Você está na página 1de 210

Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA)

Member of the International Association for Analytical Psychology (IAAP)


Junguiana
REVISTA LATINO-AMERICANA DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ANALÍTICA
Volume 39-1/2021

Editoral A revista Junguiana tem por objetivo publicar trabalhos originais que
Vera Lúcia Viveiros Sá - editora chefe contribuam para o conhecimento da psicologia analítica e ciências
Rosana Rubini - editora assistente afins. Publica artigos de revisão, ensaios, relatos de pesquisas, comu-
Zara Oliveira Freitas Magalhães Lyrio - editora assistente nicações, entrevistas, resenhas. Os interessados em colaborar devem
seguir as normas de publicação especificadas no final da revista.
Conselho Editorial A Junguiana também está aberta a comentários sobre algum
Fernanda da Silva Pimentel artigo publicado, bastando para isso enviar o texto para o e-mail
Luísa de Oliveira
artigojunguiana@sbpa.org.br.
Rosana Rubini
Vera Lúcia Viveiros Sá
Victor Roberto da Cruz Palomo
Zara Oliveira Freitas Magalhães Lyrio SOCIEDADE BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA ANALÍTICA
Conselho Editorial Internacional
Axel Capriles - Sociedad Venezolana de Analistas Junguianos
Jacqueline Gerson - Asociación Mexicana de Analistas Junguianos SBPA-São Paulo
Juan Carlos Alonso - Asociación para el Desarrollo de la Psicología Presidente - Ana Maria Cordeiro
Analítica en Colombia - Adepac Diretoria Administrativo /Tesoureiro - Alexandre de Lima Freitas
Marilene Rodrigues Fernandes - Sociedad Chilena de Psicología Diretoria do departamento da Clínica - Dora Eli Martins Freitas
Analítica SCPA Departamento de Comunicação e de Cursos - Elisabete de Lourdes
Mario E. Saiz - Sociedad Uruguaya de Psicología Analítica Christofoletti
Fabián Flaiszman - Sociedad Uruguaya, Argentina de Psicología Diretoria de Departamento de Acervo - Elza Maria Lopes
Analítica SUAPA
Diretoria do Instituto de Formação - Comissão de Ensino representado
Patricia Michan - Asociación Mexicana de Analistas Junguianos
por Jane Eyre Sader de Siqueira
Vladimir Serrano Pérez - Fundación C. G. Jung del Ecuador
São Paulo
Consultores científicos Rua Dr. Flaquer, 63 – Paraíso – 04006-010
Dartiu Xavier da Silveira - Universidade Federal de São Paulo, SP Telefax: (11) 5575-7296
Dilip Loundo - Universidade Federal de Juiz de Fora, MG E-mail: sbpa@sbpa.org.br
Guilherme Scandiucci - Pontifícia Universidade Católica de Home page: www.sbpa.org.br
São Paulos, SP
Maria Cristina Urrutigaray - Associação Junguiana do Brasil
SBPA-Rio de Janeiro
pelo Instituto Junguiano do Rio de Janeiro, RJ
Presidente: Elizabeth Christina Cotta Mello
Mariluce Moura - revista Pesquisa Fapesp, SP
Diretor de Finanças e Tesouraria: Marcelo Fiorillo Bogado
Marisa Müller - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, RS Diretor de Administração e Secretaria: Alexandre Alves Domingues
Oswaldo Henrique Duek Marques - Pontifícia Universidade Diretor de Cursos e Eventos: Carla Maria Portella Dias
Católica de São Paulo, SP Diretor de Ensino: Cynthia Pereira Lira
Walter Boechat - Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ Diretor de Publicação e Biblioteca: Marcelo Fiorillo Bogado
Walter Melo Júnior - Universidade Federal de São João del Tel.: (21) 2235-7294
Rei, MG Email SBPA/RJ: sbpa.rio@gmail.com
Home page: www.sbpa-rj.org.br

Capa: Ana Gabriela Barth Indexação


São Paulo, 2021
Index Psi Periódicos: www.bvs-psi.org.br
Junguiana
Base de dados Lilacs/Bireme – Literatura Latino-
Americana e do Caribe da Saúde, da Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas) e da Organização
Mundial da Saúde (OMS). www.bireme.br
PePSIC http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?lng=pt

Editoração: Ingroup Tecnologia e Serviços

Junguiana: Revista da Sociedade Brasileira


de Psicologia Analítica – n.1 (1983)
São Paulo: Sociedade, 1983 -
Semestral
ISSN 2595-1297 versão online
ISSN 0103-0825 versão impressa
1.Psicologia – periódicos
CDD 150

2 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.3-4

Editorial

Continuamos em tristes tempos de pandemia por


COVID-19, atravessados por milhões de mortes no mundo.
Perdemos entes queridos, familiares, vizinhos, conhecidos
distantes, e tantos outros desconhecidos, somados na con-
tagem de mortes diárias. O símbolo da morte invadiu a cons-
ciência coletiva e, para elaborarmos seu potente papel na
atual trajetória humana, precisamos estar dispostos a reali-
zar uma descida ao submundo, tema tão comum nas sagas
heroicas. Invocamos Hermes, deus psicopompo condutor de
almas que domina as trevas e conhece os caminhos e encru-
zilhadas, para guiar-nos nessa tarefa. Pois a morte, concreta
ou simbólica, é inerente à vida e necessária para que possa-
mos nos adaptar ao novo, fazendo parte de todo o processo
de transformação.
Para realizar este percurso precisamos, além de um guia,
de uma inspiração, um exemplo de personificação da ação
do arquétipo do herói, que constele nossa coragem e espe-
rança. A comunidade da SBPA elegeu a Dra. Nise da Silveira,
médica e psiquiatra nordestina, que com afeto, sensibilidade e criatividade, invocava o deus Eros para cuidar
e promover relações transformadoras, quer com pessoas, animais, imagens ou tintas. Sua vida e obra foram
os temas que nortearam os artigos que compõem o dossiê em sua homenagem, neste volume da Junguiana.
Este fascículo se inicia com dois depoimentos: “Nise da Silveira, a leve brisa de vento que remove mon-
tanhas” teve origem na vivência do autor ao fazer leituras da Bíblia na versão do rei James para ela, quando
doente. “Nise e o Tao” relata os encontros entre a Dra. Nise, inovadora na humanização do tratamento de
doenças mentais graves, e o Mestre Liu Pai Lin, médico taoísta e antigo general chinês. O texto “A atrevida e
o abismo” introduz a entrevista publicada no Psicopombo em 1998, realizada por Roberto Fernandes, confir-
mando o lado rebelde e irreverente de Nise.
Em seguida a estes textos vivenciais, apresentamos os artigos que completam o dossiê. “A arte da diferen-
ciação do modo humano – Nise da Silveira: o elo perdido entre duas tradições” traça paralelos interessantes a
respeito de Deus, do homem e da psique, elaborando um diálogo entre a psicologia de C. G. Jung e a filosofia
da imanência de Baruch Spinoza, a partir da obra “Cartas a Spinoza”. Em “Pinturas de um paciente psiquiá-
trico: os inumeráveis estados do ser”, o autor acompanhou a produção plástica de um paciente psiquiátrico,
buscando entender esse material segundo os ensinamentos da Dra. Nise. O artigo “Fundamentos do méto-
do de Nise da Silveira: clínica, sociedade e criatividade” considera as três dimensões: “afeto catalizador”,
“forças autocurativas do inconsciente” e “emoção de lidar”, os fundamentos epistemológicos e da práxis da
psiquiatra alagoana. Por fim, mas não menos importante, “Diálogos entre Nise e Jung: a obra expressiva de
Nise da Silveira e suas contribuições para a psicologia analítica” lembra que o trabalho com esquizofrênicos

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 3


Junguiana
v.39-1, p.3-4

e a leitura de imagens empre- “Adultescência – a caminho da abarque tanto o relacionamen-


gadas no Museu de Imagens maturidade no mundo contem- to individual quanto o coletivo,
do Inconsciente são um legado, porâneo” dedica-se à reflexão concorrendo para a implanta-
fonte de pesquisa e estudo. sobre a passagem da adoles- ção de um regime de encontro
cência para vida adulta que, e continência do outro.
Esta edição conta também
com outros temas diversos: em em alguns casos, pode ser ex- Esperamos que o conjunto
“Processo teatral – uma jorna- perimentada com muita dificul- dos textos colabore com algumas
da da psique”, a autora procura dade. Finalizamos com “A bus- reflexões e transformações que
ampliar o fenômeno teatral, por ca do quatérnio – a instituição só se mostram possíveis com a
meio da leitura da psicologia da quarta função”, que traz a participação de Hermes e Eros.
analítica, e investigar a compre- constatação da necessidade
ensão psíquica na elaboração de implantarmos um quarto po-
da subjetividade desenvolvida der que traduza um verdadeiro Boa leitura!
pelo processo teatral para além regime democrático com uma Maio, 2021
do mise em scène. O artigo dinâmica de consciência que Editoras

4 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.5-6

Editorial

We are still in sad times of pandemic by COVID-19, crossed


by millions of deaths in the world. We have lost loved ones,
family members, neighbors, distant acquaintances and all
other unknowns, added to the daily death count. The symbol
of death invaded the collective consciousness and, in order
to elaborate its potent role in the current human trajectory, we
must be willing to carry out a descent into the underworld, a
theme so common in heroic sagas. We summon Hermes, god
psychopomp conductor of souls who dominates the darkness
and knows the paths and crossroads, to guide us in this task.
Because death, concrete or symbolic, is inherent in life and
necessary for us to adapt to the new, being part of the entire
transformation process.
To carry out this journey, we need, in addition to a guide,
an inspiration, an example of the personification of the ac-
tion of the hero archetype, which constellates our courage
and hope. The SBPA community elected Dr. Nise da Silveira,
Northeastern physician and psychiatrist, who with affection,
sensitivity and creativity invoked the god Eros to care for and promote transforming relationships, whether
with people, animals, images or paints. Her life and work were the themes that guided the articles that make
up the dossier in her honor, in this volume of Junguiana.
This issue begins with two testimonials: “Nise da Silveira, the light brisa of the wind that removes moun-
tains”, originated in the author’s experience while reading for her the Bible in King James’s version, when she
was ill. “Nise and the TAO”, reports the encounters between Dr. Nise, an innovator in the humanization of the
treatment of serious mental illnesses, and Master Liu Pai Lin, a Taoist physician and former Chinese general.
The text “The daring and the abyss” introduces the interview published in Psicopombo in 1998, conducted by
Roberto Fernandes, confirming Nise’s rebellious and irreverent side.
Following these experiential texts, we present the articles that complete the dossier. “The art of differen-
tiating the human way - Nise da Silveira: the missing link between two traditions” draws interesting parallels
about God, man and the psyche, elaborating a dialogue between C.G. Jung’s psychology and Baruch Spino-
za’s philosophy of immanence, based on the work “Cartas a Spinoza”. In “Paintings of a psychiatric patient:
the uncountable states of being”, the author followed the plastic production of a psychiatric patient, seeking
to understand this material according to the teachings of Dr. Nise. Article “Fundamentals of Nise da Silvei-
ra’s method: clinic, society and creativity”, considers the three dimensions: “catalyst affection”, “self-heal-
ing forces of the unconscious”, and “emotion of dealing”, the epistemological foundations and the praxis
of the psychiatrist from Alagoas. Last but not least, “Dialogues between Nise and Jung: the expressive work
of Nise da Silveira and its contributions to analytical psychology” recalls that the work with schizophren-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 5


Junguiana
v.39-1, p.5-6

ics and reading images used in “Adultescence - on the way to and the collective relationship,
the Museum of Images of the maturity in the contemporary contributing to the implemen-
Unconscious are a legacy, a world” is dedicated to reflecting tation of a regime of encounter
source of research and study. on the transition from adoles- and containment of the other.
This edition also has other cence to adulthood, which, in
We hope that the set of texts
diverse themes: in “Theater pro- some cases, can be experienced
will collaborate with some reflec-
cess – a journey of the PSIQUE” with great difficulty. We ended
tions and transformations that
the author seeks to expand the with “The search of quaternio
are only possible with the partic-
theatrical phenomenon, through - the institution of the fourth
ipation of Hermes and Eros.
the reading of analytical psychol- function” which brings the real-
ogy, and investigate psychic un- ization of the need to implement
derstanding in the elaboration a fourth power, which translates Good reading!
of the subjectivity developed by a true democratic regime with a
May, 2021
the theatrical process beyond dynamic of conscience that en-
the mise-en-scène. The article compasses both the individual Editors

6 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.7-8

Editorial

Continuamos en tiempos tristes de la pandemia del


COVID-19, atravesados ​​por millones de muertos en el mun-
do. Perdimos seres queridos, familiares, vecinos, conocidos
lejanos y todos los demás extraños, sumados al recuento
diario de muertes. El símbolo de la muerte invadió la con-
ciencia colectiva y, para elaborar su potente papel en la
trayectoria humana actual, debemos estar dispuestos a
descender al inframundo, tema tan común en las sagas he-
roicas. Invocamos a Hermes, dios psicopompo conductor de
las almas que domina las tinieblas y conoce los caminos y
encrucijadas, para que nos oriente en esta tarea. Porque la
muerte, concreta o simbólica, es inherente a la vida y nece-
saria para que nos adaptemos a lo nuevo, siendo parte de
todo el proceso de transformación.
Para realizar este camino necesitamos, además de una
guía, una inspiración, un ejemplo de personificación de la
acción del arquetipo del héroe, que constele nuestro cora-
je y esperanza. La comunidad SBPA eligió a la Dra. Nise da
Silveira, médica y psiquiatra nordestina, quien con cariño, sensibilidad y creatividad invocó al dios Eros
para cuidar y promover relaciones transformadoras, ya sea con personas, animales, imágenes o pinturas.
Su vida y obra fueron los temas que guiaron los artículos que componen el dossier en su honor, en este
volumen de Junguiana.
Este fascículo comienza con dos testimonios: “Nise da Silveira, la suave brisa de viento que remueve
montañas”, se originó en la experiencia del autor al leer la Biblia en la versión rey James para ella, cuando
estaba enferma. “Nise y el TAO”, relata los encuentros entre la Dra. Nise, una innovadora en la humanización
del tratamiento de enfermedades mentales graves, y el Maestro Liu Pai Lin, médico taoista y antiguo general
chino. El texto “La atrevida y el abismo” introduce la entrevista publicada en Psicopombo en 1998, realizada
por Roberto Fernandes, que confirma el lado rebelde e irreverente de Nise.
Siguiendo estos textos vivenciales, presentamos los artículos que completan el dossier. “El arte de la diferen-
ciación del modo humano - Nise da Silveira: el vínculo perdido entre dos tradiciones”, traza interesantes paralelos
sobre Dios, el hombre y la psique, elaborando un diálogo entre la psicología de C. G. Jung y la filosofía de la inma-
nencia de Baruch Spinoza, a partir de la obra “Cartas a Spinoza”. En “Pinturas de un paciente psiquiátrico: los
innumerables estados del ser”, el autor siguió la producción plástica de un paciente psiquiátrico, buscando en-
tender este material de acuerdo con las enseñanzas de la Dra. Nise. El artículo “Fundamentos del método de Nise
da Silveira: clínica, sociedad y creatividad”, considera las tres dimensiones: “afecto catalizador”, “fuerzas autocu-
rativas del inconsciente” y “emoción del trato”, los fundamentos epistemológicos y praxis de la psiquiatra de Ala-
goas. Por último, pero no menos importante, “Diálogos entre Nise y Jung: el expresivo trabajo de Nise da Silveira

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 7


Junguiana
v.39-1, p.7-8

y sus contribuciones a la psico- llada por el proceso teatral para con una dinámica de conciencia
logía analítica” nos recuerda que más allá de la mise-en-scène. que abarque tanto la relación in-
trabajar con esquizofrénicos y El artículo “Adultescencia - en dividual como la colectiva, con-
leer imágenes utilizadas en el el camino de la madurez en el tribuyendo a la implementación
Museo de Imágenes del Incons- mundo contemporáneo” está de un régimen de encuentro y
ciente son un legado, una fuente dedicado a reflexionar sobre la continencia del otro.
de investigación y estudio. transición de la adolescencia Esperamos que el conjunto
Esta edición cuenta también a la edad adulta, que, en algu- de textos colabore con algunas
con otros temas diversos: en nos casos, se puede vivir con reflexiones y transformaciones
“Proceso teatral - un viaje de la gran dificultad. Finalizamos con que solo son posibles con la
PSIQUE” la autora busca expan- “La búsqueda del quaternio - la participación de Hermes y Eros.
dir el fenómeno teatral, a través institución de la cuarta función”
de la lectura de la psicología que trae la constatación de la
analítica, e indagar en la com- necesidad de implementarse un ¡Buena lectura!
prensión psíquica en la elabora- cuarto poder, que traduzca un Mayo, 2021
ción de la subjetividad desarro- verdadero régimen democrático Editoras

8 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Sumário
Contents
Editorial
3 Editorial
13 Nise da Silveira, a leve brisa de vento
que remove montanhas
Maddi Damião Junior

19 Nise e o Tao
Franklin Chang

25 A atrevida e o abismo
Paulo V. Bloise

31 A arte da diferenciação do modo


The art of differentiating the human humano. Nise da Silveira: o elo
way. Nise da Silveira: the missing link
between two traditions perdido entre duas tradições
Erick Miranda de Sousa

A arte da diferenciação do modo 45 El arte de diferenciar el modo humano.


humano. Nise da Silveira: o elo perdido Nise da Silveira: el eslabón perdido
entre duas tradições
entre dos tradiciones
Erick Miranda de Sousa

59 Pinturas de um paciente psiquiátrico:


Paintings of a psychiatric patient: the os inumeráveis estados do ser
countless states of being Sergio Luiz Alécio Filho,
Regina Helena Lima Caldana

75 Paintings of a psychiatric patient: the


Pinturas de um paciente psiquiátrico: Uncountable States of Being
os Inumeráveis Estados do Ser Sergio Luiz Alécio Filho,
Regina Helena Lima Caldana

91 Fundamentos do método de Nise


Foundamentals of the Nise da Silveira’s da Silveira: clínica, sociedade e
method: clinic, society and creativity
criatividade
Maddi Damião Junior

101 Foundations of the Nise da Silveira


Fundamentos do método de Nise method: clinic, society and creativity
da Silveira: clínica, sociedade e
Maddi Damião Junior
criatividade
111 Diálogos entre Nise e Jung: a obra
Dialogues between Nise and Jung: the expressiva de Nise da Silveira
expressive work of Nise da Silveira e suas contribuições para a
and their contributions to analytical
psychology psicologia analítica
Marisa V. Catta-Preta

Diálogos entre Nise e Jung: a obra


127 Dialogues between Nise and Jung:
expressiva de Nise da Silveira e the expressive work of Nise da
suas contribuições para a psicologia Silveira and her contributions to
analítica analytical psychology
Marisa V. Catta-Preta

143 Processo teatral – Uma jornada da


Theatrical process – A journey of the psique
psyche
Patrícia Teixeira

155 Theatrical process – A journey of the


Processo teatral – Uma jornada da psique psyche
Patrícia Teixeira

Adultecence. On the way to


167 Adultescência: a caminho
maturity in the contemporary da maturidade no mundo
world contemporâneo
Eloisa M. D. Penna,
Felícia Rodrigues R. S. Araujo

170 Adultescence: on the way to


Adultescência: a caminho da maturity in the contemporary world
maturidade no mundo contemporâneo
Eloisa M. D. Penna,
Felícia Rodrigues R. S. Araujo

191 A busca do quaternio.


The search of quaternio. The institution A instituição da quarta função
of the fourth function
Maria Zelia de Alvarenga

199 La búsqueda cuaternaria. Institución


The search of quaternio. The institution de la cuarta función
of the fourth function Maria Zelia de Alvarenga

207 Normas
Junguiana
v.39-1, p.11-12

DOSSIÊ NISE DA SILVEIRA

(Maceió, 15 de fevereiro de 1905 – Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999)1

1
https://www.scielo.br/j/pcp/a/ST6887NdYRBschFzS8sFhpP/?lang=pt

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 11


Junguiana
v.39-1, p.11-12

12 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.13-18

Nise da Silveira, a leve brisa de vento


que remove montanhas

Maddi Damião Junior*

Elias foge de Jezabel


Elias, a mando de Deus, “matara à es-
pada todos os profetas” de Baal. A rai-
nha furiosa avisara a ele que da mesma
forma ele teria o mesmo destino que
seus profetas.
Com receio de perder sua vida, “...
comeu e bebeu. Com a força daque-
la comida caminhou quarenta dias e
quarenta noites até o monte Horebe, o
monte de Deus”.

