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Epistemologia da Memória

Gabriel Zaccaro - Doutorando em Filosofia UFSM


gabriel.zaccaro@hotmail.com
Memória no senso comum
A memória no senso comum é geralmente entendida como uma capacidade una ou
monolítica de retenção de informações.
Contudo, estudos empíricos sugerem que os sistemas neurocognitivos da memória se
dividem quanto a uma gama de peculiaridades, como o conteúdo, a experiência subjetiva,
a referência ao self, a extensão temporal, dentre outros.
Além disso, o senso comum faz uma diferenciação entre memória e imaginação.
Mnemicidade
Uma das questões fundamentais de pesquisas psicológicas e filosóficas sobre a memória
consiste em distinguir a memória de estados mentais correlatos. Um exemplo disso é a
investigação sobre a diferença entre memória e imaginação.
Esse problema não é novo, e vêm sendo trabalhado na filosofia desde o pensamento de
figuras como Aristóteles, por exemplo.
Aristóteles

Viveu de 384 A.C. - 322 A.C.


Escreveu sobre diversos temas filosóficos desde a Ética,
Metafísca, e também sobre a política.
Parva Naturalia - Sobre as propriedades mentais humanas
(memória, imaginação, sonhos, etc)
Da Memória e a Revocação - De Memoria et Reminiscentia
Qual a importância da memória para o conhecimento?
Memória é uma capacidade de retenção diacrônica de conhecimentos sobre:
● Eventos

