Você está na página 1de 71

TALITA DA SILVA CAMPELO

Metodologias para o Ensino


Fundamental

1ª Edição

Brasília/DF - 2022
Autores
Talita da Silva Campelo

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4

Introdução.............................................................................................................................................................................. 6

Capítulo 1
Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira........................... 7

Capítulo 2
As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino
fundamental..................................................................................................................................................................18

Capítulo 3
Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento,
avaliação e currículo..................................................................................................................................................28

Capítulo 4
Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental....................................................... 38

Capítulo 5
Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental.......................................... 48

Capítulo 6
Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do
ensino fundamental....................................................................................................................................................58

Referências...........................................................................................................................................................................68
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática,
objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para
reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final,
serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro
Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar


para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento
equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é


origem, a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

4
Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das


sínteses/conclusões sobre o assunto abordado.

Gotas de Conhecimento

Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras


terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento,
cápsulas de conhecimento etc.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar


para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento
equivocado.

5
Introdução
Este livro didático é constituído de seis capítulos voltados para as metodologias para o
ensino fundamental e tem como referência principal os anos iniciais que o compõem: 1º ao
5º ano de escolaridade. Cada capítulo foi construído para que, partindo das especificidades
dos anos iniciais dessa etapa da educação básica, você possa compreender as finalidades, as
funções sociais, a estrutura organizacional e os desafios do ensino fundamental no contexto
atual brasileiro.

Pensando em quem serão seus futuros alunos, você estudará sobre infâncias, ludicidade e
suas relações com os processos de ensino-aprendizagem. Você será apresentado ao cotidiano
e à prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental a partir de discussões sobre
planejamento, avaliação e currículo. Além disso, conhecerá também as competências
específicas para as áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas
e ensino religioso, do 1º ao 5º ano de escolaridade. Por fim, você poderá refletir sobre a
necessidade de favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental.

Objetivos

» Identificar finalidades, funções sociais e estrutura organizacional do ensino


fundamental no contexto brasileiro.

» Compreender os conceitos de infância, linguagens e culturas infantis dentro das


discussões sobre mundo adultocênctrico.

» Reconhecer os fundamentos teórico-metodológicos do trabalho pedagógico


nos anos iniciais do ensino fundamental que se manifestam nas práticas de
planejamento, avaliação e currículo.

» Analisar e discutir as competências específicas para as áreas de linguagens,


matemática, ciências da natureza, ciências humanas e ensino religioso nos anos
iniciais do ensino fundamental.

» Refletir sobre os conhecimentos teórico-práticos relacionados à atuação docente


nos anos iniciais do ensino fundamental a partir de metodologias de ensino que
ampliam o trabalho educativo e de práticas diversas de letramento.

» Discutir sobre os desafios para promover a diversidade e a inclusão nos anos


iniciais do ensino fundamental.

6
CAPÍTULO
OS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA 1
Introdução do capítulo

O sistema educacional brasileiro é dividido em educação básica e ensino superior. A


educação básica, a partir da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), por meio da
Lei n. 9.394/1996, passou a ser estruturada por etapas, englobando a educação infantil, o
ensino fundamental e o ensino médio. O ensino fundamental, com nove anos de duração,
é a etapa mais longa da educação básica, atendendo a estudantes entre 6 e 14 anos em
dois segmentos: anos iniciais (1º ao 5º ano de escolaridade) e anos finais (6º ao 9 ano de
escolaridade).

Neste livro, concentrar-nos-emos nas metodologias para o ensino fundamental nos seus
anos iniciais e, neste primeiro capítulo, direcionar-nos-emos para as suas especificidades,
apresentando as finalidades, as funções sociais, a estrutura organizacional e os desafios
do ensino fundamental no contexto atual brasileiro. Ainda, analisaremos as diretrizes
pedagógicas e os princípios metodológicos para o ensino fundamental a partir das
especificidades que configuram o trabalho docente na contemporaneidade. Iremos,
por fim, discutir os vários fundamentos teórico-práticos presentes nos saberes e fazeres
do cotidiano escolar no contexto do que é indispensável na educação do 1º ao 5º ano de
escolaridade.

Com isso, esperamos que as discussões apresentas neste capítulo permitam seu
entendimento dos vários princípios implicados na constituição, na estrutura e no
funcionamento, de acordo com os contornos legais vigentes no país, dessa etapa tão
importante da educação escolar que é a educação básica.

Objetivos

» Conhecer a organização da educação brasileira.

» Conhecer a organização e a estrutura do ensino fundamental no contexto da


educação básica brasileira.

7
CAPÍTULO 1 • Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira

» Compreender as finalidades, as funções sociais e os desafios do ensino fundamental


na atualidade.

» Refletir sobre as diretrizes pedagógicas e os princípios metodológicos no ensino


fundamental a partir das especificidades do trabalho nos anos iniciais.

» Discutir os vários fundamentos teórico-práticos presentes nos saberes e fazeres do


cotidiano escolar no contexto do que é indispensável na educação do 1º ao 5º ano de
escolaridade.

1.1 A organização e estrutura do ensino fundamental no


Brasil

Desde 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
Lei n. 9394/1996, a educação brasileira se estrutura em dois níveis: educação básica e
educação superior. A educação básica é formada por três etapas consecutivas: educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio. Cada uma dessas etapas apresenta estruturas,
características, metodologias e, consequentemente, desafios próprios.

Para Oyarzabal (2012), a denominação educação básica é uma tentativa de indicar que todo
brasileiro, sem distinção, deveria cumprir essas três etapas e, caso fosse de seu interesse,
prosseguir com seus estudos em nível superior.

Figura 1. A organização da educação básica brasileira.

EDUCAÇÃO BRASILEIRA

EDUCAÇÃO BÁSICA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Bebês (0 a 1 e 6 meses)
EDUCAÇÃO
Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)
INFANTIL
Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)

Anos Iniciais Anos Finais


EDUCAÇÃO (FUNDAMENTAL I) (FUNDAMENTAL II)
FUNDAMENTAL
1˚ ao 5˚ ano 6˚ ao 9˚ ano

ENSINO
MÉDIO

Fonte: elaborado pela autora.

8
Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira • CAPÍTULO 1

Dentro do que foi estabelecido como objetivo para este livro, a partir daqui iremos nos
direcionar para as especificidades dos anos iniciais do ensino fundamental no contexto da
educação básica brasileira de acordo com os contornos legais vigentes no país.

O ensino fundamental, enquanto etapa obrigatória constituinte da educação básica no Brasil,


é resultado de muitas lutas pelo direito à educação. O dever do Estado quanto à educação
escolar pública está associado à oferta do ensino fundamental, sendo este obrigatório e
gratuito em instituições públicas, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria (art. 4º da LDB), constituindo-se assim como direito subjetivo (art. 5º da LDB).

Importante

O direito subjetivo é aquele que é efetivamente garantido ao indivíduo mediante penalização daqueles cuja a
responsabilização pela oferta do direito recai como determina a lei. Assim, o direito subjetivo pode ser definido como aquele
que permite exigir, sendo o poder que uma pessoa possui de fazer valer algo que lhe foi prometido previamente pela lei.

A responsabilidade pela oferta do ensino fundamental é dos municípios e dos estados, em


regime de colaboração, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988 (BRASIL,
1988) e na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996). Entretanto, a
iniciativa privada também pode ofertar qualquer etapa da educação básica e superior, desde
que atenda à legislação da área.

Em uma breve perspectiva histórica dessa etapa de ensino da educação básica, observa-se
que a Lei n. 4024/1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1961),
estabelecia o então chamado ensino primário como obrigatório a partir dos sete anos de
idade, com duração de quatro anos. Em 1971, essa obrigatoriedade foi ampliada para oito
anos pela Lei n. 5.692/1971, que fixava as diretrizes e bases para o ensino nos denominados
à época 1º e 2º graus.

A Lei n. 9394/1996, atual LDB, estabelece a possibilidade de matrícula no ensino


fundamental a partir dos seis anos de idade. Somente em 2005, com a Lei n. 11.114,
ocorreu a ampliação da duração dessa etapa educacional para nove anos, mantendo a
matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. Hoje, o ensino fundamental é a etapa
mais longa da educação básica, abrangendo um período de nove anos e abarcando a
população de seis a catorze anos de idade.

9
CAPÍTULO 1 • Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira

Figura 2. Ampliação da obrigatoriedade do ensino fundamental no Brasil.

Lei n. 11.114 amplia a


Lei n. 9.394/1996 duração do ensino
Lei n. 4024/1961 estabelece estabelece a fundamental para
o ensino primário Lei n. 5.692/1971 amplia possibilidade de nove anos, mantendo
obrigatório a par�r dos a obrigatoriedade para matrícula no ensino a matrícula obrigatória
sete anos de idade, com oito anos, fixando fundamental a a par�r dos seis anos
duração de quatro anos. diretrizes-bases para par�r dos seis anos. de idade.
ensino dos 1˚ e 2˚
graus.

Fonte: elaborado pela autora.

O art. 23 da LDB estabelece que o ensino fundamental, assim como as demais etapas
da educação básica, pode ser organizado em séries anuais, períodos semestrais, ciclos,
alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na
competência e em outros critérios de acordo com o interesse do processo de aprendizagem
(BRASIL, 1996).

É possível perceber que a LDB abriu a possibilidade das próprias escolas proporem formas
alternativas de organização de acordo com a realidade específica de cada contexto, o
que pode contribuir para a minimização de alguns problemas, como o fracasso escolar, a
repetência e a evasão. Ainda assim, algumas regras comuns devem ser seguidas, conforme
estabelece o art. 24 da mesma legislação. Destacamos as três com impacto direto na
organização e estruturação dos anos iniciais do ensino fundamental, nosso tema de discussão:

» cumprimento de uma carga horária mínima de 800 horas, distribuídas por um


mínimo de 200 dias letivos;

» exigência de frequência mínima de 75% do total de horas letivas para aprovação;

» ampliação progressiva da carga horária mínima de quatro horas diárias de modo a


assegurar a universalização do ensino em período integral.

Além dos diferentes níveis e etapas, a LDB estabelece que a oferta da educação escolar
pode acontecer em uma ou mais modalidades de ensino, a saber: educação especial,
educação de jovens e adultos, educação do campo, educação escolar indígena, educação
profissional e tecnológica, educação a distância, educação nos estabelecimentos penais
e educação quilombola. Independentemente do nível, da etapa ou da modalidade, o que
está em questão é a oferta de educação escolar de qualidade para todos, condição para
superação da desigualdade social e econômica, acesso a direitos e exercício da cidadania
em um contexto de dignidade.

10
Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira • CAPÍTULO 1

Figura 3. Todos na escola.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/smiling-student-girl-wearing-school-backpack-1075168823.

1.2 Finalidades, funções sociais e os desafios do ensino


fundamental na atualidade

De acordo com o que apresenta em seu artigo 32, a LDB estabelece, como objetivo do
ensino fundamental, a formação básica do cidadão considerando (BRASIL, 1996):

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos


o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da


tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a


aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade


humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Para Oyarzabal (2012), os elementos presentes nesse artigo permitem afirmar que o ensino
fundamental se baseia em três eixos intrinsicamente relacionados: cognitivo, pessoal e social.

» O eixo cognitivo envolve as capacidades de aprendizagem dos conhecimentos


escolares, como os ligados às práticas de leitura, escrita, cálculos etc.;

» O eixo pessoal trata de aprendizagens relacionadas à aquisição de conhecimentos,


habilidades, atitudes e valores relacionados à formação pessoal e à relação do
indivíduo com os demais sujeitos dos grupos sociais com os quais convive.

» O eixo social, por sua vez, acompanha e complementa o anterior, no sentido de que
não somos seres isolados, mas sim construídos nas inúmeras relações sociais que
estabelecemos no cotidiano (OYARZABAL, 2012).

11
CAPÍTULO 1 • Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira

Figura 4. Desenvolvimento integral.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/group-school-kids-reading-education-600737564.

Com relação a isso, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica buscam:

I- fortalecer a constituição de ambientes educativos na escola propícios


à aprendizagem, reafirmando a instituição escolar como espaço do
conhecimento, do convívio e da sensibilidade, dimensões imprescindíveis
ao exercício da cidadania; II - consolidar a instituição escolar como espaço
democrático que reconhece e respeita a diversidade (BRASIL, 2013).

Para refletir

De acordo com o art. 5 da Resolução n. 7, de 14 de dezembro de 2010, a educação, ao proporcionar o desenvolvimento do


potencial humano, permite o exercício dos direitos civis, políticos, sociais e do direito à diferença, sendo ela mesma também
um direito social, além de possibilitar a formação cidadã e o usufruto dos bens sociais e culturais (BRASIL, 2010). Você já
parou para pensar sobre a importância da educação e, em especial, do ensino fundamental nessa perspectiva?

Sobre o atendimento educacional que preza esses princípios, o ensino fundamental deve
comprometer-se com uma educação com qualidade social, igualmente entendida como
direito humano, e que a educação de qualidade, como um direito fundamental, é, antes de
tudo, relevante, pertinente e equitativa (BRASIL, 2013).

Ainda de acordo com o documento, a relevância reporta-se à promoção de aprendizagens


significativas do ponto de vista das exigências sociais e de desenvolvimento pessoal;
a pertinência refere-se à possibilidade de atender às necessidades e às características
dos estudantes de diversos contextos sociais e culturais e com diferentes capacidades
e interesses; e a equidade alude à importância de tratar de forma diferenciada o que se
apresenta como desigual no ponto de partida, com vistas a obter desenvolvimento e
aprendizagens equiparáveis, assegurando a todos a igualdade de direito à educação (BRASIL,
2013).

12
Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira • CAPÍTULO 1

Figura 5. Conhecimento para o mundo.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/children-play-tree-hand-drawn-forest-1978733792.

Muitos são os desafios que a proposição de um ensino fundamental de qualidade nessas


dimensões impõe à sua concretização de fato. Oyarzabal (2012) aponta alguns problemas
concernentes a essa etapa, entre os quais: dificuldade sociais e econômicas para a
permanência dos alunos na escola, implicando reprovações e abandono; desvio e má
utilização dos recursos destinados à educação pública; aligeirada e descontextualizada
formação de professores, tornando-os meros executores de atividades em sala de aula; e
o grande número de meninas e meninos que concluem seus estudos sem construir um
mínimo razoável das aprendizagens esperadas. Ou seja, questões anteriores de acesso,
permanência e aprendizagem precisam ser encaradas.

Sobre essas questões, é importante dizer que o Plano Nacional de Educação (PNE), pela
Lei n. 13.005/2014, estabelece como metas para o ensino fundamental:

» Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de 6 a


14 anos e garantir que, pelo menos, 95% dos alunos concluam essa etapa na idade
recomendada, até o último ano de vigência deste PNE (meta 2).

» Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental


(meta 5).

» Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de
forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da educação básica (meta 6).

Vencer esses desafios é essencial, uma vez que o ensino fundamental precisa, além de
abranger toda a população, garantir uma educação promotora da verdadeira formação
integral dos sujeitos, que contemple diferentes linguagens, espaços e tempos, mescle
múltiplas culturas, favoreça o convívio com a diversidade e com o lúdico e resulte na
compreensão do mundo e na possibilidade de nele intervir (OYARZABAL, 2013). É tempo,
então, de repensar a escola.

13
CAPÍTULO 1 • Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira

Figura 6. Uma escola para todos.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-multicultural-children-hanging-out-friends-1712657485.

1.3 Diretrizes pedagógicas e os princípios metodológicos


no ensino fundamental: especificidades dos anos iniciais

Como apresentamos anteriormente, neste livro nosso foco é o ensino fundamental no


que se refere aos anos iniciais que o compõem: 1º ao 5º ano de escolaridade. Agora que
compreendemos como se dá a estrutura organizacional do ensino fundamental de um modo
geral no contexto brasileiro, veremos, então, as especificidades dos anos iniciais no que se
refere ao trabalho docente nessa etapa de ensino.