Ali entrou numa caverna, onde passou a


noite. E lhe veio a palavra do Senhor,
dizendo: Que fazes aqui, Elias?
Respondeu ele: Tenho sido muito zelo-so
pelo Senhor Deus dos Exércitos.

* Psicólogo, Doutor em Psicologia pela UFRJ, Pós-Doutor em


Psicologia Médica e Psiquiatria pela Unicamp, Pós-Doutor
em Ciências das Religiões pela UFJF, Professor Associado da
UFF/CURO, Membro Analista SBPA - RJ
email: <maddidamiao@gmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 13


Junguiana
v.39-1, p.13-18

Os filhos de Israel deixaram sua aliança, de Estudos C. G. Jung e pela Casa das Palmeiras.
derrubaram os teus altares, e mataram O que apresento aqui é uma versão modificada,
os teus profetas à espada. Só eu fiquei, e porém considero importante lembrar caracterís-
agora estão tentando matar-me também. ticas pessoais e intelectuais da Dra. Nise que
passam invisíveis quando olhamos para sua
Disse-lhe Deus: Vem para fora, e põe-te
obra “de fora”. O título do depoimento tem ori-
neste monte perante a face do Senhor,
gem nas leituras que fazíamos quando ela es-
pois ele vai passar. Então um forte vento
tava doente, em seu quarto, da Bíblia na versão
fendeu os montes e despedaçou as pe-
do rei James, em francês. Sentado ao lado de
nhas diante do Senhor, porém o Senhor
sua cama, eu lia para ela trechos que me pedia.
não estava no vento. Depois do vento um
Desta forma, chegamos a Elias, tão caro a ela e
terremoto, porém o Senhor não estava
a Jung.
no terremoto. Depois do terremoto um
Ao sentar-me para escrever algo a respeito da
fogo, porém o Senhor não estava no fogo.
minha experiência ao longo de alguns anos junto
Depois do fogo, uma voz calma e suave à Dra. Nise, me deparei com alguns problemas.
(THOMPSON, 1992. p. 328). O primeiro, sobre o que escreveria ou o que teria
valor em ser dito que pudesse ser interessante
Tão logo comecei a faculdade de psicologia para quem lesse? Neste momento, em vez de fa-
iniciei, também, a frequentar a Casa das Palmei- zer uma apologia ou narrar algum acontecimento
ras, fundada pela Dra. Nise da Silveira, e o gru- durante meu contato com ela, me vem ao pensa-
po de estudos do psicólogo junguiano Geraldo mento algumas coisas que aprendi por intermé-
Mourthe, considerado por ela “o melhor psicólo- dio dela. Nada de grandioso ou fabuloso, isto é,
go clínico do Rio de Janeiro”, assim como o seu nenhum acontecimento espetacular, porém, pe-
grupo de estudos, que era realizado no escritório quenas coisas que ela me passou e que conside-
no andar acima de seu apartamento, onde mo- ro fundamentais para minha vida profissional e
rava, no bairro do Flamengo no Rio de Janeiro. pessoal. Heidegger (1981) certa vez discriminou
Desta forma, tive a oportunidade de não somen- entre aquilo que possui importância e o que não
te estudar com ela, mas de frequentar sua casa possui importância em nossa cultura. Normal-
e partilhar de seu cotidiano durante diversos mente damos importância a tudo aquilo que é
anos, até às vésperas de sua morte. Pode-se di- escandaloso, espetacular, grandioso e nos leva
zer que, através dela, pelo menos três gerações para fora de nós mesmos. O que possui valor
de junguianos foram formados no Rio de Janeiro, em nossa cultura, segundo esse filósofo, é tudo
assim como que ela influenciou muitos outros aquilo que nos distrai de nós mesmos e ao que
por todo o Brasil. Mesmo com idade avançada, não damos importância; não damos valor ao que
ela mantinha presença no grupo de estudos diz respeito à nossa própria vida, ou seja, tudo
C. G. Jung todas as quartas-feiras à noite, dando aquilo que diz respeito à vida e à questão do
mostra de sua imensa generosidade e cuidado próprio ser. O que teria mais valor é o que passa
na transmissão do conhecimento e na importân- despercebido pelas nossas mãos…
cia dos estudos. Por ela fui acolhido e tive a pos- Quero falar de algumas dessas pequenas
sibilidade de ter um encaminhamento na clínica coisas que recebi da Dra. Nise, importantes
e no pensamento junguiano, tendo acesso à sua para todos que trabalham com a alma huma-
biblioteca e acompanhando suas pesquisas. na e seus destinos. A primeira delas é sempre
Este depoimento é uma versão revista e atua- ver antes a saúde ao invés da doença, valori-
lizada do que se encontra compilado junto a ou- zar as vias e possibilidades criativas da vida.
tros em uma publicação organizada pelo Grupo Geralmente estamos focados em etiologias ou

14 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.13-18

tentativas de explicar os fenômenos, reduzin- ência e perseverança, como poderíamos dizer


do-os a causas específicas, olhando para trás conforme o dístico alquimista “Ora, ora et labo-
como se a origem determinasse o que virá. Po- ra” (reze, reze e trabalhe). Possuía diversas me-
rém, resgatar a via da saúde em primeiro lu- táforas para o trabalho árduo e minucioso que
gar é recuperar a dimensão do simbólico, da fazemos, para todos aqueles que trabalham
poesia e da cura capaz de regenerar a vida, com o “misterioso” da vida e seus processos
ao dispô-la dentro de seu horizonte de mis- de transformação.
tério e gratuidade. Regenerar a vida é nos re- Vivemos cotidianamente como células isola-
dimensionarmos como aqueles que recebem das, somos educados e aprendemos a pensar
um presente, um Dom. Ao valorizar a saúde e como sendo o centro daquilo que nos cerca.
o símbolo em seu processo criador, estamos É necessário curiosidade, ou melhor, abertura
nos abrindo para a possibilidade do futuro e para o novo, para fazer novos encontros por
não mais para o passado, orientar o que será. meio dos quais a vida pode se dar a nós. Dis-
Precisamos saber escutar, ter delicadeza e su- ponibilidade para novas trocas e aprender que
avidade no dizer, olhar e se encantar com as a vida se dá como uma grande rede, na qual o
surpresas e mistérios que a vida nos dá. outro nos traz o novo, o diverso e porta a pos-
A qualidade da Dra. Nise de olhar as peque- sibilidade de nos descobrirmos. A psicologia
nas coisas estava sempre presente ao chamar analítica amplia um modelo de pensamen-
a atenção para o que passa despercebido, seja to que ao falar em projeção, transferência ou
o inconsciente ou algum detalhe de um livro contratransferência pressupõe um homem, em
ou poema. Procurar pelo simples e pelo que última instância, fechado em si mesmo, disso-
se esconde sob a luz do desinteressante pode ciado do mundo e dos outros. Essa forma de en-
nos mostrar ser um modo de reconhecer tesou- tendimento nos coloca como seres dispersos e
ros. Um exemplo foi seu olhar voltado àqueles faltosos, que procuram algo nos outros ou em si
considerados “marginais” da sociedade ou, mesmos. Porém, ao nos compreendermos como
como diria Walter Benjamin (KONDER, 1989), não separados do mundo nem daqueles que
os bárbaros (a criança, o artista e o louco). Es- nos cercam e pertencentes a uma grande rede
ses que trazem a possibilidade de renovação da qual somos uma parte, talvez possamos ver
e transformação da cultura instituída, portam com mais clareza que o mundo, o inconscien-
em seus delírios, dores e fantasias, imagens te e a vida se dá através do outro, daquilo que
capazes de transformar a vida. Outro caso que chamamos “o que está fora de mim”. Ao nos si-
me lembro até hoje, aparentemente simplório, tuarmos como um ponto nessa rede, veremos
foi aprender a reconhecer um bom livro atra- que não nos falta algo, e aquilo que chamo de
vés de pequenos detalhes, porém aí se insere meu, a projeção que “retiro”, é a vida se dando
um olhar que perscruta através daquilo que é a mim como novidade. Disponibilidade nesse
desvalorizado, as raízes do que possui valor. sentido, seria estar aberto ao que este outro
Saber olhar, reeducar nossos olhos, talvez que me traz, que na diferença radical de sua in-
seja esse um dos ensinamentos fundamentais dividualidade me traz a mim a minha vida, que
da psicologia analítica que, ao trabalhar com é minha e é dele.
imagens e símbolos, traz a primazia do ver em Foram alguns anos que passei próximo à
vez do escutar. Dra. Nise, que sempre tinha sua casa aberta
Delicadeza que se traduzia em paciência. e sua biblioteca à disposição1. Sempre se po-
Conforme dizia, “é preciso peneirar sete vezes
ou mais, garimpar” para encontrar os tesouros.
1
Ela deu à sua biblioteca o nome de Benedito, e costumava
exclamar em uma de suas expressões características: ”Será o
Muitas vezes a ouvi repetir essas palavras paci- Benedito que ninguém se interessa por ler estes livros?”.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 15


Junguiana
v.39-1, p.13-18

dia encontrar bons livros em sua casa, princi- cia, realizar nossa tarefa da mesma forma que
palmente de literatura e arte e, assim, aprendi ela realizou a sua.
a importância da literatura para o estudo da Certa vez falei que para se tornar junguia-
alma. Nos romances e contos podemos ver no, é necessário abandonar Jung. Isto quer di-
como a vida é exposta e desvelada de maneira zer que seguir seus passos não é repeti-los ou
mais contundente e fascinante do que em livros não questionar suas ideias, mas abandonar-
técnicos ou especializados. Seja Machado de mos a atitude de repetição infantil, lembran-
Assis, - um dos autores preferidos dela - ou Ítalo do que ele foi um homem através do qual o
Calvino, talvez o romance tenha a tarefa de fa- inconsciente se deu. Conforme o próprio Jung
zer o papel do mito em nosso tempo moderno, (1978) diz, o que importa é se a verdade de
conforme diz Mircea Eliade (1987). Eles contam cada um é a sua própria verdade e por isso é
como as coisas são, foram e deverão ser, de for- que a devemos procurar. Creio que se quiser-
ma direta, abrindo-nos uma dimensão da expe- mos preservar a memória da Dra. Nise, deve-
riência de maneira imediata, sem a colonização mos olhar em direção ao horizonte para o qual
do pensamento ou da razão. Possuem assim, a ela apontava, o que ela nos trouxe ao longo de
capacidade sintética do mito de nos apresentar sua vida e obra. Isso corresponderia a procu-
por imagens, cenas, quadros e dramas a vida rar valorizá-la não apenas no sentido pessoal
em seu rigor. Um exemplo disso pode-se encon- como a grande mulher que ela foi, mas para
trar em Dom Casmurro (ASSIS, 1992), quando a abertura da vida que ela nos mostrou e que
sua mãe estava doente, ele pensa que, se ela se acha marcada em todos aqueles que com
morresse, ele não precisaria ir para o seminário ela conviveram. Não devemos esquecer que
e poderia se casar com Capitu, porém, no mes- ela era uma mulher que sofria e se alegrava em
mo instante sente a dor do arrependimento, extremos, possuía defeitos e virtudes, ódios e
pois amava profundamente sua mãe. Machado amores e torná-la apenas em uma “grande mu-
de Assis nos dá nesse trecho, em filigranas, a lher” é desprovê-la da dimensão humana, dos
diversidade e complexidade da alma humana afetos e da imaginação que a tornavam capaz
com toda sua contradição e angústias. de entrar em contato com o mais íntimo da-
Delicadeza e firmeza, duas características queles que a cercavam, e torná-la apenas um
que creio seriam a síntese da Dra. Nise. Não mito. Isso quer dizer que se a despojássemos
que queira reduzi-la a apenas isso, mas eram de sua história, estaríamos cometendo dois
qualidades que se encontravam reunidas de erros: primeiro, vê-la como um mito que nos
forma indelével em seus atos. Qualidades que levaria a projetar nela tudo de bom ou de ruim
creio serem vitais para todos que lidam com a e não a respeitar em sua complexidade, per-
dimensão humana, em todas as suas dificulda- dendo a riqueza da vida que se deu como Dra.
des e mistério. Creio serem essas qualidades Nise da Silveira. O segundo é que ao projetá-la
de suma importância para aqueles que estejam como mito, desvalorizaríamos nossas próprias
tentando lidar com o inconsciente e a vida. A vidas, sendo infiéis conosco e com ela, na me-
todo momento nos deparamos com decisões a dida em que assim não estaríamos perseve-
serem tomadas, caminhos a serem seguidos e rando em realizar nosso próprio destino.
dificuldades a serem suplantadas, seja em nos- A herança mais importante que ela me dei-
sas relações com os outros ou em nossa própria xou, mais importante que algum livro ou pre-
vida. Se queremos estar abertos a tudo aquilo sente que tenha me dado, foi tudo que vi e
que a Dra. Nise representa, torna-se importante aprendi com ela, coisas que talvez eu não sai-
sabermos lidar com a vida de tal forma que pos- ba nomear em sua totalidade e que devemos
samos, em nosso próprio horizonte de existên- procurar em cada um de nós, como ela nos

16 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.13-18

marcou, o seu legado, procurar nas pequenas doce e suave” fazia manifestar a força da vida
coisas. Pequenos gestos e pequenas palavras que está em todos nós. ■
que partiam de uma mulher frágil fisicamente
mas potente em alma. Que através de uma voz Recebido em 22/03/2021 Revisão 02/06/2021

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 17


Junguiana
v.39-1, p.13-18

Referências
THOMPSON, F. C. (Ed.). Bíblia de referência Thompson. São ELIADE, M. A provação do labirinto: diálogos com
Paulo, SP: Vida, 1992. Claude-Henri Rocquet. Lisboa, Dom Quixote, 1987.

HEIDEGGER, M. Concepts fondamentaux. Paris: Gallimard, ASSIS, M. Obra completa volume 1. Rio de Janeiro, RJ:
1981. Nova Aguilar, 1992.

KONDER, L. W. B. O marxismo da melancolia. Rio de Janei- JUNG, C. G. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro,
ro, RJ: Campus, 1989. RJ: Nova Fronteira, 1978.

18 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.19-24

Nise e o Tao

Franklin Chang*

Quando conheci Dra. Nise da Silveira, eu


era estudante no Instituto C. G. Jung de Zuri-
que. Lembro-me de ela ter-me perguntado so-
bre alguns analistas, particularmente sobre a
Dra. Marie Louise Von Franz, que havia sido sua
terapeuta. Na ocasião, ela me contou que publi-
cara seu “Imagens do inconsciente” (SILVEIRA,
2017) em 1981 graças ao incentivo da Dra. Von
Franz. Da minha parte, contei a ela que me apro-
ximei da psicologia analítica por causa de seu
livro “Jung: vida e obra” (SILVEIRA, 1997), de
1972, quando ainda era aluno de engenharia na
Universidade de São Paulo (USP). A partir dessa
leitura, passei a comprar livros de Jung – todos
importados na época – à espera de uma opor-

* Engenheiro de Minas pela Politécnica da USP. Analista jun-


guiano pelo Instituto C.G. Jung de Zurique. Psicólogo clínico.
Professor de Fundamentos da Psicologia Analítica na Uni-
versidade Paulista (UNIP).Trabalhou na Casa das Palmeiras.
Foi professor de Pós-graduação em Psicologia Analítica na
Universidade Veiga de Almeida (UVA), Universidade Santa
Úrsula (USU) e Faculdade Maria Thereza (FAMATH).
email: <fchangrj@hotmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 19


Junguiana
v.39-1, p.19-24

tunidade para estudá-los em profundidade, Comigo, além das conversas quase que
o que só veio a acontecer em 1985, quando diárias sobre psicologia, psiquiatria e sobre
fui a Zurique. a produção dos clientes da Casa, lembro-me
Em 1994, já no Brasil, fui convidado pela de termos discorrido, em diversas ocasiões,
Dra. Nise para ministrar um curso sobre Jung na sobre o Tao e a visão de mundo taoista. Dra.
Casa das Palmeiras, no Rio de Janeiro. Embo- Nise admirava o “Tao-Te King”, livro de Lao-Tzu
ra eu morasse e clinicasse em São Paulo, não (2013) que descreve o Tao e os grandes opos-
pude declinar de tal convite. Propus montarmos tos yin e yang presentes em toda a Natureza e
um curso com aulas quinzenais baseado no li- também na natureza humana. Mas era na pro-
vro dela, “Jung: vida e obra” (SILVEIRA, 1997). dução zen budista e na arte zen que ela via o
Ela aceitou a sugestão, agradeceu e me disse espírito criativo manifestar-se de forma ainda
que, se pudesse, só daria aulas sobre funda- mais espontânea.
mentos da psicologia analítica. O zen-budismo surgiu na China por volta
Comecei a trabalhar regularmente na Casa do século VI d.C. como síntese do taoísmo de
das Palmeiras no ano seguinte, também a Chuang-Tzu e do budismo de Bodhidharma. Bo-
convite dela. Lembro-me de que o que me le- dhidharma defendia o cuidado com o corpo por
vou a aceitar esse convite foi ter visto o acer- meio de práticas de autodefesa e de meditação
vo de trabalhos dos pacientes da Casa. Fiquei que, combinadas ao trabalho no campo, garanti-
impressionado com a força criativa daquelas riam o sustento dos monges e sua independên-
imagens feitas por pessoas simples, às vezes cia em relação à política.
sem qualquer educação formal. Desde então Lembro-me de ter visto algumas pinturas
a criatividade tornou-se um tema constan- zen com a Dra. Nise. Naquela ocasião, ficamos
te em nossas conversas – de onde ela vem, a admirar a simplicidade das composições e, ao
como se forma, quais os efeitos que provo- mesmo tempo, a profundidade com que eram
ca na psique humana etc. Embora pareça traçados um círculo, uma montanha, uma plan-
uma questão simples, é bastante complexa ta, árvores e animais. Um dia, por ocasião de
e remete aos fundamentos da existência hu- meu aniversário, ela me presenteou com um li-
mana. Dra. Nise sempre olhou para a criati- vro sobre arte zen e escreveu-me uma linda dedi-
vidade mais pelo ponto de vista terapêutico catória, o que muito me emocionou.
do que como crítica ou historiadora da arte, A espontaneidade é um aspecto muito valori-
afinal, ela era médica e analista junguiana, e zado pela filosofia zen e pelos taoistas. Os taois-
via criatividade em tudo o que a cercava – e tas buscam resgatar um estado de espírito que é
na vida como um todo. geralmente encontrado entre as crianças peque-
Dra. Nise amava gatos e os chamava de “mes- nas, que agem sem pensar, movidas por um im-
tres”, pois eles lhe forneciam valiosas informa- pulso interior. Para eles, esse estado de espírito
ções sobre as pessoas que a visitavam. Ela pres- é a base da criatividade, e acaba refreado pela
tava muita atenção a tudo o que ocorria ao seu educação e pela vida adulta em sociedade.
redor, fosse em relação às pessoas ou ao meio A seguir, pretendo relatar a relação úni-
ambiente cultural e político do país. No campo ca e especial entre dois mestres de origem,
dos estudos e das pesquisas, gostava muito de formação e cultura completamente diferen-
ler e sempre se mantinha atualizada em relação tes e que, no entanto, tornaram-se grandes
a seus assuntos favoritos: literatura, arte, mito- amigos por compartilharem uma mesma co-
logia, religião, história, antropologia, medicina, nexão com a totalidade, para além de toda a
entre outros. Sua biblioteca era farta e de alta diferença: Dra. Nise da Silveira, médica psi-
qualidade. quiatra e analista junguiana brasileira, e o

