIA FAMILIAR E TRANSGERACIONALIDADE......................................................................... 45

CAPÍTULO 6
RELAÇÕES FAMILIARES E TEORIA SISTÊMICA............................................................................. 48

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 56

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 58
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
O Assistente Social, no exercício de suas atribuições, possui a necessidade do
conhecimento do atendimento familiar.

Por isso, torna-se relevante a obtenção de informações sobre o atendimento psicológico


familiar e as relações familiares e a teoria sistêmica.

Este caderno de estudos, portanto, tem o objetivo de proporcionar informações acerca


do Atendimento Familiar, com o compromisso de orientar os profissionais da área de
Serviço Social, para que possam desempenhar suas atividades com eficiência e eficácia.

Objetivos
»» Conhecer a origem do atendimento familiar.

»» Identificar a importância do atendimento psicológico familiar.

»» Levantar informações relevantes sobre as relações familiares e a teoria


sistêmica.

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ATENDIMENTO UNIDADE ÚNICA
FAMILIAR

CAPÍTULO 1
História da terapia familiar

Família: Grupo de pessoas ligadas entre si por laços de casamento ou de


parentesco, ou conjunto de ancestrais ou descendentes de um indivíduo ou
linhagem.

Larousse Cultural, 1992.

Embora a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética, tenham surgido em bases


comuns, logo os diferentes sistemas de crenças, envolvidos na elaboração de teorias,
resultaram em diferentes modelos de terapia familiar, caracterizados por sistemas de
inteligibilidade diversos. Com isso, surgiram as distintas escolas de terapia familiar,
com suas descrições, compreensões e interpretações próprias, podendo divergir apesar
de terem os mesmos pontos de partida.

Na década de 1950 surgiu nos Estados Unidos a Terapia de Família. Inúmeros fatores
contribuíram para que o seu surgimento ocorresse nesse país e nessa época, dentre os
quais podemos citar como sendo um dos mais relevantes o pós-guerra. Nessa época de
transformações que ocorriam nos Estados Unidos em diversas áreas, como o aumento
da industrialização, a participação das mulheres no mercado de trabalho, novas
tecnologias, relações sociais modificadas, aumento do acesso à educação, entre outras,
foram as consequências da consolidação da expansão que já vinha ocorrendo desde a
Segunda Guerra Mundial.

De acordo com Ponciano (1999), todas essas transformações geraram um clima de


otimismo e fé no futuro, o que favoreceu o aumento das famílias e a crença de que a
família era um lugar da felicidade.

A Segunda Guerra proporcionou um ambiente intelectual e diversificado com a


imigração, de vários profissionais de diversas áreas da Europa para os Estados Unidos.

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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

Esses imigrantes levaram consigo suas histórias e experiências vividas durante a guerra
e esses acontecimentos tiveram efeito importante sobre as disciplinas relacionadas
com a saúde mental. Isso porque, em situações de guerras a capacidade que as pessoas
costumam ter de possuir o controle sobre as próprias vidas e destino parece ser posta
à mercê de forças sobre as quais elas não têm nenhum controle. Para Bloch e Rambo
(1998) a consciência da importância do contexto social sobre a vida dos indivíduos
nessa época aumentou rapidamente e adquiriu maior complexidade.

Neste contexto, de forma paralela ocorreu a união de psicanalistas judeus europeus com
psiquiatras militares norte-americanos parcialmente treinados que retornavam aos
Estados Unidos sem muita perspectiva profissional, o que resultou no crescimento do
movimento psicanalítico, e abriu as portas para terapias ativas que vieram suplantar a
psiquiatria biológica inicial. Em um curto período de tempo o movimento psicanalítico
dominou o cenário psiquiátrico norte-americano, ao mesmo tempo em que começaram
a surgir sinais de descontentamento com essa teoria.

Segundo Bloch e Rambo (1998), o descontentamento com esse modelo teve origem
em alguns pontos, sendo os principais, o caráter limitado do modelo freudiano de
desenvolvimento psicológico feminino; as mudanças dos paradigmas nas ciências sociais
e naturais, o que inclui a física pós-einsteiniana, a teoria da informação, a cibernética,
a linguística e a teoria geral dos sistemas; a consciência dos limites das noções de saúde
mental e a tomada de consciência em relação à importância do contexto, o que segundo
os críticos estaria em desacordo com a psicanálise, já que esta teria seu enfoque voltado
para a história passada, na experiência interna do indivíduo expressa em sequências
intrapsíquicas.

O trabalho inicial centrado na família iniciou-se como pesquisa voltada, principalmente,


para famílias com pacientes esquizofrênicos e delinquentes que não estavam se
beneficiando dos tratamentos convencionais. As primeiras e principais pesquisas
direcionadas às famílias com pacientes esquizofrênicos foram as realizadas por Gregory
Bateson, Don Jackson, Weakland, Haley, Bowen, Lidz, Whitaker, Malone, Scheffen e
Birdwhistle, a maioria descrita no livro organizado por Bateson et al. (1980) Interación
familiar. Já as pesquisas direcionadas às

famílias com delinquentes tiveram seu marco inicial no projeto Wiltwick, realizado por
Minuchin, no início da década de 1960.

Segundo Grandesso (2000), essas pesquisas representam o início de um novo campo


que começava a se desenvolver e que tinha como principal característica a mudança
de foco da prática terapêutica no indivíduo e processos intrapsíquicos, para a família,
com ênfase nas interações entre seus membros. Diferente de outras correntes teóricas,

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

como a psicanálise, por exemplo, que tinha no seu início suas formulações centradas
em torno de um autor principal, esse novo campo começou a se desenvolver com muitas
influências, vindas de diversos campos e autores. As influências mais marcantes na
formação desse campo foram da Teoria Geral dos Sistemas e da Cibernética.

Na década de 1930 foi desenvolvida por Ludwig Bertalanffy a Teoria Geral dos
Sistemas, tendo por objetivo desenvolver leis que explicassem o funcionamento de
sistemas gerais, independentes de sua natureza. Era também, uma tentativa de aplicar
princípios organizacionais a sistemas biológicos e sociais (RAPIZO, 1996). Junto a um
biomatemático e um fisiologista, Bertalanffy criou o Centro de Estudos Superiores das
Ciências do Comportamento, que mais tarde se tornou a Sociedade de Pesquisa Geral
dos Sistemas, com o objetivo de desenvolver estudos sobre sistemas teóricos que fossem
aplicáveis a mais de uma das disciplinas tradicionais da ciência.

De acordo com essa teoria, existiam princípios e leis que se aplicam aos sistemas em
geral, independente de seu tipo particular, da natureza de seus elementos e das relações
que atuam entre eles. A busca por princípios universais aplicáveis aos sistemas em
geral, obteve como resultado três propriedades que estariam presentes em sistemas:

»» a totalidade, que se refere ao fato de todos os sistemas serem compostos


de elementos interdependentes e em interação;

»» a relação, que diz respeito às estruturas básicas dos elementos e ao modo


como eles se relacionam;

»» a equifinalidade, que é a característica de o mesmo estado final poder


ser alcançado partindo de diferentes condições iniciais e de diversas
maneiras.

De acordo com Ponciano (1999) para definir essas propriedades, essa teoria operou o
deslocamento da ênfase no conteúdo para a estrutura.

A palavra cibernética vem do grego kybernetes, que significa piloto, condutor. Tal
palavra foi escolhida pelos criadores da cibernética, Wiener, Rosenblueth e Bigelow,
para nomear o campo do conhecimento que se ocupa da teoria do controle e da
comunicação na máquina e no animal. Ao escolherem esse nome, gostariam que fosse
associado às máquinas que pilotam os navios, por estas serem as primeiras e mais
bem desenvolvidas formas de feedback, conceito central de sua teoria. À medida
que suas ideias foram apresentadas, outros cientistas se interessaram e perceberam
claramente a analogia entre o funcionamento do sistema nervoso e o funcionamento
das máquinas de computação. Com o desenvolvimento de pesquisas e sua importância

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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

para a guerra, visto que a construção de máquinas computadoras era essencial naquele
momento histórico, em 1946 aconteceu a primeira de uma série de conferências
dedicadas ao tema do feedback como promoção da Fundação Josiah Macy, em Nova
York (VASCONCELOS, 2003).

A cibernética evoluiu enquanto teoria e o momento descrito é conhecido como primeira


cibernética. A segunda cibernética surge com a introdução do conceito de morfogênese,
feita por Maruyama (1968). Segundo esse autor, além da sobrevivência dos sistemas
depender de sua capacidade de manter o equilíbrio e organização apesar das modificações
do meio (morfoestase), um sistema vivo necessita, também, modificar sua organização
básica para se adaptar às situações do meio. Dessa forma, o mecanismo chamado por
ele de morfogênese, funcionava com sequências que amplificavam o desvio, fazendo
com que o sistema conseguisse sobreviver adaptando-se às condições externas. Esses
dois momentos, a primeira e segunda cibernéticas constituem a Cibernética de Primeira
Ordem, que evoluiu para o que conhecemos como Cibernética de Segunda Ordem.

Para Vasconcelos (2003), essa passagem da Cibernética de Primeira para a de


Segunda Ordem representa uma mudança paradigmática nas ciências como um todo,
com o surgimento do que ela denomina cientista novo-paradigmático, ressaltando
a mudança que ocorre no cientista e não na ciência como algo independente. Nesse
novo paradigma alguns pressupostos básicos da ciência tradicional são substituídos,
a partir de problemas que surgem no limite dessa ciência. Dessa forma, as dimensões
da simplicidade, da estabilidade e da objetividade, são substituídas pela complexidade,
instabilidade e intersubjetividade, ou objetividade entre parênteses.

Todas essas teorias influenciaram o campo da Terapia de Família desde início e


continuaram a influenciar o seu desenvolvimento, havendo modificações que ocorreram
paralelamente em ambas. Em um primeiro momento o principal responsável pela
aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas e a Cibernética, e a área “psi” é
o antropólogo Gregory Bateson, que veio a ser o grande mentor do que se tornou a
Abordagem Sistêmica na Terapia de Família.

Novos aportes filosóficos, as questões da linguagem, a construção conjunta de


significados (construtivismo e construcionismo social), as contribuições da nova física
e os novos conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro e da mente, formam
um pano de fundo para o surgimento de novas escolas de Terapia Família, que sem
abandonar completamente os pressupostos anteriores, passam a explorar as narrativas
dos diversos membros de uma família novas descrições para as histórias familiares, que
tragam mais recursos para o funcionamento da família. O Terapeuta deixa de ser um
observador externo, um “expert” em detectar problemas, para se transformar em um

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

articulador, um mediador de conversações, mais preocupado em conhecer como esta


família se organiza e opera, quais os significados que são ou não compartilhados por
seus membros.

No Brasil podemos destacar como grandes nomes da Terapia Familiar; Marilene


Grandesso, Maria José Esteves, Terezinha Féres, Rosa Macedo, Sandra Fedulo,
Roberto Faustino (Recife), Rosana Rapizzo, Luiz Carlos Prado, dentre outros. É
possível compreendermos que o sistema familiar vive interações que repercutem no seu
desempenho, tanto em seu ambiente interno como externo. Desta forma, conseguimos
entender um dos principais pilares da Terapia Familiar que é a circularidade que
estuda atenciosamente, as sequências interacionais dos familiares, para um olhar
mais aprofundado acerca dos fatores que estão “segurando” o padrão comportamental
familiar. Sabe-se que todo sistema faz parte de um sistema maior, por esse motivo, é
importante relacionar a família, observando-se sua rede de subsistemas, mediante a
leitura de contextos mais amplos, ou seja: indivíduo, grupo, comunidade, sistema de
crenças, cultural, político.

A família é compreendida como um sistema aberto, e, dependendo de como administra


suas relações, poderá trabalhar para diante de um desafio, problema, continuar na sua
zona de conforto e não propiciar a mudança, ficando na homeostase. Pode também
trabalhar no favorecimento da mudança buscando condições de superação e novos
significados.

É importante ressaltar que a Terapia Familiar dos dias atuais, tem seus paradigmas
baseados na ciência pós-moderna e se apoia nos seguintes conceitos:

»» complexidade (não existe só uma realidade): base no multiverso; há


diferentes olhares, múltiplos significados acerca de um mesmo fato.
imprevisibilidade: compreender que as imprevisibilidades existem, pois
muitos fatos não estão sob o nosso controle;

»» intersubjetividade-influências recíprocas entre o observador e a realidade


observada: negação da neutralidade. Ou seja, enquanto participante do
processo terapêutico, o terapeuta, também, coloca nesse percurso suas
vivências.

A Teoria Sistêmica nos ensina a olhar como a vida das pessoas é moldada pelas interações
tanto com seus familiares como pelos contextos nos quais estão inseridos. O contexto
familiar é compreendido de forma menos objetiva e mais complexa, na qual se vai em
busca dos diversos significados dos membros familiares e da família como um todo. O
terapeuta familiar deverá atuar como um facilitador, ajudando nesse processo de curar
feridas e também de mobilizar talentos e recursos.
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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

Para tal é preciso que ao trabalhar no processo terapêutico familiar, o terapeuta possa
se aprofundar nos seguintes pontos significativos:

»» contexto relacional;

»» circularidade dos comportamentos: individual e familiar, emocional,


afetivo, cognitivo;

»» padrão de comportamento familiar – abertura/fechamento à mudança;

»» estrutura familiar: subsistemas, fronteiras, triângulos, alianças, colisões,


hierarquia, papéis;

»» heranças familiares e suas influências: proximidade e diferenciação,


sentimento de pertencer à família através dos seus valores e aprendizados,
mas também se trabalhar em busca de um sentido de autoria própria:
autonomia.

Esse olhar familiar é transgeracional focando a família de origem e a família nuclear.

Muitas vezes, trabalhamos com a compreensão de três gerações; processos de


comunicação;

»» crenças, valores, significados;

»» ciclos de vida familiar;

»» função do sintoma na família.

