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Da Teoria à Prática – A Clínica Analítica

Brasília-DF.
Elaboração

Lorena Macêdo Andrade Neves de Oliveira

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
MITOLOGIA E ALQUIMIA EM PSICOLOGIA................................................................................ 11

CAPÍTULO 2
SOCIEDADE, CULTURA E INDIVÍDUO......................................................................................... 23

UNIDADE II
ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA................................................................................. 33

CAPÍTULO 1
PSICOPATOLOGIA ARQUETÍPICA.............................................................................................. 35

UNIDADE III
A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO................................................................... 45

CAPÍTULO 1
INDIVIDUAÇÃO DENTRO DOS MITOS........................................................................................ 46

CAPÍTULO 2
ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA PSIQUE............................................................................. 50

UNIDADE IV
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA............................................................................. 57

CAPÍTULO 1
TÉCNICAS EXPRESSIVAS........................................................................................................... 58

CAPÍTULO 2
PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA............................................................................ 65

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 81
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Esta apostila está organizada em quatro unidades, e se propõe a fazer aproximações,
indicando leituras importantes para o estudo da Psicologia Analítica.

Tema da Unidade I - Aspectos Culturais da Psicologia Analítica (Capítulo 1 - Mitologia


e Alquimia em Psicologia, 1.1. – Alquimia; Capítulo 2 - Sociedade, cultura e indivíduo),
Carl Gustav Jung (1875-1961) interessou-se pelo estudo da alma, e viu na Psicologia a
possibilidade de acessar o possível, mas entendendo que existiam questões impossíveis
de comensurar.

Como aproximação da teoria, a Unidade II - Aspectos Teóricos da Psicologia Analítica


(Capítulo 1 - Psicopatologia Arquetípica), ressalta que não existe apenas uma Psicologia
Analítica, e os pós-junguianos fizeram esforços para ampliar e refletir sobre o que Jung
havia proposto.

Prosseguindo, na Unidade III - A Clínica Junguiana e o Processo de Individuação


(Capítulo 1 - Individuação dentro dos Mitos; Capítulo 2 - Estrutura e funcionamento da
Psique), a discussão sobre o normal e o patológico se reunirá em torno dos símbolos e
sua importância no processo de individuação, o que prosseguirá nos capítulos seguintes.

Por fim, na Unidade IV - Técnicas Expressivas em Psicologia Analítica (Capítulo 1 -


Técnicas Expressivas; Capítulo 2 - Psicopatologia e Psicologia Analítica), o simbólico
está diretamente relacionado ao fortalecimento da consciência na integração entre
inconsciente e realidade.

Objetivos
»» Identificar as principais influências sobre a Psicologia Analítica.

»» Possibilitar uma contextualização sobre temas e conceitos abrangidos


pela disciplina.

»» Provocar a busca por mais conhecimento acerca da Psicologia e da


Psicologia Analítica, entendendo a importância de um olhar crítico sobre
as práticas.

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8
ASPECTOS CULTURAIS
DA PSICOLOGIA UNIDADE I
ANALÍTICA

Figura 1.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-2bwxNgNcDQU/UafMooz8IrI/AAAAAAAAM5w/eu0mbRDiFXw/s1600/936328_101513743548818
76_912661909_n.jpg>.

Com o surgimento da Psicologia enquanto ciência moderna, necessitou-se que ela fosse
inclusa em parâmetros científicos, na busca por dar respostas às quais estava sendo
convocada. Falar sobre a experiência transcendental nesse campo não deve ter sido
tarefa fácil para Jung.

Aconselho que o leitor se interesse por buscar a história da Psicologia, para entender
melhor sobre Psicologia Analítica. Sem falar na importância de evitar redutivismos,
pois esses banalizam todos os esforços que um autor teve em sua época. Embora as
teorias deem margem a isso, é necessário um olhar crítico, ainda que de dentro da
perspectiva na qual se identifica.

Falar sobre história da Psicologia requer o resgate do estudo do conhecimento, do


interesse sobre o que são as coisas, como as conhecemos, e nossa responsabilidade
sobre a produção de conhecimento e o que buscamos oferecer para a sociedade. Foi
assim que várias correntes filosóficas se constituíram, e que o saber científico emergiu,

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UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

com base no que a sociedade esperava conhecer, produzir e se responsabilizar. Isso não
é diferente com a Psicologia Analítica.

A Psicologia teve influências da filosofia e ciência moderna. Mas, sobretudo, dos esforços
que remontam desde as civilizações mais antigas, na busca de entender sobre o que
podemos e como conhecemos as coisas, se haveria uma conexão entre o que é interno
a nós com o sobrenatural e divino, até que se aproximou da influência do pensamento
e da experiência. Haveria uma realidade para além do que podemos ver? Mas como
podemos conhecer aquilo que não experimentamos? Essas são indagações básicas
sobre as quais se ergueu a produção de conhecimento que temos hoje, na separação ou
unindo a importância da razão e da experiência.

Também é inegável o modo como a sociedade se organizou economicamente, as


necessidades identificadas e a intenção sobre o domínio das coisas, como aspectos
fundamentais sobre as concepções que marcaram os modos de conhecer a natureza, os
homens e os meios de produção.

Quanto à religião, identificamos sua autoridade, tanto quanto a restrição do


conhecimento formal a classes mais favorecidas economicamente.

O contexto da ciência moderna remonta as Grandes Navegações, a expansão do


Mercantilismo, o acúmulo de riquezas e o incremento de tecnologias. A racionalidade foi
assumindo o espaço de autoridade do conhecer, e as experiências espirituais relegadas
ao não científico, e, por vezes, o não confiável.

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CAPÍTULO 1
Mitologia e alquimia em psicologia

Figura 2.

Fonte: <https://www.colegioweb.com.br/curiosidades/3-historias-famosas-da-mitologia-grega.html/attachment/mitologia-
grega-historias>.

A Europa já tinha conhecimento sobre a Psicanálise. O inconsciente já era tema de


discussão do meio acadêmico, e a sexualidade humana era debatida sob o ponto de vista
do desejo, sendo muitas vezes relacionados com instintos primitivos a serem civilizados.
Os casos de histeria inspiraram a elaboração de um método de cura pela fala e a
interpretação dos sonhos era um dos caminhos de acesso ao inconsciente, interpretado
pela associação livre. Os aspectos psíquicos do sofrimento tiveram visibilidade com os
estudos de Freud (como nos mostra Christian Ingo Lenz Dunker e seu debate sobre
sofrimento Psíquico), e não pararam por aí.

Nesse mesmo contexto, Carl Gustav Jung (1875-1961), então médico e analista,
inicialmente seguidor de Sigmund Freud (1856-1939), tem interesse pelo estudo do
inconsciente, se dirigindo a aspectos mais específicos para seu entendimento, a partir
de considerações sobre a relação terapêutica, natureza do inconsciente, assim como a
relação entre inconsciente e consciente.

Uma das questões a serem ressaltadas, diz respeito à busca pela cura no processo analítico.
Ainda que se valesse de métodos de acesso ao inconsciente, e que em alguns casos a
cura fosse alcançada, atingindo o período estipulado pelo analista, ou mesmo antes,
ainda existiam casos em que ela não era alcançada. Quais seriam então, as experiências
capazes de fazer com que o paciente superasse sua condição de adoecimento? O que

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UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

implicaria em uma dificuldade da emergência dos conteúdos inconscientes terem sua


interpretação plena pela consciência, a fim de que o indivíduo se integralizasse, e fosse
capaz de assumir a autonomia de sua vida?

Esse tipo de pergunta, que pode ser depreendida de obras de Jung, nos conduz ao
impasse que envolve nossa dificuldade de tomada de consciência sobre o que nos é mais
profundo e desconhecido, embora habite em nosso interior. Uma das ideias defendidas
pelo autor é a de que religiões têm forte influência, em termos gerais, com relação ao
nosso autoconhecimento. Além disso, elementos como símbolos, ritos, imagens etc.,
presentes no ocidente e oriente, levam ao reconhecimento dos processos psíquicos
como atuantes sobre o processo de permanência das representações e sentidos por trás
de costumes e crenças. Indícios disso, seriam os mitos, considerados como a linguagem
do inconsciente, e pelos quais seria constituído um inconsciente coletivo.

No primeiro capítulo do livro ‘Psicologia e Alquimia’, de Jung, o leitor é situado sobre


considerações feitas acerca de religiões do ocidente, e aquelas de bases orientais. Apesar
dessa discussão permear muitos dos escritos junguianos, o mesmo autor recomenda o
ingresso no entendimento de seus pressupostos, a partir dessa obra.

Ao externalizar a busca por um ideal de ser na figura de Cristo (divino e inatingível),


a responsabilidade por remissão de maus atos também é externalizada para a figura
de um redentor, e o distanciamento de uma natureza ruim, condenável, passível de
repressão, se faz necessária. Por outro lado, na perspectiva oriental, a aproximação com
a divindade a partir do entendimento de si mesmo, levam a reconhecer o bem e o mal
internamente, e a busca da plenitude pelo autoconhecimento.

Não se trata de eleger uma religião em detrimento da outra, mas da vivência de um


fenômeno que integra a totalidade do ser que é transcendental, ou seja, ultrapassa a
razão e é constituído pelo indizível. O conhecimento do dogma e o culto à(s) divindade(s),
não implica necessariamente tal vivência. Quanto mais se distancia de si, mais se afasta
também da experiência espiritual.

Buscar a totalidade do ser, ou seja, a plenitude do ser em todas as suas dimensões


(inclusive a espiritual) é reconhecido como um ato que envolve paradoxos. Não há
intenção de verdades absolutas, embora seja buscado entendimento, se dirige à uma
unicidade (ou não fragmentação), embora não se possa mensurar.

Portanto, embora símbolos e imagens resgatem o que há de mais íntimo, não podem ser
passíveis de uma precisão de significado. Eles dão conta do que não pode ser definido,
e quando o são, deixam de fazer parte da experiência transcendental.

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ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Mas, se a totalidade é paradoxal no que se diz respeito ao incomensurável, qual seria


o efeito da tentativa de mensurar o que não pode ser mensurado? Para Jung, nada
saudável, já que a natureza do inconsciente envolve liberdade e compensação em relação
ao consciente (o que se opõe à ideia de complementaridade, e caráter “primitivo” das
ideias inconscientes). Isso será melhor debatido adiante.

As religiões se concentram no indivíduo (apesar de suas particularidades quanto ao


alcance da experiência religiosa), buscando a verdade literal sobre seu espírito (suas
origens, leis, costumes ideais). Embora alguns paradoxos permeiem seus dogmas (a
condição de um povo santo, mas também pecador, como no caso das religiões cristãs),
a crença em uma apreensão da alma distancia uma das orientações junguianas que está
na apreensão do símbolo como único passível de tal atividade. Tal noção, embasa a
inserção da Psicologia Analítica no campo científico. Isso é visto por seu precursor como
um caminho exequível para o conhecimento do inconsciente e processos psíquicos cuja
linguagem consiste no “mitologema” (ou linguagem dos mitos).

Baseado em estudos dos casos clínicos que conduziu, Jung propôs que as imagens
com as quais o inconsciente se comunica com nossa consciência, remetem a símbolos
oriundos de nossas experiências ancestrais, dotadas de elementos típicos. Tais
experiências estariam registradas em nosso inconsciente e transmitidas entre as
gerações, o que explicaria a perpetuação de ritos que, embora em uma observação
preliminar (destituída de conhecimento histórico mais amplo) sejam julgados sem
semelhança com qualquer outro, teriam similaridade com o que era realizado por nossos
ancestrais. Assim, arquétipos seriam manifestações no inconsciente coletivo em cada
indivíduo que em suas representações sobre imagens, transpõem ideais, experiências,
sentimentos etc. de um coletivo. Nesse caso, os arquétipos seriam mais um indício sobre
a atuação de processos psíquicos em fenômenos comuns aos seres humanos, como são
as experiências religiosas.

Entendendo os processos psíquicos cuja linguagem são os temas concernentes ao mito,


esse nos fornece entendimentos sobre como inconsciente e consciente atuam. Aqui,
embora a leitura das narrativas mitológicas chame atenção especial por suas alegorias,
é importante enfatizar a não literalidade de figuras, e sua função poética é metafórica.

Isso pode ser notado no estabelecimento de unicidade entre três ou quatro representações
de elementos primordiais para a vida. O número três se faz presente na unificação do
masculino e divino – pai, filho, espírito santo; enquanto o número quatro na unificação
do masculino, feminino e natureza – pai, mãe, terra, fruto. No primeiro grupo, pai e
filho são espírito santo (filho como imagem e semelhança do pai), e a figura divina é
ambos. Já no segundo, o pai, ao unir-se à mãe e conceber o filho, gera um ser não divino,

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UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

com exuberância própria da natureza. Se no primeiro, as figuras se complementam, no


segundo, são compensatórias – a mãe compensa o pai (já que diferentes), produzindo
um fruto que contem semelhanças de ambos, mas com sua própria existência.
Eis duas vertentes sobre o entendimento do inconsciente, que podem o adjetivar em
uma classificação complementar, e em outra compensatória. Na perspectiva junguiana,
o insconsciente é entendido como compensatório à consciência.

Alquimia

Figura 3.

Fonte: <http://lounge.obviousmag.org/anna_anjos/2013/11/a-alquimia.html>.

Na Alquimia seria possível identificar indícios de que fenômenos químicos na


verdade seguem forças do inconsciente, e não externas. Isso poderia ser notado na
transformação de elementos em diferentes estados físico-químicos, que apesar de uma
variação específica, a interpretação alquímica demonstrava mais uma externalização
dos símbolos ancestrais presentes em várias culturas, do que propriamente uma
leitura que pudesse refletir o que poderia ser verificado na experiência. Segundo
Jung (1990):

[...] apesar dos elementos serem quatro (terra, água, ar e fogo) e quatro
as qualidades (quente, frio, seco e úmido), havia apenas três cores:
preto, branco e vermelho. Uma vez que o processo nunca conduzia à
meta desejada, cada uma de suas partes nunca era levada a termo de
modo padronizado; a mudança na classificação de seus estágios era
devido ao significado simbólico do quatérnio e da Trindade ou, em
outras palavras, era devido a razões de ordem interna e psicológica, e
não externa (JUNG, 1990; pp. 242-243).

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ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

A manipulação da natureza não se daria de forma a se conhecer pelo desejo de


conhecimento, mas porque também, nos períodos em que se consideram os primeiros
sinais, havia muitas pretensões.

Por exemplo, o da vida eterna e o da riqueza pela posse do ouro. Assim, muitos
elementos naturais como terra, fogo, água, eram fonte de vida, dos quais originavam
bens preciosos, e em torno dos quais seria possível, por sua transformação, o controle
da vida.

Em sua obra ‘Psicologia e Alquimia’, Jung fala da centralidade do símbolo em processos


psicológicos, notadamente reconhecidos na Alquimia. Cada objeto utilizado em rituais
não tinha apenas um valor funcional, mas a representação da natureza, em sua relação
com o homem e com o divino. Por exemplo, um vaso faz alusão à fertilidade, em seu
formato que lembra o órgão de gestação.

Figura 4.

Fonte: <http://simbologiaealquimia.blogspot.com/2007/09/fases-da-obra.html>.

É provável que muitos achem o conhecimento alquímico inválido, que de nada contribui
para um entendimento respeitado sobre os fenômenos da natureza. Ainda mais com
a química enquanto ciência, e suas metodologias de investigação que garantem uma
verificabilidade, ao menos até certo ponto.

O fato é que para a Psicologia Analítica, sua linguagem tem muito mais a contribuir se
pensarmos em termos de funcionamento psíquico e os indícios de um inconsciente que
se constrói ao longo das eras, se comunicando por símbolos.

Um conhecimento sobre a Alquimia exige maior dedicação sobre o entendimento de mitos


e como historicamente seria possível identificar comunalidades no compartilhamento de
símbolos desde nossos ancestrais. Na tentativa de realizar uma breve contextualização
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UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

de seu surgimento, Costa, Piza e Santos (s/d), descrevem indícios associados à “Maria,
a profetiza”, considerada uma das primeiras alquimistas, responsável pela produção de
instrumentos de modificação dos estados químicos e físicos da matéria.

