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CENTRO UNIVERSITÁRIO – UNIFG

DIREITO

THAMIRES VITÓRIA DA SILVA

A INFLUÊNCIA DO RACISMO ESTRUTURAL EM DECISÕES PENAIS


PROFERIDAS CONTEMPORANEAMENTE

GUANAMBI – BA
2021
THAMIRES VITÓRIA DA SILVA

A INFLUÊNCIA DO RACISMO ESTRUTURAL EM DECISÕES PENAIS


PROFERIDAS CONTEMPORANEAMENTE

Artigo científico apresentado ao curso de Direito


do Centro Universitário – UniFG, como requisito
de avaliação da disciplina de Trabalho de
Conclusão de Curso II.

Orientador: Marcus Bernardes de Oliveira


Silveira.

GUANAMBI – BA
2021
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que me auxiliaram, direta ou indiretamente, ao longo dessa trajetória,


principalmente:

A Deus, pela minha vida, e por ter sido o meu sustento todos esses anos de estudo.

A minha mãe e a minha irmã, que foram o meu alicerce, estando ao meu lado em todos os
momentos.

Aos meus familiares, em especial, a Kelly e Marilza, por todo o apoio emocional que me
deram.

Aos meus amigos e amigas que me incentivaram no decorrer dessa jornada, especialmente,
as minhas amigas Kátia e Márcia que foram as maiores incentivadoras do início desse sonho.

Ao meu pai, in memoriam.

Ao meu orientador Profº Marcus Bernardes, pela paciência e dedicação em ajudar-me a


desenvolver este trabalho.
“... Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal
de nascença, o estigma de um crime.

Mas nossos críticos se esquecem que essa cor, é a


origem da riqueza de milhares de ladrões que nos
insultam; que essa cor convencional da escravidão tão
semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura,
vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.

Luiz Gama
SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................5

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................6

2. MATERIAL E METÓDOS ...............................................................................7

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................9

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................21

REFERÊNCIAS ................................................................................................23
5

A INFLUÊNCIA DO RACISMO ESTRUTURAL EM DECISÕES PENAIS


PROFERIDAS CONTEMPORANEAMENTE.

Thamires Vitória da Silva¹, Marcus Bernardes de Oliveira Silveira²

¹Graduanda do curso de Direito. Centro Universitário FG – UNIFG.


²Docente do curso de Direito do Centro Universitário FG – UNIFG.

RESUMO: O racismo estrutural é resultante do próprio arcabouço social da sociedade, e


remonta a um passado histórico de longa escravização, sendo um fator crucial para que haja
influência nas decisões proferidas na esfera penal. O presente estudo tem como objetivo
analisar a influência do racismo em decisões penais proferidas contemporaneamente, bem
como sua persistência nos dias atuais. Para o desenvolvimento desta pesquisa utilizou-se de
material bibliográfico e documental, sendo a mesma de natureza teórica e qualitativa. Por
meio da análise, foi possível observar que devido ao racismo estrutural ser algo já inerente a
sociedade, isso interfere para que haja a persistência de demasiada influência dessa
modalidade de racismo nas decisões penais, além de não haver a conscientização de que o
racismo não é algo natural e sim uma patologia que deve ser tratada e evitada.

Palavras-chave: Decisões penais. Escravidão. Racismo estrutural.

ABSTRACT: Structural racism is a result of society's own social framework, and dates back
to a long history of enslavement, being a crucial factor for the influence of decisions made in
the criminal sphere. The present study aims to analyze the influence of racism in criminal
decisions issued contemporaneously, as well as its persistence today. For the development of
this research, bibliographic and documental material was used, being the same of theoretical
and qualitative nature. Through the analysis, it was possible to observe that because structural
racism is something already inherent in society, this interferes with the persistence of too
much influence of this type of racism in criminal decisions, in addition to the lack of
awareness that racism is not something natural but a pathology that must be treated and
avoided.

KEY WORDS: Criminal decisions. Slavery. Structural racismo.


1

Endereço para correspondência: Rua Treze de Maio, nº 242, Bairro: Centro - Guanambi, Bahia. CEP: 46430-
000
Endereço eletrônico: thamiresvitoriaunifg@gmail.com
6

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como propósito discorrer acerca da influência do racismo


