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JOÃO PESSOA/PB
2019
REGIANE DA SILVA PERAZZO
JOÃO PESSOA/PB
2019
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
UFPB/CCHLA
REGIANE DA SILVA PERAZZO
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
LUCIANA RAMALHO RIBEIRO
ORIENTADORA
__________________________________
NELSON GOMES DE SANT'ANA E SILVA JÚNIOR
PROFESSOR EXAMINADOR - UFPB
__________________________________
NAYHARA HELLENA P. ANDRADE
PROFESSOR EXAMINADOR - UFPB
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a toda a população LGBTQI+, a todos que sofrem e resistem pelo
direito de serem como se veem.
Dedico-o também à minha família, por todo esforço com o qual investiram em minha
educação. A todos os professores que já tive em meu trajeto até aqui; que este trabalho
lhes seja como uma lembrança de minha gratidão por todo conhecimento que tive a
oportunidade de aprender.
E o homem não me define
(Francisco, El Hombre)
AGRADECIMENTOS
A Deus. A meus pais, Iracy Muniz e Reginaldo Perazzo, por todo empenho e
esforço em minha educação, a minha amada irmã Regissely Perazzo, por todo amor e
ensinamento, se hoje sou uma mulher empoderada, boa parte disso é porque me inspirei
nela ao crescer. Agradeço também a minha querida tia, Eliaci Muniz, por todo suporte
que me deu nesse trajeto.
A minha querida orientadora, Profª Drª Luziana Ramalho, por aceitar meu
convite com tanta animação para orientar esse projeto, por todos os seus ensinamentos,
e por ter sido através da disciplina (Família e Relações de Gênero) que conheci a Teoria
Queer e me encantei. Gratidão pela sua paciência e afeto comigo durante todo nosso
processo de construção desta dissertação.
Aos meus amigos, que entenderam minhas ausências durante meu processo de
escrita deste trabalho, e que me apoiaram com seu afeto em meus momentos de
ansiedade e dúvidas, sou de muita sorte pelos amigos que escolhi para acompanhar-me
em minha vida.
Este trabalho é marcado pelo afeto de cada um que passou em minha vida e me
tocou.
RESUMO
The Social Movements that claims for gender and sexual freedom rights are recent, if
we consider that they got political visibility only in the second part of the 20th century.
The health demands, result of the implementation of the Brazilian Unified Health
System (As known as SUS), plus the specific demands of the LGBT community, and
the debate of gender issues, created possibilities to think about specific Public Policies
to the LGBT community. The methodology used in this work consists in a documentary
and bibliographical research. This study aimed to analyse the achievements of the
Social Movements in Public Policies related to the LGBT community; to understand the
process of health care for transsexuals in SUS (based on Queer Theory); to question
how the heteronormative and patriarchal culture influence the Public Policies specific to
the LGBT community. The results of this paper show that the Public Policies specific to
the LGBT community and the Sex Reassignment Process in the SUS, despite its
considerable progress, are still based in heteronormativity. Therefore, reflect them
through the Queer Theory can show us a higher possibility to contemplate the gender
and sexual freedom rights.
Etc Et cetera
Homo Homossexual
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 10
INTRODUÇÃO
Tendo como norte a Teoria Queer, que segundo Judith Butler consiste em uma
Nova Política de Gênero, esta busca transformar a sociedade e seus
padrões pré estabelecidos, visando assim, não enquadrar os sujeitos a caberem no que é
imposto socialmente e serem aceitos pela sociedade, mas sim em mudar a sociedade
para que reconheça e aprenda com as diferenças de cada um, assim, na perspectiva
Queer “a luta é por desconstruir as normas e as convenções culturais que nos constituem
como sujeitos ” (MISKOLCI, 2012, p.27).
A partir disto, este trabalho se propõe a traçar e analisar os avanços e conquistas
da população LGBT no que tange ao direito à saúde e liberdade de expressão, em como
se deu o processo de politização dos movimentos LGBT, e como atualmente encontra-
se este cenário, focando em um processo específico no campo da saúde de LGBT’s, o
Processo Transexualizador.1
Pensar o Processo Transexualizador a partir da Teoria Queer significa pensar e
descontruir padrões socialmente construídos e patriarcais, tais como
a heteronormatividade, que mesmo dentro das políticas voltadas a população LGBT
persiste. Significa pensar um conceito de políticas públicas e projetos que de fato
possam contemplar a todos.