Figura 5.

Fonte: <http://oplusultra.blogspot.com.br/2015/07/maria-profetisa.htm>.

Segundo os autores, Zózimo de Panápoles é considerado precursor da alquimia no


Egito. Para ele, a alquimia era sagrada, e analogamente à mudança do metal para ouro,
seria a morte e ressurreição. Os processos seriam possibilitados pelos objetos criados
por Maria, a Judia. Também, Olipomodoro (alquimista posterior à Zózimo), teria feito
uso dos instrumentos de Maria.

Uma outra simbologia valorizada na Alquimia é o fogo. Em um de seus símbolos, a


Tábua Esmeraldina, existe a menção da semelhança entre o celeste e o terrestre, no
qual um contém o outro.

Figura 6.

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=6Ris3W8kUSk>.

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ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Costa et al. (s/d) nos mostram que sua importância advém, do entendimento sobre o
processo alquímico a partir da interação entre o céu e a terra. Nessa interação, tudo é
obtido do movimento entre o que é antagonista, como o ar e o que é terreno. O mercúrio
seria a substância separadora do puro e impuro, que vai da terra ao céu, unindo ambos.
Seria essa força capaz de representar o retrato do universo.

É importante ressaltar, a trajetória junguiana desde a escolha pelo curso de medicina à


teorização sobre o inconsciente coletivo, e tudo que implicou nisto.

Figura 7.

Fonte: <http://pablo.deassis.net.br/wp-content/uploads/2011/09/cg_jung_2.jpg>.

Uma entrevista realizada no ano de 1959 (Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?v=G2vGvPF1GME>), mostra Jung, na época morando na Suíça, aos 84 anos.
O entrevistador pergunta sobre sua vida desde a infância, a escolha pela medicina, sua
relação com Freud, a possibilidade de mais uma guerra e a morte.

Inicia com a pergunta sobre quando Jung se deu conta de seu self individual. Ele traz
uma situação em que, saindo de uma névoa, se deparou com o fato de ser diferente dela.
Isso ocorreu por volta dos 11 anos de idade.

Jung diz que a escolha por medicina foi uma conveniência por sentir que poderia fazer
algo útil para humanidade. Contudo, se interessava por zoologia, cultura egípcia e
filosofia. Durante seu percurso acadêmico, diz ter passado por dificuldades, inclusive
por um professor duvidar de sua capacidade de escrita. Foi ao longo dos estudos para a

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UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

realização de provas, que ele se deparou com um livro de psiquiatria, o que redirecionou
sua carreira para uma área que na época não era tão valorizada quanto hoje (chega a
afirmar que a psiquiatria naquela época “não era nada”).

O contato com Freud se deu a partir das leituras iniciais sobre histeria e interpretação
dos sonhos. Posteriormente, quando escreve um de seus livros sobre a origem precoce
de demências, o envia para Freud e passam a se comunicar e trocar visitas, discutindo
sobre temas de interesse comum (como a interpretação de sonhos, por exemplo).

Jung chega a afirmar que discordava de Freud em muitos pontos, inclusive sobre
sempre estar duvidando das coisas, enquanto Feud tinha uma visão mais rígida sobre
as coisas (o que, segundo Jung, impossibilitava o aprofundamento de conversas sobre
determinados assuntos dos quais Freud era convicto).

Falando acerca da interpretação de sonhos, o entrevistador pergunta se seria possível


prever uma Terceira Guerra Mundial com base no conteúdo dos sonhos das pessoas,
assim como foi sugerido por Jung em relação à Segunda Guerra. Jung diz que naquela
época, as pessoas já estavam apavoradas com muitas coisas, o que dificultava a relação
dos conteúdos com acontecimentos proeminentes.

Outro tema tratado na entrevista, foi quanto ao inconsciente coletivo. Será que a
humanidade se aproximaria de uma “coletivização”? Jung diz que haveria uma reação
a isso, pois o indivíduo não suportaria ser anulado pelo outro.

Por vezes, o entrevistador utiliza palavras associadas à crença, perguntando a Jung se


ele acredita em determinado assunto ou acontecimento. Jung diz que não gosta desse
termo, pois parte de hipóteses e de fatos, portanto, ao invés de acreditar em algo, ele
sabe de algo.

Também havia sido questionado se sua teoria seria mais confiável do que a de Freud, e
a opinião dele quanto ao rigor e verificabilidade, mas Jung afirma que não é seu próprio
historiógrafo para fazer afirmações sobre isso.

Uma das últimas perguntas questiona o que ele diria para pessoas idosas, acerca da
morte. Afirma que já atendeu vários pacientes nessa faixa etária, e achava impressionante
como o inconsciente dessas pessoas negavam a morte, mesmo tendo isso como um fato.
A morte não seria o fim, já que nossa consciência não estaria presa ao tempo cronológico
e ao espaço.

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ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Canto para minha morte

Intérprete: Raul Seixas. Fonte: <https://www.letras.mus.br/raul-seixas/48303/>.

Eu sei que determinada rua que eu já passei

Não tornará a ouvir o som dos meus passos.

Tem uma revista que eu guardo há muitos anos

E que nunca mais eu vou abrir.

Cada vez que eu me despeço de uma pessoa

Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez

A morte, surda, caminha ao meu lado

E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?

Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?

Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?

Na música que eu deixei para compor amanhã?

Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?

Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,

E que está em algum lugar me esperando

Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,

Pois em qualquer lugar esperas só por mim

E no teu beijo provar o gosto estranho

Que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar

Vem, mas demore a chegar.

Eu te detesto e amo morte, morte, morte

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UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Que talvez seja o segredo desta vida

Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte?

Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.

Existem tantas... Um acidente de carro.

O coração que se recusa abater no próximo minuto,

A anestesia mal aplicada,

A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida

O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,

Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,

Que matas o gato, o rato e o homem.

Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar

Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva

E que a erva alimente outro homem como eu

Porque eu continuarei neste homem,

Nos meus filhos, na palavra rude

Que eu disse para alguém que não gostava

E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim,

Pois em qualquer lugar esperas só por mim

E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo, mas tenho
que encontrar

Vem, mas demore a chegar.

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ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Eu te detesto e amo morte, morte, morte

Que talvez seja o segredo desta vida

Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Figura 8.

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=J_OefOoZUB4>.

O trabalho em consultório não necessariamente está implicado em dar voz, ou


permitir que o indivíduo se expresse livremente. Mas, na abordagem junguiana,
embora um terapeuta tenha conhecimento teoricamente referenciado, ele se
colocará como um outro ser humano na psicoterapia. Isso é considerado uma
das principais influências do humanismo, e outras abordagens.

Vindo de uma tradição médica, Jung teve que moldar seus estudos às perspectivas
predominantes influenciadas por correntes filosóficas como o materialismo
e empirismo. É tanto que em sua tese utilizou procedimentos experimentais.
Inserido nos moldes da razão no início de sua carreira, fez ressalvas acerca de
suas proposições iniciais. Uma das principais observações diz respeito à alma:
como comprovar a sua existência empírica?

Na verdade, se Jung fez uma aproximação à Psicologia como ciência moderna,


reconhece que sobre certos fenômenos ela não teria procedimentos coerentes
ao acessá-la, já que diz de algo mais profundo. Ele passou a descrever um de
seus principais conceitos, que é o de individuação. Esse processo consiste na
busca pelo “deus em si mesmo”. Imagine quanto descrédito teria essa frase para
uma perspectiva que necessita de condições palpáveis, materiais.

Esses temas são debatidos pelo psicólogo Antonio Lima, em participação


de encontro promovido pelo grupo GETAP, vinculado à UnB. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=J_OefOoZUB4>.

21
UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Após assistir ao vídeo, reflita e responda sobre as seguintes questões:

»» Qual a importância de pensar sobre uma vida psicológica e a


aproximação dela com uma vida natural?

»» Qual a relação entre consciência, espaço, e tempo, em uma perspectiva


junguiana?

»» Como o conceito de sombra nos ajuda a entender a relação entre


inconsciente coletivo, saúde e adoecimento?

»» Qual a influência da Alquimia para pensar a psicoterapia junguiana?

»» O que quer dizer amplificar a interpretação dos conteúdos dos sonhos?

»» Qual o entendimento sobre o sonho e a doença na abordagem


junguiana?

Ciência e psicologia analítica


Jung não escapa aos preceitos da ciência. Em Psicologia e Alquimia, ele falou sobre ver
na Psicologia um meio para mostrar que o que tinha falado não ficaria nas mãos das
religiões que encaram a experiência simbólica como literal.

Por outro lado, são feitas algumas ressalvas quanto ao seu entendimento sobre alma,
por exemplo. De todo modo, é sabido que ele reconhece que em certo ponto, as coisas
não podem ser mensuradas, mas isso não quer dizer que elas não estejam ocorrendo.

Nesse contexto, podemos trazer para debate, o que nos diz Chauí (2012) sobre ciência e
as ideias a ela associadas de evolução e progresso.

Inicialmente, pensando em concepções sobre ciência, temos o racionalismo, o


empirismo e o construcionismo. Os dois primeiros se dirigem às leis gerais sobre as
coisas, um partindo de um modelo hipotético-dedutivo, ou seja, a partir de uma lógica
(a matemática) seria possível elencar as leis sobre todas as coisas; o outro partindo
do hipotético-indutivo, pois seria a partir do experimento a possibilidade de testar e
comprovar as leis que regem as coisas. No caso do construtivismo, embora o pensamento
e a experiência sejam importantes, a realidade não está em si mesma, mas é construída
a partir de um conhecimento aproximativo.

O que tem predominado é a ideia de uma ordem causal sobre as coisas. Por exemplo,
um acontecimento causando o subsequente. Tal perspectiva sustenta a ideia de que
o futuro é melhor que o passado, ou seja, tudo quanto for produzido posteriormente
supera o que o antecede.

22
CAPÍTULO 2
Sociedade, cultura e indivíduo

Figura 9.

Fonte: <http://csm7anoa.pbworks.com/f/1290172320/mediummultiracialbk3.jpg>.

A discussão sobre cultura remonta disciplinas como Sociologia e Antropologia.


Não que exista uma concepção homogeinizada, um consenso sobre o que seja o
conceito. Na verdade, o entendimento dependerá de influências filosóficas, bem
como correntes de pensamento, senso comum e movimentos dentro da ciência.

Ortiz (2002) afirma que o debate sobre cultura nem sempre teve prestígio no campo
científico, e entre as Ciências Sociais, em especial a Antropologia e História, o estudo
das civilizações e sociedades indígenas, deram visibilidade a termos como “território”,
“fronteiras”, “local”, “nacional”. O termo cultura é percebido como alvo de diversas
intenções, sendo um lugar político nem sempre associado ao lugar de poder. O autor
também sugere que é preciso uma compreensão das implicações sobre os significados
a ele atribuídos. Em outras palavras, de uma revisão dos conceitos tradicionalmente
postos, devido à globalização que consistiu na unificação de mercados, com
consequências sobre relações entre indivíduos e com os territórios onde convivem,
transitam, residem etc. “A consolidação da modernidade-mundo, a presença dos
meios tecnológicos de comunicação, a unificação dos mercados no seio de uma unidade
integrada, global, altera radicalmente o substrato material no qual estão inseridas as
culturas.” (ORTIZ, 2002, p. 30).

Outra discussão relacionada ao termo cultura, diz respeito à sua suposta oposição à
natureza. Nesse sentido, a cultura seria o que nos diferencia dos animais, por exemplo.

23
UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Contudo, o binarismo natureza-cultura pode ser questionado, como podemos perceber


em entrevista com o antropólogo Claude Lévi-Straus, realizada por Castro (2009).
Levi-Straus, cujo um dos temas de seu interesse envolve a separação entre natureza e
cultura, na verdade reconhece que tal visão binária se trata de uma ilusão imposta por
uma necessidade da razão. Inclusive, ao ser questionado durante a entrevista sobre
o futuro da Antropologia, faz uma alusão ao entendimento sobre como os conceitos
mencionados anteriormente são relacionados. Assim, a questão não seria saber uma
distinção, mas o que está no entremeio desse debate. Como afirma o antropólogo, “as
coisas interessantes se passam entre as duas, lá onde as duas estão se comunicando.”
(LEVI-STRAUS, citado por CASTRO, 2009, p. 196).

Para Vieira (2006), a perspectiva junguiana sobre história envolve uma dialética
entre o sujeito e universo simbólico que, por sua vez, é permeado pela cultura.
A compreensão sobre pensamento e consciência está em função para que se compreenda
conteúdos inconscientes. Segundo o autor, Jung considera que a psique é produzida
historicamente. Transitamos de um passado cujo pensamento foi baseado em mitos,
no qual os símbolos refletiam esse modo de pensar; enquanto que após a Escolástica, a
centralidade se deu para o pensamento lógico.

Com isso, é importante lembrar que o precursor da Psicologia Analítica elaborou


sua teoria em uma época na qual o modelo científico baseava-se na verificabilidade
de fenômenos observáveis e sistematicamente repetidos. Embora tenha trazido para
debate na Psicologia, a questão da religião e da alma, a proposição de um de seus
principais conceitos, os arquétipos, é sustentada pela verificação de tais estruturas, a
partir de manifestações psíquicas (como o sonho, por exemplo).

Outra proposição, é a de que a psique é coletiva, o que inclui consciente e inconsciente


coletivos. Dado isso, as neuroses teriam como origem os conflitos derivados do que se
instaura enquanto problemática que se transmite entre as gerações, e na frustração de
não conseguir resolvê-las. Ainda em Vieira (2009), ocorre uma aproximação de Jung
com o pensamento de Espinosa, quando ambos concordam que não há oposição entre
corpo e alma. Como desdobramento disso, o âmbito da cultura tem espaço quando os
homens descobrem o proveito de uma vida em comum. Portanto, um encontro saudável
se dá em recriar a relação com a natureza, a partir da confrontação do inconsciente
pela consciência: o que recria a relação entre natureza e cultura e opera a recriação
sociocultural.

As atividades culturais estão relacionadas aos modos de sobrevivência do indivíduo.


A religião é uma delas, e acredita-se que sua origem está na psique. Por sua vez, a
afirmação sobre os fenômenos da natureza irem além da ação humana, leva à crença

24
ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

em forças superiores, como as divindades. De uma maneira geral, a religião se dirige a


modos de aproximação com divindades que controlam o mundo.

O tempo, a identificação e diferenças com outros e a experiência de morte (incluindo


a noção de finitude e continuidade) podem ser relacionados à crença em divindades
que ordenam a continuidade da vida. A permanência em outro tempo ou outro mundo
após a morte, caracteriza o núcleo da religiosidade e experiência do sagrado. Isso é
constatado em rituais de condução a outra vida após a morte, em diversas religiões.

Campbell (1964/2004) compara as religiões de origem ocidental e oriental.


Não se pretende que uma perspectiva seja suprema em relação à outra, mas estudar sua
contextualização histórica, relacionando com a compreensão sobre alma, traz indícios
sobre como as concepções acerca do universo e o lugar das pessoas nele incrementam
práticas humanas saudáveis ou adoecedoras das relações entre os indivíduos.

Figura 10.

Fonte: <https://www.blogvambora.com.br/wp-content/uploads/2013/03/mapa_Istambul.jpg>.

Como Jung já mencionava em sua obra ‘Psicologia e Alquimia’, a influência das religiões
diz muito sobre o entendimento que temos sobre o inconsciente. A depender de como
nos distanciamos e nos aproximamos dele, proporcionalmente atingimos ou nos
distanciamos de nossa totalidade, entendemos ou nos rebelamos contra a riqueza da
diversidade das culturas, nos aproximamos ou distanciamos da liberdade do exercício
da espiritualidade. O exemplo da repressão inconsciente e sua compensação em atos
fanáticos (como o holocausto, as perseguições aos povos, a intolerância religiosa etc.),
indicam a importância de entender a experiência religiosa não como um dogma estático
e absoluto sobre a verdade, mas pela completude espiritual que as religiões podem
proporcionar na aproximação ou plenitude do divino e humano. Em geral, as religiões
de origem oriental são dirigidas para um autoconhecimento, enquanto as religiões de
origem ocidental, ao colocar o sagrado externo ao interior do indivíduo, o comparam a
uma entidade perfeita a qual exercerá a função de exemplo a ser seguido.