● Fatos

● Habilidades motoras
Funciona dessa maneira como uma fonte de conhecimento (reinterpretação de eventos
passados), e também de justificação para o conhecimento.
Aristóteles
A memória, assim como a imaginação, são para Aristóteles indissociáveis de uma
capacidade de gerar imagens ou o que ele chamaria de Phantasmata.
Essa capacidade (Phantasmata) gera as imagens mentais (phatasma), que se assemelham às
imagens da percepção, que são utilizadas pela imaginação e também armazenadas na
memória.
“Memory, even the memory of objects of thought, is not without an image. So memory will
belong to thought in virtue of an incidental association, but in its own right to the primary
perceptive part. And this is why some other animals too have memory, and not only men and
those animals that have judgment or intelligence. But if memory were one of the thinking
parts, not many of the other animals would have it” (Aristotle ~350BCE/2004, 450 a)
Imagens mentais e percepção
O efeito Perky - Pessoas podem confundir percepção com imaginação dadas as condições
favoráveis. Isso demonstra que de fato as imagens mentais têm grau de similitude grande com
as imagens da percepção.
“We find that, under suitable experimental conditions, a distinctly supraliminal visual
perception may be mistaken for and incorporated into an image of imagination, without the
least suspicion on the observer's part that any external stimulus is present to the eye. The
perception may be of such definite- ness that instructed and competent observers, in presence
of it, have declared our results 'incredible' and have pronounced the stimulus 'ridiculously
real.' Yet there was not one uninstructed observer who discovered the deception for himself. It
follows that the image of imagination must have much in common with the perception of
everyday life.” (Perky 1910, 450)
Afantasia
“Visual imagery is, for most of us, a conspicuous ingredient of everyday experience,
playing a prominent role in memory, daydreaming and creativity. Galton, who pioneered
the quantitative study of visual imagery with his famous ‘breakfast-table survey’, reported
a wide variation in its subjective vividness (Galton, 1880). Indeed, some participants
described ‘no power of visualising’. This phenomenon has received little attention since,
though Faw reported that 2.1–2.7% of 2,500 participants ‘claim no visual imagination’
(Faw, 2009).” (Zeman; Dewar; Sala, 2015)
Diferentes taxonomias de memória
Diferentes taxonomias de memória levam em consideração diferentes aspectos da
memória:
● Extensão de armazenamento
● Tipo de conteúdo (Teorias de conteúdo de primeira ordem)
● Tipo de consciência (Teorias fenomenológicas)
● Tipo de informação autobiográfica
Memória de longo e curto prazo
Diferentemente do senso comum, também podemos diferenciar memória de curto prazo e
memória de longo prazo (ATKINSON; SHIFFRIN, 1968; WAUGH; NORMAN, 1965).
Essa é uma diferenciação que não figura, tão frequentemente, na literatura mais recente
sobre a memória, mas que guiou e impactou diversos estudos dentro do campo psicológico
(MICHAELIAN; SUTTON, 2017a).
Memória de longo e curto prazo
É uma taxonomia que tem como elemento central a extensão temporal do armazenamento
da memória.
A memória de curto prazo está relacionada ao armazenamento de conteúdos que perduram
por poucos segundos ou minutos na consciência do indivíduo.
A memória de longo prazo está relacionada ao armazenamento de conteúdos que podem
perdurar por toda vida do indivíduo.
Caso do Paciente HM
H.M. sofreu durante toda a sua infância e adolescência de um caso grave de convulsões
incapacitantes que não podiam ser controladas apenas por medicação anticonvulsionante.
Uma solução para o problema de H.M. foi proposto e realizado por William Beecher
Scoville, que consistia na remoção das áreas cerebrais relacionadas às suas convulsões,
que estavam localizadas principalmente em seus lobos temporais mediais.
Brenda Milner
Origem inglesa, nascida em 1918 (104 anos)
Professora de neurocirurgia na Universidade McGill, assim
como professora de psicologia no Montreal Neurological
Institute.
Milner acompanhou o caso de HM até seu falecimento.
Foi responsável pela descoberta dos múltiplos sistemas de
memória (factuais, eventos, e motores).
Caso do Paciente HM
Após a remoção dos lobos temporais de H.M., apesar do sucesso em conter seu caso de
epilepsia, sintomas relacionados às suas capacidades de memória foram notados e
devidamente relatados (MILNER; CORKIN; TEUBER, 1968; SCOVILLE; MILNER,
1957). H.M. desenvolveu um caso grave de amnésia anterógrada para eventos e fatos,
bem como um caso de amnésia retrógrada.
Amnésia anterógrada - Incapacidade de formar novas memórias
Amnésia anterógrada - Incapacidade de se lembrar de eventos armazenadas anteriormente
ao evento causador da amnésia.
Caso do paciente HM
Os estudos sobre memória de H.M. deram aos pesquisadores razões para suspeitar que a
memória para eventos e a memória para fatos poderiam ser armazenadas de forma
diferente no cérebro, uma vez que H.M. poderia, até certo ponto, aprender novas
informações factuais e motoras, embora completamente incapaz de adquirir novas
memórias.
Memória declarativa e não declarativa
Memórias também podem ser distinguidas entre aquelas que temos acesso consciente
daquelas que não temos acesso consciente (Squire, 2009)
Memórias não declarativas: São geralmente memórias que o conteúdo não pode ser
verbalizado pelo indivíduo. Ex: Lembrar-se como andar de bicicleta, ler um livro, tocar
um instrumento).
Memórias declarativas: São memórias que o conteúdo pode ser verbalizado pelo
indivíduo. Ex: Lembrar-se do seu aniversário de 10 anos, lembrar-se que “2+2=4”, etc.
Memória declarativa e memória não declarativa
“Primeiro, a memória é uma função cerebral distinta, separável de outras habilidades
cognitivas. Segundo, dado que H.M. se saia tão bem quanto outros da sua idade na
retenção de um número ou uma imagem visual por um curto período, o lobo médio-
temporal não é necessário para memória imediata. Terceiro, as estruturas danificadas em
H.M. não são os repositórios últimos da memória, porque ele reteve suas memórias
remotas de infância.” (Squire, 2009, p. 12711, minha tradução)
Endel Tulving
De origem Estônia, porém naturalizado canadense.
Professor Emérito da Universidade de Toronto.
Seus trabalhos se voltaram para os estudos sobre a
natureza da memória e são de grande influência para o
pensamento contemporâneo, tanto psicológico quanto
filosófico sobre a memória.
Memória episódica, semântica e procedural
A classificação de memórias mais utilizada contemporaneamente foi proposta pelo
psicólogo Endel Tulving em 1972.
Nela Tulving pretende fazer uma distinção entre por um lado a memória de eventos e por
outro a memória de conhecimentos.
Memória procedural - Memórias para habilidades motoras.
Memória semântica - Memórias para fatos abstratos sobre o mundo.
Memória episódica - Memórias para eventos (Informação WWW (what-where-when))
Antecedentes
Para guiar seu propósito de clarificação, Tulving parte do conceito de memória semântica,
que já havia sido proposto anteriormente por M. Ross Quillian em 1966 em seu livro
“Semantic Memory”.