Os três capítulos que serão aqui apresentados possuem como título citações do
pintor Vincent Van Gogh, compreendemos que Van Gogh em sua vida sofreu o estigma
de ser tratado como anormal, abjeto, aberração e tal rejeição social imputada a ele não
se deu por questões de gênero e sexualidade, Van Gogh, como
homem cisgênero heterossexual não sofria rejeição pela sua identidade de gênero ou
orientação sexual, entretanto, não encaixava-se nos padrões socialmente impostos do que
seria a normalidade, e em sua trajetória de vida soube a experiência dolorosa do que é não
encaixar-se no padrão de normalidade socialmente imposto, do que é sofrer o estigma de ser
o estranho, anormal, um abjeto, conceitos estes impostos aos sujeitos da Teoria Queer, que
sobretudo não limita-se a questões de gênero, portanto, as três frases do pintor aqui
escolhidas dizem acerca da temática que se pretender abordar em cada capítulo partidas da
vivência de um artista cuja história é mundialmente conhecida e marcada pela rejeição
social sofrida por este durante sua vida por ser considerado o estranho, louco, aquele cujo
2
Processo realizado através do SUS, voltado a população transgênero (Travestis e Transexuais) para
o acompanhamento médico da hormonioterapia e Cirurgia de redesignação sexual
12
desprezo e rejeição sofridas se deram apenas por não obedecer as normas socialmente
impostas.
Na primeira parte deste trabalho, intitulada de “Gostaria que me aceitassem
como sou” definiremos alguns conceitos de gênero, identidade de gênero e orientação
sexual a fim de compreender a complexidade de diversidade que existe socialmente e da
necessidade da sociedade não somente aceitar as diferenças, mas desconstruir seus
padrões a partir delas.
Para assim, na segunda parte desta pesquisa, “Não há nada mais
verdadeiramente artístico do que amar as pessoas” abordaremos a revolução que foi a
contracultura e as novas formas de se pensar e trazer como pauta a sociedade e a
militância os direitos dos sujeitos LGBT’s, com a politização dos movimentos sociais
LGBT’s, focando em como tal politização trouxe contribuições nas políticas públicas de
saúde dessa população, que começaram a surgir deste movimento através do surto da
AIDS na década de 1980, quando a população gay era responsabilizada pelo surto desta
doença. O holofote atirado aos gays durante o surto da AIDS2, deu abertura para que a
população LGBT começasse a reivindicar seu espaço dentro das políticas públicas de
saúde, e atualmente muito se avançou e continua a se avançar neste âmbito.
Assim, o Processo Transexualizador será abordado ainda nesta segunda parte do
trabalho, como resultado e conquista do movimento LGBT no campo da saúde.
Por fim, a terceira parte desta pesquisa intitulada “A normalidade é uma estrada
pavimentada: é confortável andar, mas nenhuma flor nasce nela” nos desdobraremos
sobre a Teoria Queer, sobre a ruptura necessária dos padrões sociais de normalidade,
pensando as políticas de saúde voltadas a população LGBT com enfoque no Processo
Transexualizador do SUS e nas contribuições que uma abordagem Queer, pode nos
trazer.
A Teoria Queer, norteará, devido a possibilidade de abranger mais indivíduos,
considerando suas subjetividades, e pelo seu discurso de quebra dos padrões
heteronormativos socialmente construídos. Demonstrando ela ser de grande importância
para que se possa pensar de forma mais ampla e aberta os conceitos de
2
Conforme Pelúcio e Miskolci (2009) citado por Germano e Sampaio (2014, p.291) O holofote
aos homossexuais nesse contexto, deu-se em virtude de que “dois em cada cinco infectados tinham
relações sexuais frequentes com outros homens”, assim, o surto da AIDS logo foi associado a
homossexualidade e utilizado como forma de segregar e patologizar essa população.
13
PARTE I
“I wish they would only take me as I am.”
“Gostaria que me aceitassem como sou”
(Vincent Van Gogh)
1.1 Da sexualidade
homens e sim pelas mulheres3, com o passar dos anos e mudanças de civilizações, esse
poder passou para a dominação masculina, na qual se mantem até o século atual. Ou seja,
3
Ver “Sociologia da sexualidade / Michel Bozon – Rio de Janeiro: editora FGV, 2004” para
melhor compreensão de como se deu a troca dos papeis socialmente impostos de dominação de sexo,
que por um curto período de tempo esteve sob domínio das mulheres.