25
UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Elíade (1952/1991) traz uma discussão peculiar sobre a história da religião e sua
aproximação com a Psicologia. A aproximação entre ambas, segundo o autor, se dá
pelo interesse sobre “situações limites”, relacionadas aos momentos quando o homem
toma consciência do seu lugar no universo. É preciso que se entenda o homem na
história, e como determinada cultura escolhe determinados símbolos, o que sustenta as
influências do entendimento sobre a própria natureza entre as gerações. Mas, além do
período histórico, nos encaminhamos para o entendimento da alma, considerada como
a verdadeira totalidade humana. Apresenta a ideia de que não basta a discussão histórica
e existencial sobre os acontecimentos religiosos, e a psicologia profunda (expressão que
se refere ao estudo do inconsciente pela Psicologia) tem exercido um conhecimento
importante sobre símbolos e imagens, como é o entendimento sobre arquétipos.

Figura 11.

Fonte: <http://religiao.culturamix.com/religioes/qual-e-a-verdadeira-religiao/>.

Segundo Portela (2013), para entendermos a perspectiva da qual Jung parte sobre
religião, é necessário entender a origem etimológica do termo. Assim, dois são
importantes: relegere e religare.

O termo relegere origina-se de cultos antigos nos quais havia um cuidado com o
entendimento dos desígnios dos deuses, como também sobre os rituais em seus cultos.
Enquanto que o termo religare, é utilizado para referir-se à necessidade da ligação
entre um Deus correto e o indivíduo.

Para Jung, esse último entendimento não condiz com o caráter inato da experiência
religiosa, a qual teria íntima relação com o processo de individuação. Segundo nos
apresenta o autor, Jung, ao propor que o equilíbrio da psique tem como principal
elemento o símbolo, a religião, nos proporcionaria uma disposição à compreensão
simbólica, o que por sua vez, contribui para a totalidade do indivíduo, ou seja, supera
antagonismos inconscientes e conscientes.

26
ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

O conceito de sincronicidade e sua relação


com a ideia de não causalidade

Sobre a cultura e o modo de pensar a vida, os fenômenos da natureza, as produções


humanas, temos uma ciência moderna no ocidente marcada por um pensamento causal
no qual a natureza poderia ser controlada e suas leis testadas e comprovadas.

Vamos pensar sobre o método científico na perspectiva moderna. Nele se faz de grande
importância dar atenção aos parâmetros: verificabilidade, causalidade, distanciamento
do observador sobre o objeto, teste de hipóteses e leis generalizáveis.

É sobretudo quanto à ideia de causalidade que é possível notar contrapontos em uma


perspectiva junguiana.

Em uma perspectiva oriental, o acaso não era dispensado, já que dizia sobre a natureza
das coisas, nem sempre previsível, e interdependente dos fatos objetivos e subjetivos
daqueles que a observam.

Sabendo que Jung começou em um molde científico moderno. Também teve auxílio
para que sua teoria atendesse parâmetros científicos. Porém, um dos conceitos que
merece destaque, a sincronicidade, nos faz referência total à oposição à visão causal
para uma visão de casualidade.

A influência da religião sobre a produção de conhecimento, no oriente, teve como


elemento fundamental um autoconhecimento capaz de orientar perguntas das quais
dependem boas respostas. Não haveria uma causa, mas uma interconexão que conduz
aos acontecimentos.

Foi de interesse de Jung se aproximou aos estudos da cultura chinesa, especialmente


do sinólogo Richard Wilhelm. Logo na década de 1920, a influência foi de que a
ciência chinesa estava centrada mais na experiência natural, do que no teste de uma
verdade absoluta. A proposição do termo sincronicidade valoriza a interdependência
entre acontecimentos, tanto em seus aspectos objetivos, quanto dos estados subjetivos
daquele que observa.

Considera-se que a influência sobre esse conceito passou por duas fases, a primeira
já apresentada sob influência do sinólogo Wihelm, e a segunda pela influência do
físico Pauli.

27
UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Figura 12. Richard Wilhelm (1873-1930).

Fonte: <https://schoolofwisdomcom.files.wordpress.com/2017/02/richardw.jpg>.

Figura 13. Wolfgang Pauli (1900-1958).

Fonte: <http://scarc.library.oregonstate.edu/coll/pauling/catalogue/09/1926i.61-pauli-600w.jpg>.

Segundo Caprioti (1998), a própria física teve influência no conceito de sincronicidade,


sobretudo com a parceria estabelecida entre Jung e Pauli. Isso passou a ser realidade
e teve visibilidade no meio científico. Tanto é que o conceito de arquétipo passou a
ser debatido como influenciador da ciência; como alguns fenômenos identificados pela
física possuíam uma descrição de causalidade.

Diante aos impasses que ciência e religião podem evocar, encontramos na arte
cinematográfica várias referências, dentre as quais podemos destacar a série Game of
Thrones (baseada na obra Crônicas de Gelo e Fogo do autor George R. R. Martin, e
estreada em um canal de TV fechada, a HBO); e o filme Pantera Negra (dirigido por
Ryan Coogler, da Marvel Studios, 2018).

28
ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Figura 14.

Fonte: <http://ambrosia.com.br/rpg/olhares-observacoes-religiao/>.

A religião está repleta de sentidos para aqueles que tem experiência religiosa.
Podemos perceber que a partir de determinadas crenças, alguns dogmas são
instituídos.

Considere a importância da religiosidade e como as religiões poderiam ter distinções


e similaridades entre si. Após isso, tente responder às seguintes questões:

»» O que são as experiências religiosas, em uma perspectiva junguiana?

»» Qual a diferença entre dogma e experiência religiosa?

»» Como os dogmas podem instituir condutas que influenciam o


relacionamento entre as pessoas e como podemos observar a
influência desses, no mundo atual?

»» Quais as consequências de pré-concepções sobre as religiões?

Figura 15.

Fonte: <https://www.joe.ie/movies-tv/eastenders-actress-joins-game-thrones-season-8-616841>.

29
UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

A referida série, conta a história de Westeros, um reino dividido em “casas” representadas


por famílias que conquistaram poder ao longo dos anos; além da “muralha”, território
onde se localiza uma grande barreira de gelo que defende “o sul” de ataques de selvagens.
No tempo em que a história começa a ser contada, o rei Robert Baratheon governa os
sete reinos, e é amigo do guardião do Norte, Eddard Ned Starck.

A trama envolve a tomada de poder pela derrota dos Targaryem, família cujos feitos
eram lendários pelo domínio de dragões. Seus últimos descendentes que se tinha
conhecimento, Daeneris e Viserys Targaryem, exilados para além do fictício Mar
Estreito, lutam para voltar e tomar o trono que lhes pertencia por direito.

É importante destacar a família Lannister, detentora de riquezas e alianças, especialmente


a figura de Cersei (Baratheon) Lannister, rainha de Westeros, que encomenda a morte
de seu marido, após sentir seu segredo ameaçado com a descoberta de Ned Starck, cujo
filho sofreu tentativa de assassinato por James Lannister, irmão de Cersei, após ter
flagrado uma cena de incesto entre ele e a irmã.

Esse é apenas o início da trama que, ao longo de sete temporadas, apresenta a história
de territórios e disputas, ritos e rituais, costumes que remontam o ocidente e oriente.

Figura 16.

Fonte: <https://pipocandonainternet.wordpress.com/2015/04/12/especial-game-of-thrones-serie-de-tv-2011/>.

Cabe destacar uma das cenas emblemáticas, quando Daenerys Targaryem, após uma
série de dificuldades, percorrendo cidades rumo à Westeros, luta contra a escravidão,
e passa a ser adorada pelo povo de um dos lugares. A figura da “Mhysa” (como foi
aclamada), quer dizer mãe.

Além do enredo e por toda simbologia que envolve, vale à pena assistir refletindo sobre
como a ficção pode se basear em analogias com cidades e costumes reais.

30
ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE I

Figura 17.

Fonte: <http://www.planocritico.com/critica-pantera-negra-sem-spoilers/>.

Quanto ao filme, é inspirado em uma das histórias em quadrinhos da Marvel. Segundo


podemos encontrar na página Adoro Cinema (disponível em: <http://www.adorocinema.
com/filmes/filme-130336/>), mostra um lugar do continente africano escondido por
anos, com paisagens naturais que não comumente são divulgadas. O nome do lugar é
Wakanda, onde um alto desenvolvimento da tecnologia divide espaço com tradições
espirituais, como mostra o ritual de passagem de trono de um rei e pantera negra ao
seu descendente. O enredo se passa a partir de acontecimentos relacionados à mote do
rei T’Chaka e toda as celebrações que envolvem a passagem da coroa para o príncipe
T’Challa. Ocorrem divergências entre os representantes de tribos que dividem o território
de Wakanda, e mostra o papel da mulher como guerreira e cientista. A trama também
envolve a busca por um fugitivo que rouba uma matéria-prima preciosa e que está na
base da proteção do território, o vibranium.

Apesar de ficção, Pantera Negra nos leva a uma reflexão sobre perspectivas mais
unificadoras sobre tradição e tecnologia, papéis assumidos por gênero, bem e mal.

Figura 18.

Fonte: <http://ileasemariaconga.blogspot.com.br/2011/01/estudos-umbanda-nao-e-candomble.html>.

31
UNIDADE I │ ASPECTOS CULTURAIS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

É frequente confundirmos o Candomblé, uma religião africana, e a Umbanda,


com sua origem no Brasil.

Sobre o Candomblé, o culto às divindades chamadas Orixás continua a seguir


referenciais africanos, e se espalhou por diversos territórios brasileiros, em
grupos conhecidos como Nações do Candomblé.

No caso da Umbanda, é considerada a única religião de origem brasileira, cujo


ano de criação é estimado por volta de 1917. É importante ressaltar que ela tem
como base o sincretismo religioso, unindo cultos da Igreja Católica, da doutrina
espírita Kardecista, entre outras religiões. Na Umbanda, são nomeados sete
Orixás, adaptando aqueles cultuados no Candomblé. A repressão do culto dos
orixás é associada à necessidade de uma adaptação à cultos que não seriam de
origem africana, originando o surgimento da Umbanda.

Fonte: <http://ileasemariaconga.blogspot.com.br/2011/01/estudos-umbanda-nao-e-candomble.
html>.

32
ASPECTOS
TEÓRICOS DA UNIDADE II
PSICOLOGIA
ANALÍTICA
Figura 19.

Fonte: <http://www.terapiaemdia.com.br/wp-content/uploads/2009/09/romance-293x300.jpg>.

Como recorda Serbena (2010), os arquétipos, de modo geral, atuam na psique de forma
semelhante, por meio de símbolos. Por sua vez, os mitos são expressões simbólicas
resultantes da interação entre inconsciente (fornecendo símbolos) e consciência
(atribuindo sentido).

A libido, dirigida a objetos internos e externos, dirige-se à totalidade, porque envolve


tanto uma regressão e uma progressão, ou seja, o ego se dirige tanto internamente como
externamente, e a totalidade se dá integrando o indivíduo, o que lhe é interno ao que
lhe é externo.

Esse movimento é fundamental, visto que os símbolos são compartilhados entre


gerações, e a direção a que é a realidade circundante permite que a partir da função
simbólica, fantasia e real sejam identificados como distintos.

Sendo a mitologia constituída por simbologia, resulta da relação entre estruturas


inconscientes, os arquétipos. Esses são universais, e a teoria justifica tal universalidade
baseada no que é similar em diferentes culturas e épocas, e seu imaginário.

33
UNIDADE II │ ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Figura 20.

Fonte: <https://www.cafecomjung.com/mitologia/>.

Hellen Reis é responsável pela página Café com Jung, que discute sobre conceitos
e reflexões a partir da perspectiva junguiana na Psicologia Analítica. Em uma
linguagem simples e acessível, é possível realizar consultas e mesmo fazer
comentários sobre os temas apresentados. O endereço da página é: <https://
www.cafecomjung.com/>.

34
CAPÍTULO 1
Psicopatologia arquetípica

Figura 21.

Fonte: <http://www.gnose.org.br/wp-content/uploads/2013/10/alquimia.jpg>.

O que seria adoecimento para Jung? Teria alguma função? O que é importante: entender
o “porquê” ou o “para que” do adoecimento? Qual o papel disso para o processo de
individuação?

O adoecer nos leva a uma perspectiva de entendimento sobre sua direção (e não apenas
de onde veio), e segundo Padua (2017), existe uma função transcendente importante
para a individuação.

A história da humanidade mostra, até aqui, que o modo como se formaram concepções
sobre os mais variados assuntos, seguem uma repetição as quais, embora não sejam
nítidas em uma primeira aproximação, têm correspondência. Bernardo de Gregório, um
psiquiatra e psicoterapeuta de abordagem junguiana, resgata a partir do tema sobre o
papel da mulher, como esse mudou com a influência do patriarcado que não agiu apenas
sob a ordem do cristianismo, mas remontam grupos humanos que não se resumiam à
civilização grega, como também a outros povos que conviveram em diferentes épocas.

Segundo Gregório, desde a pré-história, a convivência e as necessidades de nossos


ancestrais sofriam influência das condições impostas pelo ambiente. Os papeis
desempenhados por ambos os sexos buscavam garantir a sobrevivência, e as
particularidades biológicas interferiam em graus significativos sobre a função que
homem e mulher desempenhariam em seus agrupamentos. A gestação feminina e
seu ciclo anual de reprodução, procriação e amamentação praticamente impuseram
conhecimentos específicos sobre o cuidado com seus descendentes e manutenção
de recursos de sobrevivência providos pelo homem que, sem a gestação e o período

35
UNIDADE II │ ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

necessário de cuidado com a prole, caçava e precisava recompor suas energias, bem
como um ambiente capaz de prover segurança frente a predadores, e que pudesse
armazenar o alimento. Essas relações aproximaram a mulher da agricultura (resultado
de um longo processo de associação de fenômenos como germinar uma semente na
terra). Menstruação não havia, já que após seu período de ovulação, logo era fecundada.
Toda essa forma de convivência deu lugar à busca pelo entendimento sobre fenômenos
naturais, explicações sobre o que acontecia e seus porquês. As explicações foram em
grande parte fundadas em pensamentos mágicos, muito distante do que mais tarde se
entendeu como ciência. Tais explicações, em uma perspectiva junguiana, não são tidas
como devaneios que povos antigos empregaram, mas um sistema de símbolos e seus
significados, concretizados em narrativas e ritos.

Esses termos são extremamente importantes na Psicologia Analítica de Jung. Nessa


perspectiva, um termo mostra que o inconsciente não seria apenas individual, mas
coletivo; para o outro é que esse inconsciente é simbólico, não tem lógica, mas por ter o
símbolo como expressão, tem-se e convergência de opostos originados na experiência.
Se para um símbolo atribui-se uma lógica, este passa a não ser mais um símbolo. São
os arquétipos a forma inerente a todo ser humano, de criar padrões de entendimento,
que se prolongam por meio de imagens arquetípicas.

Tomando como exemplo o papel da mulher, como nos lembra Gregório, no que se
refere ao corpo feminino, são identificadas influências de sua relação com a natureza,
semelhante aos ciclos de plantações, cujo início se dava a partir do germinar de uma
semente em terra fértil. Isso contribuiu para o entendimento de ciclos que se renovam a
cada ano, tal qual o período fértil e de gestação, pelos quais mulheres passavam. Grande
parte da mitologia se deu pela valorização de divindades femininas, e a tradição e rituais
envolviam um sacrifício da melhor semente à mãe terra, para que a colheita fosse farta e
suprisse as necessidades de uma aldeia. Tal como a mulher, a terra também operava em
ciclos, e seria preciso agradar à deusa mãe (ou Gaia) para que se tivesse um bom retorno.

Figura 22.