“Esse relatório descreve um modelo para a estrutura geral da memória de longo-prazo


humana. Neste modelo, informação sobre coisas tais como significados de palavras é
armazenado em uma rede complexa, que então mostra algumas das propriedades
desejadas da memória semântica de um ser humano.” (Quillian, 1966, minha tradução)
Memória episódica, semântica e procedural
Tulving faz uma distinção entre o tipo de referência:

Memórias semânticas fazem uma referência cognitiva em relação aos conhecimentos


semânticos armazenados
Memórias episódicas fazem uma referência autobiográfica em relação aos eventos sobre a
narrativa do indivíduo.
Insuficiência do critério WWW
Porém, o próprio Tulving (1985) parece se dar conta da insuficiência do critério WWW.
Isto porque podemos ter informações sobre algo que aconteceu além de saber onde e como
aconteceu, isto tudo sem termos pessoalmente experimentado, e mesmo assim,
lembrarmos do evento. Basta que imaginemos que é possível que alguém tenha me
contado algo, um episódio de seu passado, e que eu me lembre disso no presente. Minha
lembrança no presente é puramente proposicional, a medida em que não posso me lembrar
imageticamente do evento tal como ele ocorreu.
Memória episódica em pássaros?
Dessa forma, o critério WWW não distingue claramente entre memória episódica e
memória semântica, o propósito principal de Tulving (CHENG; WERNING;
SUDDENDORF, 2016a).
Da mesma forma, surgem evidências empíricas de animais não-humanos, como certos
pássaros (scrub jays), que não consideraríamos que tem memória episódica, mas que,
contudo, têm memória que satisfaz o critério WWW (CLAYTON; DICKINSON, 1998).
Memória episódica em pássaros?
Fenomenologia da memória
Uma teoria que leva em consideração uma distinção baseada na fenomenologia de cada
tipo de memória é apresentada por Tulving em seu artigo “Memory and Consciousness”,
de 1985.
Neste, Tulving propõe que o que diferencia as memórias episódicas, semânticas e
procedurais, são os diferentes tipos de consciência empregados no momento da evocação.
Essa hipótese surge a partir do estudo de casos de pacientes amnésicos como, por
exemplo, o paciente K.C.
Consciência anoética
Consciência noética
Consciência autonoética
Consciência autonoética
A autonoese pode ser entendida como a consciência que temos de nossas experiências em
um tempo subjetivo. Assim, quando uma pessoa se lembra episodicamente de um episódio
qualquer (que poderia ser evocado semanticamente), ela tem a consciência de que de fato
aquele foi um episódio vivido por ela em um determinado ponto de seu passado.
Fenomenologia da memória
Consciência da memória como sentimentos metacognitivos
Visões mais recentes em relação ao conceito de autonoese apontam na direção de que esse
tipo de consciência poderia ser explicado por um tipo de sentimento metacognitivo
(PERRIN; MICHAELIAN; SANT’ANNA, 2020). Resumidamente um sentimento
metacognitivo “são experiências fenomênicas que apontam na direção de capacidades
mentais, processos, disposições do indivíduo, tais como conhecimento, ignorância ou
incerteza” (ARANGO-MUÑOZ, 2014).
Consciência da memória como sentimentos metacognitivos
Esse sentimento seria uma resposta à fluência do processamento de determinada cognição.
A fluência determina a facilidade com a qual o sistema cognitivo processa tal informação,
de maneira que se o processo flui de maneira ótima, então o sistema metacognitivo
indicaria ao indivíduo essa fluência do processo através de um sentimento. Esse
sentimento é experienciado corporalmente, de forma que o indivíduo sente que o processo
se deu com um nível aceitável de fluência.
Feelings of knowing - Sentimentos de saber - Tip-of-tongue experience
Feelings of pastness - Sentimentos de passadidade
Paciente KC
K.C., devido a um grave acidente de motocicleta, como resultado, foi deixado tanto
anterógrado quanto retrogradamente amnésico. No entanto, Tulving (1985) notou que
K.C., ao contrário de H.M., ainda era bastante capaz de reter e lembrar informações
factuais, incluindo até mesmo informações factuais sobre seu passado.
Paciente KC
“Um estranho pode conversar com ele [K.C.] por um tempo considerável sem notar nada
de especial em relação a sua mente. Aqueles aspectos do funcionamento intelectual de
K.C. que não dependem de lembrar-se de experiências pessoais estão relativamente
normais. Seu QI está dentro da normalidade, ele não tem nenhum problema em perceber
coisas ou prestar atenção, ele reconhece objetos familiares e pessoas em fotografias, seu
entendimento e uso da linguagem estão inalterados, ele pode ler e escrever, e seus
processos de pensamento estão intactos. Até mesmo sua capacidade de memória de curto-