20 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.19-24

médico taoista e antigo general chinês Liu Pai a mente”. O filósofo alexandrino Apolônio de
Lin. Nas ocasiões em que estiveram juntos, Tiana, por exemplo, ao contar sobre sua ini-
suas conversas foram viabilizadas pela inter- ciação por um mestre indiano durante uma
mediação de minha irmã, Jerusha Chang, que viagem que fez àquele país, escreveu que,
atuou como tradutora. Jerusha é arquiteta de ao fim de sua estadia, sentindo-se triste por
profissão e, em sua monografia de conclusão nunca mais poder falar com seu mestre, teria
de curso, desenvolveu um projeto para um ouvido dele que havia uma solução: o mestre
hospital psiquiátrico baseado na teoria jun- ensinara como poderiam se comunicar por
guiana das mandalas e das cores, orientada telepatia.
pela Dra. Nise. Em 1997, enquanto eu trabalhava na Casa
Mestre Liu chegou ao Brasil em 1975. Es- das Palmeiras, soube que Mestre Liu viria ao
tava com 70 anos na época e tinha um filho Rio de Janeiro para ministrar um curso na Uni-
que já morava em São Paulo. Quando veio versidade Holística Internacional da Paz (Uni-
visitá-lo, Mestre Liu encantou-se pelo país paz). Então, combinei com minha irmã uma
e resolveu tentar a vida por aqui. Começou palestra conjunta entre ele e Dra. Nise, para
atendendo pacientes que desejavam ser tra- que falassem sobre psicologia e taoismo. O
tados com medicina chinesa, além de dar salão da Casa das Palmeiras ficou lotado e a
aulas de Tai Chi Chuan e de filosofia taoista duração do encontro ultrapassou em muito o
para pequenos grupos de interessados. Em tempo que havia sido combinado. Infelizmen-
cinco anos, sua escola chegou a reunir cerca te, o evento não foi gravado, mas restaram
de 400 alunos.
algumas anotações que apresentarei aqui de
Conheci Mestre Liu no início dos anos 1980
forma resumida:
e logo simpatizei com ele. Seus métodos de
ensino e sua personalidade cativante eram 1. Mestre Liu se disse contrário ao confina-
únicos. Antes de ir a Zurique, pratiquei com mento de portadores de doenças mentais.
ele todos os dias, como se soubesse intuiti- Para ele, a sociedade como um todo sofre
vamente que isso seria importante para a mi- de um desequilíbrio nervoso, em maior ou
nha estadia naquela cidade. De fato, nos mais menor grau.
de cinco anos em que lá morei, contraí uma 2. Ele levantou a necessidade de tratar as pes-
única vez uma gripe leve. Além disso, minis- soas preventivamente e disse que devería-
trei aulas de Tai Chi para os suíços, o que me mos olhar para os problemas psicológicos
ajudou a sobreviver financeiramente durante
com a mesma atenção com que recebem os
aquele período.
problemas físicos corporais.
Pouco antes disso, em 1978, Jerusha havia
apresentado o Mestre Liu à Dra. Nise, que viera 3. Segundo ele, a origem das doenças está no
a São Paulo para uma exposição no Museu de desequilíbrio entre as energias yin e yang
Imagens do Inconsciente (SILVEIRA, 2017). Se- (energias primordiais feminina e masculina)
gundo Jerusha, eles se olharam fixamente por e que seu tratamento deve buscar um novo
algum tempo e nada disseram, como se quises- equilíbrio dentro do corpo e na vida do indi-
sem conhecer a essência um do outro, algo não víduo. Várias técnicas podem auxiliar nesse
apreensível por meio de palavras. processo, como fitoterapia, dieta, exercícios
Na literatura taoista e, principalmente, na físicos, meditação, acupuntura, massagem
zen budista, há inúmeros relatos de encon- e, às vezes, uma boa conversa. Tudo depen-
tros sem palavras entre mestres que se co- de da avaliação física, emocional e até espi-
municavam por meio da transmissão “mente ritual do paciente.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 21


Junguiana
v.39-1, p.19-24

4. Para a medicina chinesa existem, tanto na 8. Em seguida, Dra. Nise estabeleceu um para-
natureza quanto no homem, cinco energias lelo entre as energias yin e yang – em contí-
fundamentais: a do fogo, a da água, a do me- nua interação – e a ideia junguiana de que a
tal, a da madeira e a da terra. No corpo huma- psique é constituída por consciente e incons-
no, essas energias se situam em órgãos es- ciente interligados e mutuamente influen-
pecíficos: o fogo está localizado no coração ciados, da mesma forma como acontece no
e é associado à energia da alegria e do amor; símbolo do Tai Chi, em que dois peixes – um
a água localiza-se nos rins e associa-se ao branco e um preto – interagem dentro de um
medo; o metal liga-se aos pulmões e se refe- círculo: o Tao.
re à tristeza; a madeira conecta-se ao fígado
No fim da palestra, uma atmosfera de entu-
e à raiva e, por fim, a terra se liga ao baço e à
siasmo envolvia a todos, como se os que esta-
energia dos pensamentos. vam ali presentes tivessem participado de algo
5. Mestre Liu apresentou alguns exemplos de muito raro, profundo e valioso. Hoje penso que o
como podemos lidar com os desequilíbrios silêncio inicial entre Dra. Nise e Mestre Liu frutifi-
físicos e emocionais, e lembrou-se do caso cou em palavras, experiências e, sobretudo, co-
de um rapaz com euforia em demasia, o que, nhecimento essencial do ser humano, para além
na medicina chinesa, é entendido como ex- de sua origem, cultura e modo de pensar.
cesso de energia yang no coração. O mestre Aconteceu ainda um terceiro encontro entre
disse ter contado diversas histórias tristes a eles no ano seguinte. Foi uma ocasião muito
esse rapaz, até fazê-lo chorar. Dessa manei- especial: um chá informal na casa da Dra. Nise.
ra, buscou ativar a energia yin dos rins do pa- Naquela tarde de domingo havia alegria no ar e
ciente para, com essa água, apagar o excesso muitas risadas foram ouvidas. O mestre contou,
de fogo de seu coração, reestabelecendo as- então, que desejava chegar aos cem anos e per-
sim o equilíbrio entre as energias yin e yang guntou se a doutora compartilhava desse seu
no corpo dele. desejo. Frente à resposta afirmativa, Mestre Liu
entusiasmou-se e contou sobre diversas técni-
6. Por fim, Mestre Liu apontou para a necessi-
cas taoistas voltadas ao prolongamento da vida.
dade de se praticar atividades físicas regu-
Ele sugeriu uma dessas técnicas à Dra. Nise: ser
larmente e recomendou, principalmente, o
massageada na barriga, com frequência, por
exercício do Tai Chi Chuan e da meditação
uma criança com idade entre cinco e sete anos.
taoista para que o indivíduo mantenha um
Mestre Liu explicou que a energia das crianças é
equilíbrio interior e previna-se contra futuras
inexaurível porque, ao ser consumida, é imedia-
doenças. Ele afirmou que o Rio de Janeiro é
tamente reposta pelo Céu. Dra. Nise riu, aceitou
um local privilegiado para essas atividades
a sugestão e contou que havia sofrido com algu-
energéticas e que isso poderia atrair muita
mas crises respiratórias que só passaram depois
gente àquela cidade, em busca de saúde e
que ela pôs uma tartaruga embaixo de sua cama.
de energia.
O mestre também riu e disse que a tartaruga é
7. Dra. Nise agradeceu a presença do mestre e um símbolo de vida longa para os taoistas, por-
disse ter sido muito o pouco que ele havia que ela é lenta e respira profundamente.
dito. A doutora também afirmou que ele ha- Foi nesse clima que ambos se despediram, em
via tocado em questões fundamentais e que meio a promessas de reverem-se em breve, o que
a forma como a medicina chinesa costuma não voltou a acontecer. Um ano depois, em outu-
lidar com a questão das energias parecia ser bro de 1999, Dra. Nise da Silveira faleceu e, em de-
o caminho. zembro de 2000, também Mestre Liu nos deixou.

22 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.19-24

Considero ambos meus mestres, no sentido Para concluir, compartilho uma última história
chinês da palavra: “os pais nos dão a vida, mas sobre ela. Ao nos despedirmos, no fim da exaus-
só os mestres sabem explicar o significado dela”. tiva noite de lançamento de seu derradeiro livro
Com eles aprendi a importância de uma vida ple- “Gatos, a emoção de lidar” (SILVEIRA, 2016), Dra.
na, significativa e que inclua o amor ao próximo, Nise pediu-me que fosse à sua casa na manhã
a busca de um ideal, o trabalho criativo e o com- seguinte. Quando lá cheguei, ela me falou: “Ago-
panheirismo com todos aqueles que nos cercam. ra quero escrever um livro sobre a minha histó-
Dra. Nise foi uma verdadeira taoista, pela sua ria com a Dra. Von Franz”, a quem Nise chamava
busca do conhecimento da totalidade (Tao), por de mestra. Dra. Nise contava com a minha ajuda
seu trabalho apaixonado em defesa dos doentes para realizar esse seu projeto, eu me coloquei à
mentais e dos animais, pelo ideal de construir disposição, espantado com tamanha determina-
um mundo melhor e mais justo (aspectos yang ção por parte dela. O destino, porém, não permi-
do Tao), pelo amor profundo que sentia pelo ser tiu que esse trabalho viesse a ser concretizado:
humano – às vezes um ser criativo, às vezes es- ele permaneceu como sua “Inacabada”. ■
túpido – e pela enorme empatia que nutria por
seus pacientes (aspectos yin do Tao). Recebido em: 10/03/2021 Revisão em: 12 /06/2021

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 23


Junguiana
v.39-1, p.19-24

Referências
LAO-TZU. Tao-te king. São Paulo, SP: Pensamento, 2013. _____. Imagens do inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes,
2017.
SILVEIRA, N. Gatos, a emoção de lidar. Rio de Janeiro, RJ:
Léo Christiano, 2016. _____. Jung: vida e obra. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1997.

24 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.25-30

A atrevida e o abismo

Paulo V. Bloise*

“Eu sou uma pessoa curiosa do abismo”!


Com essas palavras, Nise da Silveira descreve-se
no documentário “Posfácio: Imagens do incons-
ciente” de Leon Hirszman (1986). Logo no início
do filme, a psiquiatra afirma: “do mesmo modo
que uma encadernação ou um trabalho de agulha
permite que você conheça certas coisas das pes-
soas [...] minha gesticulação deve estar dizendo
muito aqui. Talvez mais do que eu estou conse-
guindo falar...”. Esse trecho me remeteu direta-
mente à entrevista publicada no Psicopombo,
realizada por Roberto Fernandes (1998), quando
o fotógrafo Jonhnny Neto registrou detalhes tão
expressivos das mãos de Nise - nodosas, ances-
trais como raízes do abismo por ela transitado.
Acredito que tanto o comentário de Nise a Leon
Hirzman quanto a fotografia de Jonhnny, não são
detalhes fortuitos, pois apontam para um con-

* Médico psiquiatra. Analista Junguiano SBPA/IAAP Mestre em


Psiquiatria pela Unifesp. Autor de vários livros, como “O Tao
e a Psicologia” e “Saúde integral: A medicina do corpo, da
mente e o papel da espiritualidade”.
email: <pvbloise@terra.com.br>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 25


Junguiana
v.39-1, p.25-30

ceito importante na obra da psiquiatra denomi- almente, tratar um esquizofrênico somente com
nado “Emoção de lidar”. Para desvendar a alma pinturas, deixando os medicamentos de lado.
de seus pacientes (ou de uma entrevista?), Nise Mas, se a abordagem farmacológica evoluiu
sugere observarmos não só o produto de um muito nas últimas décadas, o aspecto trazido
trabalho expressivo, mas também o entusiasmo pela genialidade de Nise da Silveira, sua leitu-
e a emoção envolvida na criação. Esse insight, ra psicodinâmica e humanizada, continua bem
que ela teve ao observar pacientes nas oficinas ausente nos confins do Brasil.
de Terapia Ocupacional, foi um grande marco no Assisti ao documentário “Posfácio...” e, em
trabalho que desenvolveu em seu Museu de Ima- seguida, reli a entrevista. Coisa curiosa. Foi
gens do Inconsciente. como se as palavras impressas chegassem a
“Quem sabe por que a gente acha uma pes- mim através da sua voz, tão marcante nas filma-
soa simpática ou antipática?”, pergunta Nise gens. Roberto indaga sobre a possibilidade de
durante a entrevista à SBPA e avalia que para continuarmos no mundo após a morte e eu escu-
muitos, ela era vista como áspera ou até anti- tei nesse ouvido psíquico, uma voz grave, derra-
pática. Bem, conhecendo Roberto Fernandes, é mando palavras, uma a uma, lentamente: - Uma
possível sentir a simpatia presente no encontro parte pode acabar, a outra, conforme a pessoa,
dos dois rebeldes, regado a chá, bolachas e ad- pode se prolongar!
miração mútua a Espinosa. Em alguns momen- Não sei em que Nise se baseou para afirmar
tos da conversa com Roberto, sua aspereza vem isso. Mas, no que toca a ela, sinto que segue en-
à tona, por exemplo em relação à psiquiatria e tre nós, mais viva do que nunca, influenciando
aos colegas. Para entendê-la melhor, devemos nossa cultura e inspirando novas gerações. ■
lembrar que os tratamentos aos transtornos
mentais em meados do século vinte eram cru- Recebido em: 16/05/2021 Revisão em: 18/06/2021
éis e pouco eficazes. Ninguém sustentaria, atu-

26 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.25-30

Referências
FERNANDES, R. Entrevista com uma psiquiatra rebelde. HIRSZMAN, L. (Dir.). Imagens do inconsciente. Rio de Janei-
Psicopombo, abr./maio 1998. ro, RJ: Embrafilme, 1986.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 27


Junguiana
v.39-1, p.25-30

Entrevista com uma psiquiatra rebelde importância, pois se expressa antipaticamente...


Não sei se vocês me põem no rol dos simpáticos
Roberto Fernandes e Jonhnny Neto entrevistam ou dos antipáticos... Muita gente me põe no rol
Drª Nise da Silveira para o Psicopombo dos antipáticos... Eu sou áspera.
JONHNNY - Realista, né?
Drª Nise da Silveira é a pioneira na compreen- DRª NISE - Não creio que tanto.
são da psicodinâmica das psicoses e inovadora ROBERTO - Por falar em livro, o seu livro “Ima-
no tratamento através da pintura e de outros re- gens do Inconsciente” é maravilhoso!
cursos expressivos. DRª NISE - Todo escrito a partir de casos
Incansável defensora da cidadania e dos cui- clínicos. É curioso porque depois eu escrevi o
dados humanitários aos portadores de doenças “Mundo das Imagens”. Entretanto, o primeiro li-
mentais, fundou em 1952, o Museu de Imagens vro, “Imagens do Inconsciente”, tocou mais as
do Inconsciente. Autora de vários livros que são pessoas. Recentemente, lancei um pequenino
clássicos da psicologia profunda, formou o gru- que eu gosto muito, chamado “As Cartas a Espi-
po de estudos C. G. Jung do qual é presidente nosa”, filósofo que viveu no final do século XVII.
desde 1968 até hoje. São cartas ora de afeto, ora de briga.
Alagoana, nascida sob o signo de aquário no ROBERTO - Sou encantado com Espinosa.
ano de 1905, formou-se na Faculdade de Medici- DRª NISE - Eu também sou encantada pelo
na da Bahia. Ingressou no serviço de Assistência Espinosa.
a Psicopatias, onde dirigiu de 1946 a 1974, se- ROBERTO - É bom sentir a vida através da
gundo suas palavras, ‘a modesta seção terapêu- lente do Espinosa, onde o homem, a natureza e
tica ocupacional’ do Centro Psiquiátrico Pedro II, Deus são uma coisa só.
no Rio de Janeiro. DRª NISE - Talvez o Senhor goste do meu Es-
A psiquiatra foi entrevistada em seu aparta- pinosa, da minha visão do Espinosa, ele não se-
mento no Rio de Janeiro, no verão de 1996, pelo para nem a vida da morte.
psicólogo Roberto Fernandes e pelo fotógrafo Jo- ROBERTO - Como? Seria a visão de que o ser
nhnny Neto. Num clima de afeto e descontração, continua no mundo depois da morte individual?
com direito a chá e bolachas, os entrevistadores DRª NISE - Uma parte pode se acabar, a outra,
presentearam a nossa célebre junguiana com o conforme a pessoa, pode se prolongar.
livro “Arquétipos” do fotógrafo Jonhnny.
No começo da entrevista, a Dra Nise folheava O ENCONTRO COM A PSIQUIATRIA
o livro de Jonhnny... ROBERTO - Como foi seu início na psiquiatria?
JONHNNY - Quem fez a introdução do meu li- DRª NISE - Na época de Getúlio, quando vol-
vro foi o Inácio de Loyola Brandão. tei do exílio, reintegrei-me como assistente de
DRª NISE - Eu conheço um santo muito pou- um psiquiatra. Ele queria que eu fosse aprender
co simpático com esse nome, o Santo Inácio a aplicar eletrochoque. Na minha ausência eles
de Loyola. “inventaram” essas torturas... Ele aplicou um
ROBERTO - Por que pouco simpático? eletrochoque e depois falou: “Agora você!” e eu
DRª NISE - Quem sabe por que a gente acha disse não. Neguei-me absolutamente. Foi assim,
uma pessoa simpática ou antipática? São João com essa pequena história, que eu comecei o
da Cruz, simpático. São Francisco de Assis, sim- livro que estou escrevendo atualmente: “A Psi-
pático. Santo Inácio Loyola, antipático (risos). quiatra Rebelde”.
Simpatia é uma coisa única, a antipatia também ROBERTO - Os psiquiatras geralmente falam
tem seu direito. Se a simpatia também tem uma que surtos psicóticos frequentes fragilizam pro-
grande força expressiva a antipatia também tem gressivamente o ego. Qual a sua opinião?

