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DIDÁTICA DA FILOSOFIA

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SUMÁRIO

Didática da filosofia: algumas reflexões iniciais ............................................................ 3

Ensino de filosofia: avaliação e materiais didáticos ....................................................... 6

Objetivos do ensino de filosofia e a organização dos conteúdos de estudo ..................... 9

Metodologia do ensino de filosofia: os materiais didáticos .......................................... 12

A avaliação no ensino de filosofia ............................................................................... 14

Sugestões de atividades práticas .................................................................................. 15

A contradição entre a expectativa inicial e a prática educativa ..................................... 16

A democracia em sala de aula e o risco do basismo ..................................................... 18

A avaliação participativa: uma ideia democrática num contexto de condicionamentos. 19

O trabalho planejado a partir de temas geradores ......................................................... 22

Algumas considerações finais ..................................................................................... 23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 25

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Didática da filosofia: algumas reflexões iniciais

Segundo a Profa. Elisete M. Tomazetti Departamento de Metodologia do Ensino


da UFSM, diz que ao começar esta disciplina é preciso apontar alguns elementos que
possam caracterizá-la. Sabemos que para muitos alunos do Curso de Filosofia que não
pretendem atuar no ensino de filosofia na escola, tal disciplina possa não ter um sentido
e um valor positivo. Essa percepção, também, pode ter sido nutrida por ideias de
desprestígio a tudo o que se refiram as questões educacionais, tradicionalmente
consideradas no espaço dos cursos de licenciatura como de segunda categoria.
Historicamente a pesquisa sempre adquiriu maior valor e prestígio no espaço
universitário em relação à docência. Há algumas justificativas para esta atitude, mas
gostaria de lembrar, por exemplo, o desprestígio que a profissão de professor vem
sofrendo nas últimas décadas no Brasil, o baixo salário, as condições de trabalho. As
expressões crise da autoridade do professor e crise da educação e da escola sinalizam essa
situação. No caso específico dos alunos, futuros professores de Filosofia do Ensino Médio
há outras explicações: durante muito tempo, a disciplina filosofia oscilou entre a presença
e a ausência nas escolas; apenas no ano de 2006 foi aprovada a sua obrigatoriedade,
juntamente com a da Sociologia como disciplina específica nos currículos das escolas de
ensino médio.
Diante desta história de descontinuidade, os cursos formadores dos futuros
professores de filosofia também focaram de forma irrisória as questões de ensino, de
docência, de escola, de metodologia. Mesmo sendo cursos de licenciatura tinham na
pesquisa seu foco principal. Isso começou a mudar a partir de 2002, com a aprovação das
Diretrizes para a formação de professores em nível superior: 400 horas de prática de
ensino e 400 horas de estágio curricular supervisionado. Então, hoje a situação é bastante
diferente: o curso de filosofia, a partir da mudança curricular realizada em 2004, passou
a incorporar disciplinas voltadas para a temática do ensino do conteúdo filosófico; foi
incorporada a disciplina de Pesquisa para o ensino de filosofia e exigem um tempo maior
do aluno dentro da escola e da sala de aula. Do ponto de vista da Escola Básica, há
expectativa dos professores regentes sobre os alunos estagiários, pois representam o
diferente, outras possibilidades para a disciplina e, uma maior proximidade com os
conteúdos de Filosofia indicados no PAEE/MG.

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Então, qual o sentido desta disciplina Didática da Filosofia?
Antes de procurar responder a esta pergunta será preciso indagar sobre a didática
em geral. Segundo Isabel Alarcão, “a didática curricular tem como objetivo levar o aluno,
futuro professor, a compreender que, para ensinar a matéria que aprendeu, tem de ser
capaz de adaptá-la ao conhecimento do aluno para assim servir de mediador, espécie de
tradutor entre o saber constituído e o saber a construir pelo aluno (...)” (2006, p.181).
O objetivo da didática é o desenvolvimento da autonomia do aluno como
aprendente e como profissional reflexivo. Neste sentido, a didática tem caráter analítico
e reflexivo, de interface teórico-prática e científico-analítica. Não, sendo, portanto, um
repositório de receitas. O vocábulo didática deriva da expressão grega techné didaktiké –
arte ou técnica de ensinar.
Segundo Ghiraldelli, “o problema da didática geral é um só: estabelecer o limite
entre o que está sendo organizado de maneira a ser melhor apreendido pelo estudante e o
assunto propriamente dito como ele aparece classicamente na história dos
conhecimentos”. Também, procura avaliar as mediações possíveis e necessárias para
ensinar filosofia na escola. A didática busca pensar aquilo que Chevallard (1997)
denomina de “transposição do saber”, ou melhor dizendo, a transformação do saber
científico em um saber ao nível dos alunos. Neste processo de transposição estão
presentes vários elementos, entre eles: seleção dos conteúdos a ensinar, os alunos a quem
se vai ensinar, e o espaço – a escola – em que esta aula vai acontecer.
E a didática da filosofia?
Está é uma didática específica e “tem como objeto de estudo a natureza do
processo real, contextualizado, do ensino-aprendizagem de uma determinada disciplina.
Para estudar, busca saberes de referência que recria a funcionalidade do valor que detêm
para a compreensão do problema em questão. (...) Colocada a serviço dos professores,
estes reinterpretam a didática no contexto específico em que lecionam, por vezes
questionando-a e adaptando-a, mas também investigando sobre ela. Em suas mãos, a
didática assume a funcionalidade que caracteriza a ação na sala de aula. Saber didática é
pois, ter desenvolvido uma teoria/prática, uma inteligência pedagógica, saberes que
permitem agir em uma situação. É esse o contributo da didática para a formação de
professores” (Alarcão, p.186-7).
Para Selma Pimenta (2006, p.55) “Às didáticas das disciplinas compete o estudo
do que se refere às origens dos conteúdos a ensinar, sua história e sua epistemologia. (...)

