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Judith Butler.
RESUMO
The current society and its institutions are anchored in the "sex-gender-desire" relations,
which includes the "world of work". The current scenario is that of precarization and
deregulation, a phenomenon that affects the entire working class. In this context of reduced
social protection and weakening of working conditions and relationships, the transgender
population has prostitution as its main space of employment, followed by precarious jobs.
Through this problematic, this research aims to analyze how the insertion and permanence of
transgender people in the world of work in the municipality of Chapecó-SC, and as specific
objectives: a) to clarify the trajectories of life of trans people and their effects on work
insertion; b) to discuss from the point of view of transsexual people, what are their challenges
for insertion and permanence in the world of work; c) to map how the UNA - Chapecó, deals
with the insertion and permanence of this population in the world of work. The cutout is
justified by the aspects of the world of work and transsexuals, not having been explored in the
municipality and by the lack of information about this population in the formal work
context.The theoretical contribution of this study was anchored in the queer perspective and
also in the discussions on precarious work bringing along national and international authors,
who contributed to understanding the reality experienced by the transsexual population in
processes of insertion and permanence in the work context. This research has a qualitative
character and used as a means of producing semi-structured interview information. These
were performed with five transgender people, one of whom was a member of UNA -
Chapecó, and an employer of a transgender person. The analysis of the information was done
through thematic content analysis. The results indicate that cisheternormativity constitutes the
world of work, acting as a driving force of labor segregation and promoting the performativity
of transgender bodies. A low insertion occurs in the context of the formal work of transgender
people, and when it happens, it is crossed by the marks of transsexual bodies, process of
hormoneization, body changes, crossed by the pharmacopornographic regime and the
passibility of these bodies. This last factor can be understood as decisive for the processes of
insertion and permanence of this population in formal work contexts. Factors related to the
family and school inclusion/exclusion process of trans persons were also highlighted,
considering that these institutions reproduce the cisheteronormative standards. These aspects
impact on the social vulnerability and labor insertion of this population. The discussions also
indicate that even when there is insertion of trans people in the formal labor market this is
permeated by the precariousness that constitutes the current world of work, and that the
condition of trans people deepens these precariousness. There were still few affirmative
actions aimed at this population in the territory, and that these, when they occur, are not yet
addressed to the issues of the world of work. In this sense, it is concluded that there is a need
to strengthen the protagonism of trans people in gender movements in the territory, as well as
the struggle for public policies that guarantee rights such as education, health, document
rectification and formal work.
Quadro 1: Entrevistades............................................................................................................17
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Vargas (2016) o trabalho é uma atividade que assegura a produção das
condições materiais de existência, mas que também está atrelado com a dimensão de
reconhecimento e inserção social. Apesar da importância da atividade laboral, a
desregulamentação do trabalho e o processo de precarização deste atinge a grande parte das
pessoas que vivem do trabalho, resultando em contexto laboral de menor proteção social ao
trabalhador, de maior concorrência e menor solidariedade. Neste contexto, conforme aponta
Hun (2015), os corpos passam a ser vistos e mensurados por meio das lógicas da máxima
eficácia e de produtividade.
Conforme será apresentado ao longo desta pesquisa, a cisheteronormatividade ancora-
se na coerência das relações “sexo-gênero-desejo” (BUTLER, 2020), quando se apresentam
incoerências entre essas três dimensões se estabelece sobre esses corpos uma patologização
ou abjeção. Essa lógica, apresenta-se nos discursos na organização social e política da
sociedade, as quais, segundo Hartmann (2017), se mostram como premissas também no
mundo do trabalho. Como reflexos desses aspectos, o mercado de trabalho se organiza numa
segmentação compreendida por Aldeman et al (2003) como “gênero-definido”, a qual se
restringe apenas à homens e mulheres, deslegitimando a inserção de corpos que perpassam
essa lógica, como é o caso dos corpos transexuais, que sofrem constantes retaliações,
violências e negações, por serem incompreendidos.
O cenário do mundo do trabalho atual aponta para a grande dificuldade que as pessoas
transexuais têm em se inserir em postos de trabalho formais. De acordo com os índices
apresentados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais - ANTRA (2020), 90% das
pessoas transexuais e travestis tem sua renda obtida a partir da prostituição, 4% estão
inseridos em postos de trabalho formais e 6% em atividades de trabalho informais. Quando se
inserem em postos de trabalho formais, com frequência esses são de trabalhos precarizados e
insalubres. Além da baixa inserção laboral no mercado formal, outro movimento que se
apresenta nos contextos laborais são os obstáculos para a permanência dessa população
quando consegue um trabalho formal, estando propensas à discriminação e preconceito.
Hartmann (2017) aponta que a inserção de pessoas transexuais no mercado de trabalho
formal não é de responsabilidade individual, mas depende das tendências e dos laços
constituídos. Ainda conforme a autora, as restrições de gênero, raciais e de classe social, nos
ajudam a compreender a inserção dessa população, aspecto que será apresentado ao longo
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deste estudo. Frente a esses aspectos, somos provocados a pensar quais são os fatores
inerentes à realidade da inserção laboral dessa população.
O interesse pela temática teve início no ano de 2016, quando realizava o trabalho de
conclusão de curso (TCC) da graduação em Jornalismo. Na ocasião, realizei uma análise de
conteúdo do Profissão Repórter, o programa de vinculação semanal pela emissora Rede Globo
e foi idealizado como um programa voltado a produzir pauta que fugisse do convencional.
Desde sua primeira edição, esse caráter de mostrar os “desafios” da produção foram
elementos que marcaram presença nas produções. O programa teve como pauta o processo de
aceitação das famílias com filhos e filhas LGBTQIA+, mais precisamente, transexuais. Como
forma de produção de informação, foi realizado um grupo focal com ativistas e militantes do
movimento LGBTQIA+ de Chapecó, a atividade contou com a participação de cinco pessoas,
sendo duas delas, mulheres transexuais. Após a realização da atividade em meio a uma
conversa informal, uma das participantes relatou sobre o processo inerente ao seu trabalho e
de como era constrangedor não ter o nome social em seu crachá. As colocações foram
marcantes e inquietantes, me fazendo refletir sobre o processo e quais os desafios enfrentados
pela população transexual chapecoense para se inserir no mercado de trabalho formal.
Durante a realização do estado da arte para a constituição deste estudo, identificou-se
que a maior parte das produções encontradas têm como foco principal analisar a inserção
laboral, mas não a permanência dessa população nos postos de trabalho, como em A
Realidade e os Desafios para a Inserção de Transgêneros, Transexuais e Travestis no
Mercado de Trabalho de Maria (2020) e Travestis e transexuais e sua inserção no mercado
formal de trabalho de Silva e Luna (2019), bem como foram encontrados trabalhos voltados à
inserção da população trans na prostituição como: As Dificuldades das Transexualidades na
Inserção ao Mercado de Trabalho de Moura et al (2019) e Trajetórias de vida de travestis e
transexuais de Belo Horizonte: Ser “T” e “Estar Prostituta” de Sofal etl al (2019). A
prostituição atualmente é um dos segmentos informais com maior taxa de pessoas transexuais
inseridos, realidade presente também em Chapecó - SC.
Foram essas nuances que motivaram compreender não somente a inserção, mas
também vislumbrar a permanência dessa população no mundo do trabalho. Outro aspecto
considerado foi não se limitar apenas à prostituição, mas considerar trabalhos formais e
informais. Frente a isso é que se delimitou a pergunta norteadora desta dissertação: “Quais são
os desafios enfrentados por transexuais para serem inseridos e permanecerem no mundo do
trabalho de Chapecó-SC?”.
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A pesquisa adota a abordagem qualitativa, que segundo Minayo (2012, p. 622) tem
como matéria prima, “um conjunto de substantivos cujos sentidos se complementam:
experiência, vivência, senso comum e ação”. Segundo a autora, essa abordagem tem como
base três verbos centrais que são: compreender, interpretar e dialetizar. Conforme sugere
Neves (1996, p. 1) nesse tipo de pesquisa a obtenção de informações ocorre por meio do
contato direto e interativo entre o objeto de estudo e o pesquisador, “[...] é frequente que o
pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da
situação estudada e, a partir daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados”.
Diante disso, para o desenvolvimento desta pesquisa se fez necessário uma
aproximação com o campo. Umas das primeiras ações aconteceu por meio de um primeiro
contato com a então presidente da UNA - União Nacional LGBT - Chapecó, visando a coleta
de informações sobre a população transexual da região de abrangência de Chapecó, Oeste de
Santa Catarina, a fim de identificar a existência de alguma base contendo informações a
respeito de vagas de trabalhos ocupadas por esse grupo e também possíveis entevistades.
Nessa ocasião foi indicado um nome (Marta, que posteriormente foi entrevistada). O
momento também possibilitou compreender como a UNA vê a questão acerca da inserção e
da permanência da população transexual no mercado de trabalho formal local.
A partir disso, se deu a segunda ação, a qual consistiu em mapear outros nomes de
possíveis entevistades. Eesse contato ocorreu por intermédio de um conhecido próximo, que
informou sobre a existência de um grupo de WhatsApp, composto por 48 pessoas transexuais
e travestis residentes de Chapecó. Foi elaborado um pequeno questionário para ser postado no
grupo a ser respondido por meio da plataforma Google Forms, contendo três perguntas, sendo
elas, nome, aceitaria participar da pesquisa e se a participação poderia ser em grupo focal,
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todas as respostas atribuídas foram positivas (Apêndice A), além de uma contextualização
sobre o estudo e sua finalidade.
Num primeiro momento ponderou-se a constituição de um grupo focal, mas julgou-se
que para melhor produção de informação, fosse adotada a metodologia de entrevistas
individuais. Essa iniciativa visou obter informações de possíveis entrevistades. Seis pessoas
responderam ao questionário, no entanto, ao entrar em contato individualmente, uma das
pessoas desistiu de participar da pesquisa. O questionário ficou disponível por
aproximadamente 15 dias. Durante a produção de informação, uma das participantes do
grupo, indagou sobre o referencial teórico que seria usado ao longo da pesquisa, pergunta que
indicou tanto o discernimento dessas pessoas sobre as diferentes possibilidades de abordar o
tema, quanto a preocupação com a forma como a pesquisa seria conduzida.
O contato com os entrevistades se deu por meio de mensagens através do aplicativo
WhatsApp. Na oportunidade, foi apresentado mais a fundo a pesquisa aos participantes, quem
era o pesquisador, aspectos que o levaram a pesquisar o tema, objetivo geral e específicos da
pesquisa, além de apresentar nuances sobre referências teóricas principais. Posteriormente foi
feito o agendamento das entrevistas que aconteceram entre os meses de março e abril de 2021.
Por tratarem-se de entrevistas semiestruturadas, foi possível, durante a realização, que
outros pontos para além da inserção e permanência no mundo do trabalho, fossem abordados
com os entrevistades e ao fim de cada uma delas, foi indagado sobre possíveis considerações
a respeito da pesquisa, além de questionados sobre o por que o número de pessoas que
aceitaram participar foi pequeno. Maruan, ponderou que a população transexual local, é
receosa por medo de sofrer com discriminação e também por ser vista como “ratos de
laboratórios”, sendo objetos de pesquisas que distorcem as suas colocações, no entanto,
demarca a importância da construção de pesquisas sobre o tema.
Durante as entrevistas foram levantados com as pessoas trans nomes de empregadores
que poderiam ser convidados a participarem do estudo, mas dos cinco indicados apenas um
concordou. O indicade da UNA se deu através de uma conversa com a atual presidente, que
devido ao momento em que passava pelo período eleitoral municipal, optou por indicar um
dos membros da atual direção.
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1 Em um primeiro momento, tinha-se como objetivo compreender como se dava a inserção de transgêneros no
mercado de trabalho formal, visto que, o termo abrange transexuais e travestis. Mas após a realização das
entrevistas em campo, os participantes, definiram-se transexuais, deste modo, passou a ser utilizado esse termo
ao longo desta pesquisa.
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um grupo específico. Em relação ao roteiro de questões, o autor acrescenta que deve “existir
flexibilidade na sequência da apresentação das perguntas ao entrevistado e o entrevistador
pode realizar perguntas complementares para entender melhor o fenômeno em pauta”
(MANZINI, 2004, p. 8).
Segundo Boni e Quaresma (2005) a entrevista semiestruturada permit maior
aproximação do pesquisador com o/os entrevistado (os), o que possibilita que sejam
abordados assuntos mais complexos e delicados. Na visão dos autores, quanto menos
estruturada a entrevista, maior será a aproximação e afetividade entre ambos. “As respostas
espontâneas dos entrevistados e a maior liberdade que estes têm podem fazer surgir questões
inesperadas ao entrevistador que poderão ser de grande utilidade em sua pesquisa” (BONI;
QUARESMA, 2005, p. 75).
Ao serem realizadas as entrevistas semiestruturadas (Apêndice B) com as pessoas
transexuais, puderam ser observados e ponderados aspectos como, as trajetórias ocupacionais,
fatores que impactam a inserção e também a permanência no mundo do trabalho, além de
vislumbradas possíveis meios e ações que contribuíram para promover a maior inserção e
também com a permanência dessa população em postos de trabalho formais. A entrevista
realizada com um membro da UNA Chapecó, possibilitou desenhar um panorama de como o
tema inserção e permanência laboral de pessoas transexuais é discutido dentro do movimento,
se existem ações voltadas à essa questão, as dificuldades percebidas, etc. (Apêndice C). Já a
entrevista com a empregadora permitiu que fosse compreendido como essa temática é
vislumbrada por esse segmento (Apêndice D). O fato de apenas uma empregadora ter
concedido entrevista, demonstrou o quão negligenciado é o tema na cidade.
Em decorrência do impedimento da presencialidade devido à pandemia de
Coronavírus, todas as entrevistas foram realizadas por meio da plataforma do Google Meet.
As transcrições foram realizadas através da ferramenta Legendas OBS, a qual tem seu acesso
livre através do link: https://webcaptioner.com/captioner, além disso, uma das entrevistas teve
sua transcrição realizada de forma manual. Pondera-se a utilização da linguagem neutra em
termos como “entrevistades”, levando em consideração a temática da pesquisa e as discussões
sobre gênero, também, optou-se por manter a linguagem utilizada pelos entrevistades.
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A análise das entrevistas ocorreu por meio da análise temática de conteúdo, a qual,
segundo Minayo (2007), desdobra-se nas etapas de pré-análise, exploração do material ou
codificação e tratamento das informações obtidas e/ou sua interpretação.
A primeira etapa, descrita por Minayo (2007) como pré-análise, apresenta ao longo do
seu percurso tarefas como a leitura flutuante, que faz com o pesquisador esteja em contato
intenso com o material de campo, o que possibilita a elaboração das primeiras hipóteses,
sendo elas, hipótese inicial e as hipóteses emergentes. É também na pré-análise que o
pesquisador tem contato com as teorias relacionadas à temática investigada, o que propicia a
desmistificação de alguns percalços iniciais (MINAYO, 2007). Além disso, é nessa etapa,
conforme sugere Oliveira (2008), que se elaboram indicadores que contribuirão na
interpretação final.
Minayo (2007) também aponta para a constituição do corpus, o qual refere-se ao
universo estudado em sua totalidade. O corpus, segundo a autora precisa responder normas de
validade qualitativa, sendo elas,
Por envolver seres humanos, foram considerados todos os aspectos éticos apropriados
para a participação humana, respeitando a sua dignidade, direitos, o bem-estar e a segurança
durante todas as etapas.
O trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos
da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – CEP/Unochapecó, em conformidade
com as Resoluções 466/CNS/2012 e 510/CNS/2016. O Comitê é uma instância colegiada, de
natureza educativa, consultiva e deliberativa, que tem como função analisar e emitir
pareceres, bem como o acompanhamento de protocolos de pesquisa envolvendo seres
humanos. O projeto foi aprovado por meio do parecer 4.426.575, em 27 de novembro de
2020.
Na construção da pesquisa foram utilizados os seguintes termos solicitados pelo
Comitê de Ética em Pesquisa: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-maiores de idade
(Anexos A, B e C); Termo de Consentimento para uso de Imagem e/ou Voz (Anexo D).
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Abordaremos neste capítulo aspectos inerentes aos corpos transexuais, que impactam
na inserção e permanência dessa população no mundo do trabalho. Desse modo,
problematizamos aspectos relacionados à cisheteronormatividade, segregação laboral,
passabilidade2, mudança corporal, o regime farmacopornográfico, o trabalho precário. Nos
debruçarmos em compreender esses aspectos pela ótica de autores como Butler (2017; 2019;
2020), Preciado (2018), Foucault (2017; 2008; 2019), Bento (2017), Louro (2003), Antunes
(2002; 2009,) entre outros importantes teóricos que problematizam sobre os mesmos.
Quanto ao gênero, Butler (2017) - uma das precursoras dos estudos queer - nos sugere
que precisamos entendê-lo como um efeito do aparato cultural, afirmado como algo fixo e
intangível, impactando diretamente nos corpos e os forçando a se adequarem ao que é
considerado dentro da normalidade, tendo em vista que “[...] não há como recorrer a um corpo
que já não tenha sido sempre interpretado por meio de significados culturais [...]” (BUTLER,
2017, p. 29). Desse modo, Butler compreende o gênero como algo condicionado pelas normas
(HARTMANN, 2017).
