Você está na página 1de 93

Terapia Cognitiva Baseada

em Mindfulness

Brasília-DF.
Elaboração

Taisa Borges Grün

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I

INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS ......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1

MINDFULNESS - ATENÇÃO PLENA............................................................................................ 11

CAPÍTULO 2

A EXPERIÊNCIA DA MINDFULNESS........................................................................................... 18

CAPÍTULO 3

PERSPECTIVAS DO CONSTRUTO MINDFULNESS......................................................................... 25

UNIDADE II

MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS............................................................................ 33

CAPÍTULO 1

MECANISMOS PSICOLÓGICOS DO MINDFULNESS................................................................... 33

CAPÍTULO 2

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS DO MINDFULNESS COM OUTROS CONSTRUTOS


PSICOLÓGICOS......................................................................................................... 42

UNIDADE III

TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS..................................................................... 51

CAPÍTULO 1

FUNDAMENTOS DA TERAPIA COGNITIVA E MINDFULNESS......................................................... 51

CAPÍTULO 2

TERAPIA COGNITIVA E MINDFULNESS NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO ................................... 55

CAPÍTULO 3

RISCOS/EFEITOS NEGATIVOS DA PRÁTICA MINDFULNESS.......................................................... 65

UNIDADE IV

AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS............................................................................................................. 72

CAPÍTULO 1

FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS.................................................................... 72

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 86

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 89
Apresentação

Caro aluno,

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno de
Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

6
Introdução
Bem-vindo à disciplina Terapia Cognitiva e Mindfulness!

A terapia cognitiva comportamental é uma das abordagens mais utilizadas na


tradição psicológica.

Há apenas alguns anos começaram a surgir novas abordagens chamadas terapias de


terceira geração (TTG), caracterizadas por serem intervenções que integram tanto o
enfoque da terapia cognitivo-comportamental das terapias tradicionais, quanto o
componente do mindfulness, também chamado de consciência ou atenção plena.

A primeira geração da terapia comportamental se situa na década de 1950.


Por um lado, manifestou-se como uma rebelião contra a psicologia clínica
estabelecida, dominada principalmente pela psicanálise e, por outro, propôs o
estabelecimento de uma terapia psicológica apoiada por princípios científicos,
dados sobretudo pela psicologia da aprendizagem, com dois paradigmas
básicos: condicionamento clássico ou pavloviano e condicionamento operante
ou skinneriano. Isso favoreceu a evolução científica pelo uso de análises
estatísticas que permitiram inferências populacionais.

A segunda geração de terapia comportamental ocorreu por volta de 1970, com a


terapia cognitivo-comportamental, na qual a psicologia cognitiva foi dedicada ao
estudo do roteiro entre estímulo e resposta, uma relação também entendida agora
através da metáfora do processamento de informações.

A terapia cognitivo-comportamental postula que as cognições (crenças,


pensamentos, expectativas, atribuições entre outras) são as causas de problemas
emocionais e comportamentais e, ainda mais, que cada distúrbio tem sua condição
ou disfunção cognitiva específica (HAYES, 2004; PÉREZ, 2006; COUTIÑO, 2012).

A terapia cognitivo-comportamental mantém as técnicas centradas na mudança


de comportamento por contingências ou de primeira ordem (geradas pela
primeira onda de terapias). No entanto, as variáveis de interesse por excelência
foram transferidas para eventos cognitivos, considerando-os, agora, como causa
direta do comportamento e, portanto, transformando o pensamento no principal
objetivo da intervenção. Nesse sentido, a premissa básica argumenta que, como a
causa do comportamento é o pensamento, é preciso modificar o pensamento para
mudar o comportamento.

7
A terceira geração de terapia comportamental é da década de 1990, embora não
tenha sido amplamente conhecida até 2004. Hayes (2004) considera a terceira
geração de terapias comportamentais como baseada em uma abordagem empírica
e focada nos princípios de aprendizagem.

Hayes considera que a terceira onda de terapias cognitivas e comportamentais é


particularmente sensível ao contexto e às funções dos fenômenos psicológicos,
e não apenas à forma, enfatizando o uso de estratégias de mudança baseadas na
experiência e no contexto, além de outras mais diretas e didáticas.

Esses tratamentos buscam a construção de repertórios amplos, flexíveis e


eficazes, em vez de tender à eliminação de problemas claramente definidos,
destacando questões relevantes para o clínico e a pessoa. Segundo esse autor, a
terceira onda reformula e sintetiza as gerações anteriores de terapias cognitiva
e comportamental, levando-as a questões, problemas e domínios anteriores
e principalmente dirigidos por outras tradições, na esperança de melhorar a
compreensão e os resultados.

O surgimento dessa nova geração de terapias psicológicas deve-se ao


desenvolvimento da análise do comportamento e do behaviorismo radical, bem
como às limitações da terapia cognitivo-comportamental, que teriam a ver com
uma possível prática de padronização dos tratamentos de forma rígida.

As contribuições das TTG são apreciadas nas terapias específicas que a


constituem, que têm como princípio terapêutico o abandono da luta contra
os sintomas e, em vez disso, a reorientação da vida. Enfrentando a visão
tradicional contra os sintomas que caracterizam a psiquiatria biológica e, em
grande medida, também a terapia cognitivo-comportamental (PÉREZ, 2006;
COUTIÑO, 2012).

As TTG se referem ou se conectam com processos diretamente relacionados


à aceitação psicológica; aos valores da pessoa e do próprio terapeuta, um
procedimento dialético durante o curso da terapia, bem como a questões
relacionadas à espiritualidade e transcendência (MAÑAS, 2007).

Segundo Hayes (2004), as terapias da terceira onda buscam cumprir vários


objetivos, incluindo: abandonar o compromisso de usar exclusivamente
mudanças de primeira ordem; adotar pressupostos básicos de natureza mais
contextual; utilizar estratégias de mudança mais experimentais, em vez de usar
exclusivamente estratégias de mudança direta ou de primeira ordem; bem como
expandir e modificar consideravelmente o objetivo a ser tratado ou alterado.

8
Até o momento, não se sabe se a terceira onda de terapias será mais eficaz que
a anterior. A literatura sobre TTG ainda é muito recente e o corpo de evidências
científicas ainda é inconclusivo, mas há indicações importantes de que isso
marcará uma mudança positiva nas terapias comportamentais.

Algumas das principais terapias de terceira geração (COUTIÑO, 2012) são:

» Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).

» Psicoterapia Analítica Funcional (FAP).

» Terapia Comportamental Dialética (DBT).

» Terapia Comportamental Integrativa de Casais (IBCT).

» Terapia de Ativação Comportamental.

» Terapia de redução do estresse baseada em mindfulness.

» Terapia cognitiva baseada em mindfulness.

» Terapia baseada em mindfulness para o transtorno de ansiedade


generalizada.

Essas terapias utilizam mais as técnicas que os sintomas da pessoa, enfatizam


a modificação da sua experiência subjetiva e a consciência dela. Elas buscam a
conscientização em oposição ao automatismo dos pensamentos e a velocidade com que
as pessoas vivem, sem parar para pensar sobre o aqui e o agora, pelo cultivo de certas
atitudes e prática de paciência e perseverança.

Objetivos
» Apresentar uma perspectiva do mindfulness como constructo de estudo
científico.

» Apresentar pontos de encontro entre o mindfulness, psicologia e outras


disciplinas.

» Apresentar fundamentos da terapia cognitiva e mindfulness.

» Conhecer ferramentas de avaliação científica do mindfulness.

Seja bem-vindo e aproveite a disciplina!

9
10
INTRODUÇÃO AO UNIDADE I
MINDFULNESS

Figura 1. Mulher.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/

CAPÍTULO 1
Mindfulness – atenção plena

Mindfulness é o significado em inglês do conceito de “atenção plena”, “estar


atento”, “consciência plena” ou “presença plena”, o que implica que o sujeito está
focado na tarefa que está sendo executada naquele momento, sem que a mente
divague sobre o futuro ou o passado, e sem sentimento de apego ou rejeição,
causando nele energia, clareza de mente e alegria (COUTIÑO, 2012).

Se a mente é definida como o processo que regula o fluxo de energia e informação,


a técnica de mindfulness consiste em estar atento a vários aspectos da própria
mente. É uma maneira concreta de assistir às experiências do aqui e agora,
e à própria natureza da mente, desenvolvendo uma forma especial de atenção
(BISHOP, 2002).

11
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

Kabat-Zinn (2003) oferece uma definição clara, especificando que ela surge
atendendo intencionalmente à própria experiência, momento a momento,
aceitando-a e sem julgá-la. Assim, desenvolve-se uma nova perspectiva sobre
pensamentos e sentimentos, na qual eles são reconhecidos como eventos
mentais e não como aspectos do ser ou reflexos exatos da realidade.

A prática repetida de atenção plena permite que a pessoa desenvolva a


capacidade de se afastar calmamente de pensamentos e sentimentos durante
situações estressantes, em vez de se envolver em preocupações ansiosas
ou outros padrões de pensamento negativo, que, de outra forma, poderiam
aumentar em um ciclo de estresse reativo (BISHOP, 2002). É possível estar
presente com a nossa experiência, primeiro durante as práticas meditativas
e, depois, de maneira extensiva na vida cotidiana.

A atenção plena também foi definida como o cultivo do dar-se conta, através
de um foco relaxado, no surgimento de cada momento da experiência, isto é,
a presença plena também significa que a mente está presente na experiência
corporal cotidiana.

As técnicas são projetadas para trazer à mente teorias e preocupações, desde


a atitude abstrata até a situação concreta do “aqui e agora “de sua própria
experiência.

Além disso, a meditação e a prática da atenção plena são, em certo sentido,


termos intercambiáveis, sendo a meditação Vipassana a que melhor se ajusta
aos modelos médicos ocidentais e sobre a qual existem grandes evidências
de seus efeitos benéficos em vários transtornos. A meditação Vipassana
concentra-se na respiração natural, observando a natureza mutável do
corpo e da mente e, assim, experimentando as verdades universais de
impermanência, sofrimento e ausência de si (COUTIÑO, 2012).

Através da prática da atenção plena, tanto em instâncias formais quanto na


vida cotidiana, o praticante se torna progressivamente capaz de reconhecer e
observar quais são seus pensamentos, em vez de considerá-los como se fossem
fatos indiscutíveis, deixando de se identificar gradualmente com seus conteúdos
mentais e as emoções conflitantes associadas, avaliando dessa maneira cada
circunstância vivida, sendo capaz de responder criativa e efetivamente, em vez de
reagir automaticamente a partir de seus padrões habituais.

Os praticantes são ensinados a focar sua atenção em algo específico, como a


respiração, observando com equanimidade o esperado surgimento de diversos

12
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

pensamentos, emoções e/ou sensações. Quando a pessoa percebe que se


distraiu e que sua mente vagou, a prática consiste em reconhecer naquele
momento o conteúdo desse pensamento e retornar ao foco da atenção. Existe
um processo circular que envolve prestar atenção total, distrair-se, tomar
consciência da distração e voltar gentilmente a prestar atenção. A tendência
à distração diminui gradualmente à medida que a familiaridade com a prática
aumenta (KABAT-ZINN, 2003).

O cultivo da consciência da mente e do corpo para viver aqui e agora é uma


prática historicamente enraizada nas antigas disciplinas meditativas budistas.
Portanto, segundo alguns autores, a prática meditativa budista, no mundo
ocidental, foi considerada mais como uma técnica próxima a uma psicoterapia
do que a uma religião.

O budismo é uma filosofia que surgiu por volta do século V a. C. no nordeste


da Índia (WATTS, 1992). Os principais aspectos do budismo que são a base da
atenção plena são descritos abaixo.

Mindfulness e budismo
Os ensinamentos do budismo concentram-se na mente, sob o preceito de
que uma mente bem formada está tranquila e não se deixa levar por desejos,
preocupações ou enganos. A atenção plena enriquece as experiências e as torna
satisfatórias (COUTIÑO, 2012).

Uma fantasia muito habitual da mente é acreditar que todas as coisas e seres
têm um tipo de existência independente e eterna. No entanto, a consciência plena
expõe a transitoriedade e a interdependência dos fenômenos e também aponta
que a meditação é o método mais poderoso para formar a mente.

Uma mente relaxada e focada permite a prática de Vipassana ou meditação


concentrada. A meditação forma a mente para se acalmar e observar. Ao entender
que o humor, as sensações e os pensamentos não duram para sempre, nossas
reações se acalmam.

Além disso, as respostas usuais às situações serão claramente vistas, o que


oferece a oportunidade de mudar atitudes ou comportamentos, se não estiverem
corretos. A atenção plena é a mais antiga das práticas de meditação budista.
O método vem diretamente do Satipatthana Sutta, um discurso atribuído ao
próprio Buda Sakyamuni. É um sistema antigo e codificado de treinamento

13
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

de sensibilidade (ou seja, ouça atentamente, veja completamente e prove com


cuidado) (VIPASSANA FELLOWSHIP, 2012).

Os quatro fundamentos da atenção plena, explicados no Satipatthana Sutta


(NIKAYA, 2500 a. C.), são os ensinamentos originais que Buda transmitiu para a
prática da introspecção de Vipassana e correspondem a:

1. observar o corpo, o que significa ver o que faz o corpo se mover,


capturando a intenção que leva a mente a agir;

2. observar as sensações, o que implica prestar atenção ao apego às


sensações (agradável, desagradável ou neutro);

3. observar a mente, isto é, estar atento à atração, à repulsa e à indiferença


que aparece no pensamento;

4. observar objetos mentais como alegria, apatia, preocupação, calma,


dúvida, inquietação e qualquer outra atitude mental.

A primeira prática no caminho budista da meditação é chamada shamata - no


tibetano “shiné” - para habitar em calma ou “meditação da tranquilidade”. É
uma prática de atenção, que pode ser feita com um objeto (suporte) ou sem ele.
Baseia-se em observar a respiração levemente e com atenção. A disciplina da
prática de shamata é fazer a mente voltar repetidamente à respiração.

Quando essa prática é aperfeiçoada, a pessoa consegue se unir à respiração e,


depois de um tempo, até a respiração, como objeto de atenção da prática, se
dissolve e descansa no momento presente. O estado de estar centrado em um
único ponto constitui o fruto e o propósito dos shamata.

Esse conjunto de atividades mentais visa especificamente experimentar um


estado ininterrupto de consciência (Sati). Sati é o momento da pura consciência
antes da conceituação, o momento da consciência leve e sem foco, é a observação
sem julgamento, é a capacidade da mente de observar sem críticas, de ver as
coisas sem condenação ou qualificação. O objetivo da meditação Vipassana é
aprender a prolongar esse momento original.

Ao mesmo tempo, Sati possibilita o crescimento da sabedoria e da compaixão,


sem ela não seria possível desenvolver essas qualidades até a maturidade, pois
o estado totalmente desenvolvido da consciência é de desapego e total ausência
de dependência de qualquer coisa no mundo (NAYAKA-THERA, 2003 em
COUTIÑO, 2012).

14
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

Para que a atenção plena, Sati, alcance seu desenvolvimento máximo, deve ser
baseada nos principais preceitos budistas. As quatro nobres verdades são os
fundamentos dos ensinamentos budistas nos quais suas diferentes práticas se
baseiam. A primeira verdade afirma que a vida é sofrimento. Na vida há dor,
doenças e, no final, morte. Há também sofrimento mental, como medo, raiva,
frustração, inveja, decepção etc.

A segunda verdade diz que o sofrimento é o resultado de desejos e ignorância.


Alcançar o Nirvana é alcançar um estado sem desejos, livrar-se desse sofrimento.
A condição humana nos mostra que um desejo realizado pode resultar no
surgimento de um novo desejo. Por outro lado, um desejo não realizado pode
resultar em raiva e frustração.

A terceira nobre verdade diz que o sofrimento pode ser superado e que a
verdadeira felicidade é possível. Temos que nos concentrar em conhecer as
causas do nosso sofrimento, neutralizando essa ignorância e guiando nossas
vidas para super-lÓ. A quarta nobre verdade afirma que o sofrimento pode ser
superado se alguém seguir o Nobre Caminho Óctuplo e sua representação for a
roda do dharma, o símbolo mais universal do budismo.

Em resumo, o Nobre Caminho Óctuplo consiste em ser integral em todos


os aspectos da vida, concentrando a mente em estar totalmente consciente
de nossos pensamentos e atos, além de desenvolver a sabedoria através da
compreensão das Verdades Nobres e mostrar compaixão pelas outras pessoas.
Os oito aspectos principais do Caminho Óctuplo se referem a:

1. ter visão ou entendimento correto;

2. ter pensamento ou determinação corretos, comportamento ético;

3. falar corretamente;

4. agir corretamente;

5. ter meios de subsistência corretos e treinamento mental ou


meditação;

6. ter esforço correto;

7. ter consciência do momento certo;

8. fazer concentração ou meditação correta.

15
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

Por outro lado, no budismo os quatro pensamentos incomensuráveis ou sem


limites também foram postulados, como eixos centrais que governam sua filosofia.
Esses pensamentos e suas implicações serão descritos abaixo:

1. Compaixão ou bondade amorosa: que todos os seres estão livres do


sofrimento e de suas causas (por exemplo, autoengano, confusão e
pensamentos negativos).

2. Amor: todos os seres têm felicidade e suas causas, envolvendo as seis


perfeições (generosidade, paciência, entusiasmo, ética, concentração
e sabedoria). Da mesma forma, eles têm uma mente compassiva, que
gera felicidade duradoura, que não muda.

3. Prazer ou alegria: uma mente cheia de compaixão e amor é uma mente


cheia de prazer e alegria. Descobrimos que nossa mente natural é
um estado de paz e alegria, mas, além disso, notamos um estado de
clareza, lucidez, que também é inseparável da alegria. Nesse estado,
entendemos que a base da mente é essa condição e que todos os seres
têm a mesma qualidade básica. Reconhecemos que não há base para
apego ou ódio, desejo e aversão.

4. Igualdade ou equanimidade: que todos os seres permanecem livres


do apego e rejeição dos outros. Considera-se que todos os problemas
advêm do apego e da rejeição, de modo que a equanimidade
proporciona felicidade à mente, a pacifica e a tranquiliza. Além disso,
com uma mente relaxada são alcançados um corpo relaxado e uma
respiração relaxada (GYATSO, 1998).

A partir do preceito budista, cultivar a consciência plena nos ajuda a viver


profundamente todos os momentos de nossa vida cotidiana. Todos nós
temos a capacidade de estar presentes, no entanto, aqueles que sabem como
praticar a consciência desenvolvem uma energia muito mais poderosa e uma
capacidade maior de mergulhar silenciosamente no presente. Dessa maneira,
os hábitos negativos que surgem repetidamente podem ser alterados, sendo
um dos mais relevantes aspectos para permitir que nossa mente se projete
constantemente no futuro, e não permita que vivamos plenamente e felizes
no presente (NHAT-HANH, 2011).

16
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

A ação da atenção plena consiste em realmente observar os próprios


pensamentos, “bons” ou “maus”, contemplando a verdadeira natureza dos
pensamentos que possam surgir, sem examinar o passado ou convidar o futuro,
sem permitir qualquer apego às experiências de alegria ou ser dominado
por situações tristes. Ao fazer isso, tenta-se alcançar e manter um estado de
grande equilíbrio, onde o bem e o mal, a paz e a angústia são desprovidas de
verdadeira identidade (COUTIÑO, 2012).

17
CAPÍTULO 2
A experiência da mindfulness

Figura 2. Mulher meditando.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/.

A fenomenologia do mindfulness
Para entender o construto mindfulness e seus componentes básicos, a experiência
subjetiva do sujeito deve ser levada em consideração. Somente através da
experiência você pode conhecer seus componentes, o que implica a prática da
atenção plena (QUINTANA, 2016).

O mindfulness é principalmente uma realidade multifacetada onde o indivíduo


é orientado à prática e à experiência, ou como têm chamado alguns autores, ao
“processamento concreto ou experimental” ou à “experiência fenomenológica da
primeira ordem”, entre outros termos (BROWN; CRESWELL; RYAN, 2015 em
QUINTANA, 2016).

A pessoa é primariamente encorajada por ela mesma a implantar seu próprio


laboratório interno, onde ocorrem as reações de interação de múltiplos circuitos de
informação, incentivadas apenas pela curiosidade do próprio praticante, expostas
ao fascínio pelo simples e a cair no estado de transição de absorção, onde o tempo
e o espaço se confundem.

No estado de atenção plena em que o indivíduo se relaciona com a realidade,


percebe-se uma qualidade distinta. A realidade atual assume uma definição mais

18
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

clara e inovadora, apesar de ser a mesma. Você poderia dizer que não foram as
circunstâncias da realidade que mudaram, mas o observador que mudou.

No entanto, qualquer descrição feita da fenomenologia e da experiência


subjetiva derivada do estado de mindfulness sempre influenciaria a
multiplicidade à qual a atenção plena se refere. O estudo do mindfulness
de fato se refere à natureza subjetiva e aos usos da consciência mental
(QUINTANA, 2016).

Sobre a experiência subjetiva do mindfulness, pode ser analisada a partir das


perspectivas da “atitude natural” de experimentar o mundo ou da “atitude
fenomenológica”.

Portanto, existem basicamente dois modos de processamento da consciência.


Quando a realidade é observada sem interferir nos padrões cognitivos de
julgamentos e comparações etc., a abordagem que está sendo adotada é do ponto
de vista fenomenológico, isto é, a realidade como um conjunto de fenômenos como
eles são e que ocorrem diante do observador.