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novos conceitos didáticos: tramas conceituais, contrato didático, transposição didática,
situações didáticas”.
Avançando um pouco mais, Zabala (1998), indica os elementos a serem
estudados na Didática, denominados de unidades didáticas, que são:
- sequências de atividades de ensino (sequências didáticas)
- o papel dos professores e dos alunos (relação entre professor e aluno)
- forma de estruturar os diferentes alunos e a dinâmica grupal (organização social
da aula)
- utilização dos espaços e do tempo.
- maneira de organizar os conteúdos
- características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos.
- o sentido e o papel da avaliação. Então, a Didática da filosofia a ser desenvolvida
tem como objetivos proporcionar:
1. Compreensão da disciplina Filosofia no contexto amplo da educação brasileira.
2. Compreensão da especificidade da disciplina Filosofia no Ensino Médio, para
alunos jovens/adolescentes, de diferentes classes sociais e portadores de cultura própria.
3. Leitura e análise do documento Orientações Curriculares – Conhecimentos de
Filosofia.
4. Seleção e análise de metodologias ao ensino da Filosofia.
5. Seleção e organização de materiais didáticos para aula de Filosofia.
6. Planejamento de aulas, levando em conta as unidades didáticas.
7. Execução dos planejamentos das aulas (micro-aulas)

Para finalizar esse módulo, é preciso salientar que não há, ainda no Brasil, uma
produção de conhecimento significativa no campo da Didática e das Metodologias para
o ensino de Filosofia na Escola Básica. Há ensaios e textos produzidos por professores
de Filosofia interessados e comprometidos com o ensino, com as questões educacionais
que atravessam o pensamento sobre aula de Filosofia no Ensino Médio.
Entretanto, não há muitas pesquisas que encaminhem para a indicação sustentada
acerca de metodologia mais adequadas à natureza e ao contexto deste ensino. Por isso,
está disciplina que estamos começando hoje se alicerça no já produzido, mas, também,
sinaliza para a pesquisa que pode ser nela iniciada.

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Módulo II

Ensino de filosofia: avaliação e materiais didáticos

Silvio Gallo - Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e


livre docência pela Universidade Estadual de Campinas. Professor associado (MS-5) da
Universidade Estadual de Campinas.
O ensino de filosofia e suas justificativas Depois de muitos anos de ausência nos
currículos da educação média brasileira, os professores de filosofia veem-se confrontados
com o retorno de sua disciplina aos currículos e perguntam-se: o que fazer? Como fazer?
Mas, também: por que fazê-lo? Sabemos que foram longos os anos de espera pela
introdução da filosofia nos currículos e que foram intensos e calorosos os debates e lutas
para que isso fosse possível.
Nesta luta, foram sendo produzidas algumas justificações para o ensino da
filosofia, que serviam justamente como argumentos para defender seu retorno aos
currículos. Na década de 1980, foram duas as principais justificativas. Por um lado, dizia-
se que a presença da filosofia na educação dos jovens justificava-se pela necessidade de
um desenvolvimento da consciência crítica dos estudantes. Lembremos que a luta pelo
retorno da filosofia aos currículos amalgamava-se e confundia-se com a luta pelo fim do
regime militar instalado em 1964. Como a retirada da filosofia dos currículos havia sido
obra da reforma de cunho tecnicista da educação básica levado a cabo por aquele regime
no final dos anos de 1960 e início da década de 1970, atribuía-se à exclusão da filosofia
e de outras disciplinas de humanidades a falta de criticidade e o excesso de tecnicismo na
formação de nossos jovens. E, neste quadro, a filosofia aparecia como o antídoto
necessário e apropriado a um processo de redemocratização da sociedade brasileira.
Por outro lado, às vezes articulado com este primeiro aspecto, outras vezes não,
aparecia uma segunda justificação: o caráter interdisciplinar da filosofia. Ela seria o
elemento necessário para promover o diálogo e a integração entre as diferentes disciplinas
do currículo, apresentadas aos estudantes de modo completamente desarticulado e
fragmentado, causando uma compreensão equivocada do conjunto do conhecimento
humano. Em ambos os casos, vejo um problema.
Nenhum deles afirma a filosofia por ela mesma, mas por um papel que ela deve
desempenhar. A filosofia era justificada por algo que ela desenvolveria nos estudantes,
algo este alheio a ela mesma. Em outras palavras, ambas as justificativas impõem à

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filosofia um caráter instrumental. Mas há ainda um outro problema a ser apontado. Em
ambos os casos, a justificação para o ensino da filosofia confere a esta disciplina um papel
que não é e não pode ser exclusivo dela. Isto é, se desejamos uma educação que forme a
criticidade dos jovens, a filosofia pode ser um dos elementos desta formação, mas
certamente não é e não pode ser o único.
A criticidade não é exclusiva da filosofia e não pode ser creditada exclusivamente
a ela. Ou as demais disciplinas também são formadoras da consciência crítica ou esta
formação é impossível. E o mesmo raciocínio é válido para a interdisciplinaridade. Para
além destas duas justificações, a afirmação da importância da filosofia nos currículos, que
aparece na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) também
apresenta um caráter instrumental: o papel da filosofia seria o de aportar aos jovens certos
conhecimentos filosóficos necessários ao pleno exercício da cidadania.
Esta justificação não deixa de estar relacionada com as duas anteriores, na medida
em que a LDB aglutinou os anseios da luta antiditadura, já evidenciados na Constituição
Federal de 1988. Mas, em que pese a nobreza da afirmação da filosofia como base da
formação para a cidadania, isto não diminui o fato de que lhe é atribuído um caráter
instrumental. Ora, desde Aristóteles que a filosofia se define como um fim em si mesma,
e não como um meio para atingir a um objetivo determinado:
1 - Justificar um espaço para a filosofia nos currículos da educação básica apenas
de modo instrumental – isto é, a filosofia a serviço de algo, como a cidadania – é
essencialmente antifilosófico, portanto. Indo mais para o contexto da argumentação
presente nos PCNEM.
2 - de ver na filosofia uma preparação abrangente do indivíduo, fazendo parte de
sua introdução ao universo da cultura e das técnicas para nele habitar, prefiro apostar no
ensino da filosofia como um fim em si mesmo, para além de qualquer tutela, seja ela
cidadã ou moral. Quando pensamos na educação como amplo processo de formação
humana e, sobretudo no Ensino Médio, como um nível propedêutico à universidade ou
então como etapa final da formação de um grande número de jovens que não vão para o
Ensino Superior, podemos falar em três grandes áreas do conhecimento humano
fundamentais, que devem estar presentes nessa formação: as ciências, as artes e as
filosofias.
Partindo daquilo que Deleuze e Guattari produziram em O que é a filosofia? (Rio
de Janeiro: Ed. 34, 1992), podemos dizer que as ciências, na sua relação com o mundo,
produzem funções, que organizam os fatos observados através de relações de causa-