O terapeuta familiar sistêmico procura desenvolver uma epistemologia voltada à


atenção de como evolui na sua forma de conhecer, atuar, mediante a observação atenta
dos seus valores, sua visão de mundo, e a forma através da qual faz a integração desses
fatores ao contexto terapêutico. Seu olhar é, continuadamente, voltado ao contextual, ao
relacional, sem esquecer também o valor do fator individual em cada sistema familiar,
refletindo o terapeuta, que ao mesmo tempo é parte integrante do sistema.

Contextualizando uma visão pós-moderna sistêmico-si-cibernética, dentro do conceito


da Terapia familiar, Maria José Esteves (1998) coloca que é importante reforçar os
seguintes pontos:

»» entender que a família é um sistema aberto e que o terapeuta não está


a serviço de reparar ou consertar a disfunção. Importante o trabalho
cooperativo entre família e terapeuta voltando o olhar à família também
como recurso e não só dificuldade;

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

»» a intersubjetividade do terapeuta deverá ser compreendida e incluída no


contexto do sistema: o terapeuta deverá, ao mesmo tempo que faz parte
do sistema, dele tomar distância para refletir conteúdos que são seus e
das famílias;

»» sabendo que não existe apenas uma realidade, o terapeuta precisa estar
consciente das suas ideias que tem acerca das patologias, estruturas
disfuncionais, seus preconceitos, das suas demandas, para que colocando
tudo isso em parênteses, possa estar aberto para visões alternativas;

»» é essencial que o terapeuta aja como facilitador da autonomia do cliente,


vez que ele tem a função de “arquiteto do diálogo”, que incentiva condições
e facilita a abertura para a criação do espaço dialógico;

»» o terapeuta deverá compreender que adotar o pensamento circular não


significa anular o pensamento linear, que faz parte da sobrevivência
de todos nós. Importante é focalizar ideias, sentimentos e ações,
compreendendo como esses se entrelaçam e contribuem ao sentido de
autoria das famílias, olhando também as condições de interdependência
dessas situações;

»» fundamental ao terapeuta pós-moderno é investir, continuadamente, no


exercício de aprender sobre terapia familiar, aprender como fazer terapia
familiar e aprender como ser um terapeuta de família.

Vivemos hoje na terapia familiar a uma multiplicidade de abordagens, tantos quantos


forem os terapeutas em questão. Contudo, a ausência de um purismo de abordagens
não significa uma anarquia epistemológica se considerarmos os marcos referenciais da
pós-modernidade como seus denominadores comuns. Uma coerência epistemológica
une as práticas pós-modernas de terapia em torno de alguns pressupostos teóricos
comuns que organizam a ação dos terapeutas.

»» A consciência de que o terapeuta coconstrói no sistema terapêutico em


ação conjunta com a família, a definição do problema e das possibilidades
de mudança.

»» A crença de que toda mudança só pode se dar a partir da própria pessoa


e da sua organização sistêmica autopoiética, sendo responsabilidade e
especialidade do terapeuta a organização da conversação terapêutica.

»» A mobilização dos recursos da família, da comunidade, das redes de


pertencimento, legitimando o saber local de pessoas e contextos.

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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

»» Uma concepção não essencialista de self, compreendido como construído


no contexto das relações e práticas discursivas.

»» A visão da pessoa como autora de sua história e existência, competente para


a ação, para o agenciamento de escolhas a partir de um posicionamento
autorreflexivo, moral e ético, podendo criar e expandir suas possibilidades
existenciais.

»» A ênfase sobre os significados socialmente construídos na linguagem e


nos espaços dialógicos, sendo construídos nos discursos emergentes e, ao
mesmo tempo, responsáveis por suas transformações.

»» A crença no diálogo, definido como um cruzamento de perspectivas,


como uma prática social transformadora para todos os envolvidos,
independente de seu lugar como terapeuta e cliente.

»» A ênfase nas práticas de conversação e nos processos de questionamento


como recurso para gerar reflexão e mudança, conforme expande os
horizontes de terapeutas e clientes.

»» A adoção de postura hermenêutica em que a compreensão é coconstruída


intersubjetivamente pelos participantes da conversação.

»» A ênfase muito mais no processo do que no conteúdo das histórias,


compreendendo as narrativas como locais e, portanto, idiossincráticas.

Refletindo sobre o panorama atual da Terapia Familiar podemos considerar que


sua consistência decorre de uma epistemologia unificadora pós-moderna apoiada
numa hermenêutica contemporânea construída na intersubjetividade, envolvendo
a pessoa do terapeuta como coconstrutor das realidades com as quais trabalha. A
prática dessas terapias ditas pós-modernas envolve um trânsito do terapeuta entre
teoria e prática de modo epistemologicamente coerente, de acordo com os meios que
se lhe apresentem mais úteis e despertem seu entusiasmo e criatividade enquanto
interlocutor qualificado.

Enquanto uma prática social transformadora esta terapia se organiza a partir dos
contextos locais e das histórias culturais de distintas comunidades linguísticas.
O respeito pela diversidade e multiplicidade de contextos com seus saberes locais
implica numa terapia construída a partir da aceitação da responsabilidade relacional
do terapeuta, legitimando os direitos humanos de bem-estar e de exercício da livre
escolha.
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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Os imensos desafios que se apresentam para o terapeuta, vindos do campo da saúde


mental, das instituições voltadas para o cuidado e tratamento da pessoa, dentro
de uma perspectiva pós-moderna, convidam para a humildade na construção do
conhecimento e conduzem, cada vez mais para uma ação transdisciplinar numa
instância de trocas colaborativas entre os distintos domínios de saber e no uso de
técnicas como recursos a serviço do bem-estar. O caráter autorreferencial e de reflexo
presente nas terapias pós-modernas, desafiam o terapeuta a tornar explícitos os seus
pré-juízos, os seus valores, suas opções ideológicas, nos limites da sua subjetividade,
estabelecendo parâmetros para a clínica que pratica harmonizando de forma estética
teoria e prática a serviço do bem estar das famílias que são atendidas.

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CAPÍTULO 2
Terapia familiar

A família é uma unidade social que enfrenta uma série de tarefas de


desenvolvimento. Estes diferem de acordo com os parâmetros das diferenças
culturais, mas têm raízes universais.

Minuchin

A Terapia Familiar estuda os indivíduos enquanto parte integrante de sistemas


interpessoais, que por sua vez servem de contexto explicativo das condutas. Este
enfoque, é uma explicação da denominada Teoria Geral dos Sistemas (TGS), no que
concerne ao campo comportamental.

A Teoria Geral dos Sistemas é um modelo abstrato com um nível de generalização tal
que se pode aplicar a diferentes ciências. O que os psicoterapeutas familiares fizeram
foi tomar os seus conceitos básicos e utiliza-los ao campo da Terapia Familiar.

O conceito de família está diretamente relacionado a uma unidade fundamental que


acompanha a formação e o desenvolvimento do ser humano. Sua composição ocorre por
pessoas que estabelecem entre si profundas ligações emotivas, que são naturalmente
complexas e diferentes ao longo da vida e muitas vezes unem várias gerações, podendo
possuir elementos que, não tendo ligação biológica com a família, são afetivamente
muito importantes no enredo das relações familiares. A família designa assim um
conjunto de elementos emocionalmente ligados entre si.

A Terapia Familiar é um diálogo que se constrói e desenvolve no tempo, envolvendo um


terapeuta disponível e uma família normalmente em grande sofrimento.

É uma procura de novas alternativas que não passa por resolver problemas e corrigir
erros, mas, principalmente, por colocar em evidência a competência da própria família,
ativando a sua participação na resolução dos seus problemas.

Os terapeutas não transformam, mas suscitam ocasiões favoráveis às mudanças,


costumam orientar o seu foco de intervenção mais para o modo como os padrões de
interação sustentam um problema, do que propriamente para a identificação das suas
causalidades. Considera-se que a família como um todo é maior do que a soma das
partes.

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

A Terapia Familiar, muitas vezes está associada à sua variante de terapia de casal,
e conhecida como terapia familiar sistêmica devido à sua origem no seio do modelo
sistêmico, é um tipo de terapia que se aplica a casais ou famílias, onde os membros
possuem algum nível de relacionamento. A terapia familiar sistêmica tende a
compreender os problemas em termos de sistemas de interação entre os membros de
uma família. Desse modo, os relacionamentos familiares são considerados como um
fator determinante para a saúde mental e os problemas familiares são vistos mais como
um resultado das interações sistêmicas, do que como uma característica particular de
um indivíduo.

O pensamento sistêmico surgiu no século XX em contraposição ao pensamento


“reducionista-mecanicista” herdado dos filósofos da Revolução Científica do século
XVII, como Descartes, Bacon e Newton.

É uma forma de abordagem da realidade que compreende o desenvolvimento humano


sobre a perspectiva da complexidade, o mesmo não nega a racionalidade científica,
porém acredita que ela não oferece parâmetros suficientes para o desenvolvimento
humano, sendo assim deve ser desenvolvida conjuntamente com a subjetividade das
artes e das diversas tradições espirituais. É considerado como componente do paradigma
emergente, representado por cientistas, pesquisadores, filósofos e intelectuais de vários
campos. Por definição, aliás, o pensamento sistêmico inclui a interdisciplinaridade. É
importante destacar que ele é percebido através da abordagem sistêmica que lança seu
olhar não somente para o indivíduo isoladamente, pois considera também seu contexto
e as relações aí estabelecidas.

Para se pensar de forma sistêmica é necessário ter uma nova forma de olhar o mundo
e o homem, além disso, também é exigida uma mudança de postura por parte do
cientista, postura esta que propicia ampliar o foco e entender que o indivíduo não é o
único responsável por ser portador de um sintoma, mas sim que existem relações que
mantém este sintoma.

De acordo com Capra (1996), o pensamento sistêmico tem raízes


teóricas na biologia organísmica, na física quântica, na psicologia
Gestalt e na ecologia. É uma disciplina, e não uma tecnologia, porque
constitui um regime de ordem livremente consentida pela pessoa ou
grupo interessado. Entretanto, é possível “empacotar” (codificar) os
princípios da dinâmica de sistemas como tecnologia de modelagem
matemática (BRIDGELAND,1998).

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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

A terapia familiar sistêmica consiste em uma abordagem terapêutica em que todos os


indivíduos participam da sessão, a família funciona como um todo, onde as pessoas
interagem umas com as outras e influenciam essas relações em apoio mútuo.

O terapeuta familiar pode oferecer uma melhora das interações no interior do sistema
familiar e fazer um processo de recodificação de mensagens, onde possibilita a maior
compreensão nas suas comunicações. Também pode facilitar uma busca e descoberta
de novos caminhos de relação sistêmica, incitar a todos para atuarem e descobrirem
onde convém introduzir mudanças para favorecer uma evolução e um amadurecimento
ao paciente identificado e em todo sistema.

A terapia familiar evoluiu a partir de uma multiplicidade de influências tendo recebido


contribuições de diferentes áreas do conhecimento. Desde o início da formulação da
psicanálise, Freud considerou e ressaltou em seus estudos as relações familiares em
Fragmento da Análise de um Caso de Histeria (1905), ele afirma que devemos prestar
tanto atenção às condições humanas e sociais dos enfermos quanto aos dados somáticos
e aos sintomas patológicos, ressaltando que o interesse do psicanalista deve dirigir-se
sobretudo para as relações familiares dos pacientes. Freud faz referência à família em
vários outros momentos de sua obra. Em uma das suas conferências ele se refere às
resistências externas, emergentes das circunstâncias do paciente, de seu ambiente, que
interferem no processo analítico e que podem explicar um grande número de fracassos
terapêuticos. Ressalta que, muitas vezes, quando a neurose tem relação com os conflitos
entre os membros de uma família, os membros sadios preferem não prejudicar seus
próprios interesses a colaborar na recuperação daquele que está doente. Todavia, apesar
da preocupação com as relações familiares e da importância que atribui a elas, Freud,
como sabemos, não desenvolveu uma teoria da família nem tampouco uma técnica de
atendimento familiar.

Na área “psi”, podemos ressaltar algumas postulações teóricas de autores que colaboram
para o surgimento da terapia familiar. Um importante precursor, sem dúvida, foi Adler
que enfatiza, na sua teoria do desenvolvimento da personalidade, a importância dos
papéis sociais e das relações entre estes papéis na etiologia da patologia. Influenciado
pelas teorias de Adler, Sullivan coloca que a doença mental tem origem nas relações
interpessoais perturbadas e que um entendimento mais completo do indivíduo só
pode ser alcançado no contexto de sua família e de seus grupos sociais. Sullivan coloca,
assim, a patologia na relação, na dimensão interacional. Paralelamente a Sullivan,
Frieda Fromm-Reichman estuda a relação mãe-filho como possível fonte de patologia
e formula o conceito de mãe esquizofrenogênica para explicar, em termos etiológicos, a
relação do paciente esquizofrênico com sua mãe.
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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

No final da Segunda Guerra, surge o movimento das comunidades terapêuticas, proposto


por Maxwell-Jones, para a reformulação da assistência psiquiátrica. O conjunto das
relações imediatas do paciente internado passou a ser considerado no seu tratamento. A
ideia fundamental é que a melhora do quadro clínico do paciente vai ocorrer na medida
em que ansiedades e conflitos surgidos nas relações entre os membros da comunidade
hospitalar possam ser trabalhados. Em seguida, Pichon-Rivière inclui a família na
sua compreensão da doença mental e desenvolve a noção de “bode expiatório” como
depositário da patologia que é de toda a família. Todos estes movimentos, formulações
teóricas e novas compreensões da patologia propiciaram o surgimento dos primeiros
estudos no campo da terapia familiar propriamente dita.

No início da década de 1950, ao mesmo tempo em que crescia, a partir da produção


teórica, a consciência da importância da família no desenvolvimento e na manutenção
da patologia mental, a prática clínica vigente era regida por regras que ressaltavam que
o contato com a família do paciente não deveria ser feito.