Fonte: <http://hb-camp.weebly.com/uploads/1/0/9/1/10911395/208438794.jpg>.

36
ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE II

Ele cita também, a deusa Artémis que integra a mitologia, e seu culto remonta ao
momento em que mulheres rompem com a tradição de participar de rituais de
fertilidade. Segundo nos conta Gregório, a partir do momento que não seriam mais
fecundadas, eram banidas dos centros onde os grupos se estabeleciam. A menstruação
integra o ciclo feminino, passando de um ano para vinte e oito dias. Essas mulheres,
a partir da necessidade de sobrevivência, exploravam os recursos da floresta a
fim de conhecer seus benefícios e malefícios, e mantêm hábitos noturnos, já que
durante o dia ficariam mais vulneráveis a caçadores e a outros perigos que pudessem
ameaçá-las. A lua passa a ser percebida como influente em seu ciclo, e como precisam
caçar pequenos animais para se manter, é para a figura da Artémis, deusa da lua e caça,
que são realizados rituais.

Prosseguindo nessa ideia, a valorização da figura feminina, por sua vez, o patriarcado
a ameaçou fortemente com a imposição do homem como centro da organização social,
nos mais diversos âmbitos, incluindo relacionamentos afetivos, família, política etc.
Admitindo tal perspectiva de organização, a mulher cumprirá com seu papel procriador,
deverá se casar virgem e os descendentes não poderão casar-se com ela. Em algumas
culturas, se seu marido morre, o mesmo destino da morte é dado à sua viúva, que deverá
ser queimada em fogueira com o corpo morto de seu cônjuge.

Composta por ritos, dogmas e hierarquia, a religião também passa a ser uma forma
de explicar os fenômenos naturais e a organizar a vida em sociedade. As três religiões
atuais que exerceram e ainda exercem forte influência nos quatro continentes, são a
Judaica, o Islã e a Católica. Todas essas têm forte influência do patriarcado, e embora
não pretendam, retomam ritos e símbolos semelhantes aos que as antecederam.

Figura 23.

Fonte: <http://tvbrasil.ebc.com.br/sites/default/files/atoms/image/bernardo_gregoirio_0_grande.png>.

37
UNIDADE II │ ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Bernardo de Gregório (psiquiatra, psicoterapeuta) transita por temas filosóficos


há mais de duas décadas. Com uma articulação interessante do estudo sobre
inconsciente, história, religião e filosofia, cedeu entrevista para a TV Brasil,
discutindo sobre o papel da mulher na construção histórica do País.

Fonte: <http://tvbrasil.ebc.com.br/entreoceueaterra/bastidores/psiquiatria-e-psicoterapia>.

É possível acessar a entrevista no link: <https://www.youtube.com/


watch?v=2uDYSwitcCY>.

Por tudo, vale refletir sobre as seguintes questões:

»» Como estruturas simbólicas universais podem influenciar percepções


e vivências?

»» Qual a importância de pensar sobre a experiência espiritual, na


Psicologia?

Normal e patológico
Para Byington (2002), entendermos o normal e o patológico deve considerar que
ambos estão ao lado do processo de individuação. No entanto, não podemos patologizar
funções psíquicas normais, e, em uma perspectiva simbólica, tanto essas funções, como
aquelas patológicas, são coordenadas por arquétipos. É no processo de individuação,
interatuando com inconsciente coletivo, que são formadas as consciências individual
e coletiva. Ou seja, da função simbólica e pelos processos estruturantes de introjeção
e projeção, derivam Ego, Self, e a própria Consciência. O movimento das funções que
integram a psique, em busca de uma totalidade, se encontram entre polos. Por exemplo,
é possível citar o Self, que integra a polaridade consciente-inconsciente, cujos símbolos
e funções estruturantes constituem suas expressões.

Nessa perspectiva, o eixo simbólico em torno do qual se expressam as funções


estruturantes, é formado por Ego-Arquétipo Central, sendo que outros quatro arquétipos
regem esse eixo, e por isso são considerados arquétipos regentes:

»» Arquétipo Matriarcal;

»» Arquétipo Patriarcal;

»» Arquétipo da Alteridade;

»» Arquétipo da Autoridade.

38
ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE II

Funções estruturantes normais e defensivas

Figura 24.

Fonte: <https://losarquetipos.files.wordpress.com/2011/08/sombra1.jpg?w=300&h=225>.

O Ego que se constitui pelas representações de um indivíduo, é passível dos fenômenos


de fixação e defesa, cujo entendimento é unificado no conceito de Sombra.

A função dos arquétipos, que a princípio faz parte do funcionamento normal da


psíque, pode passar para uma função estruturante defensiva, que é a fixação. Contudo,
é importante que se considere os níveis circunstancial e cronificado, e que no estado
cronificado a defesa domina o Self individual. Nesse último caso, o patológico é
consolidado.

Como uma elaboração simbólica com defeitos, a sombra é, ao contrário da consciência,


derivada de uma fixação. Byington (2002) alerta sobre uma tendência aos redutivismos,
sendo um desafio distinguir uma sombra circunstancial de uma sombra cronificada.
Em função disso, o autor dispõe sobre defensivas e suas fixações, quais sejam: Defesa
Neurótica; Defesa Psicopática; Defesa Boderline; Defesa Psicótica.

Essa é uma perspectiva inserida na abrangência da Psicologia Analítica cujos estudos


tendem a enfocar mais conceitos específicos em relação aos demais e os arquétipos, por
exemplo.

Assim, o campo foi expandido a partir do desenvolvimento de aspectos específicos,


por aqueles considerados pós-junguianos. Ainda que não fosse pretensão de Jung que
seus estudos se fragmentassem, notamos o encaminhamento para perspectivas que
se dedicam a desenvolver estudos, acrescentando outros olhares sobre o seu ponto de
partida.

39
UNIDADE II │ ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Um deles é pensar a psicopatologia não em suas causas, mas em sua intencionalidade


psíquica (exercendo uma função psicológica), o que se aproxima mais do que se propôs
inicialmente, pode ser identificado como uma Escola Clássica.

James Hillman (1926-2011) é considerado o principal ícone da Escola Arquetípica,


como o nome sugere, dedicada fundamentalmente ao entendimento sobre o arquétipo
como essencial ao processo de individuação.

Figura 25. James Hillman.

Fonte: <https://cdn.thesunmagazine.org/thumbs/1960x1442c/photos/439-4-vanscoy.jpg>.

Outros não assumiram essa perspectiva, mas se apoiando no entendimento de que


seria no acúmulo das experiências infantis que residiria a origem de psicopatologias,
constituem a Escola Desenvolvimentista, cujo precursor foi Michael Fordham
(1905-1995).

Figura 26. Michael Fordham.

Fonte: <https://i1.wp.com/www.thesap.org.uk/wordpress/wp-content/uploads/2015/08/fordham.jpg>.

40
ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE II

Samuels (2008) citado por Padua (2017), inclui ainda a Escola Psicanalítica e a Escola
Fundamentalista. Contudo, considera as mencionadas anteriormente como mais
próximas dos desdobramentos da Psicologia Analítica.

A tabela 1 apresenta um quadro resumido do total de escolas consideradas por Samuels


e uma breve menção aos conceitos principais aos quais se dedicam.

Tabela 1. Escolas e conceitos dos quais mais se aproximam.

Escola Conceitos que exercem importância fundamental


Clássica Si-Mesmo e Individuação.
Desenvolvimentista Psicologia Infantil; desenvolvimento da personalidade; relação terapêutica (transferência e contratransferência).
Arquetípica Aspectos imagéticos e mitológicos da alma; o conceito de arquétipo é enfatizado.
Fundamentalista Fundamentalismo junguiano.
Psicanalítica Fusão da Psicanálise com a Psicologia Analítica.
Fonte: adaptada de Padua, 2017.

Padua (2017) também diz que isso apresenta uma diversificação teórica dentro da
própria Psicologia Analítica. Mas, a diversidade teórica é comparada ao pluralismo
psíquico: se esse tem uma natureza plural, logo não é necessário que se desmembre
da perspectiva mais abrangente os seus desdobramentos. Sendo assim, pouco ou mais
aprofundado, são aspectos comuns conceitos como Self e arquétipos; personalidade
e seu desenvolvimento; importância dos símbolos (experiência simbólica); relação
transferencial e contratransferencial; imagens.

SAMUELS, A. Jung e os Pós-Junguianos. Imago: 1989.

Figura 27. Andrew Samuels.

Fonte: <http://www.theconvention.co.uk/wp-content/uploads/2017/05/Andrew-Samuels.jpg>.

41
UNIDADE II │ ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Mandalas históricas

Figura 28.

Fonte: <https://previews.123rf.com/images/foottoo/foottoo1312/foottoo131200101/24229298-beautiful-historic-tibetian-
mandala.jpg>.

Figura 29.

Fonte: <https://cdn.exoticindia.com/details/buddha/tu04.jpg>.

Segundo Hortegas (2016), as mandalas constituem tema de interesse para Jung (veja
por exemplo, Psicologia e Alquimia; Psicologia e Religião; Simbolismo da Mandala;
todas obras de autoria de Jung). Elas são entendidas como históricas, e como a origem
etimológica sugere, mandala assume significado de círculo.

42
ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE II

Existem indícios de várias formas de mandalas, e a importância comunal é a ideia do


centro. Geometricamente, temos 4 quadrantes envoltos pela circunferência. Várias
culturas dispõem divindades ao centro, circundadas por figuras que representam a
ideia de bem, mal, sagrado, humano. Em geral, a representação do número quatro em
religiões, está associada à ideia de unificação, totalidade (exceto para religiões cristãs,
onde explicitamente é identificada uma trindade, enquanto nas orientais um quatérnio).

Os conteúdos das mandalas podem mudar, e é possível ressaltar a inclusão do mal por
religiões orientais, e a exclusão desse em religiões ocidentais, em suas representações
sagradas.

Por sua simbologia, Jung considera que contribui para a individuação, entendendo que
a imagem consiste na unificação de polos opostos (como o sagrado e o humano, por
exemplo).

Em sua função terapêutica, é entendida como técnica projetiva, e, portanto, facilitadora


do arquétipo de Si-Mesmo e da totalidade consciente-inconsciente.

É importante destacar que tal função só se cumpre se elaborada de forma espontânea,


e não a partir da solicitação da cópia de um modelo por outra pessoa. Lembrando que,
enquanto símbolo, permite a expressão de um inconsciente coletivo e sua possibilidade
de externar conteúdos para a função organizativa do Si-Mesmo.

Nos últimos anos, foram popularizados desenhos contendo formas de mandala, os


quais podemos colorir ao nosso critério, preenchendo os modelos, disponibilizados
geralmente em livros contendo figuras. De certa forma, é reconhecido um efeito
relaxante nesse exercício, que exige concentração, e permite a escolha das cores, por
exemplo.

Pensando sobre isso, reflita sobre como a utilização da mandala enquanto


técnica projetiva. Ela poderia contribuir, em uma abordagem junguiana, para
uma função terapêutica?

Mitologia junguiana e a sintomatologia

Temos em Jung, que o inconsciente é formado por níveis, do pessoal ao coletivo.


Ou seja, os conteúdos formam os complexos mais próximos do pessoal, e os arquétipos
em um nível coletivo. Independente da época, estes últimos são universais.

O que unifica e integra tantas porções da psique? Existiria um controle sobre cada uma,
ou vários controles correspondentes? Para entendermos isso, é importante pensarmos
em Self (também chamado de arquétipo de Si-mesmo), que é o integrador entre o
consciente e inconsciente; e o Ego que é central para o consciente.

43
UNIDADE II │ ASPECTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Em uma perspectiva desenvolvimentista, é do Si-mesmo que o ego emerge, formando


um eixo que regula a psique, necessitando estar preservado. É nesse eixo que a
consciência e os arquétipos se comunicam (EDINGER, 1996, citado por MINTO, 2012).
Caso as relações sejam modificadas, e haja interferências negativas em sua estruturação,
psicopatologias podem se instaurar (MINTO, 2012).

Sobre esse eixo, inicialmente o Ego está contido no Si-Mesmo e no decorrer de nosso
desenvolvimento, o eixo se apresenta enquanto torna evidente que, embora em limites
peculiares, ambos, em condições ideais, permanecem próximos.

Segundo Minto (2012), durante toda a infância, há momentos cruciais para o


desenvolvimento simbólico. Para que o desenvolvimento ocorra, é preciso uma
constituição da consciência sobre o mundo interno e externo ao corpo da criança.
É entendido que nos anos iniciais, isso se dá por intermédio da pele, e embora se fale
da mãe, outros cuidadores podem exercer a função do afeto para o desenvolvimento
simbólico, importante na constituição do Ego e fortalecimento do eixo que o conecta ao
Si-Mesmo.

Para Serbena (2010), sendo o mito a expressão da racionalidade, temos o Ego para
o qual se atribui a lógica, e, portanto, a consciência mítica como fase da consciência
egóica. Contudo, quando as defesas impedem a consciência a integrar-se ao todo com o
inconsciente, a individuação é comprometida.

Na tabela 2, são listadas as posições definidas por Byington (2002), baseadas na posição
Ego-Outro, em relação aos arquétipos mencionados anteriormente.

Tabela 2. Posições Ego-Outro na elaboração simbólica.

Posição Breve caracterização da polarização Ego-Outro


Posição Indiferenciada (Arquétipo Central) Ego-Outro indistintos.
Ego e o Outro aglomeram-se em porções da consciência, sob o fértil e sensual;
Posição Insular (Arquétipo Matriarcal)
transita entre o afeto e o agressivo.
Enquanto no matriarcal, o insular remete à concentração alternada entre polos, aqui temos uma relação
Posição Polarizada (Arquétipo Patriarcal) simultânea.
Temas centrais: causalidade, poder, perfeccionismo, culpa, rejeição ao erro e ao fracasso.
Facilita que a relação entre o Ego e o Outro preserve o que é legítimo de cada um.
Assume o certo e o erro, não é guiada pelo racional, mas pelo imprevisível.
É importante para o entendimento do normal e patológico, da relação entre consciência e Sombra,
simbolicamente.
Posição Dialética (Arquétipo da Alteridade)
Identifica o que são qualidades e restrições, tanto da Consciência como da Sombra.
Virtudes da consciência: conteúdos claros. Limitações: o que ainda é insconsciente.
Virtudes da Sombra: importância dos símbolos que a estruturam. Limitações: fixação dos símbolos por
defesa que os expressam de forma inadequada.
É importante para dar maior visibilidade da consciência sobre o todo, para que os símbolos se integrem
Posição Contemplativa (Arquétipo da à noção de realidade.
Totalidade)
As operações do Ego-Outro são diminuídas para o predomínio da ação da consciência.

Fonte: adaptado de Byngton, 2002.

44
A CLÍNICA
JUNGUIANA E O UNIDADE III
PROCESSO DE
INDIVIDUAÇÃO
Figura 30.

Fonte: <https://c.wallhere.com/photos/7a/00/blacksmith_anvil_hammer_metal-6940.jpg!d>.

A clínica junguiana, inspirada no entendimento sobre inconsciente coletivo e arquétipo,


mostra o indivíduo ocupando o centro da relação consciente/inconsciente. O equilíbrio
entre ambos, conduz o movimento de busca natural pela totalidade do funcionamento
psíquico. O pensamento mítico faz parte do desenvolvimento da psique, que por sua
vez passa por etapas onde a consciência ainda não tem continuidade, sendo notada no
período que compreende os quatro primeiros anos de vida do ser humano.

Constantemente, as diversas atividades culturais exercem a função de um espaço


no qual, por meio de projeções, o inconsciente vem à tona. É importante notar que
nele não há um eu ou uma consciência, por mais que seja considerado como uma
personalidade adormecida – seu conteúdo é caótico. É para a consciência que o “eu”
sustenta as tensões consciente-inconsciente. O processo de individuação envolve o eu,
distinguindo fantasia e realidade. Quanto menos o eu estiver no centro desse processo,
abre-se espaço para conteúdos afetivos, atitudes e comportamentos caóticos.