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efeito; as artes, por sua vez, produzem perceptos e afectos, formas de compreensão do
mundo numa perspectiva estética; as filosofias, por fim, produzem conceitos, uma forma
racional de equacionamento dos problemas vividos no mundo.
Cada uma dessas formas de conhecimento humano, portanto, é irredutível à outra
e são todas mutuamente complementares. Dizendo de outro modo, nenhuma ciência é
capaz de fazer por mim aquilo que a filosofia faz, assim como nenhuma filosofia pode
substituir os afetos estéticos, por exemplo. O que equivale a dizer que, se procuramos um
processo educativo como formação humana, minimamente precisamos garantir a todos
os estudantes o acesso a estas três instâncias de produção de saberes sobre o mundo.
Penso que reside aí a justificativa para a necessidade da presença da filosofia nos
currículos do Ensino Médio. As diversas ciências lá estão; a experiência estética ou
artística, de um outro modo também (na verdade, penso que deveríamos ter muito mais
arte nos currículos, mas ao menos já temos alguma coisa). Mas e quanto às filosofias? Os
estudantes têm acesso às funções científicas, aos perceptos e afetos artísticos, mas e aos
conceitos filosóficos? Sem eles, não teremos um conhecimento abrangente, uma
formação abrangente.
Repito: não penso que a filosofia se justifique nos currículos da educação média
por promover uma forma de visão crítica do mundo (outras disciplinas também podem e
devem fazer isso), nem por possibilitar uma visão interdisciplinar (outras disciplinas
também podem e devem fazer isso), muito menos por trabalhar com conhecimentos
fundamentais ao exercício da cidadania (no limite, a ação cidadã não reside na filosofia,
mas talvez mesmo longe dela). Por outro lado, a ausência da filosofia nos currículos
significa o não contato dos estudantes com essa importante construção humana, que é o
conceito. Isso, sim, a filosofia pode oferecer. E apenas ela pode oferecer.

Sugestões de estudos e aprofundamento Para aprofundar as questões aqui


desenvolvidas, sugiro a leitura de:
CERLETTI, Alejandro. O Ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.
KOHAN, Walter Omar. Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.
OBIOLS, Guillermo. Uma Introdução ao Ensino da Filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí,
2002.

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SILVEIRA, René José; GOTO, Roberto (Org.). Filosofia no Ensino Médio:
temas, problemas e propostas. São Paulo: Loyola, 2007.

Sugestões de atividades práticas


Construa sua própria justificativa para o ensino da filosofia no nível médio, a partir
das seguintes questões:
• Como você se orienta na filosofia? Isto é: a partir de que correntes e ou autores
você pensa a filosofia?
• O que você pensa sobre a capacidade da filosofia interferir no exercício da
criticidade pelos estudantes? E sobre seu caráter interdisciplinar?
• Para você, o mais importante no Ensino Médio é a prática filosófica, o exercício
do pensamento, ou o conhecimento sistematizado produzido pela humanidade? Por quê?

Objetivos do ensino de filosofia e a organização dos conteúdos de estudo

Se nos colocamos de acordo com a justificativa acima apresentada para a presença


da filosofia nos currículos do Ensino Médio, então não podemos admitir que a presença
desta disciplina signifique apenas mais um espaço de transmissão de conteúdo. Se a
filosofia justifica-se por oportunizar aos estudantes a experiência do conceito, a
possibilidade de exercício do pensamento conceitual, então ela não pode ser apenas mais
um desfile daquilo que os filósofos pensaram pelos séculos afora.
Caminhando nesta direção, penso que podemos fazer das aulas de filosofia
laboratórios de experiências de pensamento, que gosto de chamar de oficinas de conceito.
Um ensino ativo da filosofia, que coloque os jovens estudantes em contato com a própria
atividade filosófica: a criação conceitual, mais do que com sua história, ou com os temas
dominantes nessa história, ou com os temas hoje importantes. Claro que tudo isso está
subentendido e articulado, mas proponho focarmos o ensino no conceito e em sua
produção, no ponto de partida do pensamento, isto é, nos problemas que os motivam.
Trata-se, então, de realizar com os estudantes o movimento de pensamento próprio da
atividade filosófica, a criação conceitual. Um professor de filosofia que faça esse
movimento precisa assumir-se, ele mesmo, como filósofo. Como ele poderia convidar os
alunos a fazer o movimento, mediá-los nesse processo, se ele mesmo não o fizer?
Parece-me muito interessante, para pensar um ensino ativo da filosofia, a posição
apresentada por Sthèphane Douailler, de tomar a filosofia como um “poder de começo”.

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Na conferência que proferiu na abertura do Congresso Brasileiro de Professores de
Filosofia (Universidade Metodista de Piracicaba, novembro de 2000), Douailler defendeu
que todo filosofar é um novo começo, possível apenas pela superação do mestre. Cita
como exemplo Platão, que só começa efetivamente a filosofar após a morte de Sócrates,
como esforço de levar adiante o legado do mestre, mas já produzindo um novo começo,
uma nova filosofia.
O professor de filosofia, então, é aquele que faz a mediação de uma primeira
relação com a filosofia, que instaura um novo começo, para então sair de cena e deixar
que os alunos sigam suas próprias trilhas. Sem Sócrates, Platão não teria se iniciado em
filosofia; mas sem o desaparecimento (a morte) de Sócrates, Platão não teria feito o
movimento de um novo começo, produzindo, ele mesmo, filosofia. O professor de
filosofia é aquele personagem que, a um só tempo, sabe e ignora; com isso, não explica,
mas media a relação dos alunos com os conceitos, saindo de cena em seguida para que a
relação com os conceitos seja feita por cada um e por todos. Impõe-se então a pergunta:
como organizar os conteúdos da filosofia no currículo deste nível de ensino? Temos ao
menos três eixos em torno dos quais podemos construir um currículo de filosofia: um eixo
histórico, um eixo temático e um eixo problemático. No primeiro, organizamos os
conteúdos a serem ensinados seguindo uma cronologia histórica.
O problema, nesse modelo, é que a chance de cair num ensino enciclopédico,
apresentando um desfile de nomes de filósofos, pensamentos e datas, é muito grande. E,
no contexto de um currículo já muito conteudista, a filosofia é vista como apenas um
conteúdo a mais. No segundo, elegemos temas de natureza filosófica, como a liberdade,
a morte ou outro qualquer, sendo que podemos ou não tratar estes temas em uma
abordagem histórica. De qualquer forma, os conteúdos são apresentados de forma
temática, em uma tentativa de torná-los mais próximos da realidade vivida pelos jovens.
Em termos de organização didática dos conteúdos a serem trabalhados no nível médio,
essa abordagem parece-me mais apropriada que a anterior.
O texto da conferência de Douailler, intitulado A filosofia que começa: desafios
para o ensino da filosofia no próximo milênio, foi publicado em GALLO, S.; CORNELLI,
G.; DANELON, M. (Org.). Filosofia do Ensino de Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2003. As
teses de Douailler estão amparadas em um belo livro de Jacques Rancière, O Mestre
Ignorante (Belo Horizonte: Autêntica, 2002).
Por fim, na terceira alternativa, os conteúdos são organizados em torno dos
problemas tratados pela filosofia, que por sua vez se recortam em temas e podem ser