estrutural em decisões penais proferidas contemporaneamente. O racismo funciona como
componente orgânico da sociedade e fortemente presente nela, onde transcende o âmbito
individual e perpassa por diversas relações pessoais e institucionais, de modo que se torna
inerente à ordem social (ALMEIDA, 2018).
O racismo estrutural, seguindo as orientações da obra de Almeida, resulta da própria
estrutura social da sociedade e da forma como se dá e como se desenvolve as relações sociais,
políticas e econômicas, relações estas que não enxergam o racismo como sendo uma patologia
social, nem como algo que afeta a sociedade, isto é, o racismo é tratado de maneira comum,
funcionando como uma regra e não como uma exceção. O racismo estrutural é enraizado
pelos indivíduos em suas relações sociais que o tem como algo totalmente natural e
tradicional, e que se estruturou político-econômico e jurídico ao longo da construção histórica
e social da sociedade (ALMEIDA, 2018).
A concepção de racismo estrutural refere-se a um processo histórico, no qual esteve
presente na formação da sociedade brasileira, sustentando processos econômicos e de
organização social por meio de um longo período de escravização. Refere-se também a um
processo político, uma vez que influencia a organização da sociedade e a distribuição do
poder de forma desigual (RIBEIRO; FERREIRA; JÚNIOR, 2019).
Mesmo com o fim da escravidão propriamente dito, que segundo a historiadora e
antropóloga brasileira Lilia Schwarcz (2001), a origem desse racismo na sociedade brasileira
remonta a época escravagista, a problemática racista tem se agravado cada vez mais, e como
será retratado neste trabalho está fortemente inserido no judiciário brasileiro, fazendo total
interferência nas decisões de âmbito penal.
Ainda há a percepção de diversas regras e de condutas racistas impostas, que são
vinculadas a ordem social, e que de certa forma influenciam a ordem jurídica, fazendo com
que ocorram gradualmente decisões penais de crivo racista (ALMEIDA, 2018). No tocante a
isso, é imperioso também ressaltar a presença de diversos juristas, magistrados, promotores
etc., que exprimem sua conduta racista, pois muitos quando proferem suas decisões, nem se
quer dão a importância devida ao processo/denúncia, tampouco aos fatos ditos pelas vítimas,
explanando assim seu total desleixo quanto ao racismo presente no determinado caso
(MATOS, 2016). Dito isso, torna-se intolerável à banalização do racismo sob o prisma da
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tomada de decisões.
À visto disso, buscou traçar os principais fundamentos constitucionais e
infraconstitucionais que asseguram a defesa do negro dentro da sociedade, bem como sua
importância para que todos os direitos e garantias sejam resguardados perante a prolação das
decisões penais, tendo isso como uma maneira de punir a pessoa racista, e ainda como uma
forma de afastar a associação do estereótipo negro à pessoa que sempre está tendente a ser
considerada criminosa. Por conseguinte, foi feito o estudo do racismo estrutural que teve
como base sólida a época colonial, onde foi intenso o processo de escravização, e de
colocação do negro como pessoa inferior, indigna e insignificante se comparado aos brancos.
Assim foram analisados casos reais, ocorridos nos anos de 2016 e de 2020, onde a decisão
proferida se pautou unicamente na influência do racismo. Por fim, foi dilucidado na presente
pesquisa os meios de combate a esse racismo que tanto se mostra arraigado em nossa
sociedade.

2. MATERIAL E METÓDOS

O método de pesquisa do presente trabalho consiste em uma abordagem com a


utilização de material bibliográfico e documental, pois o presente trabalho tem como base
uma fundamentação e embasamento apoiado tanto em material já elaborado, principalmente
em livros, artigos científicos, teses de mestrado e de doutorado, como materiais primários, que
ainda não receberam tratamento analítico, a saber: as revistas, os jornais e os relatórios dos
processos judiciais. Trata-se de natureza teórica, uma vez que se dedica a fazer uma
reconstrução das ideias, dos conceitos, das nuances jurídicas que abarcam o tema, da
problemática envolvida, tendo em vista a aprimoração dos fundamentos teóricos (DEMO,
2000), fazendo assim uma discursão e embasamento do tema.
Cumpre destacar que o desenvolvimento majoritário desta pesquisa, pautou-se em
fontes constituídas por material já elaborado, como os livros e artigos científicos, teses de
mestrado e de doutorado, que foram definidos considerando a relevância destes para realizar a
abordagem do tema tratado na pesquisa, vez que abordavam profundamente a problemática
analisada neste artigo. Foram usados materiais atuais e mais antigos para fazer a
contextualização histórica, cultural, social e econômica dos negros, em determinados
momentos da história. Em segundo plano, foram utilizados as revistas, jornais e os relatórios
8

dos processos judiciais, que serviram de orientação e de alicerce para a pesquisa no tocante a
análise direta dos casos reais.
Primeiramente, foi apresentado o contexto histórico da escravidão desde a época do
colonialismo até os dias atuais, sendo permitido verificar os resquícios de um tempo tracejado
na segregação e discriminação dos negros, que fez com que o racismo se estruturasse na
sociedade contemporânea. Em segundo plano, foram apontados os direitos e garantias
fundamentais previstos tanto na Constituição Federal de 1988, como nas de mais legislações
infraconstitucionais, elencando a importância da garantia dos direitos das pessoas negras, bem
como de assegurar a igualdade a essas pessoas, para que assim, haja a existência de uma
segurança jurídica e social em casos de práticas racistas.
Por conseguinte, a pesquisa apresenta um problema que afeta o judiciário brasileiro há
anos, porém com enfoque em duas decisões proferidas nos anos de 2016 e de 2020. Desse
modo, a pesquisa foi elaborada com base nos casos mais polêmicos, ou seja, em que houve
maiores repercussões nos meios de propagação de notícias no Brasil. Dessa forma, foi
analisado o caso da juíza de direito da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da
Região Metropolitana de Curitiba (PR), Inês Marchalek Zarpelon, que proferiu uma sentença,
em 19 de junho de 2020, nos autos do processo nº 0017441-07.2018.8.16.0013, na qual
afirmava que o suspeito de cometer determinado delito, praticava-os por ser negro. Há
também o emblemático caso da juíza Lissandra Reis Ceccon, da 5ª Vara Criminal de
Campinas, que proferiu uma decisão, em julho de 2016, no processo nº 0009887-
06.2013.8.26.0114, na qual alegou que o réu suspeito de latrocínio não teria os estereótipos de
um ladrão, já que é branco com cabelo, pele e olhos claros.
Logo, apresenta uma pesquisa explicativa, considerando, principalmente, a
preocupação em analisar e identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a
ocorrência da problemática abordada no trabalho. Segundo o pensamento de Gil, esse tipo de
pesquisa é a que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o
porquê das coisas (GIL 2002).
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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 CONTEXTO HISTÓRICO