Conforme Hartmann (2017), a lógica da teoria queer em compreender os corpos se
sustenta através da crítica tecida sobre a ideia dos indivíduos como identidades essenciais.
Assim, a teórica desmonta a noção do eu definido, ancorado em eixos como raça, gênero,
desejo e nação, aspectos que serão analisados por Butler (2020, p. 18), através da
inteligibilidade, que segundo a autora “vai construir esse lugar de pavorosa identificação
contra a qual - e em virtude de qual - o domínio do sujeito circunscreve sua própria
reivindicação por autonomia e vida”.
A normalidade descrita e problematizada nesta pesquisa, tem como base conceitual a
coerência nas relações “sexo-gênero-desejo”, em que os gêneros inteligíveis são os que
mantêm essa continuidade entre sexo, gênero e desejo, por intermédio dos quais a identidade
é reconhecida e adquire um efeito de substância (BUTLER, 2020). Quando se apresentam
2 O termo passabilidade refere-se a quando a pessoa transexual, aparenta ser uma pessoa cis do gênero com o
qual se identifica (COLABORA, 2014).
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incoerências entre essas três dimensões se estabelece sobre esses corpos uma patologização
ou abjeção. Butler (2006) discute ainda que “[...] gênero é o mecanismo pelo qual as noções
de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas, mas gênero bem poderia ser o
aparato pelo qual esses termos são desconstruídos e desnaturados” (p. 70, tradução nossa). O
que está intrínseco a todo esse processo é a sujeição e regulação, nesse sentido a partir das
concepções de Foucault (2019), é notório considerar que o poder regulatório não está atuando
apenas sobre o sujeito pré-existente, mas sim, moldando e dando forma a esse sujeito.
Essas regulamentações baseadas na coerência das relações de “sexo - gênero - desejo”,
são o que fundamentam a lógica cisheteronormativa nos discursos sobre os corpos, na
organização social e política da sociedade, as quais, segundo Hartmann (2017), se apresentam
como premissas também no mundo do trabalho.
A noção de mundo do trabalho se refere a um
Benedetti (1997) destaca que o corpo é meio pelo qual ocorre a inserção e
inteligibilidade do indivíduo no contexto social. É a partir do corpo que se atribui à pessoa
uma série de sentidos e comportamentos. Butler (2017) utilizando do termo abjeto cunhado
por Kristeva (1982) descreve que o corpo transexual ao negar a realidade construída em torno
do sexo biológico, passa a ser classificado como abjeto, compreendidos por ela como
[...] aquilo que foi expelido do corpo, descartado como excremento, tornado
literalmente “Outro”. Parece uma expulsão de elementos estranhos, mas é
precisamente através dessa expulsão que o estranho se estabelece. A
construção do “não eu” como abjeto estabelece as fronteiras do corpo, que
são também os primeiros contornos do sujeito (KRISTEVA, 1982, p. 230).
O termo abjeto é problematizado por Kristeva (1982), na obra Powers of Horror, a fim
de explicar rupturas espaciais e temporais da vida dos sujeitos, principalmente nos instantes
em que esse sujeito experimenta a perda de distinção entre si e os “outros”
Oliveira (2021) argumenta que o corpo é uma superfície politicamente regulada, sendo
construído por meio do contexto sociopolítico no qual se encontra inserido. A autora frisa que
esse corpo abjeto faz parte de uma sujeição social. Nesse sentido, o “abjeto diz respeito
àquelas vidas que não são consideradas vidas e cuja materialidade é tida como sem
importância, embora necessária para a manutenção da matriz regulatória” (OLIVEIRA, 2021,
p. 9).
Bento (2017, p. 86) demarca que o
[...] sistema binário dos gêneros produz e reproduz a ideia de que o gênero
reflete, espelha o sexo e que todas as outras esferas constitutivas dos sujeitos
estão amarradas a essa determinação inicial: a natureza constrói a sexualidade
e posiciona os corpos de acordo com as supostas disposições naturais.
trans, é algo construído também, sabe?”. Esse aspecto também é problematizado por Bianca,
ao afirmar que “cresci com as pessoas me falando, dizendo que era uma forma errada, que eu
não podia agir assim, que era tudo errado”.
Louro (2003) problematiza o que caracteriza como “marcas dos corpos” trans, sendo
esse um dos maiores empecilhos à inserção social e também no mundo do trabalho para essa
população, visto que não reproduzem padrões de comportamento esperados, desencadeando
processos discriminatórios. Quando esse preconceito passa a ser externalizado, e “expresso
em situações comportamentais, ele perde o caráter de preconceito e passa a ser discriminação”
(MOURA, LOPES, 2014, p. 6).
Bianca destaca que os corpos transexuais são tratados como vulgares, “a gente é vista
com maus olhos, a maioria das pessoas nos vêem de forma equivocada, é uma pessoa trans ou
travesti, nos submetem a serem seres vulgares”. Sobre esses aspectos Marcos enfatiza que “se
você é uma mulher trans, sempre pensam em você como uma profissional do sexo e não que
isso seja ruim, mas no sentido de que sejam desvalorizadas [...]”.
O sistema social e cultural, visando a dominação dos corpos, principalmente dos que
tensionam a padronização, utilizam do poder para discipliná-los e dominá-los (BUTLER,
2019). Análises pós-estruturalistas destacam que a dominação sobre determinados grupos ou
corpos, são resultado de constantes estratégias concretizadas por meio das relações que se
estabelecem no cotidiano, onde os dispositivos de poder regulam e assujeitam
comportamentos, corpos e sentimentos, operacionalizando na reorganização de suas ações
para o que se espera daquele indivíduo ou corpo (FOUCAULT, 2019; SOARES, 2018).
Como sugerem Prado Filho e Trisotto (2008, p. 118)
[...] deve-se lembrar que a modernidade não apenas produz corpos para o
capital, mas também os moraliza e produz sua sexualidade conforme
normatividades de cunho científico que classificam a normalidade ou
anormalidade para muito além dos domínios da sexualidade, marcando sua
identidade e definindo o que é socialmente aceitável ou não para determinado
grupo, em determinada cultura.
Conforme Bento (2017, p. 88) a sociedade materializa nos corpos as verdades “[...]
para o gênero através das instituições sociais (a família, a igreja, a escola, a ciências)”, ao que
poderíamos acrescentar as organizações de trabalho. Ainda sobre isso, Butler (2018, p. 33)
pontua que “embora as normas de gênero nos precedem e atuem sobre nós (esse é um dos
sentidos da sua representação), somos obrigados a reproduzi-las, e quando de fato
começamos, sempre involuntariamente, a reproduzi-las, alguma coisa sempre pode dar errado
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O corpo transexual precisa ser lido como cisheteronormativo, e quando isso não
acontece, estruturam-se em seu entorno meios de segregação. Conforme Bianca, percebe-se
um estranhamento dos recrutadores no momento da seleção quando encontram uma pessoa
transexual “[...] a gente vê no olhar da pessoa que ela te olha dos pés à cabeça, quer encontrar
alguns traços do gênero masculino que te remeta a ele, um olhar estranho”. Marta, assim
como Bianca, sugere que o corpo é o meio de acesso ao mundo do trabalho e que apesar de
existir uma diversidade nos corpos femininos, essa diversidade é menos tolerada na mulher
transexual, uma vez que a mulher
[...] não é questionada para exercer a profissão pela cintura grossa fina e pela
bunda maior e menor, ela é questionada pela comprovação profissional em
carteira de trabalho. Agora nós não, é as duas coisas, a obrigatoriedade de ser
normativa, o corpo violão né, pra não chamar muito atenção, além da
comprovação em carteira, mas sempre têm por exemplo comércio sim que dá
preferência por TT3, mas desde que seja jovenzinha né (MARTA, 2021).
direitos aos indivíduos que fogem da ‘normalidade’ que o sistema binarista nos coloca, esse
sistema nos afirma que se o indivíduo tenha uma vagina então este é uma mulher e caso um
indivíduo tenha um pênis ele necessariamente tem que ser um homem”. No entanto, o corpo
transexual subverte a lógica linear de corpo/sexo-gênero/sexualidade, desestabilizando “[...] a
inteligibilidade heteronormativa dos pares dicotômicos categoriais, excludentes e
hierarquizados: corpo (macho-fêmea) gênero (homem-mulher), sexualidade (heterossexual-
homossexual)” (RAIMUNDO et al, 2021, p. 5).
Segundo Moura e Lopes (2014), quando uma pessoa transexual busca sua inserção no
mercado de trabalho formal, os critérios de seleção tornam-se preconceitos, resultando num
processo de objetificação e descartabilidade desses corpos. Essas nuances podem ser
observadas na fala de Marcos, que destaca que, “pessoas trans são substituídas, então se
aparecer alguém melhor que não seja trans, colocam a pessoa que é cis na vaga dessa pessoa
trans, mas eu acho que o ambiente LGBTfóbico5 é o que mais pesa, porque eles cansam a
gente até a gente pedir para ir embora [...]”.
A fala de Marcos remete à questão de que a discriminação das pessoas trans nos
processos de seleção e contratação, bem como nos contextos laborais, fere o direito à
dignidade e a igualdade, previstos tanto na Constituição Federal de 1988 como na
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Porém, ao olharmos para a própria legislação
previdenciária brasileira, verifica-se que ela “[...] é omissa e não cumpre seu dever, pois
deveria garantir aos transexuais o direito de acesso a benefícios com a identidade assumida
após a transgenitalização” (QUADRINI e VENAZZI, 2016, p. 28). Partilhando dessa mesma
concepção, Araujo e Barreto (2018) destacam que o sistema previdenciário se pauta pelos
aspectos binários e é influenciado pela cisheteronormatividade, isso acentua a negação de
direitos, mesmo após sua inserção no contexto laboral.
Conforme apontam Adelman et al (2003, p. 83) “o mercado de trabalho possui uma
estrutura segmentada pelo gênero-definido pela dicotomia convencional homem/mulher.
Muitos valores subjetivos e avaliações estão embutidos nesta divisão sobre aquilo que um
homem ou uma mulher pode ou deve fazer”. Percebemos que o mundo do trabalho age como
uma força motriz da padronização do modelo cisheteronormativo. Para Hur (2015, p. 236)
ocorre a “realização da axiomática do capital na instância do corpo. Então já não há mais
códigos e normas pressupostos e instituídos, mas um funcionamento a se realizar na dimensão
5 O termo está relacionado a formas de agressões pessoas pertencentes a comunidade LGBTQIA+, sejam elas
violências verbais, físicas ou psicológicas (CARMO, 2020).
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corporal”. Nesse sentido, podemos destacar o que o autor denomina como um “Toyotismo
corporal”, que tem sua fundamentação na máxima eficácia e produtividade desses corpos
(HUR, 2015). As colocações de Marta apresentam o corpocapital relacionado à produtividade,
mas também a modulação desses corpos quando pondera que “a trans só serve quando ela é
normativa, quando ela é aquele mulherão, quando ela não chama tanto atenção como mulher
trans, mas sim, como pertencente do sexo feminino”.
Diante disso, a cisheteronormatividade afeta diretamente a inserção e permanência das
pessoas trans no mundo do trabalho, fator que pode ser observado no diálogo com
entrevistades, já que aqueles que se encontravam inseridos se enquadram nos padrões
cisheteronormativos.
[...] a gente não tem respaldo de uma segurança pública para usar a
prostituição como meio de sobrevivência entendeu, não só o risco que a gente
tá correndo da violência social como também da violência física por parte de
pessoas preconceituosas, também a questão do preconceito religioso que hoje
é o que mais nos ataca, infelizmente. Mas nós não temos, hoje também, a
questão de respaldo na saúde porque quem vai ser o privilegiado? [...] O
hétero, né, o jovem...ou a transexual com determinada idade, né[...]
(MARTA, 2021).
Carvalho (2006), sugere que o breu das noites se torna um lugar onde esses corpos
podem ter uma atuação profissional, no entanto isso não reflete o que muitos desejariam estar
fazendo, porém acabam sendo forçadas à essa realidade. Pelúcio (2009, p. 72) problematiza
que esses aspectos intrínsecos à moralidade, também se apresentam por esses corpos, visto
que "[...] a prostituição, mencionada muitas vezes como um fardo, uma falta de opção – numa
reprodução dos discursos morais hegemônicos –, aparece também como divertimento e
valorização dos seus atributos físicos e eróticos". Bianca, sobre esse aspecto, frisa que
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[...] quando é tirado esse direito de você trabalhar, como acontece com muitas
outras trans, que não tem essa mesma oportunidade você acaba se sujeitando
e fazendo outras coisas que você não queria, então você acaba se submetendo
a outras formas de trabalho, como vemos por aí, mulheres trans trabalhando
vendendo seu corpo para se manter (BIANCA, 2021).
[...] existe muito a questão da prostituição, não tem como não falar sobre,
existe um cenário, em que a maior parte, mulheres trans e travestis estão na
prostituição, não devemos romantizar a prostituição, porque não é uma coisa
bonita, sabemos que existe muita exploração, muita violência que as
mulheres sofrem na rua. Nem sempre na maioria das vezes não por vontade
de estar lá, por gostar de fazer aquilo, é por uma necessidade, mas também
não podemos fechar os olhos para ela. As mulheres trans e travestis, que
estão na prostituição elas têm um motivo [...]. Então existe isso também, não
existe vaga na área a pessoa não quer fazer aquilo, não é o que ela gosta. Se
ela for comparar com o que ela está ganhando na prostituição, por exemplo,
as vezes ela ganha 4 ou 5 mil, e que emprego em Chapecó vai pagar isso para
uma pessoa trans formalmente? (MARUAN, 2021).
[...] não é falta de vontade de sair da rua, sair da prostituição e ir pro mercado
de trabalho, mas é um vício tanto quanto as drogas, porque no primeiro
problema que ela encontrar ela não vai conseguir driblar a não ser o que ela
conheça... que é a violência da rua, que é a prostituição...que é ser uma
profissional do sexo... driblar os ganhos financeiros disso, que é pior...porque
eu ganhava quase 8 mil reais sendo profissional do sexo, hoje eu ganho … -
silêncio - , mil, mil e quinhentos, dois mil, depende o mês.... Então a
sociedade gosta! [...] ele não me quer na empresa, ele me quer no submundo
pra ele ir lá e realizar todas as perversidades sexuais que ele tem porque em
casa ele jamais vai se libertar, então pra sociedade nós servimos pra isso,
como marionetes para realizar desejos sexuais e pervertidos da
heteronormatividade… E outra principalmente, pobre não paga, quem paga a
perversão é rico (MARTA, 2021).
uma ocupação pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) desde 2002, a prostituição não
é uma atividade regulamentada. Marta em sua entrevista destaca que na prostituição há uma
precarização maior do que em outros postos de trabalho formais, visto que são expostas à
violência, submissão, além de ser desprovida das dimensões de reconhecimento.
[...] chega numa hora, que nem na prostituição você se encontra mais. Você
cansa de ser só um pedaço de carne, você cansa de ser estereotipada com...
“ENÊS” bordões… “ah é o banco de esperma”. São tantas coisas, a gente é
taxada até de criminosa como se a gente jogasse na cara da sociedade a
obrigatoriedade de determinada classe sair com a gente. E não é! (MARTA,
2021).
documentado [...] Quando voltei pra Chapecó depois de todos esses cursos,
eu falei “falta alguma coisa sabe” e por mais que a área da estética é uma área
ampla e de fácil inserção da comunidade LGBT...porque todo mundo acha
“área da beleza: viado, área da beleza: sapatão” [sic]...Todas essas áreas
relacionadas a moda e estética só têm LGBT e por que não em outras áreas?
É um preconceito? É difícil a inserção em outras áreas a não ser área da
beleza, porque pensou em viado [sic] pensou em beleza né...por que bicha
nasceu pra brilhar!!! É bem isso que a sociedade coloca pra gente (MARTA,
2021).
6 A necropolítica conforme o seu idealizador Mbembe (2014) é usada para descrever sobre o poder em torno das
vidas que devem viver e as quais devem morrer, ou seja, está relacionada diretamente à política que promove a
morte, fator que podemos vislumbrar na população transexual por meio dos índices de violência e assassinatos.
32
A segregação laboral marcada pelo gênero nos leva a questionar se a mesma pode
estar na esteira de outras formas de segregação marcadas pelo corpo, como aquela que sofre a
população negra, uma vez que, assim como o transexual, tem consigo marcas de um processo
histórico de inferiorização e discriminação. Maruan pondera que existe uma relação de
privilégis: "sou estudante de Federal, eu sou branco, acho que existe uma escadinha de acesso
e eu ainda tenho muitas oportunidades de acesso, comparado com outros trans”. Erik sugere
que se apresenta uma estrutura, a qual rotula e corporifica as pessoas, “eu sou branco, acabo
sendo privilegiado, então isso já diz muita coisa nesse sentido”.
Tanto os corpos negros quanto transexuais são considerados por Hur (2015) como
corpos dissidentes, visto que são corpos que fogem dos modelos sociais (cisheteronormativo e
branco). Sendo caracterizados como “matáveis”, por estarem fora dos códigos instituídos -
aqui o autor traz além dos aspectos sociais, raciais e de gênero, o capital, também como um
meio de assujeitamento e segregação das diferenças. Esses fatores reverberam nos índices de
assassinato registrado pela Antra (2021), no qual dos 140 assassinatos cometidos a população
trans, 81% eram pessoas eram travestis/mulheres trans negras - pretas e pardas.