Figura 7. Trabalho docente.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/set-school-teachers-standing-blackboards-
whiteboards-1973387882.

A Resolução n. 7, de 14 de dezembro de 2010, fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Ensino Fundamental de 9 anos (DCNEF), a serem observadas na elaboração, implementação
e avaliação das orientações curriculares nacionais, das propostas curriculares dos estados, do

14
Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira • CAPÍTULO 1

Distrito Federal, dos municípios e dos projetos político-pedagógicos das escolas, ao reunir
princípios, fundamentos e procedimentos definidos pelo Conselho Nacional de Educação
(BRASIL, 2010).

Atenção

Você sabe o que é o Conselho Nacional de Educação? Veja o que informa o portal do Ministério da Educação sobre isso:

O atual Conselho Nacional de Educação-CNE, órgão colegiado integrante do Ministério


da Educação, foi instituído pela Lei 9.131, de 25/11/1995, com a finalidade de colaborar na
formulação da Política Nacional de Educação e exercer atribuições normativas, deliberativas
e de assessoramento ao Ministro da Educação emitindo pareceres e decidindo privativa e
autonomamente sobre os assuntos que lhe são pertinentes.

As Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, que compõem o Conselho, são


constituídas cada uma, por doze conselheiros, sendo membros natos em cada Câmara,
respectivamente, o Secretário de Educação Fundamental e o Secretário de Educação Superior
do Ministério da Educação, nomeados pelo Presidente da República (BRASIL, 2022).

De acordo com o estabelecido nas DCNEFs (BRASIL, 2010), podemos resumir as


especificidades do trabalho docente nos anos iniciais do ensino fundamental nesses
princípios no que se refere aos professores, aos ambientes e à organização do trabalho
pedagógico:

» Os professores devem considerar a diversidade sociocultural da população escolar,


as desigualdades de acesso ao consumo de bens culturais e a multiplicidade de
interesses e necessidades apresentados pelos estudantes no desenvolvimento
de metodologias e estratégias variadas que melhor respondam às diferenças de
aprendizagem entre os alunos e as suas demandas.

» A criação de um ambiente propício à aprendizagem na escola terá como base o


trabalho compartilhado e o compromisso dos professores e dos demais profissionais
com a aprendizagem dos alunos; o atendimento às necessidades específicas de
aprendizagem de cada um mediante formas de abordagem apropriadas; a utilização
dos recursos disponíveis na escola e nos espaços sociais e culturais do entorno; a
contextualização dos conteúdos, assegurando que a aprendizagem seja relevante
e socialmente significativa; e o cultivo do diálogo e de relações de parceria com as
famílias.

» A organização do trabalho pedagógico deve levar em conta a mobilidade e a


flexibilização dos tempos e espaços escolares, a diversidade nos agrupamentos
de alunos, as diversas linguagens artísticas, a diversidade de materiais, os
variados suportes literários, as atividades que mobilizem o raciocínio, as atitudes
investigativas, a articulação entre a escola e a comunidade e o acesso aos espaços de
expressão cultural.

15
CAPÍTULO 1 • Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira

Figura 8. Estar junto para aprender.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/male-elementary-school-teacher-giving-female-1448047391.

O proposto pelas DCNEFs (BRASIL, 2010) para o trabalho com os anos iniciais do ensino
fundamental nos ajuda a perceber que o aprender não pode mais ser considerado como
uma mera devolução do que o aluno recebeu do professor de maneira reprodutivista, sem
espaço para criação e interpretação (MORETTO, 2002). Ao invés disso, a aprendizagem está
muito mais relacionada a processos mediados pelo professor, através dos quais o aluno
pode estabelecer relações entre concepções prévias e o objeto do conhecimento proposto
pela escola – um processo interno do sujeito estimulado por questões exteriores mediadas
por aquele que ensina (MORETTO, 2002).

Nesse sentido, a capacidade de argumentação, a oralidade, o raciocínio, o desenvolvimento


do pensamento e a construção de conceitos devem ser os aspectos mais importantes
a serem almejados nos processos de ensino-aprendizagem (FERNANDES, 2015). Para
Zabala (2002), é papel do professor ensinar para a complexidade, ou seja, dar aos alunos a
oportunidade de compreender a realidade em que vivem para poder intervir nela.

Oyarzabal (2012) analisa que, nessa direção, isso não significa abandonar os conteúdos
tradicionalmente ensinados pela escola, mas vinculá-los à realidade dos alunos,
permitindo-lhes estabelecer relações e ampliar seus conhecimentos. O ensino para a
complexidade possibilita a formação de um cidadão consciente dos problemas globais,
regionais e locais, bem como da sua responsabilidade na resolução desses problemas
(OYARZABAL, 2012).

Provocação

Morin (2002) afirma que o que se enfatiza na escola de um modo geral é o acúmulo de informações em detrimento do
tratamento delas e que isso deve ser rompido. Montaigne, citado por Morin (2002), diz que “mais vale uma cabeça bem-feita
que bem cheia”.

16
Os anos iniciais do ensino fundamental no contexto da educação básica brasileira • CAPÍTULO 1

Figura 9. Ensino para a complexidade.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/process-complex-problem-simple-solution-idea-2043454754.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» A educação brasileira se estrutura em dois níveis: educação básica e educação superior. A educação básica é formada por
três etapas consecutivas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

» O ensino fundamental é a segunda etapa da educação básica e está estruturado em dois grupos: anos iniciais ou
Fundamental 1 (1º ao 5º ano) e anos finais ou Fundamental 2 (6° ao 9° ano).

» Hoje, o ensino fundamental é a etapa mais longa da educação básica, abrangendo um período de nove anos de ensino e
abarcando a população de seis a catorze anos de idade.

» Além dos diferentes níveis e etapas, a LDB estabelece que a oferta da educação escolar pode acontecer em uma ou mais
modalidades de ensino, a saber: educação especial, educação de jovens e adultos, educação do campo, educação escolar
indígena, educação profissional e tecnológica, educação a distância, educação nos estabelecimentos penais e educação
quilombola.

» De acordo com a LDB, as finalidades do ensino fundamental se relacionam com o desenvolvimento da capacidade de
aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, a compreensão do ambiente
natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade e o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a
vida social.

» A Resolução n. 7, de 14 de dezembro de 2010, fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9
anos (DCNEF), dando encaminhamentos importantes sobre as especificidades da docência nos anos iniciais do ensino
fundamental no que se refere aos professores, aos ambientes e à organização do trabalho pedagógico.

17
CAPÍTULO
AS INFÂNCIAS E OS PROCESSOS DE
ENSINO - APRENDIZAGEM NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 2
Introdução do capítulo

Como vimos no Capítulo 1, o ensino fundamental é a segunda etapa da educação básica


e está estruturado em dois grupos. Outro aspecto importante que abordamos foi sobre as
especificidades dos anos iniciais no que se refere ao trabalho docente nessa etapa de ensino.
Nessa direção, vimos também os encaminhamentos dado pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos (DCNEF).

Neste capítulo, estudaremos sobre a cultura infantil e suas relações com os processos
de ensino-aprendizagem. Voltando-nos para os alunos dos anos iniciais do ensino
fundamental, vamos discutir os aspectos relativos à faixa etária atendida nessa etapa
de ensino. Analisaremos, assim, as características das crianças de 6 a 10 anos de idade,
partindo da compreensão de que são sujeitos de direitos.

Esperamos que, ao fim deste capítulo, você perceba que o professor precisa garantir
aos seus alunos espaços de autoria e protagonismo, reconhecendo e considerando as
dificuldades de ser criança em um mundo adultocêntrico. Valorizando, portanto, as
brincadeiras, as linguagens e as culturas infantis como elementos constitutivos das práticas
pedagógicas dos anos iniciais do ensino fundamental.

Objetivos

» Conhecer os direitos da criança e do adolescente.

» Identificar a importância da autoria e do protagonismo infantil para construção de


aprendizagens significativas.

» Compreender os conceitos de brincadeiras, linguagens e culturas infantis dentro das


discussões sobre mundo adultocêntrico.

» Perceber a relação entre a ludicidade e as práticas pedagógicas nos anos iniciais do


ensino fundamental.

18
As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 2

2.1 Direitos da criança e do adolescente: os essenciais da


infância

A vida como fenômeno possui inevitavelmente um começo. Para nós, humanos, esse período
inicial é chamado de infância, que é sucedida pela adolescência, pela idade adulta e pela
terceira idade. As faixas de idade que constituem cada uma dessas etapas variam conforme o
contexto demográfico, histórico, social e cultural.

Com relação à infância, é preciso compreender que se trata de um conceito em permanente


construção e que, consequentemente, mudou ao longo dos tempos, não se apresentando
de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e época. Assim, é
possível que, por exemplo, em um mesmo tempo e lugar, existam diferentes maneiras de se
considerar as crianças a depender da classe, da raça e do gênero, por exemplo. Ser criança
e viver a infância depende muito das referências e expectativas da família, da escola e da
comunidade em que se cresce (FRIEDMANN, 2020).

Figura 10. Olhando a paisagem.

Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/boneca-brinquedos-feio-velho-87407/.

Friedmann (2020) explica que é na fase da infância que tudo começa, tanto o que é da
natureza genética quanto o que decorre das relações e dos vínculos que cada pessoa
estabelece com o seu entorno:

[...] os espaços de convivência; os atores com quem cada um interage;


cada olhar; cada gesto; cada atitude de empatia, antipatia ou indiferença;
cada estímulos; excessos ou faltas; aconchego; frieza; rejeição; afetos ou
violências; objetos; mobiliários; climas; ritmos ou falta deles; alimentação;
cuidados com a higiene; culturas; músicas; costumes; vestimentas; rituais;
brincadeiras; valores (FRIEDMANN, 2020, p. 31).

19
CAPÍTULO 2 • As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental

Nesse mesmo sentido, Friedmann (2020) também explica que esses e outros fatores
interferem significativamente na formação de cada indivíduo, o que torna a fase infantil
como a mais importante para o desenvolvimento humano, visto que os aspectos
psicológicos, emocionais e sociais vividos na infância têm consequências diretas na
pessoa adulta que elas virão a ser. Ou seja, é no período da infância que experiências,
descobertas e afeto constroem bases para o resto da vida.

Dessa forma, destaca-se a necessidade da proteção das crianças para que possam se
desenvolver plenamente, tanto individual quanto coletivamente, tendo a sua dignidade
respeitada. Nesse contexto, insere-se o debate da criança como sujeito de direitos.

Saiba mais

O sujeito de direitos é aquele que é capaz de exercer direitos em nome próprio. Cantiziano (2010) explica que o sujeito de
direito é aquele a quem a lei – em sentido amplo – atribui direitos e obrigações, aquele cujo comportamento se pretende
regular. Segundo Kelsen (2006), pessoa é o homem enquanto sujeito de direitos e deveres. Ser sujeito de direitos é ser pessoa,
é ser humano.

Figura 11. Proteção e cuidado.

Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/crian%c3%a7as-estrada-solid%c3%a1rio-apoio-1149671/.

Os direitos das crianças e dos adolescentes são normas e princípios legais que visam
a garantias fundamentais para a preservação de condições dignas de crescimento
e de desenvolvimento. Esses direitos foram conquistados e consolidados de modo
internacional no século XX, especialmente com o estabelecimento da doutrina da
proteção integral, que surgiu de maneira implícita com a Declaração de Genebra dos
Direitos da Criança, em 1924, e foi consagrada pela Convenção sobre os Direitos da
Criança, em 1990.

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, todas as crianças são consideradas


sujeitos de direitos. Antes da Constituição Federal, os direitos das crianças e adolescentes
eram regidos pelo Código de Menores, que tratava majoritariamente sobre questões de
carência, abandono e repressão, não reconhecendo esse grupo como sujeitos portadores de
direitos particulares.

20
As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 2

Atenção

Dotar a infância de direitos, além de reconhecer que toda e qualquer criança deve ter uma vida digna, implica assumir
a vulnerabilidade dessa faixa etária e, com isso, a necessidade de sua defesa e amparo. Nesse sentido, a importância dos
direitos das crianças e dos adolescentes na forma de lei está justamente na responsabilização coletiva da sociedade em
proteger e cuidar desses indivíduos.

Os direitos de crianças e adolescentes são garantidos por lei específica no Brasil desde
1990, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a partir do que foi tratado
na Convenção sobre os Direitos da Criança do mesmo ano. Hoje, o ECA é a principal lei
nacional sobre o tema. Você sabe o que está previsto nessa lei?

Figura 12. Estatuto da Criança e do Adolescente.

DIREITOS DAS CRIANÇAS

Direito à Vida e à Saúde


Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade
Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer
Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho

DEVERES DAS CRIANÇAS

Dever de sustento, guarda e educação pela família


Dever de receber educação e prevenção contra uso de drogas
Dever de assistir a filmes/peças de teatro/etc. voltados para sua faixa etária;
Dever de não estar exposto à pornografia
Dever de proteção pelo Conselho Tutelar
Dever de vacinação
Dever de frequentar regularmente a escola etc.

Fonte: elaborado pela autora.

Contudo, mesmo com os avanços legislativos alcançados, a realidade de milhares


de crianças brasileiras ainda é de abandono, exclusão e desrespeito aos seus direitos
fundamentais.

21
CAPÍTULO 2 • As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental

2.2 Autoria, protagonismo e participação infantil em um


mundo adultocêntrico

É importante pensarmos que a concepção da criança como sujeito de direitos, que necessita
de proteção e cuidado, não faz dela um mero objeto da ação do outro, mas alguém que age
sobre o outro e sobre o mundo também. Crianças são protagonistas, atores e autoras da
própria vida. Do ponto de vista de uma sociedade que se constrói de modo adultocêntrico,
isso fica muitas vezes invisibilizado.

Você sabe o que é adultocentrismo? De acordo com Friedmann (2020), esse termo se refere
às decisões que os adultos tomam para as crianças e por elas, em geral sem consultá-las, sem
lhes dar voz ou criar espaços de escuta. Ainda segundo a autora, o mundo adultocêntrico,
ou seja, que tem como centro única e exclusivamente os adultos, caracteriza-se por relações
entre adultos e crianças em que os adultos são aqueles que vão:

decidir pelas crianças sem considerar o que sentem, o que pensam, o


que lhes interessa ou aquilo de que precisam; privá-las, afastá-las ou não
lhes dar oportunidades variadas; pressioná-las, forçá-las a participar
de atividades; compará-las, classificá-las ou colocar sobre elas muitas
expectativas (FRIEDMANN, 2020, p. 41).

Nesse caminhar, Friedmann (2020) também explica que essa postura adultocêntrica
precisa ser repensada nos contextos educacionais e sociais nos quais as crianças
crescem e convivem entre elas e com jovens e adultos, para que se possa efetivamente
pensar sobre e possibilitar formas de protagonismo e participação infantil. Para isso, é
necessário aos adultos intervir menos, ouvir mais, observar sem julgar, respeitar tempos,
temperamentos, escolhas e processos (FRIEDMANN, 2020).

Figura 13. Com o que sonham as crianças?

Fonte: https://pixabay.com/pt/illustrations/conto-de-fadas-noite-m%c3%basica-peixe-1180921/.

22
As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 2

O protagonismo infantil é exercido a partir das possibilidades e oportunidades para


as crianças usufruírem de tempos e espaços para se expressarem (seus pensamentos,
sentimentos, vivências, opiniões, reinvindicações, preferências e realidades de vida) e se
colocarem no mundo. Nesse sentido, entende-se que se expressar e ser escutada é direito de
toda criança.