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abordados historicamente. Em minha visão, essa abordagem abarca as duas anteriores, na
medida em que permite tanto o acesso aos temas filosóficos mais relevantes quanto à
história da filosofia. Mas também avança para além delas, pois toma a filosofia como uma
ação, uma atividade, posto que se organiza em torno daquilo que motiva e impulsiona o
filosofar, isso é, o problema. Esta terceira forma de organização curricular dos conteúdos
de filosofia parece ser a mais apropriada se nosso objetivo é o de oportunizar a experiência
do pensamento conceitual, uma vez que os conceitos são produzidos a partir de
problemas.
Se apresentarmos os conteúdos da filosofia em uma abordagem histórica,
dificilmente teremos condições de mobilizar nos estudantes o trato com os conceitos,
tendendo a um ensino mais conteudista e enciclopédico, e menos experimental; por outro
lado, se utilizarmos uma abordagem temática, temos mais chances de escapar do
enciclopedismo, mas nem por isso garantimos visibilidade aos problemas filosóficos que
mobilizam o pensamento. É evidente, por outro lado, que centrar o currículo no eixo
problemático não pode significar o desprezo pela história da filosofia. A história deve
estar lá, sempre presente como o pano de fundo, como a fonte na qual buscamos o saber
filosófico sistematizado. Se o ensino de filosofia deve explorar aquele “poder de começo”
do qual fala Sthèphane Douailler, por outro lado, o começo só pode existir pela superação;
isto é, não começamos do zero, não desprezamos a história. É justamente a história que
nos garante a possibilidade de estabelecermos, sempre, um novo começo, que não é
nenhuma reinvenção da roda, mas o exercício de cada um fazer por si mesmo o
movimento de pensamento que fizeram os filósofos ao longo da história. Sugestões de
estudos e aprofundamento
Para aprofundar as questões aqui desenvolvidas, sugiro a leitura de:
ASPIS, Renata Lima; GALLO, Sílvio. Ensinar Filosofia: um livro para
professores. São Paulo: Atta, 2009.
DOUAILLER, Sthèphane. A filosofia que começa: desafios para o ensino da
filosofia no próximo milênio. In: GALLO, S.; CORNELLI, G.; DANELON, M. (Org.).
Filosofia do Ensino de Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2003.
RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante: cinco lições de emancipação
intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

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Sugestões de atividades práticas
• Defina uma lista de seus objetivos ao ensinar filosofia no nível médio;
• Faça uma lista dos conteúdos, temas e problemas filosóficos que você julga que
sejam importantes para atingir estes objetivos;
• Escolha os principais filósofos e/ou correntes filosóficas que podem auxiliar a
pensar estes conteúdos;
• Faça o exercício de organizar um currículo de filosofia com estes conteúdos e
autores, segundo:
a) uma orientação histórica;
b) uma orientação temática;
c) uma orientação problemática.

Metodologia do ensino de filosofia: os materiais didáticos

Desde a década de 1980, com o retorno parcial da filosofia aos currículos do


Ensino Médio, então na condição de disciplina optativa, foram sendo publicados livros
didáticos para seu ensino. Em princípio de modo mais tímido, depois de forma mais
arrojada, as editoras foram se preocupando com este filão do mercado editorial. De modo
que hoje temos, seguramente, mais de vinte manuais preparados para o ensino da filosofia
no nível médio. Valendo-me aqui de um extenso estudo feito por Américo Grisotto,
professor de filosofia e doutorando na Faculdade de Educação da Unicamp, cito alguns
destes manuais, que considero dentre os principais.
O pesquisador desenvolveu um mapeamento dos livros disponíveis hoje no
mercado editorial brasileiro que se destinam ao trabalho com o ensino de filosofia no
nível médio e chegou a mais de trinta títulos, dentre aqueles de produção brasileira e
algumas poucas traduções de obras estrangeiras. Organizou os vários livros didáticos para
filosofia em duas categorias: aqueles que tomam a história da filosofia como centro e
aqueles que tomam a história da filosofia como referencial. Em outras palavras, na
primeira categoria temos livros que consideram a abordagem histórica no ensino da
filosofia; enquanto que na segunda categoria trata-se de obras que privilegiam a
abordagem temática.
Na primeira categoria, podemos destacar: • Vivendo a Filosofia, de Gabriel
Chalita, Editora Atual. • Aprendendo filosofia, de César Aparecido Nunes, Editora
Papirus. • Introdução ao Estudo da Filosofia, de Antonio Xavier Teles, Editora Ática. •

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Filosofia, de Antônio Joaquim Severino, Editora Cortez. • Pensando para viver: alguns
caminhos da filosofia, de Mauri Luiz Heerdt, Editora Sophos. Dentre aqueles manuais
que optam por uma organização temática, destaco: • Filosofando: introdução à filosofia,
de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Editora Moderna. •
Temas de Filosofia, também de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires
Martins, Editora Moderna. • Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, Editora Ática. •
Filosofia: ensino médio, de Marilena Chauí, Editora Ática. • Fundamentos da Filosofia:
história e grandes temas, de Gilberto Cotrim, Editora Saraiva. • Introdução à Filosofia:
aprendendo a pensar, de Cipriano C. Luckesi e Elizete S. Passos, Editora Cortez. • Um
outro olhar, de Sonia Maria Ribeiro de Souza, Editora FTD. • Iniciação ao filosofar:
pensando melhor, de Angélica Sátiro e Ana Miriam Wuensch, Editora Saraiva. • Para
filosofar, de Cassiano Cordi, Antonio Raimundo dos Santos, Elizabeth Maria Bório,
Avelino Antônio Correa, Neusa Vendramin Volpe, Ana Maria Laporte, Sílvia Maria de
Araújo, Anita Helena Schelesener, Luiz Carlos Ribeiro, Dimas Floriani e Maria José
Justino, Editora Scipione. • Filosofia – Iniciação à Investigação Filosófica, de José Auri
Cunha, Editora Atual. • Explicando a Filosofia com Arte, de Charles Feitosa, Editora
Ediouro. • Ética e cidadania: caminhos da filosofia, produzido pelo Grupo de Estudos
sobre Ensino de Filosofia – Unimep (tendo como autores Sílvio Gallo, que coordenou a
edição, mais Márcio Mariguela, Paulo Roberto Brancatti, Márcio Danelon, Luís Carlos
Gonçalves, Carlos Henrique Cypriano), Editora Papirus.
Fica evidente que, dentre os livros didáticos disponíveis atualmente no mercado
editorial brasileiro, há uma clara predominância daqueles que optam por uma abordagem
temática. Para cada uma destas obras, poderíamos destacar pontos fortes e pontos frágeis,
mas não é este nosso objetivo aqui. Destaco, apenas, que, se optamos por uma abordagem
problemática do ensino de filosofia, muitas destas obras podem servir de apoio ao
trabalho do professor, mas nenhuma delas daria conta, de modo exclusivo, de permitir
este trabalho. Em uma abordagem problemática, além de possíveis manuais para o ensino
de filosofia, o professor precisa valer-se de textos dos próprios filósofos em traduções
confiáveis, textos não filosóficos que permitam uma aproximação aos temas e problemas
trabalhados, bem como outros materiais, como filmes, documentários, músicas, poesias,
obras de arte, que permitam sensibilizar os estudantes para os problemas filosóficos a
serem abordados.