A atitude natural (que é um processamento de “modo padrão” onde as coisas


são observadas e nas quais uma operação cognitiva é realizada), por outro
lado, é um modo de processamento que tem benefícios adaptativos, incluindo o
estabelecimento e a manutenção de uma ordem, na qual eventos e experiências
são relevantes para o indivíduo e facilitam a consecução dos objetivos. Mas, ao
mesmo tempo, implica que a realidade não é vista imparcialmente.

Como exemplos, são visões otimistas ou pessimistas que incluem vieses que levam
a estados de excitação ou medo, respectivamente.

No caso oposto, na atitude fenomenológica, a realidade simplesmente aparece


ou ocorre. Essa perspectiva não anula a anterior, mas quando nos relacionamos
com o mundo das impressões sensíveis, emoções, imagens e pensamentos, tudo
permanece, mas é percebido de maneira diferente, pois aparecem estritamente e
“distanciando-se”.

Esse processo inclui a observação e o processamento do “modo natural” que


envolve avaliações e julgamentos. No modo ou atitude “observador de fenômenos”,
a pessoa está simplesmente presente, tanto do que é objetivamente observável
quanto da natureza dos processos de consciência ao observar a realidade. Este
modo implica um estado de receptividade mental em que a atenção é mantida em
um “registrar”, para testemunhar os fatos observados.

19
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

Quando a atenção é usada para fazer contato direto com o mundo, as


capacidades básicas da consciência, como atenção e tomada de consciência,
permitem que o indivíduo esteja presente na realidade como ela é, em vez de
reagir continuamente com respeito a ela. Até as reações psicológicas usuais
que podem ocorrer quando nossa atenção está presa em pensamentos, imagens,
verbalizações, emoções ou impulsos para reagir podem ser observados como
um fenômeno da corrente de consciência.

Brown e Cordon (2009) apontam que esse caminho em particular não implica
tornar a experiência objetiva ou dissociá-la. É o contrário, proporciona uma
relação íntima com a experiência consciente. De fato, essa perspectiva íntima da
realidade (não apenas dos eventos externos, mas também da experiência interna,
incluindo a maneira pela qual a mente age) é experimentada com um alto grau de
intenção de estar atento.

Lutz et al. (2008) fazem uma abordagem empírica à fenomenologia da prática


do mindfulness, combinando medidas quantitativas da atividade neuronal que
ocorrem durante a prática e medidas qualitativas na experiência em primeira
pessoa dos indivíduos. Essa abordagem incorpora ativamente a participação
do indivíduo em gerar e descrever seu próprio estado específico de meditação e
categorizá-lo.

Esses autorrelatos sobre a experiência subjetiva são úteis para identificar


a variedade na resposta neuronal que ocorre momento após momento e
para interpretar os processos neuronais durante a meditação. Nesse caso, é
extremamente útil comparar a experiência fenomenológica durante a meditação
por meio de relatórios verbais, tanto de meditadores especialistas quanto de
pessoas sem experiência em meditação.

Como apontam os autores, os autorrelatos podem ter vieses, portanto seria


necessário desenvolver uma metodologia precisa e rigorosa para registrar a
experiência na primeira pessoa. Com esses autorrelatos, os aspectos subjetivos
vivenciados na primeira pessoa sobre os processos de regulação emocional e de
atenção podem ser identificados. Esses autores levantam a hipótese de que as
correlações entre os relatos fenomenológicos e as medidas de atividade neuronal
medidas simultaneamente, podem ser maiores em meditadores do que em não
meditadores, uma vez que os meditadores podem relatar com mais sinceridade
seu próprio conteúdo e processos mentais do estado de atenção plena com base no
treinamento que receberam.

20
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

A prática do mindfulness
O desenvolvimento da habilidade de mindfulness é gradual e sistemático, exigindo
que uma prática regular seja realizada, geralmente através da meditação e da
orientação intencional da atenção ao momento presente durante as atividades
diárias.

Dessa maneira, a capacidade de realizar a experiência momento a momento


gera uma percepção mais nítida da vida e uma qualidade distinta em relação aos
eventos do dia a dia. Se você observa persistentemente e sem julgar o conteúdo
mental, é alcançado um aumento gradual na capacidade de perceber suas próprias
respostas mentais à estimulação interna e externa. Isso favorece a regulação das
ações afetivas, bem como uma maior percepção de controle.

A prática da meditação mindfulness pressupõe a intenção de manter uma atenção


particular à realidade que é vivida. Em vez de restringir a atenção a um objeto ou
perspectiva da realidade, a prática da atenção plena enfatiza uma observação de
diferentes ângulos, momento após momento, com atenção flexível aos eventos
internos e externos que surgem no campo perceptivo.

Na prática da atenção plena, há uma flexibilidade atencional que é alcançada


concentrando-se em um objeto principal (geralmente a sucessão de inspirações e
expirações), até que a atenção seja relativamente estável e, em seguida, permita
expandir o campo de atenção a mais objetos (geralmente em fases) até finalmente
incluir todos os eventos físicos e mentais – sensações corporais, pensamentos,
memórias, emoções, percepções, intuições, fantasias – exatamente como
acontecem a cada momento.

A prática da atenção plena pode ser realizada de duas maneiras ou com dois
estilos diferentes, através do que foram denominadas: a prática nos estilos
formal e informal.

Estilos de prática: formal e informal


Dois estilos diferentes de prática podem ser distinguidos: o estilo formal de prática
que se refere à prática sistemática ajustada a prescrições específicas sobre o tipo
de técnica, suas instruções e sua dosagem (frequência e duração das sessões); e
o estilo de prática informal, na qual a capacidade de atenção plena é integrada às
atividades da vida diária, promovendo a consciência da respiração, a percepção
somática ou elementos específicos de estímulos sensoriais.

21
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

A prática formal é fundamental para alcançar um objetivo, dependendo do


contexto clínico, terapêutico ou de bem-estar pessoal. Em geral, os objetivos
podem ser: a redução da ansiedade ou da dor, a aquisição ou melhoria das
habilidades de enfrentamento do estresse ou a melhoria do bem-estar
psicoemocional em geral.

No entanto, tão importante quanto a prática que é realizada com qualquer uma
das técnicas baseadas em mindfulness de maneira sistemática (o estilo formal)
também é a transferência da capacidade mindfulness para todos os atos da vida
cotidiana, determinando assim o estilo informal de prática.

O estilo de prática formal da atenção plena envolve a prática sistemática de


exercício físico em atenção consciente e meditação com diferentes técnicas. A
intensidade e o volume da prática, bem como o nível de dificuldade da técnica
baseada na atenção plena, vão aumentando gradualmente.

Por fim, o objetivo da prática sistemática é manter um nível de capacidade


cognitiva de mindfulness e melhorar a transferência do conjunto de habilidades
adquiridas na prática formal para a vida cotidiana. Com essa transferência, o
indivíduo dá total atenção aos atos cotidianos que geralmente são realizados
no “piloto automático”, regula as respostas cognitivo-emocionais, ajustando
seu comportamento de forma mais adaptativa e com maior capacidade de
enfrentamento.

Essa seria a prática informal de estilo que se desdobra no cotidiano do indivíduo


em seu relacionamento consigo mesmo, com os outros e com o meio ambiente.
A prática informal é facilitada pela exibição da capacidade de atenção plena
nas ações diárias de hábitos pessoais, de trabalho ou de rotina. Portanto, o
conteúdo abordado nos programas de treinamento em mindfulness refere-se a
gerenciamento de tempo, alimentação adequada ou comunicação interpessoal.

Exemplos de instruções destinadas a favorecer a atenção total nas atividades


diárias podem ser: estar ciente das sensações corporais ao se levantar; sentir a
água no corpo ao tomar banho ou prestar atenção aos detalhes da textura, sabor
e cheiro dos alimentos. Um dos aspectos distintos do treinamento ou práticas
informais é ter espaços de silêncio em atenção consciente.

Ficar em silêncio consigo mesmo em uma atitude contemplativa é um recurso


promovido para ser incluído no cotidiano das pessoas. Como práticas informais de
atenção plena, leituras e reflexões também são feitas em trechos de poemas clássicos
e contemporâneos como um recurso para influenciar, por meio de linguagem
alegórica e metafórica, aspectos da consciência e da sabedoria humanística.

22
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

Tipos de prática mindfulness: instrumental e


não instrumental
Com relação à prática de mindfulness, também podemos, com outro critério,
diferenciá-la entre prática instrumental (com objetivo) e prática não
instrumental (sem objetivo concreto).

Na prática instrumental da meditação, pode-se utilizá-la para atingir um


objetivo específico. A meditação tem sido praticada com uma ampla variedade
de objetivos, incluindo, entre outros: gerenciamento do estresse, melhora da
saúde, redução de dores e doenças, aumento do bem-estar subjetivo, aumento
do desempenho acadêmico, pessoal ou profissional para facilitar a exploração
pessoal ou espiritual (KABAT-ZINN em QUINTANA, 2016).

Da mesma forma, o indivíduo que começa na prática da meditação é instruído a


adquirir ou aprender os fundamentos básicos da técnica específica e os padrões
físicos e mentais (a posição do corpo ou segmentos do corpo, os estímulos nos
quais fixar atenção, o que fazer quando se perde a concentração etc.). Essa
prática instrumental requer treinamento sistemático que permita acompanhar
metodicamente os efeitos para finalmente alcançar o objetivo fixado.

Por outro lado, a prática não instrumental da atenção plena é autotélica. O termo
autotélico vem do grego “auto” para indicar próprio e “telos”, que significa objetivo.

O comportamento é descrito como autotélico quando a atividade em si é


intrinsecamente motivadora e qualquer recompensa ou incentivo externo é
reduzido para um nível secundário. A participação em uma atividade autotélica,
como a prática da meditação sem objetivo, implica participar da atividade pelo
prazer de fazê-lo sem nenhum outro objetivo ou interesse instrumental.

Sob essa perspectiva, não se deve perseguir nenhum objetivo ou ter um


propósito urgente com o início da prática da meditação. É a própria
experiência durante a prática que deve ser uma recompensa ou objetivo. E o
mais apropriado é praticar o mindfulness pela simples diversão ou satisfação
que isso implica. A partir de uma abordagem autotélica de sua aprendizagem,
as características da sessão de meditação, o instrutor, o aprendiz e o próprio
processo ou metodologia diferem da prática instrumental.

O papel do aluno não é apenas aprender a técnica, é estabelecer a força de sua


motivação básica. A habilidade que está sendo aprendida não é algo externo a quem
aprende, é da natureza de quem aprende, é uma habilidade inata que ele já possui.

23
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

No processo autotélico de aprendizado da meditação, a ênfase é colocada na


natureza da própria prática (a qualidade ou característica da prática) e não
na quantidade de prática. Isso implica a eliminação de desejos, expectativas e
objetivos. Portanto, contrariamente à construção didática de que, para que a
aprendizagem aconteça, algo deve ser adquirido, na prática da meditação ou no
treinamento em mindfulness, ocorre o contrário.

Ou seja, a maneira pela qual a meditação deve ser praticada usando a


capacidade de meditar não é caracterizada pelo que é adquirido, mas pelo
que é descartado ou deixado de fora. Em particular, o processo de aquisição
da capacidade meditativa é um processo de desaprender, em vez de aprender.
Esse desaprender envolve um esforço, um treinamento, mas é diferente de
adquirir algo novo.

Na prática autotélica de uma habilidade meditativa, é necessária a ausência de


ambições (a ambição de adquirir uma nova habilidade através de determinação
e esforço) é deixar ir, deixar ir, sair.

O processo de treinamento é um esforço sem esforço. Na prática da meditação


autotélica, mais do que a busca por objetivos, trata-se de prestar atenção
consciente à ação ou atividade que está ocorrendo neste momento preciso.

Em resumo, enfatizamos que, em essência, a prática do mindfulness é orientada


ao processo e não ao resultado.

24
CAPÍTULO 3
Perspectivas do construto Mindfulness

Figura 3. Cérebro.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/. Acesso em: 20 nov. 2019.

Uma maneira de estabelecer ou esclarecer a construção psicológica da atenção


plena é diferenciá-la de outras análogas. Nesse sentido, foram feitas algumas
diferenciações que contribuem para orientar as diferentes perspectivas do
construto. A seguir apresenta-se uma síntese baseada em Quintana (2016).

Foi levantado se a mindfulness ou atenção plena é análoga a outras construções


cognitivas, como atenção/concentração, experiência dissociativa ou
automonitoramento, mas que não são o mesmo (BROWN; CORDON, 2009).

A relação entre sugestão e estado mindfulness foi teoricamente explorada


(LIFSHITZ; RAZ, 2003 em QUINTANA, 2016), analisando os elementos
comuns que atuam em ambos os estados, de atenção e sugestão.

A forte relação entre sugestionabilidade e atenção é negligenciada na pesquisa


em mindfulness, embora tenha sido visto que a sugestão, as expectativas e a
intenção podem, desempenhar um papel substancial na prática meditativa.
Sauer et al. (2011), por sua vez, estimam que “mindfulness não é o mesmo
que sugestionabilidade hipnótica, embora certas semelhanças tenham sido
encontradas”.

Estar em um estado hipnótico pode ser acompanhado por um estado reduzido


de consciência, como observado nos estados dissociados de absorção ou transe,
enquanto o estado de atenção plena está sempre associado a uma manutenção
voluntária da consciência e da atenção.

25
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

O papel da atenção também tem sido estudado comparativamente à meditação e


à hipnose a partir da perspectiva psicobiológica (DAVIDSON; GOLEMAN, 1977
em QUINTANA, 2016). A meditação pode ser considerada como estimulante
do estado de sugestão que ocorre na hipnose, quando a instrução segue nessa
direção, antes durante e após a prática da meditação.

O estado mindfulness também tem sido relacionado à absorção, de modo que a


atenção plena é moderadamente influenciada pelo estado de absorção, embora a
atenção plena e o estado de absorção tenham diferenças como construtos.

Além da diferenciação com outros construtos, existem diferentes perspectivas


sobre o construto de mindfulness, que são:

1. mindfulness como construto budista;

2. mindfulness como construto empírico;

3. mindfulness como construto psicológico; e

4. mindfulness como construto mensurável.

Mindfulness como construto budista


Grossman (2011) é crítico sobre a compreensão do construto mindfulness
exclusivamente da perspectiva da psicologia ocidental, comentando que
mindfulness como um construto budista é o resultado de 2.500 anos de
desenvolvimento em uma abordagem fenomenológica orientada para a
compreensão gradual da experiência direta.

As outras versões definidas pela psicologia ocidental têm menos de dez anos
e tentam quantificar objetivamente o mindfulness pelo uso de definições
operacionais que podem ser entendidas e geralmente validadas por pessoas sem
treinamento em atenção plena.

Pode ocorrer o perigo de distorção e de torná-lo patente na ausência de evidências.


O mindfulness como construção psicológica que está associado com a prática
ou experiência envolve pelo menos quatro fases distintas, como mencionado no
Satipatthana Sutta (um dos mais antigos discursos budistas sobre mindfulness),
que são:

» ser consciente das sensações corporais;

26
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

» tomar consciência do conteúdo mental;

» tomar consciência dos processos mentais, como emoções; e

» tomar consciência dos estados alterados de consciência.

Por outro lado, é importante considerar no construto da atenção plena, do


ponto de vista da tradição budista, a noção de atenção (em Pali: manasikara) e
consciência (em Pali: citta) que são diferentes e separadas do termo original deve
ser considerado, sati: mindfulness.

Na opinião de Grossman (2011), atenção e conscientização são pré-condições do


mindfulness. Esses autores pensam que analisar o mindfulness sem incluir outros
aspectos integrais da prática do budismo, como os ensinamentos do Caminho
Óctuplo (o caminho da libertação do sofrimento), ou os Quatro Imensuráveis
(brahmavihar: compaixão, bondade, alegria e equanimidade) poderiam levar a
uma visão distorcida da atenção plena; apesar de que tal abordagem sem o contexto
budista leve a sua implantação bem-sucedida em outros ambientes, como o
médico ou o clínico (QUINTANA, 2016).

Mindfulness como construto empírico


Davidson (2010 em QUINTANA, 2016), quase três décadas após a primeira
investigação do programa de redução do estresse com base em mindfulness,
enfatiza que é imperativo determinar os métodos que usamos para tornar
operacional o construto mindfulness.

Esse autor enfatiza que a atenção plena pode ser vista como uma construção
psicológica diversificada e isso pode mediar a maneira de ser investigada com
diferentes desenhos de pesquisa (longitudinal, de correlações ou de laboratório).

Davidson continua indicando que o “estado de pesquisa nessa área ainda está
em sua infância”, mas o mindfulness está a caminho de se tornar uma corrente
principal. Como principais necessidades relacionadas à pesquisa em mindfulness
para especificar e definir seu construto como uma entidade empírica, destacam-se
os seguintes aspectos principais:

a. É necessário focalizar a maneira pela qual o termo mindfulness


é conceitualizado e definido operacionalmente em cada contexto
experimental, seja como um estado, como uma característica ou como
uma habilidade. Se a atenção plena é considerada um construto a ser

27
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

investigado como uma variável independente (que é modificada como


uma condição experimental: treinamento em atenção plena), diferentes
extensões de treinamento (estímulo breve versus treinamento
acumulado) devem ser comparadas. Se, pelo contrário, é considerada
uma variável dependente (estado individual ou característica que
é influenciada), as facetas da atenção plena na qual o impacto do
treinamento foi visto devem ser medidas.

b. É necessário estudar o construto mindfulness com outras medidas


complementares às do autorrelato, mais objetivas e em comparação com
construções opostas, como “mente dispersa” (mind wandering), usando
ferramentas de medição usadas no referido campo de estudo.

c. É necessário integrar as medidas objetivas de registro e


monitoramento da prática formal da atenção plena. Enquanto se
espera que os participantes forneçam informações razoavelmente
confiáveis sobre os horários em que meditam formalmente, não
está claro até que ponto os participantes podem dar uma medida
adequada da qualidade de sua prática (com o uso de uma medida
comportamental em tempo real, sim, poderiam).

d. É necessário integrar medidas para monitorar a prática informal, cujas


informações são ainda mais imprecisas. Para isso, metodologias de
amostragem poderiam ser usadas na vida cotidiana.

e. Finalmente, os delineamentos experimentais devem ser aprimorados:


criando delineamentos intrasujeito/intersujeito, com atribuição
aleatória a um grupo de controle ativo comparável já validados para
garantir que efeitos específicos sejam condicionados por intervenções
baseadas na atenção plena (como a prática de meditação) e controle
de fatores não específicos (expectativas positivas, motivação, apoio do
grupo).

Mindfulness como um construto psicológico


O binômio mindfulness psicológico, serve para nos referirmos ao mindfulness
no ambiente da psicologia, sendo substancialmente diferente em seus objetivos
e práticas, quando usado em outros ambientes com orientação espiritual no
quadro de tradições religiosas e espirituais, como o budismo Vipassana ou o
Zen (QUINTANA, 2016),

28
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

O mindfulness na psicologia contemporânea tem sido adotado como um recurso


psicológico para aumentar a consciência e responder habilmente processos
mentais que contribuem para o estresse psicoemocional e o comportamento mal
adaptativo.

O mindfulness não deve ser considerado como uma técnica ou recurso de


relaxamento ou gestão emocional. As técnicas baseadas na atenção plena, por
outro lado, podem ser consideradas mais como um conjunto de ferramentas de
treinamento mental para reduzir a vulnerabilidade cognitiva ou estados ou formas
de reatividade mental.

O processo de meditação tem uma série de elementos inerentes, incluindo: uma


forma (postura ou posição do corpo), um objeto de atenção (interno ou externo),
um processo mental e um conjunto de atitudes (MIKULAS, 2010).

Sob essa perspectiva, a atenção plena é um estado que se desenvolve a partir da


prática meditativa, entre outras maneiras. Seria necessário levar em consideração,
na análise do construto psicológico os elementos constituintes da quadro 1:

Quadro 1. Elementos constituintes do mindfulness.

Forma Essa variável de construto implica corporalidade: uma postura física adotada (em pé, sentado, deitado ou
andando) e suas variantes; e/ou adoção de posições ou gestos específicos, dependendo da estrutura de
ensino (posições das mãos, pés, movimentos das seções do corpo). O aspecto somático está amplamente
presente na experiência da atenção plena tanto na prática formal quanto no “modo mindfulness” nos atos da
vida cotidiana, nos quais são promovidos a consciência da respiração ou das sensações corporais.
O objeto de atenção Situa-se em um objeto principal com tomada de consciência de outros elementos que aparecem no campo
perceptivo. Nesta seção estão o conteúdo da mente (emoções, pensamentos, memórias, imagens) e também
as sensações corporais, além dos estímulos percebidos pelos órgãos dos sentidos.
Comportamento da mente Esta seção inclui três elementos: elemento de “ancoragem” da concentração, percepção (awarenes) e
reorientação da atenção.
Conjunto de atitudes Aceitação, incluindo os aspectos específicos relacionados a não julgamento, não reatividade e equanimidade;
curiosidade, incluindo aspectos semelhantes de abertura e flexibilidade; e outros, como paciência ou
desapego.
Aceitação, incluindo os aspectos Curiosidade, incluindo aspectos semelhantes de abertura e flexibilidade; e outros, como paciência ou
relacionados a não julgamento, não desapego.
reatividade e equanimidade
Efeitos inerentes ou derivados, tanto Efeitos relacionados ao autoconhecimento ou visão ou entendimento claros também estão incluídos nesta
cognitiva quanto emocional ou seção. Essas variáveis são dificilmente mensuráveis do ponto de vista empírico.
somaticamente
Fonte: Elaborado com informação de Quintana (2016) e Mikulas (2010), adaptado pela autora.