Os negros se fizeram presente desde o início da formação social do Brasil, tendo papel
fundamental na colonização e povoamento do país, tanto pelos próprios negros como por seus
descendentes, por isso faz-se relevante estudar o contexto histórico da escravidão como forma
de entendimento do enraizamento de um racismo que se moldou desde os séculos passados.
O início da escravidão brasileira decorre de uma longa história que se perpetuou a
partir da saga da escravidão africana. O continente africano se tornou o foco dos europeus,
sendo reduzido a um reservatório de mão de obra, onde os europeus com o objetivo de
escravizar os africanos passaram a trazê-los para o Brasil, nos porões dos seus navios. Os
portugueses, principais povos a querer colonizar o Brasil, formando-o como um país, passou a
utilizar os cativos como base para a realização deste propósito, o tráfico negreiro se tornou
indispensável, funcionando como uma atividade de primeiro plano (ALBUQUERQUE E
FILHO, 2006).
Nessa perspectiva, Selma Ribeiro de Farias, seguindo as orientações de Bento et. al
(2016) e de Schwarcz, & Starling (2015), destaca:

a vertente histórica acerca do negro no Brasil tem seu início com o advento do tráfico
negreiro no período da escravidão, período colonial, em consequência de os
portugueses trazerem os negros para serem escravizados no país, esse período
perdurou por um longo tempo. Schwarcz, & Starling (2015), lembram que a
escravidão no Brasil ocorreu entre os séculos XVI e XIX e se sustentava basicamente
pela exploração da força de trabalho de homens e mulheres negros, que chegavam ao
Brasil, pelo tráfico negreiro via oceano atlântico. (FARIAS, 2019, p. 04)

Assim, os negros trazidos do continente africano eram tidos como as forças


promotoras para que fosse possível construir uma estrutura produtiva que desse ensejo mais
rápido a colonização e ao desenvolvimento das terras brasileiras, bem como também ao
desenvolvimento da economia (COSTA, 2008).
O processo de chegada dos negros africanos no território brasileiro era cruel e
homicida, pois os negros cativos eram mantidos nos porões dos navios em condições
insalubres, indignas e sub-humanas. Além disso, eram acumulados muitos cativos juntos, o
que causava diversas epidemias. Logo quando chegavam ao porto, eram distribuídos nas
diversas cidades brasileiras, como por exemplo, em Salvador, Rio de Janeiro, dentre outras,
para que fossem realocados ao trabalho, eram também submetidos além dos maus-tratos, a
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miseráveis condições de vida, sendo altíssimo o índice de mortalidade e baixíssima a


expectativa de vida. Frente a isso, havia a alta demanda por escravos, intensificando ainda
mais o tráfico negreiro (ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).
Importante ressaltar, que o Brasil se destacou como uma potência que mais recebeu,
de maneira compulsória, os africanos escravizados, o país estava, dessa maneira, fortemente
ligado ao continente africano por meio do tráfico negreiro. Estima-se que cerca de 4,8 milhões
de africanos tenham desembarcado no Brasil (SCHWARCZ E GOMES, 2018).
Em meados de 1807, o tráfico negreiro vinha sofrendo forte pressão, por parte do
movimento abolicionista, para que houvesse o seu fim, a partir de então o parlamento inglês
ordenou que houvesse o fim do tráfico nas colônias da América. No ano de 1826, o governo
inglês fez a exigência ao Brasil que se comprometesse em acabar com o tráfico negreiro em,
aproximadamente, três anos, e em troca disso seria concedido ao Brasil o reconhecimento de
sua independência. Desse modo, no ano de 1831, o parlamento brasileiro realizou a aprovação
de uma lei que proíba a importação de africanos (ALBUQUERQUE E FILHO, 2006). Vale
frisar, que apesar da aprovação da lei de 1831, a comercialização de escravos no território
brasileiro perdurou, passando a ser realizado assim, o tráfico ilegal de africanos. Com isso, foi
aprovada outra lei em 1845, pelo parlamento britânico, que autorizava o aprisionamento ou
afundamento dos navios que fossem pegos transportando escravos, contudo, o tráfico ainda
persistiu. Por fim, houve ainda a promulgação, em 1850, da lei Eusébio de Queirós, que
proibiu de maneira definitiva o tráfico negreiro, prevendo assim, medidas mais severas a
quem o praticasse (ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).

3.2 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Com a promulgação da Lei Eusébio de Queirós, ocorreu à intensificação para que


houvesse a abolição da escravidão no Brasil, no entanto, a elite questionava fortemente e se
mostrava contraria a abolição do trabalho escravo, uma vez que dependia excessivamente dos
escravos para trabalharem a seu favor, seja no campo ou na cidade. Os escravos e escravas, já
cientes que poderiam ocorrer à extinção da escravidão, passaram a ter atitudes rebeldes, com
o fito de influenciar ainda mais na desmoralização da escravidão, assim passaram também a
aumentar o sentimento antiescravista. Diante disso, no final dos anos 1860, passou-se a
aumentar ainda mais no Brasil, as fugas, crimes e revoltas escravas, o que fez com que
aumentasse a discussão entre deputados e senadores a respeito da emancipação dos escravos
11

(ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).


À vista disso, afirma-se já haver grande pressão tanto por parte dos escravos, quanto
por parte dos abolicionistas, para que houvesse de maneira definitiva o fim da escravidão.
Assim sendo, foi que em 13 de maio de 1888, uma nova lei imperial foi promulgada, chamada
de Lei Aurea, esta por sua vez, pôs fim a escravidão, que por mais de três séculos marcou
profundamente a cultura brasileira (SCHWARCZ E GOMES, 2018).
Percebe-se, que o alcance da abolição da escravidão foi sendo feita de maneira
gradual, ao passo que, tentava-se também respeitar o direito de propriedade que os senhores
tinham sobre os escravos.