28 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.25-30

DRª NISE - Os psiquiatras são uns idiotas e ficar meio encabulada, não sei se vocês pau-
habitualmente muito fracos. listas conhecem esta palavra, encabulada...
ROBERTO - A senhora acha que eles querem Ele me perguntou: “Você estuda mitologia?”.
controlar? “Não, professor”, eu respondi. “A mitologia
DRª NISE - Tanto quanto podem! Eu solto tan- que eu conheço é através de episódios da lite-
to quanto posso. ratura, mas estudos propriamente de mitologia
JONHNNY - Ah, que coisa linda! eu nunca fiz”. Então ele me perguntou: “Como
ROBERTO - A senhora se interessa pela antip- é que você pode pensar e entender os delírios
siquiatria do Franco Baságlia? dos seus doentes ou as imagens que eles pro-
DRª NISE - Chamam isto de antipsiquiatria, duzem?”. Eu havia feito uma exposição belís-
mas, pra mim, antipsiquiatria é esta que está por sima, em Zurique, mas muita coisa me faltava
aí, com esses remédios horrorosos, isto é que é aprender... Como eu poderia entender aquelas
a antipsiquiatria. imagens? Então, comecei a estudar mitologia
ROBERTO - A senhora é a favor de medicar os para trabalhar mais profundamente.
surtos psicóticos? ROBERTO - Foi emocionante esse seu encon-
DRª NISE - Não!!! tro com ele?
ROBERTO - O que a senhora aconselha em DRª NISE - Naturalmente! Ele próprio, a figu-
uma crise psicótica aguda? ra de Jung emocionava pela simplicidade. Mas,
DRª NISE - Que pinte o que está sentindo no como ele percebeu que eu estava emocionada,
seu surto. As imagens são expressões dos con- me perguntou para a minha maior surpresa:
teúdos internos, portanto, a pintura pode ser um “Que fantasias você fez a meu respeito?” (risos).
escafandro na viagem pelo inconsciente. ROBERTO - Ele perguntou assim? E o que você
ROBERTO - A senhora está falando dos conte- respondeu? Ou esse assunto é do tipo “só às pa-
údos arquetípicos! redes confesso”?
DRª NISE - Os arquétipos estão lá, no fundo DRª NISE - Eu fiquei calada, e continuei fa-
do inconsciente. Geralmente são reativados pe- zendo fantasias. Deus me livre de parar de
las pressões, pelas emoções, e vêm ao indivíduo fazer fantasias...
em formas míticas. Nesse momento, nossa estimada entrevista-
ROBERTO - Qual a melhor forma para se da nos perguntou: “E vocês quando voltam para
aprender Jung? São Paulo”?
DRª NISE - A melhor forma para se aprender ROBERTO - Hoje. Viemos ao Rio para bater
Jung é no Museu de Imagens do Inconsciente. esse papo com você.
ROBERTO - E aquele famoso conselho dado DRª NISE - Vocês são malucos, uma qualida-
por Jung, durante sua visita a ele, para que estu- de simpática (risos).
dasse mitologia? Foi um bom conselho? Para finalizar, Drª Nise nos comunicou que
DRª NISE - A visita que ele me concedeu foi estava com uma exposição no Paço Imperial do
vivida com muita intensidade. Estávamos sen- Rio, denominada: “Os múltiplos estados do Ser”
tados, um em frente ao outro, sozinhos. Eu di- e nos convidou a participar do seu grupo de es-
zia da minha insatisfação com a psiquiatria, e tudos semanal que, além de gratuito, conta, até,
ele fumando cachimbo calado... Eu comecei a com participantes de outros estados. ■

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 29


30 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.31-44

A arte da diferenciação do modo humano.


Nise da Silveira: o elo perdido entre
duas tradições

Erick Miranda de Sousa*

Resumo Palavras-chave
Neste artigo, elaboramos um diálogo entre Jung, Spinoza,
a psicologia analítica de Carl Jung e a filosofia individuação,
da imanência de Baruch Spinoza a partir das diferenciação,
imanência,
“Cartas a Spinoza” de Nise da Silveira. Principal-
psicologia
mente através da análise das três primeiras car- analítica, Nise
tas, propomo-nos uma visada ao pensamento da da Silveira.
Dra. Nise focada na epistemologia das ciências
da mente humana e na gênese dos conceitos da
psicologia analítica, tais como o processo de in-
dividuação. Tais cartas constituem um verdadei-
ro exercício de imaginação ativa. ■

* Professor de filosofia da Rede Emancipa e bacharel em filoso-


fia pela Universidade de São Paulo (USP).
email: <erickms93@gmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 31


Junguiana
v.39-1, p.31-44

A arte da diferenciação do modo humano. Nise da Silveira: o elo perdido


entre duas tradições

As “Cartas a Spinoza” de Nise da Silveira que dedicaram versos ou reflexões acerca de


(1995) são um efetivo exercício de “imaginação Spinoza: Sully Prudhomme, Machado de Assis,
ativa”. Isso porque o filósofo holandês viveu Goethe, Maida Schiuchi, Romain Roland, No-
quase 300 anos antes dela. O gênero epistolar vallis, Jean Wahl, Karl Jaspers…
escolhido por Nise não poderia ser melhor, posto Nise da Silveira (1995) descreve o sentimen-
que uma correspondência é atravessada por afe- to que teve no primeiro contato com a magnum
tividade: dificilmente mandamos uma carta para opus espinosana, a Ética (ESPINOSA, 2018):
alguém de que não gostamos. O exercício imagi- “Eu estava vivendo um período de muito sofrimen-
nativo, portanto, é mais que produtivo e toma um to e contradições. Logo às primeiras páginas, fui
aspecto de fio condutor, de liame entre duas tra- atingida. As dez mil coisas que me inquietavam
dições que, por obra do destino, tocaram-se mui- dissiparam-se, enfraquecendo-se a importância
to pouco: a filosofia da imanência de Baruch Spi- que eu lhes atribuía. Outros valores impunham-se
noza e a psicologia analítica de Carl Gustav Jung. agora. Continuei sofrendo, mas de uma manei-
Nesse sentido, as Cartas da Dra. Nise surgem ra diferente” (SILVEIRA, 1995, p. 23, Carta 1). Tal
como um elo perdido entre o espinosismo e a psi- sentimento de modo algum é particular; o próprio
cologia analítica. De fato, numa leitura das princi- Goethe, considerado por muitos a maior expres-
pais obras de Carl Jung, assusta a ausência de um são do espírito alemão e dos grandes expoentes
dos principais nomes do racionalismo seiscentis- do romantismo, nessa mesma carta, expõe suas
ta. Assusta não porque devêssemos tomar como impressões sobre a leitura da Ética (ESPINOSA,
pressuposto a aparição de qualquer tradição no 2018): “Na Ética de Spinoza encontrei apazigua-
seio de qualquer outra, mas pelo simples fato de mento para minhas paixões; pareceu-me que se
Baruch Spinoza ser um inspirador de muitos dos abria ante meus olhos uma visão ampla e livre so-
principais filósofos e escritores que aparecem ex- bre o mundo físico e moral. A imagem desse mun-
plicitamente na obra de Jung, tais como Goethe, do é transitória; desejaria ocupar-me somente
Schelling, Schopenhauer e Nietzsche, além de das coisas duradouras e conseguir a eternidade
Jung ser um estudioso do misticismo da cabala, para meu espírito” (SILVEIRA, 1995, p. 22, Carta 1).
tema incorporado implicitamente na obra de Spi- A Dra. Nise da Silveira é reconhecida nacio-
noza através de autores como Maimônides. nalmente por uma série de contribuições para a
Desse modo, as “Cartas a Spinoza” são de saúde pública, terapia ocupacional e psiquiatria.
suma importância para compreendermos essa No entanto, aqui vamos recortar apenas a sua fa-
afinidade afetiva entre a filosofia da imanência ceta teórica, mais especificamente o seu contato
e a psicologia analítica. São sete cartas que Nise com a psicologia analítica. Talvez a noção cen-
endereça para Spinoza no campo da pura ima- tral do pensamento junguiano seja o processo
ginação, visto a impossibilidade de o destina- de individuação, conquista alcançada a duras
tário recebê-las. Mais do que esse exercício da penas àquele que se impôs a tarefa de conhecer-
imaginação, Nise revela: “Não sei de filósofo al- -se a si mesmo. Nise associa esse processo da
gum a quem tenham sido dedicadas poesias ou psicologia analítica à noção de liberdade intelec-
comovidas evocações de encontros decisivos” tual, central no pensamento de Spinoza, princi-
(SILVEIRA, 1995, p. 22, Carta 1). Nessa primeira palmente como o filósofo a trabalha na parte V
carta ela enumera algumas das personalidades de sua Ética (ESPINOSA, 2018). Diz ela:

32 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.31-44

Os humanos seriam modos. Mas me pa- ao conceito-chave de Self, tal como aparece na
rece que, pelo menos a estes modos, os obra junguiana2. Diz a Dra. Nise, num perspicaz
humanos, você concede uma latente ca- entrelaçamento teórico de concepções aparente-
pacidade de diferenciação e esforça-se, mente díspares, mas profundamente irmanadas
através de toda a Ética, para ajudá-los a num sentido mais profundo:
se diferenciarem de maneira especial, re-
formando o entendimento, trabalhando Um concurso de circunstâncias adversas,
ideias confusas, a fim de torná-las claras, aceitas por você sem qualquer crispação
indicando-lhes o caminho para liberta- do Ego, criaram um vazio que permitiu o
rem-se da escravidão das paixões e mes- surgimento da profundidade da psique,
mo atingirem a beatitude (SILVEIRA, 1995, do arquétipo do Self - ‘um termo de uma
p. 24, Carta 1). parte bastante preciso para exprimir a es-
sência da totalidade humana e bastante
Salta aos olhos de qualquer pessoa versada impreciso, de outra parte, para exprimir
em psicologia analítica a proximidade das no- também o caráter indescritível e indeter-
ções de individuação e diferenciação, tal como minável da totalidade’ (SILVEIRA, 1995,
p. 27, Carta 1).
a Dra. Nise trabalha nesse trecho citado. De fato,
o processo de individuação1 envolve uma espé-
Que “circunstâncias adversas” seriam estas
cie de diferenciação do indivíduo em relação ao
aludidas pela Dra. Nise? Que significa tal ‘cris-
seu entorno, muito embora isso não signifique
pação do Ego’? Ou ainda, que vazio é esse que
um distanciamento da comunidade, mas ao con-
permite o surgir da profundidade da psique?
trário, uma pessoa que adquire sua individua-
Nesse momento, faremos uma breve pausa na
ção, que se torna o que ela verdadeiramente é
análise da correspondência de Nise para com-
– como não se cansa de enfatizar Jung, remeten-
preendermos tais questões a partir da própria
do-nos ao anátema de Nietzsche em Ecce Homo
obra espinosana, mais especificamente a parte
–, essa pessoa, ao mesmo tempo que incorpora
I de sua Ética (ESPINOSA, 2018), parte que tra-
a diferença fundamental que a marca em relação
ta de intrincadas questões metafísicas que nos
aos demais indivíduos, percebe sobretudo o que
farão entender o significado dessas ‘adversas
os une, a profunda conexão existente entre suas
circunstâncias’ dessa ‘crispação’ e esse ‘vazio’.
naturezas, a inevitável e indissolúvel identidade A parte I da Ética (ESPINOSA, 2018), denomi-
que há entre suas condições e, portanto, a ab- nada “De Deus”, trilha os caminhos da definição
soluta necessidade de convivência, de compre- da divindade: após a leitura dessa primeira par-
ensão mútua e de constante conscientização do te do livro, o leitor deve manter fixo na mente a
que é comum entre os aparentes diferentes. ideia de Deus, uma vez que as quatro partes res-
Outra aproximação que a Dra. Nise faz, ain- tantes da obra irão pressupor tal definição, até
da nesse escopo de imaginação ativa, entre a que cheguemos na parte V do livro, denominada
filosofia da imanência e a psicologia analítica, é “Da Potência do Intelecto”, cujo tema central é
entre a noção de substância, tal como aparece a já aludida liberdade intelectual – ou seja, a
na parte I da Ética espinosana (ESPINOSA, 2018), efetiva diferenciação. Da parte I à V, Espinosa
traça uma senda que vai da divindade, ou o con-
1
O conceito da individuação é central na obra junguiana, em- ceito de Deus, até a liberdade humana, o que
bora ele tenha aparecido explicitamente apenas a partir dos
anos 20. Entretanto, a publicação tardia do ‘Livro Vermelho’ efetivamente significa que nenhum ser humano
traz à tona a arqueologia psíquica de tal conceito na vida do
indivíduo. Nesse sentido, tal livro é central na compreensão da
individuação. Ver: Jung (2015). 2
Cf. Jung (2014).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 33


Junguiana
v.39-1, p.31-44

pode considerar-se livre se não conhecer a Deus. são ao infinito e é a noção da causa de si ou
Ocorre que, assim como em toda filosofia que substância que garante isso. Por isso é dito que
se preze, nada deve ser pressuposto, mas tudo a noção de substância é a mais central no pen-
deve ser explicado, ou ainda melhor, tudo o que samento de Spinoza – pois o funda e o sustenta
é explicitamente pressuposto deve sustentar –, assim como em todo o pensamento metafísi-
aquilo que posteriormente é explicado, como o co da Modernidade no século XVII.
faz Spinoza com as ideias de Deus e liberdade, Que é, portanto, substância? “É aquilo cujo
uma sendo o pressuposto da outra. conceito não precisa do conceito de outra coisa
As três noções centrais da parte I da Ética a partir do qual deva ser formado” (ESPINOSA,
(ESPINOSA, 2018) são substância, atributos e 2018, p. 45). Ocorre que a substância é constituí-
modos – o conceito de Deus será como que um da de atributos – perceba-se, ‘constituída’ e não
tecido cosido por estes três fios. Diz o filósofo: ‘causada’; a substância é constituída pelos atri-
butos, que são infinitos, ou seja, a substância é
I. Por substância entendo aquilo que é em um conceito constituído por infinitos atributos.
si e concebido por si, isto é, é aquilo cujo Nós, seres humanos, por conta de nossa finitu-
conceito não precisa do conceito de outra de (somos um mero modo), concebemos apenas
coisa a partir do qual deva ser formado; dois atributos da substância: Pensamento e Ex-
II. Por atributo entendo aquilo que o inte- tensão, justamente por serem os atributos que
lecto percebe da substância como cons- também constituem nossa natureza. É isso o que
tituindo a essência dela; III. Por modo Spinoza quer significar ao dizer que o atributo é
entendo a afecção da substância, ou seja, “o que o intelecto percebe da substância como
aquilo que é em outro, pelo qual também constituindo a essência dela” (ESPINOSA, 2018,
é concebido (p. 45). p. 45), quer dizer, o atributo é aquilo pelo qual
podemos conhecer a substância – só conhece-
Todas as cinco partes da Ética espinosana mos a natureza da substância pelo que o inte-
(ESPINOSA, 2018) erigem-se sob essas três no- lecto percebe de seus atributos. Desse modo, o
ções, assim como seus principais conceitos, tais humano participa da natureza da substância ao
como: Deus, Natureza, Eternidade, Liberdade, ser constituído por dois de seus atributos.
Amor e Afetos. Portanto, a compreensão dessas Nesse momento, já podemos iniciar a enten-
três noções faz-se absolutamente necessária. der o porquê Nise da Silveira (1995) se referia a
A substância – que posteriormente será ‘adversas circunstâncias’, à ‘crispação do Ego’ e
identificado com Deus e a Natureza (Deus sive a esse ‘vazio’ do qual emerge a psique profun-
Natura) – é dita “em si e concebido por si”, o da. Quando se compreende, alicerçado no pen-
que no vocabulário espinosano significa cau- samento de Spinoza, que Deus ou a substância
sa de si (causa sui), ou seja, aquilo que não ou a Natureza (ou ainda, para utilizar um termo
tem causa, ou melhor, retira de si a sua causa mais físico, o Universo) é constituído de infinitos
– numa potência infinita de autoprodução – e atributos e que nós, com toda nossa capacidade
será a causa de todos os demais efeitos. No intelectual, concebemos apenas dois (Pensa-
pensamento de Spinoza, é absolutamente axio- mento e Extensão), penetra-se em circunstân-
mático que ‘tudo tenha uma causa’ e nenhum cias totalmente adversas, entra-se num labirinto
efeito se dê sem que possa se conhecer sua obscuro – para remeter a uma metáfora de um
causa adequada. Ocorre que poderíamos nos outro grande admirador de Spinoza, Jorge Luis
perguntar infinitamente pelas causas (o que no Borges – e o Ego crispa-se (há uma contração do
pensamento aristotélico é chamado de regres- ego em relação àquilo que o constitui), incomo-
são ao infinito). Ora, em Spinoza não há regres- da-se com tamanha incompreensão e curva-se a

34 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.31-44

esse vazio que é, ao mesmo tempo, possibilida- epistemologia espinosana –, mas a deixemos
de infinita. para as próximas cartas, pois tal tema retornará.
Voltemos à terceira noção fundamental da Foquemos na ‘existência de algo para além de
parte I para encetarmos a análise dessa Carta I si’, pois é exatamente isso o que caracteriza o ar-
de Nise (SILVEIRA, 1995). Que é um modo? É a quétipo do Self na psicologia analítica, ou seja,
modificação dos atributos, enquanto afecções a experiência psíquica de transcendência do
da substância: eles (os atributos) são infinitos, ego, a percepção de que esse complexo que me
mas concebemos apenas dois, por conta de nos- constitui e que autodenomino conscientemente
sa natureza. Portanto, tudo o que modifica – no de ‘ego’ é uma superfície frágil, que, embora me
sentido de expressar plasticamente, como em coloque em contato com a realidade mais ime-
Deleuze (2019, p. 7-16) – os atributos infinitos diata, não revela seus mistérios mais profundos
é um modo. Como conhecemos apenas dois – e muito menos revela a profundidade de minha
Pensamento e Extensão – por eles constituírem própria alma. É o Self que nos possibilita mer-
a nossa natureza, não podemos afirmar jamais gulharmos nos abismos de nossa alma, supe-
que conhecemos a natureza infinita da substân- ramos as relações mais imediatas da persona e
cia ou de Deus. Podemos apenas falar desses da sombra, as projeções da anima/animus e, em
dois atributos, pois os humanos, na filosofia constante alargamento das fronteiras da consci-
da Spinoza, são um complexo corpo-mente, ou ência, permite-nos experienciarmos esse ‘algo
seja, uma modificação de Pensamento (a mente) para além de si’3.
e Extensão (o corpo). Essa expressão dos mo- Ainda nessa primeira carta: “Assim vivemos
dos finitos (os humanos) já é a parte II do livro, nós numa parte do universo. Poderemos realizar
denominada “Da mente”, pois, para Spinoza, a
pesquisas em torno de nós e em nós mesmos,
mente humana é uma expressão de um atribu-
mas não alcançaremos a compreensão da na-
to divino, o Pensamento (assim como seu corpo
tureza infinita, pois somos finitos. Conhecer as
é uma expressão de um outro atributo divino, a
limitações para então superá-las, eis o belo iti-
Extensão). Mas basta para o que nos interessa,
nerário que você nos aponta” (SILVEIRA, 1995,
que é compreender o que isso tem a ver com o
p. 29, Carta 1). Poderíamos, aqui, enfatizar al-
Self. Vejamos.
guns aspectos: o primeiro deles o que ela chama
Para retomarmos a definição de Self já aludi-
de ‘em torno de nós’ e ‘em nós’. As pesquisas
da nessa primeira carta, ele exprime “a essência
em tornos de nós podemos interpretá-las como
da totalidade humana e, de outra parte, exprime
não apenas a compreensão do comportamento
também o caráter indescritível e indeterminá-
humano e do convívio social – o próprio sentido
vel da totalidade” (SILVEIRA, 1995, p. 27). Ora,
de ética -, mas também num sentido mais abran-
o Self, portanto, é o núcleo de nossa totalidade
gente, do em torno de nosso universo, forçar os
psíquica, embora indescritível e indeterminável,
limites do conhecimento que temos em torno
assim como a divindade espinosana, constituí-
do nosso universo. Isso porque, para além dos
da de infinitos atributos dos quais conhecemos
apontamentos que Spinoza faz sobre a física na
apenas dois. Mais para frente, mas ainda nessa
mesma carta e citando o filósofo francês Jean parte II da Ética, um dos mais notórios admirado-
Wahl, a Dra. Nise diz: “os grandes filósofos intu- res de Spinoza é Einstein (Nise não deixa passar
íram mais ou menos vagamente a existência de essa conexão), talvez o indivíduo no século XX
algo para além de si e tentaram exprimir e alcan- que mais contribuiu para a compreensão desse
çar este algo por caminhos diversos” (SILVEIRA,
1995, p. 28, Carta 1). O intuir aqui é central – pois
3
Cf. Jung (1979). Particularmente interessante para a compre-
ensão desse ‘algo para além de si’ é a leitura do Apêndice
a intuição constitui o conhecimento supremo na desta obra (p. 117-57).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 35