Sobre esses aspectos inerentes às vidas descartáveis, Hur (2015) apresenta como
exemplo dessa lógica, os imigrantes, segundo ele, há décadas e por vários séculos que adultos
e crianças africanas e negros morrem anualmente tentando fazer as travessias por meio do
Mar Mediterrâneo, visando a migração para a Europa. No entanto, esse processo ganhou
destaque após a morte por afogamento numa dessas tentativas, do menino sírio Aylan Kurdi,
que foi retratado pela grande mídia global, com a sua imagem deitado de bruços na praia. O
que Hur demarca aqui é que tal comoção se deu pelo aspecto do menino apresentar traços
considerados adequados à um padrão: branco e traços finos, o que segundo ele não se
apresenta com frequência quando acontece o afogamento das crianças africanas, pelo fato de
“serem negras e por não se adequarem ao código e à axiomática majoritários [...]” (HUR,
2015, p. 242).
Esses aspectos apontados por Hur, podem ser aproximados das reflexões feitas por
Mbembe (2014) para aquilo que o autor denomina como o devir negro. Este que tem relação
com uma generalização das condições vivenciadas pelos escravos no período escravocrata,
mas que se expande aos demais grupos étnicos e sociais com a expansão do capitalismo
neoliberal. Baseando-se nas concepções de Mbembe, Gadelha (2019) por meio da lógica do
devir-negro, organiza-se um fenômeno descrito pelo autor como de consumo e extermínio
33
desses “novos negros”. A respeito da definição de devir-negro, Mbembe (2014, p. 18) sugere
que
Pela primeira vez na história humana, o nome Negro deixa de remeter
unicamente para a condição atribuída aos genes de origem africana durante o
primeiro capitalismo (predações de toda a espécie, desapossamento da
autodeterminação e, sobretudo, das duas matrizes do possível, que são o
futuro e o tempo). A este novo carácter descartável e solúvel, à sua
institucionalização enquanto padrão de vida e à sua generalização ao mundo
inteiro, chamamos o devir- -negro do mundo.
Por meio dessa lógica do devir-negro, Gadelha (2019, p. 133), assinala que “essa
ordem de exploração se ancora na racialização da vida, para legitimar os apetites
hegemônicos do mundo, cujos avatares atualmente são o capitalismo neoliberal e os regimes
democráticos a ele indissociáveis”. Esses aspectos voltados a nossa população de estudo,
desencadeia, assim como para o negro, um regime de existência calcado na violência.
Apesar de todes os entrevistades serem brancos, a discriminação racial é apontada por
dois deles que consideram a pessoa transexual branca mais propensa à inserção laboral que a
pessoa transexual negra, mostrando a interseccionalidade7 de gênero e raça no processo de
segregação laboral (GADELHA, 2019). Além do gênero e da raça, a segregação laboral das
pessoas trans é interseccionada pelo fator idade
[...] hoje eu estou com 45, eu tinha 35 quando eu comecei a trabalhar, então
quer dizer que eu já estou fora da estatística de uma pessoa entrar no mercado
de trabalho, ou seja, pela minha idade eu já não sirvo mais para o mercado de
trabalho, por quê? por eu ser considerada velha [...] (MARTA, 2021).
7 Djamila Ribeira (2019, p. 11) define a interseccionalidade como “[...] um posicionamento do feminismo negro
frente às opressões da nossa sociedade cisheteropatriarcal branca e de base europeia, desfazendo a ideia de um
feminismo global e hegemônico como voz única”. O termo foi idealizado por Kimberlé Crenshaw, em 2001
após a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de
Intolerância, em Durban, África do Sul. Após esse momento, o termo passou a ganhar espaço e ser popularizado
nas produções científicas (AKOTIRENE, 2019). A interseccionalidade possibilita a “[...] instrumentalidade
teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado produtores de
avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de
gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais” (AKOTIRENE, 2019, p. 14). Esses aspectos se aproximam
com a temática pesquisada, desse modo, a interseccionalidade é um termo que nos ajuda a compreender a
realidade negligenciadora, violenta e discriminatória, a qual a população transexual vivência em diversos
contextos sociais.
34
Ao olharmos para o mundo do trabalho em Chapecó, Marta destaca que ele opera
nessa lógica de imagens e que o corpo é o meio de acesso a sua inserção e, consecutivamente,
à permanência, “eu sendo uma mulher trans normativa, com corpo feminino, aparência
feminina, quanto mais mulherão melhor, mais portas eu tenho abertas para arrumar emprego
[...]”. A entrevistade descreve o mundo do trabalho como negligente e preconceituoso “que
não quer, independente da comprovação profissional que tenha em carteira, não basta, ou seja
não quer. Há ainda uma restrição muito grande, há ainda uma coisa tipo, uma resistência
muito grande para não colocar as TTs nesse mercado de trabalho”.
Como descrito e observado, o corpo transexual só encontra vez no mundo do trabalho
quando se torna passável. A passabilidade será compreendida nesta pesquisa como uma
diretriz normativa para os corpos, subjetividades e modos de agir. O que segundo Marcos é
um dos principais fatores para que ocorra compreensão do corpo transexual como normativo e
cisheteronormativo,
[...] uma coisa que eu percebi que depois que você pega passabilidade [...] as
pessoas que trabalham com você te tratam como um homem cis e hétero,
falam de sexo com você, aspectos sobre mulheres, como se você fosse muito
viril e masculino, porém apesar desse tipo de coisa quer dizer que eles estão
me reconhecendo, mas eles não estão reconhecendo a minha identidade como
um homem trans, a forma como eu me expresso como homem, eu não sou
homem viril, másculo que faz e acontece com todo mundo, sabe? [...] e isso
influencia o ambiente de trabalho, porque você conversa com seus colegas,
você tem relações e muitas vezes amigos e às vezes isso é incômodo, ocorre
de você passar por uma situação LGBTfóbica e você não sabe se lida ou fica
quieto, se revida muitas vezes nada é feito, infelizmente (MARCOS, 2021).
Assim como Marcos, Maruan fala sobre a passabilidade dos corpos transexuais para
sua inserção no mundo do trabalho. O entrevistade frisa que por ter seu corpo nos “padrões”
que se esperam, mesmo sendo não binário, conseguiu se inserir e permanecer, “[...], mas vejo
que há outras pessoas que não tiveram a mesma oportunidade, pois não são passáveis, não
gosto muito dessas palavras, tenho uma amiga que não é lida como uma mulher, que sofre
muito por isso e não consegue emprego”. A empregadora Michele também atribui o sucesso
da inserção laboral ao corpo cisheteronormativo, questionada se já viu alguma ação estranha
de algum cliente frente ao colaborador transexual, ela sugere que não, visto que “eu acho que
porquê [...] tem essa condição de “não diz, né”, ele também acha que é por causa disso. Ele
fala muito que é passável então acho que é por isso”.
Ainda segundo Marcos, a pessoa transexual precisa se esconder e buscar uma maior
aproximação com o gênero que se reconhece. Em seu caso, o entrevistade realizou a
35
[...] todas as vezes que eu faço entrevista de emprego, fico mais sério, o mais
masculino possível, para não dar problema, se eu consigo a vaga na medida
em que eu vou percebendo até onde eu posso ir, até onde eu posso ser LGBT,
posso ser trans... isso é triste de certa forma, porque a gente sempre está se
podando de alguma forma para se encaixar, para conseguir um emprego,
conseguir uma bolsa de estudo, para conseguir alguma coisa, sabe? É bem
complicado, mas eu conheço inúmeras situações que pessoas trans foram
negadas, tiveram seu emprego negado por causa disso, infelizmente
(MARCOS, 2021).
elementos da cultura hegemônica para sua legitimação, fazendo com que esses corpos sejam
aprisionados às normas de gênero, assim como pessoas cis. Hartmann (2017) sugere que
deveriam ser traçadas críticas sobre a reprodução de estereótipos, deveriam ser realizadas
reflexões sobre as normas impositivas e os corpos que fogem delas.
Por meio dos aspectos anunciados e dos relatos, assimilamos que estão inerentes a
inserção dessa população no contexto laboral, aspectos sobre a sua imagem, que além de
trabalhador precisa estar em consonância com o que se espera. Esse fator é apontado por
Marcos, que destaca como foi sua inserção no contexto laboral, a qual ocorreu por meio de
estágios durante a faculdade. Segundo o entrevistade, por receio de retaliações e por ainda não
ter assumido sua transexualidade aos pais, buscava manter a identidade de gênero atribuída
pela genitália. Ainda segundo ele, era notório que em alguns espaços podia assumir sua
transexualidade e em outros precisava se portar como cis, por medo de sofrer com retaliações
e de não conseguir se inserir no trabalho formal.
[...] para conseguir o estágio eu tinha que ser uma mulher cis, só que lá eu
não podia ser o [...], porque tinha muita gente que conhecia meus pais e na
época eu ainda não era assumido eu não era o [...], sendo bem complicado
porque eu era a única menina mais masculina e via que as pessoas me
olhavam diferente (MARCOS, 2021).
[...] você entra, mas não aguenta a pressão psicológica, principalmente quando
se é trans, pois pensa só, as travestis, digamos, é muito difícil para elas serem
entendidas dentro da sociedade, trabalhar e tudo mais, já conheci pessoas que
me contaram que já ouviram coisas tipo, “acho que vai assustar as clientes
daqui” e era uma vaga para recepção de salão de beleza, só iria falar com as
clientes por telefone para agendar. Então as pessoas não lhe dão nem a
oportunidade na verdade, te julgam antes mesmo de tentar o trabalho, por
conta da tua forma física e aparência, então tem muita coisa que é básico que
a gente passa, não tem como aguentar uma pressão psicológica desse jeito,
então tu acaba tentando tirar a vida, até por que ninguém te respeita em
nenhum lugar como você, como você pessoa, que é o mínimo (ERIK, 2021).
37
Diante disso, Almeida e Vasconcelos (2018), a partir da pesquisa acerca das pessoas
transexuais no mercado de trabalho de São Paulo, acenam que o ser transexual é algo notório
e está estampado “na cara”, sendo algo que não pode ser escondido. Dessa forma, os autores
destacam que a questão acerca de orientação sexual - gays, lésbicas, pansexuais, etc - pode ser
vivenciada de forma íntima e em muitos casos adotam-se estereótipos heterossexuais.
Entretanto, com os trans a identidade de gênero é vivenciada de forma mais desvelada,
estando marcada no corpo (ALMEIDA, VASCONCELOS, 2018).
Dessa forma, percebe-se que em muitos casos o mundo do trabalho age na reafirmação
do modelo cisheteronormativo dos corpos, pois quando um indivíduo não se encaixa nessas
identidades, passa a ser renegado, ou ainda, ocupa cargos e/ou funções delimitadas. Adelman
et al (2003) destacam que o mundo do trabalho fecha suas portas aos corpos trans e as ruas
passam a ser fonte de renda que garantem uma subsistência mínima. Conforme evidenciado
pelos autores
Frente a isso, Almeida e Vasconcellos (2018, p. 319) ressaltam que “[...] é possível
que transexuais com maior ‘passabilidade’, ou seja, que consigam performar seu gênero de
forma mais semelhante à performance de pessoas cisgêneras, venham a ter maior facilidade
de acesso ao mercado de trabalho”. Esse processo de "reconstrução" do corpo, parte da lógica
38
de que organizá-lo para o que se é aceito e esperado. Os entrevistades apontam que para além
da satisfação pessoal com a mudança de gênero, também há o aspecto de tornarem-se
aceitáveis para que possam se inserir em contexto sociais sem sofrerem tanto com represálias.
Maruan que se reconhece como não-binário, destaca que vivenciou algumas situações
desconfortáveis no seu primeiro estágio, quando seus colegas de trabalho, por considerarem-
no como um homem trans, esperavam comportamentos masculinos. O entrevistade frisa que
“[...] muitas vezes adoto ações e comportamentos mais masculinos como forma de proteção.
Quando me sinto num lugar onde eu me sinto inseguro, passo a agir dessa forma para que as
pessoas me respeitem”.
Através dos relatos do entrevistade é notória não uma percepção binária, mas um uso
das binaridades de gênero, como estratégias de resistência performática, visando a existirem
em condições de menor precarização, frente ao cenário que exclui, violenta e nega o queer.
Isso destaca traços de uma rostidade cisheternormativa a qual determina o que se espera do
indivíduo. Constitui-se nesse caso um conflito, pois a transformação do corpo não implica,
necessariamente, em adotar comportamentos ligados a um corpo cis, no entanto, deposita-se
sobre esse corpo além de uma adequação a adoção de comportamentos e ações da identidade
de gênero a qual se reconhece, fatores que podem ser evidenciados através da fala de Maruan,
ao relatar sobre como o uso do banheiro
9 Sobre a patologização dos corpos transexuais, conforme aponta Bento (2014, p. 49) os discursos médicos, “[...]
passam a ser analisados como engrenagens discursivas que limitam a existência da diversidade dos desejos, dos
gêneros, das sexualidades ao âmbito das estruturas fixas corpóreas”. No Brasil a patologização das pessoas
transexuais se deu através da Classificação Internacional de Doenças (CID), mas especificamente na versão CID
– 10, que entrou em vigor no Brasil em 1 de janeiro de 1996 por determinação do Ministério da Saúde, a qual
considerava o transexualismo, como um transtorno de personalidade e de comportamentos adultos (SAMPAIO e
COELHO, 2013).
40
existência desse deslocamento, no entanto, não significa que todos/as os/as transexuais exijam
as mesmas intervenções cirúrgicas".
A hormonização, a mudança corporal e o regime farmocopornográfico, nos ajudam a
compreender como os corpos transexuais se articulam e manifestam-se frente a um mundo do
trabalho hierarquizado e dicotômico, conforme problematizado anteriormente. O não
reconhecimento é um dos primeiros estágios, aspecto que inicia em muitos casos na infância.
Bianca, salienta que desde criança “[...] tinha um comportamento muito feminino, mas os
meus pais eles não sabiam compreender o universo trans, não tinha muita informação, não
tinha nada referente a isso, foi bem complicado, era visível que eu era muito feminina [...]”.
A cisheteronormatividade como norma regulamentadora, faz com que os corpos
busquem essa padronização, desse modo, o que age sobre essas pessoas é o regime
farmacorponográfico, descrito por Preciado (2018, p.208) como
[...] eu nunca fui daquelas pessoas trans que desde crianças já sabem, que se
identificam com o gênero oposto, tem uma visão sobre isso, eu era uma
criança mais tranquila nesse sentido, mas sempre estive mais no masculino
do que no feminino, sempre fiquei mais interessado com brincadeiras
masculinas, com roupas masculinas, meus pais nunca foram dizer não para
mim, eles sempre me deixaram meio livre para escolher, porque para eles
realmente uma criança, brincar de carrinho ou boneca não faz diferença, usar
um vestido usar ou short não faz diferença (MARCOS, 2021).
41
O que está inerente a esses processos é a auto identificação, que segundo Hanauer e
Hemmi (2019) é um momento de grande importância e decisivo na vida de pessoas
transexuais. Segundo Bento e Pelúcio (2012) as identidades se constituem tendo por base o
corpo, sendo este, inserido em processos históricos de classificação, significação e
intervenção.
A identidade é um termo utilizado por vários autores quando se refere à
transexualidade e gênero, no entanto é uma síntese inacabada, não remetendo às fases ou às
estruturas imutáveis. Conforme sugere Butler (2017, p. 44) “a matriz cultural por meio da
qual a identidade de gênero se torna inteligível exige que certos tipos de ‘identidades de
gênero’ não possam existir - isso é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo[...]”. Bento
(2017, p. 85) contribui com essa análise quando sugere que, “[...] não há corpos livres,
anteriores aos investimentos discursivos. A materialidade do corpo deve ser analisada como
efeito de um poder e o sexo não é aquilo que alguém tem ou uma descrição estática”, sendo o
sexo compreendido como “[...] uma das normas pelas quais o ‘alguém’ simplesmente se torna
viável, que qualifica um corpo para a vida no interior do domínio da inteligibilidade".
Dessa forma, os corpos, cujo gênero não está condizente com o sexo genital, precisam
de tratamento. Nesse sentido, temos o primeiro fator mencionado, que é o uso da
hormonização na tentativa de adequação dos corpos frente ao modelo imposto e reafirmado.
Conforme aponta Caux (2018), a harmonização tem por objetivo reduzir ou inibir
características atribuídas pelo gênero de nascimento, induzindo as características do gênero ao
qual a pessoa se reconhece. Os entrevistades destacam que mesmo antes de fazerem uso dos
hormônios já adotavam meios de aproximarem-se do gênero ao qual se reconheciam, como
deixar o cabelo crescer ou cortá-lo curto, uso de roupas masculinas ou femininas, entre outros
aspectos.