3.3 APROFUNDAMENTO DAS DESIGUALDADES RACIAIS E DO


RACISMO NO PERÍODO PÓS-ABOLIÇÃO

Após a abolição da escravidão, passou-se a observar a injustiça social que os negros


vinham sofrendo, uma vez que houve a crescente desigualdade racial para com os negros, e
apesar de terem-se emancipado, surgiria o desafio de conquistar o seu espaço dentro de uma
sociedade ainda marcada fortemente pelos ideais escravagistas. Surgiram então diversas
organizações negras fundamentais para a luta contra as desigualdades raciais no Brasil
contemporâneo (ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).
Antes de abordar ainda mais o tema, é importante evidenciar algumas observações
acerca dos conceitos de discriminação, preconceito, e racismo, para isso é utilizado às
anotações da nobre professora Simone de Alcantara Savazzoni, que se respaldou nos
pensamentos de Guilherme de Souza Nucci, retratando assim, em seu ilustre texto
denominado Preconceito, Racismo e Discriminação, tais anotações:
(...) denota-se que o preconceito, por sua vez, é a opinião formada a respeito de algo
ou de alguém, sem cautela, de maneira açodada, em um julgamento precipitado – e
por isso invariavelmente injusto – que provoca aversão a determinadas pessoas ou
situações.
(...) o racismo, com sua prepotência ideológica, que pretende tornar alguns superiores
a outros; e a discriminação, conduta injusta por excelência, dão vazão a determinadas
atitudes que conduzem ao desequilíbrio das relações humanas. O racismo, na
atualidade, se assenta principalmente na ideia de que as desigualdades entre os seres
humanos estariam fundadas na diferença biológica, na natureza e na constituição
mesma do ser humano.
No decurso do tempo, ocorreu uma cristalização de entendimentos levando em
consideração determinados estereótipos que tornaram a vida em sociedade, para dizer
o mínimo, desprovida de equilíbrio no que concerne à compreensão da própria
existência. Tais distorções alteraram a percepção e a consciência da essência dos
direitos humanos fundamentais, produzindo, assim, inúmeros atos de desumanidade.
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O desdobramento dessa conduta, passada por gerações, motivou uma espécie de


cultura de preconceitos, tornando a discriminação uma prática recorrente
(SAVAZZONI, 2015, p. 4).

Nesse sentido, insta firmar ainda, ressalva importante feito pela professora Simone de
Alcantara Savazzoni, no que diz respeito ao preconceito, ao racismo e a discriminação, onde
preceitua que ―preconceito, racismo e discriminação são, portanto, o resultado da intolerância
à diferença existente no outro‖ (SAVAZZONI, 2015, p. 6).
Feito isso, a que se falar na discriminação racial que a população negra vinha
sofrendo. Em 1909, por exemplo, o negro Monteiro Lopes foi eleito ao cargo de deputado
federal, todavia, houve a tentativa de obstar a posse ao cargo, sem que houvesse algum
motivo. Importante falar também, que os negros eram constantemente segregados,
principalmente, em ambientes controlados por brancos racistas. Em consonância a isso, havia
ainda, a proibição de pessoas negras participando de times de futebol, e eram proibidos, além
disso, de ocupar qualquer posição superior aos brancos dentro dos clubes futebolísticos
(ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).
Soma-se a essas desigualdades, a dificuldade dos negros em achar emprego, dado que
os comerciantes preferiam contratar outros imigrantes para ocuparem os postos de trabalho.
Nesse sentido, vale salientar que, as elites brasileiras criaram um discurso altamente racista,
que menosprezava o trabalhador nacional para vangloriar o imigrante branco. Urge evidenciar
que a população racista, negava a existência de qualquer racismo, e ainda afirmavam que as
dificuldades de ascensão social sofridas pelas populações negras, não possuíam como causa a
discriminação racial (ALBUQUERQUE E FILHO, 2006).
Diante o exposto, vê-se que as desigualdades, o preconceito e as discriminações raciais
e o racismo estrutural são observados como resquícios dos séculos de escravidão dos negros,
pelos quais o Brasil passou, e que se demonstra forte na sociedade atual.
As discriminações disferidas aos negros, aliado ao preconceito que esta minoria
enfrentava e ainda enfrenta se arquitetaram e se moldaram na sociedade, devido a essas
marcas que a escravidão deixou, perpassando e se estruturando gradualmente até os dias
atuais.
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3.2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Hodiernamente, fronte ao forte racismo e as variadas situações racistas pela qual o


negro passou e ainda vem passando, mister se faz buscar a igualdade racial, construindo
assim, pontes para que se possa igualar a realidade dos brancos e negros no Brasil. À vista
disso, que se vem buscando assegurar garantias, firmar os direitos fundamentais e propor
legislações com o objetivo de reparar a injustiça social causada aos negros. Assim como
também, nos últimos tempos, podem-se observar políticas públicas de natureza diversa, como
exemplo, estabelecimento de cotas visando ampliar o acesso de estudantes negros ao Ensino
Superior adotadas em diferentes níveis de governo, ações no campo da educação e do
mercado de trabalho, visando limitar a reprodução de estereótipos e comportamentos que
afetam o acesso a oportunidades iguais e a possibilidade de seu usufruto, o desenvolvimento
de programas de valorização da cultura e da história negra, reforçando não apenas a
identidade desse grupo como a própria identidade nacional, como uma forma de tentar erguer
as bases da igualdade.
Nesse sentido, é valioso destacar a importância da adoção a ―Convenção Internacional
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial‖, que fora ratificada pelo
Brasil em 1968 e passou a valer a partir de 8 de dezembro de 1969. Frente às disposições da
Convenção, os países se comprometeram em adotar políticas destinadas a eliminar a
discriminação e promover o entendimento entre todas as raças, bem como a incriminar as
práticas racistas (CONVENÇÃO, 1969). Importante falar também, da aprovação e
proclamação, em 1978, da ―Declaração sobre raças e preconceitos raciais‖, que tem o fito de
combater as práticas raciais e discriminatórias em todo o mundo (DECLARAÇÃO, 1978).
Em seguida, faz-se importante a observância máxima ao Texto Maior, que em seu art.
5º, expõe com magnificência, o célebre Princípio da Igualdade entre todos:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes. (CONSTITUIÇÃO, 1988)