Junguiana
v.39-1, p.31-44

‘em torno de nós’. Em oposição a esse ‘em tor- cava na vida de um indivíduo não apenas a im-
no’ está o ‘em nós’, que ela explicitamente dirige possibilidade de sobrevivência material, mas do
ao seu imaginário destinatário, mas que poderia próprio contato físico5. O que obrigou Spinoza
também destinar ao próprio Jung, que, com a no- a migrar de Amsterdã para Rijinsburg e poste-
ção de Self, alargou sobremaneira as possibili- riormente para Haia, fato que a Dra. Nise atribui
dades de autoconhecimento e das profundezas importância fundamental na formação filosófica
da alma humana e suas infinitas possibilidades. e espiritual de seu interlocutor. Diz ela: “creio
Como enfatiza a Dra. Nise nessa última citação, é que deveria ainda haver algo de hostil no clima
apenas quando conhecemos – conscientizamos de Amsterdã quando você, em maio de 1660,
– os nossos limites é que estamos efetivamente decidiu mudar-se para a aldeia de Rijinsburg,
aptos para superá-los. centro dos Colegiantes. Ali você estaria tranquilo
para pensar. Conviveria num ambiente cordial”
Sobre o indivíduo singular (SILVEIRA, 1995, p. 34, Carta 2).
Na Carta 2, Nise da Silveira (1995) enfatiza O círculo dos Colegiantes, um grupo de cris-
alguns aspectos da biografia de Spinoza, embo- tãos estudiosos da Bíblia e que acolheu o filóso-
ra já o tenha feito de modo residual na primeira fo após sua excomunhão da comunidade judai-
carta. De fato, o exercício de imaginação ativa ca, é uma expressão bastante interessante do
é interessantíssimo: o fato de a Dra. Nise estar contexto histórico da sociedade europeia no sé-
correspondendo-se com o próprio Spinoza não culo XVII. Lembremos que é um século atraves-
a impede de narrar acontecimentos da própria sado por guerras religiosas com fundo político,
vida dele. Ela não se cansa de desculpar-se por devido às repercussões da Reforma Protestante
isso e diz que enumerar tais fatos a aproxima de Lutero no século anterior. A Holanda, ainda
ainda mais dele, torna-os íntimos. denominada de Sete Províncias, era uma das
Baruch Spinoza nasceu em 1632 no seio da regiões da Europa a aderir aos ideais de Lutero
e implementar reformas sociais de cunho libe-
comunidade judaica na cidade de Amsterdã4.
ral. É nesse contexto de efervescência política,
Toda sua educação é marcada por essa origem,
cultural, religiosa e filosófica que Nise localiza a
o que não o impediu de rebelar-se contra a mes-
formação espiritual de seu correspondente. Nise
ma ainda em sua juventude, fato inadmissível
nota: “Característica muito simpática dos Cole-
para os rabinos da sinagoga. Nise inicia essa se-
giantes é nunca haverem exigido de você a ade-
gunda carta enfatizando o significado irrefutável
são ao cristianismo, ao batismo, nem que você
que a excomunhão teve na vida do filósofo, pois
aceitasse a encarnação do Deus infinito num ho-
a comunidade judaica, bastante ligada a ativida-
mem” (SILVEIRA, 1995, p. 35, Carta 2).
des comerciais na liberal Amsterdã, obtinha sua
Embora de origem judaica e participante de
prosperidade vinculada a uma homogeneidade
um grupo cristão, Spinoza não fez das preocu-
dos valores de seu povo. A excomunhão signifi-
pações teológicas o cerne de sua filosofia, assim
como o fato de ele sustentar toda sua compreen-
4
Poderíamos apontar uma tripla origem étnica na gênese do
pensamento do filósofo. Primeiro, a origem familiar de matriz são sobre a ética e a política numa definição de
ibérica, uma vez que os judeus sefarditas dos quais Spinoza Deus sive Natura não o impediu de escrever, em
descendia foram expulsos primeiro da Espanha e depois de
Portugal, até chegarem na Holanda. Segundo, a origem co- 1670, o Tratado Teológico-Político, um livro cujos
munitária de matriz judaica, já que Spinoza teve uma forma- temas centrais são a liberdade de expressão, a
ção clássica nas letras hebraicas. E por último a origem pro-
priamente filosófica de sua juventude, dos estudos clássicos separação do poder religioso do poder político
de filosofia greco-latina. Não à toa, há uma profusão de no-
mes pelos quais podemos denominar o filósofo, desde Baruch e a exegese das Sagradas Escrituras. Diz Spino-
(o nome judaico) Bento (português) ou Benedictus (latino),
assim como também pode aparecer ora Spinoza ora Espinosa.
Cf. Nadler (2003). 5
Chauí (1995, p. 14-34).

36 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.31-44

za, nesse tratado: “Eu não li em lugar algum que a vida” (idem, Carta 2). Isso para posteriormen-
Deus tenha aparecido ao Cristo ou que lhe tenha te citar os versos que Machado de Assis fez em
falado (…) se Moisés falava face a face com Deus, homenagem ao filósofo: “nas mãos as ferramen-
como um homem com seu semelhante (isto é, tas de operário/no cérebro a coruscante ideia”
pela interposição de seus corpos), o Cristo, ele (SILVEIRA, 1995, p. 38, Carta 2); isso para enfa-
próprio, comunicou-se com Deus de espírito a tizar que o desenvolvimento de atividades ma-
espírito” (SPINOZA apud SILVEIRA, 1995, p. 36, nuais e corporais é tão importante quando o
Carta 2). Mais à frente diz Nise: “Gostei muito de desenvolvimento mental e das faculdades inte-
ler essas suas palavras, porque sou muito amar- lectuais. O modo humano é um complexo men-
rada ao Cristo” (idem, Carta 2). A visão de Spi- te-corpo: de nada adianta desenvolver sistemas
noza do fenômeno religioso, embora crítico do abstratos para desdobrar o intelecto e possuir
ponto de vista político, incorporava a concepção um corpo atrofiado, sem ter suas potencialida-
de que a experiência espiritual havia um conteú- des plenamente aproveitadas. Fato esse tam-
do significativo que deveria ser compreendido, e bém lembrado por Nise na sua obra sobre a vida
não ridicularizado – assim como também acon- de Jung (SILVEIRA, 1976). A isso, ela chama de
tece na psicologia analítica que, de um ponto de ‘personalidade bem integrada’ (idem, Carta 2).
vista científico, não adere particularmente a ne- Nesse momento de sua correspondência,
nhum dogma específico, mas penetra na univer- Nise mordisca uma madelaine e mergulha em
salidade que toda experiência religiosa expressa lembranças de sua própria infância em Maceió,
de diversos modos6. o gosto pelas ciências naturais, as dicas do pai
Nise da Silveira segue sua epístola sobre os em relação a ‘arte de pensar’ que constitui a ge-
fatos da vida de Spinoza. Diz ela: “Você, que ometria e as dificuldades em acessar os livros
amava a solidão, a meditação, tinha o dom de do filósofo, até então muito pouco traduzido
fazer amizades sólidas” (SILVEIRA, 1995, p. 37, para o português. Nise enfatiza o quanto a sua
Carta 2). Para isso, ela enumera diversos amigos formação nas ciências biológicas difere das de-
do círculo íntimo de Spinoza, tais como Simon monstrações geométricas as quais se embrenha
de Vries, Jarig Jelles, Juan de Rieuwertz e Bal- o filósofo na sua Ética (ESPINOSA, 2018). De fato,
leing. Segue Nise: “Insisto nisso porque é coisa tal livro é profundamente dedutivo, explicitando
rara. Quase sempre as amizades são instáveis e logo de cara os pressupostos aos quais o leitor
deixam na gente traços de mágoa” (idem, Carta deve familiarizar-se e sobre os quais toda a sua
2). De fato, tais amizades citadas permaneceram filosofia se erigirá.
fiéis ao filósofo até o final de sua breve vida, mas Diferente deste livro, lembra Nise, é o Tratado
não por acaso. No cerne de sua filosofia está a da reforma do entendimento, livro no qual a or-
ideia de que o sábio – o modo diferenciado, dem dedutiva não é seguida tão rigorosamente.
como já preconizado por Nise ou ainda o ser in- Tal livro constitui como que um discurso sobre o
dividuado – não deve se isolar, pois isso é sinal método, reformar o entendimento não significa
não de sabedoria, mas de ignorância. Diz ele na outra coisa senão pensar com método, rigoro-
sua Ética: “nada mais útil a um homem do que samente. Diz a Dra.: “Para galgar esta escalada,
outro homem” (ESPINOSA, 2018). seu método ensina que será necessário, prelimi-
Prosseguindo a missiva, Nise diz: “Você po- narmente, ‘uma meditação assídua e a maior fir-
lia lentes. Comentam alguns que este trabalho meza de propósitos’ além de traçar uma regra de
era feito como um ofício, como meio de manter vida e prescrever para si próprio um objetivo bem
determinado” (SILVEIRA 1995, p. 42, Carta 2, gri-
fos da autora). A meditação assídua é o próprio
6
Cf. Jung (1991). Ver: “As ideias de salvação na alquimia” (p.
237-99). método e a firmeza de propósitos é a disposição

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 37


Junguiana
v.39-1, p.31-44

espiritual daquele que se dedica a uma tarefa tão sistema de argumentos sólidos e manteve forte
crucial na vida de qualquer um que valorize o co- a estrutura de sua personalidade – certamen-
nhecimento. Segue ela: “E, sobretudo, acentua te um tipo psicológico profundamente racional
você, o método alcançará maior perfeição quan- diferenciado intuitivamente.
do o espírito se aplica ao conhecimento do Ser
absolutamente perfeito” (idem, Carta 2). Este Ser Sobre a imanência e suas expressões
não é outro que a substância infinita, Deus sive No início da terceira carta, Nise retoma o
Natura, cuja antecedência ontológica não signi- tema da infinitude da substância para trabalhar
fica precedência lógica, quer dizer, não é porque um pouco mais aquelas ‘condições adversas’ já
Deus é a coisa mais importante a se conhecer – aludidas por ela, para que nosso ego se crispe
para que se alcance o objetivo máximo, a liber- mais um pouco perante essa experiência tão
dade, a diferenciação – que ele será descoberto fulgurosa da divindade. Diz ela: “Se nos aperce-
facilmente. É necessário ter método, ser rigoroso bermos somente dois atributos – pensamento e
com o próprio pensamento, ser assíduo na de- extensão – dentre os infinitos atributos ineren-
dução das proposições, para que se alcance tal tes à substância única, nem sei o que seria de
‘Ser absolutamente perfeito’. Mais a frente, Nise, nosso entendimento se formássemos ao menos
parafraseando o filósofo alemão Karl Jaspers, as- uma vaga noção de mais alguns outros atributos
socia o conhecimento desse ‘Ser absolutamente da substância única” (SILVEIRA 1995, p. 47, Car-
perfeito’ não apenas com deduções lógicas, mas ta 3). Já citamos os axiomas da parte I da Ética
com uma efetiva “experiência da totalidade que de Espinosa (2018) que definem as três noções
você apreendeu intuitivamente como uma verda- fundamentais de seu sistema: substância, atri-
de absoluta” (idem, Carta 2). butos e modos. Como diz Nise mais a frente, tais
Nise faz, ainda nessa segunda carta, uma noções afastam a ideia de um Deus pessoal e
comparação curiosa: a concepção da unidade criador, tal como essa ideia aparece nas princi-
espinosana com a visão de Carlos Pertius, re- pais religiões monoteístas, para enfatizar o cará-
sidente do Hospital da Praia Vermelha nas dé- ter imanente e infinito de Deus.
cadas de 1940 e 1950, denominada ‘planetário Um dos correspondentes mais assíduos do
de Deus’. Diz ela: “Carlos era fraco e sua visão filósofo, o então presidente da prestigiada Royal
estilhaçou-se sob o impacto da visão extraordi- Society de Londres, Henry Oldenburg, compreen-
nária (…) Você suportou, decerto deslumbrado, dia como ambígua as concepções espinosanas.
o fulgor da experiência súbita, mas a estrutura Ao que o filósofo esclarece, mobilizando a pró-
forte de sua personalidade manteve-se coesa” pria exegese bíblica: “Deus é a causa imanente
(SILVEIRA 1995, p. 43, Carta 2). Aqui, Nise re- de todas as coisas e não causa transitiva. Afir-
toma as formulações da psicologia analítica mo com Paulo que todas as coisas existem em
relacionadas ao colapso mental. Para Jung, o Deus e se movem em Deus” (SPINOZA apud SIL-
colapso mental representa uma dissociação VEIRA 1995, p. 48, Carta 3). Tal incompreensão e
psíquica e podemos, por assim dizer, ponderar acusação de ambiguidade nos possibilitam pe-
sobre a sanidade de uma personalidade pela netrar mais sutilmente no significado do termo
capacidade que ela tem, o seu ego, de manter- imanência. Dizer que Deus é a causa imanente
-se coesa perante as experiências vitais. Para e não transitiva significa incidir no debate teo-
Nise, a diferença fundamental entre Pertius e lógico, que se arrastava por toda a Idade Média,
Spinoza é que este não sucumbiu ao ‘fulgor da que opunha duas opiniões: aqueles que afirma-
experiência súbita’. De fato, o filósofo acessou vam Deus ser causa de todas as coisas, criador,
no seu íntimo uma experiência que ele soube onipotente e onisciente, mas cuja vontade não
comunicar racionalmente, soube construir um alcançava o livre-arbítrio de suas criaturas, o que

38 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.31-44

as possibilitava pecar; a outra opinião, a qual se Existiria uma dimensão oculta de infi-
alinhava Spinoza, e que dialogava com a tradi- nita profundidade, que Bohm denomi-
ção do averroísmo latino, remontando até a figu- na ordem implícita. Da ordem implícita
ra de Avicena – o maior filósofo do mundo árabe originar-se-ia a ordem explícita, corres-
– era que Deus não é criador no sentido estrito pondente ao nosso mundo dos objetos,
do termo, mas que o mundo é eterno – portanto que se movem no espaço e tempo. A
sem uma origem ou um fim – e que tal eterni- totalidade da ordem implícita, oceano
dade é a própria divindade, o que também sig- de energia, não é manifesta para nós;
nifica dizer que Deus é a causa das coisas mas apenas nos apercebemos de alguns de
não se separa de seus efeitos, Ele é imanente a seus aspectos, pois é condição de nos-
seus efeitos, diferente da tradição que defendia so pensamento não conseguir apreender
a causalidade transitiva, que dizia que Deus é a a totalidade em seu completo esplendor
causa e que se diferencia de seus efeitos, as cria- (SILVEIRA 1995, p. 49, Carta 3).
turas. Note-se que a causalidade imanente, por
identificar numa relação de expressão – os efei- David Bohm é reconhecido como um dos físi-
tos expressam a sua causa –, abole as noções cos que fez a conciliação mais razoável entre as
de pecado original, culpa, livre-arbítrio, criação duas mais revolucionárias teorias das ciências
e onipotência divinas... para ficarmos apenas no exatas do século XX: a relatividade einsteinia-
cerne da teologia dos monoteísmos. na e a física quântica. De fato, a física quântica
Ainda nessa mesma toada subversiva, Nise abalou profundamente os pressupostos da física
lembra mais uma ideia central do espinosis- clássica, de matriz Newtoniana – coisa que a pró-
mo: “certamente escandalizava sua afirmação pria relatividade já fizera, mas sem questionar
de ‘não saber por que a matéria seria indigna tão a fundo pressupostos como o princípio da
da natureza divina’” (idem, Carta 3). De fato, causalidade e as noções mais aceitas de maté-
como já explicitamos, a substância espinosana ria e movimento7. David Bohm, ao postular uma
é constituída de infinitos atributos, dos quais ordem implícita, a qual não possuímos acesso
nós, meros modos limitados por nossa natureza, na sua totalidade, a não ser por seus efeitos, a
concebemos apenas dois, que nos são consti- ordem explícita, estaria dialogando com a tese
tutivos – Pensamento e Extensão. Portanto, se dos infinitos atributos da metafísica espinosana,
nós, modos ou afecções da substância infinita, uma vez que a substância única é constituída de
participamos do atributo Extensão (assim como infinitos atributos e nós conhecemos apenas
também do atributo Pensamento), podemos dois: há toda uma ordem implícita, ‘oceano de
concluir por dedução que a causa de nossa exis- energia’, que atua física e psicologicamente,
tência também é constituída pelo mesmo atribu- cujo acesso é tortuoso.
to, o que significa dizer que Deus é extenso, po- Finalmente, Nise vincula mais propriamente
demos vê-lo e experimentá-lo nos seus efeitos, a imanência espinosana à psicologia analítica:
pois a imanência garante a expressão da causa “Surge enfim no século XX C. G. Jung, escreven-
nos seus efeitos. Tal pressuposto da filosofia do: ‘psique e matéria são diferentes aspectos
espinosana causou reações ásperas entre seus de uma e mesma coisa’. E acentua fortemente
contemporâneos, a sua excomunhão da comuni- que não considera a psique mero epifenômeno
dade judaica é prova disso. da matéria cerebral: ‘a psique...é uma realidade
Mais a frente, Nise lembra de mais uma afi- objetiva à qual o observador poderá ter aces-
nidade entre a filosofia da imanência e a ciência so por meio das ciências naturais” (SILVEIRA
contemporânea, agora na figura do físico teórico
David Bohm. Diz Nise: 7
Cf. Jung (2011).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 39


Junguiana
v.39-1, p.31-44

1995, p. 49, Carta 3). Alude ainda ela às cone- anímica. Todo ser animado expressa a alma divi-
xões corpo-psique, assim como o próprio Spino- na na sua especificidade e complexidade.
za definia o humano como um modo complexo Na parte II de sua Ética, Espinosa (2018) ini-
corpo-mente. Distante da atitude cartesiana que cia a investigação da mente dos modos – é óbvio
privilegiava a mente (a racionalidade) em de- que o foco é o modo humano, mas os humanos
trimento do corpo (os afetos), Spinoza, assim não são o exclusivo modo em que a substância
como o fará a psicologia analítica, os concebe se expressa (devemos manter fixo na mente que
em intrínseca conexão. Para Espinosa (2018), “a a substância é constituída de infinitos atributos).
ordem e conexão das coisas é a mesma que a Nise cita um trecho dessa parte II: “o objeto da
ordem e conexão das ideias” (parte II, prop. VII) ideia que constitui o Espírito Humano é o Corpo,
o que significa que não há nenhum fato mental ou seja, um certo modo da Extensão existente
sem correspondência na matéria, no corpo. As- em ato e nada mais. Daí se segue que o homem
sim como, por homologia, não há fato corporal consiste de um Espírito e de um Corpo, e que o
que não tenha expressão mental, ou psíquica, Corpo humano existe tal como nós o sentimos”
num vocabulário psicológico. (SPINOZA apud SILVEIRA 1995, p. 54, Carta 3).
Ainda nessa terceira carta e nessa mesma to- Quer dizer, o objeto do espírito é o corpo, que
ada de compreender a complexidade dos modos é extenso; não há distinção absoluta entre pen-
singulares, Nise faz uma análise de alguns itens samento (ou espírito, são intercambiáveis, em-
do Breve Tratado, obra da juventude de Spinoza bora não integralmente sinônimos) e extensão,
que já contém o germe de toda sua filosofia: mas sim uma relação de continuidade, ou, como
sempre enfatiza Deleuze (2019), um expressa o
Um pensamento perfeito deve possuir um outro. Pensamento e Extensão são atributos da
conhecimento, uma ideia (…) Este conhe- substância enquanto mente e corpo são modos
cimento, esta ideia de cada coisa particu- que modificam (expressam) esses atributos; os
lar que vem a existir realmente, é, diremos atributos são infinitos em seu gênero (embora
nós, a alma de cada uma dessas coisas não absolutamente, como a substância), mas os
particulares. Portanto, meu caro, você ad- modos são finitos, daí nossa impossibilidade,
mite que todas as coisas particulares pos- meros modos limitados, de conhecermos a tota-
suem alma, alma específica decerto, para lidade dos atributos que constituem a substân-
cada uma delas, seja um punhado de cia, natureza infinita e insondável. O que atesta a
areia, planta, animal, mulheres, homens existência de nosso corpo é o sentimento – aqui
(SILVEIRA 1995, p. 53, Carta 3). podemos associar a tese da tipologia junguiana,
mais especificamente as suas funções diferen-
Mais à frente, enceta o argumento Nise: ciadoras (sentimento, percepção, pensamento e
“A absoluta negação da alma dos animais sem- intuição) (JUNG, 1976).
pre me havia revoltado”. De fato, a imanência Prosseguindo, Nise, citando um dos maiores
espinosana, como já assinalamos, garante que especialista no pensamento espinosista no sé-
a causa permanece em seus efeitos; portanto, se culo XX, Carl Gebhart, diz: “A filosofia de Spino-
a causa última de todas as coisas é a substância za é uma religião metafísica tal como o são as
infinita – Deus sive Natura –, então cada modo doutrinas de Buda, Lao-Tsé ou Plotino” (SILVEI-
singular, seja humano, seja vegetal, seja mine- RA, 1995, p. 60, Carta 3). Sem dúvida, para qual-
ral, participa dessa substância, obviamente que quer leitor atento dos sutras budistas, do Tao Te
a seu modo específico: Spinoza de modo algum King ou das Éneadas de Plotino, é impossível
iguala a alma humana à alma dos animais ou das não notar afinidades ora sutis ora explicitamen-
plantas, o que não significa negar-lhes atividade te evidentes. Não se sabe se Spinoza conhecia