Esta situação postergou a divulgação do trabalho clínico inicial com famílias e tornou
a pesquisa, neste período, o modo mais facilmente aceitável de se atenderem famílias,
facilitando a aprendizagem sobre seu funcionamento e sobre as possibilidades
terapêuticas de atendimento conjunto. Assim, os primeiros autores importantes na
área da terapia familiar, produziram conceitos teóricos relevantes sobre estrutura e
dinâmica da família, ao longo do desenvolvimento de grandes projetos de pesquisa.
Esta pesquisa inicial foi realizada com a população esquizofrênica, tendo em vista ser a
esquizofrenia uma doença frequente, de longa duração, com alto índice de reincidência,
e muito resistente aos métodos terapêuticos vigentes. O problema social dela decorrente
justificou a aplicação de verbas públicas na investigação desta patologia, o que ocorreu,
neste momento, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Dentre os vários grupos de pesquisa que se organizaram, o grupo de Gregory Bateson,


cujo trabalho foi desenvolvido em Palo Alto, tem como resultado, em 1956, a primeira
publicação na área; o artigo clássico intitulado Toward a Theory of Schizophrenia
em que são postuladas as bases familiares da etiologia da esquizofrenia e formulado o
conceito de duplo-vínculo. Segundo estes autores, para que tenha lugar uma situação
de duplo-vínculo são necessárias as seguintes condições: duas pessoas com um alto
nível de envolvimento (em geral a mãe e o seu bebê); um paradoxo infringido pela
mãe ao bebê que é chamado de “vítima”; a repetição desta experiência que passa a
ser habitual; a impossibilidade da «vítima» de abandonar o campo, ou seja, escapar
ao paradoxo. Aos poucos, o foco destes estudos, inicialmente voltados para famílias
com pacientes esquizofrênicas foi se ampliando, abrangendo famílias com pacientes
neuróticos e eventualmente famílias sem patologias sérias. Os trabalhos mostraram

21
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

que os fenômenos descobertos nas famílias esquizofrênicos eram elementos básicos


na dinâmica familiar. Constata-se que os mesmos princípios interacionais estavam
presentes em todas as famílias, embora em graus diferentes. A patologia não representava
(assim como não representa no indivíduo) uma situação qualitativamente diferente,
mas uma exacerbação de determinados padrões.

O campo da terapia familiar

O enfoque sistêmico

Os Estados Unidos, que estão agora na terceira geração de terapeutas familiares,


reclamam para si o pensamento sistêmico no trabalho clínico com famílias. A partir da
teoria geral dos sistemas e da teoria da comunicação surgiram várias escolas de terapia
familiar e vários institutos e centros de atendimento e de formação foram criados. Para
os teóricos da comunicação, qualquer comportamento verbal ou não verbal, manifestado
por uma pessoa – o emissor – em presença de outra – o receptor – é comunicação. Ao
mesmo tempo em que a comunicação transmite uma informação, ela define a natureza
da relação entre os comunicantes. Estas duas operações constituem, respectivamente,
os níveis de relato (digital) e de ordem (analógico) presentes em qualquer comunicação.
Quando estes dois níveis se contradizem, temos o paradoxo. A comunicação paradoxal
está na origem da patologia familiar.

A família é vista como um sistema equilibrado e o que mantém este equilíbrio são
as regras do funcionamento familiar. Quando, por algum motivo, estas regras são
quebradas, entram em ação meta-regras para restabelecer o equilíbrio perdido.

A terapia desenvolvida a partir deste enfoque enfatiza a mudança no sistema familiar,


sobretudo pela reorganização da comunicação entre os membros da família. O passado
é abandonado como questão central, pois o foco de atenção é o modo comunicacional
no momento atual. A unidade terapêutica se desloca de duas pessoas para três ou mais
na medida em que a família é concebida como tendo uma organização e uma estrutura.
É dada uma ênfase a analogias de uma parte do sistema com relação a outras partes, de
modo que a comunicação analógica é mais enfatizada que a digital.

Os terapeutas sistêmicos se abstêm de fazer interpretações na medida em que


assumem que novas experiências no sentido de um novo comportamento que
provoque modificações no sistema familiar é que geram mudanças. Neste sentido são
usadas prescrições nas sessões terapêuticas para mudar padrões de comunicação, e
prescrições, fora das sessões, com a preocupação de encorajar uma gama mais ampla

22
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

de comportamentos comunicacionais no grupo familiar. Há uma certa concentração


no problema presente, mas este não é considerado apenas como um sintoma. O
comportamento sintomático é visto como uma resposta necessária e apropriada ao
comportamento comunicativo que o provocou. A partir do enfoque sistêmico, várias
escolas de terapia familiar se desenvolveram, entre elas a Escola Estrutural, a Estratégia,
a de Milão e, mais recentemente, a Escora Construtivista.

Atendimento familiar

Terapia familiar é um método psicoterapêutico que utiliza como meio de intervenção


sessões conjuntas com os diversos elementos de um sistema familiar.

A terapia familiar não é uma terapia da família, mas com a família, isto é, diz respeito,
sobretudo a um modelo de trabalho familiar, não estando nos seus propósitos adaptar
famílias a uma definição preestabelecida.

Em terapia familiar o conceito de família é usado em sentido lato, englobando todos os


elementos significativos do contexto em que se vai centrar a intervenção. O contexto
familiar é mais focado por ser mais possível intervir com as famílias e também por
se considerar que a família é uma unidade de vital e duradoura importância para o
indivíduo, devido aos laços biológicos e emocionais que a caracterizam e as regras
específicas que governam as suas relações.

Em terapia familiar sistêmica a família é definida como um sistema, isto é, um


conjunto de elementos ligados por um conjunto de relações, em continua relação com
o meio exterior, mantendo o seu equilíbrio interno no decurso de um processo de
desenvolvimento complexo, com crises regulares que exigem um reajustar flexível do
conjunto das regras que regulam o funcionamento do sistema familiar.

O desenvolvimento da terapia familiar sistêmica vai surgir enquadrado na lenta


transformação do pensamento cientifico ocorrida no século XX.

No que diz respeito à psicologia e psiquiatria não ha dúvida que a formulação da teoria
geral dos sistemas por Bertalanffy em 1967 marcou um avanço decisivo. Essa teoria
postula que os isomorfismos estruturais se encontram na estrutura formal dos diferentes
sistemas e analisa a estrutura de organização dos sistemas físicos, biológicos e outros,
de modo a atingir uma teoria geral que possa explicar em longo prazo o conjunto
do mundo e dos seus fenômenos. É a partir de Bertallanfy que surge o princípio da
equifinalidade, que nos diz que diferentes sistemas atingirão o mesmo fim mesmo com
pontos diferentes de partida, desde que a sua organização seja idêntica.

23
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

Neste momento já não é possível aceitar, a luz dos progressos atrás resumidos, uma
explicação monocausal para um determinado comportamento patológico; dizer que a
causa daquilo que observamos é uma deficiência enzimática ou uma fraqueza do eu
é continuar, em psicologia, um reducionisrno monocausal que as outras ciências já
puseram de parte. Estarmos em pleno paradigma sistêmico, na medida em que nos
confrontamos com um novo modelo de pensamento no qual surgem novas teorias
gerais de conhecimento – trata-se de urna nova epistemologia.

A explicação dos fenômenos psicológicos tem que ser procurada não a partir de um
fato único, mas através da análise de uma série de fatores, agindo conjuntamente, que
segundo o seu modo de organização vão atingir a probabilidade suficiente para provocar
um determinado comportamento. Corno resume Guntern o comportamento patológico
é descrito como o resultado de um campo de transação complexo em que os fatores
genéticos, os processos de aprendizagem e os modos de comunicação conduzem a uma
determinada constelação que finalmente leva a esse comportamento.

A terapia sistêmica processa-se através de encontros regulares de um ou dois terapeutas


com uma família que aceite este tipo de intervenção, com uma frequência semanal
ou quinzenal. Inicialmente os terapeutas discutem o pedido da família e escolhem a
unidade de intervenção, que em regra é a família nuclear tradicional (pais e filhos), mas
pode ser a família extensa, trabalhando com três gerações simultaneamente ou com
outros elementos importantes para a compreensão do problema em causa.

O terapeuta trabalha fundamentalmente segundo dois eixos – o eixo do aqui e agora


– em que são recriados na sessão terapêutica os conflitos e interações que trazem a
família, a terapia e o eixo multigeneracional em que se trabalham na sessão os mitos,
papéis e funções características da família em causa e relevantes para a resolução do
seu problema. Todos os membros do sistema são ouvidos e participam ativamente na
sessão e é desejável que cada um deles tenha, ao longo da terapia, a sua experiência de
crescimento.

A família deve ser protagonista da sua mudança e o terapeuta tem como função
primordial criar alternativas para que essa mudança seja possível. Whitaker compara a
terapia familiar a uma viagem, em que os terapeutas têm a função de guias.

Quando está indicada uma terapia familiar?

Dado que a terapia familiar sistêmica corresponde a um novo olhar sobre a realidade da
perturbação psicológica, diremos que está indicada sempre que houver uma perturbação
no sistema biopsicossocial humano (casal, família, empresa, grupo de trabalho etc.).

24
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Torna-se, contudo necessário que o sistema em causa aceite a intervenção e haja um ou


vários terapeutas treinados no trabalho sistêmico.

A prática da terapia familiar exige um treino prolongado dos terapeutas e uma ética
rigorosa: há que respeitar totalmente as características de uma família e, sobretudo
procurar que esta acredite na sua capacidade de resolução da crise. O tempo acabou
para os terapeutas messiânicos, que através de sessões onde ninguém sabia o que se
passava, curavam individualmente pessoas (se bem que ao longo de muitos anos).

A terapia familiar é praticada a frente de vários elementos de uma família, frequentemente


com as sessões registradas e acessíveis para supervisão e não pretende curar uma
família, preferindo que rapidamente o grupo familiar seja capaz de resolver por si os
seus problemas.

A fase de implantação em que a terapia familiar sistêmica se encontra em Portugal leva


a que seja útil apontar algumas indicações preferenciais:

»» sempre que através do relato de um indivíduo o terapeuta pressinta a


disfunção do sistema familiar (o clássico padrão do bode expiatório);

»» sempre que o problema apresentado o seja em termos de interação,


como por exemplo nos casos de conflito marital, problemas pais-filhos
no contexto da adolescência, crise familiar após separação ou morte etc.;

»» em situações patológicas em que seja evidente a importância de trabalhar


o sistema relacional do indivíduo portador do sintoma, como única forma
de quebrar a cadeia de interações que o perpetua, como nos casos de
sintomas fóbicos, anorexia mental, alcoolismo, asma brônquica, tentativa
de suicídio juvenil etc.

Todos os técnicos que trabalham com famílias utilizam conceitos e métodos que
aprenderam com várias escolas de Terapia Familiar ou mais numa perspectiva
transgeracional, estrutural ou estratégica, ou relacionadas com o modelo psicanalítico
ou comportamentalista.

O modelo escolhido deverá ser aquele que melhor resulte na sua aplicação prática e que
melhor se adéqua à personalidade do técnico.

25
CAPÍTULO 3
As escolas e a terapia pós-moderna

A família poderia assim se constituir de uma instituição normalizada por uma série
de regulamentos de afiliação e aliança, aceitos pelos membros. Alguns desses
regulamentos envolvem: a exogamia, a endogamia, o incesto, a monogamia, a
poligamia, e a poliandria. (MINUCHIN, 1990).

Escola estrutural
Na década de 1950 a Teoria Estruturalista tornou visível o conflito entre as Teorias
Clássica e das Relações Humanas. A primeira considerava a organização formal sob
uma visão de que para as empresas serem eficientes, deveria ter o foco na estrutura e na
forma. Já a última valorizou a teoria informal, as pessoas e os grupos internos.

A Abordagem Estruturalista criou uma teoria mais abrangente, entendendo a empresa


como uma organização aberta, ou seja, tendo grande interação com o ambiente externo
direto e indireto. Além do conceito de homem organizacional, dos inevitáveis conflitos
e dos incentivos mistos dentro da organização.

A Escola Estruturalista surgiu em decorrência do declínio do movimento das relações


humanas, no final da década de 1950, com os seguintes aspectos:

1. Oposição entre os aspectos formais, e os defendidos pelos autores da


escola clássica informais, valorizados pelos autores da Escola de Relações
Humanas.

2. A necessidade de visualizar a organização como um todo, e não de forma


compartimentada e isolada. A organização lida com muitas variáveis
complexas de ordem interna e externa. Ela tanto influencia como pode
ser influenciada pelo ambiente externo direto e indireto.

3. A repercussão dos resultados dos estruturalistas na compreensão das


organizações como um todo integrado e complexo.

Conceito de estruturalismo

O estruturalismo é um método analítico e comparativo que estuda os elementos ou


fenômenos em sua totalidade, salientando seu valor de posição.
26
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Os estruturalistas preocupam-se com as relações e interconexões das partes na


constituição e na compreensão de todos. O estruturalismo esta alicerçado na totalidade
e na reciprocidade para facilitar o entendimento de que o todo é o maior que a simples
soma das partes.

Fundamentos da escola estruturalista

O homem organizacional: é aquele que desempenha diferentes papéis em organizações


diversas. Para cada papel desempenhado, o homem deve adotar posturas/comportamento,
como a flexibilidade, tolerância, capacidade de adiar as recompensas e permanente
desejo de realização. A necessidade de o homem relacionar seu comportamento com
o de outras pessoas, com o fim de atingir um objetivo, gera a organização social. Na
organização social, encontramos o elemento comportamento, gerado pelo estímulo, e o
elemento estrutura, que é formado por categorias de comportamento ou conjuntos de
comportamentos agrupados.