Em relação a isso, a participação da criança também pode acontecer nas tomadas de


decisões em assuntos que impactam suas vidas, seja pelo exercício da democracia
em espaços criados pelas comunidades para isso (conselhos, assembleias etc.), seja
expressando suas opiniões em casa. Para Friedmann (2020), as várias maneiras de
participação constituem não somente um direito, como também caminhos para
possibilitar às crianças um desenvolvimento pleno, vidas mais significativas e o exercício
da descoberta de suas diversas vozes, expressões e potencialidades.

Figura 14. A vez e a voz das crianças.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/little-african-american-kid-talking-into-1951053355.

A defesa da participação e do protagonismo infantil não tira, de forma alguma, o papel


de destaque dos adultos e a importância que eles têm na vida das crianças, não significa
necessariamente sinônimo de caos ou falta de controle, também não quer dizer que os
adultos deixem de acompanhar os movimentos e processos das crianças. Ao contrário,
o que está em jogo é o reconhecimento de que as crianças têm repertórios próprios,
diferentes daqueles dos adultos, que precisam ser conhecidos, reconhecidos e levados
em conta nos processos que envolvem as próprias crianças. É preciso que se olhe para
as crianças a partir do universo infantil e não dos valores dos adultos: o grande desafio é
desapegar das nossas crenças e convicções (FRIEDMANN, 2020).

Para Friedmann (2020), no contexto educacional, entender a importância de equilibrar


propostas de atividades livres – oportunidades de conhecer e observar as crianças – e
propostas dirigidas – tempos de orientar, educar e ensinar – não só faz com que as crianças
expressem suas singularidades, como também auxilia os adultos a repensar suas propostas

23
CAPÍTULO 2 • As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental

de forma mais acertada, atendendo a necessidades e interesses pontuais daquele grupo em


específico. Esse é um caminho que possibilita que todas as crianças exerçam seus direitos
de ser quem realmente são, descubram o mundo ao seu redor, aprendam a conhecer
e a conviver com outras crianças, jovens e adultos e identifiquem e desenvolvam seus
potenciais latentes (FRIEDMANN, 2020).

Quando as crianças passam a ter vez e voz, e suas opiniões, interesses, necessidades, pontos
de vista e expressões singulares passam a ter um lugar de prioridade no palco da escola, da
família e da comunidade, as crianças têm o direito e a possibilidade de se formarem como
sujeitos autônomos, críticos e de assumirem responsabilidades (FRIEDMANN, 2020).
Segundo Friedmann (2020), essa é verdadeiramente uma educação integral que considera
o ser humano e seu processo de desenvolvimento, em suas várias dimensões – intelectual,
física, emocional, social, cultural, moral. Uma educação que se constitui como projeto
coletivo e compartilhado, entre crianças e adultos, de sociedade e de mundo.

Para refletir

Assumir que os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental são crianças coloca em voga a possibilidade de eles viverem
atribuições de criança e lhes assegura o direito de serem tratadas como tal.

Figura 15. Direito de ser criança.

Fonte:https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/children-playing-park-playground-on-sunny-1426941347.

2.3 A cultura infantil como elemento constitutivo da prática


pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental

Para Geertz (1989), a cultura é um padrão de significados e concepções transmitido de uma


geração para a outra por meio do qual os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem
seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. Segundo Borba (2012), a cultura

24
As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 2

se sistematiza como um conjunto de práticas, conhecimentos e artefatos construídos e


acumulados pelos sujeitos nos contextos históricos e sociais em que se inserem. Se estamos
falando de contextos, estamos falando também de culturas múltiplas e diversas.

As ciências sociais têm dado importante contribuição para entendermos que a cultura não
se restringe somente ao que é herdado, mas inclui o que é construído nos grupos sociais
através de processos de interação. Nesse sentido, todos nós herdamos e modificamos a
cultura, e isso inclui também as crianças. As crianças não são somente consumidoras da
cultura dos adultos, mas são também produtoras de cultura própria.

A chamada cultura infantil pode ser compreendida como significações e formas de ação
social específicas que estruturam as relações das crianças entre si, bem como os modos
pelos quais interpretam, representam e agem sobre o mundo (BORBA, 2012). Segundo
Friedmann (2020), a cultura infantil se expressa por meio da palavra, da brincadeira, do
jogo, das artes, da música, da dança, do movimento etc. É por meio dessas manifestações
da cultura infantil que valores, habilidades, conhecimentos e formas de participação social
são constituídos e reinventados pela ação coletiva das crianças (BORBA, 2012).

Figura 16. Cada criança é um mundo.

Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/garoto-filho-feliz-retrato-1854308/.

Nesse sentido, isso implica considerar as crianças como indivíduos com características
específicas, estruturas e comportamentos particulares e, portanto, diferentes das dos
adultos, que as identificam como ser singular com grupo próprio. Que desdobramentos
isso traz para o trabalho docente com crianças?

Dos seis aos dez anos, faixa etária atendida pelos anos iniciais do ensino fundamental,
as crianças estão vivendo mudanças importantes em seu processo de desenvolvimento
que repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo
(BRASIL, 2019). Como destacam as DCNEFs (BRASIL, 2010), a maior desenvoltura e
a maior autonomia nos movimentos e deslocamentos ampliam suas interações com
o espaço e a relação com múltiplas linguagens, incluindo os usos sociais da escrita e
da matemática e permitem a participação no mundo letrado e a construção de novas

25
CAPÍTULO 2 • As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental

aprendizagens, na escola e para além dela. A afirmação de sua identidade em relação ao


coletivo no qual se inserem, que caracteriza esse grupo, resulta em formas mais ativas de
se relacionarem com esse coletivo e com as normas que regem as relações entre as pessoas,
pelo reconhecimento de suas potencialidades e pelo acolhimento e pela valorização das
diferenças (BRASIL, 2019).

Nesse processo, ampliam-se também as experiências para o desenvolvimento da oralidade


e dos processos de percepção, compreensão e representação, elementos importantes
para a apropriação do sistema de escrita alfabética e de outros sistemas de representação,
como os signos matemáticos, os registros artísticos, midiáticos e científicos e as formas de
representação do tempo e do espaço (BRASIL, 2019). Nessa fase, as crianças sistematizam
observações, análises, argumentações e descobertas próprias.

As características dessa faixa etária demandam que o professor sistematize sua prática
pedagógica em torno dos interesses manifestos pelas crianças e de suas vivências mais
imediatas, para que, com base nessas vivências, elas possam, progressivamente, ampliar
sua compreensão, o que se dá pela mobilização de operações cognitivas cada vez mais
complexas e pela sensibilidade para apreender o mundo, expressar-se sobre ele e nele atuar
(BRASIL, 2019).

Para refletir

Com a promoção de tempos e espaços nas escolas para manifestação das culturas infantis, as crianças passam a ocupar
um lugar de centralidade nas instituições: a partir de suas realidades, interesses, necessidades e vozes, constroem-se
aprendizagens significativas, além de se oportunizarem situações para expressão e posicionamento diante das questões da
vida, das relações e da comunidade.

Figura 17. Aprender a pensar.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/children-different-nationalities-talking-picture-dialog-1898328205.

O trabalho docente nos anos iniciais do ensino fundamental deve valorizar as


situações lúdicas de aprendizagem. Nesse sentido, é importante o estímulo
ao pensamento criativo, lógico e crítico, por meio da construção e do
fortalecimento da capacidade de fazer perguntas e de avaliar respostas, de
argumentar, de interagir com diversas produções culturais, de fazer uso de
tecnologias de informação e comunicação, possibilitando aos alunos ampliar
sua compreensão de si mesmos, do mundo natural e social, das relações dos
seres humanos entre si e com a natureza (BRASIL, 2010).

26
As infâncias e os processos de ensino-aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 2

Nos dois primeiros anos do ensino fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a
alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos se apropriem do
sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento de outras habilidades
de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramentos
(BRASIL, 2019). Nos três últimos anos do Fundamental 1, a progressão do conhecimento
ocorre pela consolidação das aprendizagens anteriores e pela ampliação das práticas de
linguagem e da experiência estética e intercultural das crianças, considerando tanto seus
interesses e suas expectativas quanto o que ainda precisam aprender (BRASIL, 2019).

Como você já deve ter percebido, ser professor não é tarefa fácil, e não é diferente nos
anos iniciais do ensino fundamental. A complexidade do fenômeno educacional exige um
trabalho docente contextualizado, comprometido e intelectualmente sistematizado. Vamos
discutir mais sobre isso no próximo capítulo!

Figura 18. Aprender a pensar.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/back-school-background-round-hole-paper-2033803748.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» A importância da infância para o desenvolvimento de bases que vão perdurar durante toda a vida adulta.

» A necessidade da proteção das crianças para que possam se desenvolver plenamente, tanto individual quanto
coletivamente, tendo a sua dignidade respeitada, e a promulgação de seus direitos na forma da lei para favorecer isso.

» Os empecilhos que um mundo adultocêntrico – em que as decisões que os adultos tomam para as crianças e por elas
são feitas em geral sem consultá-las, sem lhes dar voz ou lhes criar espaços de escuta – para autoria, participação e
protagonismo infantil.

» A concepção de que as crianças não são somente consumidoras da cultura dos adultos, mas são também produtoras de
cultura própria, precisa ser considerada nos processos educativos que a elas se destinam.

» As características da faixa etária atendida pelos anos iniciais do ensino fundamental demandam que o professor
sistematize sua prática pedagógica em torno dos interesses manifestos pelas crianças, suas manifestações culturais e suas
necessidades.

27
CAPÍTULO
ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: PLANEJAMENTO,
AVALIAÇÃO E CURRÍCULO 3
Introdução do capítulo

Como vimos no Capítulo 2, a infância, enquanto construção histórica, social e cultural, é


um período muito importante para o desenvolvimento de bases que vão perdurar durante
toda a vida adulta, o que lhes constitui sujeitos de direito. Vimos também que as crianças
são indivíduos com características específicas, estruturas e comportamentos particulares
e, portanto, diferentes das dos adultos, que as identificam como ser singular com grupo
próprio. Outro aspecto importante que discutimos foi que essas características da faixa
etária atendida pelos anos iniciais do ensino fundamental demandam que o professor
sistematize sua prática pedagógica em torno dos interesses manifestos pelas crianças, suas
manifestações culturais e suas necessidades.

Neste capítulo, estudaremos sobre a organização da prática pedagógica nos anos iniciais
do ensino fundamental a partir das dimensões planejamento, avaliação e currículo.
Analisaremos, assim, os aspectos constitutivos do trabalho docente em uma perspectiva
que tem o aluno como centro dos processos educativos, conforme temos defendido até
aqui. Com isso, esperamos que, ao fim deste capítulo, você consiga reconhecer que a
complexidade do fenômeno educativo na atualidade exige da docência fundamentos
teórico-metodológicos que se manifestam na organização, sistematização e estruturação do
trabalho pedagógico.

Objetivos
» Conhecer as diferenças entre plano, planejamento, projetos e sequências didáticas.

» Reconhecer a importância da interdisciplinaridade para os processos de ensino-


aprendizagem na atualidade.

» Compreender a avaliação como parte do processo de ensino-aprendizagem.

» Refletir sobre práticas e políticas curriculares para os anos iniciais do ensino


fundamental.

» Perceber a relação entre currículo, planejamento e avaliação.

28
Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo • CAPÍTULO 3

3.1 Planejamento, projetos e sequências didáticas


interdisciplinares

Como temos apresentado até aqui, assim como Roldão (2007), defendemos que o ensino
não pode mais ser definido como o tipo de situação em que um transmite e o outro assimila
de modo acrítico, mas pela existência de alguém – o professor – que procede a construção
e o desenvolvimento de um conjunto de ações que levam o outro – o aluno – a aprender.
Nessa concepção, o professor é um profissional do ensino: alguém que domina um conjunto
de saberes que lhe permite fazer a mediação entre o conhecimento e o aluno: ensinar
(ROLDÃO, 2005).

A intencionalidade da prática educativa materializada no ensino exige uma organização


prévia que se concretiza por meio do planejamento das ações pedagógicas que envolvem
professores, alunos e escolas. Planejar é antecipar mentalmente uma ação (ou conjunto de
ações) a ser realizada e agir de acordo com o previsto (VASCONCELLOS, 2000).

A importância do planejamento no contexto educacional está na construção de estratégias


de ação frente ao processo de ensino-aprendizagem de acordo com necessidades e
possibilidades específicas. O planejamento nessa dimensão é reflexivo, autoral e político,
uma vez que permite prever ações, meios, formas e estratégias de ensino, considerando o
que se pensa fazer, como fazer, quando fazer, com quem fazer, para quem fazer e por que
fazer (STRINGHETTA, 2018). Essas escolhas não são neutras, mas carregam concepções
do próprio processo de ensino-aprendizagem, do papel do professor e dos alunos e das
finalidades educativas de um dado contexto.

Figura 19. Escolhas e decisões.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/feet-arrows-on-road-background-pair-1469142113.

Vasconcellos (2000) explica que o planejamento educacional se desenvolve em níveis e


modalidades diferentes que envolvem os sistemas de educação a nível de rede (municipal,
estadual ou nacional), a própria escola e o trabalho mais direto do professor com os seus
alunos, sendo este último o planejamento de ensino. De modo menos abrangente e mais

29
CAPÍTULO 3 • Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo

detalhado em relação aos outros tipos de planejamento escolar, o planejamento de


ensino organiza as ações com mais precisão dentro do contexto do dia a dia das salas de
aula. Sobre isso, Vasconcellos (2000) detalha que planejamento de ensino se subdivide em
planejamento curricular, plano de curso e plano de aula.

Atenção

É importante esclarecer que planejamento e plano se relacionam diretamente, mas não são a mesma coisa. Do planejamento
– discussão sobre fins e objetivos, culminando com a definição dos mesmos –, e que resulta o plano enquanto formalização
do planejamento. Segundo Vasconcellos (2000), o plano é o produto da reflexão e da tomada de decisão feita no
planejamento que se explicita em forma de registro ou documento.

Figura 20. Mediação e aprendizagem.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/close-portrait-caring-male-teacher-helping-1983219740.

O planejamento curricular corresponde à proposta geral da escola de organização


temporal e espacial do conhecimento em torno do trabalho de professores e alunos para
construir um determinado conjunto de experiências de aprendizagens consideradas
necessárias em um dado contexto e tempo. É a espinha-dorsal da escola e do trabalho do
professor. Vamos voltar a esse assunto mais à frente, quando tratarmos de currículo; por
hora, precisamos entender sua relação com o plano de ensino.

O plano de curso orienta a ação educativa na escola a partir da sistematização das


experiências de aprendizagens que devem ser ofertadas aos alunos em cada ano/série de
acordo com as disciplinas, as áreas do conhecimento ou os eixos temáticos que compõem
o planejamento curricular da instituição. Deve contemplar também as características
da turma e, em função delas, propostas de metodologia de trabalho e de avaliação dos
processos. O plano de curso engloba todo o período letivo, seja por semestres ou bimestres
e, desdobra-se em planos de aula, que organizam a prática pedagógica considerando cada
encontro de professores e alunos como espaço-tempo de construção de conhecimento,
cultura, saberes e fazeres.

30
Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo • CAPÍTULO 3

Os planos de aula, por sua vez, podem se organizar em aulas individuais, em sequências
didáticas (uma série ordenada e articulada de atividades que formam um conjunto de
aulas com o mesmo temas) ou projetos (um conjunto de aulas organizadas em etapas
desenvolvidas que envolvem uma situação-problema). As aulas, sejam elas individuais,
sequências didáticas ou projetos, são enriquecidas e potencializadas através da
interdisciplinaridade, quando se trabalham conhecimentos de áreas distintas de forma
interligada.

O planejamento de ensino, seja como planejamento curricular, plano de curso ou plano


de aula, deve ter como características: o inacabamento, que permite modificá-lo sempre
que necessário; o espaço para as imprevisibilidades, que favorece a incorporação nas
aulas de acontecimentos e situações com potencial de experiência de aprendizagem; e a
continuidade e o encadeamento no sentido de possibilitar o avanço progressivo da turma
(FARIAS et al., 2014). Nesse sentido, planejar o trabalho pedagógico é um compromisso do
professor com os alunos e com o seu desenvolvimento.