A figura trazida para a abertura desta unidade, é uma alusão à analogia que Jung realiza
em sua obra “Os arquétipos e o inconsciente coletivo” (1969/2013). Entre o martelo
e a bigorna, há o ferro forjado por uma camada que não permite que seja cindido.
Analogamente, a individuação envolve o indivíduo para que, embora não fique intacto,
permaneça sustentando as tensões internas e externas.

45
CAPÍTULO 1
Individuação dentro dos mitos

Figura 31.

Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/-phtjCeAZJfg/UT03eA_lqRI/AAAAAAAAAGE/LzlTxC2egBk/s1600/inconsciente3.jpg>.

A individuação abrange o processo de conflito entre consciente e inconsciente, e o


indivíduo o envoltório desse processo. Dessa forma: a consciência confere autoproteção
à razão; ao mesmo tempo em que a vida caótica do inconsciente deve ser vivida na
medida que a suportamos.

Qual seria então a relação da individuação com os mitos?

A estrutura psíquica foi desenvolvida através da ancestralidade, ou seja, o modo de


operar do inconsciente responde a estruturas denominadas por Jung como arquétipos,
que não sendo as imagens em sí, orientam a formulação de emoções.

»» Para Serbena (2010), o pensamento mítico que se manifesta já na


infância, conecta ao mundo externo a partir de uma perspectiva da alma,
percebendo o mundo em sua magia. É no meio externo que a energia
circula possibilitada pelos mitos, e tal energia volta-se para a busca de
uma totalidade entre objetos antagônicos, a partir dos conteúdos que são
transformados pela experiência transcendental.

Quatérnio primário
Byington realiza uma crítica sobre a figura do pai que não seria um mero
impositor de ordem e castigo, mas desempenha papel afetivo positivo aos
cuidados primários da criança.

46
A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO │ UNIDADE III

Para o autor, a individuação, no que se refere ao Arquétipo Anima, torna


presente um gênero em outro (masculino na mulher, e feminino no homem).
Isso, portanto, não determina os papéis de identidade, já que ao longo da vida
isso vai sendo revelado.

É sob a ordem do padrão do Arquétipo de Alteridade, assim como atua na


polaridade Ego-Outro, que se faz a ação desse nas identidades masculina e
feminina. Isso quer dizer que as características se expressam de forma não
predeterminada.

Em outras palavras, a inserção paterna nas relações primárias permite o


entendimento de uma lógica quaternária, e não focada apenas na figura materna.

Nisso, identificamos um papel estrutural, pois é expressão do Arquétipo Central


no movimento totalizante. Isso influencia a identidade do Ego e do Outro, tanto
na consciência, como na sombra, em toda a individuação.

Vale salientar, como nos recorda Byington, a criança se identifica com as figuras
primárias, antes mesmo de poder expressar repulsão a quaisquer uma delas.

Esquema sobre o quatérnio primário, segundo byington (2002):

Figura 32. O Quatérnio Primário.


Complexo Complexo
Materno Paterno

Significado Vínculo entre o Significado


das complexo paterno e das
experiências materno experiências
vivenciadas vivenciadas
com as com os
cuidadoras, cuidadores,
Formação da
inclusive a inclusive a
Identidade do Ego e
Sombra Sombra
do Outro

Na consciência e na
Sombra

Reações da Criança
Fonte: <http://www.carlosbyington.com.br/site/wpcontent/themes/drcarlosbyington/PDF/pt/o_quaternio_primario_e_o_
complexo_de_edipo.pdf>.

47
UNIDADE III │ A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

JUNG, C.G. Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Editora Vozes,


2013.

Figura 33.

Fonte: <https://i.pinimg.com/564x/d3/88/be/d388becee09d7102827e1cb80640f762.jpg>.

JUNG, C. G. Obras Completas – Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo.


Petrópolis: Editora Vozes, 2013.

Figura 34.

Fonte: <https://redwitchesjourney.com/2016/09/13/tiamat-the-dark-mother/>.

A mitologia tem influência das organizações civilizatórias e suas formas de lidar


com a natureza. Embora alguns tenham na terra a associação com o poder da
vida, outros difundem o pensamento do seu domínio pela submissão. É o que

48
A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO │ UNIDADE III

podemos notar no mito da vitória do deus Marduk sobre Tiamat, como nos conta
Campbell (2004).

O controle da Mesopotâmia por Hamurábi da Babilônia seria justificado por sua


representação na terra, do deus Marduk (padroeiro da Babilônia), para o qual
Anu (deus do firmamento) e Bel (deus da montanha do mundo) entregam a
soberania dos povos.

Conta o mito, que Apsu (genitor dos grandes deuses), junto com Tiamat (aquela
que gerou e deu vida a tudo que existe), tem como filho Mummu. Outras
gerações vieram de Mummu, como Lashmu e Lahamu, Anshar e Kishar, e desses
Anu (que se tornou rival de seu pai). Anu tem como filho Ea, reconhecido por sua
sabedoria.

Os deuses perturbavam a paz de seu pai Apsu, que planejou matá-los sem que
Tiamat estivesse de acordo. Os deuses descobrem o plano, e Ea os defende,
formando um círculo protetor para que nenhum mal lhes ocorresse. Como
Mummu havia apoiado o plano de seu pai, foi castigado por Ea que o pendurou
com uma corda no nariz.

Ea e Dankina, sua esposa, conceberam Marduk. Enquanto viviam em Apsu, que


recebeu o mesmo nome daquele derrotado pelo primeiro, Anu gerou 4 ventos,
levantando ondas sobre as águas de Tiamat, que ficou perturbada. Aqueles à
sua volta a questionaram por ela não ter feito nada com aqueles que mataram
seu esposo Apsu. Influenciada, ela se preparou para a guerra contra os deuses
envolvidos.

Sabendo disso, Ea foi até seu pai Anshar que chamou Anu. Mas esse último ficou
com medo da fúria de Tiamat. Então Ea tratou de convencer seu filho Marduk a
proteger seus antecessores e lutar contra Tiamat. Por sua vez, Marduk pediu para
que os deuses proclamassem sua sorte suprema, e venceu a esposa de Apsu, em
uma vitória massacrante.

O mito ilustra a terra produtiva (Tiamat) submetida à manipulação em função


dos interesses de seus exploradores. Para Campbell (2004), isso reflete a vitória
do patriarcado que, submetendo uma entidade matriarcal, passou a ordenar a
lógica das relações.

49
CAPÍTULO 2
Estrutura e funcionamento da psique

Admitindo que existe um inconsciente coletivo (sob o qual está o inconsciente pessoal),
enquanto os conteúdos do inconsciente pessoal são os complexos, no inconsciente
coletivo temos os arquétipos. Os arquétipos orientam o entendimento sobre os
fenômenos naturais e a vida na Terra.

Uma das questões que ampliam o entendimento da psique é considerar que não
apenas a consciência, mas junto a ela o inconsciente, integram uma totalidade. Sendo
a primeira regida pelo pensamento lógico, a razão, parece sobrar pouco espaço para
entender o tipo de funcionamento do inconsciente, caracterizado por uma maneira
análoga (SERBENA, 2010). Segundo Jung, derivada de um inconsciente coletivo que
se formou ao longo da história da humanidade, opera por meio de imagens e tem nos
símbolos dos mitos uma forma de superar as oposições entre conteúdos conscientes e
inconscientes, ou seja, uma forma de transcender.

É comum o questionamento sobre o fato do inconsciente, em sua autonomia e


influência sobre nossas atitudes e comportamentos, ser uma personalidade apenas
desconhecida, mas presente. Em um entendimento psicanalítico, o inconsciente
derivaria da consciência a qual possui mecanismos que imergem conteúdos os quais
não suporta. Tal perspectiva é questionada por Jung, a partir de sua experiência com
pacientes psicóticos. Isso, pois, enquanto na experiência com pacientes neuróticos,
são produzidos conteúdos que de alguma forma encontram na consciência elementos
reconhecíveis. Isso não ocorre na psicose.

O inconsciente pode assumir o lugar do eu. Como não tem personalidade um eu ou


ordem, é provável ser uma “soma descentralizada dos processos psíquicos”. Também
não quer dizer que algumas pessoas estão mais propensas a isso do que outras, pois
existe uma tendência do inconsciente à autonomia, e isso pode ser notado em estados
emocionais intensos. Por exemplo, as situações de amor e ódio, alegria e tristeza,
quando “dizemos que fazemos coisas que ultrapassam a medida usual”. Quanto mais
intensa é uma emoção, o “eu” é distanciado em proporção direta, se aproximando de
um estado patológico.

Seus conteúdos apontam para o passado, para as heranças ancestrais, e para o futuro,
e por isso propõe-se que delas emergem fatores com influências em acontecimentos
futuros, o que forma uma condição anímica e não o mero acúmulo de vestígios que
foram conscientes em outro momento.

50
A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO │ UNIDADE III

Estão, a priori, da consciência que provém uma psique inconsciente, assim como
“personalidade não implica consciência”. Ambas devem estar em colaboração, e temos
no símbolo a transcendência de oposições. Por outro lado, quanto mais se distancia do
inconsciente, uma expressão compensatória busca recuperar o equilíbrio perdido.

Ab-reação, análise dos sonhos e transferência


Existiria algo a mais do que reviver uma situação traumática, considerada estopim do
sofrimento. É sabido que existe valor terapêutico nesse processo chamado ab-reação.
Por outro lado, existem aqueles casos em que isso não é suficiente para a integração
de sua totalidade, pelo paciente. Também, não garante que se transcenda o trauma,
podendo até mesmo interferir com a permanência nele. Desse modo, os sonhos não
fornecem apenas uma “radiografia” sobre o estado da pessoa e seu passado, mas o que
está ocorrendo a ela, e o que pode vir a ocorrer. Assim, é importante entender que uma
das condições para que o inconsciente flua para a consciência, é o estabelecimento da
transferência (projeções incidentes do cliente sobre o terapeuta, de valores e imagens
importantes para o primeiro).

Enquanto a Psicanálise entende o trauma como um estopim para o sofrimento, Jung


(1971/2012; p. 14) propõe que antes mesmo do trauma, complexos já se construíam.

O complexo opõe-se à consciência com uma força tirânica. A explosão


de fundo afetivo é comparável a uma investida global contra a
personalidade: o indivíduo é como que atacado por um inimigo ou um
animal selvagem.

Como referido neste capítulo e em outros, os sonhos trazem conteúdos do inconsciente


cuja linguagem expressa em imagens e símbolos, se sustentam em um inconsciente
coletivo e um inconsciente pessoal. Entendendo que o inconsciente é um fenômeno
natural, nos distanciamos de seu caráter “primitivo” e que é a consciência sua direção,
na busca pela totalidade. Jung chama de assimilação, a interpretação recíproca do
inconsciente e consciente. Quanto mais nos distanciamos de um deles, mais longe da
totalidade estaremos, e a lógica das compensações fará efeito – o que falta de um lado,
cria excesso em outro.

Sonhos no processo terapêutico

Em “Ab-reação, análise dos sonhos e transferência”, Jung fala na importância de


cada simbologia do sonho, e que não basta uma associação livre, mas a descrição

51
UNIDADE III │ A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

pormenorizada de cada detalhe, já que tudo seria indício da mensagem que está sendo
transmitida. Os sentidos seriam melhor entendidos a partir de uma série de sonhos, e é
buscado entender qual atitude consciente é compensada.

A relação disso com a transferência é que para se preservar o papel do outro exercido
pelo terapeuta e seu papel no autoconhecimento do cliente, os conteúdos devem ser
acolhidos e aceitos como realidade.

Muito embora os mitos e símbolos ancestrais orientem a análise dos sonhos, esses
não devem ser considerados fixos, e um cuidado com o dogmatismo deve ser tomado.
As inferências e imposições de imagens, conduzindo a uma interpretação em função
de uma teoria sobre arquétipos e mitologia, pode desvirtuar a intenção terapêutica,
que nesse caso preza pela sintonia com o paciente. Quanto mais nos aproximarmos de
maneira indiscriminada dos símbolos, mais nos distanciamos do indivíduo para o qual
a terapia deve estar voltada. É um paradoxo cujo limite está entre a importância da
teoria que nos orienta e a importância de quem estamos ouvindo: apenas nós mesmos
e a teoria que orienta nosso trabalho, e o indivíduo principalmente.

O caminho a ser trilhado, de modo mais abrangente, envolve a condução de uma


análise redutiva, na qual o cliente deverá caminhar em direção ao reconhecimento de
suas projeções (consciente das próprias expectativas sobre o outro e a sua finitude), e a
chegada a um relacionamento pessoal com o terapeuta, colocando-o em um mesmo
nível de igualdade enquanto pessoa. Isso tudo é proporcionado pela transferência que
deve ser atingida no processo, antes que se chegue aos destinos dessa análise.

Sugestão de filme: Um Método Perigoso, de David Cronenberg (2011).

Figura 35.

Fonte: <http://parismorningsnewyorknights.blogspot.com.br/2012/03/dangerous-method.html>.

52
A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO │ UNIDADE III

O filme retrata a relação de Carl Gustav Jung e Sabina S., e o desenrolar da carreira
de Jung que adota a cura pela fala, já preconizada na época por Sigmund Freud.
Entramos em contato com as divergências de perspectivas entre Freud e Jung, o
primeiro indo em direção de um realismo; já o segundo buscando adentrar em
territórios na maioria das vezes deixados de lado pela ciência.

Sabina é encaminhada ao hospital de Zurique, com sintomas semelhantes ao


que na época era chamado de histeria. Logo no primeiro encontro com Jung,
fala de situações de submissão, que não suportava, e desencadeava um quadro
de irritabilidade e autopunição. Ao ser conduzida a recordar da primeira situação
onde isso poderia ter acontecido, menciona que seu pai castigava ela e seus
irmãos com agressões físicas, e que logo após falava para que eles beijassem
as mãos. Em outro encontro, após dizer que enquanto estava deitada em sua
cama sentiu um gato passando por suas costas, Jung pergunta se ela estava sem
roupa, e ela afirma que sim. Também pergunta se ela estava se masturbando, e
ela afirma que sim. Jung pede então que ela descreva a primeira situação onde
se sentiu humilhada por seu pai. Sabina relata o dia em que quebrou um prato,
com 4 anos de idade, e foi mandada para um quarto vazio, onde teria que tirar
a roupa, para receber o castigo. Ela também disse sentir-se molhada, mas logo
depois explica que estava excitada, e que quando o pai batia nos irmãos, se
excitava também. Jung visita Freud para discutir o caso, e afirma melhoras após
a cartase da paciente que almeja ser médica psiquiatra, e começa a ser assistente
de seu terapeuta.

Figura 36.

Fonte: <https://cdn-images-1.medium.com/max/1600/1*CPI-6ZtpYfMyV3bTt8EumQ.jpeg>.

Assista ao documentário “O Cérebro Inconsciente”, produzido por Francesca


D’Amicis, Petra Höfer e Freddie Röckenhaus, em 2010. Disponível em: <https://

53
UNIDADE III │ A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

www.youtube.com/watch?v=cthix070SA8>. Dividido em dois episódios,


apresenta influências do inconsciente sobre o cotidiano.

Após, reflita sobre as seguintes questões:

»» De onde resgatamos nossa sabedoria?

»» O documentário mostra alguma relação sobre história e inconsciente?

»» Teríamos alguma diferença sobre o dia a dia em diferentes culturas?

»» O que você acha que Jung comentaria sobre o documentário?

Figura 37.

Fonte: <http://br.web.img3.acsta.net/r_770_308/editor/17/03/22/18/03/098111.jpg>.

O filme “Fragmentado” (dirigido por M. Night Shyamalan, da Universal Pictures, 2017)


conta o drama de Kevin, um jovem diagnosticado com transtorno. Ele frequenta sessões
com uma famosa terapeuta conhecida por cuidar de casos de diagnóstico semelhante
ao dele. Atormentado pelas lembranças do convívio com a mãe, cada personalidade
parece projetar figuras de cuidado com um menino de 9 anos de idade. Convivendo com
23 personalidades, demonstra atitudes e comportamentos característicos e próprios
de cada um, diferentes, mas que interagem entre si. No enredo do filme, é brevemente
citado que ele teria sofrido abusos.