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Sugestões de estudos e aprofundamento sugiro a leitura de:
KOHAN, Walter Omar; XAVIER, Ingrid Muller (Org.). ABeCedário de Criação
Filosófica. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
ROCHA, Roani Pires da. Ensino de Filosofia e Currículo. Petrópolis: Vozes,
2008.
Sugestões de atividades práticas
1. Analise os livros didáticos que você tenha disponíveis, verificando se propõem
uma abordagem temática ou histórica.
2. Faça comparações entre os manuais que você conhece, estabelecendo seus pontos
positivos para sua atividade no ensino e seus pontos frágeis.
3. Construa uma espécie de midiateca para o ensino de filosofia, com filmes, trechos
de filmes, obras de arte, poesias, músicas etc.
4. Produza textos auxiliares para suas aulas de filosofia, com base na opção
curricular adotada.

A avaliação no ensino de filosofia

Chegamos ao mais complexo e espinhoso dos temas quando tratamos do ensino


de filosofia: a avaliação. Se optarmos por um ensino conteudista e enciclopédico, o
problema não é tão grande: basta que verifiquemos se os estudantes assimilaram os
conteúdos transmitidos. Mas o risco, aí, é aquele que já apontava Nietzsche no ensaio
Schopenhauer Educador, ao tratar do ensino da filosofia para jovens na Alemanha de seu
tempo: tratava-se de decorar sistemas filosóficos e as 50 refutações a estes sistemas para
esquecer tudo imediatamente, no dia seguinte aos exames. Atualmente temos disponível
uma tradução para o português deste ensaio: Nietzsche, Friedrich, Escritos sobre
Educação. Tradução, apresentação e notas de Noéli C. M. Sobrinho. Rio de Janeiro: : Ed.
PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
Por outro lado, quando optamos por um ensino ativo da filosofia, centrado no
exercício do pensamento conceitual, a pergunta se impõe: o quê e como avaliar? Neste
caso, devemos nos ater menos àquilo que o estudante eventualmente assimilou dos
conteúdos que foram transmitidos, mas precisamos nos preocupar em avaliar em que
medida ele foi ou não capaz de aproximar-se da experiência do pensamento conceitual.
O esforço avaliativo do professor deve concentrar-se em perceber coisas como:

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• Dado um determinado tema filosófico, o estudante foi capaz de identificar o
problema que está por trás dele?
• Dado o desenvolvimento de um tema por um determinado filósofo, o estudante
foi capaz de identificar o problema ou conjunto de problemas que mobilizaram seu
pensamento?
• Lendo um texto filosófico a partir de um determinado problema mobilizador, o
estudante foi capaz de identificar o conceito ou conceitos produzidos pelo filósofo para
enfrentar este problema? O estudante foi capaz de recriar o conceito do filósofo,
refazendo o movimento de pensamento? O estudante foi capaz de deslocar este conceito
para um outro contexto ou um outro problema?
• O estudante foi capaz de comunicar seu movimento de pensamento através de
um texto de natureza filosófica?
• Como se pode perceber, estas questões são complexas e de forma alguma
direcionam para qualquer receituário de como avaliar em filosofia. Cada professor, no
contexto de seu trabalho, precisa criar os mecanismos próprios que lhe permitam perceber
o desenvolvimento dos estudantes, podendo intervir para seu aprimoramento, uma vez
que este é o único sentido aceitável para um processo de avaliação.

Sugestões de atividades práticas

• Como você avalia seu percurso de estudos na filosofia? Faça uma lista dos
mecanismos de avaliação que você vivenciou durante seu trajeto como estudante de
filosofia. Faça uma análise crítica destes mecanismos, avaliando em seguida sua
propriedade ou não para os estudantes do Ensino Médio.
• Desenvolva distintos mecanismos avaliativos para as aulas de filosofia, de
acordo com a sua opção curricular.
• Se você estiver interessado em experimentar o ensino de filosofia, centrado em
problemas, faça o exercício de como você avalia a sua própria leitura de textos dos
filósofos, procurando identificar os problemas e os conceitos, como forma de preparar
futuros instrumentos avaliativos para os estudantes.

Sugestões de estudos e aprofundamento sugiro a leitura de:


ESTEBAN, Maria Teresa. Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos.
Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

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RODRIGO, Lida Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino
médio. Campinas: Autores Associados, 2009.
Caro aluno nesse módulo você conhecerá a experiência de um Professor de
Filosofia, Sidney Fagundes Vieira da Cidade de Moeda/MG, levado a refletir sobre sua
prática. Sua escrita é reveladora pois aponta para os principais problemas do ensino de
Filosofia nas escolas. Leia com atenção e bons estudos.

