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724-06

O sentido do Trabalho, Passabilidade e Produção de Sofrimento em Pessoas “Trans”


(Transgênero, Transsexuais e Travestis)

A transexualidade define-se como a não identificação com o gênero socialmente


atribuído ao nascer. No Brasil, há quem compreenda os/as transgêneros/as como uma categoria
à parte das pessoas Trans (travestis e transexuais). Existe ainda aquelas pessoas que não se
identificam com gênero algum. Desse modo, não existe consenso quanto à denominação,
corriqueiramente se utiliza o termo “queer”, a antiga denominação “andrógino” ou até mesmo
o termo “Trans” representado no glossário LGBTQIAPN+ para (transgênero, transexual e
travesti) (Reis, 2019). Categoria que é a adotada neste estudo.
No que diz respeito ao termo “sentido do trabalho”, Segundo Antunes (2013), abrange
não apenas a dimensão econômica, mas também a social e humana. O autor enfatiza que o
trabalho deve ser mais do que uma mera fonte de renda, sendo um meio de realização pessoal,
de desenvolvimento das potencialidades individuais e de contribuição para o bem-estar
coletivo.
A ideia de passabilidade como ‘passar pelo sexo eleito’ foi popularizada e atualizada no
interior do paradigma de conexão entre pessoas Trans no Brasil e no mundo, esse processo
possibilitou um acúmulo de debates em torno de vivências de sexo/gênero específico. Compara-
se aqui a passabilidade cisgênero com a passabilidade de negros por brancos demonstrada nos
estudos de Drake e Cayton (2015), os autores refletem a existência de diversos níveis de
passabilidade em razão da cor da pele. Os autores evidenciaram categorias distintas de
passabilidade, as quais são, por conveniência, por diversão, passabilidade não intencional e, por
último, a passabilidade que nasce da necessidade econômica, e que está atrelada, por exemplo,
ao ingresso de mulheres negras no mundo do trabalho em cargos específicos como telefonistas,
recepcionistas, estenógrafas e escriturárias, nesse contexto, a sujeição da passabilidade não
representa apenas conseguir emprego, mas também permanecer no mesmo. (Drake & Cayton,
2015).
A relação entre bem-estar no trabalho e passabilidade está na influência direta da
aceitação e respeito à identidade de gênero dos indivíduos no ambiente profissional, o que pode
impactar positivamente o bem-estar ao criar um espaço onde a autenticidade e a não
discriminação são valorizadas (De Jesus, 2019).
Nesta perspectiva, debruçando-se sobre a comunidade Trans da cidade de Campina
Grande/PB, a presente proposta de pesquisa tem a intenção de responder os seguintes
questionamentos: 1 – Qual o sentido do trabalho para essa população? 2 – Quais as
condicionalidades da passabilidade cisnormativa para o acesso e manutenção do emprego? 3 –
O que dessa vivência reverbera na produção de sofrimento para transgêneros, transexuais e
travestis?
Com base nestas considerações, o estudo tem como objetivo geral analisar o sentido do
trabalho e as implicações da passabilidade cisnormativa na produção de sofrimento de pessoas
Trans (transgênero, transexuais e travestis) assistidas por um centro de acolhimento, do
município de Campina Grande/PB. Como objetivos específicos pretende-se: 1) Mapear o perfil
sociodemográfico das pessoas Trans que foram ou são assistidas pelo centro de cidadania
LGBT, do município de Campina Grande/PB; 2) Refletir sobre o sentido do trabalho para as
pessoas transexuais e travestis; 3) Investigar os problemas psicossociais mais recorrentes dessas
pessoas no contexto laboral; 4) Discutir sobre o que a passabilidade representa no cotidiano
dessas pessoas, especificamente no mundo do trabalho; 5) Problematizar como a passabilidade
e as normas de gênero comparecem na produção do sofrimento de transexuais e travestis no
ambiente de trabalho; 6) Identificar as estratégias individuais e coletivas de enfrentamento aos
problemas vivenciados no cotidiano do trabalho.