De acordo com Bento (2017), baseando-se nas concepções de Preciado (2018), os
corpos são operados pelas tecnologias sociais, assim não existe um corpo livre, todos são
maculados pela cultura. Desse modo, podemos observar que os aspectos culturais, fazem com
que se apresente uma produção desejante, movimentando a busca pela afirmação de um corpo
distinto daquilo que foi designado pela norma de gênero. Contudo, essa pulsão vital,
desejante, que permite a performatização de um corpo em outro, é também capturada pela
axiomática do capital e pelo regime farmacorponográfico, tornando a construção do corpo um
movimento ambíguo.
42
Bento (2017) destaca que o corpo além de estar envolvido com o processo social e das
normas culturais, também implica na mortalidade e vulnerabilidade. Maruan relata que nunca
foi uma criança disfórica e que sua identidade como transexual está assumida publicamente há
dois anos, no entanto, “[...] alguns anos antes eu tinha uma discussão interna a respeito de
gênero, com uma certa tendência. Mas até os 18 ou 19 anos eu me identificava como mulher
cis, assim eu até questionava gênero”. A partir disso podemos destacar que a discussão interna
como Maruan sugere, parte da nossa construção social e histórica, uma vez que se estruturam
ações em nosso entorno para que apenas o masculino e o feminino sejam legitimados.
Desse modo, o que essas pessoas transexuais buscam além do seu reconhecimento é a
legitimação do contexto social e, consecutivamente, de ambientes como escola, contexto
social, trabalho e família. Diante disso, a hormonização age como um pivô para a construção
corporal esperada e legítima. Caux (2018, p. 68), frisa que “romper as fronteiras do gênero
como socialmente estruturadas e entender-se fora da construção binária não é algo que
acontece dentro de um padrão ou regra”.
Dos cinco entrevistades, três fizeram ou continuam realizando o uso de hormônios.
Maruan destaca o desejo em realizar o tratamento hormonal, no entanto tem alguns receios
sobre, visto que segundo ele “[...] é um hormônio que o corpo não produz, não é assim
simples, não é mágica, é uma coisa que se pensa com carinho e com respeito ao meu corpo”.
A respeito desses aspectos Oliveira (2021, p. 12) destaca que estamos inseridos em uma
sociedade a qual se articula “dentro dos padrões cis-heteronormativos e coloniais, há sempre
algo novo e melhor a ser consumido, como bens materiais, medicamentos, relações afetivas e
sexuais, suplementos corporais, e assim por diante”.
Além disso, Caux (2018) chama atenção para os riscos do uso dos hormônios e as
violências enfrentadas pelas pessoas transexuais ao recorrerem ao sistema de saúde para terem
acesso a esse meio. Isso pode ser observado na fala dos entrevistades em especial Erik, que
aponta que não existe um preparo efetivo para esse grupo de pessoas, que deveriam ser um
suporte e alicerce em momentos como no processo de transição ou em exames necessários
Fui fazer um exame para ver como estava meu útero, era parecido com uma
ultrassom, mas não me lembro ao certo. Cheguei na clínica, aí eu falei para o
cara que eu era um menino trans, ele nem me deu bola, só me disse para
deitar na maca, já começou a me tratar mal ali, sabe? Aí deitei, puxei a minha
camiseta ele viu meus peitos, fico meio sem o que dizer, mas continuou, daí
ele me disse “vou procurar tua próstata", fiquei tipo como assim, cara? Ele
fez o exame todo errado, tive que voltar lá para fazer novamente, minha
médica teve que ligar para ele e explicar o que é uma pessoa trans porque não
sabia, tipo um médico! São esse tipo de profissionais que estão trabalhando
aqui em Chapecó e temos que ir fazer exames, então pensa, é um absurdo, ele
43
me tratou mal, tiro com minha cara e ainda fez o exame errado por
ignorância, por não ter lido o que minha médica tinha mandado, que eu
estava em processo de harmonização e precisava fazer esse procedimento
uma vez por ano para ver como estava meu útero, ele ignorou totalmente
aquilo, nem se quer perguntou o que é uma pessoa trans, simplesmente fez o
exame todo errado e ainda me tratou mal (ERIK, 2021).
Butler (2017) destaca que o corpo é uma dimensão fundamental, afinal é através dele
que o gênero e a sexualidade são expostos, sendo compreendidos por meio dos significados
sociais estabelecidos. Dessa forma, o uso de hormonização, segundo Caux (2018), pode se
materializar e produzir novos contornos corporais, porém, os mesmos apresentam aspectos
fundamentais e que precisam de constante acompanhamento médico, visto que essas
mudanças ao longo do tempo fazem com que o “novo eu se constitua”. Erik acentua que os
primeiros estágios do processo de hormonização são os mais complexos, visto que o
transexual ainda é reconhecido como do gênero de nascimento, aspecto que pesa para a
pessoa. O entrevistade também problematiza sobre o uso dos hormônios,
Esse processo é contínuo, por isso que demorei um pouco em iniciar, até tem
reversão, mas não tanto, até tem pessoas que iniciam e param, mas aí não é
bem assim, é para vida toda e eu preciso me cuidar, atualmente estou fazendo
um ciclo de testosterona bem intenso, a cada 10 dias eu faço uma aplicação é
um ciclo muito pequeno, então, se não está fazendo acompanhamento, não
existe, sabe? É algo para vida toda, então preciso me cuidar muito bem
(ERIK, 2021).
Marta chama a atenção para outro aspecto além do uso de hormônios, o acesso a eles.
Segundo a entrevistade o uso é indiscriminado e precisa ser problematizado e discutido em
toda a sociedade civil, visto que o acesso à hormonização ainda é penoso para a população
transexual
44
Marcos destaca que faz o uso do tratamento hormonal desde outubro de 2017. O
entrevistade enfatiza que mesmo sem fazer o uso já tinha adotado comportamentos
masculinos, como o uso de roupas e o corte do cabelo, esses fatores, segundo ele,
contribuíram para que tivesse uma inserção mais tranquila no mundo do trabalho, aspecto que
foi vivenciado na sua primeira entrevista, “[...] apesar de fazer o uso de hormônio na época eu
sempre fui muito masculino, e depois que eu cortei o cabelo as pessoas me confundiam muito
com homem, e isso é ótimo, porque me tratavam como um homem”. O entrevistade pondera
sua experiência após os primeiros estágios, a qual desempenhou atividades como vendedor no
shopping center, “ninguém sabia que era trans, a única pessoa que sabia era um menino que já
me conhecia antes e ele também era uma ótima pessoa, não espalhou para ninguém, não que
isso fosse algo que precisasse ser escondido”. Por meio dos relatos de Marcos, é perceptível
que se constitui um desejo de existir, mas que é omitido, pois esbarra no medo de retaliações,
que no caso do entrevistade se daria pela não inserção no emprego.
Diante desse contexto de padronização e de mudanças corporais que a “sexopolítica”,
termo descrito por Preciado (2018), se manifesta visando o controle dos prazeres, sexos,
gênero e dos corpos por meio de atos performáticos. Conforme aponta Oliveira (2021) a
“sexopolítica” explora a regulamentação da produção de vida e também o controle de
população, visto que esse regime, edifica um “império sexual”, apropriando-se do sexo para
controlar o que a autora caracteriza como subjetividades modernas.
A pressa em alterar os corpos, é fruto da exigência de eficácia e de performance. Esses
aspectos se aproximam do que é caracterizado por Han (2015)10 como uma violência
neuronal, sendo essa um dos efeitos do neoliberalismo. Dessa forma, o desejo em modificar
os corpos é capturado pelo capital e pela lógica funcionalista produtiva. Isso é destacado por
Marta ao elencar que já teve efeito colateral gravíssimo decorrente do uso de hormônios, fato
10 O termo violência neuronal, é definido e descrito por Han, em sua obra Sociedade do cansaço, ao descrever
que a sociedade contemporânea, irá se distinguir pelo excesso de positividade. Desse modo, a violência neuronal,
não está mais associada a negatividade estranha, que se apresenta apenas no exterior do sistema, mas trata-se de
uma violência imanente, que está intrínseca ao sistema (HAN, 2015).
45
que se deu pela ânsia de mudar seu corpo rapidamente, “era pra eu tomar uma ampola mensal,
e eu tomava 4 até 8 por mês”. Ainda sobre os riscos, a entrevistade frisa que
[...] quando você está em fase de transição, está começando a alterar seu
corpo, fazendo a hormonização. É a pior fase de uma TTs, porque além
desses hormônios te darem um monte de efeito colateral, você está alterando
as formas do seu corpo e você tem pressa para alterar esse corpo, mas é um
processo lento. Têm corpos que você toma um comprimido hoje, amanhã
você pá ...já acorda mais feminina. E têm corpo que não , leva mês, leva
ano...pra chegar naquilo que você quer ver (MARTA, 2021).
Oliveira (2021), parafraseando Preciado (2018), frisa que é no século XIX que as
forças políticas passaram e reger os modos de ser e do prazer. Ainda segundo a autora, é nessa
conjuntura que as “práticas sexuais foram transformadas em identidades e condições políticas
a serem estudadas, catalogadas, vigiadas, punidas, curadas” (OLIVEIRA, 2021, p. 11). Desse
modo, os dispositivos sexopolíticos disciplinam e acompanham a diferenciação sexual e de
identidades, fatores evidentes na fala de Marta anteriormente.
A sociedade contemporânea, segundo Preciado (2018), vivencia um novo modelo,
passando de “sociedade disciplinar”, termo descrito por Foucault (1999), para um “regime
farmacopornográfico”. Nesse contexto, Oliveira (2021 p. 11,) elucida que nesse novo regime,
as fronteiras entre o poder e subjetivação se mesclam, sendo assim, “as linhas de controle não
mais atuam de fora dos corpos para dentro, mas de dentro do próprio indivíduo para fora”.
Preciado (2018, p. 223) destaca que “na era da farmacopornográfia o corpo engole o poder”.
Esse regime e a necessidade de adequação dos corpos é capturada pelo capitalismo.
Marta aponta esse como um dos principais aspectos pelos quais muitas pessoas transexuais
ainda não conseguem acessar esses processos de "adequação" corporal, impostos e
necessários para a construção de uma imagem e de um corpo sociável.
Marcos frisa que nunca passou por nenhuma situação delicada nesse primeiro estágio,
no entanto, não aguentava o fato de se esconder por detrás de um corpo feminino enquanto
reconhecia-se como homem, o que segundo ele se construía pelo fato de não ter a retificação
46
documental, nem ter iniciado o processo de hormonização, dessa forma “[...] você nunca sabe
se pode se apresentar com uma pessoa trans ou se você tem que continuar no papel de pessoa
cis, e na época esse era meu maior problema”. Isso reforça e reflete a concepção que o corpo
transexual precisa performar um gênero, para que possa ser inserido em postos de trabalhos
formais.
Segundo relato de Marcos, após sua experiência por meio do segundo estágio, buscou
uma inserção sem declarar a sua transexualidade, “eu queria ter experiência de não precisar
ficar falando quem eu era, sabe? Temos muito disso e cansa você toda hora chegar e falar que
eu sou trans, a gente é mais que a nossa transição, que nossa identidade de gênero”. Com isso,
pensar o corpo transexual a partir da farmocorpografia é compreendê-los como um efeito
desse regime, o qual age como um potente meio visando a “correção” desses corpos, fatores
que podem ser observados ainda nos relatos de Marcos.
[...] apesar de muitas vezes te contratarem como uma pessoa trans, se você
tem uma questão de suas identidades de gênero que às vezes não é bem
resolvida, demora muito para as pessoas te tratarem do gênero que você quer,
com o nome social que você quer [...]
O mundo do trabalho pode ser uma das forças que motiva a indústria da
farmocopornografia. Conforme sugere Marcos, “[...] se você é trans, não tem documento
retificado e não é passável é bem provável que não vão te contratar, a não ser que você tenha
alguma indicação, que alguém já tenha falado bem de ti ou que você esteja em um lugar que
seja propício, que seja acolhedor para as pessoas LGBT”.
Pudemos perceber que ao longo das trajetórias laborais, os corpos dos entrevistades
sempre foram um meio de comunicar-se e ser aceito frente ao contexto laboral, ou seja, há um
paradoxo entre o desejo e o corpo e também entre a adaptação desse corpo. Esses eixos se
articulam, resultando num processo de negação e também de segregação (ARÁN; PEIXOTO
JÚNIOR, 2007 e BUTLER, 2017). Bento (2017, p. 85) destaca que analisar o corpo como
próteses significativas resulta em “[...] desfazer-se da relação dicotômica corpo-natureza por
apontar o corpo resultado de tecnologias e o gênero como resultado de tecnologias
sofisticadas que produzem corpos sexuais”.
Diante disso, destaca-se o modo de produção que regulamenta os corpos de um modo
não apenas disciplinar, mas também na lógica do corpo produtor. Hur (2015, p. 235)
caracteriza esse processo como axiomática do capital, compreendido pelo autor como
operante “[...] a partir da lógica de funcionamento do capitalismo, que consiste na incitação à
produtividade, competitividade, livre iniciativa e atualização da lógica privada e do acúmulo”.
47
Ainda sobre o corpo produtor, Hur (2015, p. 235) aponta é que axiomática, é uma
“máquina semiótica que modula, através da lógica do capital, as formas de ser, de simbolizar,
de se afetar, de desejar, ou seja, produz uma forma subjetiva, que é a subjetividade
capitalística”, isso faz com que os desejos sejam modulados por essa lógica capitalista. Nesse
sentido, o “indivíduo passa a ser uma célula empresarial, em que a subjetividade capitalística
passa a ser hipertrofiada, numa extrapolação sem limites, para uma constante e perpétua
superação” (HUR, 2015, p. 235-236).
As colocações dos entrevistades, nos mostram como o município de Chapecó ainda
precisa de evoluções em campos básicos, como da saúde, trabalho, inclusão e assistência
social, que demandam por criação de ações e políticas públicas, visando serem importantes
mecanismos a esse grupo fragilizado, marginalizado e invisibilizado. Ao longo desta pesquisa
será problematizada sobre as políticas públicas como um importante meio para garantir esses
direitos básicos.
O medo da rejeição por parte dos pais foi um dos aspectos que se manifestaram
fortemente nas entrevistas. Por meio das falas foi possível compreender que o principal pivô
foi a noção de família tradicional, que se assenta na cisheteronormatividade. De acordo com
os entrevistades, assumir sua identidade era algo "doloroso", no entanto, necessário. Por
detrás disso, existem inúmeros outros receios, como a exclusão familiar e a saída de casa.
Marcos pontua que o processo foi tranquilo e já esperava algumas posturas, como a
resistência da mãe.
O meu pai meio que aceitou, mas demorou para ele entender tudo, a minha
mãe foi bem mais incisiva, foi bem mais resistente, foi difícil, mas não fui
mandado embora de casa, meus pais não deixam de contribuir
economicamente. Foi meio que assim “vamos continuar sendo pais, mas não
estamos satisfeitos” (MARCOS, 2021).
Bianca relata que o processo de assumir sua identidade feminina para os pais foi algo
um pouco tardio, fato esse que também esteve relacionado a sua auto aceitação, no entanto,
com o passar do tempo a situação foi mais tranquila.
As primeiras pessoas que eu contei foram meus pais, a princípio minha mãe
reagiu de uma forma mais tranquila, porque para ela isso parecia ser normal e
que isso não iria afetar nossa convivência, já para meu pai isso foi um pouco
mais complicado, ele era mais incompreensível, então não foi fácil, hoje
temos uma relação muito boa, com toda a minha família na verdade, mas no
início teve problemas decorrentes a isso (BIANCA, 2021).
Outro aspecto mencionado por dois entrevistades foi a religiosidade, a qual segundo
eles exerce influência sobre o comportamento adotado no momento em que os filhos
transexuais assumem sua identidade. Maruan, comenta que esse fator se manifestou num
primeiro momento, no entanto, foi se desconstruindo, proporcionando uma relação mais
fraterna com seu pai
O meu pai ele é evangélico, sempre foi muito conservador, então eu esperava
dele já uma reação negativa, mas ao contrário da minha mãe e ele demorou
um tempinho, alguns meses, mas me aceitou, me acolheu, percebeu que eu
estava triste e mal por estar sozinho, nesse momento, engoliu muitos dos
preceitos, ele sempre diz que não concorda, porém, me trata muito bem e
respeita (MARUAN, 2021).
Além do pai, Maruan destaca que essa resistência também foi adotada por um dos seus
irmãos, “todos os meus 7 irmãos aceitaram a ideia, o mais velho demorou um pouquinho, ele
é evangélico também, ele ficou meio assim, mas todo mundo aceitou e respeita”. Segundo
Souza e Bernardo (2014, p. 162), assim como a escola e mundo do trabalho, a família busca
manter em seu interior os padrões, agindo de “[...] forma a alimentar a exclusão, os estigmas e
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[...] fui contando aos meus familiares, mas não teve algo tipo “espera aí,
deixa eu contar para vocês” as pessoas foram notando as mudanças, tipo a
voz estranha, pêlos no rosto, meio que obrigadas a respeitar. Além da minha
mãe, contei para minha vó, que são as pessoas que sabiam o que estava
acontecendo desde o início, as outras foi tipo, está acontecendo algo aqui,
todos estão vendo, mas ninguém está falando (ERIK, 2021).
Bianca salienta que a partir do momento que a família nega a existência e se recusa a
conviver com a pessoa transexual, esta se sente vulnerável [...] lá fora o mundo é pior, se você
não tem o apoio da família é muito pior encarar o mundo. Eu, graças a Deus, tive o apoio da
minha família, não no primeiro momento, mas eu consegui lidar bem com isso, mas ainda é
uma luta [...]”.