A contradição entre a expectativa inicial e a prática educativa

Uma das primeiras constatações importantes da nossa atividade educativa foi a


identificação do contexto social, político, econômico e cultural, no qual se insere a
juventude de nossa época. A implicância das transformações da sociedade com a vida das
pessoas é um aspecto fundamental para a prática pedagógica. Assim, a definição de alguns
eixos básicos de atividades possíveis para o trabalho levaram em conta a sua adequação
à realidade dos educandos. Por outro lado, diante da preocupação com a motivação do
grupo envolvido, havia um cuidado especial com a metodologia a ser utilizada. Levando
em consideração a rejeição dos alunos aos métodos tradicionais de ensino, trabalhamos
filosofia, com base em uma metodologia que caracterizamos de “debate construtivo de
problemas”.
No entanto, desde o primeiro contato com a turma de alunos, logo percebemos
que existe uma lacuna entre o que nos propusemos a realizar (antes do envolvimento com
o grupo) e a situação concreta em que nos encontrávamos. Essa experiência foi
fundamental para a elaboração da proposta de trabalho, visto que, após as primeiras aulas,
surgiram ideias bem diferentes acerca do que poderia ser realizado. Podemos afirmar,
diante disto, que a atividade educativa carece de uma constante reflexão crítica para que
possa ser, de fato, um processo coerente com nossa postura de educador. Se não nos
propusermos a refletir diante da prática realizada, corremos o risco de cair num ativismo,
o que reforça a cultura do improviso, tão presente na cultura brasileira e, muitas vezes,
prejudicial a um efetivo trabalho que almeje a obtenção de resultados positivos diante de
problemas.
Com a perspectiva de estarmos propondo um processo educativo em constante
construção, desde a primeira aula apresentamos nossa proposta ao grupo para que fosse
discutida, criticada e adequada ao interesse coletivo. Além da metodologia que procurava
evitar, na medida do possível, atividades expositivas do professor diante dos alunos, a
principal novidade da proposta que apresentamos foi a forma de avaliação. Considerando

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o poder do professor em determinar a classificação dos alunos através de notas, nos
atrevemos a alterar esta histórica concepção de avaliação. Propusemos a discussão da
avaliação com o grupo, tentando estabelecer critérios coletivos que pudessem criar uma
maior responsabilidade dos alunos com a disciplina em curso. Prevíamos a abolição da
prova bimestral e apresentávamos a sugestão de realizar diversos trabalhos escritos que
pudessem revelar o crescimento do grupo e de cada indivíduo no decorrer das aulas.
No entanto, desde as primeiras aulas, verificamos que os alunos não estavam
preparados para a nova forma de trabalho apresentada. A inibição da maioria com a
comunicação foi um problema sério a ser enfrentado. Se estávamos prevendo um processo
de debates e discussões em grupo, os alunos esperavam um professor que viesse expor
conteúdos que, posteriormente, seriam exigidos em forma de prova. Como os alunos
devem ter passado grande parte de sua vida escolar com a prática tradicional de educação,
baseada em metodologias expositivas, muitos demonstravam intimidações em se
pronunciar publicamente, permanecendo, a maior parte do tempo, em silêncio. Alguns,
ao contrário, se manifestavam seguidamente e chegavam a impedir a manifestação dos
outros. Assim, constatamos a enorme distância entre o que estávamos dispostos a
trabalhar e a realidade dos alunos. Assim, a proposta foi apenas apresentada, não havendo
uma efetiva discussão a seu respeito, durante as primeiras aulas.
Entretanto, não desistimos da nossa forma de trabalhar. Entendíamos que seria
necessário motivar os alunos para a participação. Isso representou uma grande mudança
em nossa concepção de trabalho inicial. A necessidade de estimular os alunos para o
debate, nos motivou a reelaborar as atividades após cada aula, desenvolvendo reflexões
sobre o que realizamos e o que precisávamos modificar ou melhorar. Quando iniciamos
as reflexões críticas das aulas percebemos uma contradição importante em nossa
proposta. Se estávamos dispostos a construir nossas aulas com os alunos, porque
havíamos planejado as atividades para todas as aulas antes de entrar em contato com a
turma? E por que estávamos tão preocupados com os conteúdos, se nossa principal meta
era a motivação para o pensamento filosófico? Concluímos, nesse momento, que o
fundamental do trabalho era construir atividades a partir de cada aula, de cada
comportamento que se manifestava, buscando uma participação cada vez maior dos
alunos na construção das atividades.

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A democracia em sala de aula e o risco do basismo

Geralmente quando nos referimos à democracia participativa em sala de aula


somos taxados de basistas. O que queremos dizer, aqui, com a expressão basismo, é a
tendência de considerarmos como verdadeiro tudo o que emerge da base, do povo. Ou
seja, a extrema valorização do saber popular, ou mesmo, o reforço ao senso comum.
Como, na maioria das vezes, o professor se coloca na condição de quem sabe e impõe aos
alunos uma situação de aprendizagem em função do que procura transmitir, esta
afirmação segue uma lógica histórica. Sabemos dos inúmeros problemas que a educação
autoritária provocou nas pessoas e os seus reflexos estão presentes no comportamento em
geral. Entretanto, a simples caracterização de basismo a qualquer alteração na estrutura
de poder, nos parece uma tentativa de impedir uma novidade para a qual muitos não estão
preparados.
Manifestamos nossa contrariedade ao basismo e, principalmente na filosofia,
consideramos a necessidade de estarmos constantemente atentos a nossas práticas
educativas para não reforçarmos o senso comum. Aliás, uma das maiores contribuições
da filosofia é oferecer condições para que as pessoas possam se libertar dos preconceitos,
da mera aparência e construir um conhecimento mais racional acerca da realidade e do
próprio ser humano. Essa problemática precisa ser considerada num processo de
construção do conhecimento em sala de aula, pois condiciona o debate em torno da
postura do professor e da sua importância na atividade educativa.
Sentimos uma tendência ao basismo no decorrer de nosso trabalho, visto que,
constantemente, buscávamos a adequação da nossa prática às expectativas do grupo
participante. Podemos afirmar que os constantes momentos de reflexão sobre a nossa
prática é que possibilitaram o afastamento dessa “dependência ao desejo do grupo”. Se
apenas continuássemos o trabalho sem uma constante avaliação, provavelmente
estaríamos realizando as atividades em função de si próprias. Em outras palavras,
corremos o risco de conceber as atividades como um fim em si mesmas e não como meios
da prática educativa. Realizar atividades educativas sem um objetivo, uma análise do
contexto e a posterior adequação à situação concreta, levando em conta o que queremos,
não permite a inovação, mas apenas reforça o que o aluno já pensa, contribuindo para a
absolutização de ideias preconceituosas.
Consideramos que nossa tentativa de estabelecer uma nova relação entre professor
e alunos, através do debate construtivo de problemas, foi um passo decisivo para a