prazo está preservada. Ele pode repetir sete ou oito dígitos na ordem em que eles foram
apresentados, e ele permanece ciente do que ele está fazendo por um minuto ou dois após
o cessar da atividade.” (Tulving, 1989, p. 362, minha tradução)
Paciente KC
Contudo, além de seu problema para lembrar episódios passados, Tulving nota que K.C.
também estava impossibilitado de imaginar situações futuras. Segundo o relato do
paciente, quando lhe era pedido para imaginar alguma situação com a qual ele poderia se
deparar no futuro, o paciente afirmava que simplesmente não conseguia. Ao ser
questionado sobre que tipo de coisa se passava em sua cabeça quando tentava fazê-lo, o
paciente simplesmente afirmava que não havia nada ali, da mesma forma como ele
afirmava ser seu pensamento quando tentava se lembrar de algo de seu passado.
Paciente KC
Tempo objetivo e tempo subjetivo
Seguindo a estrutura de teorias sobre o tempo de McTaggart, poderíamos afirmar uma
diferença crucial entre o tempo objetivo e o tempo subjetivo.
Tempo objetivo - Teoria B do tempo - “Antes de” e “Depois de”.
Tempo subjetivo - Teoria A do tempo - “Passado, presente e futuro”.
Viagem no tempo mental
A experiência da memória pode ser interpretada como uma experiência de Viagem no
tempo mental.
Caso de KC - Lembrar e imaginar são mediadas pela mesma capacidade de ser consciente
autonoéticamente. Lembrar se dirige para o passado e imaginar se dirige ao futuro.
Tulving havia notado, em relação ao paciente K.C., que, em decorrência de seu acidente,
ele não era capaz de lembrar de nenhum episódio de seu passado (i.e., viajar mentalmente
para o passado) nem mesmo de antecipar ou imaginar situações futuras (i.e., viajar
mentalmente para o futuro).
Memórias autobiográficas
Memórias autobiográficas, por sua vez, podem ser definidas como memória de conteúdo
proposicional, na qual há a inclusão do self no conteúdo de maneira objetiva.
● Zaccaro, G. (2021). On the Difference Between Episodic and Autobiographical
Memories. Aporia, 21, 65-78.
Isso fica evidente por conta do caso do paciente KC. Isto porque KC podia não lembrar de
episódios de seu passado, mas podia, contudo, se lembrar sobre conhecimentos sobre seu
próprio passado.
Estrutura das informações autobiográficas
Essas informações autobiográficas seguem uma estrutura que se baseia na extensão
temporal das memórias.
● Informações autobiográficas sobre períodos de vida
● Informações autobiográficas sobre eventos gerais
● Informações autobiográficas sobre eventos específicos
Contextualização autobiográfica das memórias episódicas
Processos de consolidação e reconsolidação
Processos responsáveis pela migração da memória episódica de curto prazo das estruturas
do lobo médio temporal (hipocampo), para as estruturas do córtex, para memórias
episódicas de longo prazo
Processos de consolidação e reconsolidação
Semantização das memórias episódicas
Através dos processos de reconsolidação da memória episódica, esta, por sua vez, tende a
perder a quantidade e qualidade das informações quase-perceptuais, com a tendência, com
o passar do tempo, de se tornarem memórias semânticas.
Teorias da memória
Se dividem basicamente entre a teoria causal da memória (TCM) (Martin e Deustscher,
1966), teoria simulacionista da memória (TSM)(Michaelian, 2016), e a teoria funcional da
memória (TFM) (Fernández, 2019).
Teoria causal clássica
A teoria causal clássica desenvolvida por Charles Martin e Max Deustcher em 1966,
afirma, basicamente que:
Para que um sujeito S se lembre de M, ele deve:
1- Deve formar uma representação presente de M.
2- Deve ter experimentado o evento M, quando ele originalmente ocorreu.
3 - A representação presente de M decorre causalmente da experiência original de M, que
é mediada através de uma traço de memória.
Traços de memória ou engramas
Os traços de memória ou engramas foram primeiramente
postulados por Richard Selmon, que argumentava que existiam
“caminhos neurais” responsáveis pela memória, que foram
ultimamente traçados pela percepção original do evento.
Para Martin e Deutscher traços de memória são “análogos
estruturais” à experiência perceptiva. Isto é, um traço de
memória é um estado encefálico que se assemelha ao estado
encefálico no momento da percepção do evento original.
Traços de memória e engramas
Teoria simulacionista
A teoria simulacionista da memória, desenvolvida por Kourken Michaelian (2016), tenta
atualizar as teorias da memórias quanto às descobertas empíricas do campo da
neurociência e da psicologia. O principal critério levado em conta é o construtivismo da
memória, isto é, a capacidade do sistema de construção episódico de construir cenários