Sob essa perspectiva, faremos uma abordagem para a definição operacional do


construto mindfulness psicológico composto pelos elementos mencionados.

Mindfulness é a qualidade da consciência do indivíduo que determina uma


orientação para viver a experiência estado-traço (pontual ou contínua) com uma
predisposição pela qual se incide de maneira particular o processo meta-cognitivo

29
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

de autorregulação de conteúdo e os processos de atenção e tomada de consciência


sobre os estímulos do escopo perceptivo, com referência a um objeto principal de
atenção. Inclui uma série de padrões físicos e psicoemocionais associados, entre
os quais estão a consciência corporal, a aceitação e a compaixão e cuja experiência
é acoplada a um conjunto de efeitos inerentes e/ou derivados.

A seguir é abordado cada um dos aspectos desta visão do construto psicológico do


mindfulness em relação a cada um dos elementos que compreendem:

Qualidade da consciência. Do ponto de vista neurofisiológico e psicossomático ou


a partir da neurociência cognitiva e afetiva tal processo de mindfulness tem sido
identificado em nível de ativação neuronal e experiência de estado-traço.

O mindfulness é principalmente uma experiência que pode ter um caráter


pontual ou de estabilidade relativa como um traço ou tendência a experimentar
esse estado com frequência.

Também podemos entender o estado como “modo” e o traço como uma tendência
geral em que o indivíduo está predisposto a estar no referido estado de atenção
plena: predisposição psicológica.

O mindfulness é ntendido como intencionalidade para viver, recriar ou entrar


em um estado psicofísico e emocional especial, a partir do qual se relaciona com
a experiência. É uma condição prévia marcada por uma motivação ou finalidade
inerente e que pode incluir aspectos como intenção, abertura e curiosidade para
experimentar.

Processo metacognitivo
Como processo metacognitivo, inclui o perceber a experiência subjetiva vivida
enquanto acontece. O processo metacognitivo da atenção plena limita-se aos
processos de tomada de consciência dos fenômenos experimentados, e não à
elaboração cognitiva sobre eles ou sobre o conteúdo das experiências.

No estado de atenção plena, percebe-se a mudança nessas experiências e


fenômenos que ocorrem nos níveis somático, cognitivo, emocional ou sensorial,
processo de autorregulação do conteúdo e comportamento dos processos de
atenção e tomada de consciência.

Esse processo inclui os elementos de:

a. atenção aberta ao objeto principal da atenção (o fluxo constante de


estímulos que aparecem no campo da consciência);

30
INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS │ UNIDADE I

b. atenção aos elementos de ancoragem, como a respiração, para reorientar


a atenção dispersa;

c. tomada de consciência da interação de ambos os processos. Padrões de


atitudes psicofísicas e emocionais.

Em relação aos padrões físicos, estão a consciência corporal da postura ou posição


do corpo e de seus membros. Também pode haver um conjunto de sequências ou
rituais de ações estabelecidas.

O padrão mental refere-se à maneira pela qual a atenção é dirigida interna e


intencionalmente com esforço passivo e amabilidade, incluindo aceitação ou
atitude passiva (não reativa, não julgamento).

No que diz respeito ao padrão tipo afetivo-emocional estariam as qualidades


como bondade, amabilidade, compaixão, afeto positivo, e outras, como
curiosidade, abertura, paciência ou deixar ir (letting go). Todas essas atitudes
se reúnem em uma série de valores e ideais pessoais que acabam moldando a
experiência, os efeitos psicológicos inerentes e/ou derivados.

Finalmente, é preciso levar em conta os efeitos intimamente ligados e que


podem estar ligados direta mas não exclusivamente, à prática do mindfulness.
Entre eles estão comportamentos virtuosos, como bondade, empatia, compaixão
por si e pelos outros, abertura ou flexibilidade. Em outro nível está o aspecto
da lucidez ou insight (despertar, perceber, autoconsciência, consciência das
perspectivas da realidade, sabedoria baseada na experiência) ou a relação com
a dor e o sofrimento (resiliência, redução do desconforto psicológico, melhoria
da saúde).

Esses efeitos podem ser tanto pontuais, derivados de uma experiência concreta
do mindfulness, quanto crônicos e acumulados pela prática contínua. Além
disso, eles podem ocorrer a posteriori, como resultado da experiência pontual
ou acumulada, bem como durante o processo ou momento em que você está no
“modo mindfulness”.

Ao construir essa descrição do mindfulness, é importante ressaltar que alguns


dos aspectos que o contemplam foram pouco medidos empiricamente na
literatura relacionada, especialmente aqueles relativos às atitudes e aos efeitos
inerentes ou derivados relacionados ao autoconhecimento (insight).

31
UNIDADE I │ INTRODUÇÃO AO MINDFULNESS

Mindfulness como construto mensurável


Usando instrumentos de medição do mindfulness torna-se possível a
compreensão do construto, que permite uma abordagem parcialmente
objetiva, a experiência que envolve o mindfulness. A atenção plena implica
um aspecto subjetivo, do ponto de vista fenomenológico, que torna complexa
sua medição exclusivamente com questionários de autorrelato.

No trabalho de medir a atenção plena como um construto, é preciso primeiro


contemplar a visão de construto que se tem do mindfulness: considerando-a um
estado, um traço ou uma habilidade da consciência.

Assim, por exemplo, a definição e conceituação feita por Bishop (2002) sobre
mindfulness implica uma abordagem sobre o desenvolvimento de ferramentas
psicométricas baseadas na consideração de medir um estado que pode ser evocado
e mantido através da regulação da atenção e está relacionado à especificidade
situacional. Dessa maneira, a escala para mensurá-la seria baseada nas respostas aos
itens com relação a uma atividade imediatamente precedente, em que uma técnica
baseada na atenção plena foi praticada.

No entanto, considerando o construto mindfulness na perspectiva de uma


característica mais estável, sua mensuração contemplaria aspectos de uma
tendência na vida cotidiana de estar em atenção plena (BAER et al., 2006 em
QUINTANA, 2016).

Por fim, considerando o mindfulness como uma habilidade que pode


ser aprendida, a escala que a mede deve ter uma validade incremental e
sensibilidade à mudança, o que permite avaliar a atenção plena após um
treinamento.

Até agora, foram desenvolvidas várias escalas psicométricas para medir a


atenção plena e cada uma inclui componentes diferentes. e então, existem
pontos de vista diferentes de como considerar o mindfulness, se como
construção unidimensional, multifacetado, ligado aos aspectos de estado ou
traço da personalidade ou relacionado a um processo, disposição ou maneira de
se relacionar com a experiência.

Essa visão do construto da perspectiva da psicometria não determina que a


atenção plena tenha uma entidade em si que seja possível medir, mas que
essa abordagem do construto desde a perspectiva das medidas psicométricas
determina uma maneira de ser analisada e compreendida.

32
MINDFULNESS –
PSICOLOGIA E OUTRAS UNIDADE II
DISCIPLINAS

Figura 4. Meditação.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/.

CAPÍTULO 1
Mecanismos psicológicos do
mindfulness

Dada a consideração de que o construto mindfulness pode ser visto de uma


maneira ou de outra (como estado, traço ou habilidade psicológica), isso
implicaria que, no mindfulness, diferentes mecanismos de ação pudessem
ocorrer. A seguir apresenta-se uma síntese da reflexão proposta por Quintana,
2016 a esse respeito.

Diferentes modelos foram propostos sobre os mecanismos psicológicos do


mindfulness que propiciam seus benefícios. Essas abordagens foram feitas
a partir de várias disciplinas, incluindo ciências cognitivas, neurociência ou
psicologia.

A existência de vários modelos explicativos mostra a complexidade do processo de


mudança derivado do mindfulness ou das intervenções baseadas na atenção plena.

33
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

No entanto, nenhum modelo parece ser suficientemente completo para


descrever o mecanismo em detalhes (GRABOVAC; LAU; WILLETT, 2011 em
QUINTANA, 2016). Em uma breve lista de modelos propostos por diferentes
autores, é possível mencionar o seguinte (quadro 2)

Quadro 2. Alguns modelos psicológicos explicativos do mindfulness.

Modelo de difusão (FLETCHER; HAYES, 2005)


Modelo de descentralização (FRESCO et al., 2007)
Modelo de redução da ruminação (DEYO et al., 2009)
Modelo de modulação do foco de atenção (CARMODY et al., 2009)
Modelo de atenção focada versus monitorização aberto (LUTZ et al., 2008)
Modelo neurobiológico de mudanças neuro-funcionais (FLETCHER; SHOENDOERF; HAYES, 2010)
Fonte: Elaborado com informação de Quintana, 2016 e adaptado pela autora.

A seguir, são descritos alguns dos modelos explicativos mais representativos sobre
os mecanismos psicológicos do mindfulness:

Modelo de metacognição
Teasdale et al. (2002) referem-se ao binômio de termos “consciência metacognitiva
“como o processo de experimentar pensamentos e emoções negativos com uma
perspectiva de desidentificação.

A mudança no padrão cognitivo conhecido como “descentralização” ou


“desidentificação” ocorre quando a pessoa, ao invés de vivenciar suas emoções
como “sendo ela” ou de se identificar pessoalmente com pensamentos ou
emoções negativas, passa a se relacionar com experiências negativas ao vê-las
como eventos mentais, vistas em um contexto mais amplo ou como um processo
de tomada de consciência.

Como exemplo de pensamentos simultâneos no processo descrito como um


mecanismo de ação, os autores apresentam uma pessoa com uma perspectiva
específica sobre a valência de pensamentos e emoções, pode mudar da perspectiva
em que se pensa: “estou condenado a esta realidade” a uma perspectiva em que
experimenta essa situação como “pensamentos e emoções passageiros que podem
ou não ter algo de certo”.

Experimentar e interpretar através do padrão cognitivo de “descentralização”


tem um grande potencial para reduzir as consequências cognitivas, emocionais e
comportamentais em comparação com as experiências e interpretações como “eu sou
este pensamento” ou esta é uma “realidade rígida”.

34
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

Essa consciência metacognitiva ajudaria a superar a vulnerabilidade cognitiva e


emocional em sofrimentos com sintomas psicológicos. A base desse mecanismo
é mudar a relação com pensamentos negativos, em vez de mudar as crenças no
conteúdo dos pensamentos.

Semelhante a este modelo explicativo são as visões dos modelos propostos de


redução da ruminação (DEYO et al., 2009 em QUINTANA, 2016) ou do modelo de
descentralização (FRESCO et al., 2007 em QUINTANA, 2016)

Modelo de regulação atencional e emocional

Os mecanismos de ação do mindfulness na regulação emocional foram


contrastados em um estudo de laboratório para esse fim. Arch e Craske (2006
em QUINTANA, 2016) investigaram em laboratório os efeitos de uma sessão
de quinze minutos que comparou uma instrução guiada na atenção focada
na respiração com outra sessão guiada para ter a mente dispersa, e com uma
terceira centrada em questões preocupantes.

Em seu projeto experimental, os voluntários foram aleatoriamente designados


para cada um dos três grupos. Este estudo concentrou-se na investigação de uma
sessão individual de indução de atenção focada na respiração e não no treinamento
intensivo em mindfulness.

O resultado mostrou que o grupo de intervenção em atenção à respiração


apresentou logo após a sessão uma resposta positiva moderada às imagens
neutras antes e após a indução experimental. Os outros dois grupos responderam
significativamente de maneira mais negativa às visões de imagens neutras após a
indução, em comparação com a resposta a essa visualização antes da indução.

Os resultados mostraram uma recuperação mais rápida ou menor reatividade do


grupo experimental, em relação aos outros dois grupos, após exposição a imagens de
conteúdo negativo. No entanto, não foram encontradas diferenças entre os grupos
em relação aos blocos de imagens com conteúdo positivo ou negativo nos escores
da escala de status afetivo. Este estudo confirma inicialmente o componente de
regulação emocional, como um mecanismo psicológico do mindfulness, que inclui
a definição operacional de Bishop et al (2004 em QUINTANA, 2016). Na mesma
linha se enquadra o modelo de modulação do foco de atenção (CARMODY et al.,
2009 em QUINTANA, 2016) ou o modelo de atenção focada ou monitoramento
aberto (LUTZ et al., 2008 em QUINTANA, 2016).

35
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

Modelo de mecanismo de “re-percepção”


Shapiro et al. (2006 em QUINTANA, 2016) estabelecem a necessidade de
identificar os mecanismos psicológicos do mindfulness. Eles enfatizam a
importância de primeiro analisar os mecanismos que atuam na atenção plena
como construto psicológico, em vez daqueles que atuam em intervenções
baseadas na atenção plena, em que a influência de outros elementos, como
apoio social ou o uso de diferentes técnicas, tornaria mais difícil identificar
mecanismos que influenciam os benefícios derivados da prática da atenção
plena.

Dessa maneira, eles propõem três axiomas-chave no mecanismo de ação do


mindfulness: intenção, atenção e atitude, que interagem de forma sincrônica
no processo da atenção plena. Esses três elementos são retirados da definição
popular de Kabat-Zinn, que estabelece a atenção plena como prestar atenção de
uma maneira particular: de maneira intencional, no momento presente e sem
julgar.

Com relação ao primeiro axioma, intenção, ele se refere ao fato de que a


motivação da prática pode variar ao longo do tempo, desde a autorregulação, até
o autoconhecimento ou à autoliberação, por exemplo.

Em relação à atenção como um segundo axioma, isso inclui que o mecanismo


de autorregulação que participa da atenção plena afeta três níveis: atenção
sustentada, reorientação da atenção e inibição cognitiva ou processos de
elaboração cognitiva secundária como julgamentos, interpretações ou
comparações sobre emoções, sensações ou pensamentos.

Finalmente, no que diz respeito à atitude como um terceiro axioma, ele é um


conjunto de qualidades sobre a atenção (atenção amável, com curiosidade e com
abertura à tomada de consciência). Inclui também no processo as atitudes de
paciência, compaixão e nenhum esforço.

Derivados desses axiomas, eles propõem a existência de um metamecanismo


de ordem superior, o de “re-perceber” que constitui a estrutura para a mudança
da perspectiva psicológica que pode influenciar os benefícios derivados da
atenção plena.

O processo de re-percepção está relacionado aos conceitos de descentralização,


automação, distanciamento da experiência ou perspectiva sem identificação
(não se trata de desconexão ou desinteresse e não cria apatia ou indiferença,
mas maior clareza com perspectiva), conforme indicado pelos autores.

36
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

Finalmente, os quatro seguintes são propostos como mecanismos intervenientes no


mindfulness:

» autorregulação ou autogestão: por meio da qual a pessoa mantém


estabilidade e funcionalidade adaptáveis às mudanças;

» flexibilidade cognitivo-comportamental e emocional que permite uma


adaptação funcional e adaptativa às circunstâncias, estando em contraste
com um padrão rígido e reativo;

» esclarecimento de valores através da relação reflexiva, na qual, de maneira


autônoma, toma-se consciência e isso ajuda a escolher comportamentos
consistentes com necessidades, valores e interesses pessoais;

» exposição ou capacidade de re-perceber. Observar desapaixonadamente


ou testemunhar o conteúdo da mente permite que a pessoa experimente
emoções intensas com maior objetividade e menos reação.

Isso neutraliza a tendência de evitar ou negar estados emocionalmente negativos


e interagir funcionalmente com eles. Essas variáveis podem ser vistas, segundo os
autores, como mecanismos potenciais que determinam os benefícios psicológicos
das variáveis de sintomatologia emocional ou cognitiva; ou como benefícios em si,
nos quais cada um deles se relaciona e apoia de maneira complexa.

Os autores concluem que essa é uma possível abordagem teórica dos mecanismos
psicológicos que atuam no mindfulness, e que são necessários estudos
experimentais que estabeleçam hipóteses que contrastem empiricamente essa
teoria.

Modelo de mecanismo de atenção e


aceitação

Coffey, Hartman e Fredrickson (2010 em QUINTANA, 2016) conduzem um


estudo para contrastar empiricamente os mecanismos psicológicos da atenção
mental sugeridos teoricamente por outros autores (BISHOP et al., 2004;
QUINTANA, 2016). Os autores enfatizam que as relações entre diferentes
conceptualizações do mindfulness e regulação emocional não são claras, e que
os mecanismos pelos quais a atenção plena influencia a saúde mental não são
suficientemente compreendidos.

37
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

Resultados indicam que, com base nas medidas psicométricas de atenção e


emoções utilizadas em seu estudo, aparecem quatro fatores que podem ser
identificados como mecanismos de ação. São eles: atenção focada no presente,
aceitação da experiência, clareza sobre a experiência interna e capacidade de lidar
com emoções negativas. O estudo traz clareza sobre o construto, os mecanismos
que atuam na atenção plena e sua influência na saúde mental.

Eles adotaram a definição operacional de Bishop et al. (2004), em que consideram


o mindfulness como um construto composto pelos fatores de atenção e aceitação,
atestando que essa definição diferencia a capacidade de identificar e rotular
emoções como resultado da atenção centrada no presente da atitude de aceitação.

O estudo também inclui a alta incidência do fator de aceitação nos benefícios


psicológicos, e que a capacidade de regular emoções foi fortemente influenciada
por esse fator, além do fator de atenção focado no presente.

Embora este estudo tenha sido baseado em medidas de autorrelato e o modelo


proposto não tente ser completo e exaustivo para refletir a potencial mediação
de fatores do mindfulness em saúde mental, ele apoia empiricamente uma das
definições operacionais existentes, a de Bishop et al. (2004). Esses autores
concluem que a atenção plena e a regulação emocional contêm múltiplos processos
que se inter-relacionam e afirmam que o mindfulness é composto de duas facetas:
atenção centrada no presente e aceitação da experiência. Além disso, outros
elementos ou qualidades que foram propostos como constitutivos da construção
da atenção plena podem ser vistos como sequelas da atenção plena, e não como
facetas.

Modelo de mecanismo baseado na


psicologia budista
Os mecanismos psicológicos envolvidos no mindfulness também foram
analisados da perspectiva da psicologia budista (GRABOVAC et al., 2011
em QUINTANA, 2016) e propõe o Modelo Psicológico Budista (BPM) para
explicar o mecanismo de ação da atenção plena.

De acordo com esse modelo há três elementos envolvidos no mecanismo


psicológico da atenção plena:

» consciência de uma impressão sensorial ou de um evento mental, que


surge e desaparece (consciência momento a momento);

38
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

» padrão habitual de aversão/apego à reação ao evento mental


relacionado a uma emoção (agradável, neutra ou desagradável) e que
cria uma proliferação mental (da qual alguém pode estar ciente ou não)
acorrentando alguns eventos mentais a outros ou decorrentes deles
independentemente.

» regulação atencional (por exemplo, focada na respiração), na


qual a proliferação mental é temporariamente interrompida pela
percepção da respiração associada às sensações (agradável, neutra
ou desagradável) e o padrão reativo de apego/aversão ao evento
mental e emoções associadas é cortado.

O modelo inclui o papel essencial da aceitação/compaixão no treinamento da


atenção plena e na regulação da atenção. Além disso, esse modelo inclui práticas
éticas de origem budista e a obtenção de autoconhecimento e benefícios na redução
de sintomas e aumento do bem-estar.

Os autores destacam o processo chave de desapego em seu modelo: a consciência


da mente que se dispersa tem a qualidade de aceitação, porém os julgamentos não
surgem e o meditador pode voltar a atenção para o objeto da prática, evitando a
proliferação mental e as emoções de aversão/apego.

O modelo de Grabovac e coautores enfatiza que o aspecto de apego emocional/


aversão é decisivo na proliferação mental e que tanto a meditação mindfulness
quanto a meditação da atenção focada, juntamente com a prática de aceitação,
compaixão e ética apoiam o mecanismo.

Modelo de autorregulação aumentada


Hölzel et al. (2011 em QUINTANA, 2016) relacionam diferentes componentes do
mindfulness que são participantes do mecanismo psicológico da atenção plena
e que foram mencionados por vários especialistas na área. Esses componentes
identificados são: atenção, intenção e atitude; o insight, a exposição, a não
identificação, a integração expandida corpo-mente e o funcionamento integrado;
exposição emocional, mudança cognitiva, autorregulação, relaxamento, aceitação;
observação, descrição, atuação com consciência, não julgamento da experiência
interna, não reação à experiência interna.

Com base nessa relação de elementos potenciais envolvidos no mecanismo


psicológico da atenção plena, é proposta uma série de componentes para descrever

39
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

os mecanismos pelos quais o mindfulness funciona. São eles: a regulação da


atenção, a consciência corporal, a regulação emocional (incluindo reavaliação,
exposição, extinção e reconsolidarão) e mudança na perspectiva do eu. Eles agem
sinergicamente estabelecendo um processo de autorregulação aumentada. A coisa
mais interessante que os autores destacam é que, presumivelmente, os diferentes
componentes do mecanismo da atenção plena têm uma relevância que difere
dependendo:

a. do tipo de prática meditativa baseada no mindfulness;

b. do nível de experiência em meditação;

c. do distúrbio psicológico específico sofrido;

d. do tipo de personalidade;

e. do contexto de seu uso.

Eles admitem que essa influência sugerida carece de suporte empírico e é um meio
simples de estimular questões de pesquisa subsequentes.