15
Mas, é importante ressaltar que muitos não sentem necessidade de mudar através
de cirurgias seu sexo biológico, e que como gênero independe do sexo, em nada isso
alterará que sejam menos ou mais reconhecidos no gênero com o qual identificam-se.
Mesmo que os transexuais sejam homens e mulheres independente de seus sexos
biológicos, há uma categoria que é comumente confundida com a transexualidade. As
travestis, que são também incluídas na categoria “Transgênero” que representa o “T” da
sigla LGBTQI+, não se identificam como mulheres, entretanto assumem papéis sociais
femininos, devendo ser tratadas no feminino, pois não se identificam tampouco no
gênero masculino, configuram uma espécie de terceira categoria de gênero, a
representação de um papel feminino fora da caixa de gênero que o representa, Jesus
(2012) acerca disto expõe:
Como vimos, sexo não determina identidade de gênero, que por sua vez não
determina orientação sexual. A orientação sexual, termo atribuído ao desejo afetivo-
sexual de uma pessoa, que, por sua vez, pode ser definida de cinco formas distintas,
assexual, bissexual, homossexual, heterossexual e pansexual.
Os assexuais correspondem aos indivíduos que não sentem atração sexual, mas
podem por vezes apresentar atração afetiva por um dos gêneros, ou demais. Bissexuais
sentem atração afetivo-sexual por pessoas de ambos os gêneros. Homossexuais sentem
atração afetivo-sexual por pessoas pertencentes ao mesmo gênero com o qual eles se
identificam. Heterossexuais são aqueles que sentem atração afetivo-sexual por indivíduos
cuja identidade de gênero (feminina ou masculina) é divergente da dele (cf JESUS, 2012). E
pansexuais, por sua vez, são indivíduos que sentem atração afetivo-sexual independente do
sexo, identidade de gênero, ou do binarismo ou não de gênero do outro.
Todos esses conceitos foram estabelecidos ao longo dos anos para categorizar e
compreender as particularidades e diferenças que possuímos socialmente no que tange
identidade de gênero e orientação sexual.
O leitor deste trabalho, muito provavelmente já deve ter se deparado com uma
sigla muito usada comumente há uma década, “GLS” (Gays, Lésbicas e Simpatizantes)
que atualmente compreende-se como LGBTQI+. A sigla GLS,
18
1.2 Da “anormalidade”
Discutir a anormalidade, é discutir a relação de poder que a determina. O normal
e o anormal são sujeitos historicamente construídos de acordo com o contexto social
hegemônico no qual estão inseridos. A classe social que definiu o que seria a verdade e
a normalidade a serem impostas, o definiu não por dominar a verdade, pois a verdade é
uma construção social. Assim aqueles que ditaram as práticas e comportamentos que
deveriam ser considerados normais ou não, o fizeram, pois, possuíam poder
(hegemonia) para tal ação. E é assim que se estabelece a relação entre a verdade, o
poder e a anormalidade (FOUCAULT, 2002).
19
natureza dele, considerava-se que sua anomalia poderia ser corrigida. Via-se nessa
época e perspectiva a anormalidade como algo que poderia e deveria ser reparado, para
readequar o sujeito ao padrão social que fora estabelecido como normal e correto.
Mas se esse indivíduo a ser corrigido, apresentava seu desvio, significava,
portanto, que a família e a educação que lhe foram dadas “falharam” com ele, no
sentido de, portanto, ele ter se tornado um ser desviante, não ajustado, precisando ser
corrigido. Mas corrigido por quem? Os que deveriam corrigi-los não foram os
responsáveis por ele não ter crescido na normalidade? “O que define o indivíduo a ser
corrigido, portanto, é que ele é incorrigível” (FOUCAULT, 2001, p.72).
Já a terceira figura, que aparece por volta do século XVIII, é denominada a
Criança Masturbadora. Nesta figura “seu contexto de referência não é mais a natureza e
a sociedade como [no caso de] o monstro, não é mais a família e seu entorno como [no
caso de] o indivíduo a ser corrigido. É um espaço muito mais estreito. É o quarto, a
cama, o corpo...” (FOUCAULT, 2001, p. 74).