Três entrevistades demonstraram que apesar de conturbada no início, após um tempo
a transexualidade foi compreendida e aceita pelas famílias. Peres (2005) em seu estudo sobre
a aceitação familiar a filhos/as travestis, destaca que são poucas as famílias que expressam
tolerância e constroem uma relação de aceitação. Erik frisa que após assumir sua
transexualidade sua mãe mostrou-se mais protetora, o que se destacou quando decidiu realizar
o processo de hormonização, “a primeira pessoa que contei foi minha mãe, ela ficou
preocupada, visto que nosso país é o que mais mata pessoas trans e pela questão do
tratamento, que acaba sendo nocivo à saúde das pessoas”.
Dos entrevistades que relatam bom relacionamento familiar, os mesmos destacam que
isso contribuiu para que pudessem concluir os estudos, ingressarem no ensino superior e
consecutivamente no mundo do trabalho. Na perspectiva de Teixeira (2009) a família é vista
como um importante núcleo garantidor do acesso e da proteção social, em detrimento do
Estado.
No entanto, isso não ocorre para grande parte da população transexual, já que
segundo informações da Associação Nacional de Travestis e Transexuais - Antra (2020), a
idade média da expulsão familiar de uma pessoa transexual é em torno dos 13 anos de idade.
Isso pode levar também ao abandono escolar e à essas pessoas buscarem, como meio de
subsistência, a prostituição ou trabalhos precarizados. Conforme aponta Bianca, “se você não
tem o apoio da família é muito pior encarar o mundo”.
Isso pode ser observado na história de Marta, que vivenciou o processo de expulsão
familiar muito cedo, com 16 anos, pela não aceitação de seu gênero por sua família, e em
consequência, se viu forçada a buscar uma fonte de renda, que teve início em trabalhos
domésticos e anos depois em casas noturnas. Porém, segundo a entrevistade, mesmo com a
rejeição, buscava contribuir dentro de casa, ao relatar: “[...] a maioria do que eu ganhava eu
ajudava a família, mesmo eles não me aceitando como mulher trans”.
Souza e Bernardo (2014) acentuam que em sua grande maioria, transexuais e travesti
que possuem níveis de escolaridade elevados, provem de famílias com maior aceitação, desse
modo, compreende-se que o suporte familiar pode contribui para o melhor enfrentamento de
discriminação no contexto escolar, contudo, essa é uma realidade vivenciada por uma parcela
pequena dessa população. Uma vez que, as manifestações discriminatórias, que iniciam na
família e depois se repetem fortemente no contexto social, limitam e impõem barreiras a esses
corpos (PERES, 2009). Ao abordar a subjetividade, Peres (2009) sugere que precisa ser
considerado o modo pelo qual o transexual relaciona-se como campo social, a partir dos
valores e significados a eles atribuídos. Esses fatores, arrastam-se em outros contextos sociais,
como o ambiente laboral.
íris/AfroReggae, cerca de 0,02% das pessoas trans brasileiras estão na universidade, 72% não
concluiu o ensino médio e 56% o ensino fundamental.
A evasão escolar de pessoas transexuais, segundo Bento (2011) deveria ser
compreendida como expulsão escolar, afinal, a escola funciona como uma das principais
instituições normalizadoras do gênero, agindo como um campo do exercício do poder. A
evasão escolar também ocorre, segundo Louro (2003, p. 85), devido ao ambiente ser marcado
por “currículos, regulamentos, instrumentos de avaliação e ordenamento que dividem,
hierarquizam, subordinam, legitimam ou desqualificam os sujeitos”. Maruan frisa que “as
pessoas trans nem ficam na escola para começar, como que irão conseguir um emprego se não
terminarem o ensino médio? É bem complicado”. Bianca menciona que a violência
vivenciada no ambiente escolar por muitas pessoas transexuais, força a saída precoce dessa
população, “se fosse analisar eu teria deixado a escola bem cedo, mas eu fui obrigada a
estudar, meus pais me mantiveram na escola até o meu último ano”.
Louro (2003) assinala que a escola não só reforça as diferenças, as distinções e as
desigualdades, como as produz, o que não se refere apenas ao gênero, mas também a raça e
classe social, tendo em vista o ambiente escolar não ser isolado do restante da sociedade. Na
mesma direção, Hartmann (2017) afirma sobre a escola que ela reproduz um modelo
hegemônico o qual contribui na marginalização dos corpos que desviam as condutas de
gênero e sexualidade. A partir dessa realidade, Lombardi e Gomes (2017) sinalizam que as
escolas estão despreparadas para lidar com as multiplicidades, resultando em um lugar de
“terror”, o que pode ser observado na fala de Bianca durante a entrevista, ao destacar que o
ambiente escolar é violento, resultando numa dura realidade à população transexual “[...] era
visível que eu era muito feminina, em espaços como na escola, eu acabava sofrendo muito
com isso, os coleguinhas, acabavam fazendo bullying, chamando de vários nomes como, gay,
viadinho, [sic] esses nomes que não são legais”.
Vasconcelos (2018, p. 4) discute que na escola estruturam-se inúmeras problemáticas,
dentre elas “[...] a transfobia, que afeta travestis e transexuais que lutam pela sua existência
neste ambiente e interferem na sua permanência, ocasionando de maneira significativa a
evasão escolar das mesmas”. Ao encontro disso, Bianca aponta que a inserção e a
permanência da população transexual no mundo do trabalho, é atravessada pela negação do
direito à educação:
oportunidades que outras pessoas tem, algumas deixam a escola muito cedo
por conta do preconceito, então de certa forma dificulta também na hora da
contratação, na hora da entrevista, não é uma pessoa bem qualificada, não é
uma pessoa que buscou uma formação, esse problema também está enraizado
lá na base, na educação, um dos desafios é esse, você se manter na educação,
ainda na base para você ter uma boa qualificação, para se inserir no mercado,
que hoje está bem seletivo, contrata pessoas que tem estudo, qualificação,
acho que é bem importante a gente pensar na base, porque que essa
população LGBT acaba desistindo dos estudos, será que há tanto
preconceito? (BIANCA, 2021).
Entender o ambiente escolar como um espaço que pode reforçar e legitimar a negação
do direito à educação à população transexual, nos faz olhar para como isso se dá em Santa
Catarina, que vivencia um grande retrocesso a partir da aprovação de um decreto nº 1329 de
15 de junho de 2021, o qual proíbe a linguagem neutra em documentos escolares oficiais,
grade curriculares, materiais didáticos, comunicados, provas e editais de concursos públicos12.
Segundo alegações da idealizadora, a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo, do
Partido Social Liberal - PSL, buscam manter a norma culta da língua portuguesa, evitando
prejuízos aos educandos, provindos das "aberrações linguísticas", que poderiam, segundo a
deputada, ser ocasionadas pela linguagem de gênero neutra. Tal situação nos provoca a refletir
sobre a formação educacional, sendo ela uma matriz opressiva aos grupos já marginalizados
no contexto social e consecutivamente no contexto educacional e também no ambiente
laboral.
Maruan, em sua fala, aponta para a educação e a passabilidade desses corpos, que
segundo o entrevistade são importantes aspectos observados no momento da entrevista
Imagina como que é uma pessoa trans, que diferente de mim teve uma certa
preparação para o mercado de trabalho, mas uma pessoa que não conseguiu
terminar o Ensino Médio porque não aguentava sofrer bullying e transfobia
na escola. Como que ela vai saber se portar em uma entrevista de emprego,
sabe? Primeiro de tudo que se ela não é passável ou lida como mulher, ela já
vai começar a ter a primeira busca por ali, ela vai entregar escrito o nome
social/feminino no currículo, vai ter o primeiro obstáculo se a pessoa
perceber que ela é trans. Se ela não souber falar direito e convencer a pessoa,
porque entrevista é isso, você vende o teu peixe, como que ela vai conseguir
um emprego? São coisas bobas, mas que fazem toda a diferença (MARUAN,
2021).
Apesar de a formação não ser mais sinônimo de inserção laboral, observa-se que os
“melhores” postos de trabalho ainda são ocupados por trabalhadores/as com maior nível de
escolaridade. Segundo Ferreira e Pomponet (2019) quanto mais alto o índice de escolaridade
Além de aspectos intrínsecos ao corpo, outro fator que atinge e restringe a inserção das
pessoas transexuais no contexto laboral, é o nome. O nome é atribuído logo após o
nascimento e tem por base a genitália, sendo esse um fator determinante em torno de
categorias como gênero, sexualidade e corpo. É a partir do nome, que é atribuído de acordo
com o sexo biológico, que se estabelecem ao longo dos processos históricos, sociais e
culturais os comportamentos esperados para homens e mulheres. Desse modo, o nome por se
ancorar no sexo, reafirma o pensamento binário e cisheteronormativo.
Maruan relata como foi o processo de alteração da certidão de nascimento, a qual
passou a incluir o reconhecimento do gênero não-binário
[...] foi meio difícil porque pessoal daqui é bem complicado não entendem
essa situação. Já fazem quase três anos que a retificação é possível, porém
ainda tenho conhecidos que relatam a dificuldade em fazer essa mudança. Foi
complicado eu tive que falar com o cartorário responsável pelo cartório
porque estava demorando demais e não poderia demorar tanto assim, mas no
fim eu acabei conseguindo, demorou um mês mais ou menos para a certidão,
hoje quando eles não ficam complicando saem em 15 dias (MARCOS, 2021).
[...] eu não retifiquei ainda porque eu não pertenço a Chapecó. Eu tenho que
ir ao Estado, na cidade que eu nasci pra fazer essa alteração porque é dessa
13 A retificação documental está relacionada ao processo que tem por objetivo a mudança do nome em
documentos como certidões de registros civis.
14 Está relacionado ao nome pelo qual o travesti e transexual se reconhece e deseja ser chamado, dando a ele os
mesmos direitos que do nome de registro.
15 Disponível em: https://www.mattosfilho.com.br/Documents/190614_cartilha_mobile.pdf.. Acesso em: 27 de
nov. 2021.
55
forma que procede. Existem transexuais que residem aqui, e pra elas serem
retificadas elas têm que ir à cidade de nascimento, no Cartório que foi
registrada e fazer essa alteração...Precisa uma série de documentos...alguns
que são obrigatórios, paga ali uma taxinha e essa retificação é feita na hora e
você já vem pra casa com a Certidão de Nascimento em mãos né. Mas eu já
tenho meu Título de Eleitor retificado (MARCOS, 2021).
Foi bem demorado, bem burocrático, eu tive o apoio de outras pessoas trans,
que me ajudaram a dar o pontapé inicial para fazer a mudança dos
documentos..., mas até hoje tenho problemas, eu fiz a mudança, mas o
sistema ainda não está preparado mesmo sendo uma forma legal, depois da
decisão do STF… Eu tive problemas, agora depois que me machuquei eu fui
pelo INSS, pela previdência Social, mesmo tendo trocado toda parte de
documentação, ainda tinha o meu nome masculino e constavam dois números
de PIS, é como se eu tivesse duas contas, como se ainda existisse a pessoa do
gênero masculino ainda é um problema, não está preparado para ir para isso,
ainda temos essa certa dificuldade (BIANCA, 2021).
desse direito assegurado, conforme aponta Marcos, “tem documentos que juridicamente não é
possível como: contrato de trabalho, folha ponto não pode”. Apesar de um avanço, se vê a
dificuldade do acesso a esse direito, o qual traz consequências e uma maior exclusão dessa
população no contexto laboral, visto que esse baseia-se nas noções de sexo. Maruan destaca
que na
Erik evidência que quando realizou o seu primeiro estágio teve uma série de barreiras
para conseguir ter acesso ao uso do nome social, visto que a empresa se negava a realizar o
procedimento
[...] para eu conseguir o crachá, com o nome social o meu chefe teve que
tomar frente com a coordenação pedagógica para que mudassem isso, na
verdade nem queriam mudar o meu nome. Quando eu fui fazer a solicitação
da mudança de nome, a responsável me disse que isso não existia, que eu
deveria usar o banheiro feminino normal e era isso, daí quase tomei uma
medida judicial, mas assim, são casos, foi bem tenso devido as estas primeira
barreiras que eu não estava esperando contar, afinal, levei tudo certinho de
documentos para ela todas as leis, tudo o que possibilitava o que não
possibilitava era só ler e dizer que iria fazer o procedimento e a pessoa me
disse que não iria fazer então foi um choque, até meu chefe disse que aquilo
não fazia sentido [...] (ERIK, 2021).
de uma atividade que assegura a reprodução das condições materiais de existência e que se
articula com a dimensão do reconhecimento, uma vez que o trabalho implica na inserção
social e nas relações com outros sujeitos sociais (VARGAS, 2016). Como aponta Castel
(1997, p. 578) “o trabalho continua sendo uma referência não só economicamente, mas
também psicologicamente, culturalmente e simbolicamente dominante como provam as
relações dos que não o têm”.
As falas dos entrevistades marcam uma posição de classe, da “classe-que-vive-do
trabalho”, como afirma Antunes (2002), na obra "Adeus ao trabalho?". Essa classe, segundo
ele, é constituída por pessoas que vendem sua força de trabalho para viver. Como pode ser
observado na fala de Bianca “O trabalho é o seu ganha-pão, é essencial na vida de qualquer
ser humano”. Marta pontua o discurso moral sobre o trabalho, mas também traz uma
dimensão de crítica “como diz aquela parábola ‘o trabalho dignifica o homem’ dependemos
do trabalho, porque o trabalho pode te dar dignidade, mas ele pode não ser nada, pode não ser
nada de dignificante”. No entanto, Antunes (2018) em sua obra "Privilégio da servidão",
destaca que a "classe-que-vive-do-trabalho" está marcada pelos processos de heterogeneidade
e precarização do trabalho, assim esses trabalhadores
[...] oscilam entre a heterogeneidade em sua forma de ser (gênero, etnia, geração,
qualificação, nacionalidade etc.) e a homogeneização que resulta da condição
crescentemente pautada pela precarização, cada vez mais desprovida de direitos do
trabalho e de regulamentação contratual (ANTUNES, 2018, p.70).
se articulam visando contribuir com outras situações como por exemplo, orientações para a
retificação documental, fator apresentado pela entrevistade Bianca.
A procura por um trabalho, segundo Guimarães (2012, p. 124), descreve-se como uma
forma de sociabilidade, a qual segundo a autora “tratar da procura é outra forma de falar da
construção da vida social, da mobilização das relações sociais, da eficácia dos laços sociais,
enfim, dos mecanismos não mercantis presentes na operação do mercado de trabalho”. Nessa
direção, Hartmann (2017) destaca que um dos aspectos que se organiza entre a população
transexual é as redes de contatos, que em muitas vezes contribui para o processo de inserção
dessa população no mercado de trabalho formal.
Um dos meios usados para acentuar a precarização das pessoas trans é o discurso,
visando desconstituí-los do lugar de pessoas passíveis de direito. Acessar o trabalho formal,
se constitui muitas vezes como um aspecto utópico, que nem sempre será possível para toda a
população transexual. Isso pode ser vislumbrado a partir dos relatos dos entrevistades, os
quais destacam que a negação da vaga se inicia antes mesmo da própria entrevista. Bianca
chama a atenção afirmando que
[...] você pode ser a pessoa mais qualificada do mundo para vaga, pode se
sair bem na entrevista, mas percebe que tem ali um empecilho, por essa
condição que você se encontra, por você ser diferente, nota no olhar da
pessoa, de alguma forma ela não sabe o que dizer para você, é a mesma coisa
que tomar um choque, se você disser eu sou uma mulher trans, mas mesmo
assim eu acho que tenho qualificação para essa área (BIANCA, 2021).
Marta pondera que a sua inserção mesmo com as mudanças que fez no corpo, não foi
algo simples, segundo a entrevistade precisou recorrer a um programa de TV, “enquanto a
gente tava [sic] ali falando sobre minha vida, o que eu era, muita gente ligava da rádio
oferecendo emprego, mas emprego tipo assim ‘você não pode aparecer’ emprego de
freelancer, nada fixo e no momento que eu me encontrava não poderia ficar pegando
freelance [...]”. A partir dessa inserção na TV, Marta destaca que foi contratada para realizar
serviços gerais na empresa de uma pessoa próxima, no entanto estava sem carteira assinada.
Isso, segundo ela, era usado como um meio de evitar “[...] causas trabalhistas, o que ela fazia,
ela me contratava por três meses e me mandava embora como se não tivesse passado na
experiência. Me pegava por mais três meses e mandava embora”.