Método da Pesquisa
Delineamento do Estudo
Trata-se de um estudo que se desenvolverá fundamentalmente aos moldes da pesquisa
qualitativa e descritiva em virtude da mesma tentar identificar, aspectos culturais, simbólicos e
as práticas discriminatórias (produção de sofrimento) que limitam o acesso e oportunidades no
mundo do trabalho, bem como as estratégias empregadas (passabilidade) para permanência no
trabalho e/ou emprego em uma realidade social avessa a pessoas Trans (transgênero transexuais
e travestis) a partir de seus discursos. Conforme Minayo (2017), A pesquisa qualitativa
concentra-se em explorar aspectos da realidade que não podem ser quantificados, abordando
significados, motivações, crenças e valores. A autora destaca que a abordagem qualitativa é
apropriada para estudar histórias, representações, percepções e opiniões humanas,
especialmente em grupos específicos, discursos e análises de documentos.
Caracterização do Cenário da Pesquisa
A pesquisa realizar-se-á na cidade de Campina Grande, Estado da Paraíba. O Local da
pesquisa será o Centro de Cidadania LGBT do referido município, o qual faz parte de um leque
de serviços oferecidos na Coordenadoria Municipal de Promoção à Cidadania LGBT e
Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG). A escolha por este
cenário se deve ao fato de que o Centro tem parcerias com empresas privadas que oferecem
empregos para travestis e transexuais e desenvolve campanhas de conscientização nas escolas
públicas que discutem gênero, sexualidade e diversidade sexual com alunos do 8° e 9° ano do
ensino fundamental. Nesse contexto o papel do Centro é pensar nessa população de forma
integral.
Sujeitos Colaboradores da Pesquisa
Serão tomados e tomadas enquanto participantes para a arquitetura da realidade dessa
pesquisa, pessoas Trans (transgênero, transexual e travesti) que possuem trabalho no município
de Campina Grande, Paraíba, a saber homens e mulheres em qualquer área formal de atuação.
Para delimitação da amostra, serão utilizados critérios de inclusão e exclusão. Diante disso, os
profissionais selecionados para o estudo serão aqueles que exerçam atividades laborais há no
mínimo seis meses, que se identificam enquanto pessoa Trans independente da designação
sexual, e que tenham disponibilidade para colaborar com o estudo. Aqueles que estejam
afastados das atividades laborais (férias, licença saúde, licença maternidade, afastamento para
aperfeiçoamento), bem como exerçam cargos ou funções por menos de seis meses serão
excluídos da amostra.
Instrumentos
Serão utilizados os seguintes instrumentos:
Questionário Demográfico: Constitui uma descrição dos aspectos referentes aos
participantes da pesquisa, tais como: identidade de gênero, idade, orientação sexual, classe
social e estado civil.
Entrevista Semiestruturada: com intuito de se buscar compreender a subjetividade do
entrevistado por meio da análise de seus discursos. As entrevistas serão identificadas de forma
anônima. O encerramento da coleta seguirá o critério da saturação teórica, quando não se espera
obter mais informações relevantes para a compreensão do fenômeno estudado. (Minayo, 2017).
Procedimentos
A aplicação será efetuada pelo pesquisador e, embora possa ser realizada em ambiente
coletivo, a participação será individual. Como estratégia para recrutamento dos sujeitos da
pesquisa, utilizar-se-á a técnica metodológica não probabilística Snowboll Sampling, também
denominada como “Amostragem de Bola de Neve” apresentado por Goodman (1961). Cada
entrevista será registrada por meio de um gravador de voz ou de plataforma virtual, em mais de
uma mídia, e posteriormente transcrita para o programa Microsoft Word ®, versão 2010. O
local das entrevistas poderá ser escolhido pelos participantes, podendo ser o ambiente laboral
ou domiciliar, desde que o mesmo seja reservado para que não ocorram interrupções e para que
o profissional se sinta confortável para abordar a temática do estudo.
Análise dos Dados
Os dados empíricos referentes aos resultados da pesquisa serão tratados à luz da teoria
da Análise do Discurso (AD) proposta por Eny Orlandi (Orlandi, 2010) com o intuito de
compreender a partir do discurso de pessoas Trans (transgênero, transexuais e travestis) sentidos
e significados, aspectos culturais, simbólicos e as práticas discriminatórias (produção de
sofrimento) que mais limitam o acesso e permanência, bem como as estratégias empregadas
(passabilidade). Para a análise do corpus, será adotada a metodologia de Souza (2014), que
envolve questões heurísticas para identificar o conceito-análise, sua construção no texto e sua
relação com discursos e ideologias presentes na fala do colaborador. Isso permitirá uma
compreensão mais profunda do discurso do sujeito em estudo.
Aspectos Éticos
Ressalta-se que este projeto, passará por submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa
(CEP) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e apresentado a Coordenadoria
Municipal de Promoção à Cidadania LGBT e Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de
Campina Grande (PMCG), para possuir autorização para sua execução.
A pesquisa seguirá as diretrizes éticas da Resolução nº466/2012 do Conselho Nacional
de Saúde, incluindo o consentimento informado dos participantes; ; bem como atenderá aos
preceitos éticos estabelecidos na Resolução nº 510/2016 para pesquisas em Ciências Humanas
e Sociais. O anonimato e sigilo serão garantidos, e os dados serão usados apenas para fins
científicos. Os colaboradores terão o direito de desistir a qualquer momento, sem consequências
negativas. Desse modo, os dados deste projeto apenas serão coletados após assinatura dos
participantes no Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE). A participação nessa
pesquisa compreende risco mínimo, podendo trazer desconforto e/ou mobilização de algum
afeto. Para tanto, vale ressaltar que o pesquisador realizará o processo pautado por uma postura
ética e acolhedora, com vistas a evitar e/ou minimizar tais riscos.