Assim, sendo este princípio basilar dentro de um Estado Democrático de Direito, o


Estado deve obstar qualquer tratamento abusivamente diferenciado entre as pessoas vistas
numa mesma posição (MORAES, 2002), tal como deve perseguir afinco a igualdade racial,
buscando, dessa forma, reparar qualquer desigualdade observada entre negros e brancos.
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Pautando-se ainda no que dispõe a Constituição, acerca da igualdade racial, como


também sobre o repúdio ao racismo e as formas de preconceitos, observam-se os seguintes
dispositivos:
Art. 3º da Constituição Federal - "Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:"
(...)
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (CONSTITUIÇÃO, 1988)

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações


internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; (CONSTITUIÇÃO, 1988)

O Estado deve ter como propósito evitar qualquer contrariedade a essas disposições
constitucionais, não deve ir contra a própria ordem jurídica, ao fomentar ou se mostrar inerte
diante da desigualdade racial e do racismo para com os negros (PRUDENTE, 1988).
O sistema constitucional vigente, ainda abarca como dispositivo preventivo de
condutas racistas o inc. XLIII, do art. 5º, CF/88, que alude: a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei
(CONSTITUIÇÃO, 1988).
Ainda, é necessário ressaltar que o Estado Democrático de Direito se fundamenta na
dignidade da pessoa humana, conforme o inc. III do art. 1ª, da Constituição. A dignidade da
pessoa humana é notável e poderoso princípio/fundamento prelecionado até mesmo nos
ordenamentos jurídicos internacionais, como exemplo na Convenção Americana de Direitos
Humanos, que ressalta em seu art. 11. Item 1, que toda pessoa tem direito ao respeito de sua
honra e ao reconhecimento de sua dignidade (CONVENÇÃO, 1969).
Quando o negro sofre o racismo torna-se inevitável a violação tanto de sua honra
quanto de sua dignidade humana, uma vez que fica exposto a uma situação humilhante,
vexatória e desumana. A dignidade humana é qualidade inerente a toda pessoa, e é nesse
sentido, que o Estado deve assegurar firmemente o fundamento da dignidade da pessoa
humana, dado que este é um valor supremo que atrai todos os demais direitos fundamentais
(SILVA, 2007).
Ainda no tocante as legislações que buscaram amparar os negros, bem como
criminalizar as condutas racistas, torna-se importante mencionar a Lei nº 7.716/89,
denominada também de Lei Caó, por ter sido proposta pelo ilustre deputado Carlos Alberto
Caó (PDT), esta lei define crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A Lei Caó,
configura-se como marco histórico na legislação brasileira, uma vez que era reivindicação
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antiga das lideranças afro-brasileiras e de toda a sociedade civil, voltada para a proteção dos
direitos humanos (PRUDENTE, 1988).
Após o momento de abolição da escravidão já retratada neste trabalho, ficaram como
resquícios da própria escravidão, a desmoralização dos negros, que eram discriminados,
explorados e ultrajados, e isso veio se intensificando cada vez mais. Sendo assim, após mais
de cem anos da promulgação da Lei Áurea, que libertou os negros da escravidão, havia a
necessidade de repensar o crescimento do racismo e das desigualdades raciais, pois apesar dos
negros não serem mais escravos, eles não possuíam os mesmos direitos e acesso que os
brancos tinham (PRUDENTE, 1988).
A Lei nº 7.716/89 presta papel precioso no combate, não só do racismo, mas a outras
formas de discriminação. Possui o intuito de preservar os fundamentos já expostos na Carta
Magna, como exemplo, os citados anteriormente. Além disso, busca também a proteção e a
promoção do bem de todos, repudiando qualquer forma de discriminação.
Ainda, com o intuito de reparar a injustiça social causada aos negros e de equiparar a
sua condição social e econômica ao dos brancos, houve também a criação de políticas
públicas visando à igualdade racial. Dentre elas, irei destacar nesse trabalho, a política de
cotas raciais, contudo, antes de tratar das políticas públicas, o primeiro passo a superar é o
entendimento acerca de seu conceito, conforme o entendimento de Maria Célia Delduque e
Silva Marques:
A exteriorização da politica está muito distante de um padrão jurídico uniforme e
claramente apreensível pelo sistema jurídico. [...] As políticas públicas são expressas
de diversos modos, sem um padrão jurídico claro e definido. Normalmente, são o
resultado de uma criação legislativa, complementada por meio da edição de atos
administrativos, nas suas mais variadas formas (DELDUQUE; MARQUES, 2009, p.
5).

