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VERÔNICA BRITO AGUIAR

ANDRÉIA LINS RIBAS

Psicologia do Trabalho

1ª Edição

Brasília/DF - 2021
Autoras
Verônica Brito Aguiar
Andréia Lins Ribas

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático........................................................................................................................................5

Introdução...............................................................................................................................................................................7

Capítulo 1
O Mundo do Trabalho....................................................................................................................................................9

1.1 O que é trabalho ................................................................................................................................................. 10

1.2 A reestruturação produtiva e o mundo do trabalho................................................................................. 14

1.3 O bem-estar no trabalho................................................................................................................................... 16

Capítulo 2
A Psicologia do Trabalho........................................................................................................................................... 21

2.1 Psicologia da Indústria, Psicologia Organizacional e Psicologia do Trabalho................................ 21

2.2 A evolução histórica da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) no Brasil....................... 24

Capítulo 3
Emoções no Trabalho................................................................................................................................................. 28

3.1 Motivação e desempenho no trabalho: novos modelos......................................................................... 28

3.2 Emoções no trabalho e implicações na produtividade........................................................................... 36

3.3 Comportamento Organizacional e as Ciências de Análise do Trabalho........................................... 39

Capítulo 4
Saúde Mental e Trabalho.......................................................................................................................................... 43

4.1 O que é saúde mental?...................................................................................................................................... 43

4.2 O lugar do trabalho............................................................................................................................................. 48

4.3 Saúde mental e a produção ............................................................................................................................ 50

Capítulo 5
A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho.................................................................................... 54

5.1 Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho....................................................................................... 56

5.2 Prazer e sofrimento no trabalho..................................................................................................................... 59

5.3 A Clínica do Trabalho.......................................................................................................................................... 61


Capítulo 6
A Ergonomia da Atividade........................................................................................................................................ 65

6.1 Objetivos da ergonomia..................................................................................................................................... 65

6.2 Áreas de abrangência.......................................................................................................................................... 67

6.3 Aplicação nos processos produtivos.............................................................................................................. 68

Referências........................................................................................................................................................................... 77

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Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

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Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Gotas de Conhecimento

Partes pequenas de informações, concisas e claras. Na literatura há outras


terminologias para esse termo, como: microlearning, pílulas de conhecimento,
cápsulas de conhecimento etc.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Este Livro Didático apresenta uma breve reflexão sobre a Psicologia do Trabalho e as
novas formas de gestão decorrentes das mudanças no mercado de trabalho global. Tal
temática é tratada de modo a promover a formação de profissionais e atores sociais, com
visão crítica sobre as demandas sociais e o respeito à condição humana do sujeito. Além
disso, é destacada a importância de refletir sobre a dignidade humana e os significados
do trabalho na formação da identidade do trabalhador.

Os fundamentos da Psicologia do Trabalho abarcam a evolução do conceito de trabalho


e análise das diversas formas de relações trabalhistas; condições que geram impacto
direto no modo como a sociedade traça papéis psicopolíticos. Além disso, ao olhar para
o sujeito imbuído de sua atribuição laboral é possível compreender a importância da
produção e as relações de prazer e sofrimento oriundas deste papel social.

Um olhar sobre as questões humanas no trabalho é lançado no sentido de elucidar a


importância das emoções e valorizar o processo de subjetividade de modo a reconhecer
o adoecimento no trabalho, quando for o caso, prover intervenções e promover a
valorização do colaborador institucional, para que ele seja empoderado e colabore com
o desenvolvimento institucional estratégico.

Objetivos

Fazer com que o leitor seja capaz de:

» Compreender os sintomas psicopolíticos decorrentes das novas formas de


gestão e organização do trabalho, assim como da relação entre o trabalhar e a
construção da identidade, favorecendo o reconhecimento de elementos geradores
de adoecimento no trabalho.

» Entender a complexidade humana aplicada ao trabalho.

» Reconhecer as diversas formas de análise do trabalho por parte da ciência da


Psicologia.

» Analisar os impactos das emoções nas relações do trabalho e na constituição


dos papéis sociais do sujeito.

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8
O MUNDO DO TRABALHO
CAPÍTULO
1
Introdução

A proposta desta leitura é sensibilizar ao fato de que a gestão de pessoas deve ter o
objetivo de impulsionar a produtividade corporativa, por meio de ações estratégicas,
mas, também, deve voltar seu olhar às necessidades humanas.

O trabalho, como expoente central na vida das pessoas, representa o papel de


contribuição do sujeito à sociedade. Por isso, é parte da identidade do sujeito e agrega-
lhe importância. Logo, este espaço deve considerar as emoções, capacidades físicas,
habilidades técnicas, conhecimento para criar inovações etc.

É por meio do trabalho que a saciedade se transforma e o desenvolvimento acontece,


por isso vamos entender as formas como o trabalho se organizou desde os tempos
antigos até a chegada das tecnologias.

A Psicologia do Trabalho, neste contexto, nos ajuda a perceber a importância do olhar


para o trabalhador com forma de promoção de dignidade e respeito. Logo, é uma ciência
que subsidia gestores de ferramentas e inteligências para tratar com suas equipes de
trabalho, orientar novos colaboradores, perceber as demandas de desenvolvimento
de seus colaboradores e intervir em processos que gerem desgastes e sofrimentos e,
consequentemente, prejuízos institucionais.

Objetivos

» Conceituar trabalho.

» Identificar o trabalho na formação da identidade do sujeito.

» Compreender o que foram as Revoluções Industriais e como elas culminaram na


reestruturação produtiva.

» Apontar a importância do bem-estar no trabalho.

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CAPÍTULO 1 • O Mundo do Trabalho

1.1 O que é trabalho

O termo “trabalho” tem um conceito abrangente, com inúmeras abordagens e campos


de estudo. Essas tendências de análise podem gerar discordâncias na delimitação
do termo. Considerando esta complexidade, vamos analisar o trabalho pelo olhar
ao indivíduo (incluindo seus sentimentos e cultura) e sua relação com a rotina de
produção.

O trabalho é uma atividade multifacetada que compreende todos os âmbitos da


existência e, deste modo, exige diferentes vieses de análise para sua compreensão.
Isso porque pode ser considerado como qualquer atividade realizada pelo sujeito de
modo a transformar sua realidade, e requer um esforço para isso. O trabalho pode ser
entendido como uma penalização ou um peso a ser carregado, mas, também, como um
privilégio ou uma oportunidade de criação e empreendedorismo capaz de modificar
um contexto ou demandas do sujeito e tornar sua vida mais aprazível. Ademais, o
trabalho pode ser remunerado ou não.

Segundo Coutinho (2009), este esforço humano, individual ou coletivo e de caráter


eminentemente social, se diferencia de qualquer outro tipo de prática animal, uma
vez que possui natureza intencionalmente reflexiva, estratégica, instrumental e, até,
moral.

Não se pode afastar a ideia de que o trabalho é, antes de mais nada, um meio de
sobrevivência pelo qual todos os seres humanos se integram, por meio de relações
remuneradas ou não. Uma vez que até para a agricultura ou para a caça é preciso o
empenho de um esforço para o alcance de um resultado. Mas os avanços na Psicologia
do Trabalho nos permitem também perceber os significados intrínsecos a cada papel
social ou organizacional. Logo, devemos pensar como cada indivíduo ajusta-se para
o alcance das metas delimitadas, qual a importância dele nesse processo.

Além disso, é importante pensar que cada sujeito que integra um grupo de trabalho
qualquer ou que se imbui da atividade autônoma possui particularidades em sua
concepção como sujeito que abarcam processos criativos, questões de saúde,
sentimentos e motivações diversas.

De modo congênere, Mar x (1983) acrescenta que essa capacidade humana de


transmitir símbolos e significados por meio de sua ação é o que caracteriza o
trabalho em si e diferencia o esforço humano do animal irracional em geral. Além
disso, é preciso perceber que não apenas o trabalhador modifica o ambiente com
o seu labor, mas o próprio trabalho modifica e desenvolve o sujeito e transforma
seu contexto de vida.

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O Mundo do Trabalho • CAPÍTULO 1

Importante

A centralidade do “trabalho” na concepção do sujeito e da sua interação com a sociedade pode ser notada na
Declaração Universal dos Direitos Humanos que cita, em seu Artigo 23o:

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória
que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a
dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção
social.

4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para
proteção de seus interesses. (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948)

Por isso, é importante compreendermos a evolução do tema e como as ciências


incorporaram esses estudos em seus campos de análise.

Desde a conhecida existência do homem, na pré-história, percebe-se uma significativa


evolução em suas habilidades: físicas, motoras e cognitivas. Essas evoluções, ao
longo do tempo, permitiram que a humanidade se organizasse para alcançar, entre
os métodos de labor, as trocas econômicas mais avançadas e vantajosas. Costa (2011,
p. 33) ainda acrescenta que tal desenvolvimento da raça humana:

propiciou uma mudança na forma de trabalhar, realizada, a princípio,


em favor da sobrevivência do grupo, com o extrativismo e a pesca e caça
predatória e, mais adiante, o início da imposição e dominação de uma
minoria detentora dos meios de produção. A constante procura pelo
ambiente mais favorável, caracterizado pela migração e a vida nômade
com o propósito de facilitar o trabalho, fez o homem elaborar ferramentas
tecnológicas para desenvolver a agricultura e a caça. A criação e a posse
das ferramentas, fez surgir a primeira estrutura social baseada no trabalho
e na hierarquia entre patrões e trabalhadores, além de um Estado, não
oficial, detentor do poder autoritário e controlador dos meios de produção.

Perceba que dos meios primários de sobrevivência, o ser humano passou a se organizar
em nichos ou clãs, e logo em sociedades completamente estruturadas. Ou seja, por
meio das novas formas de trabalho, as transformações sociais permitiram a circulação
de renda e conhecimento. E da agricultura o homem passou a fazer o comércio de
mercadorias até que o sistema econômico se apropriasse das trocas de moedas e
tivesse base social tão complexa que permitisse a organização dos trabalhadores em
sistemas fabris.

11
CAPÍTULO 1 • O Mundo do Trabalho

Deste modo, vivendo em feudos e, posteriormente, em cidades, deu-se a troca de


conhecimento necessária para que a tecnologia promovesse, junto ao sistema produtivo,
a Revolução Industrial.

Figura 1. Evolução.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/human-evolution-monkey-caveman-businessman-
cyborg-1368998879. Acesso em: 26 set. 2020.

Assim, os entendimentos sobre o trabalho foram também evoluindo e se tornando


mais densos, tal qual o aumento da complexidade dos processos produtivos. Após
o estabelecimento do capitalismo como sistema econômico em nível planetário e a
expansão da globalização, pode-se dizer, ainda, que o labor passou a demandar do
trabalhador um pensamento crítico, dinâmico, proativo e inovador.

Superada a fase de caça e agricultura básica, e tendo o homem organizado em feudos


e estruturas sociais primárias, o trabalho era entendido como algo degradante e
destinado às classes mais baixas da sociedade, uma vez que exigia extremo esforço físico,
enquanto a arte e os processos de subjetivação estavam ao alcance das elites. Então,
com a queda dos feudos e a livre circulação de renda passou a colocar o trabalho em
uma posição de destaque, dando ao “chefe” posição de autoridade e ao “trabalhador
de chão de fábrica” determinada desimportância que promovia adoecimento. Mas a
relação trabalhista passou a ser inerente a todas as classes sociais.

Na modernidade, após o surgimento dos direitos à dignidade e os direitos trabalhistas,


entendeu-se que o ser humano, se não tratado com suas limitações e potenciais,
tende a adoecer. Além disso, as escolas de Administração e de Gestão de Pessoas
iniciaram um movimento de estudo no qual o trabalhador passa a ser considerado
parte do capital intelectual da instituição, capaz de gerar diferencial estratégico,
desenvolvimento e inovação.

Diversos sindicatos e organizações políticas passaram a denunciar condições


de trabalho análogas ao trabalho escravo e instituições de Direito Internacional
se organizaram para a conscientização das nações da importância dos cuidados
com seus trabalhadores. E mais à frente, já na atualidade, o surgimento da
Geração Y (ou Millennial): “ trouxe uma nova forma de organização e concepção
de trabalho. Sobretudo para uma população jovem criada em uma série de
tecnologia e que o tempo e as informações são acelerados”. (REIS, et. al. 2020,
p. 1.785).

12
O Mundo do Trabalho • CAPÍTULO 1

Saiba mais

Você faz parte da Geração Y?

Figura 2. Millennial.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/letter-y-people-abstract-logo-design-1493513126. Acesso em:


26 set. 2020.

Comazzetto et al. (2016) afirmam que uma geração, de modo geral, pode ser definida como um grupo de pessoas que
nascem e vivem em um período de tempo e logo, experimentam das mesmas circunstâncias sociais, econômicas,
políticas, culturais de uma sociedade. Por isso, essas pessoas partilham um conjunto de crenças e valores.

Veloso et. al. (2008) afirmam que integra a Geração Y quem nasceu de 1978 em diante; já para Lancaster e Stillman
(2011), essa geração é formada pela população nascida entre 1982 e 2000. Para eles, essas pessoas possuem alto
domínio de habilidades em tecnologias e convivem com a diversidade em suas constituições familiares. Além disso,
possuem visão sistêmica, não temem hierarquia, nem o desemprego.

Então, perceba que, naturalmente, essa Geração Y já tem outra acepção do que seja
o trabalho. A aceleração da comunicação e a globalização tornaram as relações de
emprego mais instáveis e a busca por melhores posições ou por trabalhos remotos é
exponencial. O ambiente de trabalho passou a ser mais dinâmico e as chefias passaram
a constituir alianças com suas equipes de trabalho e atentar-se à qualidade de vida
no trabalho e à saúde mental dos colaboradores.

Compreenda, também, que a própria evolução dos modelos de trabalho e das formas
de o humano se relacionar com ele demonstram que o labor pode ser considerado
uma fonte de satisfação e realizarão, mas, também, a origem de alguns sofrimentos e
a oportunidade de as classes privilegiadas explorarem os operários menos estudados.
Logo, é preciso a reflexão ética e a escuta dos trabalhadores.

Nesse contexto, a Psicologia do Trabalho vem a somar não apenas com a busca pela
produtividade e gestão do potencial humano, mas lança um olhar de cuidado e atenção
aos sujeitos e suas emoções, de modo a equalizar os sofrimentos oriundos do trabalho
e auxiliar na promoção de ambientes corporativos capazes de gerar autonomia e
facilitar processos criativos, além da comunicação transparente e eficaz.

13
CAPÍTULO 1 • O Mundo do Trabalho

Figura 3. Colaboradores.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/diverse-group-business-people-entrepreneurs-office-1303856080.
Acesso em: 20 abr. 2020.

1.2 A reestruturação produtiva e o mundo do trabalho

As Revoluções Industriais promoveram a mecanização dos sistemas produtivos, o


que fez os processos de trabalho migrarem das manufaturas para um modelo mais
rentável de produção em maior escala e com partimentação das tarefas em geral. E,
nos tempos modernos, ao trabalho remoto e centrado na tecnologia da informação.

Saiba mais

Entenda o que foram as Revoluções Industriais e como elas se deram:

Figura 4. Revoluções.

INOVAÇÃO

Inspiração Criatividade Análise Tecnologia Desenvolvimento Trabalho Sucesso


em equipe

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/innovation-banner-web-icon-business-
inspiration-1116938060. Acesso em: 10 jun. 2020.