Figura 21. Planejamento de ensino.

Fonte: elaborado pela autora.

3.2 Estratégias e processos de avaliação da aprendizagem

Para Perrenoud (1999), ensinar é esforçar-se para orientar o processo de aprendizagem


visando ao domínio de conhecimentos definidos, o que não acontece sem um mínimo
de regulação (intervenções corretoras), baseada em uma apreciação dos progressos e das
dificuldades dos alunos. Estamos falando da avaliação, algo inerente aos processos de
ensino-aprendizagem que acontecem no cotidiano da escola (FERNANDES; FREITAS, 2007).

31
CAPÍTULO 3 • Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo

Figura 22. Como avaliar o que o outro sabe?

Fonte: https://pixabay.com/pt/vectors/pixel-c%c3%a9lulas-avalia%c3%a7%c3%a3o-medir-se-3976303/.

Romper com a falsa separação entre ensino e avaliação é fundamental para superar práticas
avaliativas que sejam classificatórias, seletivas e excludentes (FERNANDES, 2015). De
acordo com Perrenout (1999), esta é uma avaliação a serviço da seleção, levando em conta
hierarquias de excelência na comparação entre alunos para classificá-los, tendo como
características principais:

» ser normativa no sentido de criar uma distribuição do normal diferenciando “bons” e


“maus alunos;

» ser comparativa, já que o desempenho de alguns se define em relação ao


desempenho dos outros em sobreposição aos domínios e objetivos alcançados por
cada um;

» ser muito pouco individualizada, sendo a mesma para todos em um mesmo


momento, em que cada um é avaliado separadamente.

Essa perspectiva de avaliação parte de uma concepção que separa as aprendizagens em


certas ou erradas e, dessa forma, termina por separar os próprios estudantes (FERNANDES;
FREITAS, 2007). Como avaliar de outro modo?

Em oposição a esse modelo de avaliação, Perrenout (1999) propõe uma avaliação que seja
contínua, não se concentrando ao final de um percurso, mas que, por ocorrer ao longo de
todo o processo, possibilita um diagnóstico que permite intervenções diferenciadas que
contribuam na aprendizagem. Essa seria uma avaliação a serviço da aprendizagem com
caráter formativo.

Nesse contexto, para Fernandes e Freitas (2007), essa concepção de avaliação parte do
princípio de que todas as pessoas podem aprender e que as ações educativas, as estratégias
de ensino e os conteúdos das disciplinas devem ser planejados a partir dessas infinitas
possibilidades de aprender dos estudantes.

32
Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo • CAPÍTULO 3

Para refletir

Fernandes e Freitas (2007) destacam que são justamente as intenções e os usos da avaliação que a caracterizam,
diferenciando um modelo do outro. O que está em questão, portanto, é concebermos a avaliação que tenha como princípio
uma concepção do processo educativo marcada pela lógica da inclusão, do diálogo, da construção da autonomia, da
mediação, da participação, da construção da responsabilidade com o coletivo (FERNANDES; FREITAS, 2007).

Nesse sentido, é preciso garantir práticas avaliativas planejadas e pautadas nas interações
que vão se construindo no interior das salas de aula em torno do conhecimento e nas
possibilidades de entendimento por parte dos estudantes dos conteúdos que estão sendo
trabalhados. Para isso, é necessário considerar a construção de múltiplas e diferentes
atividades que forneçam ao professor dados que lhe permitam analisar o momento de
aprendizagem dos seus estudantes de modo provisório e não definitivo, o que justifica a
necessidade do processo avaliativo ser cíclico (ROLDÃO, 2009).

Figura 23. Muitos e diferentes critérios para avaliar.

Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/pesquisa-coment%c3%a1rios-avalia%c3%a7%c3%a3o-7046888/.

Quando bem planejados e construídos, os instrumentos avaliativos (provas, testes, relatórios,


portfólios, questionários, memoriais etc.) têm fundamental importância para o processo de
aprendizagem, desde que:

» tenham uma especificação muito clara do que se pretende avaliar;

» tenham uma linguagem objetiva;

» contextualizem aquilo que se avalia;

» tratem de conteúdos relevantes e significativos;

» explorem a capacidade de leitura, escrita, interpretação e raciocínio;

» estejam coerentes com os propósitos do ensino desenvolvido (FERNANDES;


FREITAS, 2007).

33
CAPÍTULO 3 • Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo

Assim, é fundamental que se crie uma cultura avaliativa que supere a preocupação em
atribuir notas aos estudantes na perspectiva da aprovação e da reprovação, promovendo
em seu lugar a observação e o registro dos percursos dos alunos durante todo o processo
de ensino-aprendizagem para analisar os conhecimentos construídos por cada um e pelo
grupo como um todo. Isso permitirá ao professor planejar e replanejar possibilidades de
intervenção, melhorando cada vez mais seu ensino.

A partir de Fernandes e Freitas (2007), Freitas (2015) e Perrenout (1999), elencamos algumas
proposições nesse sentido:

» assumir a avaliação como condição para a mudança de prática e redimensionamento


do processo de ensino-aprendizagem;

» superar o juízo de valor, que muitas vez faz confundir a avaliação das aprendizagens
com a avaliação dos alunos;

» mobilizar muitas e diferentes maneiras para acompanhar e registrar as


aprendizagens, equilibrando as produções dos alunos, do professor e do
professor com os alunos.

» considerar uma avaliação que privilegie processos e não somente resultados.

Figura 24. Avaliar para ensinar.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pupils-raising-their-hands-during-class-251933845.

3.3 Currículo: políticas e práticas

Chegou o momento de voltarmos a falar sobre currículo. Sobre conhecimento, saberes e


fazeres também.

A educação como direito à formação e ao desenvolvimento humano (BRASIL, 1988) pressupõe


a apropriação dos conhecimentos – saberes, sistemas de símbolos, ciência, arte, memória,
identidade, valores e culturas – considerados relevantes e necessários à vida social em um
dado contexto e tempo. Ela se concretiza propriamente na escola.

34
Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo • CAPÍTULO 3

Cabe à escola, como instituição social, ensinar e educar, além de introduzir as novas
gerações nesses conhecimentos básicos necessários à vida social, ao trabalho, à saúde,
à relação consciente com o meio ambiente, à comunidade e a cada outro, relacionando
esses conhecimentos uns com os outros, constituindo-se como humano consciente de si
e do mundo (GATTI, 2016). A escola, portanto, não é apenas um local onde se aprende um
determinado conteúdo, mas um espaço onde se aprende a construir relações a partir dos
conteúdos escolares (FERNANDES; FREITAS, 2007).

Figura 25. Conhecer e aprender.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/illustration-kids-showing-scientific-method-research-1395459506.

Para essa exigente tarefa, a escola se estrutura a partir de organizações temporais e


espaciais do conhecimento, em torno do trabalho de professores e de alunos, para
construir um determinado conjunto de experiências de aprendizagens. Essa estrutura
sistematizada a qual chamamos de currículo admite uma multiplicidade de definições,
conceitos e teorizações, mas, de um modo geral, refere-se ao conjunto de aprendizagens
consideradas necessárias em um dado contexto e tempo e à organização adotada para sua
operacionalização ou desenvolvimento (ROLDÃO, 2009).

Esse conjunto de aprendizagens não resulta de uma soma de partes: o que transforma um
conjunto de aprendizagens em currículo é a sua finalidade, intencionalidade, estruturação
coerente e sequência organizadora. Outro aspecto importante é a forma particular que
cada escola constrói de organização e gestão dos conhecimentos em relação ao que é
adequado às aprendizagens concretas daquele contexto.

Entre o específico e o comum, a LDB estabelece em seu artigo 26 que os currículos da


educação básica devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada
sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos. Para esse fim, foi sancionada em 2019 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A BNCC é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e


progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo
das etapas e modalidades da educação básica, de modo a que tenham assegurados seus
direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o
Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2019). A BNCC nada mais é do que a estrutura
para que as escolas construam os seus currículos.

35
CAPÍTULO 3 • Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo

Para refletir

Barbosa, Cruz, Fochi e Oliveira (2016) explicam que a BNCC não se constitui em um currículo, mas é um referencial para
sua construção e efetivação; ela define aprendizagens essenciais a serem promovidas, deixando o diálogo com autores,
perspectivas teóricas e metodológicas a cargo dos currículos e dos projetos pedagógicos, que devem ser adequados à
realidade de cada sistema ou rede de ensino e a cada instituição escolar, considerando o contexto e as características de suas
crianças.

Figura 26. Um todo de diferentes partes.

Fonte: https://pixabay.com/pt/vectors/brasil-c%c3%adrculos-mapa-pontos-pa%c3%ads-5905898/.

Essas aprendizagens essenciais definidas na BNCC visam contribuir para assegurar


aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais (BRASIL, 2019). Na
BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho (BRASIL, 2019).

Figura 27. Competências gerais para a educação básica.

Fonte: adaptado de Brasil, 2019.

36
Organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental: planejamento, avaliação e currículo • CAPÍTULO 3

Na BNCC, o ensino fundamental está organizado em cinco áreas do conhecimento:


linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e ensino religioso. Essas
áreas, como bem apontam as DCNEF, “favorecem a comunicação entre os conhecimentos
e saberes dos diferentes componentes curriculares” (BRASIL, 2010, p. 114). Elas se inter-
relacionam na formação dos alunos, embora se preservem as especificidades e os saberes
próprios construídos e sistematizados nos diversos componentes (BRASIL, 2019).

Nos próximos capítulos, vamos estudar cada área de conhecimento a partir do seu papel na
formação integral dos alunos do ensino fundamental, destacando as particularidades dos
anos iniciais, considerando tanto as características dos alunos do 1º ao 5º ano quanto as
especificidades e demandas pedagógicas dessa etapa de escolarização.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» O planejamento representa um compromisso do professor com a aprendizagem e com o desenvolvimento dos alunos.

» O planejamento de ensino, dimensão do planejamento educacional mais próximo do professor e do cotidiano da sala de
aula, subdivide-se em planejamento curricular, plano de aula e plano de curso.

» A avaliação é parte intrínseca do processo de ensino-aprendizagem que precisa ser considerada no planejamento.
De acordo com suas finalidades e concepções de base, a avaliação pode estar a serviço da seleção ou a serviço da
aprendizagem, sendo esta última mais contributiva para uma educação democrática e inclusiva.

» O currículo escolar pode ser definido como organizações temporais e espaciais do conhecimento, em torno do trabalho de
professores e de alunos, para construir um determinado conjunto de experiências de aprendizagens.

» A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define aprendizagens essenciais e
direitos de aprendizagem para a educação básica em cada um dos seus níveis e modalidades.

» Na BNCC, o ensino fundamental está organizado em cinco áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências
da natureza, ciências humanas e ensino religioso. Assim, esse documento apresenta o que se espera que os estudantes
desenvolvam em cada uma dessas áreas do conhecimento.

37
CAPÍTULO
LINGUAGENS E MATEMÁTICA
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL 4
Introdução do capítulo

Como vimos, a organização da prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental
se dá principalmente a partir do planejamento, da avaliação e do currículo. Nesse sentido,
analisamos os aspectos constitutivos do trabalho docente em uma perspectiva que
tem o aluno como centro dos processos educativos. Conforme pudemos perceber com
nossos estudos, a complexidade do fenômeno educativo na atualidade exige da docência
fundamentos teórico-metodológicos que se manifestam na organização, sistematização e
estruturação do trabalho pedagógico.

Com relação ao trabalho docente, vimos também que a LDB estabelece, em seu artigo 26,
que as escolas de educação básica têm autonomia para construir seus currículos de acordo
com suas características regionais e locais, mas que esses currículos devem ter uma base
nacional comum. De acordo com que discutimos, para esse fim foi sancionada em 2019 a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que, no ensino fundamental, está organizada em
cinco áreas do conhecimento.

Neste capítulo, vamos estudar sobre a organização da BNCC para as áreas do


conhecimento linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Com
isso, esperamos que você consiga reconhecer as especificidades e demandas pedagógicas
do trabalho com as linguagens e com a matemática nessa etapa de escolaridade.

Objetivos
» Conhecer as competências específicas das áreas do conhecimento linguagens e
matemática nos anos iniciais do ensino fundamental.

» Identificar unidades temáticas dos componentes curriculares língua portuguesa,


artes, educação física e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental.

» Compreender a especificidade do letramento na área de linguagem e matemática nos


anos iniciais do ensino fundamental.

» Refletir sobre práticas pedagógicas nas áreas de linguagem e matemática nos anos
iniciais do ensino fundamental.

38
Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 4

4.1 Competências específicas de linguagens e matemática


para o ensino fundamental

A BNCC considera na área de linguagens os conhecimentos relativos à atuação dos sujeitos


em práticas de comunicação nas diversas esferas da linguagem, tanto formal quanto informal.
Esses conhecimentos possibilitam mobilizar e ampliar recursos expressivos, para construir
sentidos com o outro em diferentes campos de atuação, e compreender como o ser humano
se constitui como sujeito e como age no mundo social em interações mediadas por palavras,
imagens, sons, gestos e movimentos (BRASIL, 2019).

Figura 28. Linguagem e comunicação.

Fonte: https://pixabay.com/pt/illustrations/comunica%c3%a7%c3%a3o-grupo-equipe-gabarito-7245136/.

Para refletir

Corsino (2007) explica que a linguagem é constituinte do sujeito e, portanto, central no cotidiano escolar. Para a autora, a
linguagem é um dos instrumentos básicos inventados pelo homem cujas funções fundamentais são o intercâmbio social – é
para se comunicar que o homem cria e utiliza sistemas de linguagem – e o pensamento generalizante – é pela possibilidade
de a linguagem ordenar o real, agrupando uma mesma classe de objetos, eventos e situações, sob uma mesma categoria, que
se constroem os conceitos e os significados das palavras.

A linguagem, para Corsino (2007), atua não só no nível interpsíquico (entre pessoas), mas também no intrapsíquico (interior
do sujeito), decorre disso que operar com sistemas simbólicos possibilita a realização de formas de pensamento que não
seriam possíveis sem esses processos de representação. Quais são as linguagens que mais exploramos na escola, em nossas
salas de aula? Já pensou sobre isso?

Em articulação com as competências gerais da educação básica que vimos anteriormente,


a área de linguagens deve garantir aos alunos do ensino fundamental o desenvolvimento de
competências específicas, as quais apresentamos a seguir:

» compreender as linguagens como construção social, histórica e cultural;

» conhecer e explorar diversas práticas de linguagem;

» utilizar diferentes linguagens para se expressar;

» utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista;

» desenvolver o senso estético;

» compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação.

39
CAPÍTULO 4 • Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental

O que antes entendíamos como disciplinas ou matérias é, agora, na BNCC, chamado de


componentes curriculares. No ensino fundamental, dentro da área de conhecimento
linguagens, temos os seguintes componentes curriculares: língua portuguesa, artes, educação
física e língua inglesa, este último apenas para os anos finais. Cada componente curricular
se organiza em objetos do conhecimento (conteúdos a serem trabalhados) e habilidades
(objetivos esperados para os alunos) divididos em unidades temáticas, que consistem
na reunião de um conjunto de conteúdos de um mesmo tema. A única exceção é língua
portuguesa, em que práticas de linguagem substituem as unidades temáticas.

Observe, na tabela a seguir, a seguir as unidades temáticas dos componentes curriculares


da área de conhecimento linguagens no contexto dos anos iniciais do ensino fundamental.

Tabela 1. Unidades temáticas dos componentes curriculares da área de conhecimento linguagens


(Fundamental 1).

