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Ética em Psicologia

Brasília-DF.
Elaboração

Rose Paula F. da Silva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE ÚNICA
ÉTICA EM PSICOLOGIA......................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1
ÉTICA, MORAL E LEI................................................................................................................. 11

CAPÍTULO 2
ÉTICA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL........................................................................................ 23

CAPÍTULO 3
CÓDIGO DE ÉTICA DA PSICOLOGIA........................................................................................ 29

CAPÍTULO 4
O QUE É BIOÉTICA?................................................................................................................. 37

CAPÍTULO 5
ÉTICA E SEXUALIDADE NA PSICOLOGIA.................................................................................... 42

CAPÍTULO 6
ÉTICA EM PROCESSOS JUDICIAIS E PERICIAIS EM PSICOLOGIA................................................. 46

CAPÍTULO 7
ÉTICA NA AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS......................................... 51

CAPÍTULO 8
DIMENSÃO ÉTICA DO TRABALHO DO PSICÓLOGO DE TRÂNSITO.............................................. 58

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 72

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 74
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Esse Caderno de Estudos apresenta perspectivas teóricas e práticas da Ética
compreendida como um Conhecimento e como uma Doutrina. Isto é, como um ramo
da Filosofia – que apresenta seus desdobramentos em diversas ciências, dentre elas a
Psicologia. Deste modo, introduzimos um conceito de Ética para avançarmos numa
construção da Ética em Psicologia.

Apresentamos aqui uma única Unidade ─ Ética em Psicologia ─ que se desdobra


em assuntos diversos e atuais ─ distribuídos em capítulos. Num primeiro momento,
traçamos conceitos essenciais na área e suas distinções entre Moral e Ética. Introduzimos,
também, uma questão fundamental que diz respeito ao sujeito ético individual ─ em
relação com o social ─ e a constituição de um sujeito coletivo.

No primeiro capítulo, buscamos introduzir uma dicotomia entre sujeito e norma/ lei,
e seus modos de estar no mundo – buscando constituir-se nesse conflito de interesses,
em prol do bem estar social. Conceituamos então a Ética como:

»» uma ciência da conduta do homem e,

»» uma ciência que busca condutas e comportamentos convenientes à


sociedade como um todo.

Nesse mesmo capítulo, caracterizamos alguns valores e aspectos essenciais de uma


Ética Contemporânea ─ em busca de um Bem Comum ─ e, conceituamos também uma
Moral, compreendida de dois modos:

»» como uma teoria dos valores que regem a ação e conduta humanas –
aproximando-se de uma Ética;

»» como um conjunto de costumes, valores e normas de conduta,


estabelecidos por uma sociedade ou cultura específica – sentido mais
restrito de uma Moral.

No segundo capítulo, caracterizamos a Ética no contexto da formação profissional


em Psicologia. Destacamos, inicialmente, alguns aspectos da formação profissional, que
são: realização plena do indivíduo; elevação do nível moral e; utilidade social. Nesse
sentido, ressaltamos a formação de identidade profissional e moral/ética do indivíduo,
no campo da atuação em Psicologia e suas configurações históricas e sociais. O conceito

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de uma auto ética é introduzido aqui. Assim como, a questão da liberdade e destinação
humana são retomadas nesse contexto.

No terceiro capítulo, ressaltamos mais uma vez o exercício profissional em Psicologia,


de modo a destacar seu Código de Ética – o que representa, qual é a sua missão, que
princípios o fundamentam; assim como levantamos aspectos necessários a sua conduta
profissional: competência técnica, compromisso ético e social; e o que é estabelecido
como função privativa do psicólogo. Uma Ética aqui pode ser então formulada segundo
alguns requisitos: consciência, autonomia e coerência.

No Capítulo 4, retomamos uma compreensão ética em Psicologia, de modo a ressaltar


seu aspecto primordial de compreensão e valorização do ser humano. Conceituamos
assim a Bioética – como uma Ética singular – que respeita e valoriza a vida e o sujeito em
sua autonomia – em convivência social. A Bioética reconsidera assim aspectos cruciais
da saúde humana, da vida em comunidade, da saúde coletiva, dos direitos humanos e
do bem-estar da população e dos povos. Traçamos assim uma relação intrínseca entre
Bioética e Direitos Humanos, de modo a elencar alguns deles e a estabelecer uma Ética
das relações sociais e humanas.

No Capítulo 5, destacamos a compreensão da Sexualidade em Psicologia, de modo


a retomar aspectos da conduta ética desse profissional. A sexualidade é conceituada
assim como mais um aspecto humano que constitui sua subjetividade e faz parte das
fases de seu desenvolvimento psíquico e biológico. Apresentamos uma abordagem
psicanalítica que, em Psicologia, inaugurou e fundamentou a sexualidade no campo da
constituição humana. Trouxemos uma Resolução do Conselho Federal de Psicologia –
CFP – que ilustra a conduta profissional do psicólogo em relação à orientação e escolha
sexual.

No Capítulo 6, destacamos a atuação da Psicologia em interseção com o Direito,


priorizando a Ética em assuntos judiciais e periciais em Psicologia. Que Ética é
estabelecida nesse campo de atuação e conduta profissional? Que interlocuções são
possíveis entre esses dois campos do Saber? Retomamos aqui questões inseridas no
campo dos Direitos Humanos e da Justiça Social. Consideramos também a atuação do
psicólogo como perito e assistente técnico do Poder Judiciário, também estabelecida
numa das resoluções do CFP.

No Capítulo 7, trouxemos uma compreensão ética em Psicologia para a conduta,


avaliação e tratamento de dependentes químicos. Para tanto, trouxemos uma
contribuição importante e necessária na área da Psicologia, de modo a considerar
fatores socioeconômicos – que interferem na qualidade de vida de uma população e de
uma sociedade; e valores e condutas éticas nesse cuidado e tratamento, que são:

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»» atitude preventiva;

»» qualidade de vida e bem-estar social;

»» respeito à diferença cultural e repúdio à discriminação e;

»» valorização da vida e da singularidade humana.

Nesse contexto, embarcamos mais uma vez no âmbito de uma Ética contemporânea ou
de uma Ecologia Humana – que visa uma integração social e compreensão do homem
como esse ser integral.

No Capítulo 8, abordamos a dimensão ética do trabalho do psicólogo de trânsito.


O que visa promover, basicamente: políticas de segurança no trânsito, acessibilidade
universal aos transportes públicos, integração física e tarifária, facilitação do transporte
de pessoas e cargas. Ressaltamos, nesse âmbito, a questão da atuação da Psicologia
também no campo da Mobilidade Urbana – que é compreendida como o conjunto de
interações dos deslocamentos de pessoas e bens com a cidade. Assim como ressaltamos
a importância do trânsito e da mobilidade urbana no contexto do nosso país: panorama
brasileiro.

Em nossas considerações finais, retomamos os aspectos que envolvem uma atuação


do profissional de psicologia no contexto de uma Ética, assim como de uma Bioética
das relações humanas e sociais sustentáveis, assim como lançamos novos itens de
constituição e estruturação de uma Ética em Psicologia, em seu contexto social,
econômico, cultural – e, por conseguinte ─ do trânsito e da mobilidade urbana.

Desejamos a todos uma excelente leitura e um ótimo aproveitamento do conteúdo


desse curso.

Bom trabalho!

Objetivos
»» Contextualizar e conceituar a Ética, como um ramo da Filosofia ─ como
uma doutrina da conduta humana, e como uma doutrina da conduta do
profissional de Psicologia.

»» Apresentar a Ética em Psicologia no contexto do seu Código de conduta


profissional.

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»» Compreender a Psicologia como uma ciência que valoriza a vida, a saúde
e o ser humano.

»» Compreender a Bioética como uma Ética contemporânea integrada com


a Psicologia e os Direitos Humanos.

»» Apresentar uma ética de conduta do profissional de psicologia em relação


com a Sexualidade ─ e sua constituição humana.

»» Apresentar o exercício profissional do psicólogo em assuntos judiciais


e periciais, visando uma atuação articulada entre Direitos Humanos e
Justiça Social.

»» Apresentar uma contribuição ética da Psicologia na avaliação e


tratamento de dependentes químicos, contextualizando sua dimensão
social e econômica.

»» Apresentar o conceito de Ecologia Humana, no contexto de uma visão


mais integralizada do ser humano.

»» Abordar e conceituar o trabalho do psicólogo de trânsito e sua função


social na mobilidade urbana.

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ÉTICA EM UNIDADE ÚNICA
PSICOLOGIA

CAPÍTULO 1
Ética, Moral e Lei

Na medida exata em que o homem passa a organizar sua vida socialmente,


desenvolve-se também a dicotomia das relações entre o sujeito e a norma. (...)
A contraposição entre sujeito e norma está no ponto de partida ineludível de
nosso tema. Realmente, estabelecidos os dois termos, delineia-se o contraste
entre o universal e o singular. (BORNHEIM, 1992, p. 247)

Nesse âmbito, segundo Bornheim (apud NOVAES, 1992) a problemática da Ética vem
arraigada a uma dicotomia que se estabelece entre as relações entre o indivíduo e a
norma. No contexto das tramas sociais, emergem tais polos antitéticos que buscam um
equilíbrio, assim como a vigência e legitimidade da norma.

Conforme esse mesmo filósofo contemporâneo, tal dicotomia entre o sujeito – que
só surge tardiamente – e a norma pode ser expressa pelo contraste entre universal e
singular. Deste modo, o sujeito apresenta-se como uma realidade singular datada no
espaço e no tempo, isto é, finita, que se constitui numa historicidade peculiar: plano do
indivíduo.

Já a norma ou convenção social é caracterizada, segundo esse autor ─ na sociedade


humana ─ pela crença no fundamento divino desta, ou seja, “são os deuses que falam e
tudo garantem.” (p.248). Aqui, o filósofo retoma a questão do fundamento primeiro e
último de todas as coisas que estão na crença de um Ser Superior.

Ainda sobre a noção de sujeito contemporâneo, que só constitui-se tardiamente, temos


uma contribuição fundamental aqui da ciência psicanalítica. Para a psicanálise, o sujeito
constitui-se ─ minimamente ─ na temporalidade de seus acontecimentos psíquicos,
noção que se encontra diretamente ligada ao conceito de “posterioridade”, dentro da
mesma abordagem. O termo “posterioridade” remete à própria estruturação subjetiva

11
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

em psicanálise, que acontece numa temporalidade peculiar, e assim evoca seu duplo
sentido: progressivo e regressivo.

A noção de sujeito em psicanálise perpassa toda a obra freudiana em seus âmbitos


de compreensão da sua teoria e técnica analíticas, de modo que, esse conceito é uma
referência permanente e constante em Freud, conforme Cabas (2009). Nesse âmbito,
o sujeito é acometido de suas experiências psíquicas, de modo que ele sofre tais
acontecimentos:

Essa noção atravessa, em toda a sua extensão, a doutrina analítica. (...)


Significou uma redefinição do que é a experiência humana. Isso, por sua
vez, deu origem a um novo saber. Um saber sobre o sentido, o alcance,
a meta e a razão do ato. Do ato enquanto humano. E o que conhecemos
como elaboração freudiana. Por tudo isso, na obra de Freud a noção de
sujeito é uma referência permanente e sempre presente. Uma referência
constante. Porém, implícita. (CABAS, 2009, p. 13)

Portanto, temos aqui dois polos que se apresentam na constituição de uma Ética
Contemporânea:

1. O Sujeito: que representa o singular.

2. A Lei (ou Norma): que representa o universal.

Segundo Sá (2014), a Ética é uma preocupação milenar da Filosofia e, deste modo, está
distribuída em obras de diversos pensadores desde a Antiguidade até os tempos atuais.
Assim, esta pode ser entendida como a ciência da conduta humana perante o ser e
seus semelhantes. Tal prática é concebida como uma ação virtuosa ou uma virtude no
sentido de promover o bem social e a felicidade dos seres.

Na Antiguidade, temos o exemplo clássico do filósofo Aristóteles e sua proposta humana


de busca da felicidade:

Figura 1.

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

Já que a felicidade é atividade da alma, deve-se proceder ao exame da


virtude: talvez deste modo possamos entender melhor também o que
seja a felicidade. À virtude, vê-se também o homem verdadeiramente
político dar toda a sua atenção, porque ele quer fazer os cidadãos
bons e obedientes às leis. (...) E, devendo proceder-se ao exame da
virtude, entende-se, da virtude humana: pois o bem que procurávamos
é humano, e humana a felicidade que se buscava. Virtude humana,
chamo eu não a do corpo, mas a da alma e, por felicidade entendo uma
atividade da alma. (ARISTÓTELES, A Ética, p.53-54)

Conheça mais sobre a perspectiva desse filósofo clássico em “ A Ética”


(ARISTÓTELES).

Nesse âmbito, buscamos aqui a compreensão da Ética como uma atitude e um


posicionamento do homem diante de seu contexto social e político.

Ainda conforme Sá (2014), a Ética – na ótica dos pensadores clássicos ─ pode ser
compreendida a partir de duas perspectivas:

1. Como ciência que estuda a conduta do homem.

2. Como ciência que busca critérios e modelos de conduta adequada ou


conveniente:

O primeiro situa-se no campo do ideal e o segundo no das forças


que determinam a conduta, ou seja, das causas que levam ao ato
comportamental do ser. Um estuda a essência ou natureza e, outro, os
motivos ou relações que influem sobre a conduta.

Embora seja possível identificar tais posicionamentos, no


aprofundamento das obras dos tratadistas, a realidade é que
entrelaçamos e mesclas diversas foram e ainda são operadas.

Comum entre tais aspectos é, todavia, a análise do bem, como prática


de amor em suas variadas formas; igualmente relevante destaca-se o
da conduta respeitosa que evita prejudicar a terceiros, bem como ao
próprio ser. (p. 04)

Temos então que, a Ética constitui-se como uma problemática existencial


contemporânea que contrapõe o Sujeito versus a Norma. E também que, em seu

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

fundamento constituinte, essa ciência faz referência a dois aspectos principais,


que são:

1. Ciência que estuda a conduta do homem.

2. Ciência que busca adequar as virtudes humanas a sua conduta e a seu


comportamento - convenientes ao Bem Comum, ou Bem estar social.

Ética como ciência da conduta humana


Conforme Sá (2014), os pensadores modernos buscaram compreender a Ética segundo
o ideal do bem e a conduta do ser. Deste modo, ele reafirma que “como móvel de
conduta humana, a Ética tem uma concepção de objeto da vontade ou das regras que a
direcionam” (p.15).

Neste âmbito, a Ética envolve uma gama de aspectos constituintes do próprio Estado ou
da própria Sociedade, que remetem ao seu Bem-estar social ou prática do Bem Comum:

A vida feliz, prazerosa, adequada, o bem-estar, pela racional prática


da virtude, a sociedade, o Estado, as posições hedonísticas etc.; como
ideais imaginados para o bem, como matérias que se tornaram objetos
de estudos através da Ética, deixam de assumir o papel principal como
objeto isolado de indagação, quando se busca o conhecimento da
conduta, como prioridade.

Não é, pois, a coisa em si, mas como se pode consegui-la, quais os


caminhos que a esta conduzem que se torna o embrião do que se busca
conhecer como verdadeiro, ou, pelo menos lógico. (...).

O bem passa a ser uma decorrência do móvel da conduta, ou ainda,


o que se consegue através de seguir-se tal ou qual direção. (SÁ, 2014,
p.17)

Neste sentido, a Ética e as ciências contemporâneas ganham um corpo único e articulado


na coordenação da conduta humana. Ou pelo menos assim direcionam o seu propósito
de conduta e comportamento, assim como a gestão do Bem Coletivo.