O termo “Revolução Industrial” refere-se a um conjunto de mudanças que acontecem no campo produtivo que
caracterizam marcos no modo como a economia se desenvolve em certo período de tempo.
Podemos dizer que já passamos por quatro revoluções. Na primeira, no século XVIII, o sistema produtivo migrou
da manufatura para a produção por máquinas impulsionadas a carvão. Além disso, os trabalhadores passaram a
ser assalariados e trabalhar para as elites econômicas. Nesse caso, o foco estava meramente no lucro e, por isso, os
trabalhadores eram expostos a condições degradantes de trabalho e a tarefas repetitivas e compartimentadas.
Toda essa exploração e falta de direitos trabalhistas fez os trabalhadores se revoltarem. Deu-se, então, a segunda
Revolução Industrial, entre 1860 e 1900. Nesse momento, o aço e o petróleo impulsionaram a indústria e a
distribuição de produtos passou a contar com a locomotiva a vapor. O trabalho tornou-se ainda mais acelerado e as
condições laborais, apesar de melhoradas, ainda eram precárias.
Após a Segunda Grande Guerra, a economia internacional mudou vertiginosamente, também apoiada por novas
tecnologias. As distâncias foram encurtadas e a comunicação facilitada. O processo de globalização permitiu a troca
de informações e de produtos e os direitos trabalhistas foram e estão sendo mais bem discutidos. Essa revolução
se estende aos dias modernos, e alguns especialistas dizem que já vivemos até uma quarta Revolução, mas ainda
é preciso acompanhar a história para entender melhor as mudanças da nossa era e o padrão de novas formas
produtivas.

14
O Mundo do Trabalho • CAPÍTULO 1

Diante dos saltos tecnológicos dessas Revoluções, o mercado agrupou as indústrias


em nichos de consumo e segmentou em nível de tarefas as etapas de produção. Deste
modo, o trabalhador perdeu a noção do todo e se especializou em suas atividades.
Em conjunto, adveio o consumo massificado.

Logo após a primeira Revolução Industrial, a gestão dos Recursos Humanos ganhou
importância, pois a Administração Científica ( Taylorismo e Fordismo) passou a estudar
as capacidades produtivas de cada trabalhador e aplicá-las de modo a promover mais-
valia no trabalho. Esta metodologia de monitoramento dos tempos e movimentos
dos trabalhadores passou a prescrever o ritmo de trabalho (CRAINER, 1998/1999).
Buscava-se o rendimento ideal do modo produtivo e a maximização do lucro. Nesse
caso, o responsável pela criação era apenas o gestor. Porém, ao trabalhador em geral
foi imposta uma paralisia do funcionamento psíquico e a desvalorização do trabalho.

O sistema capitalista, de consumo e produção em massa, agravou o quantitativo


de casos de patologias desenvolvidas em razão do cansaço. Acidentes no trabalho
e o adoecimento mental tornaram-se mais recorrentes. Por isso, a classe operária
mobilizou-se em sindicatos e deflagrou movimentos grevistas. Assim, percebeu-se o
colapso dos modelos de gestão Taylorista e Fordista.

A reestruturação produtiva surgiu, então, como uma solução inovadora. Esse novo
sistema hegemônico de capital, o Toyotismo, passou a conjugar, de modo original, a
coerção capitalista para o trabalho e o consentimento do operário para continuar a
produzir em ritmo acelerado e degradante (AGUIAR, 2013). Esse modelo de produção
busca satisfazer as exigências individualizadas do consumidor, e por isso, se diferencia
da produção em série do Taylorismo e Fordismo, que ofereciam serviços e produtos
padronizados. Mas também desperta o desejo no trabalhador em se fazer produtivo,
pois passou a remunerá-lo em razão do quantitativo de produção. Além disso, os
vínculos contratuais se enfraqueceram e passaram a prevalecer as terceirizações. Nessa
nova forma de contrato produtivo, os trabalhadores operacionais foram substituídos
por sujeitos polivalentes e com conhecimentos teóricos e práticos.

Ou seja, a inteligência prática do trabalhador, ou a habilidade para realizar o trabalho,


passou a enriquecer o trabalho de sentido. O trabalhador passou a produzir ideias
e soluções, em contrapartida passou a colocar-se à disposição do trabalho de modo
intenso e severo para que pudesse ampliar sua renda.

Assim, a reestruturação produtiva pós-moderna – caracterizada pela vida nos centros


urbanos, pela aceitação do trabalho das mulheres, pela criação de novas profissões
etc. – alterou, certamente, as relações de trabalho, as relações sociais e, até, no modo
como o trabalhador vivencia sua realidade. E gerou maior autonomia para o trabalhador,

15
CAPÍTULO 1 • O Mundo do Trabalho

mas, também, novas formas de degradação do labor, em geral, pela aceleração ou pelo
alcance de metas desumanas.

Figura 5. Estresse.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/sick-woman-distracted-work-feeling-unwell-1212177649. Acesso


em: 28 set. 2020.

Entenda que a reestruturação produtiva veio como uma resposta à produção em série
e despersonalizada e propôs não apenas sanar demandas próprias e customizadas
de cada consumidor, mas, também, se ancorou no liberalismo (o sistema de livre
circulação de rendas, sem intervenção do estado na regulação de normas) para imbuir
o trabalhador de algum poder de consumo. Logo, aquele colaborador que produzisse
mais também seria mais bem pago e passaria a ter maior poder de compra. Entretanto,
essa lógica mascarava duas condições: a mais-valia e a limitação emocional e física
do trabalhador.

Isso significa que, com a mais-valia, o trabalhador sempre trabalhava para produzir
lucro, o que tinha a tendência de afastá-lo ainda mais das elites econômicas, e com
a ausência de regulação estatal, os limites para a ação das grandes empresas não
respeitavam, em geral, a dignidade humana. Condição que alimentava ainda mais
a necessidade do sujeito de trabalhar na tentativa de alcançar maior capacidade
econômica. Por isso, foi importante a batalha pelo reconhecimento do direito
trabalhista, de modo a garantir condições mínimas de respeito ao trabalhador. Ademais,
o Direito e o Comércio Internacionais aliaram-se para firmar condições de produção
que respeitem não apenas o homem, mas, também, o meio ambiente e a equidade
nas trocas comerciais.

1.3 O bem-estar no trabalho

Com o despertar para os questionamentos sobre a ética na atuação das corporações e


como tentativa de enfrentar os diversos casos de adoecimentos no trabalho e acidentes
decorrentes da exaustão, os campos de estudo passaram a se articular na análise

16
O Mundo do Trabalho • CAPÍTULO 1

das condições humanas no trabalho. As teorias da gestão avançaram de modelos


autocráticos para modelos mais voluntários e, de certo modo, o trabalho em equipe
tornou a comunicação com as chefias mais facilitada e o olhar para o trabalhador, de
modo a promover a qualidade de vida no trabalho. Mas é claro que, a princípio, toda
essa mudança veio com um interesse utilitarista de tentar maximizar a capacidade
de trabalho dos operários.

Atente-se ao fato de que o trabalho contemporâneo centra-se na gestão por metas e


resultados e busca eminentemente o sucesso institucional. Para isso, está amparado
em ferramentas tais quais: o planejamento estratégico, a avaliação de desempenho,
e educação corporativa etc. Outra questão relevante é que a gestão contemporênea
desperta no trabalhador a sensação de pertencimento, ao dividir o peso decisório com
as equipes das bases produtivas. Entretanto, há de se citar que o fluxo tecnológico
moderno tornou o labor não apenas mais acelerado, mas, também, permeou os
lares dos trabalhadores por meio de seus aparelhos eletrônicos e da desintegração
das relações contratuais pelo empreendedorismo. Tudo isso com os discursos da
flexibilização e da oportunidade de o trabalhador se dedicar a diversas frentes de
trabalho concomitantemente. Porém, essa promessa de “flexibilidade” também
coloca-se como uma retórica; pois não resta ao trabalhador o “luxo” de parar para
descansar. Esse fato confronta o sujeito e o deixa dividido entre si e a realidade de
ter de se adequar à produção.

Figura 6. Descanso.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/concept-image-calendar-green-push-pin-278288444. Acesso


em: 15 jan. 2021.

Outra questão importante a se refletir é que a nova gestão afirma que o trabalho deve
estar voltado à “realização profissional”, e, de fato, é de extrema importância. Mas
é preciso que isso não sirva como ferramenta para mascarar a demanda para que o
indivíduo seja coagido a adotar a aceleração como estratégia para a sobrevivência
no mercado de trabalho. Além disso, a satisfação não pode ser imposta como um
modelo no qual o indivíduo não possa errar, pois isso seria negar a condição humana
do colaborador.

17
CAPÍTULO 1 • O Mundo do Trabalho

Fique atento, pois as condições de trabalho paradoxais em geral são fontes de


sofrimento e impactam diretamente na falta de prazer no trabalho e na crise de
identidade dos trabalhadores. Por isso, é necessária a análise do sofrimento no
trabalho como tema de estudo da Psicologia do Trabalho, assim como da Sociologia
do Trabalho, da Ergonomia da Atividade, da Psicodinâmica do Trabalho, dentre
outras.

A psicodinâmica do trabalho, por exemplo, sugere que o labor tem posição central
na formação da subjetividade e da identidade do indivíduo. Ou seja, tal atividade é
fator de desenvolvimento e equilíbrio mental e promove a sensação de pertencimento
a determinada sociedade. O labor abarca os campos psicológico, social e biológico
do humano em sua complexidade. Logo, é preciso que o trabalho não seja apenas um
local de exploração da força, mas um ambiente que promova o autodesenvolvimento,
as relações com os colegas, o aprimoramento das capacidades etc.

Ou seja, no trabalho, as forças da identidade e da subversão social são, além


de mediadores da dinâmica de produção, constituidoras da personalidade do
ser. Sendo que, nesse entendimento, trabalho compreende a aplicação de uma
técnica instrumentalizada em um contexto real – a qual extrapola as prescrições
preestabelecidas – e concomitantemente transforma o sujeito. Ideia que confronta a
gestão por metas – cuja produção cadenciada, ritmada e extremamente controlada,
coloca o trabalhador na posição de mero componente da engrenagem, destituído
de desejo (DEJOURS, 1992); distanciando, assim, o trabalhador de sua natureza
subjetiva ao cercear sua criatividade e desconsiderar instabilidades emocionais,
condições físicas e estados psicológicos.

Nas formas de gestão racionais, conforme o controle de produção por metas, os


trabalhadores são tratados diante de padrões preestabelecidos de perfis, adequados
ao cargo a ser ocupado na organização, e avaliados segundo padrões médios de
comportamento. Sendo assim, o processo de reconhecimento das contribuições
individuais é diminuído, quando não são efetivamente abafadas e negadas em função
da desestruturação do coletivo de trabalho em nome da manutenção dos padrões de
qualidade.

18
O Mundo do Trabalho • CAPÍTULO 1

Atenção

Segundo Albuquerque e Troccoli (2004), bem-estar é o estudo científico da felicidade!

Note que ao reconhecer a importância da felicidade no trabalho, a Psicologia do Trabalho desvela a importância das
emoções no contexto profissional e afasta a ideia da racionalização pura dos contextos produtivos.

Mas o bem-estar conta com esferas diversas, uma vez que o ser humano é complexo e deve ser percebido de modo
integral. Há o bem-estar físico e emocional, e embos estão diretamente conectados.

Figura 7. Felicidade.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-child-girl-kite-running-on-450844810. Acesso em: 28


out. 2020.

Então, entenda! Compreender que o trabalho é uma atividade inerente à condição


humana é perceber que todos os seres humanos que trabalham em uma instituição
possuem emoções e condições mínimas de saúde que devem ser respeitadas. Logo,
naturalmente, e apesar no interesse central no lucro, é importante nos conscientizarmos
que instituições que respeitam a humanidade são necessariamente instituições que
preservam a vida, que agem conforme a ética. Logo, tendem a contar com alianças
internas e externas mais expressivas e podem promover o desenvolvimento humano
em essência, para construção de um mundo melhor.

19
CAPÍTULO 1 • O Mundo do Trabalho

Sintetizando

O que vimos neste Capítulo?

A importância de estudar o campo do trabalho como parte da concepção do humano.

A forma como as ciências vêm se dedicando a compreender o labor.

O modo como as Revoluções Intustriais e a reestruturação produtiva mudaram o mundo do trabalho.

As formas produtivas do Taylorismo; Fordismo e Toyotismo.

A concepção de bem-estar.

A conjunção entre o bem-estar e a qualidade de vida no trabalho.

A importância dos modelos de gestão se alinharem ao bem-estar do trabalhador.

20
A PSICOLOGIA DO TRABALHO
CAPÍTULO
2
Introdução

Este capítulo visa apresentar os conceitos, distinções e interfaces entre a Psicologia


da Indústria, Psicologia Organizacional e Psicologia do Trabalho, assim como
entender a evolução histórica da Psicologia Organizacional e do Trabalho no Brasil.

Esse campo de estudo aponta a Psicologia Organizacional e do Trabalho como uma


área de conhecimento e como campo de aplicação, dando ênfase às relações entre
características dos contextos sociais e demandas que se apresentam no cenário
nacional.

Logo, essa perspectiva histórica procura fortalecer a compreensão de como se


estruturou o modelo clássico e atuação e produção de conhecimento nesse espaço
de ação da Psicologia.

Objetivos

» Conceituar e distinguir Psicologia da Indústria, Psicologia Organizacional e


Psicologia do Trabalho.

» Co m p re e n d e r o o b j e t o d e e s t u d o, p r á t i c a s e o b j e t i v o s d a Ps i c o l o g i a
Organizacional e Psicologia do Trabalho.

» Entender a evolução histórica da Psicologia Organizacional e do Trabalho no


Brasil.

2.1 Psicologia da Indústria, Psicologia Organizacional e


Psicologia do Trabalho

A Psicologia, no contexto das organizações, teve início com a psicologia industrial,


em consequência da Revolução Industrial. Esse marco histórico colaborou com

21
CAPÍTULO 2 • A Psicologia do Trabalho

grandes transformações nas relações trabalhistas, desde as formas de administração


da força de trabalho, passando pelos perfis e seleção de pessoas, até a capacitação
dos profissionais.

A psicologia industrial evoluiu ao longo do tempo, com vários estudos e sob influência
da Revolução Francesa e da Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra, a psicologia
industrial desenvolveu novos conhecimentos e técnicas, a saber: treinamento, avaliação
de desempenho, liderança.

Fique atento para o fato de que a psicologia industrial continuou evoluindo suas teorias
e práticas. Atualmente, a evolução desta área ocorre por meio de estudos, pesquisas
e práticas e, é referida como Psicologia Organizacional e do Trabalho.

Embora ambas sejam relacionadas, a psicologia organizacional é diferente da psicologia


do trabalho. Há diferenças pontuais entre elas, as quais discutiremos mais à frente.

2.1.1 O que é psicologia organizacional?

Organização é um todo composto de diferentes partes integradas de setores e recursos,


os quais possibilitam seu funcionamento. Trata-se de uma unidade social, que coordena
conscientemente os esforços de diferentes pessoas para atingirem fins específicos.

A partir disso, é possível entender que a psicologia organizacional está estreitamente


relacionada ao âmbito empresarial e, por isso, seu embasamento teórico e suas práticas
são direcionadas ao que acontece nos setores e com os recursos.

A psicologia organizacional é voltada, portanto, à empresa, e sua atuação inclui:

» Desenho, análise e descrição de cargos;

» Recrutamento e seleção de pessoas;

» Diagnóstico organizacional;

» Pesquisa e gestão de clima organizacional;

» Pesquisa e gestão de cultura organizacional;

» Comportamento organizacional e humano;

» Treinamento e desenvolvimento;

» Desenvolvimento de líderes.

22
A Psicologia do Trabalho • CAPÍTULO 2

Figura 8. Gestão de Pessoas.

Fonte: https://image.shutterstock.com/image-vector/collection-people-successfully-organizing-their-600w-1329068555.
jpg. Acesso em: 30 out. 2020.

2.1.2 O que é psicologia do trabalho?

A psicologia do trabalho é mais abrangente e independe de uma empresa. Há diversas


formas de atividade laboral às quais a psicologia do trabalho se direciona. Em outras
palavras, esta área estuda o homem em seu ambiente ocupacional. Assim, a psicologia
do trabalho tem como função principal estudar e melhorar a qualidade de vida laboral
dos trabalhadores.

A psicologia do trabalho é direcionada ao homem no trabalho e isto envolve as


seguintes práticas:

» melhora das relações interpessoais;

» medidas preventivas de saúde e segurança;

» aumento e manutenção da qualidade de vida no trabalho;

» desenvolvimento das pessoas;

» ergonomia.

Saiba mais

Figura 9. Qualidade de vida no trabalho.

Trabalho Vida

Fonte: https://image.shutterstock.com/image-illustration/3d-businessman-standing-center-seesaw-
600w-1365161450.jpg. Acesso em: 30 out. 2020.