Os conflitos inevitáveis: para os estruturalistas, o conflito entre grupos é um processo


social fundamental, pois é o grande elemento propulsor do desenvolvimento, embora
isso nem sempre ocorra. O movimento estruturalista não só reconheceu o conflito
como inevitável, mas também como muitas vezes desejável para tirar os empregados da
zona de conforto. Ele deve estimular a mudança, ou seja, a passagem do estado estável
para o estado instável. A administração de conflitos requer a conservação de um nível
adequado de conflitos em um grupo. Pouco conflito gera estagnação. Muito conflito
gera rupturas e brigas internas. Ambos os casos são prejudiciais para o grupo. Dessa
forma, compete ao gestor manter um nível adequado de conflitos por meio da utilização
de técnicas de resolução e estimulação de conflitos. O conflito nas organizações pode
ser decorrente tanto dos atributos estratégicos, estruturais, processuais e ambientais
quanto de desempenho.

Fatores como origem, educação, experiência e treinamento moldam cada empregado


em uma personalidade única com um conjunto particular de valores. O resultado é que
as pessoas podem ser vistas pelas outras como ríspidas, indignas de confiança, difíceis,
estranhas de lidar. Essas diferenças pessoais podem estimular o conflito.

As técnicas geralmente utilizadas na resolução de conflito são a abstenção, acomodação,


imposição ou coerção, acordo ou conciliação e colaboração.

Os incentivos mistos: os estruturalistas consideram importantes tanto os incentivos e


recompensas psicossociais quanto os materiais, bem como as influências mútuas.

27
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

Os símbolos e os significados também devem ser prezados e compartilhados pelos


outros, como a esposa, os colegas, os amigos, os vizinhos. Embora as recompensas sociais
sejam importantes, elas não diminuem a importância das recompensas materiais.

Alguns autores identificaram a corrente, que foi denominada corrente estruturalista,


cujo enfoque foi estabelecer uma crítica sobre o que tinha sido escrito até então dentro
desse campo. Com isso foram passados em revista os conceitos da Escola Clássica,
de Relações Humanas e da Burocracia, tomando-se novamente a retórica sobre
organizações e sua complexidade.

As escolas anteriormente estudadas tinham visão parcial dos elementos que compunham
uma organização. E é impróprio considerarmos que o Estruturalismo constitui por si
só um corpo teórico com inovações conceituais sobre a administração, mas não o é
considerá-lo a forma organizada de analisar os mesmos problemas já abordados de
maneira fragmentada.

Ao estudarmos a organização sob a óptica estruturalista estamos necessariamente


fazendo uma análise globalizante de todos os fatores que compõem o todo organizacional.
Mais que isso, estamos reconhecendo a integração e interdependência desses fatores.
Outro aspecto importante do conceito de estruturalismo é a influência que esses fatores
exercem uns sobre outros, donde surge a necessidade de reconhecer a existência de um
ambiente onde eles se inserem.

A finalidade da organização, em um sentido amplo, depende de alguma combinação


dos seguintes fatores: das hipóteses concernentes à natureza do homem, da unidade de
análise, ou seja, dos níveis institucionais, individuais e organizacionais e, por último,
do ponto de partida da organização.

Minuchin é o principal teórico da Escola Estrutural e para ele a família é um sistema


que se define em função dos limites de uma organização hierárquica. O sistema familiar
diferencia-se e executa suas funções através de seus subsistemas. As fronteiras de um
subsistema são as regras que definem quem participa de cada subsistema e como
participa. Para que o funcionamento familiar seja adequado, estas fronteiras devem
ser nítidas. Quando as fronteiras são difusas, as famílias são aglutinadas; fronteiras
rígidas caracterizam famílias desligadas. Famílias saudáveis emocionalmente possuem
fronteiras claras. A estrutura não é, para Minuchin (1974), uma entidade imediatamente
acessível ao observador. É no processo de união com a família que o terapeuta obtém
os dados do escalonamento do stress e a utilização dos sintomas. A terapia estrutural é
uma terapia de ação, e o sintoma é visto como um recurso do sistema para manter uma
determinada estrutura.

28
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Escola estratégica

A Escola Estratégica (HALEY, 1985; MADANES, 1984) é um modelo pragmático voltado


essencialmente para a clínica. Sua preocupação é com a solução do problema e com a
identificação dos comportamentos que mantêm o problema. Para cada resolução de
problema, são traçadas estratégias específicas. Há um plano geral, que inclui a primeira
entrevista, a qual tem lugar muito importante, pois além de explorar o problema,
estabelece as metas e as atribuições que cabem a todos. Progressivamente vão sendo
planejadas intervenções que requerem cooperação de todos, até o estágio de resolução
do problema, e uma fase posterior de manutenção dos ganhos obtidos.

O termo estratégico é utilizado para descrever qualquer terapia em que o terapeuta


realiza ativamente intervenções para resolver problemas. A visão estratégica define o
sintoma como expressão metafórica ou analógica de um problema representando, ao
mesmo tempo, uma forma de solução insatisfatória para os membros do sistema em
questão.

A abordagem terapêutica é pragmática: trabalham-se as interações e evitam-se os


porquês. O principal objetivo é mudar o comportamento manifesto do paciente. São
utilizadas instruções paradoxais que consistem em prescrever comportamentos que,
aparentemente, estão em oposição aos objetivos estabelecidos, mas que visam a
mudanças em direção a eles. A instrução paradoxal é mais frequentemente utilizada
sob a forma de prescrição de sintoma, isto é, encorajando- se aparentemente o
comportamento sintomático. Para Watzlawick et al. (1967) o uso do paradoxo leva a
substituir a ação do duplo vínculo patogênico por um duplo vínculo terapêutico.

Escola de milão

Refere-se à escola da psicoterapia sistêmica desenvolvida pelos psiquiatras e


psicanalistas milaneses Mara Selvini Palazzoli, Luigi Boscolo, Gianfranco Cecchin e
Giuliana Prata. Esse grupo de estudiosos afastou-se da psicanálise na década de 1970
e dava ênfase ao tratamento da família como um todo, priorizando a observação do
“jogo” intrafamiliar, ou seja, das regras internas e implícitas que regem a família – e
que – normalmente servem de apoio à sintomática.

Foi então desenvolvido um modelo sistêmico de intervenção familiar, que é utilizado no


atendimento de famílias anoréticas e ou com problemas sérios emocionais.

Partindo da hipótese de que a família é um sistema autorregulado que se governa


através de regras, Palazzoli et al.( 1978 ) relata suas pesquisas com diferentes grupos
de famílias e conclui que as famílias de anoréticos são caracterizadas pela presença

29
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

de redundâncias comportamentais e por regras particularmente rígidas, enquanto as


famílias com um paciente psicótico, embora a rigidez do modelo base, apresentam
enorme complexidade nas modalidades transacionais.

Um princípio terapêutico fundamental para o grupo de Milão é a conotação positiva


dos comportamentos apresentados pela família. Quando se qualificam como positivos
os comportamentos sintomáticos, motivados pela tendência homeostática do sistema
e não os comportamentos. Outro tipo de intervenção utilizada por este grupo é o ritual
familiar, ou seja, uma ação ou uma série de ações das quais todos os membros da família
são levados a participar. A prescrição de um ritual visa evitar o comentário verbal sobre
as normas que perpetuam o jogo em ação. No ritual familiar novas regras substituem
tacitamente as regras precedentes. Para elaborar um ritual o terapeuta deve ser bastante
observador e criativo. O ritual é rigorosamente específico a uma determinada família.

A neutralidade é a posição de que o sistema deve ser visto em todas as suas partes,
e todas têm a mesma importância na sua expressão. Na prática é fazer aliança com
todos os membros da família. Além do valor da equipe como um importante recurso no
atendimento, a Escola de Milão trouxe questionamento sobre intervalo entre as sessões,
como um outro recurso terapêutico (BOSCOLO; CECCHIN; HOFFMAN; PENN, 1993).
Nichols & Schwartz (2006/2007) consideram que a Escola de Milão pode ser vista
como estratégica (na origem de seus conceitos e prescrições) e com ênfase na adoção de
rituais, que são ações prescritas para dramatização da conotação positiva.

Escola construtivista

No final da década de 1970, utilizando os conceitos da cibernética de segunda ordem e de


sua aplicação aos sistemas sociais, surge a Escola Construtivista. A partir da concepção
de retroalimentação evolutiva de Prigogine (1979), considera-se que a evolução de um
sistema ocorre através da combinação de acaso e história em que, a cada patamar,
surgem novas instabilidades que geram novas ordens, e assim sucessivamente. Nesta
perspectiva em que os sistemas vivos são considerados como hipercomplexos e
indeterminados, instabilidade e a crise ganham um novo sentido no sistema familiar. A
crise não é mais um risco, mas parte do processo de mudanças, assim como o sintoma.

Assim, os terapeutas de família da Escola Construtivista passam a considerar a autonomia


do sistema familiar partindo do estudo dos sistemas auto-organizados, da cibernética
de segunda ordem, e dos sistemas autopoéticos postulados por Humberto Maturana
(1990). Ocorre, neste enfoque, uma ruptura entre o sistema familiar/observado e o
terapeuta/observador. O sistema surge como construção de seus participantes. O
terapeuta estará interessado não mais no comportamento a ser modificado, mas no

30
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

processo de construção da realidade da família e nos significados gerados no sistema.


A ênfase é deslocada do que é introduzido no sistema pelo terapeuta para aquilo que o
sistema permite a ele selecionar e compreender. Alguns terapeutas estratégicos podem
ser citados como tendo incluído posteriormente na sua prática o modo de pensar
construtivista; entre eles, os do grupo de Milão.

Palazzoli et al. (1980) estabelecem três princípios indispensáveis ao trabalho


terapêutico: a formação de uma hipótese, a circularidade e a neutralidade. A hipótese
formulada deve ser testada ao longo da sessão; se rejeitada, o terapeuta procurará
outras, baseando-se nos dados obtidos na verificação da primeira hipótese. Todas as
hipóteses devem ser sistêmicas, ou seja, devem incluir todos os membros da família e
fornecer uma conjetura que explique a função da relação. A circularidade diz respeito à
capacidade do terapeuta de conduzir a sessão baseando-se nos feedbacks recebidos da
família como resposta à informação que solicitou em termos relacionais.

A neutralidade consiste numa atitude de imparcialidade do terapeuta que se alia a


cada membro da família, neutralizando qualquer tentativa de coalizão ou sedução de
qualquer componente do grupo familiar.

O enfoque construtivista, proposto a partir de uma ótica sistêmica de segunda ordem,


questiona, portanto o poder do terapeuta na terapia familiar e as intervenções
terapêuticas diretivas. A ênfase não é colocada na pergunta, mas na construção da
interação e a ação do terapeuta pretende explorar as construções onde surgem os
problemas.

A Terapia Sistêmica de Família mudou juntamente com o mundo que já não é mais o
mesmo. As ideias pós-modernas, com contribuições dos aportes filosóficos abordando
as questões da linguagem, as teorias sobre a construção conjunta de significado, as
questões de gênero, a ética, as contribuições da nova física e os novos conhecimentos
sobre o funcionamento do cérebro e da mente formaram um pano de fundo para o
surgimento de novas escolas de Terapia de Família.

Sem abandonar completamente os pressupostos anteriores, novas abordagens


terapêuticas passaram a explorar as narrativas dos diversos membros de uma família,
em busca de diferentes descrições para os problemas e de mais recursos para o
funcionamento da família, sempre se perguntando sobre o que seria adequado em cada
contexto sociocultural. O terapeuta deixou de ser um observador externo, um especialista
em detectar problemas, para se transformar em um articulador, um mediador de
conversações preocupado em conhecer como determinada família se organiza e opera.
E também os significados construídos e compartilhados por seus membros.

31
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

Nesse meio tempo, o desenvolvimento de nossas teorias da terapia


tem caminhado rapidamente em direção a uma posição mais
hermenêutica e interpretativa. Esta posição enfatiza os sentidos
à medida que eles são criados e vivenciados pelos indivíduos nas
conversações. Na busca por esta nova base teórica, desenvolvemos
um conjunto de ideias que conduzem nosso entendimento e
explicações à arena dos sistemas em movimento, que existem
somente nos caprichos do discurso, da linguagem e da conversação.
É uma posição firmada nos domínios da semântica e da narrativa
que se apoia principalmente no princípio segundo o qual a ação
humana acontece em uma realidade de entendimento criada pela
construção social e do diálogo. Deste ponto de vista, as pessoas
vivem e compreendem seu viver por meio de realidades narrativas
construídas socialmente que conferem sentidos e organização à sua
experiência. (ANDERSON; GOOLISHIAN, 1998, p.36)

Sem negar importância do conhecimento do especialista, o pós-modernismo põe em


evidência o conhecimento local, o conhecimento trazido pelas histórias e narrativas
pessoais. Geertz (1978), inspirado em Ryle – filósofo inglês representante da geração
influenciada pelas teorias de Wittgentein sobre a linguagem – menciona dois tipos de
narrativas ou descrições: as descrições superficiais, que buscam analisar os significados
culturais a partir do ponto de vista do especialista, determinando o que eles são; e as
descrições ou narrativas densas que analisam os significados a partir do ponto de vista
dos atores, interessando-se por quem eles são.

O pós-modernismo trouxe novas metáforas para a questão da comunicação. Chamamos


a atenção para sua etimologia, que mostra a mesma origem das palavras – comum –
comuna – comungar: todas se originaram da expressão latina commune. Além da ideia
da transmissão de informações, comunicação remete ao processo de construção de um
sentido comum através da relação mediada pela linguagem.

O pensamento da pós-modernidade, associado a uma prática clínica


sistêmica, manifesta-se em um conjunto de princípios e derivações
práticas em torno dos enfoques conhecidos como construtivismo
e construcionismo social... Posso dizer que, em linhas bem gerais,
a oposição dá-se entre uma visão de construção do conhecimento
centrada no indivíduo, no caso do construtivismo, e uma centrada
na construção social, no caso do construcionismo. (GRANDESSO,
2000, p. 56)

32
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Para Benjamim, a experiência é fundamental; não a experiência isolada, mas sim a


experiência de uma pessoa em interação com seu contexto pessoal, familiar, social,
político, espiritual. E a narrativa que surgirá dessa experiência será sempre uma forma
artesanal de comunicação, cujo sentido surge a cada vez que é narrada, a cada encontro
entre narrador e ouvinte, que, estando em interação, em comunicação, construirão em
conjunto o sentido do que vivem.