mentais com base em informações perceptuais.
A teoria tem como cerne a noção de “viagem no tempo mental”, proposta por Endel
Tulving. Nessa visão tanto a memória como a imaginação são estados mentais de mesmo
tipo, isto é, são duas variedades da mesma capacidade neurocognitiva. Assim memórias
são construções episódicas orientadas para o passado e imaginações são construções
episódicas direcionadas ao futuro.
O sistema de construção episódico
Geração, preservação e transmissão
Três noções importantes para epistemologia da memória estão relacionadas à geração,
preservação e transmissão de conteúdo.
Geração - Diz respeito a se uma teoria permite ou não a geração de conteúdo no momento
da evocação.
Preservação - Diz respeito a preservação parcial ou integral de conteúdo.
Transmissão - Diz respeito a transmissão do conteúdo (integralmente) da percepção à
representação da memória.
Confiabilidade e acurácia da memória
A teoria simulacionista toma como um ponto fundamental da habilidade de gerar cenários
sobre eventos passados, a confiabilidade do sistema de construção episódico.
Dessa forma, a confiabilidade é uma característica necessária para que possamos dizer que
uma construção episódica passada possa ser considerada uma memória. Essa
confiabilidade diz respeito ao funcionamento normal do sistema em indivíduos
neurotípicos.
Acurácia
Diferentemente de noções puramente proposicionais, como por exemplo às que estão
envolvidas nas memórias semânticas, na memória episódica não podemos ter condições de
verdade, mas sim de acurácia.
A acurácia é a maneira pela qual julgamos se uma memória representa fielmente um
evento passado ou não. Se uma memória é acurada quer dizer que ela representa
suficientemente bem os conteúdos da experiência original, do contrário ela é inacurada.
Memórias manipuladas
As memórias podem, em certa medida, serem manipuladas ou completamente implantadas
nos indivíduos. Isso se dá principalmente pelo fato de que as memórias se tornam mais
lábeis durante os processos de reconsolidação.
Os estudos de memórias manipuladas nos mostram que a memória não é um processo tão
confiável quanto normalmente nós a consideramos, pelo menos no senso comum. Isso nos
coloca consequências éticas sobre a epistemologia da memória, como, por exemplo, a
primazia e importância dos testemunhos nos tribunais de julgamentos.
Será que podemos confiar na capacidade muitas vezes falha da memória, a liberdade de
um indivíduo?
Loftus e o caso “perdido no shopping”
Nesse estudo Loftus e Pickrell (1995) demonstram que de fato é possível implantar
memórias falsas em indivíduos, sem que eles percebam que essas memórias não lhe
pertencem. Nos casos descritos, os pesquisadores, juntamente com familiares dos
indivíduos estudados, criavam, com base em experiências reais dos indivíduos, uma
memória falsa na qual esses indivíduos teriam se perdido no shopping quando crianças.
Loftus e o caso “perdido no shopping”
Após várias entrevistas nas quais se solicitava aos indivíduos para que tentassem se
lembrar do máximo de detalhes possíveis de cada evento (reais e falsos), se notou que a
probabilidade de os indivíduos dizerem que de fato tinham experimentado o evento falso
aumentava com o número de sessões nas quais os pesquisadores sugeriam que eles tinham
experimentado o evento falso.
Loftus e o caso “perdido no shopping”
“Esses achados relevam que pessoas podem ser levadas a acreditar que eventos inteiros
aconteceram com eles após sugestões que indiquem isso. [...] Em um dos casos
demonstrados, Becca, foi levada a acreditar que ela havia se perdido no shopping Tacoma
enquanto ela fazia compras com sua mãe e seu pai. Pela sua última entrevista, ela já
pensava que ela estava olhando para filhotes de cachorros na loja de pets no momento em
que se perdeu. Ela se lembrou do “pânico inicial de quando você se dá conta que sua mãe
e seu pai não estão mais lá”.”(Loftus; Pickrell, 1995, p. 724, minha tradução)
Memória como justificação de autoridade epistêmica
Confabulação
A confabulação está relacionada à criação de eventos, muitas vezes inverossímeis. Isso
pode ser considerado como uma consequência de problemas neurológicos como a
Síndrome de Korsakoff. Contudo, não deixa de ser uma possibilidade em pessoas
neurotípicas.
Síndrome de Korsakoff
Deficiência neurológica devido a falta de vitamina B1 ou em decorrência de alcoolismo
grave. Os sintomas podem incluir:
Amnésia retrógrada
Amnésia anterógrada
Confabulações
Alucinações
Confabulações
Evolução da memória episódica
Optogenética e a evidência de traços de memória
OBRIGADO!

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