40 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.31-44

qualquer bibliografia do cânone budista ou da É conhecida a profunda afeição da Dra Nise


filosofia do Tao. Plotino certamente ele conhe- aos felinos e como os animais podem ser utili-
cia, ao menos indiretamente através dos pen- zados na terapia ocupacional, além de serem
sadores árabes tais como Avicena, Avicebron e ocasiões de descoberta de fatores psíquicos de
Averróis. A experiência mística perpassa toda a quem com eles entra em contato. O espírito de
metafísica espinosana, uma vez que o estudo autonomia e independência dos gatos incomoda
da cabala constituiu o itinerário de formação do a muitos não ocasionalmente, mas há uma co-
jovem Spinoza, embora toda a forma na qual se nexão profunda entre esse incômodo e nossas
expressa sua filosofia seja de tonalidade mate- sombras. Nesse sentido, o convívio com felinos
mática, more geometrico. Isso não constitui uma pode auxiliar a nos tornarmos mais livres, acei-
contradição imanente ao seu pensamento, mas, tando a liberdade, autonomia e independência
pelo contrário, podemos interpretar tal filosofia dos gatos, tal como o fez Spinoza.
como uma tentativa de articular a experiência re-
ligiosa, a científica e a filosófica. Diferenciação, singularização, individu-
O que, sim, é uma tensão no pensamento de ação: uma arte
Spinoza é a sua visão sobre os animais. Nise não Poderíamos, à guisa de conclusão, afirmar
perdoa isso, embora reconheça que a sua filo- que tanto o pensamento filosófico espinosano
sofia conceda um lugar específico aos animais quanto a psicologia analítica de Carl Jung cons-
como modos de expressão dessa mesma nature- tituem uma metafísica, uma epistemologia, uma
za divina que nos constitui. Diz Nise, ao comen- ética, mas sobretudo uma estética, no sentido
tar a opinião do filósofo de que o homem tem um clássico do termo, uma expressividade de nos-
poder sobre os animais maior do que estes so- sos afetos que nos auxilia a compreender o sen-
bre o homem: “Foi uma dolorosa surpresa des- tido de nossas existências na medida em que
cobrir em você desinteresse pelos modos que alargam as fronteiras de nossa sensibilidade,
diferissem do modo humano, modos aqueles conectando-nos com nossa tradição comunitá-
bem mais integrados às leis divinas da natureza ria e com a intimidade de nossos sentimentos
do que o modo humano” (SILVEIRA 1995, p. 59, mais profundos.
Carta 3). De fato, a noção de poder para Spino- Desse modo, a individuação tão buscada na
za confere ao modo humano uma primazia em psicologia analítica, assim como a diferenciação
relação aos demais, por conta de sua natureza ou singularização, temas centrais da filosofia da
racional. Por outro lado, Nise reconhece a afini- imanência que se identificam com a busca pela
dade que o filósofo tem com um outro animal, os liberdade e pelo autoconhecimento, todas essas
gatos. Diz ela: noções podem ser compreendidas no interior de
uma metáfora: todo indivíduo é uma obra de arte
Você, Spinoza, que parecia tão hostil ao em processo de realizar-se e todos os recursos
animal, tinha por companheiros de quar- para a constituição dessa obra estão à nossa
to dois gatos de estimação. Você se ocu- disposição em nossa trajetória: certamente, tal
pava deles. Respeitava-lhes a liberdade. como aponta Nise da Silveira (1995) em suas
Seriam mesmo radicais as diferenças de “Cartas a Spinoza”, tanto a filosofia de Baruch
essência entre o filósofo e o gato? O gato, Spinoza como a psicologia analítica de Carl Jung
tal o filósofo, é silencioso, capaz de pro- podem ser interpretadas como ferramentas de
longadas concentrações, discreto, sutil infinita utilidade na composição de tal obra. ■
nas suas manifestações afetivas. Talvez
seus gatos lhe fossem bastante próximos Recebido em 20/03/2021 Revisão em 31/05/2021
(SILVEIRA 1995, p. 61, Carta 3).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 41


Junguiana
v.39-1, p.31-44

Abstract
The art of differentiating the human way. Nise da Silveira: the missing link
between two traditions
In this article, we elaborated a dialogue between view to the thinking of Dra. Nise focused on the epis-
the analytical psychology of Carl Jung and the imma- temology of the sciences of the human mind and on
nence philosophy of Baruch Spinoza based on “Let- the genesis of the concepts of analytical psychology,
ters to Spinoza” of Nise da Silveira. Mainly through such as the individuation process. Such letters con-
the analysis of the first three letters, we propose a stitute a real exercise of active imagination. ■

Keywords: Jung, Spinoza, individuation, differentiation, immanence, analytical psychology, Nise da Silveira.

Resumen
El arte de diferenciar el modo humano. Nise da Silveira: el eslabón perdido
entre dos tradiciones
En este artículo, elaboramos un diálogo pensamiento de la Dra. Nise centrada en la epis-
entre la psicología analítica de Carl Jung y la temología de las ciencias de la mente humana
filosofía de la inmanencia de Baruch Spinoza y en la génesis de los conceptos de psicología
basada en las “Cartas a Spinoza” de Nise da Sil- analítica, como el proceso de individuación.
veira. Principalmente a través del análisis de las Estas cartas son un verdadero ejercicio de imag-
tres primeras letras, proponemos una mirada al inación activa. ■

Palabras clave: Jung, Spinoza, individuación, diferenciación, inmanencia, psicología analítica, Nise da Silveira.

42 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.31-44

Referências
CHAUÍ, M. Espinosa, uma filosofia da liberdade. São Paulo, ______. Psicologia e alquimia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
SP: Moderna, 1995.
______. Sincronicidade. 13. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. São 2011.
Paulo, SP: 34, 2019.
______. Tipos psicológicos. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Zahar,
ESPINOSA, B. Ética demonstrada à maneira dos geômetras. 1976.
São Paulo, SP: Universidade de São Paulo, 2018.
NADLER, S. Espinosa: vida e obra. São Paulo, SP: Eu-
JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes, ropa-América, 2003
1979.
SILVEIRA, N. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro, RJ: Francisco
______. O livro vermelho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. Alves, 1995.

______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópo- ______. Jung: vida e obra. São Paulo, SP: Paz e Terra,
lis, RJ: Vozes, 2014. 1976.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 43


44 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.45-58

El arte de diferenciar el modo humano.


Nise da Silveira: el eslabón perdido entre
dos tradiciones

Erick Miranda de Sousa*

Resumo Palavras-chave
En este artículo, elaboramos un diálogo entre Jung, Spinoza,
la psicología analítica de Carl Jung y la filosofía de individuación,
la inmanencia de Baruch Spinoza basada en las diferenciación,
inmanencia,
“Cartas a Spinoza” de Nise da Silveira. Principal-
psicología
mente a través del análisis de las tres primeras analítica, Nise
letras, proponemos una mirada al pensamiento da Silveira.
de la Dra. Nise centrada en la epistemología de
las ciencias de la mente humana y en la génesis
de los conceptos de psicología analítica, como
el proceso de individuación. Estas cartas son un
verdadero ejercicio de imaginación activa. ■

* Catedrático de Filosofía en la Rede Emancipa y Licenciado en


Filosofía por la Universidad de São Paulo (Universidade de São
Paulo – USP).
E-mail: erickms93@gmail.com

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 45


Junguiana
v.39-1, p.45-58

El arte de diferenciar el modo humano. Nise da Silveira: el eslabón perdido


entre dos tradiciones

Las “Cartas a Spinoza” de Nise da Silveira primera carta enumera algunas de las personali-
(1995) son un ejercicio eficaz de "imaginación dades que dedicaron versos o reflexiones sobre
activa". Eso es porque el filósofo holandés vivió Spinoza: Sully Prudhomme, Machado de Assis,
casi 300 años antes que ella. El género epistolar Goethe, Maida Schiuchi, Romain Roland, Nova-
elegido por Nise no podría ser mejor, ya que una llis, Jean Wahl, Karl Jaspers...
correspondencia está atravesada por el afecto: Nise da Silveira (1995) describe el sentimien-
difícilmente enviamos una carta a alguien que no to que tuvo en su primer contacto con la magnum
nos gusta. El ejercicio imaginativo, por tanto, es opus de Spinosa, Ética (SPINOSA, 2018): “Estaba
más que productivo y toma un hilo conductor, un viviendo un período de gran sufrimiento y contra-
vínculo entre dos tradiciones que, por el destino, dicciones. Hasta las primeras páginas, me gol-
han tocado muy poco: la filosofía de la inmanen- pearon. Las diez mil cosas que me preocupaban
cia de Baruch Spinoza y la psicología analítica de se disiparon, debilitando la importancia que les
Carl Gustav Jung. atribuía. Ahora se imponían otros valores. Seguí
En este sentido, las Cartas de la Dra. Nise sufriendo, pero de otra manera” (SILVEIRA, 1995,
aparecen como un enlace perdido entre Spinoza p. 23, Carta 1). Tal sentimiento no es de ninguna
y la psicología analítica. De hecho, en una lectu- manera privado. El propio Goethe, considerado
ra de las principales obras de Carl Jung, asusta por muchos como la máxima expresión del es-
la ausencia de uno de los principales nombres píritu alemán y de los grandes exponentes del
del racionalismo del siglo XVII. Es aterrador no romanticismo, expone en esta misma carta sus
porque debamos dar por sentada la aparición impresiones sobre la lectura de la Ética (ESPI-
de cualquier tradición dentro de cualquier otra, NOSA, 2018): “En la Ética de Spinoza encontré
sino porque Baruch Spinoza es un inspirador de el apaciguamiento de mis pasiones; me parecía
muchos de los principales filósofos y escritores que se abría ante mis ojos una visión amplia y
que aparecen explícitamente en la obra de Jung, libre del mundo físico y moral. La imagen de ese
como Goethe, Schelling, Schopenhauer y Niet- mundo es transitoria; quisiera ocuparme sólo de
zsche, además de que Jung es un estudioso del cosas duraderas y lograr la eternidad para mi es-
misticismo de la Cábala, un tema incorporado píritu” (p. 22, Carta 1).
implícitamente en la obra de Spinoza a través de La Dra. Nise da Silveira es reconocida a ni-
autores como Maimónides. vel nacional por una serie de contribuciones
De esta forma, las “Cartas a Spinoza” (SIL- a la salud pública, la terapia ocupacional y la
VEIRA, 1995) son de suma importancia para psiquiatría. Sin embargo, aquí vamos a recortar
comprender esta afinidad entre la filosofía de la sólo su faceta teórica, más concretamente su
inmanencia y la psicología analítica. Son siete contacto con la psicología analítica. Quizás la
cartas que Nise dirige a Spinoza en el campo de noción central del pensamiento junguiano sea
la pura imaginación, ante la imposibilidad del el proceso de individuación, un éxito alcanza-
destinatario de recibirlas. Más que este ejercicio do con gran dificultad por quienes impusieron
de imaginación, Nise revela: “No conozco ningún la tarea de conocerse a sí mismos. Nise asocia
filósofo al que se le haya dedicado la poesía o este proceso de psicología analítica con la no-
haya tocado evocaciones de encuentros deci- ción de libertad intelectual, central en el pen-
sivos”, (SILVEIRA, 1995, p. 22, Carta 1). En esta samiento de Spinoza, especialmente cuando

46 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.45-58

el filósofo lo trabaja en la parte V de su Ética como aparece en la parte I de la Ética de Espino-


(ESPINOSA, 2018). Ella dice: sa (2018), al concepto clave de ‘Self’, tal como
aparece en la obra de Jung2. Dice la Dra. Nise, en
Los humanos serían modos. Pero me pa- un profundo entrelazamiento teórico de concep-
rece que, al menos así, a los humanos, les ciones aparentemente dispares, pero profunda-
otorgas una capacidad latente de diferen- mente unidas en un sentido más profundo:
ciación y luchas, a través de toda la Ética,
para ayudarlos a diferenciarse de manera Una contienda de circunstancias adver-
especial, reformando el entendimiento, sas, aceptada por ti sin ninguna agudeza
trabajando ideas confusas, en orden para del Ego, creó un vacío que permitió que
aclararlos, mostrándoles el camino para emergiera la profundidad de la psique,
liberarse de la esclavitud de las pasiones del arquetipo del Self – ‘un término de
e incluso alcanzar la bienaventuranza una parte muy precisa para expresar la
(SILVEIRA, 1995, p. 24, Carta 1). esencia de la totalidad humana y muy in-
exacto, por otro lado, para expresar tam-
La proximidad de las nociones de individua- bién el carácter indescriptible e indeter-
ción y diferenciación se destaca a los ojos de minable de la totalidad’ (C.G. Jung, 12, 10)
cualquier persona versada en psicología ana- (SILVEIRA, 1995, p. 27, Carta 1).
lítica, tal como la Dra. Nise trabaja en este pa-
saje. De hecho, el proceso de individuación1 se ¿A qué “circunstancias adversas’ aludiría la
trata de una especie de diferenciación del indi- Dra. Nise? ¿Qué significa ese 'ego crujiente'? O,
viduo en relación con su entorno, aunque esto sin embargo, ¿qué vacío es este que permite que
no significa distanciarse de la comunidad, sino emerja la profundidad de la psique? En este pun-
al contrario, una persona que adquiere su indi- to, nos detendremos brevemente en el análisis
viduación, que se convierte en lo que realmen- de la correspondencia de Nise para comprender
te es, como nunca se cansa enfatizando a Jung, estos temas desde el propio trabajo de Spinoza,
refiriéndose al anatema de Nietzsche en Ecce más específicamente la parte I de su Ética (ES-
Homo –, esta persona, al tiempo que incorpora PINOSA, 2018), parte que trata de intrincadas
la diferencia fundamental que tiene la marca en cuestiones metafísicas que nos harán compren-
relación con otros individuos, percibe sobre todo der el significado de estas 'circunstancias adver-
lo que los une, la conexión profunda que existe sas' de este 'apriete' y este 'vacío'.
entre sus naturalezas, la identidad inevitable e La Parte I de Ética (ESPINOSA, 2018), denomi-
indisoluble que existe entre sus condiciones y, nada “Dios”, sigue el camino de la definición de
por tanto, la absoluta necesidad de convivencia, la divinidad: después de leer esa primera parte
entendimiento mutuo y conciencia constante de del libro, el lector debe tener presente la idea
lo común entre los aparentemente diferentes. de Dios, ya que las cuatro partes restantes de la
Otro acercamiento que hace la Dra. Nise, to- obra presupondrán tal definición, hasta llegar a
davía dentro de este ámbito de imaginación acti- la parte V del libro, denominada “El poder del in-
va, entre la filosofía de la inmanencia y la psico- telecto”, cuyo tema central es la libertad intelec-
logía analítica, es entre la noción de sustancia, tual ya mencionada, es decir, la diferenciación
efectiva. De la parte I a la V, Spinoza traza un
1
El concepto de individuación es fundamental para el trabajo camino que va de la divinidad, o el concepto de
de Jung, aunque apareció explícitamente solo en la década
de 1920. Sin embargo, la publicación tardía de ‘El libro Rojo’
Dios, a la libertad humana, lo que significa efec-
ha revelado la arqueología psíquica de tal concepto en la vida
del individuo. En ese sentido, ese libro es fundamental para
comprender la individuación. Véase: Jung (2015). 2
Cf. Jung (2014).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 47


Junguiana
v.39-1, p.45-58

tivamente que ningún ser humano puede consi- por las causas (lo que en el pensamiento aris-
derarse libre si no conoce a Dios. Sucede que, totélico se llama ‘regresión al infinito’). Ahora
como en toda filosofía que se precie, no se debe bien, en Espinosa (2018) no hay regresión al in-
presuponer nada, sino que se debe explicar finito y es la noción de causa sui o sustancia la
todo, o mejor aún, todo lo que se presupone ex- que lo garantiza. Por eso se dice que la noción
plícitamente debe apoyar lo que se explica pos- de sustancia es la más central en el pensamien-
teriormente, como hace Spinoza con las ideas de to de Spinoza -porque la funda y sostiene-, así
Dios y de la libertad, siendo una el presupuesto como en todo el pensamiento metafísico de la
de la otra. Modernidad en el siglo XVII.
Las tres nociones centrales de la parte I de Entonces, ¿qué es la sustancia? “Es aquel
Ética (ESPINOSA, 2018) son: I. sustancia; II. cuyo concepto no necesita el concepto de otra
Atributos; III. modos; el concepto de Dios será cosa a partir de la cual debe constituirse” (ES-
como una tela cosida por estos tres hilos. El PINOSA, 2018, p. 45). Resulta que la sustancia
filósofo dice: se constituye de atributos: aviso, "constituida"
y no "causada"; la sustancia es formada por
I. Por sustancia entiendo aquello que es atributos, que son infinitos, es decir, la sustan-
en sí mismo y se concibe por sí mismo, es cia es un concepto constituyó por infinitos atri-
decir, es aquello cuyo concepto no nece- butos. Los seres humanos, por nuestra finitud
sita el concepto de otra cosa a partir de (somos un mero modo), concebimos sólo dos
la cual debe constituirse; II. Por atributo atributos de la sustancia: Pensamiento y Ex-
me refiero a lo que el intelecto percibe de tensión, precisamente porque son los atributos
la sustancia como constituyendo su esen- que también constituyen nuestra naturaleza.
cia; III. Con modo me refiero a la afección Esto es lo que Spinoza quiere decir cuando dice
de la sustancia, es decir, lo que hay en que el atributo es “lo que el intelecto percibe
otro, para lo cual también está concebido de la sustancia como constituyendo su esen-
(p. 45). cia” (ESPINOSA, 2018, p.45), es decir, el atri-
buto es aquello por lo que podemos conocer la
Las cinco partes de la Ética de Espinosa sustancia; sólo conocemos la naturaleza de la
(2018) se basan en estas tres nociones, así como sustancia por lo que el intelecto percibe de sus
sus conceptos principales, como Dios, Naturale- atributos. De esta forma, el ser humano parti-
za, Eternidad, Libertad, Amor y Afectos. Por lo cipa de la naturaleza de la sustancia al estar
tanto, comprender estas tres nociones es abso- constituido por dos de sus atributos.
lutamente necesario. En ese momento, podemos empezar a com-
La sustancia - que luego se identificará con prender por qué Nise da Silveira (1995) se refería
Dios y la Naturaleza (Deus sive Natura) – se dice a las “circunstancias adversas”, a los “tirones
“en sí misma y concebida por sí misma”, que del Ego” y a ese “vacío” del que emerge la psique
en el vocabulario de Spinoza significa causa de profunda. Cuando se entiende, a partir del pen-
sí misma (causa sui), es decir, lo que no tiene samiento de Spinoza, que Dios o la sustancia o
causa, o más bien, se sustrae su causa a sí mis- la Naturaleza (o, para usar un término más físico,
ma – en un poder infinito de autoproducción – y el Universo) se compone de infinitos atributos y
será la causa de todos los demás efectos. En que nosotros, con toda nuestra capacidad inte-
el pensamiento de Spinoza, es absolutamente lectual, concebimos solo dos (Pensamiento y Ex-
axiomático que “todo tiene una causa” y ningún tensión), se entra en circunstancias totalmente
efecto ocurre sin conocer su causa apropiada. adversas, se entra en un oscuro laberinto - para
Resulta que podríamos preguntarnos sin cesar referirse a una metáfora de otro gran admirador