33
CAPÍTULO 4
Atendimento psicológico familiar e o
genograma

De acordo com Minuchin (1999), as famílias são como sistemas sociais e, por essa
razão, é necessário prestar atenção nas características de qualquer sistema, pois
uma parte influência a outra e todo o sistema passa por períodos de estabilidade
e mudança, como também o poder dessas diferentes partes pode ser desigual
como em qualquer estrutura.

O trabalho com as famílias considera as motivações individuais, relacionais e sociais,


permitindo uma abordagem contextualizada de sentido sistêmico, ou seja, passar da
preocupação com o produto à preocupação com o encontro entre o sujeito e o produto
num contexto sociocultural, como defende Sudbrack (2001). O modelo sistêmico postula
que os problemas relacionados ao uso de drogas situam-se na interação do indivíduo com
seu contexto, existindo uma interação dinâmica entre variáveis individuais, ambientais
e a substância química. Parece-nos, então, um modelo abrangente e, portanto, o mais
indicado para dar conta da complexidade do fenômeno.

A epistemologia ecossistêmica de Bateson (1976, 1979) propõe a visão de contexto, em


oposição à visão dicotomizada de indivíduo e ambiente. O contexto indica um conjunto
vivo – o ecossistema – composto de um organismo e de seu ambiente, indissociáveis,
e ligados pela constância na relação. O ecossistema inclui o indivíduo em relação com
seu ambiente. Seguindo-se a proposta de Bateson da visão de contexto como elemento
fundamental de toda comunicação e significação, não se deve isolar o fenômeno de seu
contexto, pois cada fenômeno tem sentido e significado dentro do contexto em que se
produz.

Esta proposta de trabalho segue, também, os fundamentos da epistemologia da


complexidade nas ideias de Morin (1992, 1996, 1996a), quando nos fala do desafio de
não separar o objeto de seu meio, de não ser redutor e disjuntivo; que a complexidade
é um desafio que o real nos traz, pois a realidade é complexa. Morin (1996) coloca
que o objetivo do conhecimento não é descobrir o segredo do mundo, mas dialogar
com o mundo. O pensamento complexo luta contra a mutilação, não contra a
incompletude, diz Morin (1992). O pensamento complexo tende para o pensamento
multidimensional.

34
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Com a teoria se reconhece a instabilidade, a indeterminação, a desordem, a ordem a


partir das flutuações, a auto-organização, o acaso. Transpondo-se a perspectiva do caos
na visão da complexidade, como propõe Ausloos (1995).

A epistemologia construtivista (VON GLASERSFELD, 1988, 1995; VON FOERSTER,


1987,1988; WATZLAWICK, 1988, 1995) nos afasta da pretensão de objetivar e atingir
uma realidade (a realidade é uma construção), e toda observação inclui o observador
(como observadores, somos sempre parte do que observamos). O construtivismo
reinsere o sujeito no processo de conhecimento. O cientista não é mais um observador
neutro, mas ao contrário, as teses científicas são concebidas como criadas pelo e para
o ser humano, a fim de apreender uma natureza complexa e desordenada (CAILLÉ,
1981 apud SUDBRACK, 1997). A palavra chave no construtivismo é escolher: o
terapeuta construtivista tem por objetivo resgatar no grupo as possibilidades deste
reinvestir em outros níveis de leitura, de complexificar suas relações com o mundo
(SUDBRACK, 1994).

A família, então, é vista como recurso, como um sistema que tem competências.
Trabalhar em terapia sobre a competência supõe uma grande confiança na capacidade
do sistema familiar em resolver problemas. Ausloos (1995) coloca que todas as famílias
têm competências, mas em certas situações, elas não sabem as utilizar, não sabem que
as têm, estão impedidas de utilizá-las, ou ainda, impedem a si próprias de utilizá-las
por diferentes razões. O papel do terapeuta ou equipe terapêutica, como ativadora deste
processo de competência familiar. Sobre este aspecto Ausloos (1995) refere que o papel
do terapeuta é de trabalhar com a família para encontrar ou descobrir o que ela sabe
para reinventar soluções e para resolver seus problemas.

A psicologia que tradicionalmente tem seu foco de ação centrado na identificação de


problemas/doenças em busca de soluções “curas” é convocada a propor novas formas
de intervenção que deem conta das realidades atuais. E para que possamos construir
estas perspectivas diferentes de intervenção clínica é preciso que modifiquemos alguns
paradigmas tecnicistas. Inclusive compreendendo a intervenção clínica segundo
propõe Figueiredo (1996), ou seja, o ethos da clínica psicológica é o de uma escuta
diferenciada das aflições pelas quais passam as pessoas, aquilo que não é dito mas
que gera tensões e conflitos. O paradigma proposto então é o ético-estético, ou seja, a
produção de vida e a construção de cidadania, escutando-se o cotidiano como expressão
das práticas humanas num determinado tempo e lugar com diferentes possibilidades
de interpretação.

Acreditamos que com esta perspectiva de atendimentos às famílias, estamos ampliando


as possibilidades de os psicólogos se aproximarem das demandas atuais da sociedade,

35
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

já que a identificação dos problemas com o abuso de drogas é tema recorrente e cada
vez mais crescente. A sociedade em constante processo de mudança aponta para
vivências e sofrimentos da coletividade que se alteram, cabendo a psicologia propor
novas estratégias de enfrentamento desta realidade.

De acordo com Minuchin (1999), as famílias são como sistemas sociais


e, por essa razão, é necessário prestar atenção nas características de
qualquer sistema, pois uma parte influência a outra e todo o sistema
passa por períodos de estabilidade e mudança, como também o poder
dessas diferentes partes pode ser desigual como em qualquer estrutura.

A terapia familiar tem como objetivos, na perspectiva de Cordioli (1998), melhorar


a comunicação entre os membros, desenvolver a autonomia e a individualização das
diferentes pessoas, descentralizar e tornar mais flexíveis os padrões de liderança e de
tomada de decisões, reduzir conflitos interpessoais, além de melhorar o desempenho
individual.

Do mesmo modo, sua personalidade e comportamento são moldados pelo que a família
permite e espera dele. Para Minuchim (1999), o indivíduo é a menor unidade do sistema
familiar. O mesmo autor salienta que ele contribui para a formação de padrões familiares.
As diferentes temáticas que emergiram dos atendimentos familiares realizados
possuem desdobramentos a partir de um conflito central. O conflito que motivou o
atendimento familiar num primeiro momento é identificado em um dos membros da
família. Entretanto, no decorrer dos encontros realizados, a família começa a identificar
como os demais familiares envolvem-se na conflitiva apresentada inicialmente, assim
como, começam a perceber novas possibilidades de entendimento daquele conflito e a
possibilidade uma mudança nos padrões de funcionamento familiar.

Genograma

O genograma foi desenvolvido na América do Norte, baseado no modelo do


heredograma, e mostra graficamente a estrutura e o padrão de repetição das relações
familiares. Suas características básicas são: identificara estrutura familiar e seu padrão
de relação, mostrando as doenças que costumam ocorrer, a repetição dos padrões de
relacionamento e os conflitos que desembocam no processo de adoecer (RAKEL, 1997;
MOYSÉS; COL., 1999; MOYSÉS; SILVEIRA FILHO, 2002); também pode ser usado
como fator educativo, permitindo ao paciente e a sua família ter a noção das repetições
dos processos que vem ocorrendo e como estes se repetem.

36
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

O genograma é traçado a partir de símbolos gráficos, ao lado dos símbolos data de


nascimento, eventos importantes, patologias e nome dos pacientes. Pode ser colocado
no início do prontuário como sumário de problemas prévios, ações preventivas e
medicamentos em uso (MOYSÉS; COL., 1999).

O Genograma ou Genetograma ou ainda Árvore Genealógica de uma pessoa e família,


pode-se dizer que é uma forma de representar graficamente a composição de uma
família, ao longo de duas ou mais gerações, ou seja, algo que fala da história e padrões
de uma família. Um bom exemplo de seu uso é nas consultas médicas, onde frente a uma
determinada doença, busca-se saber quem mais na família apresenta tal enfermidade,
apontando o seu viés hereditário.

O genograma pode ser definido como um desenho gráfico da vida em família, sendo o
mesmo um instrumento de avaliação e intervenção que proporciona uma aproximação
com o tecido de transmissão familiar tramado de geração em geração. O genograma,
inserido na conversação terapêutica, transcende suas origens funcionalistas, para
transformar-se num recurso de compreensão colaborativa.

Pode-se considerar, então, que a função limitadora dos sistemas sociais, por um lado,
contribui para o senso de continuidade dos indivíduos e comunidades, por meio do
reconhecimento do familiar, do sentimento de pertencer, de fazer parte. Por outro, em
função de não conseguir dar conta de significar todas as contingências que aparecem
na vida das pessoas, propicia o aparecimento de lacunas e inconsistências que geram
as contradições, das quais os sujeitos inventam e reinventam a suas histórias (WHITE,
1994), atualizando, também, as histórias que suportam a existência dos sistemas sociais
dos quais estes sujeitos participam.

Igualmente, os sistemas familiares elegem algumas histórias e abandonam outras para


construir o contexto histórico intrínseco da família através das gerações. Uma vez que
a história da família esteja configurada em torno de um problema, ao selecionar partes
da experiência que tenham sentido nesta narração, as pessoas vão incrementando a
narrativa que mantém o significado problemático. Nesse processo, as famílias tendem
a confundir a sua própria história com a história de seus problemas, de forma que, com
o passar do tempo, não conseguem mais discriminar uma da outra.

A possibilidade de uma história que foi abandonada (marginal) emergir das


experiências vividas reside na ocorrência de um incidente que possa produzir um
acontecimento extraordinário, que constitua uma oportunidade para colocar dúvidas,
para desestabilizar o relato que a família conta e que a define. Acessar estas histórias
que, com o passar do tempo, foram marginalizadas nas narrativas familiares, constitui
um caminho para a elaboração de histórias alternativas que possam fazer sentido na
experiência vivida pelas pessoas.

37
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

White e Epson (1990) consideram ser este o fundamento da abordagem terapêutica:


mediante encontros conversacionais, auxiliar as pessoas a vislumbrar novas histórias.
Não qualquer história, mas sim uma nova narrativa que encontre sentido no contexto
histórico daquela família. As ideias apresentadas neste texto buscam inserir o trabalho
com o genograma no espaço conversacional terapêutico. Ao serem descritas na perspectiva
das práticas construcionistas (ANDERSON, 2001, ANDERSON; GOOLISHIAN, 1988;
GERGEN, 1999; WHITE; EPSON, 1990), realiza-se uma escolha, entre muitas outras
possibilidades de abordagem teórica, ou seja, elegem-se determinados aspectos.

O genograma pode ser algo mais, embora pareça ser simples, se olharmos apenas um
aspecto, mas um dos principais objetivos de sua realização é possibilitar uma (re)
conexão com a família de origem de cada um, revendo ou resgatando histórias perdidas
ao longo do tempo. E oferece um efeito especial quando realizado conjuntamente com
ou mais membros da família junto com um profissional.

A inclusão dos aspectos relacionais, linhas de afinidade, de tensão, de intensa


amorosidade, separações, recasamentos, favorecem o universo de possibilidades de
interpretações e entendimentos da vida cotidiana. O mais importante é o processo
de realização do genograma, na medida em que nos colocamos em contato com a
história familiar, com suas crenças, mitos, repetições, mandatos etc.Existem algumas
maneiras de iniciar e significar um genograma, tais dados quando explorados são
colaborativos para abertura de novas conversações e consequentemente uma mudança
de entendimento e postura frente a um evento, muitas vezes paralisante ou conflitante
na família.

O genograma é como uma foto que foi tirada já algum tempo e que nesse momento se
revela, dando oportunidade de falar do momento que a “foto” foi tirada e que significado
ela traz agora.

»» Podemos começar um genograma a partir de qualquer fase do ciclo de


vida pelo membro em foco naquele encontro, seus pais, seus avôs, o
critério é construído pelo próprio autor do genograma.

»» No casamento ele, mostra a união de duas famílias e a fase do ciclo de


vida em que cada membro do casal se encontra.

»» Numa família formada a partir de um recasamento, há pelo menos dois


triângulos previsíveis o novo casal e o(s) cônjuge(s) anterior(es) e filho(s)
se estes existirem.

38
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

»» O genograma pode revelar estressores na passagem de uma fase para


outra. Quando vemos perdas ou eventos traumáticos coincidentes,
devemos avaliar seus impactos no processo familiar.

»» Após uma perda, o processo da fase do ciclo de vida pode paralisar-se ou


apresentar distorções.

»» Quando os filhos atingem a adolescência provável que se desenvolvam


triângulos, envolvendo, seus iguais, seus pais ou seus avós.

»» Na fase tardia, o genograma poderá revelar qual o filho ficou/ficará como


cuidador dos pais.

O uso do genograma, nos atendimentos de casais e famílias, colabora no entendimento,


muitas vezes da complementaridade de um com o do outro. Ou até mesmo aponta
para diferenças significativas que apesar de todos já a conhecerem, ao visualizá-la
organizados, numa determinada “distância”, num formato (uso de cartaz ou lousa) de
representação não habitual, permite conversações sobre as diferenças e semelhanças e
o que desejam fazer com elas, para as gerações seguintes.