A parte mais valiosa do estudo na justificativa teórica dos mecanismos do


mindfulness é que ela estabelece relações entre os componentes identificados
(como uma etapa anterior para realizar estudos experimentais coletando
dados empíricos, autorrelato dos usuários e dados de estudos de neuroimagens
funcionais e estruturais).

Os autores concluem que o conhecimento sobre os mecanismos da atenção


plena está em estágios preliminares. O modelo do mecanismo de aceitação e
regulação emocional também destaca que, embora os benefícios psicológicos
do mindfulness sejam estudados, os mecanismos pelos quais a atenção plena é
benéfica ainda são pouco conhecidos.

Esses autores conduzem uma investigação empírica para testar a hipótese de que o
mecanismo que atua na atenção plena é o da aceitação e que afeta principalmente a
regulação emocional, e não a atenção.

Seus resultados forneceram evidências parciais de que a faceta da aceitação da


atenção plena poderia estar associada a uma menor reatividade aos estímulos
de aversão em quatro tipos diferentes de respostas emocionais medidas
comportamentalmente por:

1. avaliação de palavras;

2. visualização de imagens de sugestionabilidade emocional;

40
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

3. condicionamento antes da apresentação da avaliação;

4. teste emocional de Stroop.

Na mesma linha que enfatiza o mecanismo de regulação emocional do mindfulness,


Carmody et al. (2009 em QUINTANA, 2016) parcialmente confirmaram de
forma empírica, através do estudo de correlações, que os possíveis mecanismos
psicológicos responsáveis pelos benefícios psicológicos da atenção plena são três:
a) redução da ação da ruminação, b) redução do medo das emoções e aumento da
autoestima e c) aumento da autorregulação emocional.

Esses três componentes do mecanismo do mindfulness mediam a relação entre a


tendência geral de estar em total atenção na vida cotidiana e a saúde psicológica.

Modelo de mecanismo neurobiológico


Vago e Silbersweig (2012 em QUINTANA, 2016) propõem um modelo para entender
os mecanismos neurobiológicos do mindfulness. Isso se baseia nos aspectos de
autoconsciência, autorregulação e autotranscendência (S-ART). Eles determinam
a redução de vieses relacionados ao autoprocessamento e promoção de uma mente
saudável.

O aspecto metaconsciência ou autoconsciência é a capacidade de modular


eficientemente o comportamento (autorregulação), o que gera uma relação
positiva entre o indivíduo e os outros, que transcende as necessidades pessoais e
aumenta a ação pró-social (auto-transcendência).

Propõe-se que os processos neuropsicológicos que suportam o mecanismo proposto


no modelo S-ART sejam os processos neuropsicológicos perceptivos, cognitivos,
emocionais e comportamentais.

Neles estão incluídas intenção, motivação, regulação da atenção, regulação


emocional, extinção e reconsolidação, ação pró-social, desapego e descentralização.
Certos componentes na prática do mindfulness, como a observação ou a rotulagem,
podem dar acesso a modalidades de conscientização (sem avaliação conceitual)
de: estados de percepção com viés de atenção disfuncional, hábitos prejudiciais,
autoconhecimento relacionado ao comportamento mal adaptativo e ao estresse
psicofísico, em desafios cognitivos ou emocionais; ou na visão de mundo em geral.

O tipo de consciência que ocorre no mindfulness pode representar por si só, o


mecanismo principal pelo qual regular esses processos, de maneira a promover o
bem-estar pessoal e social. Dentro deste quadro, estão o modelo neurobiológico
de mudanças neurofuncionais de Fletcher et al. (2010 em QUINTANA, 2016).

41
CAPÍTULO 2
Semelhanças e diferenças do
mindfulness com outros construtos
psicológicos

Figura 5. Dia a dia.

Fonte: lamenteesmaravillosa.com/3-formas-sencillas-de-practicar-mindfulness-en-tu-dia-a-dia/.

Abaixo estão algumas das semelhanças e diferenças entre mindfulness e outros


construtos da psicologia estudados por Parra (2011).

Quadro 3. Construtos relacionados da psicologia com o mindfulness.

Construto Relação com mindfulness Diferenças do mindfulness


Inteligência Emocional (Salovey; A IE implica clareza emocional. Na medida em
Mayer; Goldman; Turvey; Palfai, que mindfulness compreende atenção receptiva
1995) a estados psicológicos, espera-se que ela esteja
associada a uma maior clareza na percepção dos
estados emocionais de alguém.
Abertura a experiências A abertura a experiências implica receptividade e Imaginação, fantasia e interesse estético são facetas
interesse em novas experiências. nesse caso, a do fator de abertura que não estão relacionadas ao
(Costa: McCrae, 1992)
atenção perceptiva melhoraria o relacionamento com mindfulness, conforme definido por esses autores.
a assimilação de sentimentos e novas ideias.
Atenção plena como A formulação da atenção plena inclui abertura à nova Destaca-se o processamento cognitivo ativo sobre
“wakefulness” (vigília) (Langer, tarefa, uma assimilação vigilante, alerta para qualquer inputs preceptivos do ambiente externo, como a
1989; Langer; Moldoveanu, informação e orientação para o presente. criação de novas categorias ou a busca de múltiplas
2000) perspectivas.
Por outro lado, a proposta desses autores enfatiza a
observação indivisa do que está acontecendo, tanto
interna quanto externamente, e não apenas a partir
de uma abordagem cognitiva específica do estímulo
externo.

42
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

Construto Relação com mindfulness Diferenças do mindfulness


Formas de autoconsciência As formas de autoconsciência que refletem
como “consciência reflexiva” operações cognitivas sobre aspectos do self
(Baumeister, 1999; através da auto-avaliação, como autoconsciência
Bermúdez,1998). privada ou ruminação, diferem do mindfulness, pois
o modo de operação deste último é perceptivo
ou “pré-reflexivo” e opera “sobre” mais do que
“dentro” de pensamentos, sentimentos e outros
conteúdos da consciência, associados a elevado
autoconhecimento, autorregulação e bem-estar.
Mindfulness como um processo Ambos os construtos envolvem um compromisso O construto mindfulness de Langer é diferente
cognitivo criativo. (Langer, 1989) atento, uma mente aberta à novidade e ao momento daquele que foi descrito no contexto de técnicas de
presente. meditação. Também compreende a construção ativa
de novas categorias e significados quando você
prestar atenção às propriedades de um estímulo
principalmente de situações externas, enquanto a
definição de Bishop e colegas enfatiza a inibição de
cada processo de elaboração e um prestar atenção
principalmente a estímulos internos (pensamentos,
sentimentos e sensações).
Flow (Csikszentmihalyi 1997) Esses dois construtos podem estar no mesmo
campo geral da atenção plena
Absortion (Tellegen; Atkinson,
1974)
Introspection (James, 1890) Essas construções descrevem a capacidade de
Observing self (Deikman, 1982) observar o fluxo temporal de pensamentos e
sentimentos. Embora alguns desses conceitos não
Presence (Bugenthal,1987)
tenham sido conceitualmente bem desenvolvidos
Reflective Functioning (Fonagy; ou operacionalizados, em geral, eles foram descritos
Target, 1996) como processos para sair do modo automático
e atender aos pequenos detalhes da atividade
Desautomatization / decentering
mental que, de outra forma, poderiam escapar da
(Safran; Segal, 1990)
consciência.
Fonte: Elaborado com informação de Parra (2011) e adaptado pela autora.

Continuando com a conceituação proposta por Germer (2005 em PARRA, 2011),


outro significado da atenção plena é: uma forma de meditação, uma prática de
cultivar a atenção plena.

Quando se fala de mindfulness referindo-se a uma forma de meditação,


principalmente refere-se à meditação Vipassana (Awareness ou Insight
Meditation).

A meditação da atenção plena pode ser comparada a um “projetor” que ilumina


uma ampla gama de objetos à medida que surgem na consciência. Isso inclui a
intenção de estar ciente de onde nossa atenção reside o tempo todo, sem julgar.

Em geral, a prática da meditação mindfulness começa com a atenção na


respiração e, após alguns minutos, a instrução geralmente dada é: “observe
qualquer coisa que surja na sua consciência momento a momento”. Isso
pode incluir algumas sensações, como ver, ouvir, tocar, cheirar, provar ou os
pensamentos, sentimentos e sensações corporais que surgem.

43
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

Em outras ocasiões, a meditação mindfulness é baseada apenas na atenção


concentrada, o melhor possível, na respiração e, se surgir algum estímulo na
consciência, percebê-lo e voltar a atenção plenamente na respiração outra vez.
Destacando o símile, a meditação da mindulness é uma dança entre atenção
plena e concentração.

Por outro lado, é importante mencionar que a meditação mindfulness não é um


exercício de relaxamento. Mesmo em ocasiões em que um estímulo perturbador
aparece na consciência, o efeito é o oposto.

Portanto, não se trata de alcançar um estado de paz ou diferente naquele


momento, mas antes de se estabelecer na experiência atual de maneira relaxada,
vigilante e sincera. Tamabém não pode ser entendido como uma maneira
de iludir ou evitar as dificuldades da vida ou desviar nossos problemas de
personalidade. A meditação mindfulness é um processo lento e calmo que nos
leva a nos consolidar, com nosso eu autêntico.

Um processo psicológico (estar mindfull ou estar


plenamente consciente)

Em geral, a maioria das pessoas leva um ritmo acelerado de vida para atender
às demandas que as sociedades atuais nos impõem. Na maioria das vezes, e
sem perceber, elas se movem, pensam e sentem com o piloto automático ligado.
A prática da meditação mindfulness permite mais facilmente e com mais
frequência momentos mindful, ou seja, quando uma pessoa está plenamente
consciente do aqui e agora da forma característica como é detalhado segundo
Germer (2005 em PARRA, 2011):

» não conceitual. Mindfulness é consciência sem absorção nos processos


de pensamento;

» focado no presente. A atenção plena está sempre no momento presente.


Os pensamentos sobre a experiência afastam-se do momento presente;

» nenhum julgamento. A consciência não pode ser dada livremente se


alguém deseja que a experiência seja diferente do que é;

» intencional. A atenção plena sempre inclui a intenção de direcionar a


atenção para algum lugar. Retornar a atenção ao momento presente dá
continuidade à atenção no tempo;

44
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

» observação participante. A atenção plena não está desapegada do


testemunho. Trata-se de experimentar o corpo e a mente mais
intimamente;

» não verbal. A experiência da atenção plena não pode ser capturada em


palavras, nas quais a consciência ocorre antes que as palavras surjam na
mente;

» exploratório. A concepção mindful está continuamente investigando


os níveis mais sutis de percepção;

» libertador. Todo momento de consciência plena oferece liberdade


sobre o sofrimento condicionado.

Quando se está atento, essas qualidades ocorrem simultaneamente em todos os


momentos de plena consciência. É um tipo de atenção que gera energia, alegria e
uma mente clara. A prática da atenção plena é um esforço consciente para retornar
à atenção total com mais frequência ao momento presente, para reconhecer o que
está acontecendo naquele momento. Isso permite que cada pessoa desenvolva
uma melhor compreensão do funcionamento psicológico e responda habilmente a
novas situações.

Além disso, a meditação profunda com atenção plena fornece insights sobre a
natureza da mente e as causas do sofrimento. Essas ideias, como a consciência
de que as coisas são realmente impermanentes, ajudam a ser menos enredadas
na ruminação e, portanto, incentivam ainda mais a prática da atenção plena
(GERMER, 2005 em PARRA, 2011).

Nos momentos em que estamos mindful, estamos no aqui e agora, sem julgar ou
rejeitar o que está acontecendo, sem que a atenção seja emaranhada no passado ou
no futuro. Em vez disso, quando a atenção está vagando no tempo da consciência
é mais fácil que surjam sentimentos negativos e tristeza, remorso e/ou culpa se a
viagem foi destinada a um tempo passado ou de ansiedade, medos, devaneios se
você tiver decidido fazer uma viagem para o futuro.

Portanto, e dito de outra maneira, estar mindful significa estar acordado, aberto
a qualquer experiência que aconteça no momento presente. Esse processo
psicológico está relacionado a uma mudança perceptiva que nos permite reconhecer
pensamentos e sentimentos como eventos que ocorrem no campo da consciência
e, portanto, refletem na própria mente.

45
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

Em geral, na maioria das vezes a mente se encontra mindless, no passado ou no


futuro, opinando sobre o que está acontecendo no momento presente ou, com
o piloto automático, quando a mente está em um lugar e o corpo noutro. Nesse
caso, o comportamento realizado pode ser compulsivo ou automático. Também
pode acontecer que, por uma motivação defensiva, um sujeito esteja mindless
recusando reconhecer ou atender a seus pensamentos, sentimentos ou objetos de
percepção.

Em nível neurofisiológico, este processo psicológico de estar mindless com mais


facilidade pode ser explicado, por meio de um processamento dos estímulos
de cima para baixo, que conformam poderosamente as dinâmicas intrínsecas
das redes corticais do tálamo e constantemente criam previsões sobre eventos
sensoriais recebidos, em oposição ao processamento ascendente que descreve
a entrada de informações “frescas” dos órgãos sensoriais, sem ser filtrado com
critérios baseados na experiência de vida anterior de cada sujeito.

Os processos de cima para baixo são muito poderosos porque são apoiados por
uma conectividade neural muito forte, muito mais do que a incerteza de viver
aqui e agora (SIEGEL, 2007). De fato, eles têm um valor extraordinário para
a sobrevivência em nossa história evolutiva e pessoal, pois permitem que o
cérebro faça avaliações rapidamente e processe informações com eficiência, a
fim de iniciar comportamentos que facilitam a sobrevivência e a vida cotidiana
em geral. Esse processo incorpora crenças na forma de modelos mentais do
bem e do mal, julgamentos sobre o que é bom ou ruim, reações emocionais
intensas ou respostas corporais derivadas de aprendizados anteriores, elimina
as diferenças sutis da experiência atual e converte as pessoas em autômatos,
em sujeitos que não estão realmente conscientes do que está acontecendo
enquanto está acontecendo (PARRA, 2011).

O processo de mindfulness pode ajudar a banir os automatismos do processo de


cima para baixo. A atenção plena permite que a mente compreenda sua própria
natureza e revele à pessoa o conhecimento, ideias preconcebidas e reações
emocionais que estão embutidas no pensamento e nas respostas reflexivas que
geram estresse interno. Ao deixar de identificar-se com os pensamentos e emoções
e perceber que essas atividades mentais não equivalem ao “eu” e que não são
permanentes, a pessoa pode deixá-las aparecer e desaparecer, como se fossem
bolhas em uma panela de água fervente (SIEGEL, 2007).

Siegel (2007) aponta que a receptividade (estado intencional de abertura


ao que quer que surja), a auto-observação (exploração ativa da natureza

46
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

da experiência) e o reflexo da função reflexiva (compreender a natureza


da meta-atenção, tendo um conhecimento direto do processo do próprio
conhecimento) contribuem, cada um na sua medida, para dissolver as
influências de cima para baixo. Estar totalmente presente, estar atento,
libera o sujeito do processamento de cima para baixo.

Há evidências psicoterapêuticas e neurofisiológicas empíricas notáveis


que revelam que aplicações específicas da atenção plena melhoram a
capacidade de regular emoções, combater disfunções emocionais, otimizar
padrões cognitivos e reduzir pensamentos negativos. Observa-se um melhor
funcionamento do organismo, uma vez que faz com que os processos de cura,
a resposta imune, a reatividade ao estresse e a sensação geral de bem-estar
físico funcionem de maneira mais eficaz. O relacionamento consigo mesmo
e com os outros também melhora à medida que aumenta a capacidade de
empatia e compaixão (SIEGEL, 2007).

O Mindfulness é uma técnica aliada das terapias de terceira geração que têm
transformado nos últimos anos o foco da intervenção psicoterapêutica vigente
até agora, incorporando o modelo de “mudança”, de comportamento e/ou
pensamento, o modelo de “aceitação” daquilo que não pode ser mudado na vida.

Parece que os resultados produzidos pelo treinamento da atenção plena


correspondem a uma série de mecanismos de ação psicoterapêuticos que estão
apresentados abaixo.

Mecanismos de ação psicoterapêuticos do


mindfulness
Vamos comentar sobre cada um deles com base na revisão e descrição feitas por
Pérez & Botella (2006) e Parra (2011).

Exposição

Sabe-se que a exposição é um mecanismo relevante na prática clínica. O


treinamento em mindfulness envolve contemplação com aceitação e sem
processar os pensamentos, sentimentos, emoções e sensações corporais que o
sujeito experimenta, facilitando a exposição a eles. Isso implica um aumento da
tolerância em relação aos diferentes conteúdos da mente e/ou sensações físicas,
permitindo que sejam, o que gera uma experiência menos ameaçadora e, com
ela, comportamentos mais regulados pelo sujeito.

47
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

Mudanças cognitivas

É evidente que a prática de mindfulness causa mudanças nos padrões de


pensamento e atitudes sobre os pensamentos, de forma que o sujeito entenda que
os pensamentos são apenas pensamentos, eventos mentais e não um reflexo da
realidade. Isso tem um impacto positivo nas respostas psíquica e física do sujeito.

Há uma grande controvérsia sobre o papel metacognitivo da atenção


plena. Alguns autores, como Bishop (2002), a consideram uma habilidade
metacognitiva, pois implica desenvolver atenção para observar a experiência,
como se fosse a primeira vez, através do filtro de suas crenças. Pelo contrário,
para Brown e Ryan (2004 em PARRA, 2011), a consciência e a cognição implicam
diferentes maneiras de processar informações. A consciência plena difere dos
processos cognitivos (planejamento, reflexão, controle da atenção, memória
etc.), pois seu modo de operar é perceptivo, operando sobre pensamentos,
emoções e outros conteúdos da consciência, e não dentro deles.

Autorregulação

Diferentes estudos comprovam a relação entre mindfulness e regulação


emocional. Estar ciente de pensamentos, emoções, dores no corpo ou respostas
ao estresse, como aparecem, permite ao sujeito executar diferentes respostas de
enfrentamento que facilitam o autocuidado.

Promover a regulação natural do organismo, inibindo os mecanismos


automáticos que às vezes o impedem (evitar desconforto, respostas de escape
etc.) é um aspecto fundamental subjacente à prática da atenção plena.

Aceitação

A aceitação é uma atitude básica do mindfulness e também um componente


psicoterapêutico que favorece mudanças em outros níveis. Com as habilidades
de aceitação, o sujeito aprende a responder adaptativamente aos conteúdos
psicológicos ou fenômenos corporais, como a dor, previamente evitada.
A aceitação ajuda a pessoa a tolerar suas experiências desagradáveis.
Além disso, é acompanhada pelo reconhecimento da transitoriedade de
sensações e eventos mentais, juntamente com a renovação da consciência do
momento presente, que permite ao sujeito, distanciando-se da resignação
ou indiferença, comprometer-se com a ação ou com a possível mudança na
direção valiosa.

48
MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS │ UNIDADE II

Integração de aspectos dissociados do self

Esse é outro mecanismo de ação que alude à ideia da dissociação que ocorre no
desenvolvimento dos seres humanos a partir de alguns aspectos da experiência
que podem ameaçar seu senso de afiliação. Nesse sentido, os indivíduos deixam
de ter consciência de uma parte de suas emoções, que continuam ocorrendo
organicamente e influenciam seus comportamentos. A integração na consciência
da experiência orgânica é alcançada através da aprendizagem experiencial, da
disciplina de manter a atenção no momento presente e do exercício de aceitação.

Esclarecimento de valores

A dimensão espiritual e o esclarecimento de valores estão presentes nas


abordagens psicoterapêuticas que incorporam o treinamento em mindfulness.
Por exemplo, na Terapia Dialética Comportamental, para aumentar a tolerância
ao desconforto, são trabalhadas estratégias como praticar a oração, abrir o
coração a um ser supremo, reconhecer a sabedoria superior, Deus ou nossa
própria mente sábia.

Para a Terapia de Aceitação e Compromisso, o esclarecimento de valores


é fundamental em todo o processo terapêutico. Também funciona
especificamente através de um conjunto de exercícios para ajudar o sujeito
a identificar seus valores em relação a família, trabalho, espiritualidade etc.

Entende-se que pesquisadores e clínicos que introduziram a prática da atenção


plena em programas de saúde mental o fizeram com o objetivo de ensiná-la,
independentemente de suas origens culturais e religiosas.

Relaxamento

A relação entre meditação e relaxamento é complexa devido à grande controvérsia de


opiniões sobre os efeitos de um sobre o outro. Em geral, entende-se que o objetivo da
meditação não é o relaxamento, embora, para meditar, seja melhor relaxar.

A principal diferença entre relaxamento e meditação é que o relaxamento implica


um processo de distensão muscular e uma desconexão progressiva da clareza
mental, enquanto, na meditação, a distensão muscular é cultivada, mas, em
nenhum momento, ela busca desconectar-se da clareza da mente.

A prática da meditação a longo prazo pode envolver um estado de maior


serenidade.

49
UNIDADE II │ MINDFULNESS – PSICOLOGIA E OUTRAS DISCIPLINAS

Terapias e programas de intervenção que usam Mindfulness

Algumas das terapias e programas de intervenção que incorporam mindfulness:

» Programa de Redução do Estresse baseado em mindfulness (MBSR:


Mindfulness-Based stress Reduction, KABAT-ZINN, 1990 em PARRA,
2011).

» Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT: Mindfulness


Based Cognitive Therapy, SEGAL, WILLIAMS; TEASDALE, 2002 em
PARRA, 2011).