A Ética, como um estudo visando apresentar o que se deve buscar para


que se sinta e se pratique o bem, hoje acolhida de forma relevante,
também foi a forma de entender do pensamento da Idade Clássica,
inclusive como o veículo para o prazer ou felicidade, mas , no decorrer

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

do tempo, arrefeceu-se na Idade Média, para, depois, tomar força


quando do Renascimento. (SÁ, p. 18)

Nesse contexto, alguns conceitos, valores ou características humanas destacam-


se na conduta em prol do Bem Comum, tais como autonomia, liberdade, felicidade,
responsabilidade, conservação e consciência ética:

Sendo a conduta observável, uma consequência de vontade e esta de


uma consciência, tudo o que reside nas áreas da mente, do espírito,
interessa ao estudo da Ética. (SÁ, p. 49)

Aqui, esse autor retoma o conceito de consciência ética, como oriundo do campo da
Ética e da Filosofia como um todo. A consciência, nesse âmbito, resultaria da relação
íntima do homem consigo mesmo e a consciência ética, de uma relação com a prática
social, de modo a vincular-se com a conduta do homem em sua convivência coletiva ou
social.

Nesse contexto, destaca-se a noção de preocupação ou conhecimento científico, assim


como de objeto de estudo no ramo da Ética. O objeto do conhecimento aqui pode ser
delimitado como matéria das relações entre a vontade e a conduta e, portanto, a ciência
passa a se questionar sobre quais condições a vontade se opera:

Em verdade , tudo o que pode ser objeto de conhecimento pode ser


também objeto de ciência, desde que se condicione à disciplina do
método e tenha por meta encontrar realidades ou sustentações lógicas.
(...)

O que torna científico um conhecimento não é a opinião isolada deste


ou daquele pensador, mas o rigor com que, de forma racional, estuda-se
um objeto determinado, sob um aspecto especial, metodologia definida,
tudo na busca da explicação de acontecimentos que possam ter validade
geral e aceitabilidade lógica. (SÁ, p. 46)

Assim, destacamos aqui três características fundamentais do conhecimento científico:

»» rigor metodológico em seu objeto de estudo;

»» validade geral de suas descobertas – generalização; e

»» aceitabilidade lógica.

Nesses termos, concebemos a Ética como ciência que também se (re)constitui no


campo do Conhecimento Moderno, isto é, no que nos concerne a Modernidade como
Idade a partir da razão e do conhecimento lógico. Destacam-se aqui conceitos tais como

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

vontade, conduta e consciência ética: todos elencados segundo a perspectiva de uma


Ética contemporânea.

No campo de Ética, a consciência possui um aspecto peculiar de observação que


vai desde seu conceito até os ângulos de seus conflitos com as práticas sociais.

(...) Para a filosofia, em nossos dias, a consciência resulta da relação íntima do


homem consigo mesmo, ou seja, é fruto da conexão entre as capacidades do ‘eu’
e aquelas das energias espirituais, responsáveis pela nossa vida.

Reside, pois, no interior de nós mesmos, um elo cujos limites não estão
demarcados no campo da ciência e que liga o que de mais íntimo possuímos
com o que de mais exterior de nós se relaciona com o mundo ambiental; para
a filosofia, simplesmente, reconhece-se que dessa condução resulta um estado
que é o da consciência. (SÁ, 2014, p.65,66)

Inventário ético do indivíduo moderno –


características essenciais
Retomando a problemática de invenção do sujeito moderno – em sua
singularidade e historicidade ─ em contraponto com a lei ou convenção social,
temos que características e valores são instaurados como peculiares a esse
sujeito, segundo Bornheim (apud NOVAES, 1992):

1. Autonomia: essa característica remete à singularidade do indivíduo


que passa a desvincular-se das representações universais para
constituir-se numa experiência subjetiva única e própria.

... Já para os modernos, a biografia passa a desvincular-se desse


plano dos universais, prende-se à unicidade do singular, até
alcançar a epidemia de biografias de que já fala Nietzsche.
(BORNHEIM, 1992, p. 249)

»» Segundo esse autor, tal individualismo é pressuposto do projeto


burguês e assim constitui-se na modernidade como ponto inaugural
do pensamento racional ou cartesiano.

2. Valorização do trabalho: o trabalho surge como uma práxis


instauradora do próprio homem, de modo que, torna-se meio de
desenvolvimento de sua personalidade. Tal práxis acaba por constituir
o objeto:

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

...é pelo trabalho originário que as coisas se fazem presentes no


homem, e ele vai aos poucos construindo o seu mundo. E bem
mais tarde é que vai se constituindo também o sujeito. (...)

... o que tem início com a proposta do projeto burguês é essa


aventura em tudo inédita do individualismo, através da qual um
homem novo é arrancado de suas raízes multimilenárias. O tributo
do passado, quando presente, insere-se agora em coordenadas
surpreendentemente revolucionárias. (p. 248);

3. Introdução da propriedade privada: o advento da burguesia traz


convenções típicas dessa classe social, tal como a propriedade privada:

o burguês, como que emoldurando os seus procedimentos de


autoafirmação, despreocupa-se da cidade e limita-se à construção
do muro que protege a sua própria casa. (BORNHEIM, 1992, p.250)

»» Podemos notar aqui o surgimento da propriedade privada como


prioridade em relação ao espaço público, assim como a noção de
privacidade.

4. O Capitalismo: que, segundo Bornheim (1992), ilumina toda a


edificação burguesa. O capital é promovido como recurso e condição
econômica de sustentação e troca de uma sociedade:

O progresso econômico perpetra uma das maiores “perversões”


da história: o dinheiro, essencialmente um meio para favorecer as
trocas, é promovido à condição de fim em si mesmo. Percebe-se
que tudo é feito para alicerçar da maneira mais sólida possível a
autonomia do homem burguês. (p. 250)

5. Conhecimento humano: segundo Bornheim (1992), instaura-se


uma nova maneira de entender o funcionamento e o sentido do
conhecimento humano. Aqui, retomamos a questão da construção do
objeto do conhecimento, que passa – segundo esse autor – por uma
transformação que implica dois aspectos decisivos:

›› há uma intromissão do sujeito na construção do objeto; e mais

›› o objeto construído presta-se agora à manipulação por parte do


homem: fato fundador da modernidade.

6. Concepção cartesiana da Liberdade:

Com Descartes, pelo conhecimento, o homem passa a ser senhor


do objeto. Descartes comete o feito de restringir a liberdade ao

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

livre-arbítrio... Trata-se de afirmar que o homem, pelo livre-arbítrio,


promove-se à condição de senhor – senhor de sua escolha (...)

Agora, a novidade concentra-se num único ponto, verdadeiro


pressuposto de toda a doutrina: o indivíduo humano entendido
como realidade autônoma. (p.251)

Assim, retomamos então a questão da construção do conhecimento humano, que


passa a ser realizado com autonomia pelo sujeito do conhecimento moderno, que tem
capacidade intelectual e escolha próprias.

Nesse âmbito, retomamos nossa questão introdutória de conciliação entre sujeito e


norma ou contrato social:

É precisamente a instituição da autonomia que vai equacionar toda


densidade desse drama maior, verdadeiro contraponto da autonomia e
que irá, em larga medida, pautar o seu desdobramento histórico. Penso
aqui na intrincada questão do contrato social:

Se cada indivíduo vem resguardado em sua própria autonomia, em que


bases pode-se estabelecer a vida social? Como conciliar o individualismo
com as exigências inexoráveis da existência comunitária? (BORNHEIM,
1992, p. 252)

Encontramos aqui o fundamento de nossa questão ética inicial: individualismo ─


singularidade ─ versus existência comum ─ coletividade. A solução é apontada por esse
autor por via da Ideia de Renascimento. Isto é, o homem enquanto indivíduo é lançado
como representação do social. Ele pertence a uma coletividade de regras, normas,
costumes, valores e crenças. E, assim, reflete, representa e é lançado em um universo
maior de sua existência e constituição subjetiva.

Moral e Lei

(...) Tomás de Aquino diz que “a Lei não é outra coisa senão uma ordem
da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem o cuidado
da comunidade.” (...) Em contraste com essa posição, Austin vê a lei
como um fato social brutal baseado no poder, o qual pode ser exercido
para o bem ou para o mal... ‘ uma lei é um comando que obriga uma
pessoa, ou as pessoas. (Lyons, 1990, p. 17 )

Segundo Japiassu e Marcondes (1990), a Moral pode ser compreendida em dois


sentidos fundamentais:

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

1. Em um sentido amplo – enquanto teoria dos valores que regem


a ação ou conduta humana: aqui o sentido de Moral aproxima-se do
sentido da Ética, como sinônimos.

2. Em um sentido mais restrito – a Moral refere-se a um conjunto de


costumes, valores e normas de conduta que são estabelecidos
e assim pertencem a uma sociedade ou cultura específica. Esse
segundo sentido interessa-nos aqui no intuito de distinguir Moral e Ética.

Pode-se distinguir entre uma moral do bem, que visa estabelecer o que
é o bem para o homem – sua felicidade, realização, prazer etc., e como
se pode atingi-lo – e uma moral do dever, que representa a lei moral
como um imperativo categórico, necessária, objetiva e universalmente
válida. (JAPIASSU e MARCONDES, 1990)

Nesse contexto, temos que a Moral rege as leis e os costumes de determinada cultura ou
grupo social e assim, forma seus valores e conduz seus comportamentos e suas atitudes:

Será a lei apenas fato social? Ou será que ela tem algum contato
essencial com a moralidade?

Parece existir pouca dúvida de que a lei interage com as opiniões morais.
As leis governando a conduta sexual, o uso de substâncias narcóticas,
a propriedade, os contratos e um grande número de outros aspectos
motivados por ideias sobre os direitos e responsabilidades morais...
A lei também tem um impacto importante nas atitudes morais; sua
imposição, por exemplo, tende a impor os valores que ela reflete.
(LYONS, 1990, p. 65)

Temos assim, uma ligação intrínseca entre Lei e Moral, pois aqueles que estabelecem
as leis gerais ou constituintes de uma sociedade estão regidos por uma Moral específica
e peculiar.

As leis, em seu sentido mais amplo, são relações necessárias, derivadas


da natureza das coisas; e, nesse sentido, todos os seres têm suas leis.
(MONTESQUIEU, apud JAPIASSU e MARCONDES, 1990, p.148)

Conforme esses autores, podemos estabelecer uma distinção clássica entre dois
aspectos da Lei:

1. Lei humana – que regula as relações entre os homens em sociedade


e, assim, tem um caráter convencional, prescritivo, normativo e são
originárias do uso, do costume e das práticas sociais.

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

2. Lei natural – que descreve os princípios que regem os processos naturais


e são, assim, universais e necessárias.

Temos ainda as leis científicas que, segundo os mesmos autores, são aquelas que
estabelecem relações mensuráveis, universais e necessárias entre os fatos e, deste
modo, permitem certa previsibilidade dos acontecimentos.

Nesse contexto, estabelecemos uma relação entre Moral e Lei. Temos que a Lei ─ ou
convenção social – remete à questão do conhecimento humano, natural e científico;
aliada à conduta ─ ou à Moral ─ que retoma a problemática do sujeito e sua historicidade
ou processo de constituição histórica:

Se por Moral entendemos um conjunto de normas e regras destinadas a


regular as relações dos indivíduos numa comunidade social dada, o seu
significado, função e validade não podem deixar de variar historicamente
nas diferentes sociedades. (VAZQUEZ, 1969, p.25)

Segundo Vazquez (1969):

A Ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência


humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral,
considerado na sua totalidade, diversidade e variedade.

(...) A ética parte do fato da existência da história da moral, isto é, toma


como ponto de partida a diversidade de morais no tempo, com seus
respectivos valores, princípios e normas. (p.11)

Assim, temos também uma relação intrínseca entre Moral e Ética, de modo que ambas
constituem-se juntas como ciências ou doutrinas da conduta e do comportamento
humano numa determinada época, cultura e classe social.

Nesse âmbito, a Moral é compreendida como uma ciência histórica, pois trata do
comportamento do homem que é um ser que se constitui historicamente e assim, faz-
se constantemente, existindo e estando no mundo, e agindo numa realidade material e
prática.

As doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em


diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos
apresentados pelas relações entre os homens, e, em particular, pelo seu
comportamento moral efetivo. Por isto, existe uma estreita vinculação
entre os conceitos morais e a realidade humana, social, sujeita
historicamente à mudança. (VASQUEZ, 1969, p.235)

20
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

Conforme Novaes (1992), no contexto que abarca sobre os cenários éticos do mundo
contemporâneo temos que:

(...) uma moral pensada e constituída a partir da ideia do ‘vazio-vazio’,


isto é, uma moral que abole a experiência, a história presente e a
emancipação, e que leva em conta apenas uma consciência formada
de nadas cotidianos, de mil lacunas e intervalos desconhecíveis e
desconhecidos, é o ponto de partida para o artifício e as aparências.

(...) A realidade é, portanto, aquilo que é dado pela nossa ação, ou que é
pressentido como estando em nossa potência realizar...

(...) Abolir a ilusão não consiste em optar por uma “realidade” já dada,
mas em tornar-se de fato e pela ação aquilo que se simulava ser. Se
reconhecermos que a aparência é o outro lado de uma realidade e
não o seu contrário, e se nos tornamos aquilo que, de início, apenas
representávamos, abrimos caminho para a autenticidade: a moral deixa
de ser apenas objeto de teoria...

Mas vemos também a contrapartida da ética da aparência: os homens não são apenas
joguetes, escolhem por razões, têm a capacidade de agir intencionalmente, especulam
sobre o mundo e sobre o conhecimento, mudam o curso das coisas, em síntese, têm a
capacidade de iniciativa... É isso o real: agir para que as aparências realizem aquilo que
prometem.

(...) Assim, o imaginário toma corpo, isto é, passa a ter, a “aparência


necessária”: a dissimulação readquire o sentido original de, literalmente,
simulação que se perde, para se reencontrar em novos signos, desta vez
desejados. (p.14)

Nesse contexto, esse autor retoma o sentido da Moral no intuito de reafirmar a


importância da experiência humana e sua constituição histórica como conteúdo de um
corpo – ou de uma unidade ─ que é preenchido de valores, costumes e hábitos culturais,
peculiares de cada momento histórico e de cada geração.

Temos então uma realidade que é preenchida ou constituída de sentidos e significados


humanos ou sociais, em contraponto com uma moral vazia ou meramente das aparências
─ sem conteúdo ou sem ação efetiva ou real:

A moral só pode surgir – e efetivamente surge – quando o homem


supera a sua natureza puramente natural, instintiva, e possui já uma
natureza social: isto é, quando já é membro de uma coletividade. Como

21
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

regulamentação do comportamento dos indivíduos entre si e destes


com a comunidade, a moral exige necessariamente não só que o homem
esteja em relação com os demais, mas também certa consciência desta
relação para que se possa comportar de acordo com as normas ou
prescrições que o governam. (NOVAES, 1992, p. 27)

Portanto, ressaltamos aqui a formação de uma Moral que ganha um corpo social de
valores, comportamentos e costumes éticos a partir de uma experiência coletiva e
significativa de uma comunidade ou sociedade – de uma realidade essencial, em
contraposição a uma realidade vazia ou artificial.

Como você compreendeu e distingue conceitualmente Moral e Ética?


Exemplifique e articule com suas experiências profissionais ou campos do Saber.