Área do conhecimento Linguagens


Componente curricular Língua portuguesa Artes Educação física
Práticas de Linguagem: » Artes visuais » Brincadeiras e jogos
» Leitura/escuta » Dança » Esportes
» Produção de textos » Música » Ginásticas
Unidades temáticas
» Oralidade » Teatro » Danças
» Artes integradas » Lutas
» Práticas corporais de aventura

Fonte: elaborado pela autora.

Ao mesmo tempo que se fundamenta em concepções e conceitos já disseminados em outros


documentos e orientações curriculares, a BNCC considera as práticas contemporâneas de
linguagem com centralidade no texto enquanto gênero discursivo que circula em diferentes
esferas e campos sociais de atividade/comunicação/uso da linguagem (BRASIL, 2019). Os
conhecimentos na área de linguagens devem ser mobilizados em favor do desenvolvimento
das capacidades de leitura, produção e tratamento das linguagens, que, por sua vez, devem
estar a serviço da ampliação das possibilidades de participação em práticas de diferentes
esferas e campos de atividades humanas (BRASIL, 2019).

Na matemática, por sua vez, a BNCC parte do princípio de que o conhecimento


matemático é necessário para todos os alunos da educação básica, seja por sua grande
aplicação na sociedade contemporânea, seja pelas suas potencialidades na formação
de cidadãos críticos, cientes de suas responsabilidades sociais (BRASIL, 2019). Para
isso, leva em conta que os diferentes campos que compõem a área reúnem um conjunto
de ideias fundamentais para o desenvolvimento do pensamento matemático dos
alunos e que produzem articulações entre si: equivalência, ordem, proporcionalidade,
interdependência, representação, variação e aproximação (BRASIL, 2019).

40
Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 4

A articulação desses diversos campos precisa garantir que os alunos relacionem observações
empíricas do mundo real a representações (tabelas, figuras e esquemas) e associem essas
representações a uma atividade matemática (conceitos e propriedades), fazendo induções
e conjecturas (BRASIL, 2019). Assim, espera-se que eles desenvolvam a capacidade de
identificar oportunidades de utilização da matemática para resolver problemas, aplicando
conceitos, procedimentos e resultados para obter soluções e interpretá-las segundo os
contextos das situações (BRASIL, 2019).

Figura 29. Para que serve a matemática?

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/back-school-background-round-hole-paper-2033803736.

No ensino fundamental, dentro da área de conhecimento matemática, temos o componente


curricular matemática, que se desdobra em cinco unidades temáticas, cada uma com
ênfase diferente, a depender do ano de escolarização: números, álgebra, probabilidade e
estatística, geometria e grandezas e medidas.

Observe, na tabela a seguir, a seguir as definições dos objetivos das unidades temáticas do
componente curricular matemática no contexto dos anos iniciais do ensino fundamental:

Tabela 2. Unidades temáticas do componente curricular matemática (Fundamental 1).

Área do Matemática
conhecimento
Componente Matemática
curricular
Números Álgebra Probalidade e Geometria Grandezas e
estatística medidas
Desenvolver Utilizar modelos Estudar posição
o pensamento matemáticos na Desenvolver e deslocamentos Estudar medidas e
numérico, compreensão, habilidades para no espaço, formas as relações entre
que implica o representação coletar, organizar, e relações entre elas, ou seja, as
conhecimento e análise representar, elementos de relações métricas,
de maneiras de relações interpretar e figuras planas e contribuindo para
Unidades de quantificar quantitativas analisar dados em espaciais. a consolidação
temáticas atributos de de grandezas uma variedade e ampliação da
objetos e e, também, de contextos, de noção de número,
de julgar e de situações maneira a fazer a aplicação
interpretar e estruturas julgamentos bem de noções
argumentos matemáticas, fundamentados e geométricas e
baseados em fazendo uso de tomar as decisões a construção
quantidades. letras e outros adequadas. do pensamento
símbolos. algébrico.

Fonte: elaborado pela autora.

41
CAPÍTULO 4 • Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental

O objetivo central em todo o caso é o desenvolvimento de competências específicas da


área de matemática, que são:

» reconhecer que a matemática é uma ciência com aplicabilidade social;

» desenvolver o raciocínio lógico, o espírito de investigação e a capacidade de


produzir argumentos convincentes;

» compreender as relações entre conceitos e procedimentos dos diferentes campos


da matemática e de outras áreas do conhecimento;

» fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos presentes


nas práticas sociais e culturais;

» utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais;

» enfrentar situações-problema em múltiplos contextos;

» desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo, questões de urgência


social;

» interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente no


planejamento e desenvolvimento de pesquisas.

Espera-se, com o desenvolvimento dessas competências, dar oportunidade para que as


crianças compreendam que a matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades
e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos e, ainda, uma
ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para
alicerçar descobertas e construções (BRASIL, 2019). Assim, busca-se favorecer que o
conhecimento matemático seja uma ferramenta para ler, compreender e transformar a
realidade.

4.2 O letramento na área de linguagens e matemática

As recomendações para o ensino na BNCC vão ao encontro das práticas contemporâneas


de ensino, especificamente da perspectiva dos letramentos. O letramento é um processo
muito amplo e complexo e envolve diversos aspectos: pessoais, sociais, culturais, históricos,
econômicos, tecnológicos, entre outros, mas, de um modo geral, o letramento se refere
a um conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades envolvidos em práticas sociais
e culturais de leitura e interpretação do mundo necessárias para uma participação ativa
e competente em um dado contexto. Que saberes e fazeres são necessários para ler e
interpretar o mundo contemporâneo?

42
Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 4

Na BNCC, os letramentos se relacionam com o que chamamos hoje de multiletramento no


sentido da integração dos vários tipos de letramento existentes na sociedade (científico,
matemático, linguístico, literário, acadêmico, digital etc.), considerando a diversidade
cultural, as diferentes formas de produzir textos e a multiplicidade significados para um
mesmo discurso. O multiletramento permite uma comunicação mais ampla, pois os textos
são expressos em diferentes línguas, mídias e sentidos, já que o discurso envolve diferentes
modalidades: letras, números, códigos, símbolos, imagens, som, interação, percepção,
conhecimento do contexto local e geral de modo não linear.

Figura 30. Leitura e interpretação do mundo.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/concept-isometric-flat-illustration-hand-earth-1893713401.

No que se refere ao letramento na área de linguagens no ensino fundamental, a BNCC


apresenta a finalidade de possibilitar aos estudantes participar de práticas de linguagem
diversificadas, que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em manifestações
artísticas, corporais e linguísticas, como também seus conhecimentos sobre essas
linguagens, em continuidade às experiências vividas na educação infantil (BRASIL, 2019).

O importante, assim, é que os estudantes se apropriem das especificidades de cada


linguagem, sem perder a visão do todo no qual elas estão inseridas, compreendendo
que as linguagens são dinâmicas, e que todos participam desse processo de constante
transformação, tematizando isso a partir de diversas práticas, considerando especialmente
aquelas relativas às culturas infantis tradicionais e contemporâneas (BRASIL, 2019).

Figura 31. Letramento em linguagens.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-child-classroom-toy-virtual-reality-709519294.

43
CAPÍTULO 4 • Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental

Na área de matemática, o letramento aparece no que se refere ao ensino fundamental


no compromisso com o desenvolvimento de competências e habilidades de raciocinar,
representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o
estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma
variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas
matemáticas (BRASIL, 2019). Isso assegura aos alunos a possibilidade de reconhecer que
os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no
mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática como aspecto que favorece o
desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso
(BRASIL, 2019).

De acordo com a BNCC (BRASIL, 2019), o desenvolvimento dessas habilidades está


intrinsecamente relacionado a algumas formas de organização da aprendizagem
matemática, com base na análise de situações da vida cotidiana, de outras áreas do
conhecimento e da própria matemática. Nesse sentido, os processos matemáticos de
resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem
podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual
são, ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o ensino
fundamental (BRASIL, 2019).

Figura 32. Letramento matemático.

Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/garoto-matem%c3%a1tica-aluna-1126140/.

4.3 Práticas pedagógicas nas áreas de linguagens e


matemáticas

O trabalho com a área das linguagens em específico parte do princípio de que a criança, desde
bem pequena, tem infinitas possibilidades para o desenvolvimento de sua sensibilidade e de
sua expressão, e, de acordo com Corsino (2007), deve:

» possibilitar práticas discursivas de diferentes gêneros textuais, orais e escritos, de


usos, finalidades e intenções diversos, encorajando as crianças a pensar, a discutir, a
conversar e, especialmente, a raciocinar sobre a escrita alfabética;

44
Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 4

» dar oportunidade para que as crianças apreciem diferentes produções artísticas


e também elaborem suas experiências pelo fazer artístico, ampliando a sua
sensibilidade e a sua vivência estética;

» possibilitar a socialização, a memória e a vivência das práticas esportivas e de


outras práticas corporais.

A autora destaca que o(a) professor(a), ao planejar atividades dessa área para as crianças,
precisa escolher aquelas que promovam a consciência corporal, a troca entre elas, a
aceitação das diferenças, o respeito, a tolerância e a inclusão do outro, de modo que
todas as crianças possam participar, se divertir e aprender, sejam elas gordas ou magras,
altas ou baixas, fortes ou franzinas, rápidas ou menos ágeis (CORSINO, 2007). Sendo
assim, para Corsino (2007), é importante que os conhecimentos e as atividades dessa área
sejam instrumentos de formação integral das crianças e de prática de inclusão social, e
proporcionem experiências que valorizem a convivência social inclusiva, que incentivem e
promovam a criatividade, a solidariedade, a cidadania e o desenvolvimento de atitudes de
coletividade.

Finalmente, ainda na área das linguagens, é importante que o cotidiano das crianças
das anos iniciais seja pleno de atividades de produção e de recepção de textos orais e
escritos, tais como escuta diária da leitura de textos diversos, especialmente de histórias
e textos literários; produção de textos escritos mediada pela participação e pelo registro
de parceiros mais experientes; leitura e escrita espontânea de textos diversos, mesmo
sem o domínio das convenções da escrita; participação em jogos e brincadeiras com
a linguagem; entre muitas outras possibilidade para que possam ir compreendendo e
se apropriando dos usos e das convenções da linguagem escrita nas suas mais diversas
funções (CORSINO, 2007).

Figura 33. Conhecimento que estimula.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/thinking-child-boy-on-black-background-1754848844.

Para Corsino (2007), as práticas pedagógicas para os anos iniciais na área de matemática
devem encorajar as crianças a:

» identificar semelhanças e diferenças entre diferentes elementos, classificando,


ordenando e seriando;

45
CAPÍTULO 4 • Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental

» fazer correspondências e agrupamentos;

» comparar conjuntos;

» pensar sobre números e quantidades de objetos quando esses forem significativos


para elas, operando com quantidades e registrando as situações-problema
(inicialmente de forma espontânea e, posteriormente, usando a linguagem
matemática).

Outro aspecto importante é a necessidade de que as atividades propostas sejam


acompanhadas de jogos e de situações-problema e promovam a troca de ideias entre as
crianças: especialmente na matemática, é fundamental o professor fazer perguntas às
crianças para poder intervir e questionar a partir da lógica delas (CORSINO, 2007).

Sobre isso, Alves (2016) explica que a construção do conhecimento matemático nos anos
iniciais não deve ser feita de forma mecânica; dessa forma, a utilização do lúdico no ensino
da matemática é de extrema relevância para o desenvolvimento da criança, pois ele fornece
um desenvolvimento prazeroso e divertido, e, quando a criança brinca, isso aumenta a
autoestima, a independência e desenvolve seu raciocínio.

Não apenas isso, a mobilização de materiais manipuláveis também é importante, sendo


os objetos utilizados com o intuito de trabalhar conceitos matemáticos de modo a facilitar
a compreensão e o desenvolvimento do aluno. Esses objetos podem ser construídos para
esse fim, como o ábaco e o material dourado, ou não, como tampinhas e palitos de picolé.
A utilização de atividades lúdicas e de materiais concretos no ensino de matemática nos
anos iniciais do ensino fundamental favorece o desenvolvimento cognitivo da criança, ajuda
na aprendizagem e possibilita que essa área do conhecimento não seja tão abstrata e possa
tornar-se visual (ALVES, 2016).

Figura 34. Brincar de matemática.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/child-playing-different-color-wooden-rings-1916150206.

46
Linguagens e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 4

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» A BNCC se estrutura a partir de áreas do conhecimento subdivididas em componentes curriculares, que se organizam em
objetos do conhecimento (conteúdos a serem trabalhados) e habilidades (objetivos esperados para os alunos), divididos
em unidades temáticas e que consistem na reunião de um conjunto de conteúdos de um mesmo tema.

» No ensino fundamental, dentro da área de conhecimento linguagens, temos os seguintes componentes curriculares:
língua portuguesa, artes, educação física e língua inglesa, esta última apenas para os anos finais. No componente
curricular língua portuguesa, práticas de linguagem substituem as unidades temáticas.

» Na área do conhecimento matemática, propõe-se o desenvolvimento de aprendizagens a partir da integração entre os


campos: equivalência, ordem, proporcionalidade, interdependência, representação, variação e aproximação.

» No ensino fundamental, dentro da área de conhecimento matemática, temos o componente curricular matemática, que
se desdobra em cinco unidades temáticas, cada uma com ênfase diferente, a depender do ano de escolarização: números,
álgebra, probabilidade e estatística, geometria e grandezas e medidas.

» As recomendações de ensino da BNCC se baseiam principalmente em práticas de letramento no sentido de um conjunto


de conhecimentos, atitudes e capacidades envolvidos em práticas sociais e culturais de leitura e interpretação do mundo
necessárias para uma participação ativa e competente em um dado contexto.

» Na BNCC, o letramento nas áreas de linguagens e matemática se expressa na apropriação dos meios que permitam uma
fluência comunicativa em todos os tipos de textos e, depois, na apropriação das habilidades para perceber as situações do
cotidiano em que a matemática é necessária e saber utilizá-la bem nesses contextos.

» As práticas pedagógicas nos anos iniciais do ensino fundamental em linguagens e matemática devem considerar a
valorização do repertório linguístico (escrito, oral, estético, corporal) e o raciocínio lógico das crianças e a sua ampliação
em uma perspectiva que parte do lúdico, do concreto e das culturas infantis.

47
CAPÍTULO
CIÊNCIAS DA NATUREZA E HUMANAS
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL 5
Introdução do capítulo

No capítulo anterior estudamos sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o
ensino fundamental. Vimos que a BNCC se estrutura a partir de áreas do conhecimento
subdivididas em componentes curriculares, que se organizam em objetos do
conhecimento e habilidades, divididos em unidades temáticas e que consistem na reunião
de um conjunto de conteúdos de um mesmo tema.

Nosso foco foram as áreas do conhecimento linguagens e matemática em relação a


competências específicas, letramento e prática pedagógica. Compreendemos, por fim, que
nessas áreas do conhecimento é preciso considerar a valorização do repertório linguístico
(escrito, oral, estético, corporal) e o raciocínio lógico das crianças e a sua ampliação em uma
perspectiva que parte do lúdico, do concreto e das culturas infantis.

Neste capítulo, vamos estudar sobre a organização da BNCC para as áreas do


conhecimento ciências da natureza e ciências humanas nos anos iniciais do ensino
fundamental. Com isso, esperamos que você consiga reconhecer as especificidades e
demandas pedagógicas do trabalho com ciências, geografia e história nessa etapa de
escolaridade.

Objetivos
» Conhecer as competências específicas das áreas do conhecimento ciências naturais
e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental.

» Identificar unidades temáticas dos componentes curriculares ciências, geografia e


história nos anos iniciais do ensino fundamental.

» Compreender a especificidade do letramento na área de ciências naturais e humanas


nos anos iniciais do ensino fundamental.

» Refletir sobre práticas pedagógicas nas áreas de ciências naturais e humanas nos
anos iniciais do ensino fundamental.