As cotas raciais instituídas principalmente nas universidades públicas visaram


diminuir as desigualdades raciais quanto às oportunidades educacionais do Brasil, bem como
o racismo estrutural advindo de anos de escravidão. Considerando o baixíssimo número de
pessoas negras nas universidades, as cotas raciais funcionam como instrumento eficiente para
garantir maior representação dos negros nas universidades.
Além disso, as cotas raciais como política de ação afirmativa, busca também a
equidade quanto ao acesso ao ensino superior.
No que se refere às ações afirmativas Oliven (2007, p. 30) escreve:

O termo Ação Afirmativa refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger


minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no
passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam
16

o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de


liderança. Em termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir
positivamente a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem
oportunidade de ascender a postos de comando (OLIVEN, 2007, p. 30).

Nesse caminhar, observa-se que as ações afirmativas têm como fito uma tentativa de
corrigir o estigma de grupos considerados minorias, discriminação em razão da cor da pele,
gênero entre outros. Com isso, depreende-se que as cotas raciais funcionam como uma forma
de reparação por todo dano causado aos negros ao longo dos tempos, bem como a toda
estigmatização feita para com esse grupo. Por meio das cotas há a democratização do acesso
ao ensino superior, significando assim, um grande avanço nos números de matrículas por
parte dos negros, nas universidades.
A lei nº 12.711/2012 é que regulamenta o percentual das vagas reservadas aos negros,
realizando assim a democratização do acesso dos negros ao ensino superior. Vale frisar, que a
lei também regulamenta outros tipos de cotas, como por exemplo, as dos povos indígenas. De
acordo o Ministério da Educação (MEC), 20% das vagas para estudantes das universidades
públicas federais já são ocupadas por pretos, pardos e indígenas (MEC, 2016).
Faz-se imperioso ressaltar ainda, neste tópico, a importância da garantia do devido
processo penal nos casos de racismo nas decisões dos magistrados, uma vez que este deve ser
formado por todos os direitos fundamentais incorporados no ordenamento jurídico brasileiro,
por isso, ao passo que, há a ocorrência de racismo, e que este influencia na decisão do juiz,
verifica-se que não foi assegurado no processo penal, as suas devidas garantias e formalidades
legais. Assim sendo, é perceptível a relevância de se estabelecer um devido processo penal,
pautado na fixação de papéis claros para cada um dos intérpretes do processo penal, limitando
assim, a sua atuação sob pena de deturpar o padrão constitucional de um devido processo
legal (SANTIAGO NETO, José de Assis, 2016). Por conseguinte, reforça-se a obrigação dos
magistrados em sempre seguir as normas legais que preceituam um devido processo penal,
para que assim a decisão não resulte de um indevido processo penal.
Frente às legislações vigentes, abarcadas anteriormente, e que possuem o fito de
amparar e garantir os direitos fundamentais dos negros, tal como diminuir as desigualdades
raciais, o racismo estrutural, os preconceitos e discriminações sofridas pelos negros, faz-se
importante lembrar que estas contribuem fortemente para o alcance destes objetivos, no
entanto, a luta contra o racismo é longínqua e árdua, e devido a isso, tanto o Estado quanto a
sociedade deve-se se atentar para tais legislações, sendo ao mesmo tempo vigilantes delas,
para que assim, seja possível vislumbrar a superação desse abismo racial presente desde
séculos passados.
17

3.5 ANÁLISE DE CASOS EM QUE O RACISMO ESTRUTURAL FOI


INFLUENTE

À frente das legislações e dos preceitos constitucionais citados no tópico anterior, era
de se esperar daqueles que têm o honroso dever tanto de aplicar as legislações quanto de
salvaguardar os direitos previstos nestas, o máximo de neutralidade, de imparcialidade e
também de justiça. Todavia, diante de alguns casos que serão expostos nesse tópico, não foi
assim que os magistrados/julgadores procederam.
O racismo estrutural presente fortemente na sociedade perfaz diversos âmbitos. No
judiciário brasileiro ele também se evidencia, principalmente, quando da tomada de algumas
decisões. Os juízes deixam se levar no momento da aplicabilidade da sentença ou até mesmo
do julgamento, pelos estereótipos das pessoas, manifestando assim, o seu ideal extremamente
racista.
Nesse sentido, torna-se difícil cogitar a atuação dos magistrados exclusivamente
pautada na legislação, isento de cargas valorativas e ideológicas (CAMPOS, 2009).
Nessa toada, é que se faz importante os ensinamentos de José Afonso da Silva, onde
examina o preceito constitucional da igualdade como direito fundamental sob o prisma da
função jurisdicional:
A igualdade perante o Juiz decorre, pois, da igualdade perante a lei, como garantia
constitucional indissoluvelmente ligada à democracia. O princípio da igualdade
jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois prismas: como
interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; como
interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações
iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da Justiça (SILVA, 1999, p.
156).

Para tal a Constituição afirmou que a jurisdição fosse exercida pelos seguintes órgãos
do Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal (STF); Superior Tribunal de Justiça (STJ);
Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; Tribunais e Juízes do Trabalho; Tribunais e
Juízes Eleitorais; Tribunais e Juízes Militares; Tribunais e Juízes dos Estados, Distrito Federal
e dos Territórios e, finalmente, os Juizados Especiais 13 e de Paz (CONSTITUIÇÃO, 1988).
Quem é detentor da função jurisdicional não pode, em hipótese alguma, ser
influenciado por estereótipos, preconceitos, ou qualquer outra forma que se verifique
discriminatória. Deve-se vislumbrar os direitos fundamentais assegurados a todos,
indistintamente, independentemente de raça, cor, sexo, classe social etc.
A partir da criminalização de condutas racistas previstas no art. 5º, inc. XLII da CF/88,
houve o estabelecimento de um sistema antirracista de esfera penal, este por sua vez deu
18

estímulo à estratégia de processar demandas no âmbito judicial, objetivando assim, a