22
CAPÍTULO 2
Ética e formação profissional

Através de seu objeto – uma forma específica do comportamento


humano – a ética se relaciona com outras ciências que, sob ângulos
diversos, estudam as relações e o comportamento dos homens em
sociedade e proporcionam dados e conclusões que contribuem para
esclarecer o tipo peculiar de comportamento humano que é o moral.
(VAZQUEZ, 1969, p. 18)

Formação profissional e ética na psicologia


Conforme Sá (2014), a profissão – na atualidade – evoca uma prática social e moral. Diz
de um serviço ou uma prática constante de um ofício em prol de uma coletividade: “A
profissão tem, pois, além de sua utilidade para o indivíduo, uma rara expressão social
e moral.” (p. 147)

Esse autor levanta alguns aspectos da profissão, em Culliver (apud SÁ, 2014), que são:

1. A realização plena do indivíduo: sua capacidade, habilidade,


sabedoria e inteligência se realizam por meio do exercício ou da prática
profissional.

2. Elevação do nível moral do homem.

3. Utilidade à comunidade, na prática de uma solidariedade orgânica.

Deste modo, destaca-se a formação da identidade profissional e contribuição ética


e social do indivíduo em coletividade. Sua formação tem um valor social que não se
restringe unicamente a uma prática de especialista:

Observada, em tese, em seu sentido geral, a profissão, como exercício


habitual de uma tarefa, a serviço de outras pessoas, insere-se no
complexo da sociedade como uma atividade específica.

Trazendo tal prática benefícios recíprocos a quem pratica e a quem


recebe o fruto do trabalho, também exige, nessas relações, a preservação
de uma conduta como os princípios éticos específicos.

23
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

(...) A consideração ética, sendo relativa, também hoje se analisa do


ponto de vista da necessidade de uma conduta de efeitos amplos, globais,
mesmo diante de povos que possuem tradições e costumes diferentes.

A profissão, como a prática habitual de um trabalho, oferece uma


relação entre necessidade e utilidade, no âmbito humano, que exige
uma conduta específica para o sucesso de todas as partes envolvidas...
(SÁ, 2014, p. 155,156)

Nesse âmbito, temos que qualquer prática profissional vincula-se a um comprometimento


social e ético, que diz respeito à formação de competências individuais e coletivas.
Assim, podemos dizer da formação e capacitação profissional como a formação de
valores e o desenvolvimento de habilidades e competências – todos articulados com
uma determinada cultura e inseridos num contexto amplo de relações sociais diversas.

Esse autor estabelece também uma vinculação entre conduta profissional e ambiência
no trabalho – ambiente e relações profissionais no desempenho ético, de modo a
reafirmar que há uma consciência ética genérica ou coletiva. Sá (2014) reafirma:

Não se pode negar que existem ambientes distintos onde as condutas


humanas se processam, se vive no trabalho e o profissional convive com
diversas e específicas formas de relacionamento. Conforme a ambiência
onde se realizam as tarefas, espécies de condutas também podem variar
para as relações profissionais.

(...) Diversos são os aspectos especiais ou condições ambientais, sob os


quais podemos observar a atuação do profissional, em seus espaços e
relações no trabalho...

Cada desempenho processa-se em um ambiente próprio, com relações


definidas, exigindo condutas compatíveis. (p. 181,182)

Na psicologia, temos um processo histórico de formação e profissionalização desse


profissional e nessa área. Conforme Pereira e Neto (2003), o conceito de profissão
refere-se a um tipo de trabalho especializado, que fora fundado teoricamente. Isto é,
qualquer profissão precisa passar por um processo histórico de fundação e assim ser
reconhecida e regularizada.

Segundo Pereira e Neto (2003), a Psicologia teve três momentos históricos marcantes
para a sua instituição e reconhecimento enquanto Ciência e Profissão. Neste contexto,
esses autores apresentam uma proposta de periodização para a história da prática
da Psicologia no Brasil, como modo de compreensão do processo de organização e
estruturação dessa profissão.

24
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

1. Primeiro período – Pré-profissional: momento em que a Psicologia não


era nem sistematizada nem institucionalizada enquanto Conhecimento
ou Prática regular – entre a criação das Faculdades de Medicina do RJ e
da BA (1833) e o final do séc. XIX (1890).

2. Segundo período – Profissionalização: período que abrange o início


da institucionalização da prática e regulamentação da profissão em
Psicologia – entre 1890 e 1975, culminando com a criação do Código de
Ética da Psicologia em 1975. Assume o mercado de trabalho em conjunto
com a Medicina e a Educação.

3. Terceiro período – Inicia-se em 1975, com a regulamentação da


profissão de psicólogo. A profissão ganha uma atuação mais ampla e
mais organizada socialmente, não se restringindo aos consultórios e
assumindo um caráter interprofissional.

No contexto do surgimento da Psicologia enquanto Ciência da conduta e do


comportamento humanos, podemos traçar uma aproximação com a Ética e, neste
sentido, estabelecer um vínculo fundamental entre essas duas ciências ou doutrinas
morais.

Segundo Vazquez (1969):

(...) como ciência do psíquico, a Psicologia vem em ajuda da Ética


quando põe em evidência as leis que regem as motivações internas
do comportamento do indivíduo, assim como quando nos mostra a
estrutura do caráter e da personalidade.

(...) A explicação psicológica do comportamento humano possibilita a


compreensão das condições subjetivas dos atos dos indivíduos e, deste
modo, contribui para a compreensão da dimensão moral. (p. 19)

Mais uma vez aqui, nos deparamos com a compreensão de uma subjetividade
contemporânea que retoma uma Ética e um Campo do Saber, que dizem respeito à
dimensão psíquica – ou psicológica ─ do sujeito: seus valores, comportamentos, e suas
crenças e condutas humanas.

À diferença do animal, o homem se encontra numa variedade de relações


com o mundo exterior (transforma-o materialmente, conhece-o,
contempla-o esteticamente etc.). Seu comportamento variado e
diverso corresponde, por sua vez, à variedade e diversidade das suas
necessidades especificamente humanas. (VASQUEZ, 1969, p. 71)

25
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Como você compreende a Ética no contexto de sua formação profissional? Que


percursos você realizou até sua escolha e prática profissional? Que relações você
pode estabelecer entre a Ética e sua área de Conhecimento?

Autoética em Edgar Morin


Nesse contexto de compreensão da conduta ética, apresentaremos uma breve
contribuição de Edgar Morin – teórico de fundamental importância para a ciência
moderna e ética contemporâneas – gênese do pensamento complexo ─ que
introduz uma abordagem sistêmica da análise e compreensão dos fenômenos
humanos. Esse filósofo preocupa-se assim com a Ética e sua função na sociedade
contemporânea, introduzindo o conceito de autoética:

Como um ser humano sintonizado com o seu tempo, Morin


reflete sobre o papel da ética nas sociedades a partir da própria
experiência. Nesse sentido, introduz um conceito que, para ele,
é emergente em dadas circunstâncias históricas e culturais: o
conceito de auto ética.

Tolerância, perdão e redenção fundem-se, criando uma noção de


ética da compreensão, que impõe a necessidade de argumentar
e refutar, em oposição a lançar-se maldição sobre os fatos ou
indivíduos da sociedade. Dessa lista de valores universais, Morin
sugere a urgência de constituição de uma identidade humanitária,
de uma consciência planetária, da ideia de Terra pátria, que
significa matriz fundamental para a ciência com consciência
e o sentimento de pertença que estabelece a ligação entre a
humanidade e a Terra. (SANTOS e HAMMERSCHIMIDT, 2012, p. 02)

Temos lançado aqui então uma ética da relação do homem com sua convivência
social, comunitária e ambiental, que será retomada mais adiante aqui, com a
compreensão da Bioética como ciência e ética das relações humanas e, mais
adiante, na compreensão de uma Ecologia Humana.

Nesse contexto, a abordagem sistêmica de Morin vincula-se também com o


conceito de autonomia ─ citado acima como um dos aspectos essenciais de
uma ética moderna e contemporânea ─ do seguinte modo:

Também a partir da Teoria dos Sistemas, Morin assume outro


princípio da Complexidade, que é o princípio da auto-eco-
organização: autonomia/dependência, pois o conceito de
autonomia só pode ser concebido a partir de uma teoria de

26
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

sistemas ao mesmo tempo aberta e fechada; um sistema que


funciona precisa de uma energia nova para sobreviver e, portanto,
deve captar essa energia no ambiente. A autonomia se fundamenta
na dependência do ambiente, e o conceito de autonomia passa a
ser um conceito complementar e antagônico ao da dependência.
(SANTOS e HAMMERSCHIMIDT, 2012, p. 03)

Introduzimos assim o conceito do pensamento complexo, inerente a uma


abordagem moderna e sistêmica ─ que abrange uma ética relacional e
complementar ─ entre ação humana, consciência, atuação profissional e
autonomia do indivíduo em seu ambiente organizacional e orgânico:

A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e


de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas
propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores.
Em vez de concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a
abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos da organização.

(...) Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas


sociais – como o formigueiro, a colmeia ou uma família humana –
e por ecossistemas que consistem numa variedade de organismos
e matéria inanimada em interação mútua. O que se preserva numa
região selvagem não são árvores ou organismos individuais, mas a
teia complexa de relações entre eles. (CAPRA, 1982, p.260)

Conforme Capra (1982), os sistemas são totalidades cujos seus componentes


estruturais estabelecem uma relação de interdependência entre si. Tais sistemas
apresentam dois aspectos fundamentais:

1. Sua atividade envolve um processo conhecido como transação,


interação simultânea e mutuamente interdependente entre
componentes múltiplos.

2. Sua natureza é intrinsecamente dinâmica, isto é, suas formas não são


estruturas rígidas, mas manifestações flexíveis, embora estáveis, de
processos subjacentes.

Nesse âmbito, a noção de sistema orgânico é vinculada à abordagem sistêmica


─ e ao conceito de autoética ─ estabelecida por Edgar Morin.

Segundo Grzybowski (2010), um sistema pode ser compreendido como uma entidade,
de modo que seus componentes covariam – dentro de uma hierarquia – de forma
interdependente dentro de seus limites (semipermeáveis e permeáveis) e assim buscam
manter o equilíbrio.

27
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Temos então duas características essenciais aqui: permeabilidade e equilíbrio.


Deste modo, o sistema aberto é caracterizado pela permeabilidade e seletividade de
seus limites. Estão em constante interação com outros sistemas em seu ambiente e são
regulados por mudanças e busca de equilíbrio.

Aqui, o conceito de totalidade torna-se essencial também, e significa que toda e


qualquer parte de um sistema está relacionada com as demais partes, de modo que o
mesmo é um todo inseparável.

O homem, como pura negatividade e possibilidade de escolha, que nasce sem


natureza certa e habita um mundo infinitamente aberto ao seu engenho e arte,
deve se preocupar, desde o momento em que nasce, sobretudo com isso: sua
liberdade e sua destinação; deve depender sempre mais de sua ‘consciência do
que do juízo dos outros’, mas deve ser capaz de estabelecer contato com todos
os outros para neste confronto construir sua própria identidade. (FIGUEIREDO,
2002; p. 23,24)

28
CAPÍTULO 3
Código de Ética da Psicologia

De variadas maneiras, a história dos estudos psicológicos está entrelaçada à


história da modernidade e às suas vicissitudes. (FIGUEIREDO, 2002)

Recomendamos a leitura do autor Luis C. Figueiredo: “A invenção do psicológico”.

Segundo Romaro (2008): algumas competências são requisitos necessários ao exercício


profissional:

1. Competência técnica.

2. Rigor ético.

3. Compromisso com a sociedade.

Nesse âmbito, uma profissão precisa estar regulamentada para que sua efetivação e
aplicabilidade ganhem mais consistência e clareza: “quando se trata de uma profissão
regulamentada, esses aspectos ganham contornos mais claros, uma vez que existem
órgãos responsáveis, com delegação do Estado, para cuidar dessas tarefas.” (ROMARO,
p. 09)

Segundo essa autora, nossa categoria profissional (a Psicologia) já surge num contexto
bem específico de movimento histórico – do exercício da democracia, vinculada às
questões políticas e sociais. Nesse contexto, criam-se os Conselhos de Psicologia, com
a meta de uma atuação profissional social e coletiva, assim como o Código de Ética
Profissional dos Psicólogos.

O atual Código de Ética Profissional do Psicólogo reflete a importância


e o reconhecimento do papel social do psicólogo ao longo das décadas,
sua inserção à comunidade e sua transparência para lidar com pontos
delicados como os dilemas éticos. (ROMARO, 2008, p. 13)

29
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

O Código de Ética do profissional de Psicologia possui uma característica diferenciada


e peculiar, pois aborda as relações humanas e assim, vincula-se também ao campo dos
Direitos sociais e humanos.

Deste modo, temos que:

A missão primordial de um código de ética profissional não é de


normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar, dentro
de valores relevantes para a sociedade e para as práticas desenvolvidas,
um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela
categoria.

(...) um código de ética não pode ser visto como um conjunto fixo de
normas e imutável no tempo. (ROMARO, p. 15,16)

Assim, temos que o Código de Ética em Psicologia aborda justamente a problemática da


conduta e do comportamento humanos, assim como suas relações sociais e, precisa ser
contextualizado e atualizado conforme a cultura e a época a que diz respeito. Portanto,
é permanente, mas modificável e até flexível; pois precisa acompanhar o movimento de
transformação de uma cultura e uma sociedade.

Nesse contexto, retomamos a concepção de Ética, nos termos de Segre e Cohen (1995),
que consideram três requisitos, que a fundamentam:

1. Percepção de conflitos psíquicos (consciência).

2. Autonomia (condição de posicionar-se entre a emoção e a razão, sendo


que essa escolha de posição é ativa e autônoma).

3. Coerência.

Julgamos que um indivíduo possa ser considerado ético quando


possua uma personalidade bem integrada, ou seja, quando tenha
uma maturidade emocional que lhe permita lidar com as emoções
conflitantes, uma força de caráter, um equilíbrio de vida interior e um
bom grau de adaptação à realidade do mundo. (SEGRE e COHEN, 1995,
p. 18)

Conforme estabelecido pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005),


temos que este está pautado no princípio geral de aproximar-se mais de um instrumento
de reflexão do que de um conjunto de normas a serem seguidas pelo Psicólogo. Deste
modo, esse código busca, conforme estabelecido pelo seu Conselho Federal:

30
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

I. Valorizar os princípios fundamentais como grandes eixos que devem


orientar a relação do psicólogo com a sociedade, a profissão, as entidades
profissionais e a ciência, pois esses eixos atravessam todas as práticas
e estas demandam uma contínua reflexão sobre o contexto social e
institucional.

II. Abrir espaço para a discussão, pelo psicólogo, dos limites e interseções
relativos aos direitos individuais e coletivos, questão crucial para as
relações que estabelece com a sociedade, os colegas de profissão e os
usuários ou beneficiários dos seus serviços.

III. Contemplar a diversidade que configura o exercício da profissão e a


crescente inserção do psicólogo em contextos institucionais e em equipes
multiprofissionais.

IV. Estimular reflexões que considerem a profissão como um todo e não em


suas práticas particulares, uma vez que os principais dilemas éticos não
se restringem a práticas específicas e surgem em quaisquer contextos de
atuação. (Código de Ética Profissional do Psicólogo, 2005).

Deste modo, temos alguns temas, campos do saber e valores que perpassam o exercício
profissional do Psicólogo e suas condutas éticas que são, basicamente: direitos
individuais e coletivos, relações sociais, diversidade cultural, institucional e de grupos
sociais e equipes de trabalho, integração social e prática coletiva.

O Código de Ética do psicólogo é composto assim dessas disposições gerais citadas acima,
dos seus princípios fundamentais e de mais 25 artigos, tratando das responsabilidades,
funções e de seus deveres e condutas profissionais; e abrangendo também as resoluções
gerais que complementam ou reiteram esse código de ética.