48
Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 5

5.1 Competências específicas de ciências da natureza e


humanas para o ensino fundamental

Para debater e tomar posição sobre alimentos, medicamentos, combustíveis, transportes,


comunicações, contracepção, saneamento e manutenção da vida na Terra, entre muitos
outros temas, são imprescindíveis tanto conhecimentos éticos, políticos e culturais quanto
científicos (BRASIL, 2019). De acordo com a BNCC, isso por si só já justifica, na educação
formal, a presença da área de ciências da natureza, com seu compromisso com a formação
integral dos alunos (BRASIL, 2019).

Na BNCC, a área de ciências da natureza, por meio de um olhar articulado de diversos


campos do saber, precisa assegurar aos alunos do ensino fundamental o acesso à diversidade
de conhecimentos científicos produzidos ao longo da história, bem como a aproximação
gradativa aos principais processos, práticas e procedimentos da investigação científica
(BRASIL, 2019). Espera-se, desse modo, possibilitar que esses alunos tenham um novo olhar
sobre o mundo que os cerca, como também façam escolhas e intervenções conscientes e
pautadas nos princípios da sustentabilidade e do bem comum (BRASIL, 2019).

Figura 35. Ciência e infância.

Fonte: https://pixabay.com/pt/illustrations/esbo%c3%a7o-bonitinho-filho-engra%c3%a7ado-3047721/.

A partir do que define a BNCC, a área de ciências da natureza deve garantir aos alunos do
ensino fundamental o desenvolvimento de competências específicas, quais sejam:

» compreender as ciências da natureza como empreendimento humano, e o

» conhecimento científico;

» compreender conceitos fundamentais e estruturas explicativas das ciências da


natureza, bem como dominar processos, práticas e procedimentos da investigação
científica;

49
CAPÍTULO 5 • Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental

» analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao


mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital);

» avaliar aplicações e implicações políticas, socioambientais e culturais da ciência e


de suas tecnologias;

» construir argumentos com base em dados, evidências e informações confiáveis


e negociar e defender ideias e pontos de vista que promovam a consciência
socioambiental e o respeito a si próprio e ao outro;

» utilizar diferentes linguagens e tecnologias digitais de informação e comunicação


para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e
resolver problemas das ciências da natureza;

» conhecer, apreciar e cuidar de si, do seu corpo e bem-estar, compreendendo-se na


diversidade humana, fazendo-se respeitar e respeitando o outro;

» agir pessoal e coletivamente com respeito, autonomia, responsabilidade,


flexibilidade, resiliência e determinação, recorrendo aos conhecimentos das
ciências da natureza para tomar decisões

No ensino fundamental, dentro da área de conhecimento ciências da natureza, temos o


componente curricular ciências, que se desdobra em três unidades temáticas: matéria e
energia, vida e evolução e terra e universo. Na tabela a seguir, apresentamos as definições
das unidades temáticas de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental.

Tabela 3. Unidades temáticas do componente curricular ciências (Fundamental 1).

Área do conhecimento Ciências da natureza


Componente curricular Ciências
Matéria e energia Vida e evolução Terra e universo
Contempla o estudo Propõe o estudo de Busca-se a compreensão de
de materiais e suas questões relacionadas características da Terra, do Sol, da
Unidades temáticas transformações, fontes e aos seres vivos (incluindo Lua e de outros corpos celestes:
tipos de energia utilizados os seres humanos), suas dimensões, composição,
na vida em geral. suas características e localizações, movimentos e forças
necessidades. que atuam entre eles.

Fonte: elaborado pela autora.

No que se refere a ciências humanas, a BNCC aponta que essa área do conhecimento
contribui para que os alunos desenvolvam a cognição in situ, ou seja, sem prescindir da
contextualização marcada pelas noções de tempo e espaço, conceitos fundamentais da
área (BRASIL, 2019). Cognição e contexto são, assim, categorias elaboradas conjuntamente,
em meio a circunstâncias históricas específicas, nas quais a diversidade humana deve
ganhar especial destaque, com vistas ao acolhimento da diferença (BRASIL, 2019). Nesse
sentido, o objetivo central é o raciocínio espaço-temporal, o qual se baseia na ideia de

50
Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 5

que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em determinada
circunstância histórica (BRASIL, 2019).

Figura 36. Tempo, espaço e sociedade.

Fonte: https://pixabay.com/pt/vectors/animais-alfabeto-mapa-crian%c3%a7as-2730764/.

As ciências humanas devem, assim, estimular uma formação ética, elemento fundamental
para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir um sentido de
responsabilidade para valorizar os direitos humanos, o respeito ao ambiente e à própria
coletividade, o fortalecimento de valores sociais (tais como a solidariedade, a participação
e o protagonismo voltados para o bem comum) e, sobretudo, a preocupação com as
desigualdades sociais (BRASIL, 2019). Em resumo, a área de ciências humanas deve propiciar
aos alunos a capacidade de interpretar o mundo, de compreender processos e fenômenos
sociais, políticos e culturais e de atuar de forma ética, responsável e autônoma diante de
fenômenos sociais e naturais. (BRASIL, 2019).

Nesse contexto, são competências específicas do ensino de ciências humanas no ensino


fundamental:

» compreender a si e ao outro como identidades diferentes, de forma a exercitar o


respeito à diferença;

» analisar o mundo social, cultural e digital e o meio técnico-científico-informacional


com base nos conhecimentos das ciências humanas;

» identificar, comparar e explicar a intervenção do ser humano na natureza e na


sociedade, exercitando a curiosidade e propondo ideias e ações que contribuam
para a transformação espacial, social e cultural;

» interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas com relação a si mesmo,


aos outros e às diferentes culturas, com base nos instrumentos de investigação das
ciências humanas;

51
CAPÍTULO 5 • Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental

» comparar eventos ocorridos simultaneamente no mesmo espaço e em espaços


variados, e eventos ocorridos em tempos diferentes no mesmo espaço e em espaços
variados;

» construir argumentos, com base nos conhecimentos das ciências humanas, para
negociar e defender ideias e opiniões;

» utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica e diferentes gêneros


textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação no desenvolvimento
do raciocínio espaço-temporal.

No ensino fundamental, a área de conhecimento ciências humanas se organiza a partir


dos componentes curriculares geografia e história. O componente curricular geografia
se desdobra em cinco unidades temáticas: o sujeito e seu lugar no mundo; conexões e
escalas; mundo do trabalho; formas de representação e pensamento espacial; natureza,
ambientes e qualidade de vida.

Tabela 4. Unidades temáticas do componente curricular geografia (Fundamental 1).

Área do conhecimento Ciências humanas


Componente curricular Geografia
O sujeito e seu Conexões e Mundo do Formas de Natureza,
Unidades temáticas lugar no mundo. escalas. trabalho. representação e ambientes e
pensamento espacial. qualidade de vida.

Fonte: elaborado pela autora.

Já no componente curricular história, as unidades temáticas são diferentes para cada


ano do ensino fundamental, de modo a abordar, com diferentes graus de complexidade, o
reconhecimento do “Eu”, do “Outro” e do “Nós”. Observe esses aspectos com mais detalhes
na tabela a seguir.

Tabela 5. Unidades temáticas do componente curricular história (Fundamental 1).

Área do Ciências humanas


conhecimento
Componente História
curricular
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano. 5º ano
» Mundo pessoal: » A comunidade e » As pessoas » Transformações » Povos e
meu lugar no seus registros. e os grupos e permanências culturas:
mundo. que compõem nas trajetórias dos meu lugar no
» As formas de
a cidade e o grupos humanos. mundo e meu
Unidades » Mundo pessoal: registrar as
município. grupo social.
temáticas eu, meu grupo experiências da » Circulação de
social e meu comunidade. » O lugar em que pessoas, produtos e » Registros
tempo. vive. culturas. da história:
» O trabalho e a
linguagens e
sustentabilidade » A noção de » As questões
Culturas.
na comunidade. espaço público históricas relativas
e privado. às Migrações.

Fonte: elaborado pela autora.

52
Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 5

5.2 O letramento na área de ciências da natureza e


humanas

Como vimos no Capítulo 3, as recomendações para o ensino na BNCC são desenvolvidas


na perspectiva dos letramentos, principalmente no que se refere ao multiletramento.
Vimos também que existem vários tipos de letramento na sociedade, considerando
a diversidade cultural, as diferentes formas de produzir textos e a multiplicidade de
significados para um mesmo discurso. Nesse sentido, as áreas de conhecimento de
ciências naturais e humanas se estruturam na BNCC do ensino fundamental a partir do
chamado letramento científico.

Saiba mais

A BNCC define letramento científico como aquele que envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo
(natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências,
o que significa, em outras palavras, que apreender ciência não é a finalidade última do letramento científico, mas, sim,
o desenvolvimento da capacidade de atuação no e sobre o mundo, importante ao exercício pleno da cidadania (BRASIL,
2007). No documento, é explicado ainda que, para isso, é necessário assegurar aos alunos do ensino fundamental o acesso
à diversidade de conhecimentos científicos produzidos ao longo da história, bem como a aproximação gradativa aos
principais processos, práticas e procedimentos da investigação científica (BRASIL, 2019).

Figura 37. Investigação e pesquisa para aprender.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/african-female-student-having-clever-idea-1883647186.

No que se refere ao letramento na área de ciências da natureza para o ensino fundamental,


parte-se do princípio de que, ao saírem da educação infantil, os alunos já possuem
vivências, saberes, interesses e curiosidades sobre o mundo natural e tecnológico, que
devem ser valorizados e mobilizados como ponto inicial de atividades que lhes assegurem
construir conhecimentos sistematizados de ciências, oferecendo-lhes elementos para que
compreendam desde fenômenos de seu ambiente imediato até temáticas mais amplas
(BRASIL, 2019).

53
CAPÍTULO 5 • Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental

Assim, é preciso oferecer oportunidades para que as crianças, de fato, envolvam-se em


processos de aprendizagem nos quais possam vivenciar momentos de investigação que
lhes possibilitem exercitar e ampliar sua curiosidade, aperfeiçoar sua capacidade de
observação, de raciocínio lógico e de criação, desenvolver posturas mais colaborativas e
sistematizar suas primeiras explicações sobre o mundo natural e tecnológico, e sobre seu
corpo, sua saúde e seu bem-estar, tendo como referência os conhecimentos, as linguagens
e os procedimentos próprios das ciências da natureza (BRASIL, 2019).

Figura 38. Experimentar e descobrir.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/kids-having-fun-watching-experiment-science-1110241928.

No decorrer do ensino fundamental, o letramento científico em ciências humanas deve


contribuir para que os alunos desenvolvam, a partir de procedimentos de investigação,
a capacidade de observação de diferentes indivíduos, situações e objetos que trazem
à tona dinâmicas sociais em razão de sua própria natureza – tecnológica, morfológica,
funcional. (BRASIL, 2019). No anos iniciais do ensino fundamental, é importante
valorizar e problematizar as vivências e experiências individuais e familiares trazidas
pelos alunos, por meio do lúdico, de trocas, da escuta e de falas sensíveis, nos diversos
ambientes educativos, como bibliotecas, pátio, praças, parques, museus, arquivos, entre
outros (BRASIL, 2019). Essa abordagem privilegia o trabalho de campo, as entrevistas, a
observação, o desenvolvimento de análises e de argumentações, de modo a potencializar
descobertas e estimular o pensamento criativo e crítico (BRASIL, 2019).

Na BNCC, é explicado que é nessa fase que os alunos começam a desenvolver


procedimentos de investigação em ciências humanas, como a pesquisa sobre diferentes
fontes documentais, a observação e o registro – de paisagens, fatos, acontecimentos
e depoimentos – e o estabelecimento de comparações, além de desenvolvimento da
capacidade de observação e de compreensão dos componentes da paisagem, o que
contribui para a articulação do espaço vivido com o tempo vivido (BRASIL, 2019).

Para tanto, é imprescindível que as crianças sejam progressivamente estimuladas e apoiadas


no planejamento e na realização cooperativa de atividades investigativas, bem como no
compartilhamento dos resultados dessas investigações a partir da promoção de atividades
em que as crianças possam vivenciar: definição de problemas, levantamento, análise e
representação, comunicação e intervenção (BRASIL, 2019).

54
Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 5

Figura 39. Letramento científico.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-children-on-treasure-hunt-scavenger-1300319527.

5.3 Práticas pedagógicas nas áreas de ciências da natureza


e humanas

Corsino (2007) explica que, na área das ciências naturais, o objetivo é ampliar a
curiosidade das crianças, incentivá-las a levantar hipóteses e a construir conhecimentos
sobre os fenômenos físicos e químicos, sobre os seres vivos e sobre a relação entre o
homem e a natureza e entre o homem e as tecnologias. Para a autora, é importante
organizar os tempos e os espaços da escola para favorecer o contato das crianças com a
natureza e com as tecnologias, possibilitando, assim, a observação, a experimentação, o
debate e a ampliação de conhecimentos científicos (CORSINO, 2007).

Dessa forma, pressupõe-se organizar as situações de aprendizagem partindo de questões


que sejam desafiadoras e reconheçam a diversidade cultural, estimulem o interesse e a
curiosidade científica dos alunos e possibilitem definir problemas, levantar, analisar e
representar resultados. Além disso, é preciso comunicar conclusões e propor intervenções
de modo a possibilitar aos alunos revisitar de forma reflexiva seus conhecimentos e sua
compreensão acerca do mundo em que vivem (BRASIL, 2019).

Para isso, as atividades didáticas dessa área devem ter como finalidade desafiar as crianças,
levá-las a prever resultados, a simular situações, a elaborar hipóteses, a refletir sobre
as situações do cotidiano, a se posicionar como parte da natureza e membro de uma
espécie, entre tantas outras espécies do planeta, estabelecendo as mais diversas relações e
percebendo o significado dos saberes dessa área com suas ações do cotidiano (CORSINO,
2007).

55
CAPÍTULO 5 • Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental

Figura 40. Conhecimento sobre o mundo.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/nature-study-forest-composition-outdoor-landscape-1932189083.

Sobre trabalhar com os conhecimentos das ciências humanas nos anos iniciais do
ensino fundamental, Corsino (2007) explica que o foco reside, especialmente, no
desenvolvimento da reflexão crítica sobre os grupos humanos, suas relações, suas
histórias, suas formas de se organizar, de resolver problemas e de viver em diferentes
épocas e locais. Assim, a família, a escola, a religião, o entorno social (bairro, comunidade,
povoado), o campo, a cidade, o país e o mundo são esferas da vida humana que
comportam inúmeras relações, configurações e organizações (CORSINO, 2007).

Para isso, é importante propor atividades em que as crianças possam ampliar a


compreensão da sua própria história, da sua forma de viver e de se relacionar e possam
identificar diferenças e semelhanças entre as histórias vividas pelos colegas e por outras
pessoas e grupos sociais próximos ou distantes, que conhecem pessoalmente ou que
conheceram pelas histórias ouvidas, lidas, vistas na televisão, em filmes, em livros, etc.,
histórias individuais e coletivas que participam da construção da história da sociedade
(CORSINO, 2007).

Nesse contexto, Corsino (2007) salienta que o trabalho com a área das ciências humanas
também objetiva ajudar a criança a pensar e a desenvolver atitudes de observação,
de estudo e de comparação das paisagens, do lugar onde habita, das relações entre o
homem, o espaço e a natureza. Nesse sentido, é importante conhecer as transformações
ocorridas sob a ação humana na construção, no povoamento e na urbanização das
diferentes regiões do planeta; perceber que a maneira como o homem lida com a natureza
interfere na paisagem e, consequentemente, na forma e na qualidade de vida das
pessoas (CORSINO, 2007). Ainda segundo a autora, isso somente é possível por meio de
experiências de aprendizagens através das quais as crianças possam investigar e intervir
sobre a realidade, reconhecendo-se como parte integrante da natureza e da cultura
(CORSINO, 2007).