O desenrolar da história mostra o momento em que o protagonista sequestra três jovens


para um cativeiro escondido no subterrâneo de um zoológico, o que dificulta qualquer
tentativa de fuga. A personalidade que pratica o sequestro é Dennis, uma figura com
toques compulsivos por limpeza, e por ver dançarinas nuas, ataca o pai de uma das
meninas e rouba o carro no qual o esperavam.

Outras personalidades que vem à tona são uma mulher chamada Patrícia, um estilista, e
menino com 9 anos, que interagem com as jovens e anunciam que elas serão alimento de

54
A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO │ UNIDADE III

uma fera. Apavoradas, as meninas tentam fugir do local, sem sucesso, sendo separadas
em cômodos do cativeiro, uma mistura de espaços comuns de ambientes de trabalho e
de uma casa.

Enquanto isso, as idas à terapia são mantidas, e antecedidas por mensagens on-line.
Desconfiada de que algo não vai bem, a terapeuta se esforça em permitir que essas
personalidades se apresentem, a fim de sustentar uma comunicação. Ela o acompanha
há tempo suficiente para saber, na oportunidade em que ele havia relatado, a existência
das inúmeras identidades. Sua abordagem não é explicitada, mas em vários momentos
se refere ao sobrenatural e à luz que é quando uma das personalidades se apresenta. Nas
sessões, aquele que tem emergido é a de um estilista que passa o tempo falando sobre
tecidos, moda e apresentando os desenhos de sua autoria. Os fatos se tornam intrigantes,
pois ao mesmo tempo em que uma personalidade quer sustentar o argumento de que
tudo vai bem, as mensagens enviadas on-line dizem “Ajude-nos”, e são manifestados
os sinais de outra. A terapeuta percebe os sinais em comportamentos de toque, o que
remete à identidade de Dennis. Ocorre que em uma das sessões, Dennis chega à luz,
e comenta sobre a fera, que seria uma 24ª personalidade ainda desconhecida pela
terapeuta. A fera seria uma espécie de justiceira, que eliminaria jovens impuras, com a
ajuda das demais personalidades. O que se tenta nas sessões é que se dê a oportunidade
da elaboração dos discursos, mas isso acaba não impedindo que atos ilícitos sejam
cometidos.

Não é percebida qualquer organização psíquica em direção à realidade, o eu de Kevin


não tem controle sobre as personalidades que acabam retirando o direito de ir e vir de
outras pessoas. Mas ao ter a expressão dessas diversas personalidades, e um espaço que
não precisaria escondê-las, o protagonista seria livre?

Jung nos diz que o eu exerce liberdade, pois é capaz de distinguir o real da fantasia,
e permitir que o indivíduo exerça o controle sobre seus impulsos. Sem ele, o caos se
apodera da consciência, que perde sua coordenação com a sistematização de ideias.

Além de entender a existência de inúmeras possibilidades de discussão, um tema que


se evidencia fortemente se refere aos conteúdos do inconsciente. A consciência requer
um eu consciente do mundo externo e capaz de fazer distinções sociais, que organiza o
sentido da realidade, mesmo tendo influência do inconsciente. Percebemos no caso um
rompimento com a realidade, e um comprometimento do processo de individuação que
sustentaria as tensões entre os conteúdos consciente e inconsciente.

A terapeuta diz que seu erro foi não ter se dado mais atenção sobre um evento que
poderia desencadear nas personalidades, a aproximação de conteúdos que de alguma
forma remeteriam a abusos sofridos por Kevin. O sequestro se deu após um período

55
UNIDADE III │ A CLÍNICA JUNGUIANA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

no qual, em ocasião de visita de um grupo de estudantes ao local que trabalhava, duas


meninas haveriam se aproximado dele e colocado suas mãos em baixo das blusas delas,
como se tivessem feito alguma aposta, competindo para quem seria capaz de fazer aquilo.
A 24ª personalidade, com força sobre humana, purificaria o mundo alimentando-se de
jovens com mesma faixa etária que essas garotas. Fez com duas delas, poupando a vida
de uma terceira, ao perceber que essa teria sido vítima de abuso (observa cicatrizes em
seu corpo).

»» Existiria apenas uma maneira de lidar com cargas emocionais intensas?

»» Qual seria o limite da fantasia sobre o entendimento da realidade?

»» Como as figuras com as quais nos vinculamos podem influenciar em


nosso processo de individuação?

»» Como é a nossa disponibilidade em ouvir o inconsciente do outro?

»» O que a Psicologia Analítica pode nos ensinar sobre o rompimento


com a realidade?

»» Como seria possível contribuir para uma compreensão da sociedade


acerca do padecimento do outro?

56
TÉCNICAS
EXPRESSIVAS EM UNIDADE IV
PSICOLOGIA
ANALÍTICA
Figura 38.

Fonte: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTj0OyZi2pO5UOiXubN50v1YcRJGcTM4eDe_7NUs1p_Q-
1DtEm>.

O caos do inconsciente e o eu sistemático presente na consciência convivem de modo a


equilibrar-se. São naturais a fantasia, a fé, os mitos etc., e as distinções do real exercidas
pela consciência, dado seu papel de socialização e transcendência.

A subjetividade é inerente ao ser humano, mas também convive com o coletivo mesmo
nas estruturas inconscientes, os arquétipos, as quais exercem funções organizativas da
experiência dos indivíduos, por meio do que é compartilhado entre sua ancestralidade
e seu presente.

Em certo grau, nós podemos apresentar uma perda da capacidade de compreensão


sobre nossas emoções, negando-as e buscando desvios de sua compreensão. Quando
a subjetividade e aspectos culturais entram em conflito, a fluidez das relações fica
comprometida, e os sintomas indicam que algo não vai bem conosco. Pode ocorrer
também o rompimento com a realidade e a descaracterização dos conteúdos conscientes.
Em ambos os casos, o que estaria em camadas mais profundas exerce mais força do que
o eu e, em consequência, a necessidade de resgatar a totalidade.

Sendo a função simbólica fundamental na integração da polaridade


consciente-inconsciente, as técnicas expressivas buscam oportunizar essa função,
de modo que seja valorizada a elaboração de narrativas cujos conteúdos emocionais

57
podem ser expressos em modalidades diversas. Portanto, o terapeuta deverá lidar com
uma aproximação do sintoma a partir do que é atribuído por seu cliente, sem sair de
seu papel como analista.

Considerando que a elaboração dos sintomas e construção de sentido necessita de uma


maior aproximação do indivíduo com suas emoções, essas técnicas podem ser inspiradas
em expressões culturais, como as artes. Dramatização, artes plásticas, escrita, música,
entre outras, fornecem inúmeras possibilidades no setting terapêutico, na busca por
facilitar o poder de equilíbrio e ordenação, na construção de sentido.

CAPÍTULO 1
Técnicas expressivas

Figura 39.

Fonte: <http://revistaberro.com/literatura/cronicas/surrealismo/>.

A Psicanálise propôs a interpretação analítica como procedimento de análise, propiciada


a partir da emergência dos conteúdos inconscientes e de insights alcançados por
quem está sendo analisado. Contudo, embora alcançasse a emergência de conteúdos
inconscientes, tal alcance não implicava necessariamente em cura. Como resposta, é
entendido que mecanismos psíquicos exercem controle sobre o ego e prendem o cliente
ao sintoma, consistindo em resistências por parte do paciente.

A partir da perspectiva da Psicologia Analítica, temos como função patológica a formação


da sombra, quando a fixação da elaboração simbólica leva à defesa e à compulsão
da repetição. Segundo Byington, as técnicas expressivas buscam resgatar a vivência

58
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

emocional, quando a racionalidade, em ocasião dessas defesas, é predominante em


relatos. O autor problematiza a busca pela extinção do sintoma, por vias que impedem
a oportunidade de elaboração e significação desses, como é o caso da medicação, e
procedimentos em terapia, argumentando que antes de extingui-lo, é necessário um
processo de aproximação às emoções de onde emergem o sofrimento, contribuindo
ao processo de individuação no qual se dá a consciência e autonomia do indivíduo no
manejo do seu sofrer. Ele afirma que:

Tratá-los para eliminá-los sem entendê-los simbolicamente e buscar


transformá-los sem reintegrá-los na criatividade normal faz parte de
uma terapia mutiladora e não integradora da personalidade, que conduz
à alienação normopática.

A medicação em certos casos se fará necessária, porém é importante entender que sua
banalização é extremamente prejudicial não apenas para funções orgânicas, mas para a
integridade psíquica, e para e permanência do indivíduo em sociedade. Devemos calar
tudo que se desvia de uma norma?

Sendo assim, a adoção de técnicas expressivas parte do interesse em ultrapassar a lógica


por si, mas permitir que, através da imaginação, a consciência possa exercer sua função
integradora, aproximando-a do Arquétipo Central. Como afirma Santa’na (2005, p. 40):

Foram constantes e expressivas as críticas aos trabalhos que promovem


a expressão ou o desenvolvimento da fluência imagética, sem a
preocupação de integrá-la à consciência. As imagens, por si sós, sem
relação com a consciência e a vida imediata do indivíduo, não têm valor
terapêutico. De modo que, para que não se corra o risco de perder a
conexão com a realidade e se favoreça um estado de alienação, é
necessário que se façam pontes com a situação consciente do indivíduo.

Em termos gerais, o terapeuta deverá ponderar sua disposição para o momento peculiar
no qual imaginar ser importante, sem perder de vista que exerce um papel distinto
do seu cliente. Seria um balanceamento entre o Arquétipo Matriarcal e o Arquétipo
Patriarcal. Por isso, é preciso concentrar empatia para estimular a realidade e as
emoções dos envolvidos.

A proximidade com as emoções permite uma disponibilidade psíquica para sua


expressão, e nesse exercício, embora haja sofrimento ao expressá-las, a energia que
transita na tensão consciente-inconsciente, se aproxima de possibilidade de recuperar
o equilíbrio perdido. “Para aperfeiçoar a identificação das defesas, é importante o
emprego de técnicas expressivas, pois essas realçam a resistência e a natureza da defesa

59
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

resultantes da fixação.” (BIYNGTON, p. 25). É possível destacar algumas técnicas que


serão brevemente descritas na tabela 3.

Tabela 3. Exemplos de técnicas expressivas e tópicos sobre propostas terapêuticas.

Nome da técnica Papel do terapeuta Atividades propostas para o cliente


»» Ativa. »» Confronto entre personagens, transmitindo
Técnica Expressiva da Dramatização, aliada à
verbalmente.
Imaginação Dirigida de Désoille e Imaginação »» Face a face.
Ativa de Jung
»» Setting especial.
»» Permite que o cliente elabore sua pintura ou »» Imagem importante dos sonhos.
desenho.
Técnicas Psicoplásticas »» Fixar no lado interno da porta do seu
»» Retoma as produções artísticas, ao longo guarda-roupa para que possa revê-la todas
da terapia. as manhãs.
»» Contribuição da transferência do analista, é a »» Prosa, poesia, letras de músicas etc.
aliança da escrita com a imaginação dirigida
»» Ex.: escrever cartas.
e ativa.
»» Estabelecer uma correspondência com os
»» O terapeuta fica em pé atrás ou ao lado
complexos é muito importante.
do paciente e elege uma emoção ou um
complexo para elaboração. »» Ex.: as cartas aos pais para elaboração do
quatérnio primário.
»» Segue-se um diálogo com o complexo, no
Técnicas Expressivas Literárias qual muitas colocações do paciente são »» Essa elaboração deve ser guardada, relida e
sugeridas pelo terapeuta sob a forma de continuada durante a terapia.
maiêutica socrática, isto é, como perguntas.
»» Conscientizar o paciente, quanto à
criatividade da elaboração simbólica e à
função transcendente operam consciente e
inconscientemente, dentro do seu próprio
Self.
»» Incluir na representação da figura do »» Um oleado branco, de forma retangular que
analista e símbolos vivenciados na relação pode medir até 1,20m por 2,00m.
transferencial.
»» Cada personagem humano, um pequeno
Caixa de Areia e Marionetes do Self »» Descreve a dinâmica a qual será elaborada. boneco de pano com cerca de 15 cm de
altura, apoiado em pequenos cubos de
»» Representar o quatérnio primário, seus madeira, para que fique de pé.
familiares, amigos e personagens de seus
sonhos. »» Ex.: Se o paciente quer representar a
agressividade do irmão por um gorila, por
exemplo, ele coloca um boneco de pano
representando o irmão e o gorila ao seu
lado. E assim por diante.
»» O terapeuta joga com o cliente, e durante as »» A complementação do jogo,
partidas, orienta que descreva suas reações emocionalmente animado, com a
Jogos
emocionais em detalhe. imaginação ativa é de especial produtividade
»» Importância de elementos desestruturados, na elaboração.
»» Leitura pelo terapeuta da manifestação
com crianças.
simbólica da criança. »» Os jogos são também úteis como técnicas
»» Jogos em geral, com adultos. expressivas na terapia de adultos, sobretudo
»» Valorizar a própria linguagem psicológica da
quando se trata de casos de adição.
criança.
Fonte: adaptado de Byington, s/d, pp. 7-17.

Freitas (2005) desenvolveu um trabalho em grupos para construção de máscaras,


objetivando explorar a relação entre individuação e persona, em função da possibilidade
criativa desta última. Consistiu-se na elaboração, dramatização e expressão verbal.

60
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Assim, foram atingidos os níveis individual e grupal, buscando que a sombra pudesse
acessar personas, e assim uma integração à consciência.

Segundo a autora, Jung já propunha a dimensão coletiva da personalidade a partir do


Self, (conceito diferente de Ego). Por isso, a individuação não seria apenas a garantia
de uma individualidade, mas um indicador para a compreensão de que ninguém vive
isolado.

O jogo da areia

Figura 40.

Fonte: <https://portalfloresnoar.com/floresnoar/mini-curso-de-introducao-ao-sandplay-de-19-a-21-de-janeiro-no-lumen-
novum/>.

Conhecido como Jogo de Areia, o sandplay é um método que pode ser utilizado
durante o processo terapêutico na abordagem junguiana. Em uma caixa que
contem areia, é possível inserir miniaturas de personagens humanos ou não,
criando um cenário de expressão, que é permitido no contexto da relação
terapêutica.

Fonte: <http://www.psicologiasandplay.com.br/sandplay/>.

Assista “Nise da Silveira - Posfácio: Imagens do Inconsciente”. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=EDg0zjMe4nA>.

Figura 41.

Fonte: <http://sarauxyz.blogspot.com/2016/07/nise-da-silveira-posfacio-imagens-do.html>.

61
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Durante a década de 1980, Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatra, cedeu


entrevista falando sobre sua vida e trajetória na saúde pública brasileira.

Nos anos de 1940, integrando o quadro do Hospital Psiquiátrico do Engenho


de Dentro, no Rio de Janeiro, ela propôs intervir com uma nova terapêutica que
saia dos moldes tradicionais: a terapia ocupacional. Na entrevista, conta como
chegou a essa prática, destacando a ideia sobre “emoção de lidar”, relacionada ao
caráter afetivo do trabalho, chegando a afirmar que ele ultrapassa uma função
servil, é uma forma de expressão da alma.

A psiquiatra ressalta a relação da doença mental e a importância do “labor”,


retratada por autores como Pinel (1745-1826), que já remetiam ao valor
terapêutico da atividade.

Outro assunto tratado durante a entrevista, diz respeito à medicalização, um


ato, segundo Nise, cuja intensificação busca manter os pacientes em estado de
sono para seu controle, mas que não garante sua reintegração com a realidade.
A proposta da Casa das Palmeiras (instituição sem fins lucrativos), fundada por
Nise e colaboradoras, tornou-se um espaço de reinserção de egressos que, após
internação, não contavam com suporte algum para sua permanência fora dos
hospitais.

Nise criticou fortemente as condutas de manutenção de um ciclo vicioso:


internação e hipermedicação; liberação; marginalização; reinternação. Em
um dos trechos mais emocionantes da entrevista, fala da importância de se
ultrapassar a racionalização das condições humanas, já que a lógica da não razão
associada às pessoas com transtornos mentais, justificaria atos desumanos.