Os códigos de ética de diferentes categorias profissionais de saúde


fincam-se, todos eles, nas mesmas bases conceituais. Condições como
a de respeito à privacidade, à livre escolha do profissional por parte do
paciente, do consentimento informado, permeiam todos esses estatutos
legais. Eles devem ajustar-se, continuamente, às situações novas que
a evolução científica e tecnológica nos apresenta. (SEGRE e COHEN,
1995, p. 21)

Assim, temos os Princípios Fundamentais, que darão sustentação e direcionamento ao


exercício profissional do Psicólogo e suas responsabilidades, assim como disposições
gerais do Código:

31
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Nos princípios fundamentais é enfocado o respeito pelo outro e pela sua


integridade, com destaque para a promoção da liberdade, da dignidade,
da igualdade. Ao psicólogo é atribuída a função social de promover
a saúde e a qualidade de vida, de promover a análise crítica das
situações e da realidade que o rodeia e de ser agente de transformação.
A importância da formação, da responsabilidade profissional e do
aprimoramento pessoal e profissional também é destacada. (ROMARO,
2008, p. 36)

Seguem os princípios fundamentais do Código de Ética de Psicologia:

I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade,


da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos
valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de


vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de
quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.

III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e


historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.

IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo


aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da
Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.

V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da


população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos
serviços e aos padrões éticos da profissão.

VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com
dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.

VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua


e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais,
posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais
princípios deste Código.

Os códigos de Ética representam a consolidação dos princípios éticos


assumidos por uma sociedade. Considerando, entretanto, que os
princípios são mutáveis, temos que os códigos são habitualmente

32
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

retrógrados com relação ao “pensar ético”, recomendando-se


consequentemente sua análise crítica e revisão periódica. (SEGRE e
COHEN, 1995, p. 21)

Nesse contexto, é necessário e importante salientar que algumas funções foram


estabelecidas, como funções privativas do psicólogo – regulamentadas outrora
pelo Decreto 53.464, de 1964:

1. Diagnóstico psicológico.

2. Orientação e seleção profissional.

3. Orientação psicopedagógica.

4. Solução de problemas de ajustamento.

5. Colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências.

O Código de Ética, juntamente com as Resoluções do Conselho Federal de Psicologia


– CFP – regulamentam e caracterizam o exercício profissional do psicólogo. Nesse
âmbito, ─ conforme a Resolução CRP n. 003/2007 ─ temos as seguintes definições
e atribuições desse cargo:

I. Métodos psicológicos: conjunto sistemático de procedimentos


aplicados à compreensão e intervenção dos fenômenos psíquicos nas suas
interfaces com os processos biológicos e socioculturais, especialmente
aqueles relativos aos aspectos intra e interpessoais.

II. Diagnóstico psicológico: é o processo por meio do qual, por intermédio


de métodos e técnicas (atividade específica, coerente com os princípios
gerais estabelecidos pelo método) psicológicas, se analisa e se estuda o
comportamento de pessoas, de grupos, de instituições e de comunidades,
na sua estrutura e no seu funcionamento, identificando-se as variáveis
nele envolvidas.

III. Orientação profissional: é o processo por meio do qual, por intermédio


de métodos e técnicas psicológicas, se investigam os interesses, aptidões
e características de personalidade do consultante, visando proporcionar-
lhe condições para a escolha de uma profissão.

IV. Seleção profissional: é o processo por meio do qual, por intermédio de


métodos e técnicas psicológicas, se objetiva diagnosticar e prognosticar
as condições de ajustamento e desempenho da pessoa a um cargo ou

33
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

atividade profissional, visando a alcançar eficácia organizacional e


procurando atender às necessidades comunitárias e sociais.

V. Orientação psicopedagógica: é o processo por meio do qual, por


intermédio de métodos e técnicas psicológicas, proporcionam-se
condições instrumentais e sociais que facilitem o desenvolvimento da
pessoa, do grupo, da organização e da comunidade, bem como condições
preventivas e de solução de dificuldades, de modo a atingir os objetivos
escolares, educacionais, organizacionais e sociais.

VI. Solução de problemas de ajustamento: é o processo que propicia


condições de autorrealização, de convivência e de desempenho para o
indivíduo, o grupo, a instituição e a comunidade, mediante métodos
psicológicos, preventivos, psicoterápicos e de reabilitação.

Nesse caleidoscópio que é o ser humano, sempre mutável, “sempre em busca


de...”, também buscamos compreender o outro, compreender esse emaranhado
fascinante que é a mente humana, os intrincados processos mentais e as tão
variadas formas de manifestação, formas de elaboração da dor, da tristeza, da
alegria. (ROMARO, 2008, p. 39)

O Código de Ética profissional do psicólogo e as Resoluções do CFP – Conselho


Federal de Psicologia, você encontra – na íntegra – no site: www.pol.org.br.

A Ética em Psicologia encontra-se num emaranhado de sentidos e condutas humanas


que implicam subjetividades diversas no tempo e no espaço. Portanto, segundo Romaro
(2008):

A Ética é a possibilidade de refletir, de se responsabilizar, muitas vezes


de ousar, ousar pensar, questionar, ao outro e a si. É uma reflexão sobre
os costumes e as ações humanas que ocorre dentro de um contexto
sócio-político-econômico-cultural. (p.40)

Nesse âmbito, a formação acadêmica e profissional do psicólogo integra-se com sua


formação e conduta éticas, de modo que precisa estabelecer uma atuação sólida, em
constante reflexão, reconhecimento de seus limites pessoais e técnicos, assim como a
necessidade de um trabalho em equipe, intervisão e supervisão com outros profissionais.

34
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

De acordo com Romaro (2008), os dilemas éticos apresentam-se em situações passíveis


de desencadearem conflitos de interesses, sejam esses religiosos, educacionais,
econômicos, ideológicos, sociais, científicos, assistenciais, pessoais.

Assim, esses dilemas acirram questões contemporâneas, tais como aquelas relativas à
Bioética ─ na tentativa de preservar a dignidade, a possibilidade de escolha e o respeito
pelo outro, que torna-se parceiro nesse processo de transformação social.

Logo:

(...) uma formação acadêmica e pessoal sólida do psicólogo torna-se


indispensável, considerando-se a necessidade de fazer diagnósticos,
reconhecer os limites da técnica proposta, a potencialidade da situação
a ser atendida e os próprios limites pessoais do profissional.

(...) O instrumento do psicólogo é sua própria condição egóica, que se


expressa na forma como lida com seus conteúdos internos, sua formação
e com o outro (colegas, clientes, instituições ). (ROMARO, 2008, p. 42)

Nesse contexto, temos que a condição subjetiva do psicólogo – pessoal e profissional


– torna-se instrumento de conteúdos conscientes – o que a autora acima nomeou
como condição egóica – e de conteúdos inconscientes ou profundos ─ explorados pela
psicanálise ─ por exemplo, também como condição psicológica.

Grande parte das lutas da humanidade centralizam-se em torno da tarefa única


de encontrar uma acomodação conveniente – isto é, uma acomodação que traga
felicidade – entre essa reivindicação do indivíduo e as reivindicações culturais
do grupo, e um dos problemas que incide sobre o destino da humanidade é
o de saber se tal acomodação pode ser alcançada por meio de alguma forma
específica de civilização ou se esse conflito é irreconciliável. (FREUD, 1997, p. 50)

Recomendamos a leitura em Freud: “O mal-estar na civilização”.

Nesse tratado freudiano, o psicanalista nos chama atenção para o dilema essencialmente
humano entre realização individual – singular – e realização coletiva – universal. Nesse
âmbito, Freud considera que há um mal-estar inerente à condição da realização humana
em sociedade, de modo que o desenvolvimento da civilização nos impõe restrições.
Assim, tal dilema constitui-se também como um dilema ético da nossa condição
psicológica, profissional e existencial.

35
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

(...) a morte, as paixões, a sexualidade, a loucura, o inconsciente e a relação com


o outro moldam a subjetividade de cada um, e nenhuma ciência digna desse
nome jamais conseguirá pôr termo a isso, felizmente.

A psicanálise atesta um avanço da civilização sobre a barbárie. Ela restaura a


ideia de que o homem é livre por sua fala e de que seu destino não se restringe
a seu ser biológico. Por isso, no futuro, ela deverá conservar integralmente o seu
lugar, ao lado das outras ciências, para lutar contra as pretensões obscurantistas
que almejam reduzir o pensamento a um neurônio ou confundir o desejo com
uma secreção química. (ROUDINESCO, 2000; Prólogo)

Escolha um dos princípios fundamentais do Código de Ética em Psicologia,


articule-o com um dos artigos que trata da responsabilidade, atuação ou
compromisso profissional do psicólogo e relacione-os a sua prática ou
experiência profissional.

36
CAPÍTULO 4
O que é Bioética?

Face a todas as reflexões supra, que são muito poucas diante da complexa
problemática da eticidade, cremos que o princípio fundamental da Ética
deva passar basicamente pelo respeito ao ser humano, como sujeito
atuante e autônomo. (SEGRE e COHEN, 1995, p. 21)

Segundo Amoêdo (1997), a Bioética pode ser apresentada e compreendida a partir de


três aspectos, basicamente:

1. Como um novo conhecimento – que reúne os estudos dos dilemas


éticos, associados com a investigação biológica e sua aplicação na
Medicina.

2. Como um campo do saber que não se restringe à Medicina ou à


pesquisa, mas que abrange também o campo do direito à saúde, incluindo
também o acesso à assistência médica – o que trata de uma questão de
justiça distributiva.

3. Uma ciência que passa a abranger uma multiplicidade de temas


sociais tais como: saúde pública, saúde ocupacional, saúde internacional,
controle de população, saúde da mulher, e muitos outros.

A Bioética constitui-se como um ramo da Ética no contexto de assuntos relacionados à


vida e à saúde humana, isto é, ganha corpo articulado com diversas ciências ou saberes
que visam o cuidado com a saúde coletiva, assim como a humanização e o bem-estar da
população em geral.

A pessoa não nasce ética, sua estruturação ética vai ocorrendo juntamente com
o seu desenvolvimento. De outra forma, a humanização traz a ética em seu bojo.

Muitos creem que a eticidade – ou condição de vir a ser ético ─, signifique


apenas a competência para ouvir-se o que “o coração diz”. Acreditamos que essa
seja apenas uma característica de sensibilidade emocional, reservando-se o “ser
ético” para os que tiverem a capacidade de percepção dos conflitos entre “o que
o coração diz e o que a cabeça pensa”, podendo-se percorrer o caminho entre
a emoção e a razão posicionando-se na parte desse percurso que se considere
mais adequada. (SEGRE e COHEN, 1995, p. 13)

37
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Conforme Segre e Cohen (1995), a Bioética pode ser concebida em duas categorias:

1. uma que coloca em evidência questões mais contemporâneas, tais


como a preservação da espécie humana no planeta;

2. e outra que apresenta uma tese específica – que nos interessa aqui: a
de que a Bioética precisa fundamentar-se na autonomia do indivíduo
(ou dos indivíduos) – o que retoma e (re)integra a noção de subjetividade
a que já fizemos menção:

A Bioética deve fundamentar-se no princípio da autonomia, como


síntese dos direitos universais (de todos os homens) e das exigências
singulares de todo indivíduo, cada um dos quais é dotado, conforme
demonstra a ciência (da genética à psicanálise), de características, de
razões e de emoções que lhe são próprias.

A Bioética não pode, portanto fincar-se nem na intolerância, nem na


moral do “não”; ela deve, pelo contrário, apontar para o fazer, mais
que para o proibir, de forma que as relações entre a ética e as ciências
biomédicas sejam marcadas, ao mesmo tempo, pela liberdade do
homem e pelo respeito a todos os seres humanos (SEGRE e COHEN,
1995, prefácio)

Nesse âmbito, a Bioética apresenta-se como um ramo da Ética que visa um


posicionamento íntegro e coerente do ser humano diante de suas circunstâncias de
vida e da convivência em sociedade. Tal convivência exige uma maturidade e uma
disponibilidade de cada ser humano.

Inserida no contexto mais abrangente da Ética, assim como nós a


concebemos, vemos que a Bioética deve ser livre, considerando o mérito
de cada uma das questões inerentes à vida e à saúde humanas, valendo-
se da metodologia psicanalítica e posicionando-se altaneiramente face
aos avanços das ciências biomédicas.

O que ora se propõe é uma estratégia de abordagem, esta sim podendo


ser comum, dos problemas inerentes à vida e à saúde humana.

Bioética é, definitivamente, campo de ação e de interação de profissionais


e estudiosos oriundos das mais diversificadas áreas do conhecimento
humano... Porque a Bioética, discutindo a vida e a saúde humanas,
não apenas interessa a todos os homens, bem como requer, para essa

38
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

discussão, a bagagem do conhecimento de todos esses profissionais.


(SEGRE e COHEN, 1995, p.25/26)

Quais contribuições a Bioética pode trazer para o seu campo de conhecimento


e de atuação profissional? Que aspectos têm em comum entre tais ciências ou
experiências humanas e sociais?

(Bio)ética e Direitos Humanos


Tendo em vista a convivência e atuação do homem como um ser social e um cidadão,
precisamos considerar também os Direitos Humanos em sua constituição subjetiva e
ética das relações sociais. Segundo Cohen e Ferraz (apud SEGRE e COHEN, 1995) duas
características são fundamentais do ser humano:

1. Sua individualidade.

2. Sua convivência social.

Neste âmbito, tais autores reafirmam que os direitos humanos só podem ser pensados
e concebidos a partir do conhecimento de uma ética das relações humanas:

Portanto, ser ou não ser um ser humano é algo que varia não somente
por uma característica própria que se busca valorizar, mas também
segundo a cultura à qual se pertence. (p. 38).

Deste modo, retomamos o fundamento existencial do ser humano que, segundo uma
abordagem Psicogenética, são sua ontogênese – evolução/desenvolvimento do
indivíduo, e filogênese – evolução da espécie/cultura humana. Temos uma imbricação
aqui do desenvolvimento humano, que se constitui numa relação entre indivíduo e
cultura e que, essencialmente, trata de uma ética das relações humanas e seus processos
de constituição e desenvolvimento subjetivos.

Temos uma Ética das relações e da convivência social que embasam os direitos humanos:

A nossa compreensão da ética está baseada na capacidade que o


indivíduo possui para lidar com o conflito entre o bem e o mal que surge
sempre frente a algum fato que exija um posicionamento, o que está
sempre presente em qualquer atitude humana. (COHEN e FERRAZ,
1995, p. 41)

39
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Originalmente, os direitos humanos fundaram-se a partir da proclamação


da Carta dos Direitos Humanos, proposta pela ONU – pós -segunda Guerra
Mundial, que proclamaram os seguintes direitos e liberdades fundamentais do
homem:

1. Direito à liberdade.

2. Direito à segurança pessoal.

3. Direito a um julgamento justo.

4. Direito à privacidade.

5. Direito à inviolabilidade do domicílio.

6. Direito à nacionalidade.

7. Direito à propriedade.

8. Direito à livre expressão do pensamento.

Portanto, estamos dizendo que não nascemos éticos, mas que nos
tornamos éticos através do nosso desenvolvimento. Isto quer dizer
que passamos dos direitos humanos a uma ética das relações, que,
não sendo inata, deve ser apreendida por todos os indivíduos que
desejam se relacionar. (COHEN e FERRAZ, 1995, p. 39)

Portanto, o que temos aqui é a formação de um sujeito – um sujeito ético – que


é reconhecido assim por uma constituição subjetiva peculiar e única – que é um
sujeito relacional – das relações sociais. Aqui, resolvemos – por hora ─ nosso
dilema inicial entre sujeito e lei, pois as normas ou leis sociais só podem ser
estabelecidas a partir de uma constituição fiel ao próprio sujeito e sua dinâmica
da convivência social.