Não é incomum, ao fazer o genograma surgirem vazios, dúvidas sobre a ordem de


irmãos, sobre os casamentos, do fato de saber mais sobre um dos lados da família o
paterno ou o materno. O significado destes “vazios” ou dúvidas, podem proporcionar
uma “ida” à família de origem, e abrirem outras possibilidades de entendimentos do que
se vive no aqui e agora. O foco daquilo que era problema até então, pode ser dissolver,
ao compreender que um aspecto se repete há muitas gerações e a importância de
explorá-lo, nem tanto para confirmar o fato em si, mas para criar uma abertura e gerar
negociações para modificar o pré-estabelecido. Ao reencontrar o “álbum de fotografia”
até então no domínio de um ou de outro, temas proibidos podem sair da clandestinidade,
segredos transformam-se em revelações, e comportamentos até então com causalidade
desconhecida passam a ter sentido, e daí sim, se for o caso, transformados.

Construir o genograma de famílias com crianças e adolescentes, permite que inúmeras


histórias dos familiares surjam e curiosidades apareçam. E principalmente, possibilita
o lúdico na convivência familiar. Neste caso com as crianças, mas não só com elas, o
uso de imagens pode facilitar a dinâmica incluindo-a ativamente no processo. Dando
voz as suas dúvidas e tornando-a portadora e cuidadora de uma nova forma de contar
a sua própria história.

O genograma é um riquíssimo instrumento, para ser mentalizado e materializado,


segundo a disponibilidade e criatividade de cada participante. Ele pode ser (re)ativado
sempre que os interlocutores desejem, uma vez que muito de nossas crenças invisíveis
aos nossos olhos, tornam-se presentes, prontos para dialogar com nossos dilemas do
cotidiano.

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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

Inúmeros exercícios de perguntas podem ser criados a partir de um genograma.


Perguntas entre os membros do genograma – do pai para o filho, da nora para a sogra,
de uma avó para mãe da neta... Esta “dialogação” entre os vários membros rendem
inúmeras sessões, e muitas curiosidades que podem iniciar novas e interessantes
conversas literais entre os membros de uma família.

Na concepção de White e Epson (1990), os acontecimentos são pontuais na vida das


pessoas, ou seja, limitados a um contexto, tempo e espaço específicos. No entanto, os
significados atribuídos a estes acontecimentos são duradouros, permanecem na história
das famílias. As pessoas conferem maior ou menor relevância aos significados atribuídos
às experiências vividas, conforme a coerência que estes assumem nas narrativas atuais.
Desta forma, agregam à sua história aqueles elementos da experiência que fazem
sentido à “história oficial”, que está construída com base nos diversos discursos que
circulam em nosso contexto cultural. Assim, as histórias que contam de si mesmos
estão estruturadas também por conceitos culturais, ou seja, pelos sistemas sociais nos
quais estão inseridos.

As noções que fundamentam esta abordagem propõem o diálogo como gerador de uma
ação compartilhada na prática do encontro terapêutico. No fluxo desta interação, os
participantes deste diálogo convidam um ao outro para interagir de certa maneira, por
meio de um silencioso e implícito entendimento, no qual as regras de conduta e de
expectativas são criadas na prática. As formas como o terapeuta e a família se encontram
neste diálogo é um reflexo das negociações sobre regras da conversação que, segundo
Rober (2005), constroem-se em torno de questões como: quem fala e quem mantém o
silêncio, o que é dito e o que fica sem ser dito, qual o propósito da conversação, quem
corre o risco de começar a falar sobre temas difíceis, quem se responsabiliza pelo
aumento da tensão, o que é aceitável e o que é inaceitável, entre outras. Todas estas
questões vão sendo respondidas, implicitamente, à medida que as pessoas vão lidando
com os significados que emergem na interação.

Assim como a família se apresenta ao diálogo trazendo consigo suas intenções, também
o terapeuta se coloca como alguém que deseja compreender o sistema de significados
que emerge nesta conversação dialógica. Terapeuta e família vão construindo caminhos
para inserirem-se no domínio de compreensão criado por eles, ou seja, buscam
transformar em familiar o não familiar. Na relação dialógica que se estabelece, a
linguagem da família e seus significados são precedentes à linguagem do terapeuta, o
que quer dizer que a linguagem da família é o substrato no qual os novos significados
serão gerados por meio do diálogo. Neste sentido, pode-se pensar que o terapeuta se
insere na conversação como um aprendiz (ANDERSON, 2005).

A prática do trabalho com famílias ensina que, na reconstrução de suas histórias, as


famílias atribuem determinados significados aos acontecimentos que fortalecem os
sentidos que já trazem de suas famílias anteriores. Alguns destes relatos se entrelaçam,

40
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

organizam-se, de forma a preencher todos os espaços, restringindo sobremaneira o


movimento necessário para o surgimento de histórias alternativas. Em decorrência do
sofrimento gerado pela impossibilidade de atualização, as famílias, imersas em suas
histórias problemáticas, buscam ajuda.

O genograma, neste espaço conversacional, é capaz de transcender suas origens


funcionalistas, a fim de transformar-se num recurso para a compreensão colaborativa
de novas possibilidades de ser, de se relacionar e de viver no mundo. Iversen, Gergen e
Fairbanks (2005) afirmam que o genograma pode ser congruente com a prática dialógica,
na medida em que se avança criticamente de forma que os dispositivos desenhados
sejam reapropriados para fins generativos. Propõem que é possível trocar a ênfase na
informação pela busca de novas oportunidades para re-historiar as experiências vividas.

O genograma tem sido definido como um desenho gráfico da vida familiar com o
objetivo de levantar informações sobre os seus membros e suas relações, através de
gerações, constituindo-se numa ferramenta de avaliação muito utilizada pela terapia
sistêmica de família. A teoria sistêmica aborda os problemas humanos, considerando o
indivíduo como um ser em interação interpessoal, inserido num determinado contexto,
tendo produzido conhecimentos que auxiliaram no trabalho terapêutico com enfoque
nas inter-relações familiares. Grandesso (2000) expõe com propriedade um panorama
detalhado do desenvolvimento dos distintos modelos terapêuticos sistêmicos e da
história da terapia familiar ilustrando os diferentes conjuntos de ideias que resultaram
em distintas escolas.

Desde muitos anos, o genograma tem sido amplamente utilizado na área da saúde
como auxiliar na elaboração de hipóteses diagnósticas, mas somente na década de
1980, Murray Bowen (1978) e Jack Medalie (1987) viriam a definir, de forma mais
estruturada, os símbolos do genograma, que são amplamente utilizados na atualidade.
Os traçados básicos do genograma, identificados inicialmente por Gerson e McGoldrick
(1993), foram definidos utilizando figuras que representam as pessoas e linhas que
descrevem suas relações. As primeiras referem-se a símbolos para representação de
gênero (masculino e feminino), datas de nascimento e falecimento, gravidez e abortos
– espontâneo e provocado– conforme pode ser visualizado na Figura 1.

Figura 1. Símbolos para representar pessoas, datas e fatos

Fonte: próprio autor

41
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

A Figura 2 mostra como estes símbolos estão conectados por meio de linhas que
indicam as relações de parentesco. A conexão por linha horizontal contínua, com a
figura masculina à esquerda e a figura feminina à direita, indica indivíduos casados.
Quando esta linha aparece tracejada, indica união estável. A ruptura do vínculo
conjugal é representada por dois traços paralelos e inclinados sobre a linha horizontal.
Acima desta linha, coloca-se a letra “M” com a data de casamento/união e a letra “S”
ou “D” com a data da separação ou divórcio. A idade das pessoas é colocada dentro
das figuras; e o nome, na parte inferior. Os filhos são representados numa linha
abaixo, conectados com o traço horizontal do casamento por linhas verticais, sendo o
mais velho à esquerda. A representação é distinta para os filhos adotivos, com linhas
pontilhadas, e para filhos gêmeos, cujo ponto de conexão é um só. As diversas gerações,
ascendentes e descendentes, são representadas cada uma em um nível horizontal da
figura, podendo-se distinguir, ao olhar, a geração dos avós, dos pais, dos netos entre
outras. A linha pontilhada em torno de alguns símbolos representa os membros
da família que moram numa mesma casa e são de especial importância, no caso de
famílias reconstituídas, para localizar com quem vivem os filhos.

Diante da complexidade intrínseca às relações familiares, não se pode esperar que o


desenho gráfico tenha suficientes propriedades para representá-las adequadamente.
A cada trabalho realizado, terapeuta e família vão elegendo aqueles elementos que são
considerados relevantes para cada história específica. Desta forma, informações sobre
atividades profissionais ou de estudo, eventos e outras datas importantes, bem como
características específicas dos indivíduos e de seus relacionamentos, identificadas pela
família, podem também ser anotadas no desenho do genograma.

Figura 2. Linhas para representar a relação de parentesco.

Fonte: próprio autor

O terceiro nível de construção do genograma refere-se ao traçado da qualidade das


relações entre os membros da família. As linhas básicas referem-se a pautas vinculares
que incluem relações: íntimas, muito íntimas, íntimas e conflitivas, pobres e conflitivas,
distantes e rompidas, conforme a legenda apresentada na Figura 3.

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Figura 3. Símbolos para representar a qualidade das relações

Fonte: próprio autor

Configurações dos grupos familiares implicaram na necessidade de atualizações dos


símbolos e convenções para o trabalho com o genograma, que possam incluir as
modificações reivindicadas por diferentes grupos culturais ao redor do mundo. Estas
atualizações podem ser encontradas no trabalho desenvolvido recentemente por
McGoldrick, Gerson e Petry (2008). Nesta produção, foram mencionadas apenas as
convenções que fundamentaram o desenvolvimento deste instrumento de avaliação.

Gerson e McGoldrick (1993) propõem que a construção do genograma seja realizada por
meio de entrevistas, cujo fluxo obedeça a uma dimensão temporal e a uma dimensão de
complexidade, partindo-se da situação atual para o passado; e de questões mais simples
e menos ameaçadoras, para as mais complexas que provocam maior desconforto e
ansiedade. Ao final, segundo estes autores, podem-se extrair do genograma informações
sobre a estrutura da família, sua adaptação às etapas do ciclo vital, repetição de pautas
interativas, pautas vinculares, capacidade de enfrentamento de eventos estressantes,
exploração de crenças e legados, viabilizando uma compreensão destes elementos
em interação. Recomendam, ainda, o genograma como recurso de intervenção para
o desenvolvimento de uma responsabilidade compartilhada sobre os rumos da vida
familiar, viabilizada através do envolvimento de todos com o que acontece com cada
um, tanto no passado, quanto no presente e futuro.

Vitale (2004) lembra também que a introdução de vivências familiares anteriores pode
trazer consigo outras formas de encarar os problemas, abrindo possibilidades de novos
entendimentos sobre as experiências familiares, assinalando novas possibilidades para
o futuro. Para White (1994), “as pessoas vivem as suas vidas de acordo com as histórias
que contam e estas histórias têm efeitos reais e estruturam a vida das pessoas” (p.
29). Quando uma família recorre ao trabalho terapêutico, traz consigo uma história
para contar, que é uma seleção de aspectos (vividos) que se podem verbalizar e de
outros aspectos (vividos), que permanecem não ditos. A possibilidade de ajuda está,
sem dúvida, em criar um espaço para o não dito (ANDERSON, 2001). A experiência
presente de contar a história num contexto diferente (num espaço terapêutico) abre a
possibilidade de incluir aquelas partes do relato que haviam sido deixadas para trás.
Neste sentido, o trabalho com o genograma pode proporcionar um contexto estético
original para a família. Ver-se, através de uma história desenhada graficamente, num
espaço constituído entre o narrador e a história narrada, produz um estranhamento

43
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

capaz de abrir possibilidades para explorar outras ideias sobre si mesmo, podendo
incorporar novidades a suas vidas. Ao localizar elementos de suas histórias que foram
deixados para trás, abrem-se portas para “territórios alternativos” (WHITE, 1994, p.
35), revelando narrativas que estavam marginalizadas.

Segundo Anderson e Goolishian (1998), nos espaços terapêuticos ocorrem a expansão


e a expressão daquilo que não se fala. As mudanças, neste contexto, são derivadas
das possibilidades de alteração dos significados através do historiar e re-historiar
das experiências. Nesta trajetória, por meio dos sinais descontínuos da narração, não
se pode ir a qualquer direção, “há caminhos privilegiados, há caminhos dificilmente
transitáveis e há caminhos que necessitam ser desbravados para que abram novas
passagens” (RAMOS, 2001, p.121)

Com base nas idéias expostas, este trabalho apresenta o genograma como um recurso
terapêutico que auxilia na construção de um ambiente propício a introdução de novas
possibilidades para recontar as histórias familiares, ampliando assim, oportunidades
de enfrentamento dos problemas. O estudo insere-se num trabalho de investigação
mais amplo (apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul), que, por meio de uma intervenção sistêmica breve,
buscou tanto compreender a dinâmica familiar no contexto da crise suicida, como
a busca de alternativas para o enfrentamento da crise e encaminhar recursos
terapêuticos. Especificamente, este trabalho, desenvolvido com famílias que passaram
pela experiência da crise gerada pela tentativa de suicídio de um dos seus membros,
busca inserir a construção do genograma como recurso para o estabelecimento de um
contexto propício ao diálogo generativo.

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CAPÍTULO 5
Terapia familiar e transgeracionalidade

Numa terapia orientada para o crescimento, a questão central é a de focar sobre


a expansão do significado da experiência e a ampliação dos horizontes de vida.

(WHITAKER,1990, p.59)

Ao pensarmos sobre o processo terapêutico com olhar sobre a transgeracionalidade


primeiramente consideraremos a postura do terapeuta no setting. A partir do momento
em que se inicia uma terapia, terapeuta e família formam um sistema, no qual o
terapeuta sai da postura de mero observador e atua dentro da configuração que se
estrutura, relembrando da premissa sistêmica na qual aonde existem elementos em
relação, há a um sistema operando.

Enfocaremos um terapeuta que baseia a sua prática, em uma posição narrativa, que
considera que os sistemas humanos são geradores de linguagens e sentidos, (incluindo
o sistema terapêutico), os quais são construídos socialmente dialogicamente, em uma
troca de mão dupla, na qual novos sentidos são criados. O terapeuta passa a ser um
observador- participante que exercita a sua “arte” ao fazer perguntas terapêuticas
a partir de uma posição de não saber, que objetiva a criação dialógica de uma nova
narrativa, que dá um novo sentido para a vida (MCNAMEE; GERGEN, 1998).