56
Ciências da natureza e humanas nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 5

Figura 41. Raciocínio, argumentação e aprendizagem.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/multiethnic-group-kids-sitting-on-floor-1086016097.

Precisamos ter sempre em mente que, em todas as áreas do conhecimento, é essencial


desenvolver práticas pedagógicas com respeito às culturas, à ludicidade, à espontaneidade,
à autonomia e à organização das crianças, tendo como objetivo o pleno desenvolvimento
humano (CORSINO, 2007). Assim, ao pensarmos propostas para os anos iniciais do ensino
fundamental, precisamos levar em conta a valorização dos conhecimentos prévios das
crianças e a ampliação deles em uma perspectiva que considera a infância e todas as suas
características, as necessidades, os interesses e as disposições das crianças.

Nesse sentido, é fundamental colocar o aluno como centro dos processos de ensino,
pois desconsiderar quem eles são e o que querem não faz sentido e não surte efeito se
nosso objetivo for a construção de aprendizagens significativas e inclusivas. Nessa
direção, o que está em questão é promover práticas pedagógicas que atribuam sentido ao
conhecimento e se tornem de fato experiências de aprendizagem.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» No ensino fundamental, na área de conhecimento ciências da natureza, temos o componente curricular ciências, que se
desdobra em três unidades temáticas: matéria e energia, vida e evolução e terra e universo.

» No ensino fundamental, a área de conhecimento ciências humanas se organiza a partir dos componentes curriculares
geografia e história. O componente curricular geografia se desdobra em cinco unidades temáticas: o sujeito e seu lugar no
mundo; conexões e escalas; mundo do trabalho; formas de representação e pensamento espacial; natureza, ambientes e
qualidade de vida. Por sua vez, no componente curricular história, as unidades temáticas são diferentes para cada ano do
ensino fundamental, de modo a abordar, com diferentes graus de complexidade, o reconhecimento do “Eu”, do “Outro” e
do “Nós”.

» As áreas de conhecimento de ciências naturais e humanas se estruturam na BNCC do ensino fundamental a partir do
chamado letramento científico, definido pelo documento como aquele que envolve a capacidade de compreender e
interpretar o mundo, mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências.

» As práticas pedagógicas nos anos iniciais do ensino fundamental em ciências da natureza e humanas precisam se
desenvolver por meio de experiências de aprendizagens através das quais as crianças possam investigar e intervir sobre a
realidade, reconhecendo-se como parte integrante da natureza e da cultura.

57
CAPÍTULO
ENSINO RELIGIOSO E OS DESAFIOS
PARA FAVORECER A DIVERSIDADE E
A INCLUSÃO NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL 6
Introdução do capítulo

Nos dois capítulos anteriores, estudamos sobre as áreas do conhecimento linguagens,


matemática, ciências da natureza e humanas no que se refere às competências específicas,
ao letramento e à prática pedagógica a partir do proposto na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para o ensino fundamental. Conhecemos também os componentes
curriculares dessas áreas, seus objetos do conhecimento (conteúdos a serem trabalhados),
habilidades (objetivos esperados para os alunos) e unidades temáticas (reunião de um
conjunto de conteúdos de um mesmo tema).

Neste capítulo, vamos estudar sobre a organização da BNCC para a área de ensino religioso
nos anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, vamos discutir os desafios para
promover a diversidade e a inclusão nessa etapa de ensino. Por fim, vamos analisar as
necessidades e exigências para o desenvolvimento de práticas pedagógicas voltadas para
esses aspectos. Com isso, esperamos que você consiga reconhecer as especificidades e
demandas pedagógicas do trabalho com ensino religioso, diversidade e inclusão nessa etapa
de escolaridade.

Objetivos

» Conhecer as competências específicas da área do conhecimento ensino religioso


nos anos iniciais do ensino fundamental.

» Identificar as unidades temáticas do componente curricular ensino religioso nos


anos iniciais do ensino fundamental.

» Compreender os desafios para promover a diversidade e a inclusão nos anos iniciais


do ensino fundamental.

» Refletir sobre práticas pedagógicas nas áreas de ensino religioso, diversidade e


inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental.

58
Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 6

6.1 Competências específicas do ensino religioso para o


ensino fundamental

Ao longo da história da educação brasileira, o ensino religioso assumiu diferentes


perspectivas teórico-metodológicas, geralmente de viés confessional, interconfessional ou
não confessional.

O ensino religioso confessional é aquele voltado para a promoção de um credo religioso


específico e que, por isso, deve ser ministrado de preferência por um membro dessa
religião. No ensino religioso interconfessional, a finalidade é semelhante, mas, ao invés do
interesse em uma única religião, o objetivo é a promoção das religiões adotadas pela maioria
da população em um dado contexto. Ao contrário dos anteriores, o ensino religioso não
confessional não tem objetivo de promover uma religião ou um grupo de religiões, mas o
de abordar aspectos culturais, históricos, éticos e filosóficos que constituem as religiões de
um modo geral, para dar aos alunos informação para que formem sua convicção sobre a
conveniência de adotar ou não alguma religião.

Atualmente, a BNCC estabelece o ensino religioso como uma área do conhecimento com
componente curricular de oferta obrigatória nas escolas públicas de ensino fundamental,
com matrícula facultativa para os alunos. De acordo com o estabelecido na BNCC, no
ensino religioso não deve haver privilégio de nenhuma crença ou convicção, mas, sim,
um trabalho voltado para as diversas culturas e tradições religiosas, sem desconsiderar a
existência de filosofias seculares de vida (BRASIL, 2019).

Figura 42. Religiões e diversidade.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/christianity-islam-judaism-3-monotheistic-religions-2070906482.

De acordo com a BNCC, a partir da década de 1980, as transformações socioculturais em


função dos promulgados ideais de democracia, inclusão social e educação integral, levaram
vários setores da sociedade civil a reivindicar a abordagem do conhecimento religioso e o
reconhecimento da diversidade religiosa no âmbito dos currículos escolares (BRASIL, 2019).

59
CAPÍTULO 6 • Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental

Figura 43. Liberdade para ser.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/child-vector-set-kids-children-many-1767962891.

Saiba mais

A BNCC define o conhecimento religioso como aquele produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico
das ciências humanas e sociais, sendo voltado para a investigação da manifestação dos fenômenos religiosos, parte
integrante do substrato cultural da humanidade, em diferentes culturas e sociedades enquanto um dos bens simbólicos
resultantes da busca humana por respostas aos enigmas do mundo, da vida e da morte (BRASIL, 2019). De modo singular,
complexo e diverso, esses fenômenos alicerçaram distintos sentidos e significados de vida e diversas ideias de divindade(s),
em torno dos quais se organizaram cosmovisões, linguagens, saberes, crenças, mitologias, narrativas, textos, símbolos, ritos,
doutrinas, tradições, movimentos, práticas e princípios éticos e morais (BRASIL, 2019).

Conforme explicado na BNCC (BRASIL, 2019), a base legal atual do ensino religioso
no Brasil se estabelece a partir da Constituição Federal de 1988 (artigo 210) e da Lei n.
9.394/1996 (artigo 33, alterado pela Lei n. 9.475/1997), que estabeleceram os princípios
e os fundamentos que devem alicerçar epistemologias e pedagogias do ensino religioso,
cuja função educacional, enquanto parte integrante da formação básica do cidadão,
é assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, sem proselitismos. Ainda nessa
direção, mais tarde, a Resolução CNE/CEB n. 04/2010 e a Resolução CNE/CEB n. 07/2010
reconheceram o ensino religioso como uma das cinco áreas de conhecimento do ensino
fundamental de nove anos (BRASIL, 2019).

De acordo com a BNCC, o ensino religioso busca construir, por meio do estudo dos
conhecimentos religiosos e das filosofias de vida, atitudes de reconhecimento e respeito
às alteridades através da constituição de um espaço de aprendizagens, experiências
pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam ao acolhimento das
identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos
humanos e cultura da paz (BARSIL, 2019). Para tal, a BNCC estabelece as seguintes
competências específicas:

» conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições e movimentos


religiosos e filosofias de vida;

60
Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 6

» compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida,


suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios;

» conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e


viver;

» analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política,


da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente;

» debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e às práticas de


intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os
direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz.

No ensino fundamental, dentro da área de conhecimento ensino religioso, temos, com o


mesmo nome, o componente curricular ensino religioso, que se desdobra em três unidades
temáticas: identidades e alteridades; manifestações religiosas; e crenças religiosas e filosofias
de vida. Essas unidades temáticas vão se alternando ao longo dos anos iniciais do ensino
fundamental, não se apresentando todas juntas em nenhum momento.

» Nos três primeiros anos do ensino fundamental, o foco é: I - a percepção das


diferenças (alteridades) como possibilidade de distinção entre o “eu” e o “outro”,
“nós” e “eles”, cujas relações dialógicas são mediadas por referenciais simbólicos
(representações, saberes, crenças, convicções, valores) necessários à construção
das identidades; e II - o conhecimento, a valorização e o respeito às distintas
experiências e manifestações religiosas que envolvem essas múltiplas identidades
(BRASIL, 2019).

» Nos dois últimos anos, são tratados aspectos estruturantes das diferentes tradições
e movimentos religiosos e filosofias de vida, particularmente sobre mitos, ideia(s)
de divindade(s), crenças e doutrinas religiosas, tradições orais e escritas, ideias de
imortalidade, princípios e valores éticos (BRASIL, 2019).

Observe esses aspectos com mais detalhes na tabela a seguir.

Tabela 6. Unidades temáticas do componente curricular ensino religioso (Fundamental 1).

Área do Ensino religioso


conhecimento
Componente Ensino religioso
curricular
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano. 5º ano
» Identidades e » Identidades e » Identidades e » Manifestações » Crenças
Unidades alteridades. alteridades. alteridades. religiosas. religiosas e
temáticas filosofias de vida.
» Manifestações » Manifestações » Manifestações » Crenças
religiosas. religiosas. religiosas. religiosas e
filosofias de vida.

Fonte: elaborado pela autora.

61
CAPÍTULO 6 • Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental

6.2 Os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão


nos anos iniciais do ensino fundamental

Estamos inseridos em uma sociedade que não é estática. A todo momento vivenciamos
transformações. A educação está atrelada à sociedade e sofre esses reflexos. Conceitos,
valores, modos de avaliar e disciplinas são questionados, e novas legislações são geradas
para contemplar todas as questões pertinentes ao momento histórico vivido. A Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988) é um exemplo claro de uma mudança importante que
aconteceu na sociedade brasileira: a partir dela, a educação se torna obrigatória, pública
e gratuita. Essa legislação viabilizou mudanças na escola, pois grupos que antes eram
marginalizados passaram a ter direito à educação.

Quando a educação pública e gratuita passou a ser um direito de todos, uma conquista
baseada em muitas lutas, chegam ao interior da escola sujeitos que antes sequer possuíam
acesso a ela. Felizmente, a tendência hoje é que cada vez mais os alunos sejam diferentes
uns dos outros e que a diversidade ocupe as salas de aula. Orrú (2020) explica que a
diferença nada mais é do que a qualidade daquilo que é diferente; nela, há ausência de
semelhança, há desconformidade, divergência, ela contém a própria diversidade, ela é
inexata e, ao mesmo tempo, é excesso de uma grandeza; nela, não há repetição.

Uma vez que a escola passa a ser o ambiente em que se concentra uma grande diversidade
humana, e que tem a responsabilidade de formar cidadãos críticos, conscientes e atuantes,
não pode ficar indiferente às necessidades dos seus alunos em suas especificidades sociais,
políticas, econômicas, étnicas, religiosas, culturais etc. (NUNES, 2013).

Figura 44. Uma escola para todos.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/school-children-cheerful-variation-concept-393626062.

A BNCC traz recomendações para o ensino voltado para a valorização da diversidade e


para o favorecimento de práticas de inclusão. Isso pode ser observado em cada uma das
áreas do conhecimento em aspectos relacionados ao respeito, à integração, à convivência,
à tolerância e à integração que aparecem em várias competências específicas. Além disso,
a diversidade nas escolas é uma das competências gerais da BNCC que se expressa na
ação de:

62
Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 6

exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,


fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos
humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza (BRASIL, 2019, p.10).

Nesses princípios, podemos perceber a compreensão de que a educação deve afirmar


valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a
mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza
(BRASIL, 2013). Refletir sobre como trabalhar com essas questões se torna indispensável
para a formação de todos os professores.

Figura 45. Muitos jeitos de viver e existir.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/world-diversity-earth-day-international-culture-1814911268.

Para Candau (2011), o ponto de partida é reconhecer a diversidade como um fato: enxergar
todos os alunos como iguais não é bom. Como discutimos anteriormente, ser criança rural,
indígena, quilombola, cigana, migrante, com deficiência e tantas outras particularidades
que envolvem raça, gênero, religião e território imprime diferenças que enriquecem as
salas de aula, quando valorizadas e respeitadas.

Nesse sentido, fazer da diversidade uma conhecida e reconhecida vantagem pedagógica


é o objetivo final. Há, no imaginário docente, a crença de que a diversidade é sinônimo
de problema, quando, na verdade, as diferenças não são uma dificuldade, ou algo a ser
superado. Emília Ferreiro explica como esse tipo de pensamento se constituiu analisando
esta questão no contexto da América Latina. Sobre isso, a autora afirma que:

a escola pública, gratuita e obrigatória do século XX é herdeira da do século


anterior, encarregada de missões históricas de grande importância: criar
um único povo, uma única nação, anulando as diferenças entre os cidadãos,
considerados como iguais diante da lei. A tendência principal foi equiparar
igualdade à homogeneidade. Se os cidadãos eram iguais diante da lei, a
escola devia contribuir para gerar estes cidadãos, homogeneizando as
crianças, independentemente de suas diferentes origens. Encarregada
de homogeneizar, de igualar, esta escola mal podia apreciar as diferenças
(FERREIRA, 2001 apud LERNER, 2007, p. 4).

63
CAPÍTULO 6 • Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental

Diante dessa situação, é indispensável instrumentalizar didaticamente a escola para


trabalhar com a diversidade, não a diversidade negada, nem a diversidade isolada, nem a
diversidade simplesmente tolerada, também não se trata da diversidade assumida como
um mal necessário ou celebrada como um bem em si mesmo, sem assumir seus dilemas e
questões (FERREIRA, 2001 apud LERNER, 2007). Tirar proveito pedagógico da riqueza que
marca a diversidade é o grande desafio da escola.

Para refletir

Precisamos entender que as diferenças são inerentes ao mundo humano e que a diferença não significa desigualdade.
A diferença faz descobrir o outro, enriquece, aumenta o potencial de partilha e favorece a complementaridade, sendo,
portanto, algo extremamente positivo. A desigualdade, por outro lado, afasta, empobrece as pessoas e os povos, dificulta a
solidariedade e é pretexto para o abuso de poder e para a exploração. Compreendemos desigualdade como as distinções
no padrão de vida e nas condições de acesso a direitos, bens e serviços entre integrantes de uma mesma sociedade em
função das suas diferenças como indivíduos (pessoas com ou sem deficiência, homens e mulheres, adultos e crianças,
homossexuais e heterossexuais, negros e brancos, ricos e pobres etc.). Se as diferenças são inevitáveis e desejáveis, podemos
sonhar e trabalhar para que um dia elas sejam tratadas socialmente com menos desigualdade. Por isso, as lutas sociais não
buscam abolir as diferenças, mas sim abolir ou ao menos minimizar as desigualdades.

Para que haja a inclusão, a diferença precisa ser seu par: a inclusão somente pode existir na
própria diferença, jamais no território do igual (ORRÚ, 2020). A escola não está fora dessa
lógica.

Figura 46. Iguais nas diferenças.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/cheerful-diverse-kids-school-uniform-talking-2037345569.