48 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.45-58

de Spinoza, Jorge Luis Borges – y el Ego se asus- ras” (SILVEIRA, 1995, p. 28, carta 1). La intuición
ta (hay una contracción del yo en relación a lo aquí es central, porque la intuición constituye el
que constituye ella), se preocupa de tal incom- conocimiento supremo en la epistemología de
prensión y se inclina ante este vacío que es, al Spinoza, pero dejémoslo para las próximas car-
mismo tiempo, posibilidad infinita. tas porque ese tema volverá. Centrémonos en la
Volvamos a la tercera noción fundamental de ‘existencia de algo más allá de ti mismo’ porque
la parte I para finalizar el análisis de esta Carta I eso es exactamente lo que caracteriza el arqueti-
de Nise. ¿Qué es un modo? Es la modificación de po del Self en la psicología analítica, es decir, la
los atributos, como afecciones de la sustancia: experiencia psíquica de trascendencia del yo, la
ellos (los atributos) son infinitos, pero concebi- percepción de que este complejo que me cons-
mos sólo dos, por nuestra naturaleza. Entonces, tituye y que llamamos conscientemente ‘ego’ es
todo lo que modifica – en el sentido de expre- una superficie frágil, que, aunque me pone en
sarse plásticamente, como en Deleuze (2019, p. contacto con la realidad más inmediata, no reve-
7-16) – los atributos infinitos es un modo. Como la sus misterios más profundos y mucho menos
solo conocemos dos el pensamiento y la exten- revela la profundidad de mi propia alma. Es el
sión, debido a que constituyen nuestra natura- Self el que nos permite sumergirnos en el abis-
leza, nunca podemos afirmar que conocemos la mo de nuestra alma, superamos las relaciones
naturaleza infinita de la sustancia o de Dios. Solo más inmediatas de la persona y la sombra, las
podemos hablar de estos dos atributos, porque proyecciones del anima/animus y, en constante
los humanos, en la filosofía de Spinoza, son un ensanchamiento de las fronteras de la concien-
complejo cuerpo-mente, es decir, una modifica- cia, nos permite para experimentar este ‘algo
ción del Pensamiento (la mente) y la Extensión más allá de si’3.
(el cuerpo). Esta expresión de modos finitos (hu- Aún en esa primera carta: “Así es como vivi-
manos) ya es la parte II del libro, llamado “De la mos en una parte del universo. Seremos capa-
mente”, porque para Spinoza, la mente humana ces de investigar en torno a nosotros y dentro de
es una expresión de un atributo divino, el Pensa- nosotros mismos, pero no lograremos una com-
miento (así como tu cuerpo es una expresión de prensión de la naturaleza infinita, ya que somos
un otro atributo divino, la Extensión). Pero basta finitos. Conociendo las limitaciones para luego
por lo que nos interesa, que es entender qué tie- superarlas, este es el hermoso itinerario que nos
ne que ver esto con el Self. Veamos. señalas” (SILVEIRA, 1995, p. 29, Carta 1). Aquí
Volviendo a la definición de Self ya mencio- podríamos destacar algunos aspectos: el prime-
nada en esta primera carta, expresa "la esencia ro de los cuales es lo que ella llama ‘alrededor
de la totalidad humana y, por otro lado, también de nosotros’ y ‘en nosotros’. Las investigaciones
expresa el carácter indescriptible e indetermina- que nos rodean, podemos interpretarlas no solo
ble de la totalidad" (SILVEIRA, 1995, p. 27). Ahora como la comprensión del comportamiento hu-
bien, el Self, por tanto, es el núcleo de nuestra mano y la vida social - el sentido mismo de la
totalidad psíquica, aunque indescriptible e in- ética -, sino también en un sentido más amplio,
determinable, así como la divinidad de Spino- de alrededor de nuestro universo, para empujar
za, constituida por infinitos atributos de los que los límites del conocimiento que tenemos en tor-
solo conocemos dos. Más adelante, pero aún en no de nuestro universo. Eso es porque, además
esa misma carta y citando al filósofo francés Jean de las notas de Espinosa (2018) sobre física en
Wahl, la Dra. Nise dice: “los grandes filósofos la parte II de Ética, uno de los admiradores más
sintieron más o menos vagamente la existencia
de algo más allá de ellos mismos y trataron de
3
Cf. Jung (1979). Particularmente interesante para la compren-
sión de este ‘algo más allá de uno mismo’ es la lectura del
expresar y lograr ese algo de diferentes mane- ‘Apéndice’ de este trabajo (p. 117-57).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 49


Junguiana
v.39-1, p.45-58

notorios de Spinoza es Einstein (Nise no deja pa- sterdam liberal, obtuvo su prosperidad ligada a
sar esa conexión), quizás el individuo del siglo una homogeneidad de los valores de su pueblo.
XX que más contribuyó a la comprensión de este La excomunión significaba en la vida de un indi-
“alrededor nuestro”. En oposición a este ‘alre- viduo no solo la imposibilidad de supervivencia
dedor’ está el ‘en nosotros’, que ella dirige ex- material, sino del contacto físico en sí mismo5.
plícitamente a su destinatario imaginario, pero Esto obligó a Spinoza a migrar de Ámsterdam a
que también podría dirigir al propio Jung, quien, Rijinsburg y luego a La Haya, hecho que la Dra.
con la noción de Self, amplió enormemente las Nise atribuye fundamental importancia a la for-
posibilidades de autoconocimiento y las profun- mación filosófica y espiritual de su interlocutor.
didades del alma humana y sus infinitas posibi- Ella dice: “Creo que todavía debería haber algo
lidades. Como enfatiza la Dra. Nise en esa última hostil en el clima de Ámsterdam cuando usted,
cita, es solo cuando conocemos - nos damos en mayo de 1660, decidió mudarse a Rijinsburg,
cuenta de - nuestros límites que somos capaces el centro de los Collegians. Allí estaría tranquilo
de superarlos de manera efectiva. para pensar. Viviría en un ambiente cordial” (SIL-
VEIRA, 1995, p. 34, Carta 2).
Sobre el individuo singular El círculo de los colegiales, grupo de erudi-
En la Carta 2, Nise da Silveira enfatiza algu- tos cristianos que estudiaron la Biblia y dieron
nos aspectos de la biografía de Spinoza, aunque la bienvenida al filósofo tras su excomunión de
ya lo ha hecho de forma residual en la primera la comunidad judía, es una expresión muy in-
carta. De hecho, el ejercicio de la imaginación teresante del contexto histórico de la sociedad
activa es muy interesante: el hecho de que la europea en el siglo XVII. Recordemos que es un
Dra. Nise se corresponda con el propio Spinoza siglo atravesado por guerras religiosas con tras-
no le impide narrar hechos de su propia vida. fondo político, debido a las repercusiones de la
Ella nunca se cansa de disculparse por ello y Reforma Protestante de Lutero en el siglo an-
dice que enumerar estos hechos la acerca a él, terior. Holanda, todavía llamada las Siete Pro-
los hace íntimos. vincias, fue una de las regiones de Europa que
Baruch Spinoza nació en 1632 dentro de la se adhirió a los ideales de Lutero e implementó
comunidad judía de la ciudad de Ámsterdam4. reformas sociales liberales. Es en este contexto
Toda su educación está marcada por este origen, de efervescencia política, cultural, religiosa y fi-
que no le impidió rebelarse contra él incluso en losófica donde Nise encuentra la formación es-
su juventud, hecho inaceptable para los rabinos piritual de su corresponsal, Nise señala: “Una
de la sinagoga. Nise comienza esta segunda car- característica muy bonita de los colegiales es
ta haciendo hincapié en el significado irrefutable que nunca le exigieron que se adhiera al cristia-
que tuvo la excomunión en la vida del filósofo, nismo, al bautismo, ni que acepte la encarna-
ya que la comunidad judía, estrechamente vin- ción del Dios infinito en un hombre” (SILVEIRA,
culada a las actividades comerciales en la Ám- 1995, p. 35, Carta 2).
Aunque de origen judía y miembro de un
4
Podríamos apuntar a un triple origen étnico en la génesis del grupo cristiano, Spinoza no puso las preocupa-
pensamiento del filósofo. Primero, el origen familiar de ori-
gen ibérico, ya que los judíos sefardíes de los que descendía
ciones teológicas en el corazón de su filosofía,
Spinoza fueron expulsados ​​primero de España y luego de Por- del mismo modo que el hecho de que apoya-
tugal, hasta su llegada a Holanda. En segundo lugar, el ori-
gen comunitario de la matriz judía, ya que Spinoza tuvo una ra toda su comprensión de la ética y la políti-
formación clásica en las letras hebreas. Y finalmente el origen ca en una definición de Deus sive Natura no le
propiamente filosófico de su juventud, de los estudios clásicos
de la filosofía greco-latina. No en vano, hay una profusión de impidió de la redacción, en 1670, del Tratado
nombres por los que podemos llamar al filósofo, desde Baruch
(el nombre judío) Bento (portugués) o Benedictus (latín), así
como Spinoza o Espinosa. Cf. Nadler (2003). 5
Chauí (1995, p. 14-34).

50 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.45-58

Teológico-Político, libro cuyos temas centrales Continuando con la misiva, Nise dice: “Tú
son la libertad de expresión, la separación del pules los lentes. Algunos comentan que este
poder religioso del poder político y la exégesis trabajo se hizo como un oficio, como un medio
de las Sagradas Escrituras. Dice Spinoza, en ese para mantener la vida” (ídem, Carta 2). Esto para
tratado: “No he leído en ninguna parte que Dios luego citar los versos que Machado de Assis hizo
apareció a Cristo o que le habló (…) si Moisés ha- en homenaje al filósofo: “en las manos las he-
bló cara a cara con Dios, como un hombre con rramientas del trabajador/en el cerebro la idea
su prójimo (es decir, a través de la interposición coruscante” (SILVEIRA, 1995, p. 38, Carta 2); esto
de sus cuerpos), Cristo mismo se comunicó con para enfatizar que el desarrollo de las activida-
Dios de espíritu en espíritu” (SPINOZA apud SIL- des manuales y corporales es tan importante
VEIRA, 1995, p. 36, Carta 2). Más adelante Nise como el desarrollo de las facultades mentales
dice: “Me gustó mucho leer esas palabras tuyas, e intelectuales. El modo humano es un comple-
porque estoy tan atado a Cristo” (ídem, Carta jo cuerpo-mente: es inútil desarrollar sistemas
2). La visión de Spinoza del fenómeno religioso, abstractos para desplegar el intelecto y tener un
aunque crítica desde un punto de vista político, cuerpo atrofiado, sin que se exploten plenamen-
incorporó la visión de que la experiencia espiri- te sus potencialidades. Este hecho también es
tual tenía un contenido significativo que debería recordado por Nise en su trabajo sobre la vida de
ser entendido, y no ridiculizado, como también Jung (SILVEIRA, 1976). A esto lo llama una ‘perso-
ocurre en la psicología analítica que, desde un nalidad bien integrada’ (ídem, Carta 2).
punto de vista científico, no se adhiere particu- En este momento de su correspondencia,
larmente a ningún dogma específico, pero pe- Nise mordisquea una madelaine y se sumerge en
netra en la universalidad que toda experiencia los recuerdos de su propia infancia en Maceió, el
religiosa expresa de diferentes maneras6. gusto por las ciencias naturales, los consejos de
Nise da Silveira sigue su epístola sobre los su padre sobre el ‘arte de pensar’ que constituye
hechos de la vida de Spinoza. Ella dice: “Tú, que la geometría y las dificultades para acceder a los
amabas la soledad, la meditación, tenías el don libros del filósofo, hasta entonces muy poco tra-
de hacer amistades sólidas” (SILVEIRA, 1995, ducido al portugués. Nise enfatiza cuánto difiere
p. 37, Carta 2). Para ello, enumera a varios ami- su educación en las ciencias biológicas de las
demostraciones geométricas que el filósofo rea-
gos del círculo íntimo de Spinoza, como Simon
liza en su Ética (ESPINOSA, 2018). De hecho, tal
de Vries, Jarig Jelles, Juan de Rieuwertz y Balle-
libro es profundamente deductivo, dejando claro
ing. Nise sigue: “Insisto en esto porque es algo
desde el principio los supuestos con los que el
raro. Las amistades son casi siempre inestables
lector debe familiarizarse y en los que se basará
y nos dejan huellas de dolor” (idem, Carta 2). De
toda su filosofía.
hecho, las amistades citadas se mantuvieron fie-
La diferencia de este libro, recuerda Nise, se
les al filósofo hasta el final de su breve vida, pero
trata del Tratado de reforma del entendimiento,
no por casualidad. En el corazón de su filosofía
un libro en el que no se sigue tan estrictamente
está la idea de que el sabio, el modo diferencia-
el orden deductivo. Un libro así constituye un
do, como ya lo propugna Nise o incluso el ser
discurso sobre el método, reformar el entendi-
individualizado, no debe aislarse porque no es
miento no significa más que pensar con méto-
un signo de sabiduría sino de ignorancia. Dice
do, con rigor. Dice la Dra.: “Para escalar esta es-
en su Ética: “nada más útil para un hombre que
calada, su método enseña que será necesario,
otro hombre”.
de manera preliminar, ‘una meditación asidua y
la mayor firmeza de propósito’ además de tra-
6
Cf. Jung (2011); Psicologia e alquimia (JUNG, 1991). Véase:
“As ideias de salvação na alquimia” (p. 237-99). zar una regla de vida y prescribirse una meta

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 51


Junguiana
v.39-1, p.45-58

bien determinada para uno mismo” (SILVEIRA, construir un sistema de argumentos sólidos y
1995, p. 42, Carta 2). La meditación asidua es mantuvo fuerte su estructura de personalidad –
el método en sí mismo y la firmeza de propósito ciertamente un tipo psicológico profundamente
es la disposición espiritual de quien se dedica a racional diferenciado intuitivamente.
una tarea tan crucial en la vida de quien valora
el conocimiento. Ella sigue: “Y, sobre todo, te Sobre la inmanencia y sus expresiones
acentúa, el método alcanzará una mayor per- Al comienzo de la tercera carta, Nise reto-
fección cuando el espíritu se aplique al conoci- ma el tema de la infinidad de la sustancia para
miento del Ser absolutamente perfecto” (ídem, trabajar un poco más sobre esas ‘condiciones
Carta 2). Este Ser no es otro que la sustancia in- adversas’ aludidas por ella, para que nuestro
finita, Deus sive Natura, cuyo avance ontológico ego se asuste más ante esta experiencia tan
no significa precedencia lógica, es decir, no es brillante de la divinidad. Ella dice: “Si percibi-
porque Dios sea lo más importante que hay que mos sólo dos atributos - pensamiento y exten-
conocer, para alcanzar el fin último - la libertad. sión - entre los atributos infinitos inherentes
, diferenciación - que se descubrirá fácilmente. a la sustancia única, ni siquiera sé cuál sería
Es necesario tener un método, ser riguroso con nuestro entendimiento si formamos al menos
el propio pensamiento, ser asiduo en la deduc- una noción vaga de algunos otros atributos
ción de las proposiciones, para que se llegue a de la sustancia única” (SILVEIRA, 1995, p. 47,
ese ‘Ser absolutamente perfecto’. Más adelan- Carta 3). Ya hemos mencionado los axiomas
te, Nise, parafraseando al filósofo alemán Karl de la parte I de la Ética de Espinosa (2018) que
Jaspers, asocia el conocimiento de este ‘Ser definen las tres nociones fundamentales de su
absolutamente perfecto’ no solo con deduccio- sistema: sustancia, atributos y modos. Como
nes lógicas, en esta segunda carta, Nise hace dice Nise más tarde, tales nociones descartan
una curiosa comparación: la concepción de la la idea de un Dios personal y creativo, tal como
unidad Spinoza con la visión de Carlos Pertius, esa idea aparece en las principales religiones
residente del Hospital Praia Vermelha en las dé- monoteístas, para subrayar el carácter inma-
cadas de 1940 y 1950, llamado el ‘planetario de nente e infinito de Dios.
Dios’. Ella dice: “Carlos era débil y su visión se Uno de los corresponsales más frecuentes
hizo añicos bajo el impacto de una visión ex- del filósofo, el entonces presidente de la pres-
traordinaria (…) Ciertamente soportaste el des- tigiosa Royal Society de Londres, Henry Olden-
lumbramiento de una experiencia repentina, burg, entendió las concepciones de Spinoza
pero la fuerte estructura de tu personalidad se como ambiguas. A lo que aclara el filósofo, mo-
mantuvo cohesionada” (SILVEIRA, 1995, p.43, vilizando su propia exégesis bíblica: “Dios es la
Carta 2). Aquí, Nise retoma las formulaciones causa inmanente de todas las cosas y no una
de la psicología analítica relacionadas con el causa transitiva. Afirmo con Pablo que todas
colapso mental. Para Jung, el colapso mental las cosas existen en Dios y se mueven en Dios”
representa una disociación psíquica y pode- (SPINOZA apud SILVEIRA, 1995, p. 48, Carta 3).
mos, por así decirlo, considerar la salud de una Tal incomprensión y acusación de ambigüedad
personalidad por su capacidad, su ego, de per- nos permite penetrar más sutilmente en el sig-
manecer cohesionada frente a las experiencias nificado del término inmanencia. Decir que Dios
vitales. Para Nise, la diferencia fundamental es la causa inmanente y no transitiva significa
entre Pertius y Spinoza, es que no sucumbió al centrarse en el debate teológico, que se pro-
“resplandor de la experiencia repentina”. De longó a lo largo de la Edad Media, en el que se
hecho, el filósofo tuvo una experiencia íntima oponían dos opiniones: los que afirmaban que
que supo comunicarse racionalmente, supo Dios era la causa de todas las cosas, creador,