condenação de supostas agressões de cunho racial. Diante disso, o que não se pode esperar é a
postura racista de quem detém o poder de processar e julgar tais condutas e crimes racistas, o
que por vezes, ocorre no âmbito do poder judiciário (COSTA, 2019).
A matéria publicada no jornal Brasil de Fato expõe que em dez anos nenhum juiz foi
punido por racismo nos processos abertos no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, um desses
processos foi o da juíza Lissandra Reis Ceccon, da 5ª Vara Criminal de Campinas, que
proferiu uma decisão, em julho de 2016, no processo nº 0009887-06.2013.8.26.0114, na qual
alegou que réu suspeito de latrocínio não teria os estereótipos de um ladrão, já que é branco
com cabelo, pele e olhos claros, consoante o teor da sentença na íntegra: ―vale anotar que o
réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não
estando sujeito a ser facilmente confundido.‖ (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO
PAULO, 2016) (grifo nosso)
É plenamente perceptível a postura racista da juíza, associando a raça ao cometimento
de um crime. No entanto, o Ministro do CNJ, Humberto Martins deliberou acerca do
arquivamento da denúncia contra a juíza, em agosto de 2019. (CNJ, 2019)
Em concomitância ao caso narrado anteriormente, há também o emblemático caso da
juíza Inês Marchalek Zarpelon, Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal do Foro Central da
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (PR), nos autos nº 0017441-
07.2018.8.16.0013, em 19 de junho de 2020, a magistrada proferiu uma sentença, na qual
afirmava que o suspeito de cometer determinado delito, praticava-os por ser negro.
Considerando o fragmento da sentença:
[...] Sobre sua conduta social, nada se sabe. Seguramente integrante do grupo
criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o
seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a
desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente. (...) Assim,
considerando a existência de uma circunstância judicial desfavorável (conduta social),
elevo a pena base em ⅛ da diferença entre o mínimo e o máximo da pena prevista para
o crime (o que resulta em 07 meses), fixando-a acima de seu mínimo legal, ou seja,
em 03 (três) anos e 07 (sete) meses de reclusão e 12 (doze) dias multa, no valor de
1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos (CNJ, 2020) (grifo nosso).

A decisão proferida ganhou grande repercussão e revolta por parte daqueles que lutam
e defendem uma sociedade destituída de racismo e discriminação racial. A conduta da juíza
demonstrou fortemente a influência racial, advinda de um racismo estrutural, que fez e ainda
faz total ingerência nas decisões penais tomadas por quem representa o judiciário brasileiro.
A Corregedoria Nacional de Justiça move processo contra a juíza, o processo ainda
tramita no referido órgão no momento da escrita desse trabalho, no segundo semestre do ano
19

de 2021 (CNJ, 2020).


Diante dos casos narrados acima, percebe-se a banalização do racismo nas estruturas
do poder judiciário. Este por sua vez, naturaliza as posturas racistas dos magistrados, e nem
sequer enxerga isso como um racismo emaranhando no sistema judiciário brasileiro, sendo
assim, há então a banalização do racismo entre esses julgadores.
Outra observação importante de se destacar é sobre a fixação do estereotipo negro sob
a égide de ser sempre considerado criminoso. Nesse sentido, inevitável falar a respeito da
Teoria de Cesare Lombroso, em sua obra ―O homem delinquente‖, tal teoria assegurava que o
perfil do criminoso nato se derivava de características físicas, sendo assim, a tendência ao
cometimento de crime era determinada pelos estereótipos que o indivíduo possuía
(LOMBROSO, 2013).
Segundo esta teoria, tais características físicas e psicológicas eram tidas como
estigmas da criminalidade. Vale ressaltar também que, de acordo tal teoria a identificação dos
delinquentes e criminosos era feita por padrões pré-estabelecidos (LOMBROSO, 2013).
Diante disso, observa-se que os padrões preconceituosos e estereotipados da teoria,
foram enraizados na sociedade brasileira, permanecendo ainda, influentes e gerando grandes
incidências de discriminações das minorias e evidenciando também um racismo estrutural no
Brasil, a título de exemplo, são as decisões das magistradas analisadas anteriormente, nas
quais fizerem rotulação dos indivíduos em perfis criminosos.
Considerando que o juiz possui o majestoso encargo de propiciar o deslinde dos
conflitos, perseguindo assim, a busca pela justiça social, e o Judiciário deve-se estar isento
também de quaisquer aspirações sociais em que pese na sua atuação posturas discriminatórias,
(CAMPOS, 2009) não foi assim que se sucedeu nas decisões supracitadas, o que se constatou
foi o caráter estruturalmente racista de tais magistrados, acarretando em decisões seletivas,
onde as atitudes caracterizadas pela injustiça, imparcialidade, segregação e discriminação,
engendram o racismo, a humilhação e a hostilidade para com os grupos negros
desfavorecidos.

3.6 MEIOS DE COMBATE AO RACISMO ESTRUTURAL

Frente à criação desses estigmas do negro enquanto criminoso, há também o


pensamento de que a cor do negro esboça inferioridade, sendo tida como um marcador de
diferenças, e em contraposição a isso, os grupos brancos sempre tidos como superiores.
20

Essa dessemelhança impõe nas estruturas sociais uma hierarquia, colocando sempre o
negro numa posição inferiorizada em relação aos brancos. Frisa-se ainda que todo o processo
colonial pelo qual o Brasil perpassou moldou essa sociedade estruturalmente racista e
tracejada em fortes desigualdades raciais.
Segundo os pensamentos de Simone Alcantara Savazzoni:

Cada indivíduo aprende, desde cedo, a diferenciar e a separar comportamentos e


pessoas, aos quais atribui estigmas de superioridade ou inferioridade, conceitos de
bom ou ruim, em especial quando faça parte de grupos dominadores. Assim, os seres
humanos seguem moldando seu caráter e desdobrando por gerações os conceitos,
preconceitos, racismo e discriminação anteriormente estabelecidos. (SAVAZZONI,
2015, p. 34)

Assim sendo, vê-se o quão importante se faz repensar as marcas racistas que se
estruturam ao decorrer de gerações. Que se fincaram e internalizaram no subconsciente de
cada individuo criando estigmais de segregação de um grupo em detrimento de outro.
É imperioso refletir sobre a naturalização das condutas racistas, não somente dos
magistrados, mas também da coletividade, que por muitas vezes esboçam atitudes racistas e
que nem sequer enxergam tal conduta como sendo racista.
Além disso, é necessário pensar seriamente na importância da formulação de das
políticas públicas para as populações negras, como um fator relevante de atenuação da
influência do racismo uma vez que estas buscam não beneficiar os negros, mas sim equiparar
e amenizar as desigualdades avistadas entre os negros e os brancos. (SANTOS, 2010) A
formulação de políticas de promoção da igualdade racial em todas as esferas de governo
devem ser ampliadas e intensificadas, consolidando-se a temática da desigualdade e à
discriminação racial como objeto legítimo e necessário da intervenção pública.
É necessário urgentemente a conscientização dos brancos, para que possam refletir e
reconhecer que gozam de muitos privilégios se comparados aos negros. Importante também
pensarem em seus comportamentos de superioridade, de segregação para com os negros, bem
como deixarem de achar que a cor da pele os torna melhores ou os colocam numa posição
hierárquica maior (RIBEIRO, 2019).
Além disso, é papel ultra relevante do judiciário brasileiro lutar contra quaisquer
condutas racistas, enfrentando e buscando dirimir o racismo estrutural presente também nas
estruturas jurídicas, dessa maneira, deve asseverar a punição aqueles que praticarem violações
a direitos constitucionais e infraconstitucionais, impondo sempre as sanções nos casos em que
houve a configuração da conduta racista e discriminatória (MACHADO, SANTOS E
FERREIRA, 2015).
21

Por fim, devem-se preservar altamente os movimentos sociais que lutam para
assegurar os direitos dos negros, e que também tiverem influente e prestigiosa função na luta
contra a desmoralização do racismo e a implementação de instrumentos legais com o intuito
de depreciar os atos de racismo (MACHADO, SANTOS E FERREIRA, 2015).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegarmos ao final desta análise, nota-se que ela apresenta uma temática relevante
para a sociedade, dado sua importância em demonstrar que as condutas racistas propagadas
não somente pelos integrantes do poder judiciário brasileiro, como também pela coletividade
causam aos negros a forte sensação de inferioridade e de segregação social. Esta pesquisa se
propôs, como objetivo geral, analisar a influência do racismo estrutural nas decisões penais
proferidas contemporaneamente, expondo o seu fundamento baseado em um contexto
histórico do colonialismo brasileiro, e como se dá sua ocorrência e a sua persistência nos dias
atuais, tendo em vista os direitos e garantias fundamentais, previstos tanto na Constituição
Federal de 1988 quanto nas de mais legislações. Para o trabalho não se limitar somente à
questões teóricas, buscou demonstrar, através de casos reais, as decisões baseadas em um
racismo evidente.
A partir da pesquisa feita sob a égide dos casos mais polêmicos, ou seja, em que houve
maiores repercussões nos meios de propagação de notícias no Brasil, foi possível concluir
que: as prolações de decisões de caráter racista estão diretamente relacionadas a todo o
processo colonial pelo qual o Brasil perpassou e fez com que moldasse essa sociedade
estruturalmente racista, que trata sua conduta racista com naturalização, tendo em mente que o
negro é sempre criminoso e inferior ao branco.
Para mais, diante das informações levantadas acerca das causas da persistência do
racismo estrutural nas decisões penais proferidas contemporaneamente, ficou evidente que a
falta de conscientização dos indivíduos preconceituosos, bem como o fato de ser algo
decorrente de vários séculos e que já é inerente as relações sociais, jurídicas e econômicas,
são os fatores principais que influenciam para que essa realidade ainda exista. A ausência do
cumprimento dos direitos e das garantias atribuídas às pessoas negras, atrelada a associação
do negro a um criminoso, tal como a falta de reconhecimento de que o racismo é uma
patologia que deve ser discutida, tratada e evitada, também contribuem para que ainda
ocorram no judiciário do país várias decisões de crivo racista.
22

Dessa forma, conclui-se que as circunstâncias que levam o judiciário brasileiro e seus
integrantes a proferiram decisões pautadas no racismo, está intimamente relacionada ao fato
do racismo ter se estruturado ao longo do tempo em nossa sociedade, fazendo com que a ideia
criada na época escravagista, da marginalização e inferioridade do negro, seja persistente
ainda nos dias atuais.
Frente a isso, sugere-se a implementação de políticas públicas para as populações
negras, como um instrumento importante de atenuação da influência do racismo, uma vez que
estas têm como fito não beneficiar os negros, mas sim equiparar e amenizar as desigualdades
presentes entre os negros e os brancos. Somando-se a isso, deve o judiciário aplicar punições
eficazes e rigorosas capazes de impedir que seus integrantes ajam de maneira racista, e ainda
possa haver a reflexão de cada individuo sobre todo o sofrimento passado pelos negros, como
uma forma de esquivar-se de qualquer conduta racista, preconceituosa e discriminatória, são
esses os principais meios para acabar com esse racismo que vem se estruturando no ceio
social.
23

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