6.3 Práticas pedagógicas nas áreas de ensino religioso,


diversidade e inclusão

Para Candau (2009), práticas pedagógicas voltadas para a diversidade e para a inclusão
devem ter como pressuposto uma educação em prol do reconhecimento do “outro”, para o
diálogo entre diferentes grupos sociais e culturais, para a negociação cultural, que enfrenta
os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais
em nossa sociedade, e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as
diferenças são dialeticamente integradas.

Nesse contexto, Candau (2011) sinaliza ainda que isso significa conceber e realizar
processos de ensino-aprendizagem contextualizados, considerando que os contextos são

64
Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 6

sempre marcados pela diversidade. São processos de ensino-aprendizagem que, portanto,


afirmam, incorporam e se enriquecem com as diferenças, não negam a busca pela
igualdade de direitos, buscam promover o diálogo entre as práticas vividas na escola e as
demais práticas sociais e reafirmam o compromisso com a transformação política e social
(CANDAU, 2011).

Figura 47. O jeito de cada um.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/color-pencils-faces-painted-on-them-1145374085.

Assim, pressupõe a abertura dos professores para as diferenças étnicas, culturais e


linguísticas, para a aceitação positiva da diversidade, para o respeito mútuo, busca de
consenso e, ao mesmo tempo, reconhecimento e aceitação do dissenso e, na atualidade,
construção de novos modos de relação social e maior democracia (CANDAU, 2016).
Para isso, assume que o direito à diversidade e à diferença é constitutivo da democracia e
que exercê-lo, inclusive na escola, possibilita construir novas relações verdadeiramente
igualitárias entre os diferentes grupos socioculturais, o que supõe empoderar aqueles que
foram historicamente inferiorizados (CANDAU, 2020).

Saiba mais

Importante marco nesse processo foi a promulgação das Leis n. 10.639, em 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003), e n. 11.645,
em 10 de março de 2008 (BRASIL, 2008). A Lei n. 10.639 torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira
dentro das disciplinas do ensino fundamental e médio. Para ampliar essa legislação, a Lei n. 11.645 foi sancionada, incluindo
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade também de considerar a história e a cultura dos povos indígenas,
dando a redação final a temática como “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Ambas as legislações demonstram
a importância de considerar a história e a cultura afro-brasileira e indígena nos processos educacionais em um país
multicultural, pluriétnico e que, durante muito tempo, silenciou esses povos e seus legados, colocando-os em um lugar de
subalternidade.

Trindade (2014) afirma que a formação docente muitas vezes é marcada pela inculcação
de preconceitos que certamente colaboram com a manutenção de maiorias invisíveis
e silenciadas nas escolas. Esse preconceito se refere ao que é considerado um ser
humano ideal, um aluno ideal, uma família ideal, o que, na maior parte das vezes, não é
incompatível com a realidade escolar, gerando um conflito com duas saídas: hierarquizar
a realidade em relação ao ideal, negando a própria realidade; ou lutar para romper com

65
CAPÍTULO 6 • Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental

os padrões idealizados (TRINDADE, 2014). No caminho do enfrentamento, é necessário


construir práticas pedagógicas que sejam coletivamente insurgentes: coletivas porque
mantêm com os outros um diálogo que compartilha erros, acertos, teorizações e reflexões;
insurgentes por serem política, ideológica e humanamente comprometida com a
transformação social (TRINDADE, 2014).

Figura 48. Pensar junto uma outra educação.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-diverse-group-college-students-working-2111420681.

Nesse sentido, no que se refere especificamente ao ensino religioso, a BNCC (BRASIL, 2019)
estabelece como objetivos:

» proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a


partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos;

» propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença, no


constante propósito de promoção dos direitos humanos;

» desenvolver competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre


perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de
concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a Constituição Federal;

» contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir
de valores, princípios éticos e da cidadania.

Assim, no ensino fundamental, o ensino religioso adota a pesquisa e o diálogo como


princípios mediadores e articuladores dos processos de observação, identificação, análise,
apropriação e ressignificação de saberes (BRASIL, 2019). Dessa maneira, busca problematizar
representações sociais preconceituosas sobre o outro, com o intuito de combater a
intolerância, a discriminação e a exclusão, tendo a interculturalidade e a ética da alteridade
como fundamentos teóricos e pedagógicos do ensino, porque favorecem o reconhecimento
e o respeito a histórias, memórias, crenças, convicções e valores de diferentes culturas,
tradições religiosas e filosofias de vida (BRASIL, 2019).

66
Ensino religioso e os desafios para favorecer a diversidade e a inclusão nos anos iniciais do ensino fundamental • CAPÍTULO 6

Figura 49. Conhecer, conversar, debater e aprender.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/multinational-children-talking-speech-bubbles-
happy-2066477075.

Nesses princípios, o trabalho docente no ensino religioso em específico, mas também


em qualquer área do conhecimento, implica práticas pedagógicas que valorizam as
identidades, as culturas, os contextos, os conhecimentos prévios, as necessidades, os
interesses e as demandas das crianças. Implica também seu reconhecimento como
sujeitos de direito e produtores de cultura que podem e devem participar e protagonizar os
processos de ensino-aprendizagem.

Com isso, assumimos assim que a escola e seus professores devem ter o compromisso
com o favorecimento de oportunidades educacionais mais justas para todos os alunos,
a despeito “da cor de sua pele, das línguas que falam em suas casas, ou da renda de seus
pais ou responsáveis” (ZEICHNER, 2013, p. 15). Como temos visto ao longo de todo o livro
didático, as metodologias para o ensino fundamental precisam considerar, acima de tudo,
práticas que dignificam as gentes e contribuam para a autonomia, a emancipação e a
liberdade (FREIRE, 2019).

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» Ao longo da história da educação brasileira, o ensino religioso assumiu diferentes perspectivas teórico-metodológicas,
geralmente de viés confessional, interconfessional ou não confessional.

» Atualmente, a BNCC estabelece o ensino religioso como uma área do conhecimento com componente curricular de oferta
obrigatória nas escolas públicas de ensino fundamental, com matrícula facultativa para os alunos.

» A base legal para o ensino religioso no Brasil da Constituição Federal de 1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB – Lei n. 9.394/1996), da Resolução CNE/CEB n. 04/2010 e da Resolução CNE/CEB n. 07/2010.

» Na área do conhecimento ensino religioso, o componente curricular tem o mesmo nome, ensino religioso, que é dividido
em três unidades temáticas, que se alternam ao longo dos anos iniciais do ensino fundamental: identidades e alteridades;
manifestações religiosas; e crenças religiosas e filosofias de vida.

» Os desafios para um ensino pautado na diversidade e na inclusão passam pela dificuldade da escola e dos professores em
relação às diferenças em função de preconceitos sobre aluno ideal, por exemplo.

» As práticas pedagógicas nos anos iniciais do ensino fundamental em ensino religioso e naquelas voltadas para a inclusão
e para a diversidade de um modo geral se baseiam na aceitação e na valorização das diferenças, no reconhecimento dos
processos históricos e sociais que as geram e na reflexão crítica sobre as lutas contra a desigualdade.

67
Referências
ALVES, L. L. A importância da matemática nos anos iniciais. XXII EREMATSUL – Encontro Regional de Estudantes
de Matemática do Sul. Anais... Curitiba, 2016

BARBOSA, M. C. S.; CRUZ, S. H. V.; FOCHI, P. S.; OLIVEIRA, Z. M. R. O que é básico na base nacional comum
curricular para a educação infantil?. Debates em Educação, [S. l.], v. 8, n. 16, pp. 11-28, 2016.

BORBA, A. M. A brincadeira como experiência de cultura. In: CORSINO, P. Educação infantil: cotidiano e políticas.
Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. CNE – Histórico. Portal Mec, 2022. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
escola-de-gestores-da-educacao-basica/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/14306-cne-
historico#:~:text=O%20atual%20Conselho%20Nacional%20de,assessoramento%20ao%20Ministro%20da%20
Educa%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 30 jun. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 7, de 14 de dezembro de


2010. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos. Brasília: Ministério da
Educação, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da
Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.
Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência
da República, 1988.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília:
Presidência da República, 2003.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: Presidência da República, 2008.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1996.

CANDAU, V. Cotidiano escolar e práticas interculturais. Cadernos de Pesquisa, v. 46 n. 161, pp. 802-820, 2016.

CANDAU, V. Didática, Interculturalidade e Formação de professores: desafios atuais. Revista Cocar, n.8, esp.,
pp. 28-442020.

CANDAU, V. Diferenças Culturais, Cotidiano Escolar e Práticas Pedagógicas. Currículo sem Fronteiras, v. 11, n. 2,
pp. 240-255, 2011.

CANDAU, V. Educação Escolar e Culturas: Multiculturalismo, Universalismo e Currículo. In. CANDAU, V. M. (org.).
Didática. Questões Contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2009.

68
Referências

CANTISANO, P. J. Quem é o sujeito de direito? A construção científica de um conceito jurídico. Direito, Estado e
Sociedade, n. 37, pp. 132-151, 2010.

CORSINO, P. As Crianças de seis anos e as áreas do conhecimento. In: BRASIL. Ministério da Educação. Ensino
fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília, DF: MEC/SEB,
2007.

FARIAS, I. M. S. et al. O planejamento da prática docente. In: FARIAS, I. M. S. et al. (orgs.). Didática e docência:
aprendendo a profissão. Brasília: Liber Livros, 2014.

FERNANDES, C. de O.; FREITAS, L. C. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação. In: Indagações sobre
currículo. Brasília, DF: MEC/SEB, 2007.

FERNANDES, C. O. Por que avaliar as aprendizagens é tão importante? In: FERNANDES, C. de O. Avaliação
das aprendizagens e sua relação com o papel social da escola. São Paulo: Autores Associados, 2015.

FREIRE, P. Direitos Humanos e Educação Libertadora: Gestão Democrática da Educação Pública na Cidade
de São Paulo. Organização e Notas de Ana Maria Araújo Freire e Erasto Fortes Mendonça. 1. ed. Rio de
Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 12º edição. Rio de Janeiro: Paz e
Terra 1997.

FRIEDMANN, A. A vez e a voz das crianças: escutas antropológicas e poéticas das infâncias. São Paulo: Panda
Books, 2020.

GATTI, B. A. Questões: professores, escolas e contemporaneidade. In: ANDRÉ, M. (org.). Práticas inovadoras na
formação de professores. Campinas: Papirus Editora, 2016.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

LERNER, D. Ensenãr en la Diversidad. Conferencia dictada en las Primeras Jornadas de Educación Intercultural
de la Provincia de Buenos Aires: Género, generaciones y etnicidades en los mapas escolares contemporáneos.
Dirección de Modalidad de Educación Intercultural. La Plata, 28 de junio de 2007. Texto publicado en Lectura y
Vida. Revista Latinoamericana de Lectura, Buenos Aires, v. 26, n.4, pp. 1-12, 2007.

MORETTO, V. P. Prova: um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. Rio de janeiro: Lamparina
Editora, 2002.

MORIN, E. A cabeça benfeita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

NUNES, M. S. F. Diversidade Cultural no Contexto Escolar. Monografia. Universidade Jean Piaget de Cabo
Verde, Campus Universitário da Cidade da Praia, Cabo Verde, 2013. Disponível em: https://core.ac.uk/download/
pdf/38682665.pdf. Acesso em: 5 jun. 2022.

ORRÚ, S. E. O re-inventar da inclusão: os desafios da diferença no processo de ensinar e aprender. Petropólis:


Vozes, 2020.

OYARZABAL, G. M. Fundamentos teóricos e metodológicos dos anos iniciais. Curitiba: Editora InterSaberes, 2012.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 1999.

ROLDÃO, M. C. Estratégias de ensino: o saber e agir do professor. Gaia, Portugal: Fundação Manuel Leão, 2009.

ROLDÃO, M. C. Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de


Educação, v. 12, n. 34, pp. 94-103, 2007.

ROLDÃO, M. C. Profissionalidade docente em análise: especificidades do ensino superior e não superior. Nuances:
estudos sobre educação, ano XI, v. 12, n. 13, pp. 105-126, 2005.

69
Referências

STRINGHETTA, M. C. T. F. Ensina-me a aprender: pedagogias para a sociedade do conhecimento. Curitiba:


Intersaberes, 2018.

TRINDADE, A. F. Olhando com o coração e sentindo com o corpo inteiro na escola. In: TRINDADE, A. F; SANTOS,
R. (org.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Petropólis: DP et Alii, 2014.

VASCONCELLOS, C. S. Planejamento Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político pedagógico. São


Paulo: Cortez, 2010.

ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo. Porto Alegre: Artmed, 2002.

ZEICHNER, K. M. Políticas de formação de professores nos Estados Unidos: como e porque elas afetam vários
países do mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.​

Sites
https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/smiling-student-girl-wearing-school-backpack-1075168823.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/group-school-kids-reading-education-600737564.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-multicultural-children-hanging-out-friends-1712657485.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/set-school-teachers-standing-blackboards-whiteboards-19
73387882.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/male-elementary-school-teacher-giving-female-1448047391.

https://pixabay.com/pt/photos/boneca-brinquedos-feio-velho-87407/.

https://pixabay.com/pt/photos/crian%c3%a7as-estrada-solid%c3%a1rio-apoio-1149671/.

https://pixabay.com/pt/illustrations/conto-de-fadas-noite-m%c3%basica-peixe-1180921/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/little-african-american-kid-talking-into-1951053355.

https://pixabay.com/pt/photos/garoto-filho-feliz-retrato-1854308/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/children-different-nationalities-talking-picture-dialog-18983
28205.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/feet-arrows-on-road-background-pair-1469142113.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/close-portrait-caring-male-teacher-helping-1983219740.

https://pixabay.com/pt/vectors/pixel-c%c3%a9lulas-avalia%c3%a7%c3%a3o-medir-se-3976303/.

https://pixabay.com/pt/photos/pesquisa-coment%c3%a1rios-avalia%c3%a7%c3%a3o-7046888/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pupils-raising-their-hands-during-class-251933845.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/illustration-kids-showing-scientific-method-research-139
5459506.

https://pixabay.com/pt/vectors/brasil-c%c3%adrculos-mapa-pontos-pa%c3%ads-5905898/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/back-school-background-round-hole-paper-2033803736.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/concept-isometric-flat-illustration-hand-earth-1893713401.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-child-classroom-toy-virtual-reality-709519294.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/child-playing-different-color-wooden-rings-1916150206.

https://pixabay.com/pt/illustrations/esbo%c3%a7o-bonitinho-filho-engra%c3%a7ado-3047721/.

70
Referências

https://pixabay.com/pt/vectors/animais-alfabeto-mapa-crian%c3%a7as-2730764/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/african-female-student-having-clever-idea-1883647186.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/kids-having-fun-watching-experiment-science-1110241928.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-children-on-treasure-hunt-scavenger-1300319527.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/nature-study-forest-composition-outdoor-landscape-1932189083.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/multiethnic-group-kids-sitting-on-floor-1086016097.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/christianity-islam-judaism-3-monotheistic-religions-2070906482.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/child-vector-set-kids-children-many-1767962891.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/school-children-cheerful-variation-concept-393626062.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/world-diversity-earth-day-international-culture-1814911268.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/cheerful-diverse-kids-school-uniform-talking-2037345569.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/color-pencils-faces-painted-on-them-1145374085.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-diverse-group-college-students-working-2111420681.

http://portal.mec.gov.br/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/children-play-tree-hand-drawn-forest-1978733792.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/process-complex-problem-simple-solution-idea-2043454754.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/back-school-background-round-hole-paper-2033803748.

https://pixabay.com/pt/illustrations/comunica%c3%a7%c3%a3o-grupo-equipe-gabarito-7245136/.

https://pixabay.com/pt/photos/garoto-matem%c3%a1tica-aluna-1126140/.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/thinking-child-boy-on-black-background-1754848844.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/multinational-children-talking-speech-bubbles-happy-206
6477075.

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/children-playing-park-playground-on-sunny-1426941347.

71

Você também pode gostar