Trata-se de uma Ética das relações, que precisa fundamentar-se nos conceitos,
valores, costumes e condutas dos indivíduos de uma determinada cultura:
em grupos sociais. Pressupõe, assim, a noção de alteridade – de um outro
social e cultural que está em permanente relação, construção, diferenciação,
transformação e convivência social.

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

Se tomarmos a afirmação de Kohlberg (1963) de que o estágio mais avançado da


ética é aquele em que o sujeito leva em conta a igualdade dos direitos humanos,
bem como o respeito à dignidade dos seres humanos como pessoas individuais,
..., temos uma conclusão que é a de que toda ética das relações deve basear-se
no respeito à dignidade do outro. (COHEN e FERRAZ, 1995, p. 47)

Conforme Cohen e Ferraz (1995), assim podemos dizer do reconhecimento do


sujeito ético:

O princípio do reconhecimento da dignidade da natureza


racional do ser humano, se tomado em sua radicalidade, só é
factível ao abrigo de um sistema democrático. Mais do que isso:
à medida que este princípio pressupõe a igualdade dos direitos
humanos e o reconhecimento de todos os seres humanos como
pessoas individuais, já se leva em consideração o respeito pelo
minoritário e pelo diferente... o próprio senso de justiça que tem
seu aparecimento no ser humano exatamente a partir do processo
de constituição de um sujeito ético. (p. 48)

Veja também:

»» Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos: UNESCO


/2005.

»» Declaração de Bioética de Gijón: SIBI (Sociedade Internacional de


Bioética) /2000.

No ano de 2000, no Congresso Mundial de Bioética de Gijón, na Espanha,


foi aprovada a Declaração de Bioética de Gijón, que afirma que a ciência
e a tecnologia devem ser compatíveis com a preservação dos direitos
humanos, especificando quinze observações e recomendações, que em
sua essência enfatizam a necessidade de o desenvolvimento científico e
tecnológico servirem ao bem-estar da humanidade, independentemente
do desenvolvimento econômico dos países. (ROMARO, 2008)

41
CAPÍTULO 5
Ética e sexualidade na Psicologia

Bissexualidade – Noção que Freud introduziu na psicanálise


por influência de Wilhelm Fliess: todo ser humano teria
constitucionalmente disposições sexuais simultaneamente
masculinas e femininas que surgem nos conflitos que o sujeito
enfrenta para assumir o seu próprio sexo. (LAPLANCHE e PONTALIS,
p.55, 2008)

O Código de Ética em Psicologia é complementado por resoluções que o Conselho


Federal de Psicologia – CFP ─ acorda e publica como normas a serem seguidas por
seus profissionais, à medida que vão surgindo questões práticas, sociais e políticas que
precisam estar regulamentadas, conforme o exercício de sua profissão.

Nesse âmbito, temos a Resolução do CFP, de 22 de março de 1999, que estabelece


normas de conduta do profissional de psicologia em relação à orientação sexual. Dentre
seus principais artigos, temos os seguintes:

Art. 1o Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão


notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção
e bem-estar das pessoas e da humanidade;

Art. 2o Os psicólogos deverão contribuir, com o seu conhecimento, para


uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações
e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou
práticas homoeróticas;

Art. 3o Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a


patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem
adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para
tratamentos não solicitados;

Art. 4o Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão e


pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa,
de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos
homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

Elencando esses quatro artigos em relação à conduta ética dos profissionais de Psicologia
no que tange à orientação sexual, temos que tal resolução reafirma o posicionamento
contra qualquer tipo de discriminação ou estigmatização social. O que condiz com os

42
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

princípios da autonomia, exercício da liberdade e responsabilidade, já mencionados


aqui e presentes na (Bio)ética contemporânea.

Autonomia e responsabilidade constituem as bases de uma dialética que


nos ajuda a formar nosso ethos comunal. Compreende-se por autonomia a
capacidade de auto-governar-se. Implica a habilidade para dirigir o próprio
destino. (MUÑOZ e ALMEIDA, apud COHEN e SEGRE, 1995, p.93)

Nesse âmbito, retomamos a responsabilidade do psicólogo como profissional de Saúde


e agente de transformação, contextualizado numa Ética contemporânea das relações
sócias. Assim, nos termos da Psicologia – e da Psicanálise ─ a sexualidade é compreendida
como um componente subjetivo do desenvolvimento humano que precisa ser visto e
cuidado também. Traremos aqui perspectivas em psicologia a respeito dessa temática
da constituição humana.

As colocações e constatações puramente psicológicas da psicanálise sobre o


inconsciente, o recalcamento, o conflito que leva à doença, o lucro extraído da
doença, os mecanismos de formação dos sintomas etc., gozam de crescente
reconhecimento e são considerados até mesmo por aqueles que em princípio
as contestam.

(...) Mas convém lembrar ainda que parte do conteúdo desse escrito – a saber,
sua insistência na importância da vida sexual para todas as realizações humanas
e a ampliação aqui ensaiada do conceito de sexualidade – tem constituído,
desde sempre, o mais forte motivo para a resistência que se opõe à psicanálise.
(FREUD, 1997, p. 11,12)

Nesse contexto, a Psicanálise pode ser considerada como uma abordagem que lançou
luz sobre uma teoria da sexualidade, de modo a considerá-la como fundamental na
constituição da subjetividade psíquica do indivíduo:

(...) o que nos propomos como tarefa é indicar que, sobre a concepção
da sexualidade, se sustenta uma ideia específica de subjetividade
na psicanálise – uma ideia de subjetividade própria da concepção
freudiana de sexualidade e de sua função na determinação dos destinos
das estruturações subjetivas. (CELES, 1995, p.15)

A sexualidade ocupa, assim ─ em psicanálise ─ uma função estruturante no


desenvolvimento do indivíduo, de modo a determinar traços e características de sua
subjetivação – determinando estruturas e posicionamentos próprios e peculiares de
cada ser humano.

43
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Ao mesmo tempo que a compreensão de Freud não se faz historicista, ela mantém
referência temporal, e isso segundo uma ideia própria da temporalização, no
duplo movimento imposto pela sexualidade, o da conservação do antigo e o
da modificação do antigo pelo novo, duplo movimento que se atualiza como
presença diferida. Esta particular compreensão da temporalização do tempo que
não se desfaz da diferença temporal entre eventos (cenas), mas a prioriza, fazem
o entendimento, mas não historicista, embora segundo uma compreensão
histórica própria (gênese de uma estrutura e estrutura de uma gênese ), com
sentido de temporalização, imposta pela sexualidade, ‘deste ente que somos
nós’. (CELES, 1999)

Nesse âmbito, temos uma compreensão da sexualidade ─ em psicanálise – que é


arraigada a uma concepção de temporalidade, isto é, a constituição subjetiva acontece
e é marcada temporalmente numa relação intrínseca com a sexualidade, compreendida
no campo do desenvolvimento psíquico do indivíduo e suas formações corporais e de
personalidade.

Assim, é importante salientar aqui que a noção de sexualidade em Freud não corresponde
ao corpo anatômico, e sim às funções, posições e configurações subjetivas que vão sendo
despertadas e afloradas conforme o desenvolvimento psíquico do indivíduo.

Nos termos de André (2011), em sua compreensão da diferença sexual, podemos


ressaltar que:

(...) o que se trata de apreender não é uma diferença entre órgãos ou


cromossomos que determinam nossa configuração, mas uma diferença
dos sexos – esse termo designando aqui para além da materialidade
da carne, o órgão enquanto aprisionado na dialética do desejo... : a
realidade do sexo não é o real do órgão anatômico.” (p.11)

Nesse âmbito, nos deparamos com a noção de pulsão sexual, em Freud – que corresponde
justamente a esse conceito “entre” o corpo orgânico ou anatômico e o psíquico.

Em Freud, são definidas fases do desenvolvimento psicossexual – oral, anal, fálica,


período de latência e genital ─ que estão presentes em todo e qualquer indivíduo, e que
vão se organizando conforme a estruturação subjetiva de cada um:

As fases sexuais do desenvolvimento psíquico, em Freud, em síntese, são:

44
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

1. Fase oral: entre 0 e 2 anos de idade – a criança tende a se desenvolver


a partir das sensações e relações ligadas à boca. Seu objeto pulsional
consiste no fenômeno psíquico da incorporação pela boca.

2. Fase anal: entre 2 e 4 anos de idade. A relação de objeto é iniciada


como o processo de passividade e atividade como modos constituintes
de seus envolvimentos ou relacionamentos com o outro.

3. Fase fálica: a partir dos 5 anos de idade até o período de latência. Aqui,
a criança inicia mais propriamente sua relação com a sexualidade. Já
apresenta relações com objetos direcionados a seus impulsos sexuais
através da formação de fantasias.

4. Período de latência: até a puberdade. Nesse período, ocorre um


intervalo nas fantasias eróticas e nos impulsos sexuais. A criança está
mais voltada para intenções sociais sublimadas, isto é, não erotizadas,
tais como as produções literárias, seus estudos escolares e produções
artísticas.

5. Fase genital: da puberdade à idade adulta. Última fase do


desenvolvimento humano. Momento que se inicia na adolescência
e se prolifera com a idade adulta. Aqui, seu objeto fantasioso sai de
um caráter meramente subjetivo para alcançar os objetos externos,
ou seja, realiza-se com o outro real, numa relação sexual. Nessa fase,
já existe uma consciência da diferença sexual e o investimento em
relações interpessoais.

(Consulte FADIMAN e FRAGER, 2002)

(...) a sexualidade, nas mãos de Freud, permite uma direção de


integração na compreensão da subjetividade quanto aos aspectos do
dualismo somático e psíquico. Na verdade, as formulações levam-nos
à compreensão da subjetividade segundo três ordens de exigências:
somática, psíquica e sexual. Vemos ainda, que a sexualidade enseja uma
compreensão econômica do psiquismo, com alguns elementos de sua
dinâmica. Por outro lado, ela nos encaminha para uma compreensão
tópica, só que de uma tópica corporal. (CELES, 1995, p. 15)

45
CAPÍTULO 6
Ética em processos judiciais e periciais
em Psicologia

De todas as formas de comportamento humano, o jurídico ou legal (direito) é o


que mais intimamente se relaciona com a moral, porque os dois estão sujeitos a
normas que regulamentam as relações dos homens.

Moral e direito têm em comum uma série de características essenciais e, ao


mesmo tempo, diferenciam-se por outros traços específicos. (VASQUEZ, 1969,
p. 80/81)

Nesse contexto, Vasquez (1969) ressalta elementos comuns entre Moral e Direito, e,
também enfatiza suas diferenças essenciais, de modo que ─ na natureza do Direito ─
as relações sociais e o comportamento humano são sancionados pelo Estado e, ─ na
natureza da Moral não há essa sanção estatal, e sim uma autoridade, ou um acordo,
estabelecidos pela própria comunidade: seus costumes, normas e expressões culturais.

Conforme a Resolução CFP no 011/1998, foi estabelecida uma Comissão de


Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia:

»» Considerando imprescindibilidade do respeito aos direitos humanos


para o desenvolvimento integral do ser humano.

»» Considerando a relevância dos direitos humanos para a consolidação


e o exercício da cidadania, constituindo-se em elemento fundamental
sem o qual inexiste qualquer Estado que se queira democrático e de
direito.

»» Considerando a importância dos direitos humanos para o exercício de


toda e qualquer atividade profissional, notadamente para a psicologia
e os psicólogos.

Temos que:

1. Fica instituída, como órgão permanente do CFP, a Comissão de Direitos


Humanos.

2. As atribuições dessa Comissão de Direitos Humanos são:

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

›› incentivar a reflexão sobre os direitos humanos inerentes à


formação, à prática profissional e à pesquisa em Psicologia;

›› intervir em todas as situações em que existam violações dos direitos


humanos que produzam sofrimento mental;

›› participar de todas as iniciativas que preservem os direitos humanos


na sociedade brasileira;

›› apoiar o movimento internacional dos direitos humanos;

›› estudar todas as formas de exclusão que violem os direitos humanos


e provoquem sofrimento mental.

Nesse contexto de atuação da Psicologia em interseção com a área Judicial, precisamos


ressaltar os Direitos Humanos e o princípio da Justiça que, conforme Romaro (2008),
pode ser caracterizado assim:

O princípio da justiça pode ser perpetuado quando lutamos pelos


direitos humanos, pelos direitos das crianças, dos jovens, das mulheres
dos idosos, quando denunciamos as violações à vida, à liberdade, às
discriminações envolvendo o gênero, a raça, a cor, a condição social,
as condições inadequadas de prestação de serviços, os tratamentos
iatrogênicos e desumanos. (p.43)

Segundo Ortiz (1986):

A palavra perícia vem do latim peritia que significa: destreza, habilidade.


Conforme Caldas Aulete (1964), o adjetivo perito refere-se a doutro,
versado, hábil, experimentado, prático, e também o que procede
oficialmente a um exame médico, a uma avaliação, a uma vistoria etc.

Considerada uma prova judicial, a perícia tem a peculiaridade de


ser produzida mediante intervenção de uma pessoa encarregada de
expressamente certificar-se dos fatos para dar conhecimento deles ao
Julgador. Essa prova, que abrange todo tipo de exame, constitui-se
em espécie probatória distinta das demais porque é realizada mediante
intervenção do especialista ou “expert”.

Nesse âmbito, Silveira (2003) considera o campo da Psicologia Jurídica como uma área
de trabalho e de investigação especializada, que tem como objeto o comportamento
dos atores jurídicos envolvidos ─ função que pode ser requisitada por um juiz, ─ ao
psicólogo ─ na mediação de conflitos entre as partes do processo. Assim, o psicólogo

47
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

traz um outro olhar sobre a questão litigiosa e fornece elementos necessários para
subsidiar a decisão do juiz.

Conforme Evangelista (2000), alguns passos são necessários no planejamento da


prática do exame psicológico nas perícias judiciais:

1. Leitura e estudo dos elementos contidos nos autos do processo.

2. Motivo da solicitação do exame.

3. Entrevistas de natureza clínica-pericial com o periciando e, se necessário,


com o(s) acompanhante(s) o responsável(is).

4. Seleção, aplicação e mensuração das provas psicológicas.

5. Análise e interpretação dos resultados obtidos com vistas ao contexto


judicial.

Ao empregar a interdisciplinaridade científica nas perícias judiciais,


consideramos que não basta o bom senso e adequada orientação técnica.
É necessário ao perito munir-se de conhecimentos teóricos sobre áreas
afins, tais como: Direito, Psicopatologia Forense, Medicina Legal,
Antropologia, Serviço Social, Criminologia, Psicologia Clínica, Social,
Psicométrica, etc., a fim de apreender toda a riqueza que a situação
pericial oferece e exige do especialista. (EVANGELISTA, 2000, p. 01)

A Resolução no 017/2012 dispõe sobre a atuação do psicólogo perito em


diversos contextos. Nesse âmbito, o primeiro capítulo trata da realização da
perícia nos seguintes termos:

1. A atuação do psicólogo como perito consiste em uma avaliação


direcionada a responder demandas específicas, originada no contexto
pericial.

2. O psicólogo perito deve evitar qualquer tipo de interferência durante


a avaliação que possa prejudicar o princípio da autonomia teórico-
técnica e ético-profissional, e que possa constranger o periciando
durante o atendimento.

3. Conforme a especificidade de cada situação, o trabalho pericial


poderá contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e
institucionais, aplicação de testes psicológicos, utilização de recursos
lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas reconhecidas pela

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ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

ciência psicológica, garantindo como princípio fundamental o bem-


estar de todos os sujeitos envolvidos.

4. O periciado deve ser informado acerca dos motivos, das técnicas


utilizadas, datas e local da avaliação psicológica.

5. O psicólogo perito poderá atuar em equipe multiprofissional desde


que preserve sua especificidade e limite de intervenção, não se
subordinando técnica e profissionalmente a outras áreas.