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construção de uma postura filosófica com o grupo envolvido. A percepção de que a
filosofia é algo que pode ser acessível e que deve estar presente nas mais diversas
situações da vida humana, colocou o grupo de alunos numa nova perspectiva de estudos.
Se não tivéssemos buscado o envolvimento ativo dos participantes com as diferentes
atividades propostas, o nosso trabalho não teria sentido enquanto experiência, pois o que
os alunos realizam na escola geralmente não lhes parece ter relação com a sua vida
cotidiana. Assim, ao invés de cairmos num ativismo e posterior basismo (e vice-versa), o
que buscávamos, enquanto metodologia, era o planejamento participativo, levando em
conta a participação de cada aluno na definição do nosso trabalho, mas sem absolutizar o
consenso em torno do que parece mais simples. O debate com os alunos teve, na gradativa
problematização da prática, a referência principal do seu próprio planejamento. A nossa
orientação maior foi a constante avaliação que realizamos, acompanhando o progresso da
turma com base nos seguintes critérios: a) interesse em aprender (questionar, trabalhar);
b) construção de conhecimento na relação com o grupo; c) participação em todas as
atividades; d) avanço na capacidade de expressão e argumentação (com clareza e
coerência).
No que tange às regras de disciplina e funcionamento dos trabalhos, essas foram
definidas pelo grupo de alunos que, além de as elaborarem, foram responsáveis pela sua
concretização e seu cumprimento. Também, nesse aspecto, foram obtidos bons
resultados, revelando que, se os próprios alunos aprovam as normas que regerão seu
comportamento individual e as relações coletivas, há uma maior responsabilidade e
atenção no seu cumprimento, melhorando os aspectos referentes à disciplina do grupo em
sala de aula.

A avaliação participativa: uma ideia democrática num contexto de


condicionamentos

Com certeza, o elemento que mais frustrou nossa expectativa foi a avaliação.
Como proposta, havíamos apresentado a possibilidade de abolição da prova bimestral
individual para classificação dos alunos por notas, propondo a conferência de uma mesma
nota para todos em função dos resultados do grupo. Com isso, buscávamos evitar a
histórica contribuição da escola para a reprodução de mecanismos de competição entre
as pessoas, o que acentua a cultura de opressão na sociedade. Coerente com nossa
concepção de construção do conhecimento, a referida proposta baseava-se na evolução

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progressiva do grupo diante dos conteúdos trabalhados. Se a avaliação tivesse como
referência a turma de alunos e não os indivíduos, estaríamos reforçando a solidariedade,
propondo aos que melhor entenderam as atividades a ajuda aos que tiveram maiores
dificuldades. Nessa proposta, levamos em conta a necessidade que a turma teria de
melhorar o aproveitamento de todos os alunos.
A nota de cada um, por sua vez, seria conferida a partir da média do grupo que
seria única. Logicamente, se todos no grupo melhorassem, a nota individual aumentaria
e de nada adiantaria competir, pois só haveria uma melhor nota se os de menor rendimento
pudessem ter a oportunidade de crescimento em cooperação com os demais.
A proposta foi apreciada pelo grupo e somente alguns deram seu parecer. A
maioria dos participantes considerou ótima a ideia, mas, praticamente, não ocorreram
críticas nem complementações. Isso nos pareceu um pouco estranho no início, mas depois
conseguimos entender que, se os alunos nunca haviam participado de uma proposta desse
tipo, dificilmente poderiam propor ou criticar, já que não tinham elementos para isso.
Nesse sentido, continuamos propondo e construindo atividades com a turma e
percebemos que, cada vez mais, estávamos melhorando a participação em sala de aula.
Trabalhamos com textos em forma de metáforas, slides, interpretação de músicas,
construção de análises da sociedade e muitos debates. A cada encontro encaminhávamos
um trabalho escrito a ser entregue até a aula seguinte. A previsão era de uma avaliação
para cada trabalho produzido, de maneira que pudéssemos acompanhar o progresso
individual e coletivo do grupo. Porém, nesse aspecto em específico, fomos confrontados
com um problema grave: a maioria da turma não entregava seus trabalhos, pois não
realizavam tarefas fora do horário escolar. Insistimos muito, avaliamos muitas vezes isso,
mas não conseguimos resolver o problema.
Diante dessa recusa dos alunos em realizarem trabalhos fora do horário escolar,
fomos obrigados a romper com a proposta inicial de avaliação. Muitos alunos afirmavam
que a culpa era de quem não entregava os trabalhos e queriam continuar com o método
inicialmente proposto. No entanto, estava evidente o fato de que, mesmo desejando que
a avaliação fosse coletiva, os alunos que se manifestavam também não haviam entregue
seus respectivos trabalhos e, a forma proposta para a avaliação, só vinha a prejudicar o
conjunto dos alunos que teriam uma média de notas muito ruim se fossem considerados
os trabalhos não entregues até aquele momento. Em função disso, o grupo concordou com
a avaliação individual, reconhecendo que não estavam acostumados a realizar trabalhos
escolares, se esses não valessem uma nota individual.

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Constatamos que é muito difícil construir uma nova metodologia num contexto
em que os alunos não estão efetivamente preparados para a mudança. Durante a
experiência em curso, ficamos imaginando que seria possível trabalhar a forma de
avaliação proposta se, a partir das séries iniciais e durante o transcurso do Ensino
Fundamental, já se tivesse avançado mais com essa prática nas escolas. Infelizmente, no
pouco tempo que tivemos para trabalhar, muitas das expectativas que tínhamos ficaram
para ser concretizadas no futuro. A mudança no comportamento de alunos não é tão
simples como prevíamos. Verificamos que, mesmo afirmando querer mudar, havia um
conjunto de fatores que conduzia os alunos à acomodação diante do que propunham.
Não se pode pretender mudar a educação somente através de uma disciplina e em
reduzido tempo de trabalho. Verificamos que o método proposto precisa ser assumido
como uma opção da escola como um todo, começando a desenvolver com um mesmo
grupo, desde as séries iniciais, práticas que conduzam à auto-organização da turma, sendo
o professor uma referência básica para a assessoria do processo, para o encaminhamento
de atividades e para a coordenação dos debates, a fim de que se possa atingir, da melhor
forma, os objetivos propostos. Pensamos que essa experiência revela a necessidade de
uma prática interdisciplinar na escola, para que os diversos professores, das mais
diferentes áreas, possam adotar uma forma comum de avaliação, em discussão com todas
as turmas de alunos da escola. A disciplina de Filosofia pode dar uma contribuição
significativa na construção dessa proposta, pela sua capacidade de reflexão crítica sobre
a realidade e pela postura de desafiar as pessoas para a construção de novas alternativas,
coerentes com objetivos de transformação da realidade existente.
Em contrapartida, verificamos, também, que poderíamos ter dedicado um maior
tempo à discussão da avaliação e da própria proposta de trabalho com os alunos.
Entendemos que ainda ficamos muito “atrelados” aos conteúdos e à ideia de que seria
preciso, necessariamente, concluir tudo o que planejamos. Se tivéssemos nos preocupado
mais com a forma de trabalhar e menos com os conteúdos, certamente teríamos obtido
melhores resultados no que se refere à avaliação participativa. Compreendemos que
estamos, ainda, muito influenciados pela forma tradicional de educar e os resultados
negativos, geralmente, são atribuídos aos alunos. Os professores também foram alunos e
manifestam uma cultura de dominação em suas concepções de trabalho. Precisamos nos
atrever a aprender junto com os alunos e refletir criticamente nossas atitudes, para que as
mesmas sejam cada vez mais coerentes com nossas utopias, a ponto de traduzirmos em

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cada prática educativa realizada um pouco do projeto de ser humano que queremos
construir para o futuro.