» Terapia Dialética Comportamental (DBT: Dialetical Behavior Therapy,


LINEHAN, 1993 em PARRA, 2011).

» Terapia de aceitação e compromisso (ACT: Acceptance and


Commitment Therapy, HAYES, STROSAHL; WILSON, 1999 em
Parra, 2011).

A partir desses programas de intervenção foram criados novos programas


adaptados a problemas e/ou populações específicas.

50
TERAPIA COGNITIVA
COMPORTAMENTAL E UNIDADE III
MINDFULNESS

Figura 6. Equilibrar.

Fonte: lamenteesmaravillosa.com/3-formas-sencillas-de-practicar-mindfulness-en-tu-dia-a-dia/.

CAPÍTULO 1
Fundamentos da terapia cognitiva e
mindfulness

A seguir apresenta uma síntese de reflexões propostos por Parra (2001), sobre a
relação terapia cognitiva e mindfullnes:

A terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT: Mindfulness-Based


Cognitive Therapy; SEGAL; WILLIAMS; TEASDALE, 2002 em PARRA,
2011) é uma intervenção psicossocial em grupo desenvolvida com o objetivo
principal de prevenir a recorrência e recaída nas pessoas recuperadas da
depressão, que são vulneráveis ao sofrimento de tais episódios depressivos.

O MBCT integra técnicas de reestruturação cognitiva, mais especificamente,


Terapia Cognitiva (TC) da Depressão e Terapia Racional Emotiva Comportamental,
com exercícios de meditação de atenção plena estabelecidos no Programa de

51
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

Redução de Estresse com base na Atenção Plena (MBSR: Mindfulness-Based


Stress Reduction, KABAT-ZINN, 1982 em PARRA, 2001).

O objetivo final do programa MBCT é ajudar os indivíduos a se tornarem


mais conscientes e estabelecer uma mudança radical no relacionamento com
pensamentos, sentimentos e sensações corporais que contribuem para a recaída
depressiva. Também ensina habilidades práticas para se desapegar de suas rotinas
cognitivas disfuncionais, de seus automatismos, como uma maneira de reduzir o
risco futuro de recaídas e recorrências à depressão.

Terapia cognitiva e consciência plena


A Organização Mundial da Saúde estabeleceu que a depressão unipolar ocupa
o quarto lugar entre as principais doenças devido ao seu peso entre doenças
no mundo e projeta que, em 2020, estará em segundo, precedido apenas por
cardiopatia isquêmica.

O Transtorno Depressivo Maior também é uma doença com risco significativo


de recidiva e recorrência, que pode ser crônica em 25% dos casos. De fato, um
dos fatores de risco em relação à recorrência é um alto número de episódios
depressivos anteriores. Estima-se que 80% das pessoas que experimentam um
episódio depressivo maior terão um ou mais episódios futuros durante a vida, ou
seja, um transtorno depressivo maior recorrente (PARRA, 2001).

Aproximadamente 60% dos indivíduos com um transtorno depressivo maior,


episódio único, podem ter um segundo episódio. Indivíduos que tiveram um
segundo episódio têm uma chance de 70% de ter um terceiro e esses, 90% de
chance de ter um quarto (PARRA, 2001).

Também foi observada uma maior probabilidade de recorrência, quanto menor


fosse o tempo decorrido entre o primeiro e o segundo episódio depressivo.

Esses dados apoiam o grande interesse, por diferentes autores, de desenvolver


uma abordagem mais abrangente no tratamento da depressão, considerando a
prevenção por terapia de manutenção de grande importância, após o tratamento
do episódio agudo, a fim de evitar futuras recaídas.

A terapia cognitiva demonstrou ao longo do tempo e em estudos repetidos uma


intervenção muito eficaz no tratamento da depressão, tornando-se a principal
alternativa terapêutica à medicação.

52
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

Terapia cognitiva baseada na consciência


plena
Foi estudado como prever melhor quais pessoas são mais propensas a ficar
deprimidas novamente após se recuperar de um episódio depressivo e quais
possibilidades terapêuticas podem ser realizadas para reduzir a recaída em um
novo episódio.

Mecanismos psicológicos implicados na


recaída depressiva
Uma dimensão importante da vulnerabilidade cognitiva à depressão pode ser
devida à natureza das cognições que se tornam acessíveis quando o sujeito volta
a ter um humor deprimido. A relação recíproca entre depressão e cognição pode
formar a base de um círculo vicioso que perpetuará a intensidade da depressão
(TEASDALE, 1983 em PARRA, 2001). Com base nessa ideia, a Hipótese de
Ativação Diferencial e o Estilo da Ruminação podem explicar amplamente a
recaída depressiva.

Hipótese da ativação diferencial


A partir da teoria da depressão de Beck (1979, em PARRA, 2001) e do modelo
de rede associativo proposto por Bower (1981, em PARRA, 2001), Teasdale
desenvolveu uma teoria da depressão, denominada Hipótese da Ativação
Diferencial, para explicar as relações entre emoções e cognição.

A Hipótese da Ativação Diferencial postula que a vulnerabilidade à intensidade


e persistência da depressão pode ser determinada principalmente por diferenças
individuais na acessibilidade das cognições quando a pessoa fica inicialmente
deprimida (TEASDALE et al, 2002 em PARRA, 2011) ou seja, quando uma
pessoa que se recuperou de um episódio depressivo retorna a um humor baixo
ou tristeza, isso pode reativar estilos de pensamento associados a estados de
tristeza que ocorreram anteriormente, como autoavaliações globais e negativas,
que aumentariam a possibilidade de sofrer um novo episódio depressivo.

Por outro lado, em pessoas que não foram deprimidas, esse mesmo humor
de tristeza não levaria a desencadear padrões de pensamentos negativos que
causaram um episódio depressivo.
53
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

Estilo ruminante
Além das diferenças individuais na acessibilidade das cognições
depressogênicas, outro fator que TEASDALE et al. (2002) associam à
persistência do estado depressivo e ao risco de recaída é a tendência de
alguns indivíduos de responder com ruminação a esse estado de humor,
concentrando-se em sua experiência deprimente e tentando resolver seu
humor analisando-o, o que produz uma intensificação do humor depressivo
que, por sua vez, prolonga a experiência da depressão.

A Teoria dos Estilos de Resposta à Depressão de Nolen–Hoeksema (1991 em


PARRA, 2001) propõe que aqueles que mergulham na ruminação depressiva,
ou seja, pensamentos recorrentes sobre seus primeiros sintomas depressivos ou
sobre as possíveis causas e consequências, sofrerão por mais tempo os efeitos do
humor depressivo do que aqueles que são capazes de distraí-los.

Os sujeitos que ruminam acreditam que a ruminação tem vantagens quando


se trata de uma melhor compreensão da experiência negativa e de melhorar a
solução do problema, evitando erros futuros. No entanto, diferentes estudos
longitudinais e experimentais demonstram os efeitos negativos de se ter um
estilo ruminante.

Observou-se que o estilo da ruminação aumenta as atribuições negativas e


globais e a desesperança em relação ao futuro, além de provocar períodos
mais severos e longos de humor deprimido e uma maior vulnerabilidade a
sofrer episódios depressivos no futuro.

Seguindo o modelo do estilo ruminante de Watkins (2004 em PARRA, 2001),


pode-se considerar que a ruminação é um tipo de mecanismo automático
que pode ter diferentes propriedades funcionais. Por um lado, há um foco
automático adaptativo de tipo experimental ou concreto (também chamado de
experiência mindful/estar mindful), que inclui uma consciência não avaliadora
das experiências presentes, como focar a atenção nas sensações físicas de uma
pessoa. Por outro lado, existe um foco automático não adaptativo, do tipo
analítico ou abstrato, que avalia os pensamentos sobre si e/ou as emoções e
circunstâncias atuais, procurando suas causas e implicações.

54
CAPÍTULO 2
Terapia cognitiva e mindfulness no
tratamento da depressão

Figura 7. Início.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/.

A terapia cognitiva é um procedimento ativo, diretivo, estruturado e de curto


prazo para o tratamento de uma ampla variedade de distúrbios psicológicos
(PARRA, 2011).

Os principais modelos, que indicam o início das terapias cognitivas nas décadas
de 60 e 70 e também os mais influentes por sua disseminação e expansão do
modelo cognitivo, são a Terapia Cognitiva de Aaron Beck (1979 em PARRA, 2011)
e a Terapia Racional Emotiva Comportamental de Albert Ellis (1962 em PARRA,
2011), que são classificadas dentro dos modelos de reestruturação cognitiva
(PARRA, 2011).

A Terapia Cognitiva de Beck baseia-se na suposição subjacente de que os efeitos


e o comportamento de um indivíduo são, em grande parte, determinados pela
maneira de estruturar o mundo.

Seu objetivo é delimitar e testar crenças falsas e suposições desadaptativas


específicas do paciente por meio de uma ampla variedade de estratégias
cognitivas (controlar pensamentos automáticos negativos, identificar relações
entre cognição, afeto e comportamento, examinar as evidências a favor e
contra seus pensamentos distorcidos, substituir essas cognições desviadas
por interpretações mais realistas e aprender a identificar e modificar as falsas
crenças que o predispõem a distorcer suas experiências) e comportamentais
(registrar e avaliar suas atividades diárias em diferentes questionários,

55
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

realizar atividades de domínio e prazer, realizar diferentes tarefas atribuídas


gradualmente, prática cognitiva etc) para, dessa maneira, mudar as crenças
nos pensamentos depressivos e atitudes disfuncionais

A Terapia Racional Emotiva Comportamental de Ellis (1962 em PARRA, 2011)


baseia-se no pressuposto geral de que a maioria dos problemas psicológicos se
deve à presença de padrões de pensamento errados e irracionais. Um dos conceitos
básicos dessa terapia, trabalhado em MBCT, é o modelo ABC, que está relacionado
aos princípios do pensamento racional (o que é lógico, pragmático, baseado na
realidade e que facilita que as pessoas alcançem seus objetivos e propósitos) e
irracional (o que é falso, ilógico, não se baseia na realidade e dificulta e impede
que as pessoas alcancem seus objetivos e propósitos mais básicos).

No modelo ABC: A é uma experiência ou evento ativador, um evento real e externo


que é apresentado ao sujeito; B são os pensamentos, crenças e avaliações que
são acionados em resposta a A, e C representa as emoções e comportamentos
que o sujeito manifesta após essa avaliação subjetiva. Portanto, C não é uma
consequência direta de A, mas de A + B. Em geral, o objetivo dessa terapia é
que o cliente identifique seus pensamentos irracionais, que se dê conta das
consequências dessa irracionalidade e tente mudar o irracional para o racional.

Existem outros modelos e terapias cognitivo-comportamentais que também são


eficazes no tratamento de diferentes transtornos psicológicos:

Quadro 4. Exemplo de modelos e terapias cognitivo-comportamentais

Terapia de Construtos Pessoais (KELLY, 1955)


Logoterapia (FRANKL, 1959)
Terapia Multimodal (LÁZARO, 1971, 1976)
Terapia de Resolução de Problemas (NEZU e NEZU, 1989)
Treinamento do Comportamento Racional (MAULTSBY, 1984)
Modificação do Comportamento Cognitivo (MEICHENBAUM, 1977)
Psicoterapia Evolutivo-Motora (BURRELL, 1983)
Terapia Integrada Cognitivo Comportamental (WESSLER, 1984)
Terapia Construtivista (GUIDANO e LIOTTI, 1983; NEIMEYER e MAHONEY, 1994)
Terapia Cognitiva Evolutiva (MAHONEY, 1980, 1985, 1987)
Terapia Epistêmica Lega (KRUGLANSKI & JAFFE, 1983)
Psicoterapia Neocognitiva (SUÁREZ, 1985)
Terapia Piagetiana (LEVA, 1984; WEINER, 1975)
Terapia de Reatribuição (WEINER, 1988)
Terapia de Aceitação e Compromisso (HAYES, STROSHAL; WILSON, 1999)
Terapia Controle da Atenção (mindfulness) (TEASDALE, SEGAL; WILLIAMS, 1995) que foi reformulada tornando-se a Terapia Cognitiva baseada em
Mindfulness (SEGAL, WILLIAMS, E TEASDALE, 2002).
Fonte: Elaborado com informação de Parra (2011).

56
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

Essas últimas três terapias cognitivas, juntamente com a Terapia


Comportamental Dialética (DBT) (MARSHA LINEHAN, 1993 em PARRA,
2011) pertencem principalmente a um grupo de intervenções psicoterapêuticas
chamadas terapias de terceira geração (HAYES, 2004), que começa a dar maior
ênfase ao contato com o momento presente e dá ao sujeito a possibilidade de
aceitar experiências internas aversivas, ou seja, experimentar abertamente
pensamentos, imagens, sentimentos e sensações difíceis sem tentar
diminuí-los ou evitá-los.

Esta nova geração de terapias baseadas em facilitar o autoconhecimento


através da compreensão da própria experiência, poderia evoluir a um novo
marco para a integração das psicoterapias no sentido de compreender os
eixos-chave de toda psicoterapia eficaz (MIRÓ, 2007 em PARRA, 2011).

As terapias de primeira geração, ou a primeira “onda” de terapias de acordo com


Hayes (2004), têm como objetivo principal a mudança direta do comportamento
problemático e da emoção do paciente e são baseadas nos princípios de
condicionamento e neocomportamentalismo. As terapias de segunda geração
adicionaram a mudança direta de pensamento, eliminando ou diminuindo
ideias irracionais, esquemas cognitivos patológicos ou o processamento de
informações defeituosas, através da detecção do pensamento, correção ou
contraste.

A terceira geração de terapias cognitivo-comportamentais incorpora, além


da mudança de comportamento e pensamentos, a intervenção baseada na
aceitação do que não pode ser mudado na vida do paciente e está causando
dor emocional ou física.

As terapias de terceira geração são caracterizadas pela contemplação de


mudanças terapêuticas em um cenário mais geral, sem se limitar a elementos
e aspectos específicos. Às estratégias de mudança direta são acrescentadas
estratégias de mudança contextual e experiencial que modificam a função dos
elementos psicológicos sem intervir na forma. Repertórios eficazes e flexíveis
são construídos com base em habilidades que podem ser aplicadas de maneira
geral a diferentes problemas, em diferentes momentos e situações.

Ressalta-se a relevância dos terapeutas praticarem as mesmas habilidades que os


pacientes aprendem, pois, como qualquer pessoa, também lidam com processos de
pensamento, emoções e sensações físicas subjacentes à dor emocional e física.

57
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

Além disso, dessa maneira eles podem entender muito melhor o feedback que
os pacientes relatam sobre sua prática em diferentes habilidades. Isso, por
exemplo, é de grande ajuda para entender as grandes dificuldades que surgem
na prática diária da meditação formal na primeira semana do MBCT.

Na onda cognitiva, a terceira geração de terapias começaria a partir dos


modelos Metacognitivo e de Atenção (WELLS, 1995 em QUINTANA, 2016)
que começaram a mover o centro das atenções de uma mudança cognitiva de
primeira ordem para a ideia de que a forma ou frequência de pensamentos ou
cognições problemáticas específicas são a chave, concentrando-se no contexto
cognitivo e estratégias de enfrentamento relacionadas a esses pensamentos
específicos (HAYES, 2004).

O modelo cognitivo de depressão, subjacente à terapia cognitiva (BECK et al.,


1979 em QUINTANA, 2016), postula três conceitos específicos para explicar
o substrato psicológico da depressão: a tríade cognitiva, esquemas e erros no
processamento de informação.

Em resumo, a teoria propõe que algumas experiências iniciais fornecem


a base para a formação de conceitos negativos sobre si mesmo, o futuro e o
mundo. Esses conceitos negativos (esquemas) podem permanecer latentes e
serem ativados por certas circunstâncias análogas às experiências inicialmente
responsáveis pela formação de atitudes negativas. A vulnerabilidade para sofrer
de depressão maior depende fundamentalmente das atitudes disfuncionais
que duram um período de tempo, particularmente aquelas que envolvem ou
preocupam uma dependência do valor do eu para a aprovação de outros ou do
sucesso ou triunfo das atividades do sujeito.

Nessa perspectiva, a terapia cognitiva (TC) para depressão deve reduzir as


atitudes disfuncionais do sujeito e, portanto, reduzir o risco de recaída para
depressão futura. No entanto, e embora já tenhamos visto que a TC pareça ser
um tratamento muito eficaz para os distúrbios da depressão e que os indivíduos
tratados com ela tenham um risco menor de recaída em comparação aos
indivíduos tratados com medicamentos, as evidências empíricas não indicam
que esses resultados se devem a uma alteração significativa nas atitudes do
indivíduo, tal como medido pela Escala de Atitudes Disfuncionais de Weissman
& Beck (1978 em QUINTANA, 2016).

Em resposta a esses achados, alguns autores sugerem que a vulnerabilidade à


depressão depende de padrões de pensamento negativo que se tornam acessíveis
e são ativados em estados de humor deprimido baixo ou médio. Persons e Miranda

58
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

(1992) propõem que as crenças, que são fatores de vulnerabilidade à depressão,


permanecem estáveis e só são acessíveis quando o sujeito está de humor negativo.

Teasdale et al. (2002) considera que cognições negativas parecem realmente produzir
depressão e, inversamente, o humor negativo aumenta a probabilidade desses
pensamentos que causarão depressão futura. Essa relação recíproca entre depressão
e cognição pode formar a base de um círculo vicioso que irá perpetuar e intensificar a
depressão.

As novas abordagens alternativas consideram que o sucesso da terapia cognitiva


de longo prazo pode ser ensinar aos pacientes o processo de distanciamento ou
descentralização de seus pensamentos, sensações e sentimentos. A importância
da descentralização já foi reconhecida e utilizada em terapia por Beck, mas mais
como um meio de mudar o conteúdo dos pensamentos do que como um mecanismo
principal de mudança terapêutica, conforme sugerido pelas novas abordagens.

Na TC, a descentralização ocorre como resultado dos pacientes terem que


identificar repetidamente como seus pensamentos negativos surgem e se afastar
deles para avaliar a correção de seu conteúdo. Dessa forma, os pacientes mudam
para uma perspectiva descentralizada de seus pensamentos e sentimentos
negativos.

A partir das novas análises, ver os pensamentos de uma perspectiva mais ampla,
o suficiente para poder considerá-los eventos da mente que não necessariamente
precisam refletir a realidade, pode proteger os sujeitos da depressão futura. Se
essa descentralização não ocorrer, os sujeitos podem estar discutindo se esses
pensamentos são verdadeiros ou falsos, classificando as evidências a favor ou
contra eles, correndo o risco de serem pegos nesse padrão de pensamento negativo
e começar de novo a engrenagem depressiva que pode levar a um humor depressivo
maior e mais intenso (TEASDALE et al., 2002).

Partindo do modelo Terapia de Controle da Atenção, subjacente à sua proposta


terapêutica para a prevenção da recaída depressiva, os autores Teasdale, Segal &
Williams (1995 em QUINTANA, 2016) sugerem que as intervenções preventivas
sejam direcionadas à mudança dos padrões de processamento cognitivo que se
tornam ativos nos estados de afeto negativo leve ou médio. Sua análise dos efeitos
preventivos da terapia cognitiva concentrou-se na substituição de modelos
esquemáticos depressogênicos por modelos mais adaptativos relacionados aos
mesmos problemas e com a criação de um extenso estoque de representações
desses modelos modificados na memória implicativa. Uma vez acessados esses
modelos, serão criadas saídas relacionadas a outros modos de resposta não

59
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

depressogênicos. Essas saídas direcionarão a atividade subsequente do “motor


central” da cognição em direções incompatíveis com o restabelecimento da
configuração da rede depressiva.

Por exemplo, a produção de significados específicos com conteúdo negativo do


self, bem como atribuições de falha à inadequação pessoal, depende dos modelos
esquemáticos depressogênicos que codificam a realidade de que alguém é, em
geral, desprezível e incompetente. Modelos esquemáticos alternativos poderiam
compartilhar muitos recursos ou características em comum com o padrão de
codificação total representado pelo modelo (globalmente auto desprezível),
mas diferem em um aspecto importante: eles não codificam extensivamente a
“realidade” da visão de si mesmo. Nesse caso, um modelo alternativo poderia
ser descrito como “o estado mental no qual eu me vejo como absolutamente
desprezível”.

Essas saídas não alimentam o estabelecimento da configuração da rede depressiva,


mas redirecionam o desenvolvimento do processamento subsequente de
informações para direções mais funcionais. Além disso, para realmente ter modelos
esquemáticos alternativos não depressogênicos aos modelos relacionados com a
depressão, é muito importante que as informações que o código implicacional
codifica do circuito sensorial sejam diferentes do que até agora correspondia ao
modelo esquemático depressivo. Desse modo, por exemplo, mudar uma postura
curvada, de derrota, por uma postura ereta e digna, deve facilitar o estabelecimento
de um modelo esquemático não depressivo relacionado à visão de sentimentos de
derrota e desespero, como estados mentais e não como reflexões da realidade.

Portanto, no programa de tratamento, é essencial facilitar a produção de


modelos relacionados à depressão de outputs (significados específicos e
efeitos corporais) que não estabelecem feedback para regenerar modelos
depressogênicos.

Para atingir esses modelos alternativos, considera-se essencial que o sujeito


esteja envolvido nos tratamentos com repetidos trabalhos diários em casa, para
que a prática de habilidades de enfrentamento possa ser vivenciada em diferentes
situações e contextos relacionados à depressão.