6. O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos,


compartilhará somente informações relevantes para qualificar
os serviços prestados, resguardando o caráter confidencial das
comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber,
de preservar o sigilo.

7. A utilização de quaisquer meios de registro e observação da prática


psicológica obedecerá às normas do Código de Ética do psicólogo e à
legislação profissional vigente.

No que tange à atuação do psicólogo como perito e assistente técnico do Poder Judiciário,
temos a Resolução no 008/2010, estabelecida recentemente pelo CFP, que insere o
exercício profissional do psicólogo na mediação de conflitos ─ e interação com outros
profissionais ─ no campo judicial. Nesse contexto, temos alguns aspectos considerados
nessa resolução, dos quais destacamos os seguintes:

»» a necessidade de estabelecimento de parâmetros e diretrizes que delimitem


o trabalho cooperativo para exercício profissional de qualidade;

»» o psicólogo perito é o profissional designado para assessorar a Justiça no


limite de suas atribuições e, portanto, deve exercer tal função com isenção
em relação às partes envolvidas e comprometimento ético para emitir
posicionamento de sua competência teórico-técnica, a qual subsidiará a
decisão judicial;

»» o psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e


historicamente a realidade política, econômica, social e cultural, conforme
disposto no Código de Ética Profissional;

»» o psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que


atua e os impactos dessas relações sobre suas atividades profissionais,

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais


princípios do Código de Ética Profissional;

»» é dever fundamental do psicólogo ter, para com o trabalho dos psicólogos


e de outros profissionais, respeito, consideração e solidariedade, de modo
a colaborar com estes.

Deste modo, tal Resolução estabelece – na realização da perícia ─ que:

1. O psicólogo Perito e o psicólogo assistente técnico devem evitar qualquer


tipo de interferência durante a avaliação que possa prejudicar o princípio
da autonomia teórico-técnica e ético-profissional, e que possa constranger
o periciando durante o atendimento.

2. O psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a


realização dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento
psicológico perito e vice-versa, para que não haja interferência na
dinâmica e qualidade do serviço realizado.

3. Conforme a especificidade de cada situação, o trabalho pericial poderá


contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e institucionais,
aplicação de testes psicológicos, utilização de recursos lúdicos e outros
instrumentos, métodos e técnicas reconhecidos pelo CFP.

4. A realização da perícia exige espaço físico apropriado que zele pela


privacidade do atendido, bem como pela qualidade dos recursos técnicos
utilizados.

5. O psicólogo perito poderá atuar em equipe multiprofissional desde que


preserve sua especificidade e limite de intervenção, não se subordinando
técnica e profissionalmente a outras áreas.

Leiam as seguintes Resoluções na íntegra – site www.pol.org.br :

»» Resolução CFP No 008/2010.

»» Resolução No 017/ 2012.

Nesse contexto, temos então uma atuação peculiar e interdisciplinar da Psicologia, que
envolve a área da Justiça Social – à luz dos Direitos Humanos, num trabalho permanente
de interlocução e mediação. A Psicologia posiciona-se aqui como uma Ciência e uma
Ética específica das relações humanas e seus processos de subjetivação – respeitando
os direitos humanos e os demais profissionais envolvidos ─ e, assim, pode apresentar
seu parecer técnico e profissional.
50
CAPÍTULO 7
Ética na avaliação e tratamento de
dependentes químicos

(...) as discrepâncias constatadas não são gratuitas, mas são sintomas expressivos
do desequilíbrio, do funcionamento iníquo que marca as relações sociais
e mutilam as convivências humanas. Fatores interativos profundamente
enraizados determinam a qualidade de vida da população, resultando, pelas
suas deficiências estruturais, em carências, insatisfações e revoltas.

(...) Tenta-se compreender as raízes sociais do uso crescente de drogas, bem


como dos subterfúgios que operam na sociedade para negar, para dissimular
ou distorcer os fenômenos da margilização e de exclusão social, dos quais o
consumo de substâncias psicoativas faz parte. (BUCHER, 1996, p.9-10)

Nesse tratado de Bucher (1996), este faz uma análise do uso de drogas na sociedade
contemporânea. Deste modo, ele retoma diversos sintomas sociais que expressam e
significam falências, contrastes e conflitos presentes na sociedade e suas instituições
morais, assim como nas relações entre os indivíduos.

Esse autor preocupa-se com as raízes verdadeiras que levam às discriminações e


marginalizações sociais e, assim, ao uso (lícito e ilícito) de drogas. Deste modo, propõe
uma educação preventiva integral, em prol da qualidade de vida e bem-estar social:

Para que os esforços visando construir esse progresso sejam


verdadeiramente operativos e participativos, têm de se basear no
respeito à diferença e no repúdio a toda e qualquer discriminação,
princípio democrático elementar (...).

Querendo concretizar uma efetiva valorização da vida, a educação


preventiva integral deve incluir o respeito permanente aos valores
culturais e às necessidades e aspirações que impregnam uma
determinada população, qualquer que seja seu nível socioeconômico.
(BUCHER, 1996, p.17-18)

Nesse âmbito, esse autor propõe também a noção de uma Ecologia Humana, que
visa integrar as ações sociais preventivas. Ele conjuga a proposta de qualidade de vida
com a da ecologia humana: diz que uma avaliação da qualidade de vida da população
é influenciada pelas suas carências quantitativas e qualitativas. Entre as quantitativas,

51
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

ele destaca: saneamento básico, habitacional e nutricional e, entre as qualitativas,


enfatiza: autoconceito, tensões e suas válvulas, imaginário social, desenvolvimento
cultural e referências simbólicas prevalentes num grupo social. Todos são indicadores
da estabilidade – ou instabilidade – das interações sociais e mediações culturais.

E assim define a Ecologia Humana como o conjunto dos elementos que definem as
condições quantitativas e qualitativas da vida social nos seus ambientes natural e
cultural.

Nesse contexto, pontua:

O consumo de drogas, bem como outras formas de autoafirmação que


desviam de normas e regras convencionais, deixa-se entender nesse
contexto como resposta à deficiência ou mesmo ausência de valores
integradores e restauradores da dignidade humana. (BUCHER, 1996,
p.22-23)

Reafirma o autor:

O crescimento de anomalias nos ecossistemas humanos ameaça dois dos


seus principais fundamentos: o desenvolvimento de interdependências
estruturantes entre os pares e o respeito sagrado da singularidade ou
subjetividade. (BUCHER, 1996, p.23)

Nesse contexto, esse psicanalista contribui para uma avaliação ética do uso de drogas
em nossa sociedade para, a partir disso, advir uma proposta de tratamento e cuidado.

Enfatizamos, portanto, determinados valores ou condutas éticas:

1. Atitude preventiva.

2. Qualidade de vida e bem-estar social.

3. Respeito à diferença cultural e repúdio à discriminação.

4. Valorização da vida e da singularidade humana.

A OMS,..., a “política de drogas” a ser implantada mundialmente terá como escopo


criar estruturas mais sólidas para uma abordagem pertinente, equilibrada e
compreensiva do antigo mas tão novo fenômeno, de tal forma que se possa
imprimir um rumo inovador à mobilização comunitária, contando com suas
forças vivas de auto-organização, capazes de funcionar, quando devidamente

52
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

incentivadas e associadas, apesar de todo o anonimato do mundo metropolitano


da sociedade pós-industrial. (BUCHER, 1996, p.13)

Como fica a prevenção no caso do uso de drogas ilícitas no Brasil? Um tratamento


é possível? Como pode ser realizado esse cuidado? Quais são os tipos de
intervenção, tratamento e serviços oferecidos ao usuário de drogas no Brasil?

Numa área tão controversa e polêmica como aquela do uso de drogas, não
pode existir, de fato, intervenções ‘neutras’: toda atividade preventiva é
ideologicamente orientada, pois envolve, em permanência, questões de valores,
determinados socialmente, mas podendo entrar em choque com inclinações ou
opções pessoais, além de questões de sentido, dizendo respeito às configurações
subjetivas das realizações existências de cada um. (BUCHER, 1996, p.63)

Nesse contexto, esse autor levanta a questão da Ética no cuidado e atenção aos
dependentes químicos, assim como a questão da prevenção do uso de drogas no país.
O psicanalista enfatiza que tal Ética precisa estar fundamentada em valores, sentidos e
direitos humanos e, assim, precisa estar pautada em intervenções preventivas.

Contudo, haja vista a questão controversa levantada acima, esse autor diz que há uma
discrepância entre os objetivos previamente declarados – numa atitude supostamente
preventiva – e aqueles que são sorrateiramente almejados – num propósito ideológico.
Isto é, o que aparece é uma “ética perversa”, segundo esse psicanalista:

Perversa, ainda no sentido de escamotear a verdade, tanto sobre a


presença das drogas na sociedade e suas funções presumíveis, quanto
aos motivos reais da atuação proposta, objetivando não a redução de uso
ou abuso de drogas, mas o controle de outras ocorrências, a elas ligadas
ou não, passíveis de ameaçar os poderes constituídos. (BUCHER, 1996,
p. 64)

Nesse âmbito, esse autor retoma aspectos necessários e constituintes de uma Ética
verídica, tais como:

1. Visar a objetivos transparentes, de modo a apreender com


fidedignidade a realidade a qual se pretende intervir, como, por exemplo,
considerar cada contexto social cultural, grupo social e indivíduos na
intervenção ao uso de drogas.

2. Inspirar credibilidade e visar qualidade ética, que dependem do


conhecimento das especificidades do padrão de consumo na população

53
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

alvo, das suas características sociodemográficas – assim como de suas


organizações e modos de inserção no panorama social global. Aqui, a
credibilidade torna-se imprescindível para o alcance das metas de um
programa de prevenção.

Portanto, uma Ética verídica aspira a uma prevenção concebida como uma ação
educativa, e não repressiva – o que distingue duas concepções opostas de prevenção,
segundo o mesmo autor. Numa concepção preventiva, o problema levantado é visto
como inerente às próprias condições e inadaptações geradas por uma sociedade
determinada, e não como um fator externo. É um “mal” gerado e estabelecido pelos
próprios conflitos ou desequilíbrios presentes naquela sociedade, e assim precisa ser
analisado e cuidado.

Contudo, Bucher (1996) ainda enfatiza que:

Além das causas econômicas, sociais ou históricas intervenientes


nos fenômenos de drogadição existem outras situadas no percurso
individual de cada usuário – ficando evidente, hoje em dia, que não
se torna toxicônomo quem quer, sendo a dependência “um fenômeno
psíquico ativo”. (p. 67)

Constatamos assim que a dependência química (ou o uso e abuso de drogas) é um


fenômeno cultural que pode ser compreendido por meio de causas sociais ─ ou
universais ─ e individuais ─ ou subjetivas. Trata-se de uma multicausalidade de fatores
que exigem investigações epidemiológicas, mas também investigações subjetivas da
constituição de cada um: cada grupo social, cada comunidade, cada indivíduo etc.

Conforme Pratta e Santos ( 2009 ):

Assim, pode-se dizer que a droga, como qualquer outro elemento


presente na sociedade, segue a evolução das culturas, ou seja, os padrões,
a frequência de utilização e os tipos de drogas consumidos mudam
de uma época para outra de acordo com as condições socioculturais
existentes.

(...) Como a sociedade cada vez mais ‘coisifica’ o homem, encarando-o


como uma máquina, desumanizando-o, acaba deixando de lado valores
humanos e afetivos importantes. (p.207)

Nesse âmbito, temos a definição em Epidemologia de “fatores de risco” – que são


definidos considerando os aspectos sociais e psicológicos subjacentes. Segundo Bucher

54
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

(1996), a OMS considera alguns fatores sociais mais evidentes para pessoas em situações
de risco:

»» carência de informações adequadas sobre as drogas e seus efeitos;

»» saúde deficiente ou uma personalidade mal integrada;

»» insatisfação com sua qualidade de vida;

»» acesso fácil às drogas.

Assim como outros fatores mais específicos, tais como: predisposição depressiva,
constelação familiar desfavorável ou traumatismos psicoafetivos precoces.

Tais riscos remetem, de fato, ao componente ético da conduta humana;


cabe abordá-los nesse nível para que o conjunto das ações de prevenção
adote feições humanas e tenha alguma probabilidade de êxito.
(BUCHER, 1996, p.67 )

Portanto, tornou-se inegável a relação que existe entre os fenômenos


saúde/doença e os fatores psicológicos, sociais, políticos e ambientais,
uma vez que condições inadequadas do meio exercem influência direta
na possibilidade de um indivíduo manter a saúde. Assim, o processo
saúde/doença está diretamente relacionado à própria complexidade e
singularidade do viver humano, sendo determinado, portanto, não por
intervenção médica, mas sim por comportamentos, alimentação, pela
natureza do meio ambiente.

(...) A compreensão desses aspectos é fundamental pra se pensar na


questão do tratamento e do cuidado, principalmente no que se refere à
eficácia dos mesmos, pois o conhecimento produzido sobre o fenômeno
da drogadição não pode estar desvinculado do contexto mais amplo no
qual são produzidas as representações que sustentam e organizam a
vida social, conferindo sentido às ações humanas. (PRATTA e SANTOS,
2009, p. 207-8).

Emancipado das proibições pela igualdade de direitos e pelo nivelamento de


condições, o deprimido deste fim de século é herdeiro de uma dependência
viciada do mundo. Condenado ao esgotamento pela falta de uma perspectiva
revolucionária, ele busca na droga o ideal de uma felicidade impossível:‘o drogado
é hoje a figura simbólica para definir as feições do anti-sujeito. Antigamente,
ele era o louco que ocupava esse lugar. Se a depressão é a histórca do sujeito

55
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

inencontrável, a drogadição é a nostalgia de um sujeito perdido. (ROUDINESCO,


2000, p.10-20).

Nesse tratado psicanalítico, Roudinesco (2000) aponta para a drogadição como um


efeito do sujeito contemporâneo que, segundo ela, é marcado por uma constituição
depressiva. Aqui, ressaltamos então um dos fatores subjetivos ou específicos que
causam a dependência química em nossa sociedade atual. Segundo ela, há uma derrota
do sujeito moderno, de modo que o este é normatizado, inviabilizando a manifestação
de suas diferenças subjetivas peculiares. A toxicomania, nesse contexto, torna-se um de
seus efeitos.

Quais outros fatores de risco sociais, culturais, ou psicológicos você pode


levantar na problemática do uso de drogas e dependência química? Relacione
esses fatores com um indivíduo, grupo social ou uma população específica.

Prevenção na Ética de uma Ecologia


humana
Segundo Bucher (1996), podemos estabelecer alguns parâmetros e princípios
no caminho de uma Ética da Ecologia ou da sustentabilidade humana. Uma
ética da educação preventiva que favoreça um estilo de vida mais saudável –
tal como preconizado pelos movimentos ecológicos mundiais: menos nocivo
e predatório, visando um equilíbrio da vida do homem em relação com os
ecossistemas do planeta e seu meio ambiente.

Essa Ética implica numa valorização da vida, de modo que o indivíduo assuma mais
responsabilidade e compromisso em relação a si mesmo, ao outro e ao meio ambiente:

Ethos em seu sentido originário grego significa a toca do animal ou casa humana,
vale dizer, aquela porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e
fazer o nosso habitar. Temos que reconstituir a casa humana comum – a Terra
– para que nela todos possam caber. Urge modelá-la de tal forma que tenha
sustentabilidade para alimentar um novo sonho civilizacional.