O preconceito e a naturalização da condição abjeta são meios para justificar medidas
que priorizam o trabalho e favorecem o empregador. Marta, destaca que “[...] não falam ali na
tua cara tipo assim ó ‘eu não vou te dar a vaga porque você é trans’, não! Até porque é motivo
de processo, então para evitar isso dizem ‘ah nós vamos ficar com teu currículo e na primeira
60
oportunidade a gente chama’, mentira né!”. Erik também compartilha dessa percepção, “[...]
negada, assim de cara não, mas com toda a certeza, tem os que pensam “você não cabe nessa
vaga”, “queríamos pessoas com mais experiências”, essas coisas básicas que você escuta do
mercado. Erik nos relatou que já teve a experiência de ser inserido no contexto laboral sem
relatar durante o processo de recrutamento ser um homem transexual, no entanto,
[...] trabalhei 3 meses e saí, depois que descobriram que eu era trans, não
dava, sabe? Não era legal, o cara era machista, e eu não estava mais
aguentando a pressão psicológica, mas com toda a certeza o fato de eu ser
trans influenciou, ele só descobriu quando pegou meus documentos e isso
interferiu muito. Mas de cara nunca me falaram, que não estava sendo
contratado por ser trans (ERIK, 2021).
Evangélica num setor de RH esquece porque você não vai ser contratada
nunca. Esse é o pior câncer da terra, é um evangélico num setor de
empregabilidade porque a questão religiosa é o principal fator, que sempre
nos coloca na subhumanização e sem direitos a nada e nem a existência...Eu
falo isso porque eu fui evangélica, sofri violência dentro de uma igreja
evangélica, já falei isso em vários depoimentos meus e esse é o pior “câncer
da terra” é questão religiosa, é por isso que o Brasil não avança em leis, não
avança em nada. Porque tu é religioso ou tu estás no meio da política. Ou tu é
político ou tu é religioso [sic], as duas coisas não combinam (MARTA,
2021).
16A noção de trabalho enquanto uma forma de propriedade social, é desenvolvido por Robert Castel na sua
produção intitulada, Las metamorfosis de la cuestión social - As metamorfoses da questão social: uma crônica do
salário de 1997. Castel (1997) destaca que “o advento da propriedade social representa uma das conquistas
decisivas da modernidade que devemos a ela, que reformulou em novos termos o conflito secular entre
patrimônio e trabalho” (p. 206) (tradução nossa). Disponível em:
https://aulavirtual4.unl.edu.ar/pluginfile.php/7097/mod_resource/content/1/castel-robert-la-metamorfosis-de-la-
cuesti%C3%B3n-social.pdf.. Acesso em 05 de dez. 2021.
61
Frente a esses aspectos, alguns segmentos tendem a ser mais propensos à inserção
dessa população. No Brasil, conforme aponta Nogueira (2009), um dos segmentos que mais
empregam travestis e transexuais são os call centers das grandes empresas de telemarketing,
constituídas por rotinas de trabalho formal pesadas e que não usam da imagem, ou seja, os
corpos se escondem atrás das linhas de telefones. Maruan destaca que está no seu primeiro
emprego formal e que não teve problemas no seu acesso à vaga, no entanto, destaca que se
ficasse sem emprego “eu sairia correndo para trabalhar no lugar que eu [sic] me desse
emprego tipo fácil, que explora e é fácil, tipo fast food”. O que se percebe na fala do
entrevistade, é um dos aspectos que se apresenta em um segundo momento, o qual segundo
Maruan são vagas e cargos os “[...] fast food e os frigorífico que mais contratam por uma
questão de mão de obra barata mesmo, não que por aí meu Deus, a gente precisa apoiar a
diversidade, é uma questão de mão de obra barata, já que ali o indivíduo não importa, mas
sim, o serviço que irá realizar”.
Percebe-se nesse fenômeno que se apresenta nesses postos de trabalho formal
elucidados por Maruan, a lógica do trabalho precarizado. Vale lembrar que os postos de
trabalhos mencionados pelo entrevistade, também empregam na região outros trabalhadores
que vivenciam situação de discriminação, como é o caso de trabalhadores imigrantes e
indígenas, que se tornam mão de obra em períodos de escassez da força de trabalho local
disponível. Outros espaços possíveis de inserção local, segundo a empregadora Michele, é o
shopping center, o qual também oferece vagas de trabalho consideradas precárias por aspectos
como horário, baixos salários, entre outros fatores. A entrevistade frisa que se articula sobre
os corpos e as vagas uma personalização, a qual refere-se aos postos que são ocupados com
maior facilidade pela população LGBTQIA+ “[...] hoje a maior oferta de mercado de trabalho
para gays e trans é o shopping, que é uma questão que não há 'personalização'. Eu acho que é
a cultura ainda nossa região muito interiorana, que prejudica”, além disso, “no shopping a
minha veia do direito do trabalho pulsa forte, porque eu sei que lá é muito desrespeito, eu não
62
gosto dessa jornada de trabalho que se submetem, não acho justo, me dói [...], mas eu sei que
é necessário e a pessoa precisa”.
Esse cenário que se apresenta no contexto laboral, pautado na flexibilização,
precarização e ainda, no enfraquecimento dos direitos e do sindicalismo, segundo Harvey
(2008) faz com que as empresas usem das oportunidades presentes, como o da grande mão de
obra excedente, para estabelecerem contratos de trabalhos precarizados, fazendo com que se
tenha uma redução significativa nos trabalhos em tempo integral, apostando em vagas com
jornadas parciais, temporárias e/ou subcontratos.
Apesar da precarização não ser o único aspecto que barra a inserção dessa população
no contexto laboral, podemos destacar que atrelado a fatores como as normas de gênero, esses
agentes tornam as relações do trabalho formal ainda mais incertas para as pessoas trans
(HARTMANN, 2017). Conforme aponta Dejours (2004) as relações trabalhistas se baseiam
em aspectos como relações de poder, desigualdade e a dominação, estabelecendo que os
sujeitos, neste caso transexuais, se sujeitem quando conseguem se inserir nesses ambientes
hierarquizados. A empregadora Michele pondera que a população transexual vivencia uma
realidade onde o medo e a falta de oportunidades se fazem presente e constante, aspectos que
são desencadeados pela falta de vagas oferecidas à essa população
[...] não é por que não querem, porque não é dado vaga, ou por medo, porque
trabalhar dentro de um frigorífico eu acho que é perigoso, não sei como seria,
mas a gente teria que ter todas as vagas abertas, vou aonde eu quiser posso
trabalhar 50 lugares da minha vida não sou obrigada a nascer e morrer no
mesmo lugar, mas eu acho que é falta de segurança o que mais grita
(MICHELE, 2021).
Outro fator que precisa ser ponderado ao abordar sobre a inserção precarizada dessa
população, são as novas configurações do trabalho formal, que se manifestam como
constantes ameaças a esses corpos, uma vez que segundo destacado pelos entrevistades, são
descartados e substituídos. Quando convidados a participarem da pesquisa, dos quatro
empregadores, os quais contavam com trabalhadores transexuais em seus quadros de
funcionários, apenas um concordou em participar da pesquisa. Segundo a empregadora
Michele, isso é um aspecto que precisa ser questionado, afinal
Não é aceitável! Você quer esconder o que? Eu volto a falar que é cultural o
preconceito, você quer esconder que tem um colaborador que é trans, o que
vai mudar para você? Não tem lógica…. Acabam contratando trans por que?
Por necessidade do trabalho fornecido por eles, pela forma de trabalho e pela
63
[...] cansam a gente até pedirmos para ir embora, parece que muitas vezes,
das muitas experiências que eu tive, eles levam a gente até o último, sabe?
[...] as relações emprego da CLT são péssimas, o nosso mercado de trabalho
ele é adoecido, o chefe acha que tá fazendo um favor para você, ele te dá um
salário, para você fazer um trabalho, é um favor, e que por você ser
empregado dele, ele pode fazer o que quiser, então se você é LGBTQ só
piora, vem a carga de preconceito em cima disso, porque as pessoas não têm
noção que você não é um coitado porque está trabalhando, vendendo a sua
força de trabalho, seu tempo a sua saúde, então te remuneram com isso,
porém é o mínimo que podem fazer, te darem um vale alimentação, vale
transporte, plano de saúde, isso é o mínimo que podem fazer. Infelizmente o
preconceito só agrava a relação de trabalho, a relação de emprego como é
injusta, ela adoece o trabalhador, não ajuda o trabalhador e o preconceito só
agrava isso tudo (MARCOS, 2021).
Marta destaca que o que se apresenta no contexto laboral local é uma tolerância, mas
que também se apresentam espaços negligentes “[...] há um mercado que não quer,
independente da comprovação profissional que ela tenha em carteira, não basta, ou seja não
quer. Há ainda uma restrição muito grande, há ainda uma coisa tipo, uma resistência muito
grande para não colocar as TTs nesse mercado de trabalho”. Erik demarca que o contexto
laboral local
Não está preparado, tem poucas vagas, o pessoal não está nem preparados
para lidarem, nem como conversar com uma pessoa trans, muitas vezes são
ignorantes e isso é chato, confundem tudo com homossexual, é difícil! Se
fosse dar uma nota, eu daria nota 1, pois tem empresas que se salvam só que
o problema é chegar nessas empresas, não existe ninguém que tem esse poder
de buscar essas pessoas trazer para um espaço de qualificação, daí sim, lançar
para as empresas, não existe isso, então acaba sendo difícil. Acaba indo para
a rua por não ter emprego extremamente baixo, de você não ter perspectiva
de crescimento, quando se consegue ser respeitado pelo nome (ERIK, 2021).
Maruan problematiza em seu relato que a inserção das pessoas trans no trabalho
formal pode se dar estimulada por dois aspectos distintos. Um relacionado a afirmação da
diversidade como forma de atrair clientes e/ou melhorar a imagem da organização, “a imagem
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de ter e aceitar LGBTQIA + vende, isso é o famoso Pink Money17”. No entanto, ao serem
buscadas as empresas para as entrevistas, as mesmas mostraram-se resistentes em falar sobre
o tema. O outro aspecto sugerido pelo entrevistade estaria relacionado à exploração desse
corpo por se submeter a desempenharem funções precarizadas “[...] quem tá trabalhando ali
em chão de fábrica ou em fast-food não são necessariamente indivíduos valorizados como
seres humanos, elas estão no meio da massa, sabe? Então elas não têm uma atenção especial,
são só mais um trabalhador explorando, opinião né”. Sobre essa apropriação do corpo como
meio produtivo, Oliveira (2021) pondera que o “biopoder”18 (FOUCAULT, 2019), foi um dos
aspectos cruciais para o desenvolvimento capitalista, visto que garantiu a sujeição dos corpos
e também das populações frente a esses processos econômicos. Oliveira (2021) destaca que
nessa nova era articula-se uma outra forma de ver os corpos/ trabalhadores, sendo que “não
coube mais à soberania matar ou decapitar, mas sim atribuir aos vivos um nível de valor e
utilidade” (OLIVEIRA, 2021, p. 6).
Martins (2012, p. 459), frisa que “nesse contexto de desemprego estrutural e
crescentes formas precárias de contratação, muitos trabalhadores dos diversos setores foram
compelidos a desenvolver uma polivalência, além de terem aumentado de forma extenuante a
jornada de trabalho”. Essa é uma realidade do trabalho formal, a qual as pessoas transexuais
estão sujeitas também. As colocações de Marcos a seguir, problematizam aspectos sobre os
preconceitos que a população transexual vivencia, que em muitos casos não vem
propriamente das empresas, mas dos clientes dos quais elas dependem e que também
produzem entraves para a permanência laboral dessa população.
Todo mundo vai ter suas individualidades e parece que a gente precisa tá
dentro de um padrão esperado para conseguir continuar no mercado, e aí no
caso específico de pessoas trans eu acho que é justamente o fato da pessoa
não se encaixar nesses moldes sabe não só em relação a empresa. Às vezes a
empresa até quer apoiar, mas ela percebe que ela não tá lucrando porque os
clientes não gostam de ser atendidos por uma pessoa trans, isso é meio que
um reflexo da sociedade né, então o desafio é realmente a transfobia
(MARCOS, 2021).
17 Conforme aponta Alves (2019) “o termo Pink Money surgiu no final da última década por meio de
economistas que perceberam o potencial de consumo do ambiente LGBT e passaram a investir em produtos e
ações voltados diretamente para esse público” (p. 45).
18 O termo biopoder foi elaborado por Michel Foucault entre os anos de 1974 e 1979, constituído “[...] por um
lado, em uma anátomo-política do corpo e, por outro, em uma biopolítica da população. A anátomo-política
refere-se aos dispositivos disciplinares encarregados do extrair do corpo humano sua força produtiva, mediante o
controle do tempo e do espaço, no interior de instituições, como a escola, o hospital, a fábrica e a prisão”
(FURTADO e CAMILO, 2016, p. 1).
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[...] é você precisar mostrar que é melhor, sempre mostrar que você pode
mais, ser melhor que outras pessoas, outros profissionais, outros colegas, por
medo de perder esse trabalho, porque a gente não tem muitas escolhas então
esse é um grande desafio, você sempre está buscando se qualificar, buscando
se manter ali, se manter no teu trabalho, para você não perder aquilo e acabar
dificultando a sua vida ainda mais, para você se inserir no espaço do mercado
de trabalho, o grande desafio é esse (BIANCA, 2021).
Dos cinco entrevistades, apenas Marta destaca que o mundo do trabalho não foi um
espaço muito receptivo à ela. Os demais entrevistades destacam que apesar de problemas num
primeiro momento, conseguiram a sua inserção. Bianca pontua que está com 28 anos e que
está no seu primeiro emprego, há mais ou menos 10 anos. Marcos, atualmente encontra-se
inserido em um ambiente onde não vivenciou nenhuma violência, situação partilhada por Erik
e Maruan, que se consideram privilegiades.
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Temos transexuais? Temos, mas é uma .... nós temos uma médica transexual
na cidade, mas quantos anos levou pra ter a primeira? Né? então é muito
tempo...temos transexual na área do direito? não temos, ainda que eu saiba
não! temos transexuais na área de odonto [sic], não, não temos...que eu saiba.
Temos transexuais na área da psicologia? ainda não temos...formada, atuando
na área que eu saiba não! Então, a gente se pergunta por quê né? Primeiro a
gente sabe que pela questão do preconceito nessas áreas de até então...cursos
normativos, que a maioria são héteros e até mesmo por gays, mas não por
TTs (MARTA, 2021).
Maruan destaca que no começo não teve nenhum embate, o que atribui ao fato de não
ter mostrado nenhuma característica contrária ao que se esperava do corpo feminino. O
entrevistade pondera que suas experiências, que iniciaram como babá, garçom e vendedor, em
nenhum destes postos teve sua saída por ter sofrido alguma forma de violência, segundo ele,
foram resultados das atividades desempenhadas. No entanto, em sua quarta inserção como
jovem aprendiz, ele destaca que após algum tempo no cargo, deu início a sua “transição”. E
aponta que
como jovem aprendiz tem toda uma lei que protege muito mais, até o
trabalho formal. Eles não podiam me obrigar a não ser o [...], visto que eu
tinha todo um acompanhamento do CIEE, teve um momento que sofri
transfobia, aí falei com o CIEE que fez reunião pedindo que me respeitassem
(MARUAN, 2021).
Desse modo, a partir do que se apresenta no parágrafo anterior, ficou evidente que
tanto para Maruan como para Marcos, quando os corpos mantinham características do sexo
biológico, não se manifestaram violências ou represálias, mas que no caso de Maruan quando
buscou uma quarta inserção e fez o processo de transição, sofria com retaliações. Bianca
também sinaliza que sua inserção ocorreu em postos que não tinham vínculo empregatício
formal e que aconteceram quando ainda era menor de idade, a entrevistade que teve uma
primeira experiência em um posto de lavagem de automóveis, destaca que “ainda não era uma
mulher, ainda tinha comportamentos masculinos, por ser meu primeiro emprego”. Porém
Bianca relata ter vivenciado situações de violência, insultos e ofensas, apesar disso,
permaneceu no espaço até a maioridade “[...] se hoje existe preconceito, antigamente existia
muito mais, eu via e ouvia muitas coisas, piadinhas dos colegas, permaneci lá até completar
os meus 18 anos”.
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Erik, menciona que um dos primeiros empregos se deu logo no início da faculdade e
que ainda não tinha alterado a documentação. No ambiente onde se encontrava inserido
haviam pessoas homossexuais e um menino que havia iniciado o processo de transição.
Segundo o entrevistade,
Nessa empresa ninguém dava bola, porque todos usavam uniforme, abafador
e touca, ninguém notava, só se via o rosto, não tinha esse contato. Mas depois
que eu saí da empresa e vim a Chapecó, que eu comecei a trabalhar com o
que estava estudando, comecei a ter o contato com as pessoas, daí comecei a
mudar a forma de tratamento como homem, daí as pessoas começaram a
perceber mais e eu passei a sentir mais na pele essa transição, que realmente
fez efeito dentro do espaço onde eu estava trabalhando (ERIK, 2021).
Marcos nos relata sobre uma segunda inserção no mundo do trabalho formal, porém, o
que devemos observar em seu relato é o uso do nome social, que era restrito a espaços como a
universidade. Marcos pondera que os professores desejariam apresentá-lo pelo nome social,
mas se mostrou receoso por não ter a documentação retificada e que queria evitar uma
situação constrangedora, no entanto ele relata que
O entrevistade destaca que nunca vivenciou nesta segunda inserção “[...] transfobia,
das pessoas caçoarem de mim, de não me tratarem no masculino de me chamarem pelo meu
nome feminino de propósito [...]”. No entanto, pondera que algumas pessoas no início até
confundiram, mas que sempre buscou ser tranquilo, porém, frisa que algumas vezes precisou
ser mais rude “[...] porque as pessoas precisam muitas vezes aprender na dor e não no amor,
algumas pessoas eu tive que fazer isso ser mais firme, depois disso realmente eu não sofri
mais”. Marcos, destaca que nesse período que permaneceu dentro do escritório passou a fazer
o processo de hormonização, retificação documental e a cirurgia de mastectomia.