Fernandes (1996, pp. 45-46), conceitua qualidade de vida no trabalho como a “gestão dinâmica e contingencial de
fatores físicos, tecnológicos e sociopsicológicos que afetam a cultura e renovam o clima organizacional, refletindo-se
no bem-estar do trabalhador e na produtividade das empresas”.

23
CAPÍTULO 2 • A Psicologia do Trabalho

Figura 10. Ergonomia.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/spine-diseases-posture-problems-prevention-flat-1349824322.
Acesso em: 30 out. 2020.

De acordo com a definição de Ferreira (2001),

a Ergonomia objetiva modificar os sistemas de trabalho para adequar a atividade nele


existentes às características, habilidades e limitações das pessoas com vistas ao seu
desempenho eficiente, confortável e seguro.

Atenção

Diferenças entre psicologia organizacional e do trabalho

Apesar de a psicologia organizacional e do trabalho serem distintas, ambas são muito próximas e correlacionadas.
Veja na tabela abaixo as diferenças:

Tabela 1. Psicologia Organizacional x Psicologia do Trabalho.

Psicologia Organizacional Psicologia do Trabalho


Objeto de
Organização e seus recursos humanos. O Homem em seu ambiente laboral.
Estudo
Ergonomia, na melhora das relações
Diagnóstico organizacional, de processos
interpessoais, nas medidas preventivas de
Práticas seletivos, de aplicação de treinamentos de
saúde e segurança, qualidade de vida no
habilidades e liderança.
trabalho.
Promover e garantir a saúde e a segurança do
Aprimorar os recursos humanos em prol da
homem no seu trabalho, independentemente
Objetivos melhoria da organização, concomitantemente
de o trabalho ser em um ambiente
promovendo melhorias ao trabalhador.
empresarial.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

2.2 A evolução histórica da Psicologia Organizacional e do


Trabalho (POT) no Brasil

A Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT ) é um campo de conhecimento


e de atuação profissional marcada historicamente por polêmicas no Brasil
por razões ideológicas e teórico-metodológicas. Apresenta, também, um

24
A Psicologia do Trabalho • CAPÍTULO 2

crescimento com descontinuidade em termos de produção de conhecimento


e dos investimentos dos psicólogos na sua formação.

O desenvolvimento da psicologia organizacional e do trabalho no Brasil


acompanhou as ocorrências mundiais relativas à área. Seu aparecimento
está associado à crescente industrialização que ocorreu nos principais países
do cenário ocidental, no fim do século XIX e início do século XX (ZANELLI;
BASTOS, 2004).

Figura 11. Psicologia do Trabalho.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/overjoyed-multiracial-young-colleagues-give-high-1779265502.
Acesso em: 30 out. 2020.

O aparecimento da Psicologia Organizacional e do Trabalho, no mundo ocidental,


coincide com o despontar da Psicologia como campo geral de estudos e aplicação.
No cenário brasileiro, a psicologia aplicada ao trabalho começou a surgir associada
a busca de um caráter científico e da inovação no controle das atividades laborais.

Os desafios relativos ao contextos sociais, econômicos, políticos e tecnólogicos, que


marcaram a trajetória humana no século XX influenciaram o surgimento do campo
da Psicologia Organizacional e do Trabalho. O desenvolvimento dos conceitos e das
técnicas para lidar com os desafios continuamente estiveram vinculados a uma base
ou a antecedentes sociais e culturais.

A Psicologia, na primeria metade do século XX, tornou-se uma disciplina de apoio e


credibilidade aos métodos e práticas administrativas voltada para a compreensão e
intervenção dos processos relativos ao mundo do trabalho e das organizações.

A psicologia aplicada ao trabalho surge no cenário brasileiro nessa época sob o


argumento de melhoria das condições de trabalho operário com possibilidades de
maior eficiência econômica, assim como preconizado pela Administração Científica
de Taylor.

25
CAPÍTULO 2 • A Psicologia do Trabalho

Naquele período, a psicotécnica chega ao País como instrumental para viabilizar as


propostas tayloristas. Nas empresas ferroviárias, a aplicação de testes psicológicos
ou exame psicotécnico para fins de seleção de empregados foi largamente utilizada.

O Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT ), criado em 1930, teve


importância crucial na difusão das aplicações da Psicologia do Trabalho no Brasil.

Vale ressaltar que as instituições que foram criadas e contribuíram para o desenvolvimento
da Psicologia do Trabalho no Brasil foram: Associação Brasileira para Prevenção de
Acidentes, Conselho de Higiene e Segurança do Trabalho, Instituto de Administração,
Fundação Getúlio Vargas, Escola Livre de Sociologia e Política, Centro Ferroviário
e Ensino e Seleção de Pessoal, Estrada de Ferro Central do Brasil, Companhia
Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), Serviço Nacional da Indústria (Senai)
e Serviço Nacional do Comércio (Senac).

Uma questão importante a refletir é que, após a Segunda Guerra Mundial (1945),
ocorreu uma expansão das organizações produtivas brasileiras com a instalação de
multinacionais e aumento da competitividade. A mão de obra, entretanto, continuava
desqualificada. A má qualidade dos produtos era devida tanto à desatenção dos
gestores quanto às dificuldades de cunho tecnológico.

Nesse momento, as preocupações com a formação profissional começaram a ganhar


força, atraindo também os profissionais de Psicologia.

Na Era Getúlio Vargas foram regulamentados vários direitos e benefícios aos


trabalhadores. Na gestão de Juscelino Kubitschek, denominada “desenvolvimentista”,
houve a vinda de montadoras internacionais para o Brasil.

Note que esses dois marcos políticos impactaram os modelos de gestão e relações de
trabalho. A partir daí, surgiram efetivamente os primeiros investimentos na capacitação
dos trabalhadores e as preocupações com os métodos de gestão mais apropriados às
condições e características da realidade brasileira.

Figura 12. Qualificação no trabalho.

Fonte: https://image.shutterstock.com/image-vector/elder-science-professor-explaining-diagram-600w-1361866598.jpg.
Acesso em: 30 out. 2020.

26
A Psicologia do Trabalho • CAPÍTULO 2

As atividades do psicólogo brasileiro até meados do século XX estiveram ligadas


fortemente à seleção de pessoal. As atividades não ultrapassavam o recrutamento, a
seleção, o treinamento, a análise ocupacional e a avaliação de desempenho.

As décadas seguintes foram marcadas pela tecnologia e vários modismos administrativos.


A concorrência cada vez mais acirrada e os avanços tecnológicos influenciaram
fortemente os meios para as trocas comerciais, a disseminação de conhecimento e
as relações de trabalho.

Na década de 1990, com a abertura do mercado e o aumento intenso da competitividade


internacionalizada, as organizações brasileiras e a realidade de trabalho passaram a exigir
novas competências e formas de trabalho.

As transformações acarretaram o restabelecimento das políticas de gestão de pessoas, com


consequências para o ambiente extensivo de trabalho, e evidenciaram elementos
indispensáveis para o psicólogo refletir sobre sua prática tradicional e buscar novas
alternativas para o exercício profissional.

Ao analisarmos os primórdios da atuação do psicólogo organizacional e do trabalho,


percebemos que neste século XXI a profissão ganhou responsabilidades e importância,
já que, no início desta profissão, o psicólogo trabalhava meramente com o adoecimento
no trabalho e com a adequação da folha de pagamento das corporações.

Bastos (1992) descreve um conjunto de inovações na prática do psicólogo organizacional


e do trabalho agrupados em três grandes movimentos:

» práticas consolidadas e tradicionais são renovadas nos seus procedimentos;

» novas práticas são incorporadas, ampliando as propostas de intervenção;

» amplia-se o nível de intervenção frente aos problemas organizacionais e do trabalho.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» Os conceitos e a distinção entre a Psicologia da Indústria, a Psicologia Organizacional e a Psicologia do Trabalho.

» A síntese de como se deu o aparecimento da Psicologia Organizacional e do Trabalho, no mundo ocidental, o qual
coincide com o despontar da própria Psicologia como campo geral de estudos e aplicação.

» Os desafios postos pelos contextos sociais, econômicos, políticos e tecnológicos, que marcaram a trajetória
humana no século XX, influenciaram a constituição do campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho.

» As interfaces entre o comportamento, trabalho e organização, que constituem subcampos dentro da Psicologia
Organizacional e do Trabalho.

» Como a correlação entre o comportamento humano e o trabalho (emprego e/ou tarefa) constitui o subcampo
chamado Psicologia do Trabalho.

27
EMOÇÕES NO TRABALHO
CAPÍTULO
3
Introdução

Este capítulo apresenta como foco central o Comportamento Organizacional que tem
a Psicologia como uma das ciências de análise do trabalho. Para isso, são apresentadas
definições e modelos de motivação e desempenho, estudo das emoções no trabalho
e os reflexos na produtividade para que, posteriormente, o aluno esteja apto a se
aprofundar no entendimento e discussão sobre as intervenções possíveis do campo da
Psicologia do Trabalho que impulsionem ambientes laborais saudáveis e produtivos.

Além isso, é são estudadas as várias ciências do comportamento e seus objetos


de investigação científica que subsidiam o entendimento do comportamento dos
indivíduos e dos grupos no contexto organizacional. Deste modo, a motivação, as
emoções, o desempenho e a produtividade são variáveis de destaque, e, portanto,
devem ser embasadas para compreensão da Psicologia do Trabalho.

Objetivos

» Definir motivação e caracterizar os modelos de classificação de suas teorias.

» Destacar como o desempenho é influenciado pela motivação.

» Elucidar sobre as emoções no trabalho e as implicações na produtividade.

» Descrever a importância da Psicologia e das demais ciências que desenvolvem a análise


do trabalho no campo de estudo do comportamento organizacional.

3.1 Motivação e desempenho no trabalho: novos modelos

Compreender quais as razões das diferenças individuais que evidenciam as preferências


e os interesses de cada pessoa. O que faz uma pessoa perder a noite de sono assistindo
a uma série aparentemente entediante para outro telespectador? O que faz também

28
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

com que uma pessoa se sinta desafiada por um problema de difícil solução no trabalho
e não consiga desviar sua atenção até resolvê-lo, enquanto outra, diante da mesma
situação, decida procurar outro colega que possa ensinar rapidamente os passos
necessários para sua solução? Os psicológos acreditam que grande parte da diversidade
das condutas individuais decorra de um processo chamado motivação.

Atenção

A origem etimológica da palavra derivada do latim motivus, que significa mover, a palavra “motivação” assumiu o
significado de “tudo aquilo que pode fazer mover”, “tudo aquilo que causa alguma coisa”, “a razão que justifica uma
ação”. Deste modo, faz sentido dizer que uma teoria da motivação é uma teoria que busca justificar e explicar a ação.
Assim, podemos definir motivação como um processo psicológico básico que auxilia na explicação e compreensão
das diferentes ações e escolhas individuais.

Figura 13. Motivação.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/flat-young-woman-man-helping-growing-1407853838. Acesso


em: 5 nov. 2020.

Deste modo, a motivação pode ser definida como uma ação dirigida a objetivos, sendo
autorregulada, biológica ou cognitivamente, persistente no tempo e ativada por um
conjunto de necessidades, emoções, valores, metas e expectativas. É importante que
possamos compreender quais são as principais ênfases e foco da motivação, conforme
Tabela 2.

Tabela 2. Ênfase e foco da motivação.

Ênfase Foco
Ativação Estado inicial de estimulação que pode ser intrínseco ou extrínseco.
Direção Objeto ou o alvo da ação.
Intensidade Variação da força da ação.
Permanência Persistência, engajamento continuo.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

3.1.1 Modelos de classificação das teorias motivacionais

Os dois modelos de classificação das teorias da motivação permitem uma visualização


geral de como as teorias podem ser organizadas, visto que os modelos de classificação

29
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

pretendem ordenar e simplificar o conhecimento teórico, o que facilita a compreensão


do escopo de abrangência das teorias.

O primeiro modelo de classificação divide as teorias da motivação em “teorias de


conteúdo e teorias de processo”. Sabe-se que as teorias de conteúdo explicam a
motivação humana a partir das necessidades, afirmando que a conduta é orientada
para sua satisfação. Quais são as necessidades que orientam as ações humanas? As
teorias de processo, por sua vez, entendem a motivação como um processo de tomada
de decisão em que as perceções, os objetivos, as expectativas, as crenças e metas
pessoais estão em jogo.

Figura 14. Motivação e metas pessoais.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/vector-illustration-business-leadership-qualities-
creative-1653680020. Acesso em: 5 nov. 2020.

Tabela 3. 1o Modelo de classificação das teorias motivacionais.

Teorias de Conteúdo Teorias de Processo


Necessidades Tomada de decisão
(ou carências) (percepções, crenças, valores, metas pessoais)

Fonte: Elaborada pelas autoras.

O segundo modelo de classificação divide as teorias da motivação em tradicionais e


modernas. As tradicionais, ou seja, as clássicas e mais antigas são:

» Teorias da hierarquia das necessidades humanas, de Maslow;

» Teoria dos dois fatores de Frederick Herzberg;

» Teoria X e Y, McGregor.

Já as principais modernas, as contemporâneas são:

» Teoria da Expectativa, Victor Vroom;

» Teoria da Autoeficácia, Bandura;

30
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

» Teoria da Equidade, Adams;

» Teoria da Fixação de Metas, Edvin Locke.

Tabela 4. 2o Modelo de classificação das teorias motivacionais.

Teorias Tradicionais Teorias Modernas


Hierarquia das necessidades humanas Expectativa
Dois Fatores Autoeficácia
XeY Equidade
Fixação de Metas

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Saiba mais

Antes de estudarmos as teorias motivacionais, de fato, é importante ressaltar que o estudo da motivação é resultante
da fase já mais profissionalizada da Psicologia Organizacional e do Trabalho, tão logo surgiram as críticas ao modelo
Taylorismo-fordismo que desembocaram na escola das relações humanas, ainda antes da metade do século passado.

O Taylorismo foi criado pelo engenheiro Frederick W. Taylor (1856-1915). Taylor enfatizou que os trabalhadores
deveriam ser organizados de forma hierarquizada e sistematizada; ou seja, cada trabalhador desenvolveria uma
atividade específica na linha de produção da indústria (especialização do trabalho). No taylorismo, o trabalhador é
constantemente monitorado e controlado segundo o tempo de produção (tempo e movimento). Cada indivíduo deve
cumprir sua tarefa da melhor forma e no menor tempo possível, sendo premiados aqueles que se sobressaem.

O Fordismo foi criado por Henry Ford (1863-1947), que desenvolveu seu procedimento industrial baseado na linha de
montagem para gerar uma produção que deveria ser consumida em massa. Sua ênfase seguia um sistema enxuto de
produção, redução de custos e garantia da melhor qualidade e eficiência no sistema produtivo.

3.1.2 Teorias motivacionais

Nesse contexto, discorreremos sobre as principais teorias da motivação que surgiram


nas décadas de 1940 a 1960 a partir dos estudos da Escola das Relações Humanas, de
Elton Mayo.

De modo geral, as teorias que se sustentam no conceito de necessidade partem da


premissa de que há uma energia ou força que excita ou gera uma tensão interna no
indivíduo, que gera um impulso ou desejo para agir de modo que se reduza a força
deste mesmo impulso, tensão ou desejo. Seguem as teorias da motivação baseadas
nas necessidades.

A Teoria da Hierarquia das Necessidades Humanas, Abraham Maslow

A teoria de Maslow é conhecida como uma das mais importantes teorias de motivação.
Para ele, as necessidades dos seres humanos obedecem a uma hierarquia, ou seja,
uma escala de valores a serem transpostos. Isto significa que no momento em que o

31
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

indivíduo realiza uma necessidade, surge outra em seu lugar, exigindo sempre que as
pessoas busquem meios para satisfazê-la. Poucas pessoas procurariam reconhecimento
pessoal e status se suas necessidades básicas estiverem insatisfeitas.