A figura da criança masturbadora como uma figura representativa da
anormalidade põe a anomalia em uma outra esfera, não apenas do âmbito natural do
indivíduo, ou causada pela falta de correção da família, ela está no campo sexual. A
sexualidade torna-se assim objeto para se pensar o estranho, o anômalo, atribuindo as
causas de sua anormalidade a práticas de masturbação.
Portanto, a partir da compreensão dessas três figuras que definiam a
anormalidade desde meados dos séculos XVIII, podemos avaliar que “o anormal do
século XIX é um descendente desses três indivíduos, que são o monstro, o incorrigível e
o masturbador.” (FOUCAULT, 2001, p. 75).
No século atual (XXI), a figura do indivíduo considerado anormal ainda é
estigmatizada e pensada a partir das figuras que definiram a anormalidade no século
XVIII. O monstro humano ainda é uma justificativa recorrente do âmbito judiciário,
para punir os corpos de sujeitos à margem da sociedade, que pela transgressão da lei (lei
imposta pela hegemonia) são desumanizados e sujeitados a condições degradantes e
humilhantes dentro do sistema penitenciário, e quando fora dele, ainda vistos como
sujeitos desviantes, anormais.
A partir desta perspectiva do desvio, pensar o indivíduo a ser corrigido nos torna
claro que, é esta uma outra figura que não foi superada. O monstro humano, o indivíduo
a ser corrigido, não dizem apenas a respeito da perspectiva do desvio da lei, mas, em
geral, do desvio dos padrões de normalidade socialmente impostos. Estes sujeitos, na
21
PARTE II
“I think that there is nothing more trully
artistic than to love people”
“Penso que não há nada mais
verdadeiramente artístico que amar as
pessoas”
(Vincent Van Gogh)
2.1 A contracultura
Em uma sociedade classista, patriarcal e heteronormativa, desconstruir padrões
nunca foi uma tarefa fácil, reivindicar a própria liberdade e a liberdade de outros desafia
as estruturas sociais, desconstruindo ideologias e pensamentos acríticos, como forma
mais eficaz de romper com os padrões hegemônicos socialmente impostos.
As revoluções e os movimentos sociais que surgiram ao longo da história, foram
marcados por reivindicações que eram contrárias à classe dominante,
predominantemente, reivindicações que buscavam mudar o constructo social baseadas
em questões econômicas, na luta de classes. Reivindicavam mudanças que envolviam a
sociedade e o sistema capitalista como um todo, visto que, os primeiros movimentos
sociais surgiram como resultado das consequências e pauperização trazidas pela
produção capitalista. O foco das primeiras revoluções e movimentos sociais eram por
condições básicas de sobrevivência.
Em virtude disso, o movimento da Contracultura fará parte do que se denomina
de novos movimentos sociais, classificados assim os movimentos que começaram a
surgir a partir da segunda metade do século XX, de acordo com Guimarães (2012),
foram nesses novos movimentos sociais que surgiu a contracultura, “o Movimento pelos
Direitos Civis, luta pela expansão dos direitos para as minorias, foi o ponto de encontro
de todos os seguimentos culturais, reivindicatórios, que acabou culminando na
contracultura tal como a conhecemos” (GUIMARÃES, 2012, p.06).
A contracultura reivindicava questões que não estavam pautadas a condições de
trabalho, ou a desigualdade econômica. Os movimentos que nessa metade do século XX
nasciam reivindicavam pautas latentes na sociedade, que mesmo considerando a
importância e a urgência dos movimentos sociais dos trabalhadores, não podemos crer
que a sociedade se resumia apenas a problemas socioeconômicos.