Atualmente, cabe lembrar que, embora existam iniciativas que buscam


avançar no sentido do que Nise propunha, ainda convivemos com dificuldades
na implementação de um modelo que preserve a dignidade humana.
Consequentemente, ainda temos muito a fazer sobre a reintegração social
para aqueles que, em condição de adoecimento mental, continuam sendo
marginalizados.

Pensando nisso, reflita acerca das seguintes questões:

»» Pense sobre os acontecimentos ao longo de sua carreira profissional.


Após fazer isso, veja a entrevista e reflita sobre as afirmações de Nise.
Existe alguma relação entre seu trabalho e a fala da psiquiatra?

62
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

»» Existe diferença entre o que Nise viveu em sua época e os dias atuais?
O que podemos destacar sobre essas diferentes épocas?

»» Pesquise sobre a Reforma Psiquiátrica e discuta como podemos


situá-la nessa discussão. (Por exemplo: histórico, ideais, desafios).

»» Quanto às políticas públicas de saúde voltadas para saúde mental,


quais exemplos podemos citar? Têm sido suficientes?

»» Qual a importância da mobilização profissional?

»» Como podemos contribuir, enquanto profissionais, nos impasses da


saúde pública brasileira, especialmente acerca do tema da Saúde
Mental?

Em um contexto nacional, é possível encontrar diversas organizações


interessadas no estudo e formação em Psicologia Analítica. Dentre elas, são
listadas algumas.

A Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica foi fundada no ano de 1978 e é


considerada pioneira na parceria com a International Associaton for Analytical
Psychology. Para mais informações, é possível acessar a página da SBPA: <http://
sbpa.org.br/portal/>.

Interessado no desenvolvimento da Psicologia Analítica, o Núcleo é


vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da
PUC-SP, e reúne pesquisadores, professores e estudantes. É possível obter
mais informações acessando o site, por meio do link: <http://www.pucsp.br/
jung/index.html>.

O Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa, como o nome sugere, oferece


formação nas diversas modalidades mencionadas. Considera dimensões em
comum nas áreas acadêmica, artística e religiosa, integrando beleza e verdade.
A página on-line permite acesso a textos produzidos por professores vinculados
ao Instituto, como “Reforma Psiquiátrica Brasileira, Bioética e Psicologia
Junguiana/Arquetípica”, por Ajax Perez Salvador. O texto pode ser acessado
no seguinte endereço: <http://www.ijep.com.br/index.php?sec=artigos&id
=233&ref=reforma-psiquiatrica-brasileira-bioetica-e--psicologia-junguiana/
arquet%EDpica>.

63
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

“O Antídoto do Mal: crítica de arte e loucura na modernidade brasileira”, de


Gustavo Henrique Dionisio.

Figura 42. Gustavo Henrique Dionísio.

Fonte: <http://www2.assis.unesp.br/jnc/2012julho/files/assets/basic-html/page2_images/0002.jpg>.

O livro “O Antídoto do Mal – crítica de arte e loucura na modernidade


brasileira” parte do debate sobre um caráter informal da arte, ao se aproximar
de temas sobre a loucura (o que influenciou a expressão “arte dos loucos”,
questionando práticas médicas convencionais). Essa obra, de Gustavo Henrique
Dionísio, pode ser acessada no link: <http://books.scielo.org/id/b9ydg/pdf/
dionisio-9788575415443.pdf>.

Fonte: <https://portal.fiocruz.br/noticia/livro-analisa-relacao-entre-o-critico-mario-pedrosa-e-
psiquiatra-nise-da-silveira>.

64
CAPÍTULO 2
Psicopatologia e psicologia analítica

Figura 43.

Fonte: <http://www.ibamendes.com/2011/08/loucura-mudancas-de-paradigmas.html>.

Debater sobre psicopatologia, hoje, requer diversas problematizações. Modelo médico,


normal e patológico, direitos humanos, saúde mental etc. são exemplos de termos
relativos à questão. Se por um lado, as perspectivas teóricas surgem do rebatimento
de suas antecessoras, por outro revelam-se insuficientes para abranger todas as
problemáticas que envolvem o humano, suas atividades e representações.

Em nossa sociedade, são convencionados manuais de descrição sobre transtornos


mentais. Esses, contam com uma descrição global e critérios predominantes de cada
um, podendo existir comorbidades ou a ocorrência de sintomas entre transtornos
distintos.

No meio científico, foram feitos esforços quanto à classificação de doenças e


algumas medidas foram oficializadas no fim do século XIX e início do século
XX. Foi iniciada a listagem de causas de morte e dados estatísticos auxiliaram
o entendimento que a mortandade se dava em maior índice na faixa etária de
menores de 6 anos de idade.

Com a expansão da sistematização de registros sobre enfermidades, também foi


convencionado que em um intervalo de dez anos, entidades responsáveis se reuniriam
para debater os alcances dessa classificação e sobre possíveis mudanças quanto à
sistematização de informações.

65
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Araújo e Lotufo-Neto (2014) afirmam que foi em 1948 que a Organização Mundial de
Saúde (OMS) incluiu seção dedicada a descrever Transtornos Mentais, na sexta versão
da Classificação Internacional de Doenças (CID -6). Vale ressaltar que, atualmente, a
versão que vigora é o CID-10. Nela são organizados códigos dos respectivos transtornos
e em geral são contemplados os eixos etiológicos, anatômicos, causas maternas e
perinatais (MARANHÃO, s/d).

Figura 44.

Fonte: <https://1bang.wordpress.com/2011/02/15/hello-world/>.

De modo semelhante, segundo os autores, o Manual Diagnóstico Estatístico de


Transtornos Mentais (DSM), organizado pela Associação Psiquiátrica Americana
(APA), foi publicado pela primeira vez em 1953, e após isso está na quinta versão,
publicada em 2013. Resulta do trabalho articulado por grupos de diferentes
profissionais, buscando a garantia de uma classificação que incluísse diagnósticos,
mas que reformulasse e excluíssem aqueles que julgaram necessários, para um
aprimoramento científico respaldado na pesquisa e práticas clínicas.

Ressaltam que embora haja críticas quanto à inclusão em altos índices de pessoas
com diagnósticos, é importante a habilitação dos profissionais para o uso do
Manual, não se tratando de um mero checklist. Além disso, eles ressaltam que o
DSM-5 contribui para: evolução e planejamento terapêutico; planejamento da
intervenção clínica; previsibilidade; similaridade de comportamentos; critérios
validados; confiabilidade.

66
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Tabela 4. Nomenclatura de Transtornos de acordo com o DSM-5.

Lista de transtornos considerados pela quinta versão do Diagnosticand Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-5)
»» Transtornos do Neurodesenvolvimento
»» Espectros da Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos
»» Transtorno Bipolar e Outros Transtornos Relacionados
»» Transtornos Depressivos
»» Transtornos de Ansiedade
»» Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Outros Transtornos Relacionados
»» Trauma e Transtornos Relacionados ao Estresse
»» Transtornos Dissociativos
»» Sintomas Somáticos e Outros Transtornos Relacionados
»» Alimentação e Transtornos Alimentares
»» Transtornos da Excreção
»» Transtornos do Sono-Vigília
»» Disfunções Sexuais
»» Disforia de Gênero
»» Transtornos Disruptivo, Controle dos Impulsos e Conduta
»» Transtornos Relacionados a Substâncias e Adição
»» Transtornos Neurocognitivos
»» Transtornos Parafílicos
»» Outros Transtornos Mentais
»» Transtornos do Movimento Induzidos por Medicamentos
»» Outros Efeitos Adversos de Medicamentos
»» Outras condições que podem ser foco de atenção clínica
Fonte: adaptado de Araújo e Lotufo-Neto, 2014.

Cunha (2007) apresenta modalidades do psicodiagnóstico que, a depender de objetivos,


terão implicações de procedimentos para realização e desdobramentos. Dentre essas
modalidades, é possível destacar:

»» classificação simples;

»» descrição;

»» classificação simples;

»» classificação nosológica;

»» diagnóstico diferencial;

»» avaliação compreensiva;

»» entendimento dinâmico;

67
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

»» prevenção;

»» prognóstico;

»» perícia forense.

CUNHA, J. A. Psicodiagnóstico-V. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007. Link para


acesso online e para realizar download do material em versão Pdf: <https://
professorsauloalmeida.files.wordpress.com/2015/02/psicodiagnc3b3stico-v-
jurema-alcides-cunha.pdf>.

Fazendo observações sobre o psicodiagnóstico na perspectiva da Psicologia Analítica,


Pereira (s/d) diz que instrumentos de avaliação não substituem o conhecimento do
psicólogo, respaldado pelo seu envolvimento no processo terapêutico. Ainda que
forneçam informações importantes, essas não implicam em um esgotamento, mas no
levantamento importante para o desenvolvimento da pessoa.

No entanto, esses critérios e sintomas atribuídos a cada transtorno podem ser


problematizados quanto à desvinculação sobre o debate do sofrimento e a mistura
entre a história do adoecido e da doença (DUNKER, 2014).

Outra questão bastante conhecida diz respeito ao diagnóstico diferencial, que elenca
os critérios que incluem determinado adoecimento em classificações presentes nos
manuais. Tomando como exemplo o Transtorno Afetivo Bipolar, segundo Salvador
(s/d), é comum confundi-lo com sintomas da depressão. Mas é difícil reconhecer que a
necessidade por autoestima pode ser um sintoma nem sempre visto como sofrimento,
pois aquele que sofre não se dá conta disso. Mas, enquanto na depressão o eu é depreciado,
no TAB o eu é dominado. Vivemos em um contexto no qual o sofrimento é visto como tal
porque não se consegue alcançar padrões. É comum o pensamento que está tudo bem,
mesmo com o “sacrifício” de outras áreas da vida, em nome da produtividade. Em uma
perspectiva junguiana, as crises se distanciam da norma operativa, possibilitando viver
novas normas e conferindo novos sentidos para as experiências (SALVADOR, s/d).

Segundo Padua (2017), Jung não teoriza sobre psicopatologia, mas é possível identificar
como os processos inconscientes levam à psicopatologia.

Em uma perspectiva da Psicologia Analítica, não há possibilidade de preservar a


integridade do Self, sem a possibilidade de expressão dos conteúdos do inconsciente.
Assim, é contestada a adoção de medidas que tendem a um “sufocamento do transtorno
mental”, que não respeitem o humano e suas expressões.
68
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Figura 45.

Fonte: <http://iguatunews.com.br/bemmais/index.php/arevista/saude/553-saiba-um-pouco-sobre-transtorno-de-personalidade-
boderline>.

Portando, é necessária uma aproximação dos símbolos que acompanham a trajetória


do cliente, e como se estabeleceu a sombra sobre a constituição saudável do Self,
sustentado pelo processo de individuação e os mecanismos que nele estão implicados.
Quanto mais se ignora a expressão no inconsciente e impede que seja elaborado, uma
energia compensatória se dirige ao controle do eu, fazendo com que ele perca o seu
papel comum, exercido no controle de estabelecer o contraste entre fantasia e realidade.
A fantasia é uma expressão comum, e deve ser exteriorizada na medida suportável
pela consciência, mas não dar vasão à ela pode comprometer a dinâmica psíquica que
permite o convívio saudável entre nossa interioridade e o que nos é externo.

Figura 46.

Fonte: <http://www.ijep.com.br/index.php?sec=artigos&id=278&ref=reimaginando-transtorno-bipolar-psicopatologia-afeto-e-
sistema-de-valores-iii->.

69
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Não é a extinção de um sintoma em si que promove a melhora, mas o quanto foi possível
elaborá-lo, e o terapeuta tem um importante papel nesse processo, cuidando para que
sua identidade, expressa na intepretação do caso, seja assumida pelo cliente, pois é ele
quem deve e precisa elaborar os símbolos envolvidos.

A chave para o diagnóstico diferencial é o reconhecimento das


fixações, que resultam em distúrbios em qualquer uma das inúmeras
dimensões simbólicas. Pelo fato de a fixação ocorrer dentro do processo
de elaboração simbólica, ela não pode ser diagnosticada de maneira
estereotipada, de fora para dentro, pelo observador, e necessita sempre
ser identificada pela empatia com a disfunção simbólica em função do
processo de individuação da pessoa ou do desenvolvimento da cultura
em questão. Nessa busca, as aparências enganam, e muito! (BIYNGTON,
s/d, pp. 24-25)

O comprometimento da experiência transcendente decorre de uma fragilização do


Ego que compõe o eixo totalizante junto ao arquétipo central. A consequência está na
não elaboração simbólica, importante na interpretação da realidade e do lugar que
ocupamos. Os complexos acabam contribuindo para a formação de sentidos polarizados
para as experiências, e a dificuldade de atribuir símbolos para objetos ausentes. Para
Minto (2012), no Transtorno de Personalidade Boderlaine, essa condição direciona
fantasias persecutórias.

Girardello (2010), ao revisar textos de autores inseridos no campo da Psicologia


Analítica, afirma que existe certa falta de entendimento por parte de junguianos
sobre questões de sexualidade, o que, indiretamente, contribui por patologizar
o que não é o padrão heterossexual. Ainda assim, reconhece que, atualmente,
autores junguianos têm concordado em uma perspectiva de possibilidades no
que se refere às diversidades de orientações sexuais e sugerem como horizonte
de entendimento comum o arquétipo andrógino.

No que se refere à Psicologia em termos gerais, o Conselho Federal de Psicologia


(CFP), enquanto órgão debatedor e regulamentador da profissão, oficializa
em termos que regem o exercício profissional, a normalização de condutas do
psicólogo sobre o tema de Orientação Sexual. Veja o que diz a Resolução no
001/1999 de 22 de março de 1999:

RESOLUÇÃO CFP No 001/99 DE 22 DE MARÇO DE 1999

Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à


questão da Orientação Sexual.

70
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Art. 2o Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento,


para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de
discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam
comportamentos ou práticas homoeróticas.

Art. 3o Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça


a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas,
nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais
para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único. Os psicólogos não colaborarão com


eventos e serviços que proponham tratamento e cura das
homossexualidades.

Art. 4o Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de


pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa,
de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação
aos homossexuais como portadores de qualquer desordem
psíquica.

Fonte: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf>.

Leia o trecho sobre definição de transtorno mental, retirado do manual DSM-V,


mencionado por Dunker (2014):

Um transtorno mental [mental disorder] é uma síndrome


caraterizada por distúrbios clinicamente significativos na
cognição, regulação da emoção, ou comportamento, que
reflete uma disfunção em processos psicológicos, biológicos
ou desenvolvimentais sub-reptícios ao funcionamento mental.
Transtornos mentais são usualmente associados com significativas
alterações [distress] ou deficiência [dishability] em importantes
atividades sociais, ocupacionais. Uma resposta esperada ou
culturalmente aprovada para um estressor ou perda, como a
morte de uma pessoa amada, não é um transtorno mental.
Comportamentos socialmente desviantes (por exemplo, político,
religioso ou social) e conflitos que são primariamente entre
indivíduo e sociedade não são doenças mentais, a não ser que o
desvio ou conflito resulte de uma disfunção no indivíduo, como
descrita acima. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, DSM-V,
2013, p. 20; citado por DUNKER, 2014, p. 103)

Após a leitura, reflita sobre a seguinte questão: onde está a articulação entre
sofrimento psíquico e sintoma, na definição apresentada anteriormente?

71
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Psicopatologia e alma
Como tratado neste caderno de estudos, um bom exemplo para a visibilidade de
impasses relativos ao adoecimento da psique e os olhares sobre isto, está na figura de
Nise da Silveira, uma psiquiatra a frente de sua época, por trazer ao Brasil outros olhares
sobre o internamento e tratamento de pessoas com doenças psíquicas. Ela também se
inspirou nos estudos de Jung, trazendo para o debate a alma e as experiências que
não eram passíveis de abafamento – foi pela arte que buscou integrar seus pacientes à
realidade e ao convívio extramuros dos hospitais psiquiátricos.