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A respeito dos comentários e brincadeiras que muitas vezes são feitas dentro do
contexto laboral, a empregadora Michele destaca que esse pode ser um dos principais motivos
para que os transexuais saiam da empresa. Segundo ela “às vezes a pessoa não que faça por
bem, porque piadas e brincadeiras nesse sentido nenhuma deve ser feita, nem toleradas, mas
assim as pessoas as fazem mesmo sem dever fazem e pode dar um problema ainda maior”.
Marta destaca que seu primeiro emprego seu deu como empregada doméstica na casa
de um policial, aos 16 anos, logo após ser expulsa de casa. A entrevistade destaca que sempre
teve uma boa relação com seus patrões, até relembrar de alguns momentos “[...]o que que
você tem lá na sua casa de empregada? Ele dizia, não sei, conversa com a minha esposa
(RISOS) Era a resposta que ele dava, mas ele era boa pessoa, era boa pessoa, me tratava
muito bem...e tinha dois filhos que me tratavam bem… [...]”.
Segundo os relatos, Marta teve sua subsistência por oito anos provindos da
prostituição. Questionada sobre sua inserção no mundo do trabalho formal, a mesma pontua
que teve apenas uma experiência e que foi durante um período que largou o trabalho formal
em uma boate pelo fato de ter se apaixonado por uma de suas colegas de trabalho. Nesse
momento, segundo a entrevistade, deixou para trás tudo, inclusive retirou “os peitos” e mudou
seu corpo novamente para o masculino para manter um relacionamento
[...] eu, programa não fazia mais, eu só acompanhava o cliente pra beber, mas
aí quando eu estava envolvente ali com a conversa, quantas vezes copo de
uísque voou na minha cara, e ela era advertida por isso...e eu parei com a
noite, parei de beber, parei de hormonizar, tirei minhas tetas, cortei cabelo[...]
(MARTA, 2021).
Marcos descreve sobre sua experiência quando se inseriu não contando sobre sua
transexualidade “[...] ninguém nunca mostrou serem pessoas agressivas, que iriam demitir
alguém por conta da orientação sexual e da identidade de gênero, mas eu não queria facilitar,
abrir brecha, não queria correr esse risco”. Foi quando um amigo próximo em uma conversa
informal relatou sobre a transexualidade de Marcos, neste momento segundo ele, estava tenso
devido ao medo de perder o emprego, mas se viu forçado a conversar com sua gerente.
Marcos pontua que foi tranquilo
[...] ela me disse, você é ótimo, eu não me preocupo com isso, você trabalha
bem e é isso que eu quero” no fim só ela e meu amigo sabia que eu era trans,
então naquele lugar ali eu podia agir como um homem cis, o que era
engraçado porque às vezes as pessoas me tratam como um homem cis hétero,
e eu ficava tipo “meu Deus eu não sou”, mas ficava quieto porque eu também
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Segundo Bento (2017, p. 89) “os atos generalizados são, então, interpretados como
citações de uma suposta origem. Agir de acordo com uma mulher/homem é pôr em
funcionamento um conjunto de verdades que se acredita estarem fundamentadas na natureza”.
Os entrevistades marcam ao longo das suas inserções que precisaram muitas vezes se
esconderem por detrás do sexo biológico, mesmo não se reconhecendo, visando garantir seus
postos no trabalho formal. Marcos demarca que trabalho como meio de subsistência, se
sobrepõem, nesse caso a identidade de gênero, “às vezes a gente precisa realmente priorizar o
nosso sustento, sabe por quê? Do que adianta você lutar sem ter dinheiro para comer, sabe eu
penso assim, são sacrifícios que a gente tem que tomar, muitas vezes se contradizer, mas não
tem muito que fazer nesse mundo”.
A partir dessas perspectivas anunciadas até então, nesse momento traçam-se aspectos
que estão inerentes às trajetórias laborais dos entrevistades. Diante disso, problematizamos
aspectos que têm estreita relação com clientes, superiores e colegas de trabalho.
Dos entrevistades apenas Erik, já vivenciou situações de preconceitos e
constrangimentos por parte de superiores, os demais entrevistades relatam que esses
comportamentos partiam em suma dos clientes. Erik, pondera que quando prestou processo de
seleção para a empresa “[...] eu entrei sem dizer que era um menino trans, porque isso é algo
meu e eu estava lá para trabalhar então foi meio que por isso”. No entanto, a relação que era
tranquila passou a ser conturbada
Almeida e Vasconcelos (2018, p. 313) “se a pessoa transexual busca um emprego depois de
iniciada a transição, encontra a ignorância em relação ao que significa ser transexual, rejeição
e preconceito. No entanto, se a pessoa já tinha um emprego e, então, realiza sua transição,
pode ser demitida”.
Para Goerch e Silva (2019), essas ações são resultado de um conservadorismo, que se
manifesta de forma mais velada, sendo esse enraizado em atitudes e ações preconceituosas e
segregacionistas. O que podemos observar conforme apontam os autores, que são medidas
usadas na tentativa de maquiar esses preconceitos, entretanto, “[...] ao passo que também
consideram inaceitável uma transexual usar cabelo comprido e vestido, agravam ainda mais a
situação ao tentar justificar e convencer outrem que existem variados motivos para esse
pensamento, que não o preconceito” (GOERCH e SILVA, 2019, p. 7).
Marta chama a atenção para as violências que esse corpo transexual pode enfrentar no
mundo do trabalho formal e também, muitas vezes, no deslocamento até o emprego
[...] ela pode não sofrer preconceito diretamente da cliente, mas do próprio
profissional que trabalha com ela no mesmo espaço, não sendo a proprietária.
E quando ela sai dessa empresa?... se ela não tem uma locomoção, um meio
de transporte próprio, ela vai precisar de transporte público ou ela vai ter que
ir a pé e é onde ela está suscetível a essas violências das diversas formas
(MARTA, 2021).
Marcos, que apesar de não ter vivenciado situações constrangedoras dentro dos postos
já ocupados, pontua que os comentários proferidos são meios usados na tentativa de
minimizar ou estigmatizar ações e comportamentos que são contrários ao que se constrói
dentro das relações sociais cisheteronormativas. O entrevistade sinaliza que se sente seguro no
posto que está inserido atualmente.
Maruan pontua que há uma violência muito presente no contexto laboral, a qual é
eminente a população transexual, podendo ser caracterizada como “[...] ignorância, que é de a
pessoa não ter noção do que eu sou e ela acaba por esse motivo da ignorância me violentando
de alguma forma sabe? Não é algo intencional, mas acontece, e machuca, mas para mim já
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virou as coisas rotineira”. Aspecto que segundo o entrevistade pode ser observado no
relacionamento que tinha com uma de suas colegas, que o tratava de forma errada, sobre isso
diz, “é claro que eu corrigi, mas é chato né, às vezes fica desgastado ali o tempo todo falando
que está errado o tratamento...Tenho meu nome social no crachá”. Por fim, Maruan, relata que
vivencia outras situações com clientes
Marcos, destaca que muitas vezes adotou posturas mais duras ao atender clientes, que
são motivadas por medo de retaliações, “[...], mas eu sei que tipo talvez alguns principalmente
homens, eles irão perceber que eu sou mais afinado, que vão achar que eu sou gay”. O
entrevistade finaliza dizendo que sempre teve medo em atender clientes homens desse modo,
“assumo uma postura, quero parecer maior, que as pessoas vejam que eu sei do que estou
falando, de que certa forma não abra brechas para questionarem minha orientação sexual e
minha identidade de gênero. Tenho muito medo de sofrer isso”. Fala expressa o
desejo/necessidade de performar o gênero a fim de não ser discriminado.
Conforme aponta Hartmann (2017) os discursos que se manifestam pelos clientes são
resultado dos discursos hegemônicos, que se reproduzem em muitos casos pelos meios de
comunicação, por meio de notícias, as quais relacionam a população trans a crimes e mesmo
quando vítimas são tratadas como vilãs da história, que tem como pano de fundo, a
72
[...] a cliente me dizia que não me queria na sala porque eu era estranho, algo
tipo, eu não gosto dele, não aceito homossexual… Várias vezes ela disse pro
meu ex chefe, que tudo bem eu ser o menino do marketing, mas que ela não
precisasse falar comigo, de eu participar das reuniões, mas meu chefe dizia
“como que vamos apresentar as coisas se é ele que faz, essa parte é dele?”,
ela dizia “ manda outra pessoa apresentar” “ não quero falar com ele”...para
me ignorar totalmente, não acreditar no que eu estava falando, que eu estava
apresentando, era chato…(ERIK, 2021).
Conforme sugere Andrade (2012), assim como a família e a escola, a religião age
como um meio latente, que define e caracteriza aspectos com o os desejos para homens e para
mulheres, desse modo, determinam no meio social e nas relações de trabalhos, o que se julga
certo e errado nas ações humanas frente a sociedade. Ainda segundo a fala de Erik, mesmo o
chefe mostrando seu descontento com a reação da cliente, oferecendo até mesmo apoio ao
entrevistade, optou por afastar Erik de todos os trabalhos que envolviam essa cliente
Eu deixei de atender a conta dessa cliente, deixei para outras pessoas, não
atendia mais nada dela. Eles sabiam que ela estava totalmente errada, a forma
como fui tratado por ela e que é transfobia [sic], para não piorar vamos evitar
isso mesmo, até ofereceu um psicólogo se eu quisesse conversar, ele sempre
foi muito tranquilo nesse sentido, me apoiava, pois sabia que eu estava
fazendo as coisas da melhor forma possível, nem tudo a gente consegue
ainda, o dinheiro ainda acaba determinando algumas coisas, precisamos da
conta, então não posso manda ela embora, né. Eu sou muito entra aqui sai
aqui, tem coisas que não preciso levar para mim (ERIK, 2021).
Bianca, destaca que seus clientes sempre souberam da sua transexualidade e isso
nunca foi um problema, “[...] as pessoas que me procuram para fazer os eventos, já sabe dessa
minha ‘condição’, então não tem aquele choque, eu também sempre procuro dizer que sou
uma mulher trans, enfim e que isso não vai mudar em nada o meu lado profissional”. No
entanto, menciona já ter vivenciado situações preconceituosas por parte de clientes “[...] já fui
assediada, ouvi coisas que você não gostaria de ouvir, coisas que me deixam desmotivada, são
frases que te deixam muito mal, tem algumas pessoas que ainda nos veem como um símbolo
sexual, então acaba ouvindo algumas coisas desagradáveis”. Segundo a entrevistade, essas
atitudes partem, em sua grande maioria, de pessoas que não têm uma convivência próxima.
Desse modo, podemos observar que o corpo transexual, por ter muitas vezes ligação com
73
aspectos do sexo, acabam gerando sofrimentos dentro dos postos de trabalho formal, os quais
encontram-se inseridos, principalmente no caso das mulheres trans. Segundo Andrade (2012,
p. 17) a presença de pessoas transexuais e travestis em “[...] espaços de convivência, de
trabalho, de aprendizagem, de decisões políticas pode ajudar a desmitificar essa ideia de que
toda travesti se constrói na prostituição”.
visam assegurar direitos à população trans” (p. 5). A empregadora Michele, aponta que para a
criação de políticas públicas voltadas ao trabalho, o caminho será árduo e espinhoso “eu não
sei como vamos enfrentar essa temática, como será esse enfrentamento, que isso passe de ser
só mais um assunto. Nesse governo será só lutar pela sobrevivência. E eu percebo que é um
medo gigante”.
As políticas, segundo os entrevistades, são um horizonte, no entanto, Andrade (2012,
p. 226) destaca que “a maioria das políticas públicas direcionadas a travestis e transexuais
visam a prevenção de doenças e o combate à exploração sexual, e não para políticas de
inclusão na escola e no trabalho”. Conforme aponta Andrade (2012), não se apresentam
políticas públicas que visem promover e proporcionar a essa população uma oportunidade de
transpor as barreiras sobre o contexto laboral.
Ao olhar para o município de Chapecó, situado no Oeste de Santa Catarina, com uma
população de aproximadamente 224.013 habitantes, destaque nacional na exportação de
produtos alimentícios industrializados de origem animal - suínos e aves19, e devido à
constante expansão, atualmente reconhecido como a quinta cidade com a maior geração de
empregos no país20, chegando a uma média de 90 mil trabalhadores com carteira assinada, o
que representa cerca de 40% da população. Observou-se que não há políticas públicas
voltadas à inserção e permanência de pessoas transexuais no trabalho formal ou outras ações
afirmativas voltadas aos direitos dessa população.
A partir da análise das entrevistas e de outros estudos desenvolvidos, abordando
aspectos sobre a transexualidade e saúde, observou-se uma resistência em discutir algumas
problemáticas sobre a população LGBTQIA+ em Chapecó. Segundo os estudos de Guerra
(2017), entrou em tramitação na Câmara dos Vereadores local no ano de 2010, o projeto de
Lei que tinha o intuito de criminalizar a homofobia no município, no entanto, contou com
apenas com dois votos favoráveis.
Outro exemplo, é problematizado por Aldana Vargas, Cavagnoli e Cattani (2016), ao
escrever sobre o Plano Municipal de Educação (PME) e fatores em torno das teorias de
gênero e ideologia de gênero. Segundo os autores, "o debate entre ideologia de gênero e
teorias de gênero, quando situado sobre um campo no qual os fundamentos transcendentes da
igreja determinam as posições possíveis, sucumbe a um consenso que não admite o processo
Esse relato traz a indagação sobre os trabalhadores trans buscarem a UNA antes do
sindicato, porém, isso nos leva a pensar sobre como o transexual se vê representado pelo
movimento sindical, o quanto esse consegue assumir as pautas de gênero em suas lutas pelos
direitos dos trabalhadores. Ainda sobre a relação entre esses dois movimentos, o membro da
UNA - Chapecó, Maruan, sinaliza que a UNA esteve presente em constantes manifestações
do movimento sindical, fator que aproxima essas duas entidades.
O que se apresenta é um movimento de invisibilização das pautas sobre gêneros no
movimento sindical, o qual retira o problema da identidade operária e de seus limites ao
compreender e englobar as pautas que abarquem a população transexual. Sobre esses
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[...] entender essas pautas identitárias, não separadas das pautas trabalhistas,
pois isso afeta a gente até mais, pois quem são mais exploradas são as
mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+, realmente essa pauta não tem como
desassociar, então essa questão de classe é o que permeia tudo, e estamos
presentes. Existe uma relação, mas não posso dizer que é frequente, e
também agora, não sei como está, mas a UNA tem disposição e contatos para
poder passar por essas situações (MARUAN, 2021).
[...] a UNA vai lá e propõe um projeto de lei que vai garantir os direitos, mas
aí tem a indisposição, preconceito e o conservadorismo, que fazem com que
nossos representantes, que não representam a população LGBTQIA+ não
aprovem, então são muitas barreiras, o Poder Público que deveria ser o
principal meio que conseguimos esses recursos, é o que mais coloca as
barreiras. Fora isso as próprias empresas, não conseguimos obrigar, mas
poderíamos ter políticas públicas que fomentassem, oferecessem cotas. Há
presença de pessoas trans na esfera do Estado, que representam estes
coletivos (MARUAN, 2021).
Questionado sobre como a pauta do trabalho formal para a população trans é vista e
abordada pela UNA, Maruan apresenta um aspecto emancipatório. O entrevistade apresenta
alguns fatores que podem ser importantes meios para que efetivamente se tenha uma inserção
e, consecutivamente, uma permanência mais ampla dessa população no contexto laboral.
Segundo Maruan, por ter essa ótica emancipatória, busca-se oportunizar à essas pessoas uma
maior preparação frente ao mundo do trabalho formal, sendo assim, busca-se isso por meio de
formações e qualificações
As políticas públicas e outras ações em parceria com empresas, por meio dos relatos
dos entrevistades e da UNA, são horizontes que precisam ser traçados e vislumbrados. Como
anunciado anteriormente, Chapecó não apresenta uma ação ou política em nível municipal,
que objetive a inserção e também a permanência da população transexual no contexto laboral.
Por mais que se tenha tido uma conquista da Política Integrada22, mostra-se que sua aplicação
muitas vezes não acontece na sua plenitude, acontecendo fragilidades, conforme aponta Erik,
sobre necessidade de investir não apenas na sua criação, mas também pondera a necessidade
de se fazer capacitações com servidores públicos que irão atuar com essa temática, a fim de
evitar determinadas situações, as quais são frequentes em atendimentos como no eixo da
saúde
O entrevistade aponta que deveriam ser pensadas também em outras ações, além das
capacitações, as quais teriam por objetivo o combate ao preconceito. Erik, sugere a criação de
espaços para programações culturais com artistas LGBTQIA+, a fim de promover esses
aspectos culturais e também incluir essas pessoas, “existem em outros lugares e poderiam ser
adotadas para nós, não precisam sair do zero, mas um movimento que seja para começar, seria
22 Gattai (s.d) define a política pública integrada como “aquela que considera os direitos, necessidades e
interesses daqueles grupos que mais necessitam dela para sobreviver dignamente e, essa qualidade somente
ocorre quando a sociedade civil se organiza e exige seus direitos no espaço público” (s.p).