23
Os três principais “novos” movimentos sociais foram o
movimento pelos direitos civis da população negra do
Sul dos estados Unidos, o movimento feminista da
chamada segunda onda e o então chamado movimento
homossexual. Eles são chamados de novos movimentos
sociais porque teriam surgido depois do conhecido
movimento operário ou trabalhador, e porque trouxeram
ao espaço público demandas que iam além da de
redistribuição econômica” (MISKOLCI, 2012, p.21)
Roszak no início de sua obra, A contracultura (1972) explanará como o movimento
da contracultura, partiu do plano econômico, e passou a reivindicar no campo da liberdade
de expressão e a rejeição a cultura e os padrões socialmente impostos, a fim de estabelecer
4
Podemos definir a tecnocracia como uma sociedade que se apoia no conhecimento técnico como
forma de obter respostas que não devem ser questionadas se vindas do conhecimento técnico e
da ciência. (ROSZAK, 1972, p.21)
24
A juventude da segunda metade do século XX, nascidos em um contexto social
diferente de seus pais, tendo a oportunidade de usufruir de alguns dos frutos que as
manifestações dos trabalhadores, que seus pais possivelmente participaram, trouxeram para
a sociedade, com condições menos desumanas de trabalho, e mais oportunidades de estudo,
sendo mais comum o ingresso de jovens (em sua maioria de classes socialmente
favorecidas) no ensino superior e não imediatamente nas indústrias, embora o ensino
superior ainda fosse em sua maioria elitista, estava (e ainda está) desenvolvendo-se e
conseguindo chegar em camadas da sociedade que antes não tinha acesso. Esta juventude é
quem dá origem ao que denominamos de contracultura, definida por Guimarães como:
um conceito, uma categoria específica, utilizada para
designar uma série de práticas e movimentos culturais
juvenis nas décadas de 1950 e principalmente 1960 nos
Estados Unidos e que foi paralelamente adotada em outros
lugares do mundo. A contracultura é fruto de uma
sociedade opressora, sendo praticada, reivindicada por
jovens que fugiram da padronização da cultura social do
ocidente após a segunda guerra mundial
(GUIMARÃES, 2012, p.03).
Estes jovens, que ao se negarem a permanecer seguindo os padrões opressores
impostos ousaram mostrar à sociedade que não seguiriam aquilo que estava imposto e
deveria ser obedecido apenas pela lógica da obediência para manter-se aceito socialmente,
foram vistos como uma juventude rebelde, em um sentido negativo, que colocava o
movimento como um movimento rebelde, como se não houvesse um motivo relevante a
desobediência social dessa geração. Mas a rebeldia expressa por esses jovens, em desafiar
os padrões impostos, nos traz um caráter positivo a expressão “rebelde”, nesse trabalho, nos
propomos a pensar essa rebeldia como um sinônimo a palavra coragem. Pois estes
“rebeldes” e “desviantes” eram aqueles que negavam se encaixar nos padrões nos modelos
de normalidade de vida e sexualidade impostos socialmente.
O movimento da contracultura não trouxe apenas contribuições para o debate da
quebra de padrões, era um movimento cultural, trazendo através da arte e da expressão
questionamentos da forma que se obedecia e pensava a sociedade. A sua forma de
25
Intencionava-se fazer assim o nascer de uma sociedade, na qual a liberdade e a
diferença fossem encaradas de uma forma mais receptiva, bem como, uma sociedade na
qual as demandas capitalistas não dominassem a vida dos indivíduos, que a lógica
capitalista (alienante e cruel) não fosse a base da sociedade, conforme Roszak (1972,
p.61):
O que torna a rebelião da juventude em nossa época um
fenômeno cultural, e não um mero movimento político,
é o fato de passar por cima da ideologia, procurando
atingir o nível da consciência, buscando transformar o
nosso sentido mais profundo do ego, do próximo, do
ambiente.
Enquanto na década de 1960 nos Estados Unidos se desenvolvia todo esse
movimento da contracultura, o contexto histórico político no Brasil era completamente
diferente, e bem menos receptivo a revoluções e movimentos sociais. Instaurava-se no
Brasil, em 1964 o golpe da ditadura civil militar, conforme Guimarães (2012), o cenário
não permitia aos jovens terem a liberdade de expressar-se e menos ainda, questionar a
ordem vigente, os artistas, alguns influenciados pela onda da contracultura, mesmo
utilizando suas formas mais sutis, (como canções que apoiavam a liberdade e repudiava
a opressão, de forma discreta em suas letras) tiveram de deixar o país, e pedir exílio,
pois qualquer ato de desobediência aos padrões impostos, eram sujeitos a retaliações
severas, aprisionamento, tortura e morte.
Acerca deste momento histórico e influência a possível intenção de um
movimento de ruptura com os padrões sociais no Brasil, aponta Guimarães (2012, p. 08-
09):
26
ato político, mas também como uma expressão da arte e da consciência da natureza dos
indivíduos.