(...) Esse ethos (modelação da casa humana) ganhará corpo em morais concretas
(valores, atitudes e comportamentos práticos) consoante às várias tradições
culturais e espirituais. Embora diversas, todas as propostas morais alimentarão
o mesmo propósito: salvaguardar o planeta e assegurar as condições de
desenvolvimento e de coevolução do ser humano rumo a formas cada vez

56
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

mais coletivas, mais interiorizadas e espiritualizadas de realização da essência


humana. (BOFF, 1999, p.27)

Nesse contexto, Bucher (1996) preconiza os seguintes requisitos – na (re)definição dos


rumos éticos mínimos de intervenção preventiva:

1. A questão dos valores humanos deve entrar em qualquer consideração


sobre o que é saúde – física, mental e social – dentro de um contexto de
valorização da vida e da pessoa.

2. A problemática crescente de agressão ao corpo vivido – bem como ao


corpo social – aponta para a necessidade de novas contribuições nas
diferentes ordens de conhecimento: biológico, psicossocial e filosófico.

3. A variedade de concepções, meio e técnicas de prevenção sugerem a


conservação e concepção de um corpo e de um homem integral e de
seu ambiente, prosseguindo seus fins éticos.

Assim, no caso da dependência química, é necessário considerar e


buscar entender qual o significado da mesma na vida de cada indivíduo,
uma vez que as histórias de vida são diferenciadas. Além disso, cada
um possui formas específicas de representar o processo saúde e doença,
o que implica em olhar para a subjetividade inerente nessa situação,
vislumbrando, também, os sentimentos, desejos, as necessidades desse
indivíduo, o qual necessita ser encarado com um ser ativo no processo
saúde/doença, exigência do nova paradigma de saúde na atualidade.
(PRATTA e SANTOS, 2009, p.210)

Retomamos assim a noção de um sujeito singular que está presente também em


psicanálise e em sua compreensão de subjetividade:

A psicanálise parece ser ainda mais atacada hoje em dia por


haver conquistado o mundo através da singularidade de uma
experiência subjetiva que coloca o inconsciente, a morte e a
sexualidade no cerne da alma humana.

Que aspectos tornam-se imprescindíveis na composição de uma Ética do sujeito


contemporâneo e singular – que favoreça sua integralidade, isto é, em prol de
uma Ética da Ecologia Humana?

57
CAPÍTULO 8
Dimensão ética do trabalho do
psicólogo de trânsito

A cidade é um produto da natureza. Tal e qual uma caverna ou


um formigueiro”. A definição agora é de Lewis Mumford, estudioso
americano, que completaria: “A cidade é também um obra de arte
consciente. Uma obra coletiva e complexa, que contém muitas,
infinitas obras de arte mais simples e mais pessoais. (MORENO,
2002)

Segundo a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável – PNMS – de


junho de 2004, a noção de mobilidade urbana envolve políticas de transporte,
circulação e acessibilidade com a Política de desenvolvimento urbano, com a
finalidade de proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, de
forma segura, socialmente inclusiva e sustentável. As diretrizes dessa política
têm como foco a questão da inclusão social, de modo a estar orientada para
assegurar o direito de acesso à cidade à população brasileira.

Essa Política está fundamentada em alguns princípios da Política Nacional de Mobilidade


Urbana, de janeiro de 2012, que são:

I. Acessibilidade universal.

II. Desenvolvimento sustentável das cidades.

III. Equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo.

IV. Eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte


urbano.

V. Gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da


Política Nacional da Mobilidade Urbana.

VI. Segurança nos deslocamentos das pessoas.

VII. Justa distribuição, dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes
modos e serviços.

VIII. Equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros.

IX. Eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.

58
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

Para falarmos da atuação da Psicologia no trânsito, é importante retomar o conceito


de Mobilidade Urbana ─ que se faz necessário e imprescindível aqui, quando
mencionamos a questão do transporte e do trânsito urbano. Deste modo, a mobilidade
urbana diz respeito ao conjunto de interações dos deslocamentos de pessoas e bens
com a cidade. O que – conforme a Lei 12.587/ 2012 ─ visa promover:

»» Politicas de segurança no trânsito.

»» Acessibilidade universal aos transportes públicos.

»» Integração física e tarifária.

»» Facilitar o transporte de pessoas e cargas. Dentre outros aspectos


que envolvam melhoria das condições sociais de mobilidade urbana,
transporte e trânsito no país.

Segundo Silva e Dagostin (2006):

Conhecer aspectos do comportamento humano no trânsito é uma necessidade


social e cientifica, visto que cada vez mais as condições de transporte,
deslocamento e circulação humana de um modo geral têm determinado
significativamente a qualidade de vida e trabalho das pessoas.

(...) A circulação humana é realizada no meio ambiente. O ser humano não apenas
vive no ambiente, mas pertence a ele. Essa interação permite compreender a
interface do ambiente, trânsito e psicologia. O ambiente do sistema de trânsito
exige do participante algumas condições psicológicas fundamentais para o
convívio. No livro, os autores apresentam as interfaces do ambiente, trânsito e
psicologia, e a interlocução da Psicologia Ambiental com as intervenções dos
psicólogos do trânsito. A contribuição da Psicologia Ambiental para a área de
conhecimento da Psicologia do Trânsito é relevante, visto a primeira aprofundar
nos conhecimentos sobre a interação entre comportamento e ambiente físico,
natural e/ou construído.

Introduzimos assim uma relação fundamental entre meio ambiente, trânsito e


mobilidade urbana e a Psicologia. De modo a entrelaçar duas ciências inovadoras e
contemporâneas: A Psicologia Ambiental – ou a Ecologia Humana, e a Psicologia do
Trânsito.

Conforme Günter, Guzzo e Pinheiro (2004), a Psicologia Ambiental é compreendida


como uma área do conhecimento da Psicologia que tem interesse pelo homem em seu
contexto físico e social. Assim, a Psicologia no Trânsito também recai nesse contexto,

59
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

abrangendo o principal objetivo dessa área que é: o estudo dos aspectos individuais e
coletivos das inter-relações entre o homem e seu ambiente. O trânsito e a mobilidade
urbana precisam estar integrados com essa área do conhecimento.

De acordo com o Manual de Habilitação do Detran – que aborda o Trânsito e a


Cidadania, destacamos que:

»» O ser humano é um ser social – vive em grupos – modifica-se e adapta-se


de acordo com suas necessidades e aspirações.

»» Para uma convivência harmônica entre os indivíduos, é necessário


organização e respeito aos direitos e deveres individuais e coletivos.

»» O comportamento do indivíduo é regido por um consenso geral, que


abrange valores sociais, morais, religiosos, éticos – regidos por normas.

»» O trânsito é resultante de aglomerações humanas e o veículo, nesse


contexto, surge como facilitador do deslocamento, da comunicação e da
interação entre os indivíduos e os grupos.

»» O veículo como eficiente meio de transporte, surge para facilitar o


intercâmbio comercial e cultural entre os povos.

»» O convívio de pessoas em vias públicas envolve uma série de fatores que


precisam ser considerados para uma boa convivência e circulação.

»» Há nas vias públicas diversos tipos de condutores e pedestres que


precisam conviver pacificamente, para que haja harmonia no trânsito.

Nesse âmbito, conforme esse Manual de Orientação do, temos que:

Uma vez que o ser humano está em constante comunicação com o ambiente
e com os outros indivíduos, nesse contexto e relacionamento, ele encontra
realização e satisfação de suas necessidades.

O condutor do veículo automotor, o passageiro, o pedestre, o ciclista, o cavaleiro,


o carroceiro, o catador de papel etc., estão constantemente em processo de
interação social. Comunicam-se, enfrentam problemas de trânsito e fazem uso
dos direitos e deveres comuns a todos.

Para uma boa comunicação e interação social no trânsito, o condutor precisa


ser capaz de conviver harmonicamente. Assim, algumas normas de conduta são
consideradas pelo Detran:

60
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

»» Faça uso da comunicação amigável.

»» Proceda com civilidade.

»» Aja em benefício de todos que estão no trânsito, coopere.

»» Cultive comportamentos de bondade, tolerância e solidariedade.

»» Entenda que seus direitos estão em convivência com direitos alheios.

»» Seja compreensivo com os erros alheios.

»» Favoreça o bem comum.

»» Evite infrações e comportamentos agressivos.

»» Cultive o respeito mútuo e aceite as limitações alheias.

Conforme o Manual de Habilitação do Detran, no aspecto do Trânsito e Meio Ambiente,


recomenda-se que:

»» O objetivo fundamental das leis ambientalistas é a preservação e a


qualidade de vida, de todos os seres que habitam o planeta.

»» Há a necessidade de vivermos em um ambiente saudável e seguro,


construindo e conservando esse meio para uma convivência harmônica.

»» Para que haja integração entre trânsito e meio ambiente é importante, e


imprescindível, uma “humanização no trânsito”.

Como o profissional de Psicologia de Trânsito pode contribuir para planejar,


organizar, implementar, executar e avaliar as políticas públicas de trânsito e
transporte dentro do contexto da mobilidade urbana, a partir de sua capacitação
técnica específica? Que desafios estão implicados nessa prática?

Nesse âmbito, como regulamentação da atuação da Psicologia no contexto do trânsito,


temos a Resolução no 007/2009, que institui normas e procedimentos para a
avaliação psicológica no contexto do Trânsito, e aprovou os seguintes itens, em seu
artigo primeiro:

I. Conceito de avaliação psicológica.

II. Habilidades mínimas do candidato à CNH e dos condutores de veículos


automotores.

61
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

III. Instrumentos de avaliação psicológica.

IV. Condições da aplicação dos testes psicológicos.

V. Mensuração e avaliação.

VI. Do resultado da avaliação psicológica.

Assim, esse documento define a avaliação psicológica como um processo técnico-


científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos
fenômenos psicológicos ─ resultantes da relação do indivíduo com a sociedade –
utilizando-se de estratégias psicológicas: métodos, técnicas e instrumentos.

A avaliação psicológica é uma das funções privativas do psicólogo e seus resultados –


conforme essa resolução ─ devem considerar e analisar os condicionantes históricos e
sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos
para atuar no indivíduo e na modificação desses condicionantes que operam desde a
formulação da demanda até a conclusão do processo como um todo.

Nesse contexto, conforme referências técnicas do CFP e CREPOP (2013), para a prática
da Psicologia em mobilidade urbana, transporte e trânsito, temos que: as primeiras
políticas públicas de segurança no trânsito começaram então, a ser articuladas. Além
disso, as várias áreas do saber começaram a ser convocadas a colaborar com a tarefa de
evitar a acidentalidade, seja:

1. na concepção, adoção ou implementação de normas e códigos de conduta


no trânsito; na sua fiscalização, por meio de convênios com a política;

2. no planejamento e na intervenção junto às vias a partir da engenharia; e

3. na seleção e formação de motoristas e de cidadãos para conviver no


trânsito, com os assistentes sociais, médicos e, posteriormente, nós
psicólogos.

Contudo, na atuação da Psicologia no contexto da Segurança no Trânsito, alguns


desafios são apontados polo CFP e pelo CREPOP, na política de habilitação, tais como:

1. ausência do perfil psicológico ou profissiográfico de motorista de modo a


orientar a avaliação psicológica desses motoristas (profissionais ou não);

2. falta de cursos de atualização na área seja em educação para o trânsito,


cidadania, subjetividade, que sejam promovidos pelos órgãos de trânsito;

62
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

3. dificuldade em mostrar para os gestores da área de trânsito que o


psicólogo de trânsito pode atuar na perspectiva da saúde, da mobilidade,
epidemiologia, pesquisa, educação e cidadania, realizando atividades
imprescindíveis e necessárias – que não se restrinjam somente à avaliação
psicológica de motoristas;

4. dificuldade de trabalhar com os motoristas considerados inaptos


(temporários ou definitivos) na avaliação psicológica, pois estes não
entendem os encaminhamentos adotados pelo profissional de Psicologia.

Assim, algumas mudanças da atuação do profissional de Psicologia no contexto do


trânsito são necessárias e algumas medidas são sugeridas por esses Conselho/Centro:

1. inserção do psicólogo em contextos educacionais ─ a fim de que conceitos


da Psicologia do Trânsito sejam abordados nas diferentes disciplinas;
em universidades – inserindo a disciplina Psicologia do Trânsito; em
parceria com ONGs e prefeituras – no desempenho de projetos voltados
para a educação da população em geral, e no aperfeiçoamento e educação
continuada do próprio psicólogo do trânsito;

2. promoção de um trabalho de interface do psicólogo com os demais


profissionais do trânsito – engenheiros, médicos, arquitetos,
ambientalistas, antropólogos, dentre outros ; assim como favorecer uma
formação inter e transdisciplinar;

3. promover a realização e participação em projetos e grupos de pesquisa,


considerando estudos longitudinais;

4. realização de parcerias com órgãos oficiais de trânsito em campanhas de


educação e prevenção de acidentes;

5. prestar assessoria e consultoria em órgãos públicos e privados.

Segundo o CFP e CREPOP (2013), a Psicologia tem muito a contribuir na compreensão


da noção de subjetividade, isto é, de um sujeito que transita, que está em circulação
urbana, nas representações sociais de status, de poder, virilidade e consumo, às questões
de gênero e de comportamento e risco, entre tantas outras discussões possíveis dentro
da temática da mobilidade urbana e social.

63
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

A Psicologia não pode compactuar com a ideia de que todos e todas


devem possuir a carteira de habilitação, ou um veículo automotor
(carro ou moto). Isso gerará, em curto prazo, graves transtornos
socioambientais. A Psicologia precisa estar consciente de seu papel
na promoção da qualidade de vida, de discussão de outras formas
de locomoção, privilegiando o homem, o humano. O trânsito
e o transitar precisam e devem ser abordados por suas várias
facetas. O trânsito é parte de um complexo e intrínseco sistema
de variáveis que se inter-relacionam continuamente e influenciam
nosso modo de agir no ambiente, que é predominantemente
coletivo. (CFP/CREPOP, 2013, p. 29)

Panorama brasileiro
Conforme Gonçalves (2012), alguns aspectos e desafios podem ser considerados no que
tange a mobilidade, segurança e transporte no trânsito das grandes cidades brasileiras.
Deste modo, alguns fatores socioeconômicos são levantados a respeito do crescimento
urbano desordenado que agravam a insegurança e violência no trânsito, tais como:

»» Queda da mobilidade e acessibilidade da população brasileira, em relação


ao transporte e qualidade de vida.

»» Degradação das condições ambientais.

»» Congestionamentos crônicos.

»» Altos índices de acidentes de trânsito.

»» Falta de infraestrutura.

»» Crescimento da frota de veículos nas ruas.

Nesse âmbito, o Brasil precisa implementar com urgência as políticas de trânsito que
favoreçam a mobilidade urbana sustentável, assim como o bem estar da população em
geral. Temos dois fatores essenciais aqui: comportamento humano e comportamento
social.

Segundo Gonçalves (2012), o comportamento humano pode ser considerado como


fator decisivo para o aumento da segurança viária e, deste modo, pode ser modificado
para uma atitude favorável de convivência no trânsito:

64
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

Sob essa vertente, espera-se contribuir para com a conscientização


sobre a necessidade de se ter um comportamento positivo no trânsito e a
valorização da humanização deste espaço para que, por fim, seja possível
conviver socialmente no trânsito, de forma harmônica, minimizando
ou evitando-se, com isso, situações de violência e inclusive acidentes,
que levam à morte e a tantos casos de invalidez, permanentes e/ou
temporários. (p. 09)

Aqui, o sistema viário é compreendido como um dos subsistemas do transporte urbano,


cuja infraestrutura é construída com o objetivo de permitir uma mobilidade também
condizente com as necessidades dos demais agentes de trânsito. Contudo, conforme
explicita Gonçalves (2012), não foi o que ocorreu na realidade brasileira, que não
acompanhou o processo de expansão das cidades, agravando os problemas de trânsito.