78
um movimento incrível”. Além disso, Erik pondera que precisaria também de ações em
conjunto com as universidades, mecanismo que iria contribuir no acesso dessa população ao
contexto laboral. Ou seja, a partir de sua fala, sente-se a necessidade de firmar a criação de
políticas públicas no âmbito cultural e também educacional.
Sobre Políticas Públicas educacionais à essa população, Maruan, sugere um processo
de profissionalização, por meio do oferecimento de cursos, de como criar currículos, prepará-
los para entrevistas de emprego, mesmo o entrevistade considerando que
Eu acho meio ruim toda essa formalidade, mas ela existe e você precisa
encarar. Então imagina se já é difícil para uma pessoa cis que não tem todas
essas diferenças corporais e tudo mais ir lá e fazer entrevista, imagina para
uma pessoa trans que não teve muito acesso, eu por exemplo, consegui ter
esses acessos, mas imagina uma mulher trans, com restrições de acesso,
como que ela vai se portar nesses processos…. isso será usada como
justificativas para não contratar (MARUAN, 2021).
Outra ação sugerida seriam capacitações para empresas que tenham em seu quadro de
funcionários pessoas transexuais, a fim de tornar esse processo mais inclusivo
[...] cursos profissionalizantes para aprender a fazer alguma coisa, para poder
atuar né… acho que é mais coisa de educação mesmo…. dentro das empresas
talvez alguma política de também de formação do grupo da equipe, por
exemplo, fazer uma palestra sobre isso na equipe iria melhorar bastante
convivência fazer essa pessoa trans ser mais bem aceita, não jogar essa
pessoa e dizer, sobreviva (MARUAN, 2021).
[...] implantar benefícios para isso, como por exemplo, porque que não faz
como as pessoas PCDs ou Menores Aprendizes, abrir uma margem de que a
cada tantos por cento você precisa ter uma pessoa LGBTQIA+, trans….as
empresas que comprovem que tem pessoas trans trabalhando tem isenção de
imposto, porque realmente é só nessas ações que mexem no dinheiro do dono
da empresa que as coisas mudam, seja com o amor ou pela dor…. porque ela
vai pensar, se eu contratar uma pessoa trans aqui para auxiliar administrativo
vou ter minha isenção do imposto, ótimo! Vou ter uma pessoa trabalhando
para mim e ainda vou ganhar dinheiro com ele, sabe? (MARCOS, 2021).
Marta também aponta que as políticas públicas são um horizonte e que precisam ser
desenvolvidas ações que possibilitem a empregabilidade dessa população, isso iria contribuir
significativamente para diminuir o índice de pessoas transexuais e travestis na prostituição,
que segundo a entrevistade, mesmo sendo uma profissão digna e que mereça respeito e
reconhecimento, é marcada por violências, negligências e muita precariedade, “que cada uma
realmente tenha tempo pra escolher sair da rua, sair da prostituição, sair da zona gratuita de
violência, e não é querer higienizar a rua nem nada, é apenas que cada uma tenha seu direito
registrado como cidadã, sabe?”. Para isso Marta, ressalta que é fundamental,
Eu agradeço pelo teu trabalho e que isso também sirva para outras pessoas,
sirva também de repente pra colocar isso numa pauta de uma entidade para
discutir realmente empregabilidade, que venha trazer a questão de cotas para
TTs porque às vezes o salário pode ser bom, mas é a garantia de benefícios
né que a gente tanto...que nos garante em lei...por exemplo você se acidentou
é dessa maneira que você vai conseguir sanar essa doença, sanar esse
problema, vai conseguir se encostar por determinado problema...Então é
dessa forma, que realmente sensibiliza pessoas, empresários, que possa dar
uma atenção melhor…(MARTA, 2021).
[...] por que o homem gay tem bem mais espaço que qualquer outra letra da
sigla? Porque faz muito tempo que se é falado sobre homoafetividade...
também claro, por conta do patriarcado, por ser homem tem mais chances.
Então quando se é muito falado, muito se é acostumado. Aquela novela que
teve o Ivan23, foi um divisor de águas, soube de muitas pessoas que se
assumiram por causa dele e de pessoas que conseguiram compreender melhor
as pessoas trans por causa dele… claro, com as problemáticas da novela,
sim.... Então falar sobre o tema ajuda bastante, sabe que quando eu me
assumi pro meu vô e minha vó, para eles entenderem o que é uma pessoa
trans, eu falei é igual ao Ivan, aí eles me falaram, agora eu entendi. Cada vez
que você for conversar mais, as pessoas vão entender que é normal que sejam
pessoas, que existem e que precisam ser inseridas na sociedade e também no
mercado de trabalho, acredito que seja mais ou menos por esse viés
(MARCOS, 2021).
Butler (2019, p. 44), faz uma importante reflexão sobre o reconhecimento do humano
e da vida humana, segundo a autora, “somos lançados em dilemas cruéis e curiosos: um
humano não reconhecido como humano não é humano, sendo assim, não devemos nos referir
a ele como se o fosse”. Ainda sobre o respeito como uma medida que iria contribuir para a
inserção dessa população no mundo do trabalho, Marta finaliza, demarcando que “quando
houver a oportunidade… não é nem a questão da empregabilidade, a questão do respeito…
quando vê uma TTs não julgue, não desdenhe, não ria...porque cada uma tem a sua história,
muitas histórias em partes podem ser iguais, mas em partes as violências não são iguais”.
Um movimento bastante importante, que possibilitaria a inserção dessa população,
destacado pela empregadora Michele, é a visibilidade, “não temos porque ficar escondendo se
temos um colaborador ou vamos contratar um colaborador trans… quando a gente enfrenta e
aceita e enfrenta com verdade, eu acho que já é 50% do caminho… não tem porquê
esconder”. Além disso, a entrevistade, complementa, “então no primeiro momento ao meu
ver, a gente aceita, a gente deixa as pessoas serem livres, respeitar e a gente não ter vergonha,
as empresas não podem ter vergonha de ter, aí você começa a deixar isso natural”. Um dos
caminhos vislumbrados pela empregadora é tornar a inserção e a permanência de pessoas
23 Personagem transexual da novela A Força do Queres exibida pela Rede Globo em 2019.
81
transexuais naturalizados, “para que a gente pare de ter tanto sofrimento, precisa ser natural,
se nunca tratar como natural nunca vai chegar à naturalidade então ao meu ver é isso”. O
mesmo é enfatizado por Marcos, quando sinaliza para a necessidade de conscientizar sobre
essa população.
A empregadora Michele, ainda marca que, “políticas públicas eu não sei até que
ponto, por exemplo, vamos incentivar as empresas a contratarem trans, será que por trás disso
não vai ser mais uma forma de exposição de preconceito?”. No entanto, as políticas
afirmativas são fundamentais, porém, precisam ser articuladas com outras ações. Hartmann
(2017, p. 20-21) afirma que “tanto o mercado de trabalho quanto o Estado acabam por
marginalizar essas pessoas por conta de preconceitos, tais como a transfobia e também por
causa da patologização de suas identidades”.
Desse modo, precisa-se visualizar, segundo os entrevistades, medidas que possibilitem
à população transexual espaços confortáveis para serem inseridos. Diante disso, marcamos
aqui a necessidade de se pensar além da inserção, também a permanência. No entanto,
segundo a empregadora Michele isso só será possível, através da “saída desse governo
ridículo o mais rápido possível, e a gente volte a olhar as pessoas como pessoas, como
titulares de direito, de usuários das escolhas, das opções, de todos os respeitos, porque se a
gente continuar assim, eu não sei o que vai ser de nós, eu não sei”.
Quando questionada sobre as empresas estarem preparadas para a inserção da
população transexual, Bianca, afirma que “a gente só vai saber se a população trans for
inserida, mas acredito que sim, a maioria está se preparando, a evolução está aí, as novas
gerações”. Erik e Marcos, proprietários da página Trans Socorro24, ponderam que foram
selecionados em um processo de “[...] Microempreendedorismo Latino e vamos desenvolver
um plano de negócios para viabilizar a Trans Socorro como um APP e aí vamos divulgar
vagas de trabalhos para pessoas trans do Brasil todo, cursos até coisas para denúncia e casa
para acolhimento”. Essa iniciativa demarca que se estruturam nos municípios ações pontuais a
essa população, no entanto, conforme apontado por todes os entrevistades, teremos um longo
caminho para que isso seja efetivado.
24 Página do Instagram idealizada pelos entrevistades Erik e Marcus, no ano de 2020. Reunindo publicações e
informações voltadas à população transexual de Chapecó e região.
82
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ziliotto, Davies, Itaqui (2021), decorre da passibilidade desses corpos por se enquadrarem no
padrão cisheteronormativo.
Além da passibilidade desses corpos, outro aspecto problematizado foi a retificação
documental, que também age como um meio de contribuir para o processo de inserção. Deste
modo, pode ser observado que durante a análise, tanto as modificações dos corpos como a
retificação documental, apresentam-se como um dos meios de grande relevância em processos
de contratação. Percebe-se que apesar de se apresentarem políticas públicas voltadas à
garantia de direitos das pessoas trans no que diz respeito à essas questões, os processos ainda
são difíceis, sendo inacessíveis para grande parte da população transexual.
Conforme relatos, foi perceptível que os entrevistades em suas trajetórias laborais,
vivenciaram situações preconceituosas e transfóbicas, além disso, algumas situações já se
apresentam quando inseridos nos ambientes laborais, o que resulta em processos de
adoecimento psíquicos e físicos. Como um horizonte apontado para a desconstrução desses
fatores estaria em oferecer capacitação às equipes de recrutamento e seleção, além da
constituição de políticas públicas que regulamentam esses processos, buscando maior inclusão
dessa população no mercado de trabalho formal.
Além das questões inerentes a retificação documental e as mudanças corporais, outro
aspecto apontado pelos entrevistades foi a escolaridade, a qual tem se mostrado como um dos
problemas mais apontados para justificativa da não inserção desta população no ambiente
laboral formal. No entanto, apresentou-se, ao longo desta análise, a escola como um meio no
qual se reafirmam as normas dos corpos e as dicotomias, isso tem como resultado à essa
população, o abandono desses espaços pelas retaliações e situações de violência que sofrem,
fator que pode ser observado nos baixos índices de escolaridade desta população. Segundo
Benevides (2021) é de grande importância fomentar as discussões sobre as diversidades em
ambientes escolares, isso segundo a pesquisadora proporciona “[...] um cenário em que as
pessoas LGBTI+ não mais sejam expulsas do ambiente escolar e possam se fortalecer dentro
do processo educacional/formativo e, consequentemente, consigam a entrada no mercado
formal de trabalho” (BENEVIDES e NOGUEIRA, 2021, p. 43).
Outro aspecto apresentado ao longo das narrativas, foram as relações familiares. As
quais segundo os entrevistades, o suporte e apoio familiar é um alicerce, e faz com que
permaneçam em espaços como a escola e vislumbra um horizonte de possibilidade. No
entanto, o que se apresenta para muitas pessoas trans é a reafirmação das normas
84
5. REFERÊNCIAS
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2020.
6. APÊNDICES
APÊNDICE A -
APÊNDICE B -
Idade:
Escolaridade:
Estado civil:
Trabalho atual:
Remuneração:
Tipo de vínculo laboral (formal, informal, contribuição INSS):
Tempo que realiza trabalho atual:
1. Como foi a inserção no mercado de trabalho? (com que idade, em que trabalho,
detalhe da experiência)
2. Que outros trabalhos já realizou além do atual? Como foram essas experiências?
3. O que representa o trabalho para vocês?
4. Você atua na profissão que deseja? Se tivesse oportunidade de escolha, em que
trabalharia?
5. Já tiveram alguma vaga de trabalho negada por ser transgênero? Como aconteceu?
6. Como é a relação com seus colegas, superiores, clientes?
7. Já vivenciou alguma violência dentro do trabalho por ser transgênero? Como isso se
deu?
8. Em sua experiência como o mercado de trabalho, como entende que Chapecó recebe a
população transgênera?
9. Quais são os desafios para promover a inserção e permanência no mercado de trabalho
local da população transgênera?
10. Que ações poderiam ser realizadas (pelas empresas, Estado e/ou movimento LGBT)
para facilitar esta inserção laboral?
11. A identidade de gênero interfere no posto ocupado? Na empresa existe o uso do nome
social? são tratados pelo nome o qual se reconhece?
103
APÊNDICE C –
Nome;
Idade;
Escolaridade;
Militante há quanto tempo;
APÊNDICE D –
Roteiro de perguntas para a entrevista com empregadores/as ou gestores/as de RHs
Nome;
Ramo da empresa;
Qual seu cargo;
Número de empregados;
Quantos homens e quantas mulheres:
7. ANEXOS
ANEXO A
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário em uma pesquisa. Após a
leitura e esclarecimento sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
rubrique todas as páginas e assine no final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e
outra é do pesquisador.
entrevistado terá total liberdade de não concordar em responder questões que se sinta constrangido,
além disso, poderá solicitar a interrupção da entrevista em qualquer momento.
Os benefícios esperados pela sua participação na pesquisa são compreender aspectos em torno
da inserção e da permanência da população transgênera no mercado de trabalho de Chapecó a partir de
suas trajetórias ocupacionais.
As informações obtidas através da produção de informações serão utilizadas para alcançar o
objetivo acima proposto, e para a composição do relatório de pesquisa, resguardando sempre sua
identidade durante todas as fases da pesquisa. Ao término da pesquisa, os resultados obtidos serão
retornados a sua pessoa mediante a uma roda de conversa na qual todos os entrevistades e outros
sujeitos envolvidos no projeto serão convidados a participar. A participação desse momento é livre e
de escolha do participante. Você poderá recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em
qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma. Caso não queira mais fazer parte da pesquisa,
favor entrar em contato com o pesquisador responsável.
É garantido indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa a sua pessoa.
Após a leitura e esclarecimento de todas as dúvidas pelo pesquisador, o TCLE deverá ser
rubricado por ambos (pesquisador e pesquisado), nas duas vias em todas as folhas e assinado em seu
término.
ANEXO B -
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário em uma pesquisa. Após a
leitura e esclarecimento sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
rubrique todas as páginas e assine no final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e
outra é do pesquisador.
Os benefícios esperados pela sua participação na pesquisa são compreender critérios que
permeiam as seleções e as contratações, de como a empresa lida com essa questão e de como a
temática é discutida dentro dos ambientes corporativos. Se existem ações que façam com o
transgênero tenha sua identidade de gênero respeitada, como uso do nome social. Além de, aspectos
que visem a sua permanência na empresa.
As informações obtidas através da produção de informações serão utilizadas para alcançar o
objetivo acima proposto, e para a composição do relatório de pesquisa, resguardando sempre sua
identidade durante todas as fases da pesquisa. Ao término da pesquisa, os resultados obtidos serão
retornados a sua pessoa mediante a uma roda de conversa na qual todos os entrevistades e outros
sujeitos envolvidos no projeto serão convidados a participar. A participação desse momento é livre e
de escolha do participante.Você poderá recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em
qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma. Caso não queira mais fazer parte da pesquisa,
favor entrar em contato com o pesquisador responsável.
É garantido indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa a sua pessoa.
Após a leitura e esclarecimento de todas as dúvidas pelo pesquisador, o TCLE deverá ser
rubricado por ambos (pesquisador e pesquisado), nas duas vias em todas as folhas e assinado em seu
término.
ANEXO C –
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário em uma pesquisa. Após a
leitura e esclarecimento sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,
rubrique todas as páginas e assine no final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e
outra é do pesquisador.
Os benefícios esperados pela sua participação na pesquisa são desenhar um panorama de como
o tema inserção e permanência laboral de transgêneros é discutido dentro do movimento, se existem
ações voltadas a essa questão, as dificuldades percebidas, etc.
As informações obtidas através da produção de informações serão utilizadas para alcançar o
objetivo acima proposto, e para a composição do relatório de pesquisa, resguardando sempre sua
identidade durante todas as fases da pesquisa. Ao término da pesquisa, os resultados obtidos serão
retornados a sua pessoa mediante a uma roda de conversa na qual todos os entrevistades e outros
participantes da pesquisa envolvidos no projeto serão convidados a participar. A participação desse
momento é livre e de escolha do participante. Você poderá recusar-se a participar ou retirar seu
consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma. Caso não queira mais fazer
parte da pesquisa, favor entrar em contato com o pesquisador responsável.
É garantido indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa a sua pessoa.
Após a leitura e esclarecimento de todas as dúvidas pelo pesquisador, o TCLE deverá ser
rubricado por ambos (pesquisador e pesquisado), nas duas vias em todas as folhas e assinado em seu
término.
ANEXO D –
Termo de consentimento para uso de imagem e/ou voz
Concordo que o material e as informações obtidas relacionadas a minha pessoa possam ser publicados
em aulas, congressos, eventos científicos, palestras ou periódicos científicos. Porém, minha pessoa não
deve ser identificada, tanto quanto possível, por nome ou qualquer outra forma.
_______________________________________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
112
ANEXO E –
Parecer Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó – CEP/Unochapecó
113
114
115