A Psicologia Analítica de Jung teve desdobramentos que ultrapassaram os textos


originais. Seus representantes propuseram continuidade a partir do desenvolvimento
de conceitos vistos como pouco desenvolvidos por seu precursor (como é o caso da
ampliação do Quarténio Primário, por Byington; e da noção de história e cultura na
perspectiva junguiana, desenvolvida por Vieira).

Como também já foi tratado, a alma diz da experiência transcendental humana. Por
ser complexa, não é passível de um controle tal qual ocorre com processos químicos,
por exemplo, dentro de um laboratório (apesar de por vezes, as analogias se referirem
a processos da natureza). Recordando que os arquétipos constituem os norteadores
de processos psíquicos, os quais interatuam rumo a uma totalidade, ocorre desses
processos estarem suscetíveis a uma desorganização, quando a consciência está
enfraquecida, ou o caos do inconsciente não tem sua polaridade junto aos processos
conscientes superados.

O que seria então a psicopatologia enquanto “experiência da alma”? Zanoni e Serbena


(2011), discutem que seria justamente um estado em que o inconsciente vem à tona de
uma maneira mais evidente do que costuma estar. A psicopatologia passa a ser entendida
como uma necessidade psíquica, a fim de que a consciência tome conhecimento de
estados que em outro momento estavam pouco evidentes, embora atuantes.

O que se problematiza sobre isso é quanto uma literalidade dos termos atribuídos ao
que se convencionou enquanto transtorno, já que não implicariam necessariamente em
uma enfermidade, mas na transmutação de alguém real para um estado patológico, aos
parâmetros do que é cientificamente aceito.

Não se pretende com isso, afirmar que nomear é algo dispensável, mas como as
nominações podem refletir a relação entre síndromes e arquétipos, posto que poderiam
metaforizar essa relação e, consequentemente, refletir sobre como está a alma.

72
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Sendo assim, a importância da psicologização consiste em refletir sobre o que não é


possível perceber habitualmente, e o literal passa a ser na verdade uma representação
do que internamente formou uma fantasia.

Depressão e símbolos

Figura 47.

Fonte: <http://epicrapbattlesofhistory.wikia.com/wiki/File:The_Underworld_Based_On.png>.

Os símbolos permitem maneiras de lidar com o sofrimento. Podem ser externados


por palavras, pela descrição das sensações, gestos, entre outras formas de expressão.
Encontramos na literatura, nas artes plásticas e na música a associação entre as ideias
de tristeza que podem também ser atribuídas a um estado depressivo. O limite está em
autorizar que se sinta tristeza e patologizar essa sensação.

Tentando nos aproximar disso, pensemos sobre imagens atribuídas à depressão: queda,
deserto, morte. É muito comum denotar isso à impossibilidade de uma recuperação das
situações depressivas, prevendo que não há como escapar desste estado. Purcotes-Júnior
(2012) destaca que os mitos trazem essas temáticas, mas também mostram horizontes
de possibilidades. É o caso do mito de Hades, deus habitante de um submundo, mas
onde também existe riqueza de formas de vida.

O autor também realiza uma aproximação a partir do referencial influente da Psicologia


Analítica. A Alquimia e a depressão podem ser comparadas à transformação alquímica
provocada pelo fogo em metais. As fases alquímicas que conferem coloração e mudança
de temperatura, forçam sua estrutura, sendo que a substância permanece lá, resistindo
aos processos. Analogamente, a alma passaria por um rubor, nigredo e clareamento – o
sujeito suportando a dor.

73
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Figura 48.

Fonte: <http://www.deldebbio.com.br/wp-content/uploads/2009/11/nigredo-albedo-rubedo.jpg>.

A representação por imagens corresponde ao processo de individuação, pois consiste na


busca de si mesmo, pelo encontro com o inconsciente e os símbolos de seus conteúdos,
rumo à consciência.

Bom dia, tristeza


Letra: Vinícius de Moraes. Melodia: Adoniran Barbosa.

Fonte: <https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/87325/>.

Bom dia, tristeza

Que tarde, tristeza

Você veio hoje me ver

Já estava ficando

Até meio triste

De estar tanto tempo

Longe de você

Se chegue, tristeza

Se sente comigo

Aqui, nesta mesa de bar

Beba do meu copo

Me dê o seu ombro

74
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Que é para eu chorar

Chorar de tristeza

Tristeza de amar

Diálogo entre Psiconeurociência e Psicologia


Analítica

Figura 49.

Fonte: <https://2.bp.blogspot.com/-_podhxIfdAo/UHakEj3GyeI/AAAAAAAAAVQ/sdy9dihW4J4/s320/3828_421644071232097_1071
274163_n.jpg>.

Outras áreas do conhecimento têm feito esforços para diálogos interdisciplinares,


como é o caso da Psiconeurociência. Em função do debate sobre a depressão, algumas
peculiaridades são tratadas.

Saíz e Amézaga (2005) apresentam um esforço de disciplinas interessadas pelo


estudo sobre mente e cérebro, a Psiconeurociencia. Estão inclusas as perspectivas da
neurociência e psicologia cognitiva, e entre suas investigações, trata sobre como os
arquétipos podem ser atuantes sobre padrões da depressão.

Ao longo de estudos, apresentam que em comparação ao gene, arquétipos seguem um


processo de retroalimentação (envolvem biofeedback do sistema, ou seja, respostas ao
organismo provenientes do sistema onde está inserido), pelo qual a situação histórica
afeta sua própria constituição.

Por exemplo, no padrão do sistema matriarcal, a função organizativa envolve a


contenção, o apego e o cuidado. As estruturas desse padrão são corporizadas por
complexos, que se constroem pela interação entre imagens, emoções, pensamentos,
memórias, comportamentos. O fluir desses elementos requer a elaboração simbólica.

75
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Os autores afirmam atenção da neuorobiologia, psicologia simbólico-arquetípica,


psicologia cognitiva etc. para reformular o entendimento do que é inato e emergente.
Por sua vez, a gênese da organização arquetípica consiste na emergência do arquétipo a
partir das interações entre os padrões de organização, estruturas e processos.

Mecanismos determinados geneticamente interagem com o meio e determinam


arquétipos, enquanto padrões organizativos.

Um sistema arquetípico se relaciona com outros padrões nas dimensões biológica


e psicológica, contextos integrando a rede de todo o organismo que está ativado e
estruturado por um sistema arquetípico. Cada dimensão corresponde a níveis de análise,
aos quais é proposta unificação. Os processos de auto-organização ou autopoiese são
característicos da individuação, sendo complexos situados entre estruturas criativas
e defensivas. Tomando como exemplo a depressão, nela há uma descentralização dos
eixos: neuroendocrino; ego-self; simbólico; ontoaxiológico.

Assista ao filme: Nise – O Coração da Loucura, de Roberto Berliner (Imagem


Filmes: 2016).

Figura 50.

Fonte: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-240724/criticas-adorocinema/>.

Imagine pensar em seres humanos como elementos inconvenientes, tal


qual são cigarras que cantarolam enquanto alguém está com enxaqueca. Ou
mesmo pedras no caminho que precisam ser moldadas à passagem. Aparelhos,
peças eletromecânicas, distanciamento da sociedade não necessariamente
permaneceram inquestionáveis desde o surgimento, mas assumiram uma
supremacia nos casos de transtornos mentais.

Ainda vivemos em uma tensão: por um lado, o medo e o não saber tratar, que
leva à adoção de práticas de tortura. Por outro, o desvio da lógica do tratar pela
do cuidado, guiados por um ímpeto de humanização e crença da possibilidade
de ultrapassar o que está posto.

76
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Mas voltando ao exercício imaginativo, imagine ser mulher e viver no Brasil


na década de 1940, propondo o que pode parecer óbvio para a manutenção
da saúde de qualquer ser humano, para os casos psiquiátricos: afeto, cuidado
(desde a higiene ao modo de se relacionar), integração com a sociedade. Foi o
que aconteceu no Brasil, e a mulher em questão é Nise da Silveira. Com formação
na medicina psiquiátrica, sua história passou por eventos marcantes, como o
narrado pelo filme “Nise – O Coração da Loucura”, qual seja seu trabalho no
Hospital Psiquiátrico Pedro II, situado em Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.

Nise se aproximou do estudo da Psicologia Analítica e de seu precursor Carl


Gustav Jung. A partir do trabalho com aqueles que costumava chamar clientes
(ao invés de pacientes), buscou instaurar uma lógica de respeito à dignidade
humana, e a construção de um ambiente propício à expressão do inconsciente, a
partir da valorização do afeto, oportunizada por atividades lúdicas, de interação
e expressão artística. Na área de Terapia Ocupacional, pouco valorizada na época,
se aproximou de profissionais que sugeriram a pintura como uma das atividades
possíveis de serem desenvolvidas, levando a médica a trocar correspondência
com Jung, sobre o fato de seus clientes no hospital do Engenho de Dentro, os
quais mesmo não tendo experiência ou formação sobre técnicas de desenho ou
esculturas, expressavam suas histórias por meio da arte.

O filme pode ser considerado um retrato sobre o nosso olhar para pacientes psiquiátricos,
como uma realidade que envolve receios, experiências de vida (dentro e/ou fora do
hospital), realidade e ideal de cuidado etc. Contudo, também associamos o adoecimento
aos casos de internamento, mas deixamos de lado reflexões fundamentais sobre nossos
estilos de vida.

Figura 51.

Fonte: <https://shakespeareandcompany.com/event/293/philosophers-in-the-library-with-kevin-kennedy-on-georges-bataille>.

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UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Bem-estar, sofrimento, bem, mal. O que querem dizer esses termos atualmente? Pode
parecer óbvio para aqueles que têm se dedicado a ouvir o outro, em um sentido clínico
da palavra. “É relativo”, “é subjetivo”, alguns dirão. Tantos outros podem afirmar que
estar bem hoje é ter um bom emprego, morar em uma casa confortável, criar os filhos
de maneira segura. Mas o que é um bom emprego? O que é conforto? O que é seguro?

É muito comum vivermos o ritmo que as necessidades do nosso trabalho nos impõem.
Passar a noite em claro para terminarmos aquele serviço; vivermos fora de nossas casas
mais tempo do que passamos usufruindo dela; impor tarefas que nem sempre nosso
corpo suporta; permitir que nossos filhos ou parentes tenham condições para uma
boa escola e sucesso em sua carreira profissional, dizendo que alguns lugares não são
possíveis de frequentar.

Até certo ponto, esse estilo nos permite realização. A felicidade do sucesso na obtenção
de desejos recompensados socialmente (ter um emprego bem remunerado, utilizar bens
que nos dê status), pode ser devastada com a impossibilidade de continuar impondo
a nós mesmos esses modelos. Mas, e quando estamos impossibilitados de sermos nós,
em nome da realização desses status?

E a nossa capacidade de nos surpreendermos? Quantas vezes ao dia nossas palavras


são interditadas, e pensamos “eu queria ter falado outra coisa, mas não senti espaço
para isso”. Naturalizamos o que nos machuca, o que nos faz desencontrarmos de nossos
desejos, perdemos de vista os horizontes de nossos sonhos (no sentido de um horizonte
a ser alcançado, uma realização em perspectiva) e passamos a responder à prazos por
tabela, esquecemos muitas vezes do propósito de nosso trabalho.

Em um passado não tão distante, o escritor George Bataille fala sobre mal e literatura
(ver entrevista “Georges Bataille – A Literatura e o Mal”, disponível no link: <https://
www.youtube.com/watch?v=Mj1HbXt540w>. Vista por alguns como um exercício
infantil, e não funcional, segundo Bataille não deve ser vista como rebaixada por requerer
uma disposição a surpresas, assim como vemos em uma criança que se surpreende na
expectativa e admiração sobre as coisas. Ao longo da entrevista sugerida, percebemos
uma preocupação em discutir a importância da escrita em comunicar sobre o que
nos toca, ainda que isso possa chocar. O mal estaria em função de alcançar um lugar
desejado e de ultrapassar regras do bem.

Após assistir a entrevista “Georges Bataille – A Literatura e o Mal”, você poderá


notar que em um dos trechos, o escritor compara a literatura com o jogo, em que
é jogando que encontramos a força para enfrentar seus horrores. Considerando
isto, reflita sobre:

78
TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA │ UNIDADE IV

Como temos vivido?

Precisamos de forças para enfrentar algo?

O que temos enfrentado na vida, e de que maneira temos reunido forças para
vivê-la?

Conclusão

O estudo do mito e as heranças culturais de nossos antepassados, foram foco de


interesse de áreas de conhecimento como História da Religião, Antropologia, Etologia,
entre outras. Jung, enquanto um importante precursor desse interesse na Psicologia,
também inspirou as demais áreas, salvas as peculiaridades de cada uma.

Apesar das distinções quanto a isso, o lugar do inconsciente na Psicologia Analítica é


produzido por nossas heranças culturais, o que doa caráter coletivo, transmitido entre
as gerações.

Pela necessidade de compreensão dos símbolos representantes de tais heranças,


amplia-se o olhar do transtorno mental, pois não basta o quão um indivíduo pareça
estar perdido, se propõe, nessa perspectiva, a possibilidade de comunicação com ele.

É a importância da experiência espiritual (não necessariamente religiosa), um aspecto


fundamental para a compreensão do indivíduo e da sociedade, em sua totalidade.

Uma frase célebre, associada à Jung, diz sobre ser outra alma humana, ao tocar em
uma alma humana. Isso faz sentido se entendemos que ela se opõe à postura que até
hoje insiste em se fazer presente, ao lidar com o atendimento em consultório, entre
outras práticas. Nossa expectativa é a escuta, quando temos esperança em sermos
tratados como pessoas; ou o autoritarismo, quando já passamos por experiências
desconfortáveis, e ainda mesmo antes, ao pensarmos que o outro é superior às nossa
angústias e dores.

Mas ao falar no método dialético no consultório, o que precisamos entender é a


importância de um posicionamento enquanto pessoa, e não seria nosso ambiente
profissional que, apesar de influente, ditaria nossas relações, mas nossa disposição ao
outro, ao ouvir. É entender que tivemos uma formação importante para orientar nossas
práticas, no olhar para horizontes de possibilidades que nem sempre as pessoas têm se
dado conta. Da nossa relação, podemos trilhar juntos o caminho em busca da totalidade
de ser subjetivamente e inteiramente, o que somos e o que queremos ser.

79
UNIDADE IV │ TÉCNICAS EXPRESSIVAS EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

Essa discussão se faz presente em muitas das obras de Jung, como “Ab-Reação, análise
de sonhos e transferência” (JUNG, 1971/2012), ao se referir sobre a importância da
relação terapêutica. Isso implica em permitir ao cliente que ele alcance uma relação
pessoal com seu terapeuta, ou seja, que não o olhe como soberano sobre o que ele
mesmo sente, mas que ele reconheça os limites que estão ao alcance de sua autonomia
e o que o outro pode dizer sobre ele.

Pensando nisso, lembremos da questão da psicopatologia, e onde um psicodiagnóstico


muitas vezes nos leva, que é olhar o outro a partir de uma determinação. Primeiro,
precisamos de um olhar crítico acerca dos diagnósticos, no sentido de entender quais
são as contribuições para a vida daquele que o recebe. A questão é também entender
como esse recebe a nomeação de uma psicopatologia. Segundo, reflitamos sobre os
procedimentos que costumamos adotar, os instrumentos, tudo aquilo que envolver
nossas avaliações: como resultados podem representar os sujeitos envolvidos? Como
podemos entender que aquilo não é a pessoa por completo, já que a ela existe em uma
totalidade?

Na perspectiva da Psicologia Analítica, assim como no sentido clínico de nossa postura,


lembremos que somos escuta e precisamos cuidar dessa. Cuidar inclusive para a não
continuidade ou formação de preconceitos, e para que o diferente não seja patologizado.
Cuidar para que nossa função, enquanto profissionais, não reafirme o exercício pautado
na homogeneização e adormecimento do que nos causa estranheza, mas que possamos
nos autocuidar para que, nesse movimento, possamos bem cuidar e ensinar sobre o
cuidado do outro.

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