Perdeu-se, nesse contexto, o sentido e o propósito do trânsito e da mobilidade urbana


que, segundo Gonçalves (2012), diz respeito à ação ou efeito de passar, de caminhar,
assim como a qualquer movimentação ou deslocamento natural ou não ─ de pessoas,
veículos, animais – de um local para outro.

Essa autora levanta também uma definição sociológica do trânsito (que valoriza suas
dimensões sócio-políticas) uma vez que este visa favorecer a circulação e a ocupação
dos espaços urbanos. Que, segundo a Psicologia, deve assegurar a integridade de seus
agentes e condutores.

Outra problemática consiste na infraestrutura precária – calçadas inadequadas para o


deslocamento de pedestres e falta de vias regulares para a circulação dos ciclistas, por
exemplo. As calçadas e vias precisam estar transitáveis, propiciando uma movimentação
livre e segura aos indivíduos.

Segundo essa especialista, o conceito de trânsito está intimamente agregado ao elemento


comportamental (o homem e seu comportamento), pois o bom trânsito exige que os
indivíduos equilibrem entre si os seus desejos, interesses e necessidades, de modo a
evitar acidentes e conflitos, no contexto de uma dinâmica intensa e contínua.

Recomendamos aqui a leitura de: Silva e Günther (2009). Psicologia do Trânsito


no Brasil: de onde veio e para onde caminha?

65
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

O trânsito é uma disputa pelo espaço físico que reflete uma disputa
pelo tempo e pelo acesso aos equipamentos urbanos. É uma negociação
permanente, coletiva e conflituosa do espaço, pois no trânsito surgem
conflitos de interesse de um grupo social, contra outro. Sob o ponto
de vista ideológico, a posição que as pessoas atribuem e ocupam na
sociedade vai condicionar sua disputa pelo espaço através da eleição
e uso de determinados meios de transporte. (ARAÚJO, OLIVEIRA,
JESUS, SÁ, SANTOS e LIMA, 2011)

Nesse âmbito de compreensão do trânsito como um espaço de ocupação e circulação


coletivo e individual, esses autores classificam os conflitos em três tipos:

1. Físico – decorrente da impossibilidade de acomodar, no mesmo espaço,


os movimentos das pessoas.

2. Político – devido à diferenciada posição social das pessoas e interesses


variados e conflitantes, resultando em usos diferentes do espaço de
circulação.

3. Movimento – a movimentação ocorre em detrimento do ambiente e da


qualidade de vida. Pode gerar poluição sonora e atmosférica, por exemplo.

Ainda de acordo com os mesmos autores:

Este cenário de conflitos que invariavelmente constitui o trânsito faz


com que percebamos que sua complexidade precisa ser entendida
enquanto um sistema, ou seja, um conjunto de elementos que cooperam
na realização de uma função comum. No trânsito, a função comum é
o deslocamento: chegar ao destino são e salvo. (ARAÚJO, OLIVEIRA,
JESUS, SÁ, SANTOS e LIMA, 2011)

Assim, esse sistema é composto dos seguintes subsistemas: via, veículo, pessoa e
contexto social:

»» O homem é o subsistema mais complexo e o que tem maior probabilidade


de desorganizar o sistema.

»» A via ou ambiente de circulação é a combinação entre estrutura, meios de


circulação e ambiente construído.

»» O tipo específico de ambiente de circulação influencia diretamente a


qualidade e a eficiência dos movimentos de pessoas e mercadorias.

66
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

»» A organização desse ambiente tem relação direta com o desempenho


dos papéis no trânsito que, por sua vez, tem relação direta com as
características sociais, políticas e econômicas.

Temos assim, o comportamento do homem no trânsito relacionado com suas normas


de conduta, interesses políticos, organização social e cooperação ─ culminando em sua
postura ética ─ diante de um contexto social mais abrangente ─ que veicula o trânsito
e o transporte urbano a uma mobilidade urbana: viável, interativa e permanente.

Nesse contexto, são apontadas como estratégias e campanhas favoráveis à circulação


e segurança no trânsito (como por exemplo a Campanha ou o Fórum permanente pela
Paz no Trânsito/UnB, e a Lei Seca Lei no 11.705/2008; GONÇALVES, 2012 ) ─ àquelas
relacionadas aos conceitos de preservação da vida e do meio ambiente – de acordo
com o que já consideramos no âmbito de uma Bioética das relações e de uma Ecologia
Humana.

De acordo com Araújo, Oliveira, Jesus, Sá, Santos e Lima (2011), a Sociologia do
Trânsito é a ciência que tem se dedicado mais aos aspectos de sua mobilidade, de
modo a desenvolver uma análise do deslocamento familiar e conjunto de pessoas ─
em complemento a uma estratégia individual – e verificar a influência das diferenças
sociais, políticas e econômicas entre as classes e os grupos sociais nas condições de
deslocamento no trânsito. Conforme a tabela abaixo:

67
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

Tabela 1 - Transporte e Mobilidade urbana: características básicas da análise sociológica dos transportes.

Abrangência : 1. Mobilidade do local de residência no espaço da cidade


2. Mobilidade diária
Objetivos:
1. Análise dos padrões de viagem ( individual e familiar ) e seus condicionantes.
2. Análise das condições de transporte e carências existentes:
- como acessibilidade é distribuída no espaço;
- como indivíduos, grupos e classes sociais podem usar o espaço;
- condições relativas de conforto, segurança, custo.
3. Análise dos movimentos sociais em torno dos problemas.
4. Análise do processo decisório.
5. Análise do impacto das políticas nos indivíduos, grupos e classes sociais (eficiência, equidade e efetividade).

Fonte: Vasconcelos (2001); apud Araújo, Oliveira, Jesus, Sá, Santos e Lima (2011).

Nesse âmbito, esses autores estabelecem uma relação entre renda e diversidade/quantidade
de viagens, assim como renda e uso do transporte individual. Que são influenciados
também por fatores externos de mobilidade social, tais como: a estrutura física da cidade, a
disposição física das construções e áreas de uso público, as horas de operação das atividades
e a oferta de meios de transporte.

O espaço da circulação seria “consumido” (acessado), então, de forma


diferenciada, refletindo diferentes condições sociais e econômicas
entre as famílias e as pessoas. Enquanto as famílias de renda mais
baixa têm uma mobilidade limitada e consomem menos espaço (menor
acessibilidade), as famílias de renda mais alta usam transporte mais
rápido (o automóvel) para realizar mais viagens e consumir mais
espaço. Não podemos ignorar, contudo, que a existência de um grande
número de deslocamentos por si só não representa inegavelmente boas
condições de vida, pois pode refletir a necessidade de deslocamentos
excessivos frente à precariedade do sistema de transportes eleito e/ou
disponível para uso. Para sobreviver na cidade, principalmente nas do
terceiro mundo, a população urbana, especialmente a de baixa renda,
é obrigada a fazer uma infinidade de deslocamentos (penosos) para
atingir os destinos desejados. (VASCONCELOS, 2001 e CARDOSO,
2008; apud ARAÚJO, OLIVEIRA, JESUS, SÁ, SANTOS e LIMA, 2011)

Nesse sentido, temos duas categorias de acessibilidade, conforme referido no texto


desses autores:

68
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

»» Acessibilidade ao sistema de transporte – que mede a facilidade do


usuário acessar o sistema de transporte coletivo em sua região de moradia,
trabalho, lazer etc.;

»» Acessibilidade de destino – mede, após o acesso ao sistema de transporte,


a facilidade de se chegar ao destino desejado.

A acessibilidade pode ser interpretada, portanto, como uma relação


entre pessoas e espaço, e que, independentemente da realização
de viagens, mede o potencial ou oportunidade para deslocamentos
a atividades selecionadas. Sendo assim, a acessibilidade estaria
diretamente relacionada à qualidade de vida dos cidadãos e traduziria a
possibilidade de as pessoas participarem de atividades de seu interesse.
(ARAÚJO, OLIVEIRA, JESUS, SÁ, SANTOS e LIMA; 2011)

Temos então três pilares de sustentação do sistema de transportes e do trânsito


urbano, que são:

1. Mobilidade.

2. Acessibilidade.

3. Qualidade de vida.

O que exige manutenção do sistema e cuidado com os usuários deste, considerando as


vias públicas, as leis que regulamentam o seu funcionamento, os meios de transporte,
os cidadãos e o meio ambiente em que se vive.

Pensar qualidade de vida sem pensar em mobilidade e acessibilidade


é impossível, pois são elas que garantem a autonomia ao cidadão, são
também elas que se tornam presentes no movimento de ir e vir, seja ao
deslocar-se para o emprego, seja na busca de uma forma alternativa de
entretenimento fora do seu bairro. É indispensável promove-las com
autonomia e segurança, melhorando, consequentemente, a qualidade
de vida de todos os usuários do espaço urbano e garantindo o exercício
de uma real cidadania. (MINISTÉRIOS DAS CIDADES, 2004; apud
ARAÚJO, OLIVEIRA, JESUS, SÁ, SANTOS e LIMA, 2011)

Nesse âmbito, temos a expressão de uma desigualdade social no Brasil que também
traz repercussão para o sistema de transportes, do trânsito e da mobilidade urbana no
país. Conforme Cardoso (2008; apud ARAÚJO, OLIVEIRA, JESUS, SÁ, SANTOS e
LIMA, 2011), essa desigualdade resulta de diversos fatores:

69
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA EM PSICOLOGIA

»» O desempenho da economia.

»» As condições socioeconômicas das diferentes populações que habitam a


cidade.

»» A distribuição urbana.

»» O atendimento do transporte coletivo público à população nas diferentes


regiões da cidade.

Deste modo, um avanço em Psicologia do Trânsito possibilitou uma maior abrangência


dessa área de atuação – que não somente avaliação e habilitação de condutores – mas
também compreendendo planejamento urbano e educação, a fim de alcançar uma
condição de convivência no trânsito mais racional, equânime e saudável.

Assim, temos a seguinte tabela representativa do trânsito na realidade brasileira:

Tabela 2. Situação real e ideal do sistema de transportes no Brasil.

QUADRO ATUAL
»» . Produção de situações crônicas de congestionamento, com a elevação dos tempos de viagens e a consequente redução de produtividade das
atividades urbanas.
»» . Prejuízos crescentes ao desempenho dos ônibus urbanos.
»» . Decréscimo do uso do transporte público regular.
»» . Aumento da poluição atmosférica.
»» . Aumento e generalização dos acidentes de trânsito.
»» . Necessidade de investimentos crescentes no sistema viário.
»» . Tráfego violando áreas residenciais e de uso coletivo.
»» . Redução de áreas verdes e impermeabilização do solo.

ESTADO DESEJADO
»» Melhor qualidade de vida para toda a população, traduzida por melhores condições de transporte, segurança de trânsito e acessibilidade.
»» . Maior eficiência, traduzida na disponibilidade de uma rede de transporte integrada por modos complementares trabalhando em regime de
eficiência, com prioridade para os meios coletivos.

Fonte: Neto, 2004; apud Araújo, Oliveira, Jesus, Sá, Santos e Lima (2011).

Logo, esses autores apontam a integração do sistema como a solução para o transporte
público coletivo urbano:

O transporte coletivo é um serviço essencial, pois democratiza a


mobilidade, constitui um modo de transporte imprescindível para
reduzir congestionamentos, os níveis de poluição e o uso indiscriminado
de energia automotiva, além de minimizar a necessidade de construção
de vias e estacionamentos. A Constituição de 1988 definiu a competência

70
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

municipal na organização e prestação do transporte coletivo. Um


sistema de transporte coletivo aperfeiçoa o uso dos recursos públicos,
possibilitando investimentos em setores de maior relevância social e
uma ocupação mais racional e humana do solo urbano, pois exerce
papeal de fixador do homem no espaço urbano, podendo influenciar na
localização das pessoas, serviços, edificações, rede de infraestruturas
e atividades urbanas. (ARAÚJO, OLIVEIRA, JESUS, SÁ, SANTOS e
LIMA, 2011)

Nesse contexto, a Psicologia no Trânsito compreende a conduta ética e o comportamento


humano – participando de um processo de gestão e mobilização urbana ─ , e assim,
veicula-se também com uma Ética das relações sociais no panorama brasileiro.

71
Para (não) Finalizar

Em nossas considerações finais, vamos retomar as questões fundamentais presentes


nesse Caderno de Estudos, que dizem respeito a uma Ética da conduta humana, que
se distingue de uma Moral, uma Ética da Psicologia e seus desdobramentos práticos
e conceituais. Assim, temos uma Ética propriamente da Psicologia – assim como
da Psicanálise ─ que se constitui em seus parâmetros conceituais de singularidade,
subjetividade, em articulação com um social comunitário e universal.

Nesse contexto, temos um Código de Ética do profissional da psicologia, que se


regulamenta e se organiza a partir dessas questões de comportamento e conduta do
indivíduo, dando orientação e sustentação a uma formação e um exercício profissionais
na área da Psicologia.

Do mesmo modo, uma Ética em Psicologia desdobra-se nos diversos recursos e nas
várias áreas de sua atuação profissional. Temos assim uma ética no contexto da
sexualidade, dos processos judiciais e periciais, na avaliação de dependentes químicos
e na atuação do psicólogo no contexto do trânsito e da mobilidade urbana.

Nesse âmbito, constituímos uma Bioética de sustentação das relações que se articula com
a prática da Psicologia ─ assim como com nosso contexto social, econômico, cultural e
urbano ─ como um todo. Introduzimos assim o conceito de mobilidade urbana para falar
da atuação do psicólogo no contexto do trânsito, do transitar e circular sustentável pela
cidade e, deste modo, vincular a prática da cidadania a qualquer atuação profissional.

A atuação da Psicologia aqui assume, mais uma vez, uma Ética peculiar de constituição
e sustentação profissional, que está intrinsecamente vinculada a uma Bioética, a uma
ética da Ecologia Humana, e a uma prática de sustentabilidade no contexto social
brasileiro.

Deste modo, consideramos que:

Segundo Moreno (2002), há uma contínua migração para as cidades nos países
em desenvolvimento que gera uma necessidade de conceber, organizar e
estruturar novos centros ou núcleos urbanos. Tais núcleos são concebidos como
núcleos urbanos autossustentáveis, que podem contribuir também para a
democratização e universalização da cidadania em nosso país. Deste modo, esse

72
ÉTICA EM PSICOLOGIA│ UNIDADE ÚNICA

autor cita um decálogo da cidade autossustentável – de José Chacon de Assis –


cujos itens são os que se seguem:

1. Aplicação da eco arquitetura.

2. Promoção da Saúde e Saneamento.

3. Utilização de transportes coletivos não poluentes.

4. Proteção e conservação dos mananciais de água.

5. Utilização de fontes renováveis e alternativas de energia.

6. Promoção de uma conservação ampla de energia e redução de


desperdícios.

7. Desenvolvimento de uma agricultura ecológica.

8. Aplicação da sustentabilidade a seus produtos e rejeitos.

9. Promoção da Educação Ambiental.

10. Respeito à biodiversidade.

Consideramos que esses itens também podem ser inseridos como aspectos essenciais
de composição de uma Ética contemporânea.

Portanto, consideramos que: a Psicologia é uma ciência que envolve uma dinâmica
social e política em sua constituição e atuação profissional e, deste modo, está em
permanente articulação e envolvimento com uma Ética das relações humanas – tanto
numa individualidade singular quanto numa universalidade coletiva do sujeito.

E, nesse contexto, essa Ética retoma também uma (Bio)ética das relações sociais e
sustentáveis presentes no nosso cotidiano brasileiro de sustentabilidade socioeconômica.

A Psicologia reúne assim, recursos e instrumentos próprios de avaliação, tratamento e


cuidado do (e com o) indivíduo, em suas diversas manifestações singulares e coletivas,
de modo a se respaldar em um Código de conduta profissional que visa promover a
qualidade de vida e o bem- estar social.

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