O comportamento humano, nesse contexto, foi objeto de análise pelo próprio Taylor,
quando enunciava os princípios da Administração Científica. A diferença entre Taylor
e Maslow é que o primeiro somente enxergou as necessidades básicas como elemento
motivacional, enquanto o segundo percebeu que o indivíduo não sente única e
exclusivamente necessidade financeira. Maslow apresentou uma teoria da motivação,
segundo a qual as necessidades humanas estão organizadas e dispostas em níveis,
numa hierarquia de importância e de influência, numa pirâmide, em cuja base estão
as necessidades mais baixas (necessidades fisiológicas) e, no topo, as necessidades
mais elevadas (as necessidades de autorrealização).

De acordo com Maslow, as necessidades “fisiológicas” constituem a sobrevivência


do indivíduo e a preservação da espécie: alimentação, sono, repouso, abrigo etc. As
necessidades de “segurança” constituem a busca de proteção contra a ameaça ou
privação, preservação do emprego, moradia. As necessidades “sociais” incluem a
necessidade de associação, de participação, de aceitação por parte dos companheiros,
afeto, de troca de amizade, amor. A necessidade de “estima” envolvem a autoapreciação,
a autonomia, a autoconfiança, a necessidade de aprovação social e de respeito, de
status, prestígio e consideração, além de desejo de força e de adequação, de confiança
perante o mundo. As necessidades de “autorrealização” são as mais elevadas, de cada
pessoa realizar o seu próprio potencial e de autodesenvolver-se continuamente.

Figura 15. Pirâmide de Maslow.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pyramid-top-leadership-development-promotion-
concept-261757202. Acesso em: 5 nov. 2020.

A Teoria X e Y, Douglas McGregor

A teoria de McGregor é, na verdade, um conjunto de dois extremos opostos de


suposições. Estes conjuntos foram denominados “X” e “Y”. Por esse motivo, também
é conhecida como de “Teoria X e Teoria Y”. Para McGregor, se aceitarmos a teoria
“X”, e nos comportarmos de acordo com ela, as pessoas se mostrarão preguiçosas

32
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

e desmotivadas. Já se aceitarmos a teoria “Y”, as pessoas com quem interagimos se


mostrarão motivadas.

Teoria X – concepção negativa da natureza humana:

» o homem médio não gosta do trabalho e o evita;

» ele precisa ser forçado, controlado e dirigido; (elogios e punições)

» o homem prefere ser dirigido e tem pouca ambição;

» ele busca apenas a segurança.

Teoria Y – concepção positiva da natureza humana.

» o dispêndio de esforço no trabalho é algo natural;

» o controle externo e a ameaça não são meios adequados de se obter trabalho;

» o homem exercerá autocontrole e autodireção, se as necessidades próprias forem


satisfeitas;

» a pessoa média busca a responsabilidade;

» o empregado exercerá e usará sua engenhosidade, quando lhe permitirem


autodireção e autocontrole.

A Teoria dos Dois Fatores, Frederic Herzberg

Ao contrário de outros pensadores, como Abraham Maslow, que tentavam explicar


as necessidades humanas em diversos campos, a Teoria de Frederick Herzberg foi,
desde o início, baseada no estudo das atitudes e motivações dos funcionários dentro
de uma empresa.

Herzberg desenvolveu um estudo para tentar entender os fatores que causariam


insatisfação e aqueles que seriam os responsáveis pela satisfação no ambiente de
trabalho. Os estudos incluíram pesquisas em que os trabalhadores de diversas empresas
eram estimulados a explicitar quais seriam os fatores que os desagradavam, assim
como os que os agradavam na empresa. Os fatores que agradavam o funcionário
foram chamados de “motivadores”. Aqueles que desagradavam levaram o nome de
“higiênicos”. Por isso, a teoria é mais conhecida como “a Teoria dos dois fatores de
Herzberg: Motivação-Higiene”.

Os fatores de higiene são aqueles necessários para evitar a insatisfação no ambiente


de trabalho, mas, por outro lado, não são suficientes para provocar satisfação.

33
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

Para motivar um funcionário, não basta, para Herzberg, que os fatores de insatisfação
estejam ausentes. Pelo contrário, os fatores de satisfação devem estar bem presentes.

Figura 16. Fatores.

Não Não Satisfação


Insatisfação Insatisfação satisfação

Política da Empresa Crescimento Profissional


Condições do ambiente de trabalho Autonomia
Relacionamento Interpessoal Desenvolvimento Profissional
Segurança Aumento de Responsabilidade
Benefícios Reconhecimento do Trabalho
Salário Realização Profissional

Fonte: Ribas; Salim (2016, p. 425).

Diante desta concepção crítica de Kanfer (1992), que classifica as teorias de conteúdo
como sendo distantes da ação planejada. Assim, surgem as teorias de processo que
são baseadas na tomada de decisão, conforme a seguir.

A Teoria da Expectativa, de Victor Vroom

O comportamento humano é sempre orientado para resultados. As pessoas fazem


coisas esperando sempre outras em troca.

Os três principais fatores nessa teoria são: Valência, Instrumentalidade e Expectativa.


Assim, para que uma pessoa esteja “motivada” a fazer alguma coisa é preciso que ela,
simultaneamente:

» atribua valor ao resultado advindo de fazer essa coisa;

» acredite que fazendo essa coisa ela receberá a compensação esperada;

» acredite na probabilidade de que tem condições de fazer aquela coisa.

Em termos de uma equação, essa definição poderia ser escrita da seguinte forma:

motivação = [expectativa] x [instrumentalidade] x [valência]

A Teoria da Fixação de Metas, Locke e Gary Latham

É a teoria de motivação que provavelmente tem sido mais útil para os psicólogos
organizacionais; é uma forma popular de aumentar o desempenho no trabalho. O
princípio básico dessa teoria diz que o comportamento das pessoas é motivado
por suas intenções e seus objetivos, que podem estar intimamente relacionados a

34
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

comportamentos específicos. As metas de uma pessoa são o principal determinante


da motivação relacionada à tarefa, visto que as metas dirigem os pensamentos e
as ações.

A Teoria da autoeficácia, Bandura

Preocupa-se em estudar como a crença das pessoas em suas próprias habilidades


pode afetar o seu comportamento. Pessoas com grande autoeficácia acreditam serem
capazes de realizar tarefas e serão motivadas a aplicar o esforço necessário para isso.
De acordo com essa teoria, a motivação para uma tarefa está relacionada ao fato de
a pessoa acreditar ou não que é capaz de concluir a tarefa com sucesso. Uma das
formas em que a grande autoeficácia se desenvolve é pelo sucesso. Indivíduos com
altos níveis de habilidade provavelmente terão obtido sucesso no passado, e, assim,
tendem a ter uma elevada autoeficácia.

Figura 17. Autoeficácia.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/woman-mirror-mirrored-happy-girl-cartoon-1476473345. Acesso


em: 5 nov. 2020.

3.1.3 Motivação e desempenho

A relação entre motivação e desempenho se dar a partir de uma diversidade de fatores


que se interpõem como fontes de mediação no trabalho. A identificação dos fatores
e a compreensão das influências na interação entre os conceitos de motivação e
desempenho no trabalho são considerados relavantes à obtenção de níveis condizentes
de qualidade e produtividade.

Ou seja, o alcance dos objetivos organizacionais se encontra atrelado ao desempenho


eficiente e eficaz nos níveis individual, grupal e organizacional.

O suporte organizacional envolve um conjunto de variáveis que interferem no


desempenho, tais como: informações relacionadas ao trabalho, ferramentas e
equipamentos, materiais e suprimentos, apoio financeiro, serviços e ajuda necessários
fornecidos por outras pessoas, capacitações, tempo disponível, ambiente de trabalho
– estrutura e clima, apoio do gerente, recompensas justas – princípio da reciprocidade
e equidade etc.

35
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

A percepção de suporte organizacional é entendida como “crenças globais desenvolvidas


pelo empregado sobre a extensão em que a organização valoriza as suas contribuições
e cuida do seu bem-estar”. A percepção de suporte organizacional faz com que
os funcionários se sintam apoiados, confortáveis e confiantes, pois percebem a
preocupação por parte da organização em relação ao seu bem-estar.

A percepção de suporte organizacional percebida pelo funcionário pela crença


de que a organização valoriza suas contribuições resulta em comprometimento
organizacional, satisfação no trabalho, além de desempenho e produtividade.

A justiça de procedimento é percebida pelo funcionário conforme o que lhe é oferecido,


se ela é justa ou não, assim ele tem prazer em trabalhar em determinada organização
e melhorar seu desempenho. Quando o colaborador percebe a empresa na qual
trabalha como justa, seu nível de bem-estar aumenta e, por consequência, torna-se
mais comprometido com aquilo que realiza dentro dela.

Figura 18. Percepção de justiça.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/black-lives-matter-crowd-people-protesting-174794276. Acesso


em: 5 nov. 2020.

A percepção de suporte organizacional se destaca no campo do comportamento


organizacional devido a seu impacto sobre vários comportamentos relacionados à
estabilidade e à intensidade da dedicação do empregado à organização. A literatura
mostra os resultados organizacionais advindos de uma percepção de suporte favorável
no ambiente de trabalho: comprometimento afetivo, diminuição da intenção de sair
da organização, comportamento de cidadania organizacional, melhor desempenho,
menor necessidade de ser supervisionado, criatividade e inovação.

3.2 Emoções no trabalho e implicações na produtividade

As emoções, como, por exemplo, o medo, têm as funções de ajudar na sobrevivência


do homem, aprendizagem e ajustamento social e na expressão da subjetividade e da
individualidade.

36
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

O trabalho não deve ser apenas um processo de mera execução de tarefas predeterminadas.
Deve ser visto também como um meio de desenvolvimento e realização, satisfação e
de resolução de um problema de uma pessoa ou grupo de pessoas.

As condições de trabalho repercutem sobre os trabalhadores e refletem as influências do


ambiente no bem-estar do trabalhador, representadas por indicadores psicológicos (tais
como afeto, frustração e ansiedade), bem como indicadores físico-fisiológicos(pressão
sanguínea, funções cardiovasculares e condições físicas gerais).

Logo, o conceito de bem-estar refere-se ao ótimo nível de funcionamento fisico e


psicológico e de vivências positivas, resultantes da avaliação subjetiva do indivíduo
sobre sua vida.

Ryff (1989) elaborou uma proposta integradora ao formular um modelo de seis


componentes de bem-estar, composto pela autoaceitação, relacionamento positivo
com outra pessoa, autonomia, domínio do ambiente, propósito de vida e crescimento
pessoal.

A não observação destes componentes pode resultar em sofrimento emocional


caracterizado por humor deprimido, interesse ou prazer em menor grau, alterações
de peso, distúrbios de sono, alterações psicomotoras, fadiga ou perda de energia,
sentimento de inutilidade, além de diminuir a capacidade de pensar e/ou concentrar-
se, indecisão e a presença de pensamentos destrutivos.

Quando o sofrimento emocional é extremo pode desencadear uma psicopatologia do


trabalho, caracterizados como transtorno mental, neurose ou psicose. Além destes, a
saúde mental no trabalho tem evidenciado dois temas de interesse de pesquisadores:
o estresse ocupacional e a Síndrome de Burnout.

3.2.1 Estresse ocupacional

Cooper e Marshall (1978), pesquisando o tema, desenvolveram um modelo com seis


categorias de fonte de estresse ocupacional: fatores intrínsecos do trabalho; papel
da organização; relacionamento no trabalho; desenvolvimento de carreira; estrutura
e clima organizacionais e ajuste da vida pessoal e profissional.

Síndrome de Burnout

A Síndrome de Burnout é definida como uma resposta prolongada a agentes estressores


do contexto do trabalho. Existem três elementos classificados como causas da síndrome
de Burnout: características das tarefas; categoria ocupacional e características
organizacionais.

37
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

Figura 19. Sindrome de Burnout.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/professional-burnout-syndrome-exhausted-female-
manager-1400399618. Acesso em: 5 nov. 2020.

É importante destacar os estudos sobre as manifestações afetivas discretas para


subsidiar as intervenções necessárias no contexto laboral. A raiva, agressividade e a
retaliação estão relacionadas à percepção de injustiça e às interações conflituosas
no trabalho, segundo Lazarus e Cohen-Charash (2001). Outra emoção relevante,
apontada pelos mesmos autores, está relacionada com a introdução de mudanças
organizacionais, a incerteza no desempenho de papéis e as transformações reais ou
antecipadas que dificultam as previsões de cenários futuros.

As incertezas sobre o desempenho de papéis, as transformações organizacionais


imprevisíveis, o destino da carreira e o vínculo organizacional, geram insegurança,
potencializando as emoções negativas.

Por isso mesmo, as emoções e afetos no trabalho têm gerado interesse cada vez maior
por parte dos estudiosos, provocando uma reavaliação das relações de antagonismo
entre razão vs. emoção e cognição vs. emoção.

Jaques-Jesus (2004, p. 55) aponta para a:

[...] indispensabilidade da Psicologia na explicação e intervenção sobre


os fatores de saúde do trabalhador “invisíveis” à fisiologia e à bioquímica
médicas. Esses fatores são ressaltados pelas particularidades dos casos,
que se desdobram no contexto das teorias de estresse, psicodinâmica do
trabalho e abordagem epidemiológica e/ou diagnóstica.

Bastos et al. (2013) afirma que os projetos de pesquisa deverão voltar-se para
compreender o papel das pessoas – nos diferentes papéis que podem desempenhar
– como construtoras de organizações e como tal construção retroage sobre o próprio
trabalhador, afetando a sua identidade, os seus modos de vida e de existência e a sua
saúde psicológica, em particular.

38
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

O conceito de inteligência emocional, que segundo seu criador Daniel Goleman é


constituída das variáveis autoconsciência, autocontrole, automotivação, consciência
das emoções das outras pessoas e capacidade de gerir as suas relações também é
relevante no que tange ao gerenciamento das emoções no trabalho.

Uma visão biopsicossocial e sistêmica das relações dentro das organizações deve ser
um dos focos da Psicologia Organizacional e do Trabalho. O diferencial é a realização
de diagnósticos, definição de ações e implantação de projetos que sejam voltados
para a preservação e desenvolvimento das pessoas durante o trabalho na empresa.

Figura 20. Inteligência emocional.

Fonte: https://image.shutterstock.com/image-vector/heart-brain-on-scales-balance-600w-360287792.jpg. Acesso em: 5


nov. 2020.

Mas afinal, as emoções transparecem às características pessoais?

Há pessoas que, na maior parte das vezes, estão bem-humoradas, até mesmo em
situações adversas, mas, também, há aquelas que vivenciam as situações de modo
intenso e dramático, mesmo as corriqueiras.

Enfim, experimentamos todos os dias emoções diversificadas: ódio, amor, raiva, tristeza,
medo, ansiedade, inveja, culpa etc. Algumas estão relacionadas aos pensamentos e
imagens mentais, e outras, ao ambiente externo, tais como família, os grupos sociais
e o local de trabalho. (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 208).

3.3 Comportamento Organizacional e as Ciências de


Análise do Trabalho

O comportamento organizacional é um campo de estudos que investiga o impacto que


indivíduos, grupos e estrutura têm sobre o comportamento dentro das organizações
com o propósito de utilizar esse conhecimento para melhorar a eficácia organizacional.

39
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

O comportamento organizacional preocupa-se com o estudo do que as


pessoas fazem nas organizações e de como este comportamento afeta o
desempenho das empresas. Como este estudo está voltado especificamente
para situações relacionadas ao emprego, enfatiza-se o comportamento
relativo a funções, trabalho, absenteísmo, rotatividade, produtividade,
desempenho humano e administração. (ROBBINS, 2005, p. 61)

Os componentes que constituem a área de estudos do comportamento organizacional


incluem motivação, comportamento e poder de liderança, comunicação interpessoal,
estrutura e processos de grupos, aprendizado, desenvolvimento de atitudes e percepção,
processos de mudanças, conflitos, planejamento do trabalho e estresse no trabalho.

Figura 21. Comportamento organizacional.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/advertising-poster-office-project-presentation-
organizational-1473458252. Acesso em: 5 nov. 2020.

Importante

O estudo do comportamento organizacional é uma ciência aplicada que se apoia na contribuição de diversas
outras disciplinas comportamentais. As áreas predominantes são a Psicologia, a Sociologia, a Psicologia Social, a
Antropologia e a Ciência Política.