Aderência ao Programa
De abordagem psicossocial qualitativa, a presente proposta de pesquisa, lança um olhar
crítico e multidimensional para a produção de sentidos sobre sexualidade, gênero e trabalho
contextualizando a promoção da diversidade sexual, identidade de gênero e saúde mental, de
modo a trazer para o núcleo da discussão os fatores que condicionam as inequidades em saúde
e as necessidades dos grupos afetados pela discriminação, marginalização e estigmatização no
mundo do trabalho. O presente trabalho não tem a pretensão de vir a esgotar as análises acerca
do problema em questão, mas compreender as particularidades dos sujeitos que vivenciam esse
contexto, a fim de contribuir e afirmar um compromisso ético-político quanto a produção de
saberes situados, contextualizados e implicados com a desnaturalização das concepções
naturalizantes e universalizantes sobre o modos de viver e subjetivar-se, concepções estas que
marcam certos lugares, pessoas e determinadas relações de poder. Visando por fim, contribuir
para o desenvolvimento de estratégias de intervenção que potencializem práticas coletivas e a
autonomia dos sujeitos.

Referências
Antunes, R. (2013). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. São Paulo: Boitempo.
Drake, St. C. & Cayton, H. R. (2015). Black Metropolis: A Study of Negro Life in a Northern
City. Chicago: The Univesity of Chicago Press.
De Jesus, J. (2019). Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Guia técnico
sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de
opinião.
Goodman, L. (1961). Snowball sampling. Annals of Mathematical Statistics, v.32, p.148-170.
Minayo, M. C. S. (2017). Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e
controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa, v. 5, n. 7, p. 01-12. Disponível em:
https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
Orlandi, E. P. (2010). Análise de discurso: princípios e procedimentos. 9 ed. Campinas:
Pontes Editores. 100p.
Reis, A. F. (2019). O processo de construção da identidade de gênero e transexualidade:
narrativas, trânsitos e diferenças. Interfaces da educação, 10(28), 93-116.
https://doi.org/10.26514/inter.v10i28.2960
Souza, S. A. F. (2014). Análise de discurso: procedimentos metodológicos. Manaus: Instituto
Census. 66p.

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