O trabalho planejado a partir de temas geradores

No início da nossa experiência de prática pedagógica, nos apressamos em definir


conteúdos que considerávamos fundamentais para a turma. Chegamos a realizar várias
elaborações procurando adequar, da melhor forma possível, os temas fundamentais da
disciplina de Filosofia a serem abordados. Mas, ao entrarmos em contato com os alunos,
percebemos que novas preocupações estavam sendo despertadas e entramos em conflito
com a nossa proposta inicial. Com o decorrer das aulas e os planejamentos que havíamos
realizado, constatamos que ainda estávamos trabalhando o mesmo conteúdo e, junto a
este, outros temas, como a exploração, a ética e a política já haviam sido enfocados. Isso
se justificava no contexto em que as discussões vinham ocorrendo, visto que vários
assuntos estavam interligados ao enfocarmos a problemática social.
Numa primeira análise, poderíamos afirmar que estávamos trabalhando sem
planejamento. Isso se tivermos uma compreensão de planejamento como sendo algo
estático, como um padrão a ser seguido. Quando os alunos começaram a se envolver com
a discussão dos temas propostos, verificamos que estávamos diante de um momento
muito rico para um diálogo que poderia ser progressivamente construído e que tivesse
relação com a vida de cada um dos alunos. Para provocar uma maior desinibição,
provocamos os alunos a falarem de si mesmos e apontarem num questionário suas
maiores expectativas e o que consideravam como entraves para a sua realização. Assim,
tivemos um diagnóstico da turma em relação às suas motivações diante da filosofia e da
própria escola.
Entendemos que isso foi fundamental para a construção das aulas seguintes e que
não poderíamos seguir todos aqueles conteúdos apresentados enquanto plano de ensino.
Naquele momento estávamos discutindo a ideologia e a alienação. Ainda tínhamos
proposto vários outros conteúdos como liberdade, ética, política, etc. Mas, percebemos
que enquanto discutíamos sobre a alienação, outros temas já estavam presentes e que
poderíamos discuti-los num mesmo momento, tendo em vista um enfoque de acordo com
os objetivos do trabalho. Assim, começamos discutindo que o fato dos alunos estudarem
apenas para ter notas era uma forma de alienação. Da mesma forma, o trabalho expositivo
do professor, deixando os alunos passivos. Nesse sentido, iniciamos com questões que

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estão cotidianamente colocadas na vida dos alunos uma ampla discussão e, com o
decorrer das aulas, progredimos tanto que chegamos a abordar o sentido da existência
humana e a liberdade, temas fundamentais da filosofia. Com certeza, se tivéssemos
iniciado o trabalho com a discussão da liberdade, dificilmente teríamos progredido de tal
forma. Inclusive, não chegamos a discutir especificamente o que é filosofia. Entretanto,
ao final dos trabalhos, os alunos perceberam que o que estávamos realizando era o
exercício da reflexão filosófica. Assim, todos tiveram facilidade em expressar seu
conceito de filosofia. Surgiram muitos conceitos diferentes, o que foi muito interessante,
com cada aluno expressando suas próprias ideias e, no conjunto, a turma identificava um
sentido comum no tema proposto. Durante o trabalho, percebemos que a alienação era o
tema que mais havia sido colocado em pauta. Sem a preocupação de querer esgotar o
tema, mas unindo debates, textos ilustrativos, slides, entrevistas e breves exposições
conseguimos trabalhar um conjunto de questões inerentes à filosofia. Podemos dizer,
então, que a alienação foi o tema gerador, em torno do qual outras discussões eram
iniciadas e conciliadas.

Algumas considerações finais

Muitas das preocupações levantadas no início de uma experiência educativa


continuam presentes, mesmo após a sua conclusão. Na disciplina de Filosofia
trabalhamos intensamente com a subjetividade dos alunos e a objetividade das ciências
dificilmente pôde ser pautada enquanto experiência, visto que as reflexões filosóficas não
se propõem a meramente responder questões. A preocupação da filosofia está centrada
no aprender a pensar criticamente e, para isso, se propõe a questionar, perguntar e
problematizar. Para despertar o interesse pela filosofia nos alunos entendemos que a
metodologia utilizada foi um fator decisivo para obtermos sucesso.
A preocupação com o desenvolvimento de aulas atrativas é fundamental a um
público constituído majoritariamente por adolescentes, mas isso não se refere
simplesmente ao uso de recursos didáticos. É muito importante a motivação do professor
para que a discussão possa ser mais intensificada e conduzida, de fato, a um nível
filosófico. Ainda, quanto ao professor, é necessária a sua identificação com a turma. Em
outras palavras, poderíamos dizer que é necessário “tornar-se um integrante do grupo” ou
“ser visto como um deles”. Por isso, entendemos que a postura do professor em relação a
cada aluno e à turma, é, em boa parte, determinante num processo de construção do

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conhecimento. A confiança da turma no professor contribui para a explicitação de muitos
problemas no relacionamento e a predisposição em manter um ambiente de motivação
para o estudo e o debate crítico.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ESTEBAN, Maria Teresa. Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de
Janeiro: DP&A, 1999.

RODRIGO, Lida Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio.
Campinas: Autores Associados, 2009.

Wicks, R. (Verão de 2011) "Friedrich Nietzsche". The Stanford Encyclopedia of


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Marianne Constable, “Genealogy and Jurisprudence: Nietzsche, Nihilism, and the


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Nietzsche, o filósofo da Alemanha nazista

Wells, John C (1990). Longman pronunciation dictionary (em inglês) (Harlow,


Inglaterra, RU: Longman). p. 478. ISBN 0-582-05383-8.

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