3.3.1 Psicologia

A Psicologia é a ciência que busca medir, explicar e, algumas vezes, modificar o


comportamento. Os psicólogos dedicam-se ao estudo do comportamento individual.
Inicialmente, os psicólogos organizacionais e industriais estudavam os problemas de
fadiga, falta de entusiasmo e outros fatores que poderiam influenciar no desempenho.

Mais recentemente, sua contribuição expandiu-se para incluir estudos sobre


aprendizagem, motivação, percepção, personalidade, emoções, treinamento, eficácia
de liderança, satisfação com o trabalho, processos de tomada de decisões, avaliação de
desempenho, mensuração de atitudes, técnicas de seleção de pessoal, planejamento

40
Emoções no Trabalho • CAPÍTULO 3

do trabalho e estresse profissional. As contribuições da Psicologia têm o foco no


“indivíduo”.

3.3.2 Sociologia

Enquanto a Psicologia foca suas atenções sobre o indivíduo, a Sociologia estuda


as pessoas em relação umas às outras. Assim, a contribuição dos sociólogos foi no
estudo do comportamento dos grupos dentro das organizações, especialmente aquelas
formais e complexas.

Saiba mais

As contribuições da Sociologia são dinâmicas de grupo, trabalho em equipe, comunicação, poder, conflitos,
comportamentos intergrupais, teoria da organização formal, tecnologia organizacional, mudança organizacional e
cultura organizacional. As contribuições da Sociologia têm foco no “grupo e no sistema organizacional”.

Figura 22. Sociologia.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/sociology-vector-illustration-flat-tiny-research-1291193695.
Acesso em: 5 nov. 2020.

3.3.3 Psicologia Social

A Psicologia Social é uma área dentro da Psicologia que combina conceitos desta
ciência e da Sociologia. A ênfase é a influência de um indivíduo sobre o outro. Um dos
temas mais investigados pela Psicologia Social é a mudança – como implementá-la e
como reduzir as barreiras de sua aceitação.

As contribuições da Psicologia Social são: mudança comportamental, mudança


de atitude, comunicação, processos grupais e tomadas de decisões em grupo. As
contribuições da Psicologia Social têm foco no “grupo”.

3.3.4 Antropologia

A Antropologia é o estudo das sociedades para compreender os seres humanos e


suas atividades. O trabalho dos antropólogos sobre culturas e ambientes contribui

41
CAPÍTULO 3 • Emoções no Trabalho

para se compreender melhor as diferenças nos valores, atitudes e comportamentos


fundamentais entre pessoas em diferentes organizações.

As contribuições da Antropologia são: valores comparativos, atitudes comparativas,


análise multicultural, cultura organizacional e ambiente organizacional. As contribuições
da Antropologia têm foco no “grupo e sistema organizacional”.

3.3.5 Ciências Políticas

As Ciências Políticas estudam o comportamento dos indivíduos e dos grupos dentro


de um ambiente político. Alguns tópicos específicos dessa área são a estruturação
de conflitos, a alocação de poder e como as pessoas manipulam o poder para o
atendimento de seus próprios interesses.

As contribuições das Ciências Políticas são: conflito, políticas intraorganizacionais e


poder. As contribuições das Ciências Políticas têm foco no “sistema organizacional”.

Comportamento organizacional, como vimos, é o estudo do funcionamento e da


dinâmica das organizações e como os grupos e os indivíduos se comportam dentro
delas. Como a organização é um sistema cooperativo racional, ela somente pode
alcançar seus objetivos se as pessoas que a compõem coordenarem seus esforços a fim
de alcançar algo que individualmente jamais conseguiriam. Assim, surge uma interação
entre as pessoas e a organização, a que se dá o nome de “processo de reciprocidade”:
a organização espera que as pessoas realizem suas tarefas e concede a elas incentivos
e recompensas, enquanto as pessoas oferecem suas atividades e trabalho, esperando
certas satisfações pessoais.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» Conhecemos as definições de motivação e a caracterização dos modelos de classificação das teorias motivacionais.

» Discutimos a influência da motivação e outras variáveis no desempenho.

» Discorremos sobre as emoções no trabalho e as suas implicações na produtividade.

» Tratamos da importância da Psicologia e das demais ciências que desenvolvem a análise do trabalho.

42
SAÚDE MENTAL E TRABALHO
CAPÍTULO
4
Introdução

Este capítulo apresenta o foco central da Psicologia do Trabalho: a saúde mental do


trabalhador. Para isso, são apresentadas definições e modelos de gestão e promoção
da saúde, em geral, para que, posteriormente, o aluno esteja apto a se aprofundar no
entendimento das melhores formas de gestão ou na discussão sobre as intervenções
possíveis no ambiente de trabalho capazes de impulsionar a construção de um bom
ambiente laboral.

Além isso, é discutida a centralidade do trabalho na formação da persona e no


entendimento do espaço social que cada sujeito ocupa, pois mediante a produção,
ainda que não remunerada, o ser humano é capaz de modificar o mundo que o cerca.
Deste modo, o trabalho ocupa posição de destaque na identidade do trabalhador e,
por tanto, deve ser gerido com responsabilidade e ética.

Objetivos

» Definir saúde e saúde mental.

» Destacar como o trabalho pode contribuir para a identidade e o desempenho do


papel social de um sujeito.

» Elucidar boas práticas de gestão que convergem com a saúde mental da equipe de
trabalho.

» Descrever a importância da Psicologia do Trabalho para a produtividade e para a


promoção da saúde do trabalhador.

4.1 O que é saúde mental?

Diante do entendimento do que é o trabalho e das formas de gestão dos sujeitos e


de suas emoções (em especial, no contexto de trabalho), a Psicologia do Trabalho

43
CAPÍTULO 4 • Saúde Mental e Trabalho

inclinou-se para a análise da saúde mental humana no contexto produtivo em geral,


de modo a aplicar teorias e técnicas de eficácia produtiva, mas, também, na tentativa
de conferir dignidade ao trabalhador. Para tanto, esse campo de estudo partiu dos
achados e das pesquisas no próprio campo da Psicologia Clínica.

Atenção

A Piscologia do Trabalho inicialmente calcou seus alicerces na saúde mental dos trabalhadores, analisando a
loucura e a sanidade de grupos de trabalhadores e de sujeitos isolados. Porém, em momento subsequente, passou
a estudar a relação do indivíduo com seu próprio trabalho ou a relação dos modelos de gestão com os resultados
comportamentais e organizacionais esperados. Neste segundo momento, o foco das atenções estava nos fatores que
promovem a saúde ou o adoecimento oriundos do desempenho ou do ambiente fabril.

Deste modo, é importante que possamos compreender o que vem a ser a saúde mental
e quais são os modelos de promoção da saúde aplicados nos tempos atuais.

Figura 23. Saúde.

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Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/mental-health-medical-treatment-vector-illustration-1496289878.
Acesso em: 30 out. 2020.

A saúde mental possui definições complexas e diversas, que vêm avançando ao longo
do tempo. Ou seja, pode-se dizer que o entendimento do que vem a ser a saúde mental
é historicamente influenciado por contextos sociopolíticos. Isso significa que não
apenas os campos de pesquisa sobre o tema sofreram alterações, mas, também, as
práticas médicas e o próprio entendimento de adoecimento mental mudaram com o
tempo e a evolução das civilizações e da maturidade das equipes multidisciplinares
para entender as práticas de promoção de bem-estar humano.

Sabe-se que o discurso da Medicina, por anos, se colocou como hegemônico nos
modelos de entendimento humano e de intervenção técnica na saúde mental. Esse
modelo de estudo das condições de saúde primavam a análise e o diagnóstico de
questões fisiológicas. Ou seja, o ser humano era estudado em sua biologia e anatomia,
exclusivamente, e a ciência tentava encontrar as mais diversas causas de adoecimento
e a cura para essas comorbidades.

44
Saúde Mental e Trabalho • CAPÍTULO 4

Figura 24. Modelo biopsicossocial.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/nephrology-vector-illustration-flat-tiny-kidney-1398762443. Acesso


em: 30 out. 2020.

Porém, nos tempos modernos, os modelos clínicos e de intervenção passaram a


entender a saúde como um arcabouço multidisciplinar e com fatores determinantes
múltiplos (incluindo não apenas a fisiologia, mas, também, o contexto social, a
cultura do indivíduo, a gestão do tempo e do estresse, os grupos de suporte e apoio
ao paciente, carência de condições dignas de vida etc.). Logo, o conhecimento de
diversas áreas do saber tem sido, gradualmente, incorporado e o modelo médico tem
sido suplantado pelo modelo biopsicossocial ou integral de entendimento humano.

Saiba mais

Antes de entendermos, de fato, o que vem a ser saúde mental, é importante sabermos, ainda, o que vem a ser a saúde
em si:

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) (1946, p. 1), pode-se compreender “saúde” como “um estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.

Essa definição foi delineada em 1946 e, na época, apresentava um viés inovador e ambicioso, pois já incluía os
aspectos físicos, mentais e sociais da humanidade, ou seja, uma análise multifatorial do bem-estar. Porém, apesar do
grande avanço que propunha a delimitação conceitual da OMS, diversas críticas posteriores foram levantadas, uma
vez que o estado de “completo bem-estar” é impossível de ser atingido. Todo ser humano possui oscilações de humor,
variações entre a boa e a má alimentação, condições de estresse no cotidiano etc. Logo, não se pode assumir a saúde
como um estado fantasticamente ideal.

Surgiu, assim, um novo paradigma que coloca a saúde como uma produção social. Essa visão inovadora combina as
abordagens da medicina preventiva e da saúde integrativa. Deste modo, podemos dizer que para que possamos dizer
que um sujeito é saudável na atualidade, devemos considerar também sua dieta, educação, trabalho, moradia, renda
e acesso a serviços. Ou seja, um sujeito saudável apresenta-se em condição de vida e fisiológica equilibrada.

Nesse contexto, de cuidado com a saúde e com o bem-estar humano, surgem os estudos
sobre a saúde mental em diversas disciplinas, entre elas a Psicologia do Trabalho.
Porém, na maioria dos campos de estudo ainda prevalece o conceito psiquiátrico, o
qual a compreende a saúde mental como uma condição oposta à loucura.

45
CAPÍTULO 4 • Saúde Mental e Trabalho

Diante desta acepção, pessoas com transtornos mentais não podem ter qualquer
grau de saúde e estão todas no mesmo grau de disfunção, o que certamente sabemos
que não é verdade. Pois, muitas das pessoas que conhecemos possuem ou já foram
pacientes de doenças mentais leves e moderadas, como, por exemplo, a depressão, e,
ainda assim, possuem certo grau de saúde preservado e as funções cognitivas intactas.
Por isso, na década de 1960, o psiquiatra Franco Basaglia propôs uma reformulação
no conceito do bem-estar mental, mudando o foco da doença para a saúde incluindo
na discussão questões como a cidadania e a inclusão social. (GAINO et al., 2018). Os
autores ainda citam:

Frente ao exposto, entende-se que há dois paradigmas principais para


discussão dos conceitos de saúde e saúde mental, ou seja, o paradigma
biomédico e o da produção social de saúde. No primeiro, o foco é
exclusivamente na doença e em suas manifestações, a loucura como
sendo essencialmente o objeto de estudo da psiquiatria. No segundo,
a saúde é mais complexa que as manifestações das doenças e inclui
aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Neste paradigma,
loucura é muito mais que um diagnóstico psiquiátrico, pois os pacientes
com um transtorno psiquiátrico podem ter qualidade de vida, participar
da comunidade, trabalhar e desenvolver seus potenciais. (GAINO et al. ,
2018, p. 110).

Nos tempos atuais, entende-se que a saúde mental possui íntima relação com a
prevenção, promoção e recuperação da saúde. Logo, as ciências e práticas que tratam
da saúde mental visam minimizar sofrimentos e danos decorrentes do adoecimento
psíquico, assim como buscam fazer com que o paciente seja capaz de ressignificar
sua vida e retomar espaços sociais. Ou seja, há um compromisso com a dignidade da
pessoa, além de um engajamento político (AMARANTE, 2007).

Figura 25. Estado mental.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/search/mental+health. Acesso em: 30 out. 2020.

46
Saúde Mental e Trabalho • CAPÍTULO 4

Atenção

Figura 26. OMS.

Organização Mundial
da Saúde

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/logo-world-health-organization-who-by-1658523400.
Acesso em: 30 out. 2020.

Atualmente, a OMS (WHO, 2003, p. 4) define saúde mental como “um estado de bem-estar no qual um indivíduo
percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz
de contribuir para sua comunidade”.

Essa concepção também é base para o modelo teórico adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, o
qual possui uma concepção científica que serve como modelo para diversos outros países, mas que, na prática, é
corrompido por sistemas administrativos permeados pela fuga ao ideal do bem comum. Além disso, apesar de esse
sistema adotar esse conceito amplo de saúde, muitos dos profissionais que atuam nos centros de saúde não fizeram a
revisão dos seus modelos de atuação e, ainda, amparam-se no paradigma biomédico.

Figura 27. SUS.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/bahia-brazil-april-28-2020-translation-1785559754. Acesso


em: 30 out. 2020.

Assim como o conceito de saúde, o bem-estar mental não pode ser entendido como
algo intangível, tampouco deve ser usado como base para a indústria farmacêutica e
hospitalar angariar fundos indevidamente. Para que isso seja evitado, os profissionais
de saúde da modernidade entendem a saúde mental como algo mais próximo da
“normalidade” e, para aferir isso, foram criados instrumentos de parâmetros científicos.

Deste modo, os erros ou acertos, os fracassos ou sucessos, as condições de vida, as


angústias e os desejos humanos podem ser considerados, e as reações humanas podem
variar, na normalidade, dentro de espectros que respeitam a individualidade de cada
um na forma de encarar a vida.

47
CAPÍTULO 4 • Saúde Mental e Trabalho

4.2 O lugar do trabalho

Ao falar de saúde mental, convém citar que ela é promovida por diversas esferas da
vida do sujeito: família, amizades, grupos sociais, cultura. Logo, a literatura aposta o
trabalho como mais um dos campos essenciais para a formação da identidade humana
e para a promoção da saúde ou do adoecimento psíquico.

O trabalho é a ocupação central de um sujeito, e permite-lhe colocar seu esforço e


seu sentido de existir em prol de uma sociedade. Além disso, promove condições de
sobrevivência e estatos. E, ainda, que o trabalho não seja remunerado ou o indivíduo
não precise do vínculo formal; ainda assim, o trabalho voluntário ou os hobbies podem
ser considerados modelos de produção dos quais os seres humanos se valem para
construírem suas identidades.

Figura 28. Voluntário.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/cheerful-young-woman-laughs-along-her-1692488653. Acesso em:


30 out. 2020.

Devemos considerar que nos tempos atuais, de revolução tecnológica e ampla


globalização, o trabalho já extrapola os campos fabris, os trabalhadores já contam com
direitos trabalhistas e as condições de produção já são consideradas como fatores de
promoção de saúde e de motivação. Porém, é preciso considerar que os papéis sociais
também estão se transformando em razão do trabalho e da aceleração produtiva.
Segundo Coutinho, Krawulski e Soares (2007), as transformações tecnológicas,
sociais e econômicas do mundo colocam o trabalhador em um contexto marcado
por características como transitoriedade, efemeridade e descontinuidade, que atinge
diretamente o mercado de trabalho e a formação da identidade dos sujeitos.

Isso acontece porque fatores como a responsabilidade, o reconhecimento, a realização


pessoal, entre outros, oriundo dos papéis profissionais compõem a individualidade
humana e fazem os indivíduos se desenvolverem. Porém, os trabalhadores também
sofrem impactos com os fluxos econômicos, as mudanças sociais, aceleração na

48
Saúde Mental e Trabalho • CAPÍTULO 4

produção, a instabilidade no emprego, o avanço tecnológico etc. Ou seja, a imagem


do ser humano, vinculada ao trabalho, precisa constantemente ser revista por ele
mesmo, e fatores estressantes ou frustrantes precisam ser superados para que as
consequências positivas do trabalho (como a dignidade, a importância do sujeito,
a comunicação, o aprendizado) possam ser integralmente experienciadas e possam
promover saúde mental.