Do ponto de vista do modelo ICS, a importância de praticar habilidades de


enfrentamento não é tanto que os hábitos ou repertório de habilidades sejam
estabelecidos per se, mas que se possa adquirir uma reserva de memórias
de enfrentamento ou modelos esquemáticos não depressivos relacionados à
depressão. Desse modo, quando o sujeito estiver com humor negativo, um estado
depressivo mais intenso e persistente pode ser evitado, como aconteceria no caso
de não ter esses modelos alternativos (TEASDALE et al., 2002).

60
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

Programa de redução de estresse baseado em


mindfulness e terapia cognitiva baseada em
mindfulness

O Programa de Redução de Estresse baseado em Mindfulness (MBSR:


Mindfulness-Based Stress Reduction, KABAT-ZINN, 1982, 1990 em QUINTANA,
2016), foi desenvolvido pelo Dr. Jon Kabat-Zinn em 1979, no âmbito da medicina
comportamental e destinado a pessoas com dor crônica ou expostas a condições
relacionadas ao estresse (QUINTANA, 2016).

O programa é ministrado desde 1979 na Clínica de Redução de Estresse,


fundada por Kabat-Zinn, do Centro Médico da Universidade de Massachusetts
(EUA). Desde então, mais de 18.000 pessoas completaram as oito semanas
do programa e aprenderam a usar suas habilidades e recursos inatos para
responder de maneira mais eficaz a dor, estresse e doenças.

Hoje, o resultado do valioso trabalho realizado na clínica de redução do estresse


é o Centro Mindfulness (CFM: Center for Mindfulness in Medicine, Health Care,
and Society) criado em 1995 por Kabat-Zinn e dirigido pelo Dr. Saki Santorelli.
Ele trabalha na Divisão de Medicina Preventiva e Comportamento da Faculdade
de Medicina da Universidade de Massachusetts.

A partir do CFM, o programa de redução do estresse continua sua expansão


em todo o mundo, por meio de diferentes programas clínicos e ampliando sua
oferta a pessoas com doenças nas quais o estresse é um fator agravante como o
câncer, doença cardíaca, diabetes, relacionamento de casal, problemas de sono,
dor crônica, fibromialgia, fadiga crônica, esclerose múltipla, vícios, transtorno
obsessivo-compulsivo entre outros.

Há também uma extensa pesquisa com amostras de sujeitos que, devido à sua
profissão, estão expostos ao estresse, como profissionais de saúde, professores
de escolas primárias ou pais e cuidadores de crianças com problemas de
desenvolvimento.

O programa MBSR é definido explicitamente como um programa educacional no


contexto da medicina mente-corpo para reduzir o estresse e melhorar a saúde e
não como tratamento médico, psiquiátrico ou psicológico.

Desde a sua criação, ele foi entendido como um complemento e não como
uma alternativa à terapia. O programa MBSR é baseado em um treinamento
intensivo em mindfulness, como vimos no capítulo anterior, de aprender a
prestar atenção a qualquer experiência que esteja acontecendo no momento

61
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

presente, o que permite uma maior sensação de conexão com a vida, interna e
externamente. A atenção plena é um veículo importante para a compreensão
e a cura.

O programa tenta desenvolver novos tipos de controle e sabedoria, com base


na capacidade de prestar atenção com aceitação, tomar consciência de cada
momento e ter uma visão profunda. Isso constitui um veículo importante para a
autocompreensão e a cura. Trata-se de aprender a cuidar melhor de si mesmo e
encontrar ou descobrir uma profunda sensação de tranquilidade e paz de espírito.

Estrutura do Programa MBSR:

» Primeiro, há uma sessão de orientação em grupo ou entrevistas de


avaliação individual, nas quais os sujeitos recebem informações
básicas sobre o programa e é explicada a importância do
compromisso com a prática do programa.

» Em segundo lugar, oito sessões ou aulas em grupo (15 a 30


participantes) são distribuídas em aulas semanais de 2h a 2:30h.
As aulas são práticas. Os diferentes métodos de meditação formal
e informal na atenção plena são gradualmente integrados e os
participantes são convidados a compartilhar suas experiências ou
dificuldades com o grupo com a prática realizada em sala de aula ou
em casa. No final de cada sessão, as tarefas a serem realizadas em
casa são distribuídas, incluindo um mínimo de 45 minutos por dia de
meditação formal e 5 a 15 minutos de prática informal, seis dias por
semana durante o curso.

» Terceiro, durante a sexta semana do programa, um retiro silencioso


ocorre ao longo do dia.

» Finalmente, na aula número oito, os formulários finais de avaliação e


auto-avaliação são distribuídos para os participantes preencherem.

As práticas de Meditação Formal em Mindfulness trabalhadas no programa são as


seguintes:

Meditação “scanner corporal” ou meditação guiada do corpo deitado. A atenção é


focada sequencialmente nas diferentes partes do corpo, desde os pés até a cabeça.

» Hatha Yoga Suave, praticado com plena consciência do corpo.

» Meditação sentada, na qual a Atenção Plena é praticada na respiração,


sensações corporais, sentimentos, pensamentos, emoções e atenção ao
que quer que surja.

62
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

» Meditação andando, na qual a atenção é deliberadamente focada nas


sensações corporais durante a caminhada.

As práticas informais de meditação em atenção total (atenção às atividades da


vida diária) são:

» consciência de eventos agradáveis e desagradáveis;

» consciência de cognições e emoções repetitivas e sua relação com


sensações corporais e ações repetitivas habituais realizadas sem
atenção;

» consciência da respiração;

» consciência deliberada de atividades e eventos rotineiros, como:


comer, clima, dirigir, caminhar, lavar a louça, tomar banho etc.

Além da prática da meditação formal e informal, a educação psicológica faz


parte do programa, fornecendo informações aos sujeitos sobre o que é estresse,
quais fatores podem precipitá-lo e o que se deve evitar, que relação existe entre
pensamento e emoção e entre emoção e pensamento e sensações corporais.

Os fundamentos da prática mindfulness do programa MBSR são atitude e


comprometimento.

A atitude mantida na prática da Atenção Plena será decisiva no processo de


aprendizagem para alcançar o máximo do processo de meditação. São sete os
fatores relacionados à atitude que constituem os principais suportes da prática da
Atenção Plena:

» não julgar, assumindo intencionalmente uma posição de testemunha


imparcial da própria experiência, tentando não avaliar ou reagir a
qualquer estímulo interno ou externo que esteja acontecendo no
presente. Quando você encontra sua mente julgando, é importante e
necessário perceber que está fazendo isso;

» ter paciência, entendendo que as coisas acontecem quando precisam


acontecer, sem acelerar o processo;

» ter mente do iniciante, estar disposto a ver tudo como se fosse


a primeira vez, removendo o véu das próprias ideias, razões,
impressões, crenças. Nenhum momento é igual a outro, nenhuma
experiência é igual a outra;

63
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

» ter confiança, ouvindo o próprio ser, acreditando em si mesmo, em


seus sentimentos, em sua intuição, sabedoria e bondade;

» não se esforçar, praticar a atenção plena sem ter a intenção de obter


qualquer resultado;

» praticar a aceitação, aproveitando cada momento como chega e


ficando preenchido dele como está. Vendo as coisas como estão no
momento presente sem tentar mudá-las;

» ter rendimento, deixando deliberadamente de lado, a tendência de


expor certos aspectos da experiência e rejeitar outros, permitindo
que as coisas sejam como são, sem se apegar a elas. O objetivo é
soltar, deixar ir ou se livrar da experiência, positiva ou negativa.

Além do cultivo dessas atitudes, para desenvolver a atenção plena, é de grande


importância o compromisso com a prática formal e informal. No programa
MBSR, solicita-se aos sujeitos que se comprometam com essa prática, mesmo
que não gostem ou se sintam desconfortáveis, promovendo a importância da
autodisciplina e da intencionalidade.

64
CAPÍTULO 3
Riscos/efeitos negativos da prática
mindfulness

Figura 8. Corpo.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/.

Palau (2016) observa que existem poucos estudos que falam sobre os efeitos
negativos ou seculares da prática de mindfulness, possivelmente devido a um
viés de não publicar efeitos negativos ou, quando o fazem, esses efeitos são
diminuídos, subestimados e até possíveis evidências de não eficácia ou possíveis
efeitos contraproducentes são ignorados e silenciados.

As dificuldades em encontrar publicações rigorosas sobre possíveis riscos ou


efeitos negativos decorrentes da prática aumentam: práticas de diferentes
programas de mindfulness são diferentes, pois podem ser direcionadas para
populações diferentes (com ou sem problemas de saúde mental), incluem
práticas de meditação mas não são práticas de meditação que não podemos
considerar mindfulness, instrutores ou treinadores podem vir de diferentes
campos (de gurus espirituais, profissionais de saúde mental) e seus riscos/
efeitos negativos da prática de preparação também podem ser muito diferentes.
A intensidade das práticas pode ser equilibrada ou uma prática intensiva muito
exigente pode ser incentivada; pode haver problemas de saúde anteriores que
afetam os efeitos da prática da atenção plena etc.

A seguir, é apresentado um resumo baseado em Palau (2016) sobre possíveis


riscos ou efeitos encontrados em pesquisas sobre o uso do mindfulness.

65
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

Palau (2016) considera que a maioria dos trabalhos fornece informações em


nível de grupo, mas não permite saber nada sobre a dinâmica individual das
pessoas que a compõe. Do ponto de vista neurobiológico, atualmente usado em
trabalhos de atenção plena, parece claro que as médias não existem no sentido
físico, há cada pessoa separadamente e seus diferentes estados neurocerebrais
individuais, não um estado neurobiológico médio.

Embora possa não ser tão claro, do ponto de vista mental, também não há
nada como uma mente comum ou estados mentais comuns. Esse problema está
enraizado na discussão clássica em ciência entre abordagens nomotéticas e
ideográficas, com as vantagens e desvantagens de cada uma delas.

Nesse sentido, Shonin (2014 em PALAU, 2016) comenta como esses estudos
tendem a limitar-se à mensuração de certas variáveis quantitativas e ficam
excluídos outros aspectos da experiência completa do participante. Mesmo em
estudos qualitativos é habitual seguir um modelo semiestruturado que limita os
parâmetros coletados.

Outro aspecto é que a importância do treinamento do instrutor ou terapeuta


e sua experiência em meditação, se ele é um profissional de saúde e está
preparado para enfrentar possíveis problemas que possam surgir, como uma
crise de ansiedade ou similar.

Eles também destacam a importância de separar pessoas com certos


problemas (psiquiátricos, vícios, transtornos de estresse pós-traumático)
dos programas ensinados à população em geral. Essas pessoas devem ser
direcionadas a programas específicos para o problema que apresentam.

Alguns dos estudos existentes que relatam efeitos negativos se referem a


outras formas de meditação (especialmente a meditação transcendental) e não
podemos afirmar até que ponto esses efeitos negativos são generalizáveis e, em
muitos casos, não foi verificado se havia problemas anteriores de saúde mental.

No estudo de Lustyk et al. (2009 em PALAU, 2016) dedicado à meditação da


atenção plena, revisa-se a literatura científica sobre seus efeitos colaterais. Os
efeitos colaterais mais frequentes têm a ver com suas possíveis consequências
para a saúde mental, mas também incluem efeitos relacionados à saúde física e
espiritual.

Esses autores fazem indicações para avaliar esses riscos, listam contraindicações e
destacam a importância de realizar uma seleção correta de participantes, cuidar da
qualificação dos treinadores e monitorar periodicamente os efeitos.

66
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

Shapiro (1992, em PALAU, 2016) descobriu que, aproximadamente metade dos


meditadores especialistas que participaram de um retiro intensivo da meditação
Vipassana, relataram, pelo menos, algum efeito adverso, apesar de manifestarem
efeitos mais positivos que negativos. Desses, 7,4% experimentaram efeitos
adversos significativos.

Tais efeitos consistiam em ansiedade induzida pelo relaxamento, aumento


paradoxal da tensão, menos motivação para a vida, tédio, dor, alteração do
senso da realidade, confusão e desorientação, sensação de estar fora do corpo,
depressão, aumento da negatividade, maior sentimento de críticas e até um
sentimento de dependência da meditação. Os efeitos negativos importantes
diminuíram com a maior experiência em meditação.

O ambiente de retiro (com muitas horas de prática) em que a investigação foi


conduzida deve ser destacado como possível elemento explicativo de alguns
desses sintomas.

O autor afirma que, durante a meditação, o cérebro libera serotonina, que pode
ajudar pessoas com depressão leve, mas muita serotonina pode causar, em
algumas pessoas, uma ansiedade paradoxal induzida pelo relaxamento. Em vez
de relaxar durante a meditação, essas pessoas ficam angustiadas e podem até
sofrer ataques de pânico.

Da mesma forma, foram encontrados efeitos adversos entre a meditação


e sua aplicação em psicoterapia, e também efeitos adversos da meditação,
como sensações cinestésicas desconfortáveis, dissociação leve, sentimento de
culpa, ansiedade, sintomas psicóticos, onipotência, euforia, comportamentos
destrutivos e sentimentos suicidas.

Castillo (1990, PALAU, 2016) conduziu uma revisão da literatura sobre


meditação e despersonalização, bem como entrevistas com seis praticantes
de meditação transcendental (MT). Ele concluiu que a MT pode causar
despersonalização e desrealização. Dependendo do significado atribuído pelo
meditador a essas experiências, elas serão acompanhadas ou não de ansiedade
ou pânico em diferentes graus.

Kutz et al. (1985, em PALAU, 2016) estudaram o uso da meditação associada a


um tratamento psicoterapêutico de longo prazo. Suas conclusões foram muito
favoráveis, destacando reduções significativas de ansiedade e depressão,
embora também descrevam que a meditação pode causar sentimentos de
desamparo que, por sua vez, produzem efeitos desagradáveis, como medo,

67
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

raiva e desespero. O programa de meditação incluía meditação com atenção


à respiração, meditação com consciência corporal e meditação da atenção
plena.

Em referência a esses problemas secundários, Morse (1984, em PALAU, 2016)


enfatiza que muitos desses efeitos se assemelham a sintomas ansiosos/neuróticos
e que, nos estudos citados, não foi separada a possível influência de sintomas
anteriores ou personalidade pré-mórbida dos praticantes.

Morse afirma que não se pode discernir se a prática da meditação atrai certos
tipos de personalidade propensos a esses problemas ou se, pelo contrário, é a
prática da meditação que aumenta a consciência desses sentimentos, sintomas e
traços de personalidade.

Outras explicações possíveis seriam que as pessoas muito estressadas não


estão familiarizadas com as experiências de relaxamento e desapego, por isso
se sentem ameaçadas por essas experiências; que, quando abertos a qualquer
pensamento, afeto ou experiência que possa ocorrer, eles não resistem a
essas experiências e são mais suscetíveis; essa meditação implica maior
entendimento e conhecimento pessoal, o que pode ser doloroso.

No contexto budista, enfatiza-se que a meditação atua como um espelho, que


mostra claramente o que existia anteriormente. Quanto à potencialização de
sintomas depressivos, talvez isso esteja relacionado à tentativa de desapego, de
se desapegar dos desejos, da sensação de perda que isso pode causar. Isso poderia
lembrar a “noite escura da alma” dos místicos. A noite escura da alma se refere a
uma experiência mística que não se repete e não se anseia.

Os meditadores são mais propensos a experimentar os inconvenientes desta


técnica durante os primeiros dez minutos de uma sessão de meditação, quando
um estado de relaxamento profundo é alcançado. O autor afirma que, às vezes, o
processo de normalização não é fácil. Quando isso ocorre, é aconselhável mudar
para outra atividade de controle do estresse, como caminhar, fazer tai chi ou
ioga, e tentar o mindfulness novamente quando estiver mais relaxado.

Dawson (2000, em PALAU, 2016) estudou vinte pessoas que tiveram problemas
após terem participado de retiros intensivos de meditação Vipassana. Ele
encontrou episódios de fragmentação em vez de integração, com experiências
de ataques de pânico, episódios depressivos, maníacos e até um problema
muito sério: um suicídio que ocorreu dentro de alguns meses. Ele argumenta
que a iniciação à prática deve ocorrer gradualmente e com uma seleção de
participantes.

68
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

Persinger (1984, em PALAU, 2016) comparou praticantes de meditação


transcendental da MT com não meditadores e encontrou efeitos como
percepções não relacionadas aos sentidos, percepção bizarra, sintomas do
pensamento mágico. O autor defende que a meditação pode promover distúrbios
epiléticos. Esse pesquisador encontra uma série de sintomas de preponderância
do hemisfério direito nos meditadores e alerta sobre os riscos de sua prática
em personalidades esquizotípicas e em pessoas com um conceito frágil de si
mesmas.

Epstein (1995) também se refere aos possíveis efeitos negativos da meditação


sobre a possibilidade de desencadear estados psicóticos e se perder nos “estados
do oceano”, de dissolver a identidade de uma pessoa sem abordar os problemas e
as dificuldades da vida real (PALAU, 2016).

Em relação aos efeitos colaterais, Bakker e Molding (2012, em PALAU, 2016)


estudam a Sensibilidade ao Processamento Sensorial (Sensory-processing
sensitivity – SPS), referindo-se a uma característica que determina que os
indivíduos processam uma variedade de estímulos ambientais de uma forma
intensa e profunda, que pode ter conotações positivas (maior valorização e
conscientização do meio ambiente) ou negativas (sentindo-se sobrecarregadas
por tais estímulos). A maioria dos estudos tratou seus efeitos negativos,
destacando a maior propensão para ansiedade e depressão. Em relação entre
SPS, mindfulness e ansiedade, seus resultados sustentam que existe uma relação
entre SPS, depressão e ansiedade, mas somente quando há um baixo nível de
atenção e aceitação. Quando a atenção e a aceitação são altas, não existe tal
relação.

Outros sintomas relatados pelos participantes em retiros intensivos


referem-se a distúrbios do sono, distúrbios digestivos, distanciamento da
realidade cotidiana, alguma confusão, medo de perder o controle, medo de
enlouquecer, medo da morte, embora nem toda pesquisa os encontre.

Com relação aos distúrbios do sono, Simor et al. (2011, em PALAU, 2016)
encontraram que a atenção plena está inversamente relacionada aos distúrbios
do sono, o que é consistente com a maioria dos estudos sobre atenção plena e
qualidade do sono. Os autores relacionam o papel da atenção plena na regulação
emocional como possível protetor de distúrbios do sono.

Em relação às dificuldades de relacionamento e problemas de isolamento


social, Brown (2011, em PALAU, 2016) estudou o papel da atenção plena

69
UNIDADE III │ TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS

como elemento protetor contra ameaças, especialmente aquelas decorrentes


de relações sociais.

Um denominador comum dessas investigações é que elas relacionam


problemas e experiências ocorridas em retiros onde a meditação é praticada
por um longo período de vários dias seguidos, em ambientes de estimulação de
isolamento e privação, horas insuficientes de sono, jejum ou falta de comida.

Esses efeitos não são significativos para a maioria das técnicas incluídas
neste trabalho, embora não devam ser ignorados. Por outro lado, vemos que,
dada a diversidade dos métodos de meditação, é difícil tirar conclusões sobre
se esses fenômenos ocorrem com certas práticas (pode estar relacionado
a grupos de praticantes sujeitos à disciplina de “professores” com certas
características patológicas, fenômenos e sugestões grupo). É possível que, em
muitos casos, os praticantes referidos nessas investigações tenham buscado
efeitos importantes de natureza espiritual ou religiosa, buscando estados
alterados de consciência etc., o que os coloca em um contexto diferente do
objetivo deste trabalho.

Uma análise que pode ser extraída é estar ciente de que os problemas podem
ocorrer, dve-se praticar com sabedoria e por períodos limitados, em contextos
“saudáveis” e grupos em que os antecedentes psiquiátricos são controlados,
deve-se ter supervisão qualificada (aqui o papel pode ser defendido pelo
psicólogo especialista em psicopatologia e saúde mental para gerenciar todos
esses problemas de maneira profissional) e que sabe como agir na presença de
problemas.

Também parece importante diferenciar entre uma prática mal supervisionada


e individual de meditação e programas e tratamentos terapêuticos. Para
o primeiro, é necessário um certo grau de saúde mental, nesse sentido
Pérez-de-Albéniz e Holmes (2000, em PALAU, 2016) apontam que a meditação
pode ser muito útil para pessoas que já atingiram um nível adequado de
organização de sua personalidade (para deixar de lado o “ego” é necessário
ter um “ego” bem estruturado – nesse sentido, o ego é entendido por esses
autores como uma imagem internalizada construída a partir de experiências
relacionais e que têm as qualidades de consistência, uniformidade e
continuidade).

Eles também destacam o componente viciante que a meditação pode ter, que
pode ser transformada em um ritual que substitui outros rituais em pessoas
propensas a esse tipo de comportamento obsessivo e compulsivo.

70
TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL E MINDFULNESS │ UNIDADE III

Para pessoas que têm problemas, existem programas e tratamentos


terapêuticos nos quais a atenção é aplicada para abordar e melhorar
muitas disfunções, distúrbios e patologias, incluindo as mais graves, como
as desordens psicóticas. Essas aplicações ocorrem em um ambiente de
assistência profissional e não estão relacionadas à maioria das práticas
às quais o trabalho se refere como efeitos colaterais encontrados devido à
prática da meditação.

Para concluir, o que é declarado nesta seção serve para lembrá-lo de que
a meditação da atenção plena não é isenta de riscos, havendo necessidade
de prudência em seu uso, bem como uma prescrição apropriada às
características pessoais do praticante e seus objetivos e a conveniência de
um acompanhamento qualificado para tal prática.