A inclusão do observador, a coconstrução, a autorreferência e a significação da


experiência na conversação são características da intersubjetividade, que junto à
complexidade e instabilidade, fundamenta o pensamento sistêmico (VASCONCELLOS,
2002). Para o terapeuta, é fundamental se auto-observar, percebendo quais são
os sentimentos, sensações, imagens que aparecem nas situações durante a sessão
terapêutica, pois este conteúdo lhe servirá de guia para a realização do tratamento. Esta
autopercepção está relacionada com o conhecimento que o terapeuta tem de sua própria
vida, sua história e dinâmica familiar. Para um terapeuta trabalhar com os fenômenos
transgeracionais, faz-se fundamental que ele mesmo tenha passado pela experiência
de identificar quais os padrões predominantes em sua família, mitos, crenças, tema,
conflitos de lealdade para observar sua influência na prática profissional identificando
quais possíveis dificuldades e facilidades no desempenho de sua função terapêutica.
Além de o terapeuta ter a experiência de fazer sua terapia pessoal, uma forma de o
terapeuta entrar em contato com a transgeracionalidade de sua família é durante a
formação em terapia familiar confeccionar o genograma de sua família de origem. O
modo como o genograma é feito, dispõe as informações da família graficamente de

45
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

forma a oferecer uma visão compreensiva dos complexos padrões familiares. A utilização
do genograma proporciona uma visão do quadro geracional de uma família e de seu
movimento através do ciclo de vida: “Os genetogramas são retratos gráficos da história
e do padrão familiar, mostrando a estrutura básica, a demografia e os relacionamentos
da família” (CARTER; MCGOLDRICK, 1985, p.144). As informações reunidas por
meio do genograma incluem nomes e idades de todos os membros da família; datas
exatas de nascimentos, casamentos, separações, divórcios, mortes, abortos e outros
acontecimentos significativos; indicações datadas das atividades, ocupações, doenças,
lugares de residência e mudanças no desenvolvimento vital; e as relações entre os
membros da família.

Por meio dos genogramas, ao acessar os principais mitos e crenças que norteiam a
vida da família atendida, que a acompanham há gerações e determinam os padrões de
relacionamentos é possível criação de hipóteses sobre o problema clínico da família.
Com isso, é possível fazer determinadas predições sobre os processos futuros que a
família vivenciará baseando-se na utilização do genograma. De acordo com Bowen
(apud WENDT; CREPALDI, 2007), passado e presente são examinados para se obter
possíveis informações sobre o futuro.

Ao chegarem para a terapia, as famílias encontram-se focadas no momento presente,


paralisadas pelos seus problemas e sentimentos ou ansiosas por um momento futuro,
perdendo a consciência do movimento contínuo da vida que inclui passado, presente
e futuro, junto às transformações dos relacionamentos familiares. “Quando o senso
de movimento é perdido ou distorcido, a terapia pode devolver o senso da vida como
um processo e movimento desde e rumo a” (CARTER; MCGOLDRICK, 1985, p.13).
Whitaker (1990) recomenda expandir o entendimento familiar dos sintomas através de
sua extensão para o passado, para as gerações prévias.

Outro método é impeli-los para frente, em direção às novas gerações. Ao supor que
os sintomas têm continuidade através das gerações, é possível acessar ao rico mundo
simbólico que percorre a família extensiva. Sequências comportamentais que formam
padrões tornam-se organizadas em torno de temas, que frequentemente servem
como metáforas para o tipo de sintoma que é escolhido. A palavra tema quer dizer
uma questão específica emocionalmente carregada, em torno da qual há um conflito
periódico. Visto que há muitos temas em toda a família, o terapeuta procura aquele
que é mais relevante para o sintoma. O entendimento destas crenças e temas serve
de base para a intervenção terapêutica (PAPP, 1992). A compreensão das crenças e
dos temas é deduzida, por meio da escuta da linguagem metafórica, no rastreamento
de sequências comportamentais. “O interesse primário do terapeuta é com o uso do
comportamento e em como a função de uma parte do comportamento está ligada
com a função de uma outra parte do comportamento, a fim de preservar o equilíbrio
familiar” (PAPP, Op. cit. p.22).
46
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Os terapeutas do grupo de Milão recomendam a utilização de perguntas sobre o futuro,


pois pensam que estas podem revelar muitos temas familiares, e serem transformadoras
na medida em que questionam uma premissa. “Se uma família está organizada em torno
de uma premissa criadora de um problema, as perguntas relativas ao futuro podem,
também, desafiar o poder de tal premissa, evitando que se perpetue”. (BOSCOLO et al,
1993, p.51)

A ação terapêutica pode ser em si pode ser considerada um ritual, que provoca
uma estrutura espacial e rítmica aos encontros, e pode prescrever rituais singulares
adaptados a cada contexto familiar, os quais permitem que sejam abordadas situações
que seriam explosivas se abordadas de frente. A ritualização terapêutica poderá
apoiar-se em diversos suportes mediáticos, bem como nas suas hibridações recíprocas
(palavras, desenhos, cartas, “objetos metafóricos”, equipamentos técnicos – registros,
sala equipada com um espelho unidirecional, pessoas dos terapeutas, jogos relacionais,
jogos interinstitucionais etc.) (M. SELVINI apud MIERMONT, 1994).

Em relação às situações de maltrato e abuso, os terapeutas que atuam de forma clássica


enfocam a urgência de proteção no presente perdendo de vista a história transgeracional
Tilmans (2000), alerta sobre o risco que o terapeuta tem de que suas ações sejam
“antiterapêuticas”, se ele não considera a história das três gerações familiares e sua
complexidade, pois os pais que maltratam ou abusam de um filho, foram maltratados
em sua infância, ou em outra etapa de sua vida. Portanto, olhar apenas para a situação
de violência atual, pode agredir mais uma vez os pais que já foram maltratados.

Culturalmente, na época em que os pais eram crianças, não havia uma proteção social
em relação às crianças como existe hoje, acumulando neles então, sofrimentos e
experiências destrutivas para a construção de um eu positivo, em meio a muita solidão.
É necessário que terapeuta fale sobre este tema para proteger a criança maltratada que
existe dentro do adulto. O adulto que comete uma violência é responsável por seus atos
e ao mesmo tempo uma vítima que tem urgente necessidade de proteção e respeito. O
terapeuta deve saber como proteger a criança, vítima atual, sem maltratar mais uma
vez o adulto e sua criança interna.

Para Byng-Hall (1998), o papel do terapeuta então seria propor um modelo de mudança
no qual, ele ajudará a família se sentir segura o suficiente para arriscar a improvisar nos
relacionamentos inseridos nos scripts familiares. A terapia serve desta forma, como
uma base segura que facilita a mudança de um padrão inseguro para um seguro, na
qual novos scripts podem ser criados.

47
CAPÍTULO 6
Relações familiares e teoria sistêmica

Ao analisar a família na perspectiva sistêmica e comunicacional não podemos deixar


de ter em conta que nas últimas décadas o conceito de família tem vindo a adquirir um
âmbito muito mais vasto, porque novas tendências, novas configurações familiares têm
permitido novas concepções de família e da organização da vida dos seus membros,
sendo valorizada por alguns nos seus hábitos tradicionais e por outros no seu progresso
moderno.

Nas correntes modernas, mais liberais, realçam-se mais os sentimentos, o que interessa
são os afetos, não interessa a biologia, secularizam-se as crianças. Segundo estas
tendências deve promover-se a diversidade e a pluralidade; não deve haver padrões
públicos; o Estado deve afastar-se de regulamentos, deve tratar de forma igual as
diferentes formas de socialização, a pluralidade ao enquadramento das crianças. O
Estado não deve colocar os seus poderes ou normas que privilegiam a família tradicional.

Para estes defensores é preciso deixar de lado a cultura do passado, os valores e os


costumes e substituí-los, modernizando a família onde a coabitação é coisa igual
ao casamento, às famílias divorciadas, recasadas, uniões de fato, uniões livres,
homossexuais, crianças criadas por avós ou tios etc. Tudo isto diz respeito aos dois
parceiros em primeiro e só depois às crianças. As relações íntimas assentam no prazer,
nos afetos etc. (SIMONATO, 2010).

Tendo em conta estas realidades, a família não deixa de ser um sistema e ao mesmo
tempo um processo de interação e de integração dos seus membros. A comunicação é
o elo de ligação que constitui condição de convívio e de sustentação de todo o sistema,
baseando-se na igualdade ou na diferença. A análise destas tendências explica-se pelo
fato de a família ter vindo a enfrentar um processo de profundas transformações ao
longo dos tempos no sistema (GIDDENS, 2004, parte 4).

Seja qual for o modelo de família ela é sempre um conjunto de pessoas consideradas
como unidade social, como um todo sistêmico onde se estabelecem relações entre os
seus membros e o meio exterior. Compreende-se, que a família constitui um sistema
dinâmico, contém outros subsistemas em relação, desempenhando funções importantes
na sociedade, como sejam, por exemplo, o afeto, a educação, a socialização e a função
reprodutora. Ora, a família como sistema comunicacional contribui para a construção
de soluções integradoras dos seus membros no sistema como um todo.

48
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

É habitual quando pensamos em família, pensarmos na nossa família de origem


associamos ao lugar onde nascemos, crescemos e morremos, ainda que, nesse longo
percurso possamos ir tendo mais de que uma família. Esta é, então, um espaço privilegiado
para a elaboração e aprendizagens de dimensões significativas. A representação mental
que nos é evocada pela palavra família, núcleo constituído por pai, mãe e filhos, que
partilham habitação, afetos, convívios quotidianos que se ajudam mutuamente, não
é, de todo, uma realidade universal e transversal às diferentes sociedades e culturas,
nem aos diferentes períodos que fomos vivendo ao longo da história da humanidade
(AMARO, 2006; GIMENO, 2003, p. 39).

Pelo fato de o conceito não ser unívoco para todas as épocas e culturas, tornando-se
difícil encontrar valores absolutos, as dificuldades associadas às várias dimensões
familiares, relacionadas com a estrutura, com a funcionalidade e com as relações de
cada modelo, leva-nos a pensar numa certa relatividade na definição do conceito de
família.

A família, no sentido a que o nosso senso comum se refere, é uma construção social,
uma vez que representa um modo de agir e de pensar coletivo, que evoluiu ao longo do
tempo em relação com a organização e o funcionamento da sociedade (SILVA, 2001).

A família é o elemento mais firme, mais seguro e mais estruturante da personalidade


dos seus membros. É o local privilegiado para a formação do caráter dos filhos, sendo
que os adultos desempenham um papel decisivo no pleno desenvolvimento das
capacidades, atitudes e valores que sustentam as competências do sistema como um
todo. A comunicação é então o fator principal a estruturar, pois é nela que assentam as
práticas de interação formativa, relacional, educativa, de interação e integração social
dos elementos que constituem.

Uma vez que as interações são várias, as relações familiares assentes em processos de
comunicação permitem o equilíbrio do sistema familiar. Por outro lado, encarando
a família como sistema ela permite através do processo de socialização interiorizar
valores e as normas sociais para a sua formação e desenvolvimento (RELVAS, 1996).
Sendo um sistema aberto está sujeito a apreciações e influências em todo o processo
comunicativo. Havendo relações familiares equilibradas o próprio processo sistêmico
permitirá o equilíbrio do sistema como um todo, ao mesmo tempo em que estabelece
uma ligação com a sociedade, contribuindo desta forma para o equilíbrio social.

Por do contato com as pessoas em seu ambiente familiar, o assistente social consegue
aproximar-se do vivido e do cotidiano do usuário, observando as interações familiares,
a vizinhança, a rede social e os recursos institucionais mais próximos. Essa prática
supera, em diversos aspectos, a entrevista feita na instituição, pois quando metodologias

49
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

de atendimento à família se vê o movimento e o cotidiano das pessoas, muitos registros


ficam na “memória fotográfica” do assistente social.

A entrevista é muito utilizada quando o profissional precisa obter dados da família. Para
Souza (1998), um dos maiores problemas da utilização da entrevista na área social é a
questão da objetividade, de conseguir separar as informações dos sentimentos que surgem
durante a abordagem. O entrevistador, na “busca pela objetividade, ‘esforça-se’ por
ignorar as sensações, a imaginação, a arte e o lúdico, ao realizar e analisar a entrevista,
deixando na maioria das vezes de abordar ou mesmo de referir-se à ‘arte’ e ao ‘sentir’
como processos de ação – reflexão – ação” (SOUZA, 1998, p.30).

O estudo social e o parecer social apareceram poucas vezes na pesquisa se considerarmos


ser este um instrumento específico da área do Serviço Social. O estudo social é utilizado
pelo assistente social para orientar o seu trabalho, tanto no planejamento de intervenções
como para demonstrar a situação sobre uma realidade investigada ou trabalhada,
proporcionando-lhe respostas às necessidades da atuação profissional (PIZZOL, 2001).

O parecer social é parte integrante do estudo social, em que o profissional, baseado


nos dados coletados durante o estudo e procedendo a análise à luz de um referencial
teórico, expõe sua opinião técnica de como poderá dar-se a solução do conflito que
gerou tal estudo. Convém ressaltar que o parecer social deve constituir-se instrumento
de inclusão e não de julgamento de valor, que se baseia numa atitude moralista ou
preconceituosa de aferição de mentiras e verdades. “[...] A caracterização do parecer
social como um instrumento de realização de direitos implica atitude vigilante quanto
aos preconceitos ou valores morais na reprodução de normas sem apreender seu
significado para os usuários”. (SILVA, 2000:118).