Note que a identidade humana possui simultaneamente duas dimensões: individual


e colativa. Logo, o trabalho ocupa não apenas a função de formar o sujeito em sua
condição de transformador do meio, mas o coloca também em um conjunto de papéis
que o indivíduo ocupa e o tornam parte de grupos sociais. Logo, a construção da
identidade conta com um processo autobiográfico (a identidade do eu e do que me
diferencia do outro) e um processo relacional (a identidade do que o sujeito representa
para os outros e do que o aproxima dos demais) – em especial no trabalho.

E, em especial, no campo relacional, o trabalho e as mudanças no contexto produtivo


vivenciadas no espaço temporal em que o trabalhador se insere são os alicerces de
como o sujeito entende sua individualidade.

Importante

O trabalho não é o único fator social de formação de identidade. A Psicologia Social dedica-se a estudar a relação
entre grupos e os impactos comportamentais que um indivíduo sofre de outros indivíduos. E a Psicologia da
Personalidade se aprofunda na estruturação da psique humana e na construção da autoimagem do indivíduo.
Entretanto, de uma forma ou de outra, a identidade pressupõe a realidade social em que o sujeito está submerso.
Esta contempla a estrutura familiar, a formação religiosa, o país de origem, os costumes, o processo educativo, as
condições econômicas e os padrões de consumo de um período determinado etc. Mas não se pode negar que no
contexto de trabalho as relações de poder, as trocas políticas, os conhecimentos e a produção colocam o trabalhador
em um coletivo que o formará como sujeito e também lhe mostrará quais são suas competências e contribuições
próprias.

Figura 29. Identidade.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/woman-man-plastic-id-cards-car-1406464082. Acesso em: 30


out. 2020.

49
CAPÍTULO 4 • Saúde Mental e Trabalho

Mas afinal, como é “identidade”?

A identidade de uma pessoa pode ainda ser compreendida como um conjunto de


características que tornam o sujeito único. Ou seja, é tudo aquilo que compõe
tanto a mentalidade quanto o comportamento ou a biologia de alguém, que o
tornam exclusivo. Ou seja, há uma correlação direta com as atividades que a pessoa
desempenha, sua história de vida, seus desejos, sua personalidade, entre outros
fatores. E, se observarmos o meio em que vivemos, podemos notar que o trabalho é
um campo da vida capaz de limitar ou impulsionar o desenvolvimento dos sujeitos,
promover cidadania, construir uma autoimagem de sucesso ou de fracasso. Por isso,
o trabalho é tão central na vida dos sujeitos modernos.

4.3 Saúde mental e a produção

Se pensarmos bem, a maior parte do tempo de vida gasto por um adulto produtivo
é dedicado ao trabalho e convivendo com colegas de profissão. A partir deste
entendimento já é possível refletir sobre a impor tância de as corporações se
preocuparem com a saúde mental de seus colaboradores e o bom ambiente de
trabalho, não apenas para que a produtividade seja amplificada, mas para que
questões humanas e éticas sejam a base da atuação profissional e empresarial.

De todo modo, sabe-se que as frustrações humanas e a insatisfação estão presentes


em nosso cotidiano e o espaço laboral não está imune a isso. De modo oposto, as
alegrias e realizações humanas também impactam o campo produtivo e o clima
organizacional em geral. Por isso, é importante que os gestores estejam atentos às
necessidades de suas equipes de trabalho e estabeleçam um ambiente laboral que
conte com respeito e transparência na comunicação.

Ademais, é importante que não apenas os interesses corporativos sejam atendidos,


mas que haja equilíbrio entre o que o trabalhador oferece à corporação e o que a
instituição oferece ao colaborador. Compreender e aplicar esse princípio já coloca
a equipe de trabalho em condições mais apartadas da degradação emocional e
física.

50
Saúde Mental e Trabalho • CAPÍTULO 4

Importante

Note que, em essência, o trabalho é um excelente campo para a formação e para a manutenção da saúde mental.
Pois, embora os trabalhadores sejam obrigados a trabalhar mediante horários e dias determinados, ainda assim, se
pode afirmar que o trabalho é fonte de construção do sujeito e desenvolvimento de habilidades que geram emoções
positivas nas pessoas.

Entretanto, ambientes de trabalho que depreciam a imagem, são um risco à segurança ou desgastam em excesso
as condições físicas humanas, podem incorrer em sérios impactos na saúde mental. Pesquisas, inclusive, apontam
que o assédio (moral e sexual) e intimidação são questões comumente recorrentes no mercado de trabalho atual
e geram grandes perdas aos empregados e também às corporações, que sofrem com afastamentos, desmotivação,
judicializações etc.

Figura 30. Frustração.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/portrait-unhappy-young-business-man-worried-1727432584.
Acesso em: 30 out. 2020.

Locais de trabalho que promovem a saúde, em geral, incluindo a mental, e apoiam


pessoas são mais propensas a reduzir os afastamentos, os acidentes de trabalho e
melhorar a produtividade e, até, os processos de trabalho, uma vez que contam com
profissionais mais engajados. Por isso, convém que as corporações e seus gestores
estejam atentos aos sinais de colaboradores com possíveis transtornos psicológicos
e aos fatores que impactam em risco à psique humana, para que logo que possível
possam fazer intervenções e modificar fatores de adoecimento.

51
CAPÍTULO 4 • Saúde Mental e Trabalho

Saiba mais

Estudos na área da Psicologia do Trabalho afirmam que o modelo de organização do trabalho, a imposição de postura
de submissão a chefias autoritárias, o ruído na comunicação, o ritmo de trabalho acelerado e a exigência desleal são
fatores que podem afetar a saúde dos trabalhadores.

Além disso, podem ser elencados os seguintes fatores de risco para a saúde mental dos trabalhadores:

» Políticas inadequadas de saúde e segurança;

» Horas de trabalho inflexíveis;

» Tarefas obscuras ou objetivos organizacionais duvidosos;

» Divisões de tarefas inadequadas e injustas;

» Inadequação das exigências com relação à formação e às competências de cada trabalhador.

Figura 31. Cuidado.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/woman-hug-supportmaintain-afraid-nervous-
trembling-1717324258. Acesso em: 30 out. 2020.

Deste modo, corporações que se preocupam com suas equipes e primam por um
ambiente laboral saudável orientam os colaboradores a reconhecer sinais de depressão
de demais formas de doenças entre os colegas. Além disso, são colocados à disposição
de todos serviços de acolhimento e suporte para quem esteja precisando de ajuda.

Para auxiliar as instituições a promoverem a saúde mental de seus colaboradores,


o Fórum Econômico Mundial de 2017 publicou um guia com sete passos para a
construção de um ambiente de trabalho saudável mentalmente. Esse guia prevê três
frentes de atuação:

» A proteção da saúde mental por meio da redução de fatores de risco ao


adoecimento no trabalho;

» A promoção da saúde mental por meio do desenvolvimento de aspectos


positivos de trabalho e das habilidades dos empregados;

» O enfrentamento de casos de adoecimento mental, independentemente da causa.

52
Saúde Mental e Trabalho • CAPÍTULO 4

De modo complementar, a OMS já se pronunciou no sentido de que as organizações


têm o condão de apoiar indivíduos com transtornos mentais, não apenas para continuar
na atividade, como, também, para retornar aos seus postos, caso estejam afastados.

Saiba que outras iniciativas podem ajudar na manutenção e na recuperação dos


trabalhadores em casos de transtornos mentais, entre elas citam-se a flexibilização da
jornada de trabalho, o teletrabalho, a redistribuição do trabalho em novos arranjos,
entre outras posturas a serem avaliadas caso a caso. Além disso, a disponibilização
de recursos para tratamentos demonstra-se como um fator benéfico não apenas à
corporação, mas, também, ao colaborador.

Um ambiente de trabalho saudável é entendido como aquele no qual colaboradores


e líderes contribuem com a produtividade e também com a promoção e proteção da
saúde, segurança e bem-estar de todos. Por isso, a Psicologia do Trabalho dispensa
tanto tempo e promove tantos estudos, uma vez que se acredita que deste modo é
possível a construção de uma sociedade mais digna e de relações de trabalho mais
vantajosas e mais prazerosas.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» Conhecemos as definições de saúde e de saúde mental e debatemos as implicações que cada uma dessas
definições geram no campo de estudo e na aplicação prática da gestão responsável.

» Discutimos e distinção entre o paradigma médico e o paradigma biopsicossocial de entendimento e aplicação da


promoção da saúde.

» Discorremos sobre a forma de concepção psiquiátrica e de normalidade do adoecimento mental.

» Tratamos da importância do trabalho para a identidade do indivíduo.

» Identificamos modelos de atuação e cuidado com a saúde mental dos trabalhadores.

53
CAPÍTULO
A PSICODINÂMICA DO TRABALHO E A
CLÍNICA DO TRABALHO 5
Introdução

A partir de agora vamos nos aprofundar nas principais linhas teóricas da psicologia
do trabalho. Sabemos que a psicologia organizacional se diferencia por preocupar-se
majoritariamente com a produção e a motivação do trabalhador para a colaboração
com os objetivos institucionais, mas sendo as organizações compostas de seres
humanos, complexos, múltiplos e únicos forma-se a maior riqueza das instituições,
o capital humano, repleto da capacidade intelectual e de criação. Mas para que esse
capital humano seja otimizado e também aprimorado, é preciso dedicar dignidade e
cuidado com os sujeitos que operam diariamente no contexto de trabalho.

Essa visão de valorização de pessoal é um tanto quanto moderna e surgiu dos campos
fabris e das leis trabalhistas, uma vez que os trabalhadores estavam adoecendo e
as instituições perceberam que é preciso dedicar atenção ao potencial humano.
Entretanto, o olhar da Psicologia do Trabalho também emergiu frente a denúncias de
exploração e às custas de muitas doenças oriundas do trabalho em si, do ambiente no
qual os colaboradores atuam e da forma como a subjetividade ou a fisiologia humana
é pressionada pelo ritmo de trabalho.

Então, este capítulo dedica-se a tecer um desenvolvimento histórico das formas como
a saúde mental foi conceitual e intelectualmente concebida no campo do labor. Por
isso, partimos do entendimento dos achados e da forma como a psicopatologia estuda
o adoecer e migraremos para a abordagem da psicodinâmica do trabalho, a qual centra-
se no potencial de promoção da saúde de modo anterior ao adoecimento instalado.

Objetivos

» Explicar as abordagens da Psicopatologia e da Psicodinâmica do Trabalho.

» Esclarecer o método da Clínica do Trabalho e descrever como este modelo pode


contribuir para a saúde mental no trabalho.

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A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho • CAPÍTULO 5

» Discutir a concepção de saúde e doença no trabalho.

» Elucidar como o trabalho pode ser tanto fonte de prazer como fonte de sofrimento
para o colaborador.

Aprofundando-nos na história do estudo da saúde mental, em especial no que abarca


a correlação com o universo do trabalho, a Psicopatologia, enquanto análise das
subjetividades e das individualidades cognitivas, surge com base na psicologia clínica
geral e entremeada com o discurso médico hegemônico e com foco nos sintomas de
transtornos mentais. Ou seja, surge como ramo da ciência especializado no olhar para
as rupturas na formação da identidade ou do funcionamento mental dos sujeitos.

Atenção

Antes de tratar de qualquer forma de adoecimento, no caso o mental, é preciso que se compreenda o que vem a ser a
“normalidade”!

Entende-se como normal aquilo que é mediano, comum, vulgar, ou seja, o normal é uma forma de categorização com
base na frequência, na observação dos fenômenos naturais como eles estão postos majoritariamente. E, ao falarmos
da humanidade, a normalidade requer apreender a complexidade humana como algo inerente ao sujeito, mas há um
continuum entre os comportamentos que são considerados aceitáveis ou saudáveis.

Ou seja, no campo da Psicopatologia, a normalidade e a saúde estão intimamente ligadas. O normal trata-se
do espectro comportamental regular ou médio, enquanto a saúde refere-se às condições básicas para que essa
normalidade possa existir e não gere disfuncionalidades no indivíduo.

Outra questão importante a se pensar no campo da Psicopatologia é o marco histórico


que confere importância à disciplina no contexto laboral. Lima (1998) afirma que
tais estudos, no campo do trabalho, originaram-se na França, no período após a
Segunda Guerra Mundial. À época, a vertente acadêmica era a psiquiatria social,
mais especificamente. Logo, Paul Sivadon (1952) cunhou o termo “psicopatologia
do trabalho” e reconheceu que certos tipos de trabalho ou certos modelos de gestão
eram promotores de conflitos e pressões ao intelecto do trabalhador capazes de fazer
emergir a doença mental relacionada à produção.

Devemos recordar que o trabalho é uma atividade que varia de acordo com o contexto
sócio-histórico, deste modo, o adoecimento relacionado ao trabalho também passou a
ser contextualizado, no meio acadêmico, conforme a sobreposição dos valores sociais
e dos modelos produtivos e tecnológicos de um tempo. Isso significa que as doenças
mentais atreladas ao trabalho na contemporaneidade não são equivalentes àquelas
registradas no século passado. Além disso, a relação fisiológica do ser humano com o
trabalho, ou seja, na atualidade, muitas doenças relacionadas ao sedentarismo estão
vinculadas ao trabalho por longos períodos na frente de computadores, enquanto no

55
CAPÍTULO 5 • A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho

passado as doenças mentais ou os acidentes de trabalho estavam relacionados aos


movimentos repetitivos das esteiras fabris.

Figura 32. Fábrica.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/jiujiang-chinamarch-17-2018-workers-on-1091997302. Acesso em:


13 nov. 2020.

5.1 Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho

Diante do conhecimento do que foi a proposta inicial da psicopatologia do trabalho,


convém traçarmos uma linha histórica até os tempos atuais para que possamos
compreender como a análise do adoecimento mental no ambiente produtivo também
acompanhou as mudanças sociais e modificou o enfoque, de modo a olhar, também,
para o sujeito em sua normalidade. A tentativa é preservar a saúde e não apenas
identificar as fontes de adoecimento. Deste modo é possível promover ações preventivas
e, ainda, fortalecer modelos de gestão e outros fatores capazes de promover e fortalecer
o bem-estar no trabalho.

Após a Segunda Guerra Mundial, com o fortalecimento da indústria e das economias


de consumo, além da organização das sociedades em grandes centros urbanos e
conectadas por redes de dados e informações globais, vieram os movimentos grevistas
e a demanda social por mais estudos sobre os impactos do trabalho na saúde.

Logo, nos anos 1980 os estudos sobre a interface do homem com trabalho ganharam
nova perspectiva com as pesquisas de Christophe Dejours (1992). Entretanto, o teórico,
seguiu a linha de análise da psicodinâmica do trabalho à psicopatologia do trabalho.
O estudioso, além do bem-estar, incluiu nas pesquisas a relação entre o trabalho e a
relação dinâmica com a subjetividade. Isso significa que as pesquisas deixaram de
olhar para os sintomas e passaram a questionar como o trabalho pode constituir o ser
humano em sua identidade e, ainda, na forma como cada um se expressa criativamente
no contexto social.

56
A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho • CAPÍTULO 5

Nesse caso, a criatividade, a motivação e o empreendedorismo passaram a ser


ressignificados como as contribuições individuais, ou a marca única, que cada
trabalhador pode agregar, desde que a saúde mental do trabalhador esteja defesa e,
mais do que isso, seja o foco das intervenções das chefias no trabalho.

Saiba mais

A psicodinâmica do trabalho preocupa-se com as bases e a reelaboração do sofrimento vinculado à organização do


trabalho. Assim, não considera o trabalho como a origem das doenças mentais. Mas, certamente, o trabalho tem o
potencial máximo de desencadeá-las, uma vez que é estruturante do sujeito. Ou seja, a atenção está no indivíduo em
si e a forma como ele chegou ao transtorno mental.

Note que, deste modo, a psicodinâmica do trabalho migra da análise médica hegemônica
do que vem a ser a saúde e passa a considerar não apenas o impacto sócio-histórico
do meio social nas formas de trabalho postas. Mas, ainda, centra a análise no sujeito
e no respeito à sua complexidade.