71
AVALIAÇÃO DO UNIDADE IV
MINDFULNESS

Figura 9. Smartphone.

Fonte: www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/. Acesso em: 20 nov. 2019.

CAPÍTULO 1
Ferramentas de avaliação do
mindfulness

Há uma visão diferencial em relação à medida do mindfulness em termos


de conceitualização (considerando-a como um construto unidimensional ou
multidimensional). Dessa maneira, no geral, dois grupos de ferramentas de avaliação
podem ser identificados:

1. aqueles que o medem como um construto multifacetado e,


consequentemente, são ferramentas que contêm subescalas que
medem suas dimensões de maneira diferente;

2. aqueles que o medem como um construto unidimensional com


uma escala unitária.

72
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

No entanto, existem escalas que, apesar de identificarem dimensões


diferentes, fornecem apenas uma pontuação geral por unidade, enquanto
outras medem aspectos específicos, como qualidade, nível de habilidade ou
efeitos inerentes durante a prática da atenção plena ou derivados durante
a vida diária.

Por outro lado, há outra perspectiva sobre a atenção plena que a considerou um
traço ou um estado psicológico. Com base nisso, podemos classificar as escalas
em um dos grupos: as escalas que a medem como um traço e as que a medem
como um estado.

Na última década, foram realizados inúmeros estudos de validação de


uma ampla variedade de instrumentos de avaliação que permitem medir o
mindfulness.

No artigo de revisão de Sauer et al. (2013) foi realizado um estudo sobre o estado
da pesquisa em relação à mensuração do mindfulness. Em sua revisão, foram
descritas as diferentes maneiras pelas quais a atenção plena pode ser medida,
a adequação das ferramentas, analisando seus prós e contras e recomendações
para uso em contextos específicos (QUINTANA, 2016)

Como resultado de sua busca sistemática, foram encontradas onze escalas


de avaliação. Não foram incluídas escalas em revisão ou mencionadas mas
ainda não publicadas, tampouco adaptações de escalas existentes ou escalas
focadas em populações específicas, como adolescentes ou escalas específicas
para o tratamento de determinados transtornos.

Abaixo está uma lista cronológica das escalas de avaliação mindfulness


encontradas, incluindo as da referida revisão e outras recentes que não foram
incluídas noestudo (QUINTANA, 2016).

Quadro 5. Questionários, escalas e inventários que medem o construto mindfulness.

The Freiburg Mindfulness Inventory (FMI) Trinta itens e versão resumida de quatorze itens. Valoriza a observação e a abertura a
experiências negativas de maneira equitativa no presente momento.
(BUCHHELD; GROSSMAN; WALACH, 2001;
WALACH et al., 2006)
Mindfulness Attention Awareness Scale (MAAS) Quinze itens, unidimensionais, medindo a tendência geral de prestar atenção ou estar ciente
da experiência do momento presente na vida diária.
(BROWN; RYAN, 2003)
The Cognitive Affective Mindfulness Scale (Revised) Doze itens que foram projetados para medir a atenção plena em situações gerais da vida
(CAMS-R) (FELDMAN et al., 2007) cotidiana.

73
UNIDADE IV │ AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS

O SMQ tem uma estrutura unidimensional de atenção plena, mas inclui itens orientados
para a conscientização do momento presente e outros que são orientados para uma atitude
de aceitação com relação à experiência.
Essa escala tem quatro dimensões da atenção plena, medidas de uma maneira bipolar:
(1) observar com atenção plena versus estar perdido nas reações às cognições;
Southampton Mindfulness Questionnaire (SMQ)
(2) permitir que a atenção se concentre nas cognições de aversão em vez de evitar a
experiência;
(3) aceitação de pensamentos, gerais ou autoimagem versus acusação; e
(4) deixar ir e não ser reativo com relação a cognições perturbadoras versus ação cognitiva
de ruminar ou se preocupar.
Mede a tendência geral de ter atenção plena na vida cotidiana e não exige que a
The Kentucky Inventory of Mindfulness Skills (KIMS) experiência em meditação seja preenchida. Tem um total de 39 itens, embora estudos
recentes tenham sugerido uma versão curta.
The Toronto Mindfulness Scale (TMS), versión Treze itens. O TMS é a única escala que até aquele momento media o aspecto de estado
estado y versión rasgo (LAU et al., 2006). de atenção plena. Contempla duas facetas: curiosidade e descentralização.
Developmental Mindfulness Survey (DMS) (SAUER Trinta Items. O mindfulness é conceituado unidimensionalmente como a tomada de
et al., 2013) consciência aberta ao presente sem julgamento.
Vinte itens compreendendo duas subescalas: conscientização e aceitação, de dez itens
The Philadelphia Mindfulness Scale (PHLMS)
cada.
29 itens. Tem uma ampla concepção de atenção plena, incluindo itens que medem os
Effects of Meditation Scale (EOM) efeitos nas diferentes dimensões do indivíduo (cognitiva, física, emocional e espiritual).
(REAVLEY; PALLANT, 2009) O segundo elemento de interesse é que ele mede os efeitos da meditação em dois
contextos: durante a prática da meditação e na vida cotidiana.
21 itens, mede a tendência de estar em atenção plena e concentra-se na conceituação da
Langer Mindfulness/Mindlessness Scale (MMS) atenção plena como um processo cognitivo de tratamento da informação e da criatividade,
(HAIGH et al., 2011). que incorpora quatro dimensões que determinam seus quatro fatores: busca pela novidade,
compromisso, criação da novidade e flexibilidade.
The Comprehensive Inventory of Mindfulness 32 itens. Observar, agir com consciência, não julgamento, autoaceitação, não evasão, não
Experiences (CHIME-b) reatividade, não identificação, conhecimento (insight) e descrição ou rotulagem.
(BERGOMI; TSCHACHER; KUPPER, 2012a).
Mindfulness Practice Quality (MP-Q) Seis itens que avaliam a qualidade da prática de atenção plena realizada em uma sessão
formal
(DEL RE et al., 2013; GOLDBERG et al., 2014).
The State Mindfulness Scale (SMS) 23 itens. Combina a visão psicológica da atenção plena e a da tradição budista.
(TANAY; BERNSTEIN, 2013).
Onze itens que medem a capacidade de observar pensamentos e emoções como objetos
Índice Compuesto de Mindfulness –MINDSENS temporários da mente (desidentificação) que são um elemento-chave do treinamento da
atenção plena. A descentralização ou desidentificação tem três componentes: a capacidade
(SOLER et al., 2014). de se diferenciar dos seus pensamentos; o de não reagir a experiência negativa; e
autocompaixão.
Fonte: Elaborado com informação de Quintana (2016).

Considerações sobre as escalas: usos e


perguntas abertas
Em relação ao estado de pesquisa das escalas que medem mindfulness, Sauer et al.
(2013 em QUINTANA, 2016) concluem em sua publicação o seguinte:

74
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

a. Embora os questionários existentes possam ser parcialmente


comparáveis entre si, do ponto de vista conceitual e psicométrico
e em relação ao seu conteúdo e qualidade, todos eles precisam ser
aprimorados.

b. Parece surgir um consenso sobre a conceitualização do mindfulness


como base teórica em que os questionários se baseiam, considerando
que a atenção plena é composta de pelo menos duas facetas
interrelacionadas: atenção ao momento atual e aceitação da experiência.

c. Em relação ao uso adequado dos questionários, a escolha depende do


contexto de uso e dos objetivos da pesquisa. Por exemplo, o MAAS é
muito apropriado quando você precisa fazer uma administração rápida.
Por outro lado, o FMI é recomendado em estudos com meditadores
especializados.

d. No estudo empírico do mindfulness, é necessário o uso de vários


tipos de medidas, além de ferramentas psicométricas, entre as quais:
a medida baseada na linguagem ou no comportamento, métodos
qualitativos que medem a descrição da experiência da atenção plena
ou medidas baseadas na neuropatologia.

e. Recomenda-se que, no desenvolvimento de novas escalas, elas sejam


realizadas com base na Teoria de Resposta ao Item, combinada
com medidas qualitativas. Eles também enfatizam em outro de seus
trabalhos que o componente subjetivo da experiência do “agora” é
essencial para levar em conta na medida da atenção plena e que isso
foi visto como diferente em meditadores e não meditadores.

Por outro lado, Sauer et al. (2013 em QUINTANA, 2016) destacam que “a essência
do mindfulness está associada a experiências, fenômenos e estados subjetivos,
de modo que seu estudo não pode ser reduzido a correlações neuropsicológicas,
fisiológicas ou psicológicas”.

Portanto, são necessários estudos não apenas de correlações ou de laboratório,


mas também e especialmente do tipo experimental, com base em intervenções
baseadas na atenção plena.

Finalmente, estudos recentes sobre a psicometria do mindfulness mostraram


que há pelo menos nove aspectos ou facetas diferentes na atenção plena e que
cada uma das escalas inclui aspectos diferentes, mas nenhum inclui todos
(QUINTANA, 2016).

75
UNIDADE IV │ AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS

Uso de diferentes escalas de atenção plena


Existem várias implicações no uso de ferramentas de avaliação da atenção
plena, com base na variedade de escalas existentes. A primeira e mais óbvia é
que a variedade de instrumentos de avaliação para medir a atenção plena oferece
diferentes possibilidades (QUINTANA, 2016).

Das quinze escalas identificadas que medem diretamente o construto


mindfulness ou aspectos claramente relacionados a ele (como a qualidade da
prática, o nível de habilidade desenvolvido ou os efeitos inerentes) o seguinte
pode ser destacado para cada um deles, em relação à sua adequação ao uso:

O Inventário da Atenção Plena de Freiburg (FMI) é útil para medir o estado da


atenção plena nos meditadores especialistas, uma vez que seus itens são dificilmente
interpretáveis pela população sem vasta experiência na prática da meditação.

A Escala Mindfulness, Atenção e Consciência (MAAS) por sua brevidade, é


rápida para ser administrada e dá uma visão dimensional da atenção plena
na vida diária. Seria especialmente adequada para uso em uma população não
clínica com e sem experiência em meditação.

A Escala Cognitivo-Afetiva de Mindfulness (CAMS-R) e o Questionário


Mindfulness de Southampton (SMQ) podem ser usados no campo da prática
clínica e da investigação e focando aspectos de saúde mental clínica relevantes
como reações a experiências estressantes internas.

Já o Kentucky Mindfulness Inventory (KIMS), o Five Faceted Mindfulness


Questionnaire (FFMQ), além da Escala Integral de Experiência de Mindfulness
(CHIME-B) oferecem uma diferenciação entre facetas que podem ser
muito úteis para estudos clínicos, identificando variáveis sintomatológicas
relacionadas a aspectos específicos da atenção plena.

A Philadelphia Mindfulness Scale (PHLMS) também oferece a possibilidade de


diferenciar facetas da atenção plena, com a vantagem de ser mais curta que as
anteriores.

Quanto à Toronto Mindfulness Scale (TMS) e à State Mindfulness Scale (SMS), elas
devem ser usadas principalmente para medir estados específicos de mindfulness,
considerando o mindfulness como construto de estado psicológico.

O SMS seria mais adequado para pessoas sem experiência em meditação,


enquanto o TMS contém itens difíceis de entender para os não meditadores.

76
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

Diferentemente dos demais, a Escala de Desenvolvimento de Habilidades


da Atenção Plena (DMS) tem um interesse especial, pois pode medir o
desenvolvimento da habilidade da atenção plena com base em sua prática e
discriminar em diferentes níveis (básico, intermediário ou avançado).

A Escala de Efeitos de Meditação (MOE), por poder ser orientada para medir os
efeitos da atenção plena situacionalmente, pode ser usada em diferentes ambientes,
tanto durante a meditação (MOE-DM) quanto na vida diária (MOE-DL).

Por sua vez, a Escala Mindfulness-Mindlessness (MMS), que se opõe a estados


opostos de presença ou ausência mental, inclui aspectos como curiosidade
ou busca de novidades. Não seria adequado para pesquisas clínicas, pois não
identifica correlações com sintomas psicológicos. Exclusiva e diferencialmente,
o Questionário sobre a Qualidade da Prática da Atenção Plena (PQ-M) considera
a perseverança na manutenção da atenção e receptividade como componentes de
qualidade da prática da atenção plena.

É extremamente útil medir a qualidade da prática meditativa e estudar as


correlações entre seus efeitos e sua qualidade, apesar de seu estado inicial de
validação.

Por fim, o uso do índice MINDSENS pode ser indicado para discriminar entre
meditadores e não meditadores em relação às variáveis da prática meditativa. Ele
também oferece informações sobre facetas específicas da atenção plena. É ideal
para uso em populações não clínicas e clínicas, em pessoas com e sem experiência
em meditação.

Por tudo isso, a decisão de usar uma escala específica que mede mindfulness deve
se basear na concepção teórica mindfulness que se deseja estudar.

Como elemento complementar às escalas psicométricas na pesquisa em


mindfulness, está o uso simultâneo de testes comportamentais e outras medidas
qualitativas, como entrevistas (SAUER et al., 2011).

No entanto, apesar da multiplicidade de escalas existentes, há autores


(GROSSMAN, 2011) que enfatizam que o desenvolvimento de novas escalas pode
incluir aspectos específicos do comportamento (como quietude contemplativa,
prestando atenção à experiência de sentidos) ou do tipo de “atitudes
psicológicas” (como bondade ou paciência em relação a um e aos outros) que
estão intimamente associadas à atenção plena.

77
UNIDADE IV │ AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS

Finalmente, o uso de ferramentas disponíveis para o monitoramento em tempo


real do tipo de meditação, duração, frequência e qualidade da prática meditativa
(em termos de atenção ou conscientização) forneceriam um valor de maior
objetividade na medida da atenção plena (QUINTAMA, 2016).

Questionários abertos na avaliação do


mindfulness
Na história recente da psicometria do mindfulness e dos fatores associados, uma
série de desafios empíricos foram detectados para serem superados, a fim de
alcançar avanços significativos nas pesquisas nessa área.

Na medição da atenção plena, é necessário contemplar a definição do construto


e, nesse sentido, não há resposta definitiva e unânime, pois não é encontrada
uma definição operacional padronizada e consensual.

Isso representa uma ótima opção em pesquisas em psicometria do mindfulness,


pois no momento obriga que, para cada ferramenta, pelo menos a visão do
construto da atenção plena a ser medida seja definida.

Por outro lado, uma limitação relacionada especificamente à atenção plena é


que, mesmo quando respondidas com honestidade e sinceridade, é difícil para as
pessoas avaliarem com precisão sua própria tendência de estar em atenção plena,
pois é incomum notar esses aspectos sutis do próprio funcionamento mental.

Especificamente na psicometria do mindfulness, as três questões abertas são:

1. definir e limitar os aspectos ou facetas da atenção plena a serem medidos;

2. esclarecer a natureza dos relacionamentos entre esses aspectos ou


facetas; e

3. analisar a validade do autorrelato para medir a atenção plena.

Com relação ao ponto número um, aponta a possibilidade de que haja pelo menos
nove aspectos da atenção plena especificando a inclusão da não evitação como um
elemento do construto mindfulness, além do papel marginal da faceta descrever.

Esses aspectos são:

1. observação, atenção à experiência;

2. agir com consciência;

78
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

3. não julgamento, aceitação da experiência;

4. autoaceitação;

5. desejar ou estar preparado para se expor a experiências (não esquiva);

6. não reatividade à experiência;

7. não identificação com a própria experiência;

8. compreensão perspicaz (insight);

9. descrição ou rotulagem.

A segunda questão em aberto é que a atenção plena parece estar subdividida em


facetas significativamente diferentes e que essas facetas parecem baseadas em
diferentes conceituações e medidas. Assim é difícil esclarecer essas diferenças
entre facetas, já que algumas delas, apesar de diferentes, também são análogas.

Outro aspecto importante é que as diferenças nas diversas amostras da população


pesquisada (exemplo: experiência em meditação, formação cultural, gênero ou
idade, educação) em que foram validadas, podem afetar qualquer comparação
entre elas.

Na terceira questão, se as medidas baseadas no autorrelato são válidas


para medir mindfulness, como mencionado, existem diferentes estudos que
validaram as escalas existentes, que demonstraram validade convergente e
discriminante, bem como a previsão com sintomatologia.

No entanto, existem fatores de conveniência social, apoio de grupo ou fatores


individuais que podem influenciar de maneira inespecífica os benefícios
psicoemocionais em relação à medida do mindfulness (essa é uma limitação dos
questionários de autorrelato em geral). Por outro lado, os itens das escalas podem
não ser entendidos da mesma maneira por todos os indivíduos.

Por fim, Bergomi et al. (2012b em QUINTANA, 2016) enfatizam que o simples
ato de responder a um autorrelato ou automonitoramento da atenção plena
produz uma mudança desejável de comportamento nessa direção e, responder
a certos itens lembra ao indivíduo que existe uma intenção de desenvolver a
habilidade de mindfulness, especialmente quando medido em programas de
intervenção.

79
UNIDADE IV │ AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS

Segundo Bergomi et al., o feedback dos participantes dos estudos de validação


que os autores estão realizando parece confirmar que tais efeitos favoráveis
ocorrem quando a atenção plena é medida pelo autorrelato.

Finalmente, deve-se notar que a pesquisa empírica sobre a medida do mindfulness


pode ser complementada com resultados derivados de investigações com uma
abordagem da fenomenologia da atenção plena ou construtos relacionados,
como compaixão ou autocompaixão, e mesmo em relação a construtos opostos,
como a de mente dispersa ou devaneio (day dreaming) (QUINTANA, 2016).

Outras estratégias de avaliação e


monitoramento
Embora a medição do mindfulness através de um questionário ou autorrelato
forneça informações extremamente valiosas, existem certas limitações
inerentes a esses instrumentos. Pesquisadores na área da atenção plena
sofreram a falta de ferramentas complementares ao autorrelato para
registro não intrusivo e prática em tempo real e para o processo de atenção e
conscientização durante as sessões de meditação sujeitas a pesquisa.

Baer et al. (2006) fala do fato de que na psicologia várias metodologias foram
desenvolvidas para avaliar o comportamento humano, suas características e
funcionamento psicológico, no entanto, nem todas são aplicáveis ao estudo do
mindfulness.

Por outro lado, não se deve presumir que métodos alternativos de medição da
atenção plena sejam necessariamente melhores e mais precisos ou úteis do
que o autorrelato.

As entrevistas com dados qualitativos


As entrevistas com dados qualitativos permitem uma análise detalhada da
fenomenologia subjetiva da experiência da atenção plena. As entrevistas
estruturadas e semiestruturadas, que fornecem dados qualitativos podem ser
úteis para identificar diferentes tipos de experiência mindfulness.

Dados qualitativos podem complementar dados quantitativos, especialmente


em análises exploratórias. Eles também podem servir para identificar processos
específicos no estado mindfulness.

80
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

Por exemplo, pode ser usado para identificar os aspectos sociais ou interpessoais
de sua prática e que geralmente não são contemplados em testes psicométricos
(mais ênfase é colocada nos aspectos intrapessoais).

Respostas abertas podem ser gravadas e transcritas para serem analisadas com
uma metodologia específica e identificar os principais aspectos de acordo com o
objetivo da pesquisa.

Avaliação de terceiros

Este tipo de medição de mindfulness com base na avaliação de uma “terceira


pessoa” consistiria em um especialista em atenção plena capaz de medir o nível
ou progresso de uma pessoa em relação à sua habilidade inicial de mindfulness.

Essa metodologia é comum no treinamento esportivo ou no treinamento de


professores; e embora baseada na suposição de que o especialista/professor/
educador tenha a capacidade de avaliar com precisão a qualidade da atenção
plena do aluno com base em sua experiência, ele também tem seus preconceitos
inerentes.

No entanto, esta metodologia pode fornecer informações para ajudar a analisar


correlações com escalas. Para Baer (2011, em QUINTANA, 2011), esse método de
avaliação por observação direta de observadores treinados provavelmente não é
muito adequado, pois o estado de atenção plena não é facilmente observável por
um observador, embora a atitude ou o comportamento possam ser.

Medições baseadas na linguagem

Para preservar a riqueza semântica das descrições detalhadas da experiência de


mindfulness nas circunstâncias em que é estudada, seria conveniente desenvolver
uma medida baseada na linguagem que leve em consideração as palavras
relacionadas à atenção plena, usadas em entrevistas com pessoas que participam
de um programa baseado em mindfulness.

Dados relativos a este tipo de medição forneceram informações sobre o número


de palavras relacionadas com mindfulness, durante as entrevistas e que foram
associadas a maiores benefícios psicológicos após o programa.

81
UNIDADE IV │ AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS

No entanto, este método tem limitações semelhantes as do autorrelato assim


como a diferença entre autoatribuição de habilidade mindfulness e habilidade
mindfulness que a pessoa realmente tem.

Medidas de desempenho cognitivo-emocional


Testes cognitivos também foram propostos usando programas de software que
fornecem medidas objetivas para a melhoria das habilidades relacionadas ao
treinamento de mindfulness, como atenção ou memória sustentadas.

Esses testes de desempenho cognitivo em laboratório ou computador dariam


um resultado que poderia refletir o aspecto da tendência ou capacidade de estar
em total atenção. Ao incluir o mindfulness nos processos de autorregulação da
atenção, testes nos quais a atenção sustentada, a flexibilidade da atenção ou
reorientação podem ser medidas.

Por outro lado, como o mindfulness implica a não elaboração cognitiva, também
testes que exigem a inibição de processos semânticos, como o Stroop emocional,
podem ser muito úteis.