A Contracultura associada ao movimento homossexual reforça a luta e
reivindicações destes, pois como um dos novos movimentos sociais, pautados a
questões que vão além do socioeconômico, atentando ao lado mais subjetivo dos
indivíduos, a compreensão do amor fora dos padrões heteronormativos impostos, o
movimento homossexual adentra a contracultura. Ambos lutam do mesmo lado, contra
o mesmo sistema opressor.
A contribuição da contracultura dá-se não somente ao Movimento Homossexual
da época, mas contribui posteriormente no surgimento de novos movimentos, como
segundo aponta Miskolci (2012) a Teoria Queer e seu nascimento por volta da década de
1980 está de forma muito provável relacionado a contracultura, já que esta teoria surge
“como um impulso crítico em relação à ordem sexual contemporânea, possivelmente
associado à contracultura e às demandas daqueles que, na década de 1960, eram
chamados de novos movimentos sociais” (MISKOLCI, 2012, p.21)
A contracultura, nascida nos Estados Unidos, espalhou-se por demais países, a
fim de contestar a ordem vigente e a opressão social, questionando normas impostas e a
maneira como a sociedade se comportava e lidava com demandas que fossem diferentes,
este movimento e suas vertentes em demais países, tais como o movimento de
Tropicália no Brasil, veio a contribuir de maneira significante na força de outros
movimentos sociais, movimentos por direitos civis, referentes a sexualidade e questões
de gênero.
Foi a partir disto, que a ideia da promiscuidade homossexual teve maior força, e a
sociedade através do surto da aids encontrou uma nova maneira de excluir essa população e
delegá-los a condições de abjetos novamente. Não mais vistos como doentes psíquicos, os
homossexuais passaram a ser vistos como difusores do vírus do HIV, novamente
patologizados, (não que por um momento tivessem deixado de ser, mas neste momento a
retomada dava-se de maneira mais forte) marginalizados pela sociedade. Assim, “a
epidemia de HIV/AIDS teve o efeito de repatologizar a homossexualidade em
30
seus novos termos contribuindo para que certas identidades, vistas como perigo para a
saúde pública, passassem por um processo de politização controlada” (MISKOLCI,
2009 apud SAMPAIO e GERMANO, 2014, p.291).
Neste sentido, compreendemos que a reação do Estado ao surto da Aids
direcionou-se a culpabilização da homossexualidade, atuando no sentido de adequar os
indivíduos aos padrões heteronormativos, Prelúcio (2007) citado por Sampaio e
Germano (2014, p.292) define que essa inserção da população LGBT nas pautas
políticas e sociais foram utilizadas pelo Estado como forma de adequar o indivíduo:
A Teoria Queer nos possibilita pensar a sociedade fora da caixa de gêneros, ou seja,
conceber uma sociedade, que não segregue nenhum indivíduo. Portanto, no próximo
capítulo compreenderemos em que consiste a Teoria Queer a partir de Miskolci (2012), para
que possamos retomar ao debate das políticas públicas LGBT, voltando nosso olhar ao
Processos Transexualizador como propomos no objetivo desta pesquisa.
33
PARTE III
“Normality is a paved road: It’s comfortable to
walk, but no flowers grow on it.”
“A normalidade é uma estrada pavimentada: é
confortável andar, mas nenhuma flor nasce
nela”
(Vincent van Gogh)
dos trabalhadores, de acordo com Miskolci (2012, p.22) esses novos movimentos
sociais confrontavam os padrões morais, e algumas de suas pautas entrava no campo da
sexualidade, tais como “a luta feminista pela contracepção sob controle das próprias
mulheres, dos negros contra os saberes e práticas radicalizadores e dos homossexuais
contra o aparato médico legal que os classificava como perigo social e psiquiátrico”.
Assim, o terreno era propício as discussões que visavam romper com os padrões
morais, e a Teoria Queer junto com esses movimentos nasce para se contrapor aos padrões
socialmente impostos, que restringiam a liberdade sexual e subjetiva dos indivíduos.