Note, ainda, que a psicodinâmica do trabalho se pauta em três premissas:

» O sujeito busca em toda a sua existência e com todo o seu empenho a


autorrealização.

Figura 33. Realização.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/success-concept-man-red-cloak-stands-1675654057. Acesso


em: 13 nov. 2020.

Isso significa que o indivíduo, composto de desejos, é movido à saciedade em geral.


Essa necessidade de realização manifesta-se desde os níveis mais primários da natureza
– como a busca por alimento, segurança, e manutenção da vida – até os níveis mais
elaborados – como a formação da identidade e a expressão por meio da fala e arte.
Mas, de modo amplo, o que o ser humano persegue é oferecer sua contribuição ao
mundo, deixar um legado (ou uma memória de sua expressividade).

57
CAPÍTULO 5 • A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho

» Há um paradoxo intangível entre o trabalho prescrito e o trabalho real.

Ou seja, o trabalhador precisa das normas e da organização prescrita do trabalho,


mas os organogramas, as políticas de pessoal, o código de ética, ou qualquer outro
manual comportamental do trabalho não é capaz de dar conta de toda a realidade.
De s t e m o d o, e n t re a p ro d u ç ã o e o i m p a c t o d o s e r h u m a n o n o s e u c o n t e x t o d o
t ra b a l h o são necessários a experimentação, os sentimentos e a cognição.

Por isso, as subjetividades desenvolvidas no cotidiano são mobilizadas para sanar


esse gap. Em palavras mais simples, as organizações são feitas de grupamentos
humanos e apenas por meio da intelecção e da troca com o trabalho é que é
possível transformar o meio. Assim, não se pode negar que o trabalho requer um
investimento emocional constante que vai desde tomar o transporte para a fábrica,
até pensar soluções, fazer a gestão do risco ou rever as regras para que a instituição
se mantenha como referência para o mercado.

Essa premissa não se esgota na análise da produtividade e dos resultados, mas requer
que o sujeito esteja engajado em seus conhecimentos únicos para a promoção de
uma nova realidade. A esse fenômeno dá-se o nome de “inteligência prática”.

Figura 34. Elo.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/worn-chain-question-mark-one-links-117951226. Acesso em:


13 nov. 2020.

» O indivíduo possui o desejo pelo julgamento do outro.

Citamos nos capítulos anteriores que o trabalho permite a formação da identidade do


colaborador, uma vez que o inclui em um grupo social, ou um coletivo de profissionais,
mas, também, o diferencia dos outros seres humanos pelas contribuições próprias que
cada um traz. Porém, é preciso que a interferência humana no meio gere resultados
expressivos ou importantes. Logo, é preciso que o outro “julgue” as contribuições do
sujeito como importantes e lhe confira uma forma de feedback favorável, ou seja, o
reconhecimento.

58
A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho • CAPÍTULO 5

Figura 35. Reconhecimento.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/smiling-happy-young-woman-surrounded-by-1136029619. Acesso


em: 13 nov. 2020.

Outra mudança importante entre a psicopatologia e a psicodinâmica do trabalho é que


para a segunda linha teórica, o trabalho puramente não é fonte de adoecimento em si,
mas são as falhas na defesa humana ou a ineficiência no enfrentamento às opressões,
muitas vezes, impostas pelo trabalho que fazem com que as defesas psíquicas falhem
e o sujeito adoeça.

Nesse caso, o trabalho passa a ser fonte de desestruturação e pouco a pouco vai
minando a saúde mental no sujeito, mas, teoricamente, o centro dos estudos são as
falhas humanas ou o sucesso dessas defesas que fazem o sujeito permanecer saudável
e normal. Isso não significa que o trabalho não possa ser estressante a ponto de
romper as defesas do sujeito, mas, no caso, o trabalho estruturado é fonte de saúde
constitutiva do ego.

De todo modo, convém que gestores e a alta administração das corporações, assim
como os centros de gestão de pessoas estejam cientes e abertos das necessidades
de promoção de saúde e bem-estar no trabalho e possuam canais de denúncias e
estratégias de ação frente a injustiças que possam acontecer nos ambientes produtivos.

5.2 Prazer e sofrimento no trabalho

Partindo da concepção proposta por Dejours (1993) sobre a psicodinâmida do


trabalho, podemos compreender que o trabalho é fonte de vivências, tanto de
prazer quanto de sofrimento (ainda que possua um ambiente saudável e bom). Isso
pode ser sentido diariamente pelos trabalhadores modernos que, muitas vezes, têm
orgulho da empresa a que são vinculados, mas, ainda assim, podem estar exaustos
ou apresentarem sentimento de apatia frente a alguns processos de trabalho.

59
CAPÍTULO 5 • A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho

Isso acontece, também, porque trabalhar significa, na maioria dos casos, lidar
com múltiplas personalidades e com a complexidade do outro. Logo, pode haver
discordâncias ideológicas entre os trabalhadores sobre as formas de ação ou sobre
os modelos mentais utilizados para enfrentar a realidade do trabalho.

Figura 36. Sofrimento.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/angry-people-men-women-bullies-send-1770926813. Acesso em:


13. nov. 2020.

Além disso, todos os seres humanos enfrentam, ainda, a frustração pelo mero desprazer
de não conseguirem alcançar a perfeição. Ou seja, o fato de sermos sujeitos passíveis
de falhas nos gera a sensação de perda ou de desconforto. Por isso, não se pode ser
simplório e culpabilizar o ser humano por não conseguir alcançar algum resultado
esperado, sem que se analisem, não apenas os recursos ambientais dele, como, também,
os recursos intelectivos e, ainda, a característica de termos defeitos e qualidades
mesmo nas grandes autoridades ou nos gênios.

Mas também há de se falar em prazer quando o próprio ser humano supera suas
dificuldades ou limitações. Pode-se afirmar, segundo Anjos (2010), que as condições
laborais que permitem o prazer são naturalmente edificantes. Por isso, também,
podemos citar que ações de capacitação e desenvolvimento e a oportunização justa e
adequada das promoções são fonte de prazer e reconhecimento no trabalho. Situações
produtivas que representem o inverso, como perseguições, ritmo extremamente
acelerado, enfrentamento de grandes pressões por longos períodos geram a sensação
da falência ou potencial falência. Deste modo, é preciso atenção aos modelos de
organização de trabalho que oferecem mais do que o sujeito pode oferecer, destituindo
a dignidade do trabalhador.
Figura 37. Prazer.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/team-success-vector-concept-business-people-1210160866. Acesso


em: 13. nov. 2020.

60
A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho • CAPÍTULO 5

Saiba mais

Aguiar (2013, p. 32) acrescenta a seguinte ideia:

Para Dejours (1992), o sofrimento desvela-se com a confrontação entre os limites do


corpo físico e as dificuldades das atividades no trabalho, fragilizado pela privação
de seu protetor natural: O psiquismo. Pois, estando o trabalhador imerso em um
contexto que lhe exija a supressão de sua subjetividade, o corpo torna-se refém das
rotinas operativas.

5.2.1 Prazer

É sensação ou sentimento agradável que, no contexto laboral, é or iundo da


consonância entre a subjetividade do trabalhador (sonhos, desejos, anseios) e o
reconhecimento pelo trabalho desempenhado. Desta forma, o prazer no trabalho
requer que o trabalhador se ampare em seu conhecimento para transpor as regras
às demandas do ofício prático.

5.2.2 Sofrimento, defesas e patologias

Constitui-se das adversidades, as quais demandam a superação dos limites pessoais


em favor da solução do trabalho. É nesse ponto que o trabalho, de fato, se coloca como
potencial ameaça à saúde mental.

A literatura aponta que organizações de trabalho mais rígidas, autocráticas e com


sobrecargas de trabalho impactam diretamente no adoecimento, pois não permitem
que o trabalhador supere as dificuldades e alcance a realização. Entretanto, note que
não é toda situação de desprazer no trabalho que gera adoecimento, mas, sim, aquelas
que fogem da normalidade e se tornam violentas ao indivíduo.

Para superar tal questão, ferramentas estão ao dispor de líderes, entre elas a comunicação
e a transparência, além de metodologias de análise do clima organizacional ou
ouvidorias internas que podem trabalhar com as denúncias dos excessos e das faltas
éticas cometidas no contexto produtivo. Outro método para superar o sofrimento é
a clínica do trabalho.

5.3 A Clínica do Trabalho

A clínica do trabalho é um modelo de intervenção que pode ter como base ideológica
não apenas a psicodinâmica do trabalho, mas, também, a Ergonomia da Atividade (a

61
CAPÍTULO 5 • A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho

ser discutida mais a fundo no próximo capítulo), entre outras perspectivas. Entretanto,
no Brasil, cita-se a psicodinâmica do trabalho como precurssora desta abordagem
no Brasil. Além disso, diz-se que esse modelo de clínica pauta-se no modelo da
pesquisa-ação.

Figura 38. Pesquisa.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/magnifying-glass-documents-analytics-data-lying-672069292.
Acesso em: 13 nov. 2020.

Saiba mais

Mas o que seria uma pesquisa-ação?

Trata-se de uma forma de investigação que se ampara em técnicas de levantamento de informações que prima por
servir de base para a ação ou intervenção em si. Diferencia-se da pesquisa tradicional, uma vez que a própria coleta
de dados já pode ser considerada como uma variável interventiva, uma vez que altera o contexto.

Um exemplo de pesquisa-ação coloca-se quando o trabalhador recebe por e-mail o convite para participar de uma
pesquisa de clima organizacional. Nesse caso, imediatamente já lhe é gerada uma predisposição a entender que a
corporação está preocupada com o ambiente organizacional, deste modo, há uma tendência a elevar a satisfação e a
motivação da equipe de trabalho. Ou seja, a própria pesquisa já gerou uma mudança e, além disso, orienta o gestor à
melhor intervenção.

Assim, quando a empresa aplica uma pesquisa-ção da clínica do trabalho, a equipe


de colaboradores já se predispõe a falar de saúde mental no contexto produtivo
e se diz, ainda, que a própria fala no coletivo de trabalho é capaz de promover
nos colaboradores mudanças em seus comportamentos ou no enfrentamento de
condições estressoras.

A c l í n i c a d o t ra b a l h o, p a u t a d a n a p s i c o d i n â m i c a , v i s a a n a l i s a r a s s i t u a ç õ e s
concretas de trabalho e os processos emocionais envolvidos, além de formular
avanços teóricos e metodológicos para a área do conhecimento. Nesse espaço,
os colaboradores são convidados a, em grupos, discutir as situações de prazer
e de sofrimento no trabalho. Logo, necessariamente, a percepção dos sujeitos

62
A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho • CAPÍTULO 5

e n vo l v i d o s n a p e s q u i s a é d e e x t re m a i m p o r t â n c i a , a l é m d o s f a t o s o b j e t i vo s,
uma vez que, no caso, trata-se do bem-estar dos sujeitos e de suas respectivas
subjetividades.

Figura 39. Confiança.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/two-wireframe-glowing-hands-handshake-
technology-1479701399. Acesso em: 13 nov. 2020.

Nessas reuniões podem ser discutidos temas diversos, como os dados de pesquisas
objetivas de clima organizacional, a divisão do trabalho, a relação com a chefia,
o sentimento de realização e reconhecimento com o trabalho etc. Ou seja, é
estabelecido, pela própria corporação, um espaço sigiloso no qual os trabalhadores
ganham voz e propõem melhorias diversas. Essas falas podem ser filtradas e levadas
como sugestões de mudanças nos modelos de gestão ou nos fluxos de atividades à
alta direção, entre outras propostas de aprimoramento do contexto laboral. Nesse
caso, a equipe de gestão de pessoas que conduz o espaço de discussão deve adotar
uma postura crítica e receptiva para que os participantes se sintam confiantes para
serem sinceros e possam, de fato, trazer contribuições de relevância.

Esses achados da psicopatologia e da psicodinâmida do trabalho voltam o olhar


da psicologia do trabalho para o campo mental, de modo a per mitir que, de
verdade, as corporações voltem o olhar ao capital humano e possam extrapolar
medidas higiênicas de cuidado com as equipes e prmova além da motivação para
a produção a real contr ibuição dos trabalhadores com o apr imoramento das
tecnologias e do conhecimento corporativo, promovendo, consequententente,
vantagem estratégica, mas, também, respeito à condição humana e valorização
da inovação e da fala do trabalhador, por isso a importância de conhecermos
esse modelo de atuação e de gestão.

63
CAPÍTULO 5 • A Psicodinâmica do Trabalho e a Clínica do Trabalho

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» Que a psicopatologia centrava-se nos estudos sobre o adoecimento no trabaho, quando a psiconinâmica
pauta-se na pesquisa do que mantém a saúde mental dos trabalhadores, ambas com vias à intervenção nos
modelos de trabalho vigentes.

» Que o trabalho é fonte de estruturação psíquica e autorrealização humana.

» Que a formação do sujeito abarca as suas experiências no coletivo de trabalho.

» Que a clínica do trabalho é um modelo de pesquisa-ação centrada na escuta do trabalhador e como levantamento
de dados para a intervenção no contexto de trabalho.

64
A ERGONOMIA DA ATIVIDADE
CAPÍTULO
6
Introdução

Este capítulo final visa conectar todos os assuntos estudados até aqui com a disciplina
Ergonomia da Atividade, que serve de apoio para uma atuação no campo da Qualidade de
Vida no Trabalho (QVT ). O foco será compreender a ergonomia da atividade a partir do
diagnóstico do indivíduo (ou pequenos grupos) em situação de trabalho, mapeamento
de sintomas disfuncionais, assim como as recomendações para reequilíbrio satisfatório
da inter-relação individuo-contexto de trabalho.

Além disso, vamos falar da disciplina ergonomia da atividade, suas características,


seus objetivos e áreas de abrangência.

Por fim, vamos tratar das aplicações nos processos produtivos visando a que cada
trabalhador atue num posto de trabalho compatível às suas atitudes físicas e mentais,
ao seu caráter, às suas preferências pessoais, aprimorar as condições para o seu
trabalho mitigando a fadiga, redução dos acidentes de trabalho, em síntese, organizar
todas as condições materiais da atividade em torno do indivíduo.

Objetivos

» Entender o conceito da disciplina Ergonomia da Atividade.

» Explicar as características e objetivos da abordagem em Ergonomia da Atividade.

» Correlacionar as áreas de abrangência da Ergonomia da Atividade e as aplicações


nos processos produtivos.

6.1 Objetivos da ergonomia

A ergonomia é conceituada como uma abordagem científica fundamentada em


conhecimentos interdisciplinares das Ciências Humanas e da saúde para, de um

65
CAPÍTULO 6 • A Ergonomia da Atividade

lado, alinhar os produtos e as tecnologias com as características e necessidades dos


trabalhadores e, de outro, humanizar o contexto de trabalho.

Segundo o site da Associação Brasileira de Ergonomia (Abergo), em agosto de 2000, a


Associação Internacional de Ergonomia (IEA) adotou a definição oficial de ergonomia
como uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os
seres humanos e diferentes elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios,
dados e métodos a projetos com o objetivo de aperfeiçoar o bem-estar humano e o
desempenho global do sistema.

A Ergonomia apresenta entre os seus objetivos atender às demandas do mundo do


trabalho: melhorias das condições de trabalho, identificações de situações de risco à
saúde dos trabalhadores, desenvolvimento das competências profissionais, impacto
do uso das tecnologias, concepção de ambientes de trabalho. Sua atuação ocorre num
cenário socioeconômico turbulento em razão da reestruturação produtiva.

A Ergonomia concentra esforços nas atividades e considera os aspectos organizacionais,


sociais e subjetivos do homem no contexto de trabalho. A ergonomia é centrada na
realidade da atividade do trabalho vivenciada pelo trabalhador.

Agir sobre o real, com base no conhecimento científico, afastando-se das práticas
de gestão que se caracterizam por soluções improvisadas e com pouca ou nenhuma
fundamentação teórico-metodológica é objetivo da Ergonomia da Atividade.

Figura 40. Ergonomia.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/green-office-flat-vector-illustration-company-1550899631. Acesso


em: 5 dez. 2020.