No entanto, esses testes baseados em computador que seriam usados em estudos


de laboratório limitariam a transferência de seus resultados para a vida diária,
uma vez que altos resultados nesses testes de laboratório podem não representar
a mesma capacidade de atenção na vida diária.

Medição usando neuro imagemfuncional e


marcadores neuropsicológicos
Lutz et al. (2008) constataram a viabilidade da medição de processos de
autorregulação por marcadores de ativação neuropsicológicos que mostram a
atividade cerebral durante a meditação.

Especificamente, os estudos de neuroimagem identficaram a ativação de redes


neurais especificamente relacionadas com estado de atenção concentrada,
atenção sustentada, tomada de consciência da mente dispersa e reorientação
atencional durante sessões de meditação com a respiração (HASENKAMP et
al., 2012 em QUINTANA, 2016).

Seguindo essa linha, a medição em tempo real da consciência tem sido usada
durante a prática meditativa, através do registro da Ressonância Magnética
Funcional (fMRI).

82
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

Por outro lado, e usando a mesma tecnologia, outras investigações tentaram


explorar as relações da experiência subjetiva do indivíduo (por meio de
entrevistas), com as medidas derivadas de questionários que medem a atenção
plena e em relação aos resultados da ativação neuronal durante a meditação.

Outras investigações laboratoriais com base em neuroimagem atestaram que


é viável a medição do estado de mindfulness em tempo real e pode fornecer
importantes avanços na investigação neste domínio (QUINTANA, 2016).

Com base nessas medidas, dados complementares altamente objetivos podem


ser fornecidos em estudos de correlação sobre o aspecto estado mindfulness. No
entanto, essas medidas, embora objetivas, são difíceis de implementar em estudos
aplicados ou em ambientes de prática diária de meditação.

No entanto, existem dispositivos para medir a atividade eletro-cerebral que,


intergrados à tecnologia dos celulares, poderiam facilitar o monitoramento dos
estados de atenção plena na vida cotidiana (QUINTANA, 2016).

Medição da atenção comportamental


Como medida complementar às psicométricas, a medida comportamental
para a mensuração do mindfulness merece menção especial. Grossman (2011,
em QUINTANA, 2016) destaca a necessidade particular de integrar dados
psicométricos e comportamentais na medição da atenção plena.

Até agora eles têm criado algumas ferramentas que especificamente


incorporam o comportamento interativo como um indicador da atenção plena
durante as sessões de treinamento em mindfulness. Por exemplo, o método
de monitoramento comportamental da atenção plena durante as sessões de
meditação.

A tarefa foi projetada para avaliar a experiência individual em uma prática


de meditação, na qual a atenção estava focada na sensação da respiração. Um
dispositivo foi usado para medir a respiração torácica usando uma faixa ajustada
ao tórax do indivíduo e foi solicitado que pressionasse a barra de espaço de um
teclado de computador a cada expiração. O número de expirações, controladas
com o monitor de respiração torácica, que não correspondiam ao pulso da
barra de espaço ou os momentos em que era pressionado sem corresponder
à expiração eram contados como registros ausentes ou nulos e diminuíam o
escore final obtido.

83
UNIDADE IV │ AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS

Por outro lado, Levinson (2012, em QUINTANA, 2016), em seu estudo preliminar
de laboratório, tentou validar a contagem correta até dez da respiração, como
uma medida comportamental da atenção plena. Verificou-se que os erros
relacionados à contagem da respiração até dez apresentaram correlação positiva
com as medidas do construto “mente dispersa”. O inverso foi observado com
resultados de medidas de mindfulness, tanto no teste de laboratório quanto na
vida cotidiana.

Essa medida comportamental ofereceria aos profissionais a oportunidade de


aprender sobre o processo e o estado da prática que eles não teriam sem ela.
No entanto, ainda está pendente o conhecimento dos efeitos do treinamento na
contagem da respiração.

Em sua publicação recente, Levinson et al. incluem vários estudos que culminam
na validação da contagem da respiração usando um software web como uma
medida comportamental do mindfulness. Esse sistema permite registrar dados
da duração da sessão, frequência da prática e resultados objetivos sobre a
qualidade da sessão – em parâmetros de atenção sustentada e atenção dispersa
(em QUINTANA, 2019).

O aplicativo fornece um resultado da qualidade da prática meditativa com


um valor percentual derivado da regularidade em que um clique é executado
(componente comportamental interativo).

Embora seja extremamente importante medir a qualidade da atenção plena, o


mesmo ocorre com a medição ou o monitoramento da maneira como é praticada,
ou seja: a frequência e o tempo das sessões de prática, além da qualidade delas.

Por outro lado, eles também enfatizaram que é necessário desenvolver medidas
de monitoramento e registro para controlar a prática informal em estudos sobre
os efeitos da atenção plena.

Portanto, é extremamente necessário criar e usar medidas que permitam


monitorar objetivamente e em tempo real a prática e também a qualidade da
meditação da atenção plena realizada pelos praticantes.

Fatores como adesão à prática recomendada ou sua qualidade foram destacados


como problemas de fraqueza e inconsistência em estudos sobre programas
baseados na atenção plena.

Vettese et al. (2009, em QUINTANA, 2016) enfatizam que é altamente relevante


que a mensuração da quantidade e da frequência da prática da atenção em casa

84
AVALIAÇÃO DO MINDFULNESS │ UNIDADE IV

seja realizada por meio de sistemas objetivos que nos permitem determinar
fielmente se os pacientes realmente praticam ou não, também em suas vidas
diárias. Mensuram como o tempo que gastam nela e os efeitos imediatos que essa
prática gera em seu humor, por exemplo.

Estudar o estado psicológico antes e depois de cada sessão, bem como antes
e depois da prática informal realizada por eles em suas vidas diárias, também
representaria um grande avanço na mensuração da atenção plena.

Medindo objetivamente a prática formal e informal, informações muito valiosas


seriam obtidas para estabelecer critérios científicos na dimensão “estado
mindfulness”, o que ajudaria a inferir os verdadeiros efeitos que a prática
desse tipo de meditação produz no bem-estar psicológico, situacionalmente
circunscrito, e não por longos períodos de tempo. Somente recentemente
metodologias e sistemas foram desenvolvidos para monitorar a prática formal e
a prática informal da atenção plena.

85
Para (não) Finalizar

Figura 10. Relação.

Fonte: www.telavita.com.br/blog/adolescentes-em-conflito-com-a-lei/.

Expansão do mindfulness: é uma moda?


Trabalho em revistas científicas sobre mindfulness têm aumentado muito
significativamente nos últimos quinze anos. Em 2000, 22 trabalhos foram
publicados e em 2014 já havia mais de 535. A American Mindfulness Research
Association (AMRA), de acordo com informações do seu site afirma ter 3.200
publicações científicas sobre mindfulness em seus bancos de dados. A AMRA
publica uma revista mensal específica para trabalhos sobre mindfulness:
Mindfulness Research Monthly (PALAU, 2016).

Palau (2016) faz uma breve reflexão sobre a moda do mindfulness. Ele
observa que, no campo científico, no nível popular, a atenção plena está
na moda. Por um lado, parece positivo que o interesse pela meditação e a
busca pela saúde e bem-estar através dela sejam generalizados, por outro
lado, isso pode envolver aspectos da moda passageira, como aconteceu com
muitas outras práticas.

Pode parecer que essas práticas estejam ligadas ao gosto pelo light em nossa
sociedade, por um culto ao corpo, uma preocupação com comida, bem-estar,
relaxamento, uso de massagens, a cultura da new age, pensamento fraco,
líquido, relativismo etc.

86
PARA (NÃO) FINALIZAR

A atenção plena também pode se tornar um tipo de espiritualidade “leve”,


superficial e sem compromisso. Atualmente, tudo é “atenção plena”, como tudo
é “zen”, vemos até mesmo em revistas de decoração e publicidade. Você pode se
perguntar até que ponto o sucesso do mindfulness (atenção plena) é o sucesso
de uma palavra, de um anglicismo.

É necessário questionar até que ponto nossa sociedade que não quer se esforçar,
que busca conforto, se desloca em direção a esse tipo de prática diante das
psicoterapias da palavra, que exigem esforço mental para entender e por um longo
período de tempo.

É mais fácil praticar uma postura, escapar, tentar deixar a mente em branco diante
dos problemas, seguir práticas individualistas que reforçam a onipotência (“Eu
sozinho posso me curar”). As pessoas estão dispostas a suportar “desconfortos”
corporais, a manter posturas constrangedoras, mas podem não mostrar a mesma
vontade de trabalhar com conteúdos mentais.

Grossman (2010, em PALAU, 2016) comenta como está sendo feito o uso
desnaturalizado, banalizado ou distorcido do conceito de atenção plena, uma
vez despojado de seu contexto e verdadeira natureza da cultura budista.

Pode parecer que se medita da mesma maneira que se consulta a cartomante


ou se age de acordo com as previsões do horóscopo. Sua efetividade será
afetada quando esses aspectos forem diluídos e substituídos por outras práticas
alinhadas às crenças da época e socialmente divulgadas, desejadas e intuídas,
como já aconteceu com outras terapias como espiritualismo, magnetismo,
hipnotismo etc.?

Este é um aspecto da importância do quadro cultural e de suas crenças como


condição para o sucesso das psicoterapias.

Até que ponto muitos de seus praticantes não precisariam de outros tipos
de psicoterapia antes de fazer meditação ou tentar promover um certo
desenvolvimento espiritual com esses tipos de técnicas? Sabe-se realmente
quando são indicados e quando contraindicados? Quantos desencontros
e agravos de patologias causaram o uso dessas práticas por pessoas que
anteriormente tinham problemas psicológicos? Estão procurando equilíbrio e
serenidade ou, em alguns consumidores dessas práticas, se destinam a certos
“poderes mágicos” que também são vendidos por certas escolas que oferecem
treinamento nesses métodos? Quantas dessas escolas são movimentos
sectários que promovem relações de dependência patológica ou são dirigidas
por pessoas com pouca competência?

87
PARA (NÃO) FINALIZAR

Até que ponto o terapeuta deixa de usar terapias baseadas na linguagem e na


interação, que exigem um alto grau de domínio por parte do terapeuta para
executá-las com sucesso?

Talvez uma das maiores críticas seja acreditar que podemos alcançar
experiências que nos transformarão e que, após um momento de “iluminação”,
nossa vida mudará totalmente para melhor, de uma maneira mágica.

Segovia (2004, em PALAU , 2016) também alerta para os riscos da prática da


meditação como uma ferramenta clínica e não como uma práxis epistemológica
que nos permite entender os desconfortos da nossa sociedade atual: “Os
maiores riscos são dois: construir nos seguidores uma metafísica da aceitação,
na qual as questões fundamentais de nossa própria existência são reduzidas
a ‘eventos mentais que devem ser deixados de lado’ e paradoxalmente se
tornam uma prática que acaba normalizando nossa temporalidade social e
interpessoal alienada, como oferece ferramentas poderosas para reduzir seus
efeitos nocivos sem alterá-lo ou questioná-lo”.

Dawson e Turnbull (2006, em PALAU, 2016) também criticam práticas


de atenção plena que possuem apenas caráter utilitarista e pragmático,
desprovido de suas raízes, formadores que não seguem uma prática pessoal
comprometida, esquecendo seus aspectos éticos etc. Eles se perguntam se a
atenção plena pode se tornar uma espécie de “novo ópio para as massas” no
sentido marxista.

88
Referências

BAER, R. A. Measuring mindfulness. Contemporary Buddhism, 12(1), 241–261.


doi:10.1080/14639947.2011.564842. 2011.

BAER, R. A.; SMITH, G. T.; HOPKINS, J.; KRIETEMEYER, J.; TONEY, L. Using
self-report assessment methods to explore facets of mindfulness. Assessment,
13(1), 27–45. doi:10.1177/1073191105283504. 2006.

BAKKER, K, MOULDING, R. Sensory-Processing Sensitivity, dispositional


mindfulness and negative psychological symptoms. Pers Individ Dif, 53:341-46.
2012.

BISHOP, S. R. What do we really know about mindfulness bases stress reduction?


Psychosomatic Medicine, 64, 71-83. 2002.

Brown, K. W.; Cordon, S. Toward a Phenomenology of Mindfulness: Subjective


Experience and Emotional Correlates. In F. Didonna (Ed.), Clinical Handbook of
Mindfulness (pp. 59–81). New York: Springer. 2009.

BROWN, K. W.; CRESWELL, J. D.; RYAN, R. M. Handbook of Mindfulness:


Theory, Research, and Practice. New York: Guilford Press. 2015.

BROWN, K.; RYAN, R. M. The benefits of being present: Mindfulness and its role
in psychological well-being. Journal of Personality and Social Psychology,
84(4), 822-848. doi:10.1037/0022-3514.84.4.822. 2003.

CASTILLO, R. J. Depersonalization and meditation. Psychiatry, 53:158-68. 1990.

COUTIÑO, A. Terapias cognitivo-conductuales de tercera generación (ttg): la atención


plena/mindfulness. Revista Internacional de Psicología. Instituto de la Familia
Guatemala. 2012.

DAWSON, G. Buddhism and psychotherapy. Bodhi Leaf. 22:3-14. 2000.

DAWSON, G.; TURNBULL, L. Is mindfulness the new opiate of the masses? Critical
reflections from a Buddhist perspective. Psychother Aust 12:60-4. 2006.

EPSTEIN M Thoughts without a thinker: Buddhism and psychoanalysis. Psychoanal


Rev 82:391-406. 1995.

89
REFERÊNCIAS

GERMER, C. K. Mindfulness and Psychotherapy. In GERMER, C. K.; SIEGEL, R. D.;


FULTON, P. R. (Eds). Mindfulness. What Is It? What Does It Matter? (pp. 3-27).
New York: Guilford Press. 2005.

GROSSMAN, P. Mindfulness for Psychologists: Paying Kind Attention to the


Perceptible. Mindfulness (N Y) 1:87-97. 2010.

GROSSMAN, P. Defining mindfulness by how poorly I think I pay attention during


everyday awareness and other intractable problems for psychology’s (re)invention
of mindfulness: comment on Brown et al. (2011). Psychological Assessment,
23(4), 1034– 40. doi:10.1037/a0022713. 2011.

GYATSO, T. (S. S. el XIV Dalai Lama). El mundo del budismo Tibetano. Visión
general de su filosofía y su práctica. Barcelona: Liberduplex. 1998.

HAYES, S. C. Acceptance and commitment therapy, relational frame theory, and


the third wave of behavioral and cognitive therapies. Behavior Therapy, 35(4),
639-665. 2004.

KABAT-ZINN, J. An outpatient program in behavioral medicine for chronic


pain patients based on the practice of mindfulness meditation: theoretical
considerations and preliminary results. General Hospital Psychiatry, 4(1), 33–47.
doi:10.1016/01638343(82)90026-3. 1982.

KABAT-ZINN, J. Full catastrophe living: using the wisdom of your mind to face
stress, pain and illness. New York: Dell. 1990.

KABAT-ZINN, J. Mindfulness-based interventions in context: Past, present, and


future. Clinical Psychology: Science and Practice, 10(2), 144-156. 2003.

KUTZ, I.; LESERMAN, J.; DORRINGTON, C.; MORRISON, C. H.; BORYSENKO,


J. Z.; BENSON, H. Meditation as an adjunct to psychotherapy. An outcome study.
Psychother Psychosom 43:209-218. 1985.

LESERMAN, J.; DORRINGTON, C.; MORRISON, C. H.; BORYSENKO, J. Z.; BENSON,


H. Meditation as an adjunct to psychotherapy. An outcome study. Psychother
Psychosom 43:209-218. 1985.

LUSTYK, M. K. B.; CHAWLA N, NOLAN RS, MARLATT G. A. Mindfulness


meditation research: issues of participant screening, safety procedures, and
researcher training. Adv Mind Body Med 24:20-30. 2009.

90
REFERÊNCIAS

LUTZ, A.; SLAGTER, H. A; DUNNE, J. D.; DAVIDSON, R. J. Attention regulation


and monitoring in meditation. Trends in Cognitive Sciences, 12(4), 163–9.
doi:10.1016/j.tics.2008.01.005. 2008.

MAÑAS, I. Nuevas terapias psicológicas: la tercera ola de terapias de conducta o


terapias de tercera generación. Gaceta de Psicología, 40, 26-34. 2007.

MIKULAS, W. L. Mindfulness: Significant Common Confusions. Mindfulness, 2(1),


1–7. doi:10.1007/s12671-010-0036-z. 2010.

NHAT-HANH, T. Peace is every breath: A practice for our busy lives. Reino Unido:
Harper Collins Publisher. 2011.

NIKAYA, M. (2500 A.C.). Satipatthana Sutta, Sutta no 10. El Sutra de los


fundamentos de la atención. Disponível em: www.librosbudistas.com/descargas/
SATI.htm. Acesso em: 9 jan. 2020.

PALAU, P. Efectos de un entrenamiento basado en mindfulness (atención o


conciencia plena) sobre la salud psíquica y las habilidades de autocuidado
y cuidado de otros en estudiantes de medicina. Tesis doctoral em Salud.
Departamento de Cirugía, Universitat de Lleida. 2016.

PARRA, M. Eficacia de la terapia cognitiva baseada en la conciencia plena


(mindfulness) en pacientes con fibromialgia. Tesis Doctoral - Universidad de
Castilla-La Mancha. 2011.

PÉREZ, A. M. La terapia de conducta de tercera generación. Revista de psicología y


psicopedagogía, 5(2), 159-172. 2006.

PÉREZ, Mª. A.; BOTELLA, L. Conciencia Plena (Mindfulness) y Psicoterapia:


Concepto, Evaluación y Aplicaciones Clínicas. Revista de Psicoterapia, XVII (66-
67), 77-120. 2006.

PEREZ-DE-ALBENIZ, A.; HOLMES, J. Meditation: Concepts, effects and uses in


therapy. Int J Psychother 5:49-58. 2000.

QUINTANA, B. Evaluación del Mindfulness: aplicación del cuestionario


Mindfulness de cinco facetas (FFMQ) en población española. Tesis Doctoral.
Facultad de Psicologia, Universidad Complutense de Madrid. 2016.

SAUER, S.; WALACH, H.; SCHMIDT, S.; HINTERBERGER, T.; HORAN, M.; KOHLS,
N. Implicit and explicit emotional behavior and mindfulness. Consciousness and
Cognition, 20(4), 1558–69. doi:10.1016/j.concog.2011.08.002. 2011.

91
REFERÊNCIAS

SAUER, S.; WALACH, H.; SCHMIDT, S.; HINTERBERGER, T.; LYNCH, S.; BÜSSING,
A.; KOHLS, N. Assessment of Mindfulness: Review on State of the Art. Mindfulness,
4(1), 3–17. doi:10.1007/s12671-012-0122-5. 2013.

SEGOVIA, S. Meditación y psicoterapia. En: RODRIGUEZ-ZAFRA, M.


(ed) Crecim. Pers. Aportaciones oriente y Occident. Desclée de Brouwer,
Bilbao, pp. 315-336. 2004.

SHONIN, E.; GORDON, W. VAN, GRIFFITHS, M. D. Are there risks associated with
using mindfulness in the treatment of psychopathology? Clin Pract 11:389-92. 2014.

SIEGEL, D. J. The Mindful Brain. New York: Norton & Company. 2007.

SIMOR, P.; KÖTELES, F.; SÁNDOR, P.; PETKE, Z.; BÓDIZS, R. Mindfulness and
dream quality: The inverse relationship between mindfulness and negative dream
affect. Scand J Psychol, 52:369-75. 2011.

TEASDALE, J.; MOORE, R.; HAYHURST, H.; POPE, M.; WILLIAMS, S.; SEGAL,
Z. Metacognitive awareness and prevention of relapse in depression: empirical
evidence. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 70(2), 275-287. doi:
10.1037. 2002.

VIPASSANA FELLOWSHIP Meditation Resources. Disponível em: http://www.


vipassana.com/resources/8fp6.php. Acesso em: 10/1/2020. 2012.

WATTS, A. Psicoterapia del Este, Psicoterapia del Oeste. Buenos Aires:


Kairos. 1992.

Fonte das imagens


Figura 1. Mulher. www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/. Acesso
em: 20 nov. 2019.

Figura 2. Mulher meditando. www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-


started/. Acesso em: 20 nov. 2019.

Figura 3. Cerebro. www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/. Acesso


em: 20 nov. 2019.

Figura 4. Meditação. www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/.


Acesso em: 20 nov. 2019.

92
REFERÊNCIAS

Figura 5. Dia a Dia. lamenteesmaravillosa.com/3-formas-sencillas-de-practicar-


mindfulness-en-tu-dia-a-dia/ acesso. Acesso em: 26 nov. 2019.

Figura 6. Equilibrar. lamenteesmaravillosa.com/3-formas-sencillas-de-practicar-


mindfulness-en-tu-dia-a-dia/. Acesso em: 26nov. 2019

Figura 7. Inicio. www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-started/ Acesso


em: 20 nov. 2019.

Figura 8. Corpo. Fonte https://www.mindful.org/meditation/mindfulness-getting-


started/. Acesso em: 20 nov. 2019.

Fonte 9. Smartphone. Fonte https://www.mindful.org/meditation/mindfulness-


getting-started/. Acesso em: 20 nov. 2019.

Figura 10. Relação. www.telavita.com.br/blog/adolescentes-em-conflito-com-a-lei/.


Acesso em: 15 set. 2019.

93

Você também pode gostar