Dentre o instrumental técnico-operativo, os assistentes sociais também citaram os


instrumentos relacionados ao registro do acompanhamento às famílias como os
prontuários e os relatórios. De acordo com Iamamoto (1997, p. 43), o conhecimento
“é um meio por meio do qual é possível decifrar a realidade e clarear a condução do
trabalho a ser realizado”. Para alguns profissionais, este é apontado como instrumento
para que não haja um distanciamento entre a teoria e a prática.

Os resultados positivos no que tange ao acompanhamento familiar estão no campo da


viabilização dos direitos sociais e na educação sociopolítica, afetando hábitos, modos
de pensar e comportamentos dos indivíduos em suas relações sociais cotidianas, o
que, conforme Simionatto (1998), inscreve-se no processo de produção/reprodução
da vida social.

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

Os aspectos institucionais referidos revelam que resultados positivos são alcançados


em diversos níveis nos serviços, tais como desempenho e capacitação profissional da
equipe, ampliação do projeto e reconhecimento social, entre outros. No que se refere
aos aspectos positivos da prática profissional, destaca-se a valorização do Serviço Social
por parte de outros membros da equipe técnica e/ou setores dos serviços onde estão
inseridos. Os profissionais também se deparam com questões que se configuram em
resultados negativos, prejudicando o êxito dos objetivos propostos pelos serviços.

Entre esses resultados estão o número insuficiente de profissionais (tanto do Serviço


Social como de outras áreas) e as questões burocráticas e administrativas (falta de
recursos e renovação de convênios). Os informantes também indicaram a adesão parcial
das famílias ao acompanhamento como um resultado negativo. Sobre a finalidade dos
serviços, percebemos que a assistência configura-se como o eixo norteador da maioria
dos serviços, seguida da educação e da pesquisa.

Nessa direção, a prática dos assistentes sociais está pautada sob duas perspectivas: a
prestação de serviços (concessões de benefícios e auxílios) e as ações socioeducativas
(orientação, prevenção, fortalecimento do grupo familiar).

A pesquisa nos serviços é interpretada de diferentes formas pelos profissionais. Para


alguns, a pesquisa é entendida como levantamento de dados, em que estes buscam
informações sobre as necessidades e as expectativas das famílias atendidas, ou como
conhecimento da realidade na qual elas se inserem. Para outros, a prática investigativa
é vista como uma necessidade para o aprofundamento dos estudos na área em que esses
profissionais atuam. Observamos que os profissionais defendem o desenvolvimento e a
articulação das ações nas áreas da assistência, pesquisa e educação a fim de apresentar
respostas mais efetivas aos usuários.

Em relação ao referencial teórico adotado pelos profissionais, destacamos que as linhas


apresentadas evidenciam que a prática está orientada por uma perspectiva crítica e
outra funcionalista. Percebemos ainda que, apesar dessas correntes teóricas terem sido
citadas, na prática, alguns profissionais não têm clareza sobre o referencial que guia seu
trabalho.

Ademais, verificamos um certo ecletismo por parte dos profissionais na condução de suas
ações. Neste estudo evidenciamos que muitas vezes os profissionais têm dificuldade em
explicitar o referencial que guia suas ações, o que indica um desafio para o Serviço Social
na medida em que o conhecimento, elemento constitutivo do trabalho profissional, é
necessário para que o assistente social decifre a realidade e indique as possibilidades nela
contidas. Entendemos que o assistente social precisa estar munido de um referencial
teórico metodológico cuja direção aponte para o compromisso de transformação da

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UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

atual ordem societária, da luta por direitos, pela qualidade dos serviços prestados e
para o fortalecimento das famílias. No que concerne ao instrumental técnico operativo,
observamos que o assistente social lança mão de diferentes instrumentos e técnicas
que o auxiliam no trabalho com famílias e nas situações que exigem a sua intervenção.
Alguns instrumentos não são específicos da profissão, como a entrevista, a reunião
de grupo, o prontuário, entre outros, porém, são adaptados dentro dos objetivos do
Serviço Social. Já o parecer social e o estudo social constituem o instrumental próprio
do assistente social. Enfatizamos que este parecer deve ser elaborado com base num
referencial teórico e não nos juízos de valores do profissional.

No que se refere às formas de atuação no processo interventivo do assistente social,


identificamos que alguns profissionais trabalham com um enfoque multidisciplinar, em
que a troca limita-se às informações sobre a família, prejudicando assim a construção
de saberes com as outras áreas do conhecimento envolvidas e proporcionando um
atendimento fragmentado.

No entanto, a postura interdisciplinar é vista por aqueles profissionais que atuam,


disciplinar ou multidisciplinarmente, como um desafio e um objetivo a ser alcançado
e que precisa ser muito trabalhada entre as equipes que atendem às famílias. Quanto
à metodologia adotada pelos serviços, verificamos quatro etapas no atendimento às
famílias: entrada, identificação, acompanhamento e desligamento do grupo familiar.
Nesse contexto, os assistentes sociais têm uma importante atuação e fazem uso de
vários instrumentos os quais são empregados de acordo com o propósito de cada
fase do atendimento. Entendemos a relevância de aprofundar os estudos sobre essas
e outras etapas que envolvem o atendimento às famílias, assim como o referencial
teórico-metodológico que guia o profissional nesse processo.

Em suma, constatamos que os assistentes sociais possuem uma compreensão sobre a


importância de se trabalhar as famílias em sua totalidade, tanto no contexto interno
como no meio social no qual estão inseridas. Entretanto, foi possível verificar que,
nos processos de análise e de intervenção dos profissionais, a família tem sido tomada
ora como auxiliar no diagnóstico e na resolução de problemas individuais, ora como
problema e objeto terapêutico (MIOTO, 2001).

Para finalizar, os serviços também desenvolvem suas ações sob a lógica da incapacidade
e da falência das famílias em seus papéis sociais, atendendo às situações limites e às
solicitações mais emergentes trazidas pelas mesmas, ao invés de atuar no sentido
de prevenir os conflitos e as crises. Essa forma de atendimento é fruto do contexto
político-econômico vigente, no qual as políticas públicas sociais são pontuais e visam,
prioritariamente, à resolução do problema aparente, e não das questões que o motivaram
(MIOTO, 2001).

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ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

No desenvolvimento de um trabalho com famílias é essencial conhecer sua formação


na sociedade contemporânea a fim de que não ocorram ações pautadas em valores do
senso comum e em uma concepção conservadora sobre o que é família.

Para Carvalho (1995, p. 27)

O mundo familiar mostra-se numa vibrante variedade de formas de


organização, com crenças, valores e práticas desenvolvidas na busca de
soluções para as vicissitudes que a vida vai trazendo. Desconsiderar isso
é ter a vã pretensão de colocar essa multiplicidade de manifestações
sob a camisa-de-força de uma única forma de emocionar, interpretar,
comunicar.

Assim um profissional que atua com famílias, jamais pode cair no erro de considerar
que há uma única forma ou modelo de organização desta, uma vez que sua formação se
dá pela diversidade de cultura e vivências. É preciso compreender que a família não se
limita a uma instituição estática e inalterável, ela é construída socialmente ao longo da
história e passa por constantes transformações, onde incidem determinantes sociais,
culturais, políticos e religiosos.

São esses determinantes que muitas vezes contribuem para um processo de exclusão
social, onde quando estas não atingem as expectativas impostas sobre ela são
penalizadas pela sociedade, pelo sistema capitalista e por um Estado mínimo, que
castiga e culpabiliza esta instituição formadora da sociedade.

Carvalho destaca que

O exercício vital das famílias é semelhante às funções das políticas


sociais: ambas visam dar conta da reprodução e da proteção social dos
grupos que estão sob sua tutelar. Se, nas comunidades tradicionais,
a família se ocupava quase exclusivamente dessas funções, nas
comunidades contemporâneas elas são compartilhadas com o Estado
pela via das políticas sociais (2005, p.267).

Verifica-se, portanto, que o Estado não deve ser um agente que caminha de forma oposta
a realidade e transformações que acontecem na família contemporânea brasileira. A
função do Estado é de proteger as famílias brasileiras, possibilitando seu fortalecimento
e desempenho de suas responsabilidades.

Contudo historicamente as políticas sociais se desenvolviam de forma fragmentada


e focalizada, onde na década de 1970 voltou-se a atenção para o público feminino,
onde estas passaram a receber olhares admiradores uma vez que além de cuidar do

53
UNIDADE ÚNICA │ ATENDIMENTO FAMILIAR

lar passaram a ocupar espaços no mercado de trabalho diante da necessidade de mão


de obra. Já na década de 1990, os olhares se voltam às crianças e adolescentes com a
promulgação da Constituição Federal em 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente
em 1990. (CARVALHO, 2005, p. 268)

As famílias estão buscando mais os seus direitos.

[...] O vínculo que a gente tem com as famílias é muito bom

[...] Eles sentem confiança para estar vindo, aí a gente esclarece e eles
buscam o local certo [As famílias sentem que] podem contar com o
Serviço Social, sabem que é um setor que está aberto ao apoio mesmo.
(SERVIÇO 9)

Entretanto tem-se constatado que ações com o foco em “parte” da família não alteram
significativamente sua realidade e vislumbra-se mais que em qualquer outro momento
a necessidade de um trabalho compartilhado entre o Estado e toda a sociedade na
construção de uma nova realidade brasileira.

Entendemos por disciplinaridade um conjunto específico de conhecimentos com


suas próprias características sobre o plano de ensino, da formação dos mecanismos,
dos métodos, das matérias (FAZENDA, 1979 apud PETRÁGLIA, 1993). A
multidisciplinaridade surge quando várias disciplinas estudam um mesmo objeto
através de níveis de cooperação, contudo sem mudança nem acréscimo no processo
individual para qualquer uma das disciplinas envolvidas (BARCELLOS et al., 2002).

Já a interdisciplinaridade configura-se quando há a interação entre duas ou mais


disciplinas, havendo troca de informações e de conhecimento e transferência
de métodos de uma disciplina para a outra. “Esta interação pode ir da simples
comunicação de ideias à integração mútua dos conhecimentos, [...] da terminologia,
da metodologia, dos procedimentos” (FAZENDA, 1979 apud PETRÁGLIA, 1993, p.33).
A interdisciplinaridade, segundo Rodrigues (2000), possibilita tanto a interlocução
entre as áreas dos saberes, quanto impede o estreitamento e a cristalização de cada uma
delas no interior de seus respectivos domínios. Além disso, “favorece o alargamento e
a flexibilização dos conhecimentos, disponibilizando-os em novos horizontes do saber”
(RODRIGUES, 2000, p.127).

Nota-se a partir disto que os autores consideram de extrema importância um trabalho


que provoque reflexões e ações em âmbito coletivo e individual, onde as famílias sejam
motivadas a participar deste processo de transformação como sujeitos de suas escolhas
e não como meros receptores. Destacamos aqui que autoestima é um fator pessoal e
muitas vezes um estado passageiro e de difícil mensuração, no entanto, desenvolver

54
ATENDIMENTO FAMILIAR │ UNIDADE ÚNICA

um trabalho que propicie o fortalecimento pessoal dos sujeitos é parte do processo de


fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

Porém é importante destacar que a realização de trabalhos socioeducativos, não podem


ser compreendidos como ações para “consertar” as pessoas, mas ações que tenham um
conteúdo compatível com a realidade social vivenciada por cada família, na busca em
despertar e conquistar a emancipação, a autonomia, visão crítica da realidade, projeto
de vida e perspectiva de mudanças.

55
Para (não) Finalizar

Na perspectiva sistêmica há uma preocupação com o comportamento e a busca de


modificá-lo, o que leva a uma desatenção em relação aos processos psíquicos subjacentes,
enquanto na perspectiva psicanalítica há uma preocupação em expressar os desejos
inconscientes que estão na origem da disfunção familiar.

Dependendo do tipo de demanda familiar, pode-se escolher um referencial de


compreensão mais sistêmico ou mais psicanalítico. É importante escolher um quadro
de pensamento, mas este não deve ser rígido pois também, do nosso ponto de vista, a
visão sistêmica e a visão psicanalítica não se excluem mutuamente.

Souza (2005) destaca que o plano nacional de atendimento à família permeia os


diversos arranjos familiares, constituídos no cotidiano para dar conta da sobrevivência,
do cuidado e da socialização de crianças e adolescentes, pode ser caracterizado como
“rede social de apoio”, para diferenciá-la de “família” e de “família extensão” ressaltando
neste caso a diferenciação de papéis e de obrigações.

Nas últimas décadas o potencial do trabalho em rede tem alcançado maior abrangência,
com caráter multidisciplinar orientado por um conjunto de atores de diversas instituições
com o mesmo foco temático voltado ao atendimento à família.

O contexto, no qual nasce essa nova forma de trabalho, é o período pós-Constituição


de 1988, no qual a assistência social foi elevada à condição de política pública e
regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS: os municípios têm o
grande desafio de buscar a efetiva operacionalização das políticas públicas voltadas para
a infância conforme estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Hoje,
o movimento social, além de reconhecer o potencial do trabalho em rede, reivindica
sua implantação o mais rapidamente possível. A rede potencializa a atuação mais
abrangente e multidisciplinar de um conjunto de atores de diversas instituições que
tem o mesmo foco temático na consecução da política de atendimento aos direitos da
criança e do adolescente.

Nesse sentido, utiliza-se o termo de “rede” como conceito que nos permite compartilhar
objetivos, obtendo as interações necessárias com outras instâncias institucionais e
construindo, assim, vínculos horizontais de interdependência e complementaridade.
Isso muda a percepção das instituições como órgãos centrais e hierárquicos e, dessa

56
PARA (NÃO) FINALIZAR

forma, permite-nos compartilhar responsabilidades e reivindicações por meios


objetivos e compromissos comuns.

Neste caderno de estudos, procuramos fazer com que você tenha um conhecimento
sobre a atuação do assistente social e esperamos que você esteja apto a identificar a
relevância sobre o atendimento familiar no que compete ao profissional da área de
serviço social!

Muito obrigado pela oportunidade de interagir com você!

“O único meio de se não morrerem as ideias é continuar nascendo...”


(WITTGENSTEIN, L.)

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