66
A Ergonomia da Atividade • CAPÍTULO 6

Saiba mais

Ferreira (2017, p. 191) menciona o seguinte entendimento:

Do ponto de vista das organizações, a relevância da ergonomia do trabalho diz


respeito à perspectiva de enfrentamento de um elenco de problemas presentes no
cotidiano dos ambientes de trabalho que colocam a qualidade de vida no trabalho
como uma real necessidade. No que concerne às empresas privadas, os desafios
postos pela mundialização da economia são inúmeros e cobram respostas “para
ontem”, merecendo destaque: o novo padrão de competitividade baseada no uso de
alta tecnologia e na gestão flexível do trabalho; a atitude mais exigente e proativa de
consumidores quanto à relação custo-benefício de produtos e serviços; a evolução
da consciência ambiental e a defesa dos recursos naturais. No âmbito do serviço
público, dois aspectos caracterizam as transformações: o fortalecimento dos regimes
democráticos e, em consequência, a postura mais vigilante e reivindicatória dos
cidadãos-usuários quanto ao acesso à qualidade dos serviços prestados pelas
agências governamentais e por seus dirigentes.

6.2 Áreas de abrangência

A ergonomia pode ser aplicada em diversos setores produtivos, tais como, nas indústria,
buscando soluções corretivas de máquinas e equipamentos e adotando medidas de
prevenção para que as atividades laborais sejam mais seguras. No setor de serviços,
assim como na qualidade de vida das pessoas. Da mesma forma, sua aplicação é
observada na qualidade de produtos por meio de testes de segurança, desempenho
e durabilidade.

De acordo com Santos (2000), a ergonomia pode ser aplicada em diversos setores da
atividade produtiva. A sua maior aplicação ocorreu na agricultura, na mineração e
na indústria.

De acordo com IIda (2005), em relação às aplicações da ergonomia nas atividades


laborais efetuadas na agricultura, pode-se afirmar que são relativamente recentes se
comparadas com as da indústria. Estas atividades em geral são árduas, executadas em
posturas inconvenientes, exigindo grandes esforços musculares e em determinados
casos sob ambientes climáticos desfavoráveis.

67
CAPÍTULO 6 • A Ergonomia da Atividade

Saiba mais

Segundo Mascia e Sznelwar (1996), a ergonomia pode trazer contribuições na concepção de sistemas de produção,
tais como – sistemas industriais, de serviços e de produção agrícola, desde a fase inicial do projeto a questões como:

» Ambientes de trabalho;

» Meios materiais de produção;

» Organização de trabalho;

» Programas de formação de operadores ou de usuários.

Figura 41. Produção agrícola.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/illustration-indian-agriculture-farmer-1705924123. Acesso em: 5


dez. 2020.

6.3 Aplicação nos processos produtivos

Antes de iniciarmos o enfoque de aplicação do modelo metodológico da ergonomia da


atividade, vamos apresentar alguns modelos de qualidade de vida no trabalho (QVT ),
que tiveram origem nos anos 1970 com as lutas de trabalhadores e estudantes contra
o sistema taylorista/fordista de produção.

É importante destacar que o interesse das organizações acerca da QVT não deve ser
visto apenas como resultado das pressões dos trabalhadores, mas, também, como
decorrência da constatação de que formas de gerenciamento do trabalho mais
democráticas, aliadas a tarefas mais complexas, podem acarretar o aumento de
produtividade.

A qualidade de vida no trabalho está relacionada à motivação, satisfação no trabalho,


fatores ambientais e ergonômicos, o que proporciona visão holística sobre esta situação.

Alguns modelos de QVT são apresentados a seguir.

68
A Ergonomia da Atividade • CAPÍTULO 6

6.3.1 Modelo de dimensões básicas da tarefa – Hackman e Oldham

As dimensões do cargo são fundamentais na QVT, pois produzem estados psicológicos


críticos relacionados a resultados pessoais e de trabalho, que, se não forem adequados,
podem aumentar os índices de rotatividade e absenteísmo.

Segundo Chiavenato, (1999) os aspectos baseados nos cargos são os previstos na


Tabela 5:

Tabela 5. Dimensões da tarefa.

Variedade de habilidades » O cargo exercido deve exigir várias e diferentes habilidades e conhecimentos.
» Ressalta a importância do indivíduo sobre as tarefas; o trabalho deve ser realizado
Identidade da tarefa
do início ao fim, para que este perceba que produz um resultado palpável.
» A pessoa deve ter clara percepção de que forma o trabalho realizado produz
Significado da tarefa
consequências e impactos sobre o trabalho dos demais.
» Defende-se a responsabilidade pessoal para planejar e executar tarefas e a
independência para desempenhá-las. Um exemplo seria a prática de gerência por
Autonomia
objetivos, pois proporciona papel importante aos trabalhadores no estabelecimento
dos próprios objetivos e na busca de planos para consegui-los.
» Refere-se às informações; pode ser dividido em retroação do próprio trabalho, em
que os superiores devem proporcionar informação de retorno para que o próprio
Feedback indivíduo possa avaliar o desempenho dele, e retroação extrínseca, em que deve
haver retorno dos superiores hierárquicos ou cliente a respeito do desempenho da
tarefa.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

6.3.2 Modelo de QVT de Nadler e Lawler

Chiavenato (1999) descreve que, para Nadler e Lawler, a QVT está fundamentada em
quatro aspectos:

» participação dos funcionários nas decisões;

» reestruturação do trabalho por meio do enriquecimento das tarefas e de grupos


autônomos de trabalho;

» inovação no sistema de recompensas para influenciar o clima organizacional;

» melhoria no ambiente de trabalho quanto às condições físicas e psicológicas, horário


de trabalho etc.

A observação desses aspectos considera o ser humano como parte integrante das
organizações, mostrando a evolução da importância delas.

6.3.3 Modelo de Walton

Neste modelo, na Qualidade de Vida no Trabalho são apresentados oito fatores e


cada um deles abrange várias dimensões.

69
CAPÍTULO 6 • A Ergonomia da Atividade

1. Compensação justa e adequada:

› Salário adequado ao trabalhador.

› Equidade ou compatibilidade interna.

› Equidade e compatibilidade externa.

2. Condições de segurança e saúde no trabalho:

› Jornada de trabalho.

› Ambiente físico (seguro e saudável).

3. Utilização e desenvolvimento de capacidades:

› Autonomia.

› Significado da tarefa.

› Identidade da tarefa.

› Variedade de habilidades.

› Retroação e retroinformação.

4. Oportunidades de crescimento contínuo e segurança:

› Possibilidade de carreira.

› Crescimento profissional.

› Segurança do emprego.

5. Integração social na organização:

› Igualdade de oportunidades.

› Relacionamentos interpessoais e grupais.

› Senso comunitário.

6. Garantias constitucionais:

› Respeito às leis e aos direitos trabalhistas.

› Privacidade pessoal.

› Liberdade de expressão.

› Normas e rotinas claras da organização.

70
A Ergonomia da Atividade • CAPÍTULO 6

7. Trabalho e espaço total de vida:

› Papel balanceado do trabalho na vida pessoal.

8. Relevância social da vida no trabalho:

› Imagem da empresa.

› Responsabilidade social pelos produtos/serviços.

› Responsabilidade social pelos empregados.

Os programas de qualidade de vida no trabalho e a satisfação no trabalho envolvem


quatro categorias principais: organizacional, social, psicológica e biológica. Cada
categoria divide-se em diferentes indicadores específicos que correspondem a práticas
das empresas em cada uma dessas categorias, conforme a Tabela 6.

Tabela 6. Indicadores de QVT.

CATEGORIAS DE INDICADORES INDICADORES ESPECÍFICOS


» Tratamento ético dos funcionários.
Organizacional » Planos de carreira igualitários.
» Clareza das políticas e procedimentos.
» Investimento na educação formal dos funcionários.
Social » Benefícios familiares.
» Atividades culturais e esportivas.
» Valorização do funcionário.
Psicológico » Apoio psicológico.
» Desafio e outros fatores motivacionais.
» Ginástica laboral.
» Controle dos acidentes de trabalho.
Biológica » Conforto físico e eliminação da insalubridade.
» Alimentação.
» Controle de doenças.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Quanto à aplicação do modelo metodológico da ergonomia da atividade nos processos


produtivos, segundo Ferreira (2017) é necessário estruturar outro olhar sobre a QVT,
levando em consideração que a abordagem assistencialista e hegemônica da QVT
(tradicional) não dá conta de enfrentar as verdadeiras causas das fontes de mal-estar dos
trabalhadores, assim como suas práticas não apresentam aderência dos trabalhadores
em termos de participação e interesse nas atividades planejadas e oferecidas, assim
como os impactos da grande maioria das ações antiestresse não reduzem de forma
significativa os custos assistenciais e previdenciários.

71
CAPÍTULO 6 • A Ergonomia da Atividade

O novo olhar sobre a QVT, de natureza contra-hegemônica (contemporânea), preconiza


o modelo metodológico da ergonomia da atividade cujo conteúdo deve contribuir para
se alcançar vigilância em saúde e segurança, assistência psicossocial aos trabalhadores,
promoção do bem-estar no trabalho. A Tabela 7 apresenta a diferença entre a QVT
assistencialista (hegemônica) e a preventiva (contra-hegemônica). Esta última adota
a ergonomia da atividade nos processos produtivos.

Tabela 7. Diferença entre QVT Hegemônica e Contra-hegemônica.

» Foco da QVT Assistencialista » Foco da QVT Preventiva


» HEGEMÔNICA » CONTRA-HEGEMÔNICA
» Abordagem tradicional com foco no estudo da organização » Abordagem contemporânea com foco no estudo
como um todo – macroprocessual. de setores específicos nos quais se manifestam
determinados problemas – microprocessual.
» O indivíduo é variável de ajuste organizacional. A ênfase » As tarefas, o contexto de trabalho e seus componentes
é aumentar a sua resiliência para enfrentar as fontes da (condições, organização e relações socioprofissionais
fadiga e do estresse no trabalho. É considerado paliativo, de trabalho) devem ser adaptados aos trabalhadores –
remediadores, apenas atenuam os sintomas de estresse. ergonomia da atividade nos processos produtivos.
» QVT é responsabilidade individual. Cada trabalhador tem a » QVT é tarefa de todos, obra coletiva e fruto de políticas
obrigação, de sozinho, alcançá-la e preservá-la. e programas institucionais.

» Ênfase exclusiva na produtividade: alavancar » Ênfase no alinhamento entre o bem-estar no trabalho


positivamente a relação custo-benefício, visando ao e a produtividade, preconiza a adoção do ideal de
aumento da produtividade e à melhoria da qualidade de “produtividade saudável”.
produtos e serviços.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

O m o d e l o m e t o d o l ó g i c o d a E r g o n o m i a d a At i v i d a d e a p l i c a d o n o s p r o c e s s o s
produtivos comporta um conjunto de etapas, passos e tarefas que visa ajudar
uma inter venção na QVT de modo mais planejado, sistemático e seguro. Aplica-
se o modelo metodológico em ergonomia da atividade a partir de uma pergunta
fundamental:

6.3.4 Como promover a qualidade de vida no trabalho?

A pergunta serve como um ponto de partida na aplicação da abordagem metodológica


em QVT e representa uma “situação-problema” para a qual se busca agir para
transformar.

A abordagem metodológica apresentada trata dos seguintes pressupostos:

» Conhecer para aplicar: o que inicializa o método, potencializa a sua aplicação


são os problemas, as queixas, as dificuldades apresentadas pelos trabalhadores. É
importante conhecer a inter-relação indivíduo-trabalho-organização.

» Construir coletivamente: os indivíduos são os principais protagonistas. É


importante a participação de todos os trabalhadores.

72
A Ergonomia da Atividade • CAPÍTULO 6

» Informar para formar: a informação é a matéria-prima essencial que possibilita


o desenvolvimento da abordagem metodológica em QVT.

» Compreender o fazer: o que faz o trabalhador e como faz constituem o aspecto


nuclear para se compreender o trabalho como produtor de vivências de mal-estar e
de bem-estar no trabalho.

Figura 42. Situação-problema.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/business-decision-making-doubt-about-options-1818814940.
Acesso em: 10 dez. 2020.

O modelo metodológico é dividido em três etapas, a saber:

Etapa I: Diagnóstico de QVT

Na etapa I são aplicados os seguintes passos:

No passo 1 é feita a pactuação ética: contrato psicológico, o alinhamento cognitivo


de gestores e equipe, plano de ação e cronograma.

No passo 2 é feito o diagnóstico macroergonômico:

» definição do público-alvo;

» levantamento do perfil dos participantes e adaptação do inventário de avaliação de


qualidade de vida no trabalho (IA_QVT);

» sensibilização do público-alvo;

» aplicação do IA_QVT;

» tratamento dos dados quantitativos e qualitativos;

» elaboração do relatório;

» validação;

» divulgação.

73
CAPÍTULO 6 • A Ergonomia da Atividade

No passo 3 é feito o diagnóstico microergonômico:

» recorte da situação-problema com base nos resultados do diagnóstico


macroergonômico;

» planejamento da coleta de dados;

» sensibilização dos participantes;

» coleta de dados por meio da análise documental, grupo focal, entrevistas,


observações e medidas ambientais;

» tratamento dos dados;

» elaboração do relatório;

» validação;

» divulgação.

Etapa II: Formulação de política de QVT

Na etapa II é feito o passo 4 com a redação da política de QVT:

» definições: QVT, princípios, diretrizes;

» pré-validação com gestores e equipe;

» validação com o público-alvo;

» divulgação da política;

» formalização da política.

Etapa III: Formulação do programa de QVT

Na etapa III é feito o passo 5:

» definições: projetos, ações e indicadores;

» pré-validação com gestores e equipe;

» validação com o público alvo;

» divulgação da política;

» formalização da política.

74
A Ergonomia da Atividade • CAPÍTULO 6

Figura 43. Etapas do Modelo Metodológico de QVT.

I – Diagnóstico de
QVT

II – Formulação
das Políticas de
QVT

III – Formulação
do Programa de
QVT

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Saiba mais

A qualidade de vida no trabalho é uma missão institucional e uma tarefa de todos, segundo Ferreira (2017, p. 273):

A promoção da QVT nos contextos organizacionais não é tarefa singela. Alcançá-la é


como fazer uma viagem a um lugar almejado. Chegar ao destino requer ter consigo
valiosos instrumentos de viagem: teoria, método e ética. Requer contar neste trajeto
com a parcipação efetiva dos trabalhadores. Assim, o destino desejado – a QVT – se
torna obra de todos. Uma obra coletiva. Chegar lá vale a pena porque, como poetizou
Lenine, a vida não para, a vida é tão rara.

Por fim, as principais exigências que desafiam dirigentes, gestores e especialistas


das organizações públicas ou privadas na tarefa de promoção da QVT englobam,
essencialmente, o diagnóstico dos problemas existentes e os fatores que ameaçam a
QVT nos ambientes de trabalho, a geração da política de QVT, conceitos, princípios
e diretrizes, os projetos e ações, a execução, coordenação e monitoramento das
atividades previstas no Programa de Qualidade de Vida no Trabalho.

75
CAPÍTULO 6 • A Ergonomia da Atividade

Figura 44. Bem-estar no trabalho.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/family-playing-board-game-two-persons-1868874451. Acesso em:


5 dez. 2020.

Sintetizando

O que vimos neste capítulo?

» Que a Ergonomia da Atividade é uma abordagem científica fundamentada em conhecimentos interdisciplinares


das Ciências Humanas e da saúde para, de um lado, alinhar os produtos e as tecnologias com as características e
necessidades dos trabalhadores e, de outro, humanizar o contexto de trabalho.

» Que a ergonomia pode ser aplicada em diversos setores produtivos, tais como, na indústria, buscando soluções
corretivas de máquinas e equipamentos e adotando medidas de prevenção para que as atividades laborais sejam
mais seguro.

» Que a qualidade de vida no trabalho é uma missão institucional e uma tarefa de todos.

» Que o modelo metodológico da Ergonomia da Atividade aplicado nos processos produtivos é uma proposta
que comporta um conjunto de etapas, passos e tarefas que visa ajudar uma intervenção na QVT de modo mais
planejado, sistemático e seguro.

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