Não somente por estar situada no contexto histórico das discussões dos novos
movimentos sociais, a Teoria Queer, que surge nos Estados Unidos na década de 1980,
é resultado do estigma que o surto da AIDS trouxe a população LGBT, a aos demais
indivíduos não contemplados pela sigla LGBT, que transgrediam o padrão da
heteronormatividade. Considerados anormais por desviarem do padrão heterossexual, e
abjetos pela culpa que lhes foi inteiramente imputada quanto a transmissão do vírus do
HIV, o termo adotado por esse movimento “Queer” se configura no sentido pejorativo e
vulgar da palavra, é para que soe como um xingamento, pois era assim que eles eram
tratados, e foi assim que se autodenominaram para se contrapor a sociedade
normalizadora que os estigmatizava e excluía. Se eram considerados abjetos ou
anormais para a sociedade, assim o preferiam ser ao ter que se sujeitar aos padrões
impostos socialmente para que pudessem ser aceitos (MISKOLCI, 2012).
5 1
MISKOLCI, 2007, p.15
37
O SUS como sistema universal que se propõe a ser, passa através da inclusão da
Política Nacional de Saúde LGBT a atender a essa população e as suas demandas, a fim
de assim incluir em suas políticas o atendimento a necessidades específicas de alguns
grupos sociais, porém, lembremos que trabalhar com políticas para LGBT ainda deixa
de fora alguns grupos não incluídos na sigla.
A portaria 2.836 de 1 de dezembro de 2011, responsável por inserir a Política
Nacional de Saúde LGBT, tem como um de seus objetivos específicos em seu Art. 2º,
Inciso 4 a garantia do acesso ao Processo Transexualizador pelo SUS.
O Processo Transexualizador, por sua vez, foi implementado através de duas
portarias, a Portaria nº 457/SAS/MS de 19 de agosto de 2008 que regulamenta o
processo Transexualizador, e a de nº 1.707/GM/MS de 18 de agosto de 2008 segundo
esta “Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo
Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências
das três esferas de gestão”, e que posteriormente foi revogada pela portaria que vigora
atualmente, de nº 2.803 de 19 de novembro de 2013.
As Portarias aqui referidas guiam as diretrizes para a execução do Processo
Transexualizador, e os hospitais habilitados para as cirurgias de resignação de sexo, o
Processo Transexualizador inclui a hormonioterapia realizadas pelos ambulatórios e o
acompanhamento previsto nas portarias que antecede as cirurgias de resignação, no
Brasil apenas 4 hospitais estão habilitados para as cirurgias, e os ambulatórios que se
encontram nas capitais e ou cidades onde não possuem hospitais habilitados atuam
somente com o acompanhamento hormonal dos usuários.
A função do processo Transexualizador é a de acompanhar e realizar os
procedimentos dos usuários pelo SUS, garantindo seus direitos a saúde pública e
universal. Nos propomos nesta pesquisa a analisar como este processo funciona, e está
regulamentado, pensando-o através da Teoria Queer, a fim de contribuir para um debate
que vise melhorias no campo das políticas públicas LGBT, pensando em políticas
públicas Queer.
A partir da análise da Portaria 2.803 de 19 de novembro de 2013, a mais recente
que define as diretrizes do processo Transexualizador, traçamos alguns apontamentos
pensados à luz da Teoria Queer, acerca dos quais nos desdobraremos nos parágrafos
seguintes.
É importante ressaltar que esta Portaria é uma grande conquista para a população
LGBTQI+ estabelecendo as diretrizes para a execução do Processo Transexualizador no
38
SUS, desde 2013 ele está regulamentado através dela, consideramos que a mesma é uma
grande conquista, mas, ainda assim, uma conquista insegura, pois como Portaria ela
pode ser revogada a qualquer momento e contexto político, esperamos que seja
revogada posteriormente apenas para acrescentar contribuições ao Processo
Transexualizador no que tange a garantia de direitos.
No Art. 14 da referida Portaria, estão estabelecidas tabelas nas quais constam
todos os dez procedimentos médicos que o processo Transexualizador está habilitado a
realizar, bem como as suas condições. Os procedimentos são respectivamente:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sociedade, não para que tolere o diferente, mas para que o compreenda, e mais que isso
questione a “normalidade”, pois ela não existe, afirmando a diferença e diversidade de
gênero e sexual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
GUIMARÃES, Felipe Flávio Fonseca. Traços da Contracultura na cultura brasileira da
década de 1960: Um estudo comparado entre movimentos contraculturais nos Estados
Unidos e no Brasil. Mariana – Mg. XVIII Encontro regional (ANPUH-MG), 2012.