52 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.45-58

omnipotente y omnisciente, pero cuya voluntad Habría una dimensión oculta de profun-
no alcanzó el libre albedrío de sus criaturas, didad infinita, que Bohm llama orden im-
que les permitió pecar; la otra opinión, alineada plícito. El orden implícito daría lugar al or-
con Spinoza, y que dialogaba con la tradición den explícito, correspondiente a nuestro
del averroísmo latino, remontándose a la figura mundo de objetos, que se mueven en el
de Avicena - el mayor filósofo del mundo árabe- espacio y el tiempo. La totalidad del orden
decía que Dios no es creador en el sentido es- implícito, el océano de energía, no se nos
tricto del término, pero que el mundo es eterno manifiesta; sólo percibimos algunos de
-por tanto, sin origen ni fin- y que tal eternidad sus aspectos, pues es condición de nues-
es la divinidad misma, lo que también significa tro pensamiento no poder aprehender la
decir que Dios es la causa de las cosas pero no totalidad en todo su esplendor (SILVEIRA,
está separado de sus efectos, es inmanente a 1995, p. 49, Carta 3).
sus efectos, diferente de la tradición que defen-
día la causalidad transitiva, que decía que Dios David Bohm es reconocido como uno de los
es la causa y que es diferente de sus efectos, físicos que hizo el compromiso más razonable
las criaturas. Nótese que la causalidad inma- entre las dos teorías más revolucionarias de
nente, al identificarse en una relación de expre- las ciencias exactas del siglo XX: la relatividad
sión - los efectos expresan su causa - suprime de Einstein y la física cuántica. De hecho, la fí-
las nociones de pecado original, culpa, el libre sica cuántica ha sacudido profundamente los
albedrío, la creación divina y la omnipotencia... supuestos de la física clásica, de la matriz new-
para quedarse solo en el núcleo de la teología toniana, algo que la relatividad misma ya había
de los monoteísmos. hecho, pero sin cuestionar supuestos tan pro-
Aún en ese mismo tono subversivo, Nise re- fundos como el principio de causalidad y las no-
cuerda otra idea central de Spinoza: “ciertamen- ciones más aceptadas de materia y movimiento7.
te escandalizó su afirmación de ‘no saber por David Bohm, al postular un orden implícito, al
qué la materia sería indigna de la naturaleza di- que no tenemos acceso en su totalidad, salvo
vina’” (ídem, Carta 3). De hecho, como ya hemos por sus efectos, el orden explícito, estaría dialo-
explicado, la sustancia de Spinoza está formada gando con la tesis de los atributos infinitos de la
por infinitos atributos, de los cuales nosotros, metafísica de Spinoza, ya que la única sustan-
meros modos limitados por nuestra naturaleza, cia está constituida por atributos infinitos y sólo
concebimos sólo dos, qué nos son constitutivos: conocemos dos: hay todo un orden implícito,
Pensamiento y Extensión. Por tanto, si nosotros, ‘océano de energía’, que actúa física y psicológi-
modos o afecciones de la sustancia infinita, par- camente, cuyo acceso es tortuoso.
ticipamos del atributo Extensión (así como del Finalmente, Nise relaciona la inmanencia de
atributo Pensamiento), podemos concluir por Spinoza con la psicología analítica de manera
deducción que la causa de nuestra existencia más precisa: “Finalmente surgió en el siglo XX
también está constituida por el mismo atributo, CG Jung, escribiendo: ‘psique y materia son as-
lo que significa decir que Dios es extenso, pode- pectos diferentes de una misma cosa’. Y enfatiza
mos verlo y experimentarlo en sus efectos, por- fuertemente que no considera que la psique sea
que la inmanencia garantiza la expresión de la simplemente un epifenómeno de la materia ce-
causa en sus efectos. rebral: ‘la psique... es una realidad objetiva a la
Más adelante, Nise recuerda otra afinidad que el observador puede tener acceso a través
más entre la filosofía de la inmanencia y la cien- de las ciencias naturales” (SILVEIRA, 1995, p. 49,
cia contemporánea, ahora en la figura del físico
teórico David Bohm. Nise dice: 7
Cf. Jung (2011).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 53


Junguiana
v.39-1, p.45-58

Carta 3). También alude a las conexiones cuer- animado expresa el alma divina en su especifici-
po-psique, así como el propio Spinoza definió al dad y complejidad.
humano como un modo complejo cuerpo-mente. En la parte II de su Ética, Spinoza (2018) inicia
Lejos de la actitud cartesiana que privilegiaba la la investigación de la mente de los modos – es
mente (la racionalidad) sobre el cuerpo (las afec- obvio que el enfoque es la forma humana, pero
ciones), Spinoza, como hará la psicología ana- los humanos no son la forma exclusiva en la que
lítica, las concibe en una conexión intrínseca. se expresa la sustancia (debemos mantenernos
Para Espinosa (2018) “el orden y la conexión de fijos en la mente que la sustancia consta de infi-
las cosas es lo mismo que el orden y la conexión nitos atributos). Nise cita un extracto de esa par-
de las ideas” (Parte II, prop.VII) lo que significa te II: “el objeto de la idea que constituye la men-
que no hay un hecho mental sin su homólogo en te humano es el cuerpo, es decir, un cierto modo
el cuerpo. Así como, por homología, no hay he- de extensión que existe en la acción y nada más.
cho corporal que no tenga expresión mental - o De ahí se sigue que el hombre está formado por
psíquica, en un vocabulario psicológico. una mente y un cuerpo, y que el cuerpo humano
Aún en esta tercera carta y en ese mismo tono existe como lo sentimos” (SPINOZA apud SILVEI-
de comprensión de la complejidad de los modos RA, 1995, p. 54, Carta 3). Es decir, el objeto de la
singulares, Nise analiza algunos puntos del Tra- mente es el cuerpo, que es extenso; no hay dis-
tado Breve, obra de la juventud de Spinoza que tinción absoluta entre pensamiento (o espíritu,
ya contiene el germen de toda su filosofía: son intercambiables, aunque no del todo sinóni-
mos) y extensión, sino más bien una relación de
Un pensamiento perfecto debe tener un continuidad, o, como siempre enfatiza Deleuze,
conocimiento, una idea (…) Este conoci- uno expresa el otro. El pensamiento y la exten-
miento, esta idea de cada cosa particular sión son atributos de la sustancia, mientras que
que realmente existe, es, diremos, el alma la mente y el cuerpo son formas que modifican
de cada una de estas cosas particulares. (expresan) estos atributos; los atributos son in-
Por eso, cariño, admites que todas las co- finitos en su género (aunque no absolutamente,
sas particulares tienen un alma, un alma como la sustancia), pero los modos son finitos,
específica, para cada una de ellas, sea de ahí nuestra imposibilidad, meras formas limi-
un puñado de arena, plantas, animales, tadas, de conocer la totalidad de los atributos
mujeres, hombres (SILVEIRA, 1995, p. 53, que constituyen la sustancia, naturaleza infinita
Carta 3). e insondable. Lo que da fe de la existencia de
nuestro cuerpo es el sentimiento, aquí podemos
Más adelante, comienza el argumento de asociar la tesis de la tipología junguiana, más
Nise: “La negación absoluta de las almas de los concretamente sus funciones diferenciadoras
animales siempre me había repugnado” (ídem). (sentimiento, percepción, pensamiento e intui-
De hecho, la inmanencia de Spinoza, como ya ción) (JUNG, 1976).
hemos señalado, garantiza que la causa perma- Continuando, Nise, citando a uno de los más
nece en sus efectos. Por lo tanto, si la causa úl- grandes especialistas en el pensamiento espino-
tima de todas las cosas es la sustancia infinita - sista del siglo XX, Carl Gebhart, dice: “La filoso-
Deus sive Natura - entonces cada modo singular, fía de Spinoza es una religión metafísica como
ya sea humano, vegetal o mineral, participa de lo son las doctrinas de Buda, Lao-Tzu o Plotino”
esa sustancia, obviamente en su forma especí- (SILVEIRA, 1995, p. 60, Carta 3). Sin duda, para
fica: Spinoza de ninguna manera iguala el alma cualquier lector atento de los sutras budistas, el
humana al alma de animales o plantas, lo que no Tao Te King o las Éneadas de Plotino, es imposi-
significa negarles la actividad anímica. Todo ser ble no notar afinidades que a veces son sutiles

54 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.45-58

y otras explícitamente evidentes. No se sabe si Se conoce el profundo cariño de la Dra. Nise


Spinoza conocía alguna bibliografía del canon por los felinos y cómo los animales pueden ser
budista o la filosofía del Tao. Ciertamente cono- utilizados en la terapia ocupacional, además de
cía a Plotino, al menos indirectamente a través ser ocasiones para descubrir factores psíquicos
de pensadores árabes como Avicena, Avicebron de quienes entran en contacto con ellos. El espí-
y Averroes. La experiencia mística impregna toda ritu de autonomía e independencia de los gatos
la metafísica de Spinoza, ya que el estudio de molesta a muchos no de vez en cuando, pero
la cábala constituyó el itinerario formativo del existe una profunda conexión entre este males-
joven Spinoza, aunque toda la forma en que se tar y nuestras sombras. En este sentido, convivir
expresa su filosofía es de un matiz matemáti- con felinos puede ayudar a ser más libres, acep-
co, es more geometrico. Esto no constituye una tando la libertad, la autonomía y la independen-
contradicción inmanente a su pensamiento, sino cia de los gatos, como lo hizo Spinoza.
que, por el contrario, podemos interpretar esta
filosofía como un intento de articular la experien- Diferenciación, singularización,
cia religiosa, científica y filosófica. individuación: un arte
Lo que sí, es una tensión en el pensamiento Podríamos, a modo de conclusión, afirmar
de Spinoza, es su visión de los animales. Nise no que tanto el pensamiento filosófico de Spinoza
perdona esto, aunque reconoce que su filosofía como la psicología analítica de Carl Jung cons-
otorga a los animales un lugar específico como tituyen una metafísica, una epistemología, una
modos de expresión de la misma naturaleza di- ética, pero sobre todo una estética, en el sen-
vina que nos constituye. Dice Nise, comentando tido clásico del término, una expresividad de
la opinión del filósofo de que el hombre tiene nuestros afectos que ayuda para comprender
mayor poder sobre los animales que estos sobre el significado de nuestras existencias a medi-
el hombre: “Fue una dolorosa sorpresa descubrir da que amplían los límites de nuestra sensibili-
en ti una falta de interés por formas que difieren dad, conectándonos con la tradición de nuestra
de la forma humana, formas mucho más integra- comunidad y la intimidad de nuestros senti-
das con las leyes divinas de la naturaleza que mientos más profundos.
el modo humano” (SILVEIRA, 1995, p. 59, Carta De esta forma, la individuación tan buscada
3). De hecho, la noción de poder para Spinoza en la psicología analítica, así como la diferen-
otorga al modo humano una primacía sobre los ciación o singularización, temas centrales de la
demás, debido a su naturaleza racional. Por otro filosofía de la inmanencia que se identifican con
lado, Nise reconoce la afinidad que tiene el filó- la búsqueda de la libertad y el autoconocimien-
sofo con otro animal, los gatos. Ella dice: to, todas estas nociones pueden entenderse
dentro de una metáfora: cada individuo es una
Tú, Spinoza, que parecías tan hostil al ani- obra de arte en proceso de realización y todos
mal, tenías dos gatos domésticos como los recursos para la constitución de esta obra es-
compañeros de cuarto. Tú te encargaste tán a nuestra disposición en nuestra trayectoria:
de ellos. Respetaba su libertad. ¿Son real- ciertamente, como señala Nise da Silveira en sus
mente radicales las diferencias de esencia “Cartas a Spinoza”, tanto la filosofía de Baruch
entre el filósofo y el gato? El gato, como el Spinoza, cómo la psicología analítica de Carl
filósofo, es silencioso, capaz de concen- Jung puede interpretarse como herramientas de
traciones prolongadas, discreto, sutil en infinita utilidad en la composición de tal obra. ■
sus manifestaciones afectivas. Quizás tus
gatos estaban muy cerca de ti (SILVEIRA, Recibido en 20/03/2021 Revisión en 31/05/2021
1995, p. 61, Carta 3).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 55


Junguiana
v.39-1, p.45-58

Resumo
A arte da diferenciação do modo humano. Nise da Silveira: o elo perdido entre
duas tradições
Neste artigo, elaboramos um diálogo en- ao pensamento da Dra. Nise focada na episte-
tre a psicologia analítica de Carl Jung e a filo- mologia das ciências da mente humana e na
sofia da imanência de Baruch Spinoza a par- gênese dos conceitos da psicologia analítica,
tir das “Cartas a Spinoza” de Nise da Silveira. tais como o processo de individuação. Tais
Principalmente através da análise das três cartas constituem um verdadeiro exercício de
primeiras cartas, propomo-nos uma visada imaginação ativa. ■

Palavras-chave: Jung, Spinoza, individuação, diferenciação, imanência, psicologia analítica, Nise da Silveira.

Abstract
The art of differentiating the human way. Nise da Silveira: the missing link
between two traditions
In this article, we elaborated a dialogue between view to the thinking of Dra. Nise focused on the epis-
the analytical psychology of Carl Jung and the imma- temology of the sciences of the human mind and on
nence philosophy of Baruch Spinoza based on “Let- the genesis of the concepts of analytical psychology,
ters to Spinoza” of Nise da Silveira. Mainly through such as the individuation process. Such letters con-
the analysis of the first three letters, we propose a stitute a real exercise of active imagination. ■

Keywords: Jung, Spinoza, individuation, differentiation, immanence, analytical psychology, Nise da Silveira.

56 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.45-58

Referencias
CHAUÍ, M. Espinosa, uma filosofia da liberdade. São Paulo, ______. Psicologia e alquimia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
SP: Moderna, 1995.
______. Sincronicidade. 13. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
DELEUZE, G. Espinosa e o problema da expressão. São 2011.
Paulo, SP: 34, 2019.
______. Tipos psicológicos. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Zahar,
ESPINOSA, B. Ética demonstrada à maneira dos geômetras. 1976.
São Paulo, SP: Universidade de São Paulo, 2018.
NADLER, S. Espinosa: vida e obra. São Paulo, SP:
JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes, Europa-América, 2003
1979.
SILVEIRA, N. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro, RJ: Francisco
______. O livro vermelho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. Alves, 1995.

______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópo- ______. Jung: vida e obra. São Paulo, SP: Paz e Terra,
lis, RJ: Vozes, 2014. 1976.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 57


58 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.59-74

Pinturas de um paciente psiquiátrico:


os inumeráveis estados do ser

Sergio Luiz Alécio Filho*


Regina Helena Lima Caldana**

Resumo Palavras-chave
A arte é uma maneira de comunicação e ex- o participante, focalizando sua história de vida e arte, pintura,
pressão simbólica e um instrumento para a com- comentários a respeito das telas. Percebeu-se que dinâmica psíquica,
preensão do ser humano. O objetivo deste artigo através da pintura houve a despotencialização de despotencialização.
consiste em analisar a produção plástica de um conteúdos ameaçadores da psique do cliente.
paciente psiquiátrico, buscando entender esse Pode-se observar também que a pintura propor-
material como expressão de sua dinâmica psí- cionou um espaço expressivo para o participante
quica. Foi realizado um estudo de caso com um lidar com fantasias do seu mundo interno. ■
frequentador de um centro de convivência de um
hospital psiquiátrico do interior paulista. Algumas
telas foram escolhidas para o estudo após a ob-
servação participante no ateliê. Para auxiliar na
análise das pinturas, foi realizada entrevista com

* Psicólogo pela Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Candi-


dato a analista pelo Instituto de Psicologia Analítica de Campi-
nas (IPAC), ligado à Associação Junguiana do Brasil (AJB) e
ao Instituto C.G. Jung International Association for Analytical
Psychology (IAAP). Foi estagiário do Museu de Imagens do In-
consciente do Rio de Janeiro.
email: <sergio_aleciofilho@yahoo.com.br>
** Psicóloga pela Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Mes-
tre e doutora em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Docente do Departamento de Psicologia da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP).
email: <rhlcalda@ffclrp.usp.br>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 59


Junguiana
v.39-1, p.59-74

Pinturas de um paciente psiquiátrico: os inumeráveis estados do ser

Introdução transtornos mentais. Esta concepção se encon-


tra bem definida na seguinte afirmação de Capra
“Nós podemos dizer: a pintura como mé- (1988), que defende uma visão integrada do ser
todo de pesquisa, a pintura como mé- humano: “Os psiquiatras em vez de tentarem
todo de tratamento” (Nise da Silveira, compreender as dimensões psicológicas da do-
informação verbal)1. ença mental, concentram seus esforços na des-
coberta de causas orgânicas para todas as per-
A arte é uma maneira de comunicação e ex- turbações mentais” (p. 123).
pressão simbólica e um importante instrumento Deste modo, o paciente era rotulado e inter-
para a compreensão do ser humano e para o en- nado sem a busca das causas que o levaram a
tendimento de seus conflitos e potenciais. desenvolver seu quadro, como, por exemplo,
A expressão livre, através do desenho, da problemas afetivos, familiares, econômicos, que
pintura, da modelagem, na área da Psiquiatria e são fatores interpessoais e socioculturais en-
da Psicologia, tornou-se de interesse científico, volvidos no desenvolvimento da doença. Além
entre outros, pelo seu potencial como meio de disso, a doença era tratada como sintoma, e não
acesso menos difícil ao mundo interno do pa- como passível de uma revelação de significado
ciente psiquiátrico (SILVEIRA, 1982). na linha de vida da pessoa, algo cuja possibili-
Atualmente, o uso dos recursos expressivos dade Jung, particularmente, mostrou com clare-
é utilizado de forma terapêutica nos centros psi- za em se tratando de quadros psicóticos.
quiátricos. Em um passado recente, a Psiquiatria Esta visão foi se transformando paulatina-
Clássica pouco se interessava pela riqueza do mente e, no Brasil, especialmente no final do sé-
mundo interno dos pacientes com transtornos culo XX, com a luta antimanicomial, tomou novo
mentais. O tratamento incorporava métodos vio- impulso. Este movimento propõe um tratamen-
lentos, como o eletrochoque de maneira puniti- to humanizado, eficaz e preferencialmente sem
va, que afetava cada vez mais a autoimagem do internação integral, pois, quando internado, o
paciente, além de piorar o transtorno e danificar paciente perde sua autonomia e seus direitos
sua criatividade. Utilizava-se ainda um exces- como cidadão. Entretanto, a internação é reco-
so de psicotrópicos, que deixava os pacientes mendada em casos de absoluta necessidade e
amortecidos emocionalmente, com a conse- com consentimento do paciente e sua família. O
quente redução da capacidade criativa. principal lema da luta antimanicomial é tratar e
Esta era a visão da Psiquiatria Clássica cen- não excluir socialmente o indivíduo, buscando
trada apenas na doença dos indivíduos e que sempre uma possível ressocialização.
considerava as causas orgânicas como a ori- O psiquiatra Paulo Amarante (1999) afirma
gem de qualquer disfunção do organismo. Tal que o objetivo da reforma psiquiátrica “[...] não
abordagem começou a ser criticada como sen- é somente a humanização das relações entre os
do reducionista, pois deixa de lado os fatores sujeitos, a sociedade e as instituições [...] o ob-
emocionais que poderiam estar envolvidos nos jetivo que pretendemos é o de construir um novo
lugar social para a loucura, para a diferença, a
diversidade, a divergência” (p. 49). Segundo
1
Frase dita por Nise da Silveira no documentário trilogia “Ima-
gens do Inconsciente” (HIRSZMAN, 1986). Bastos (1993), esse novo lugar social pode ser

60 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

encontrado se a loucura for ressignificada social- função terapêutica no Brasil, nas suas ativida-
mente, sendo vista por outros ângulos. Nesse des no hospital psiquiátrico D. Pedro I, no En-
sentido, é importante a consideração de que, no genho de Dentro. Fundou a Casa das Palmeiras
mundo dos ditos “loucos”, impera a imaginação e o Museu Imagens do Inconsciente, onde se
e seu espírito move-se no meio de contradições e preservam as produções artísticas dos clientes
incoerências, que só surgem como tal ao homem e se abriga o maior acervo mundial de obras de
comum. Assim, o conhecimento sobre a loucu- pacientes psiquiátricos.
ra tende a se ampliar através do estudo dessas Diferentemente da prática psiquiátrica tradi-
divagações, já que as alucinações e as ilusões cional, Nise via os clientes como seres em de-
são materiais ricos simbolicamente e podem ser senvolvimento e criticava denominações dadas
aproveitados, criando possibilidades de amplia- ao esquizofrênico, como embotamento afetivo,
ção para o psiquismo humano (BASTOS, 1993). que até hoje se encontra nos manuais de psi-
Em contraposição à Psiquiatria Clássica, quiatria. Ela se contrapunha até mesmo à pala-
o método terapêutico desenvolvido pela Dra. vra “paciente” para se referir aos internos dos
Nise da Silveira (Maceió, 15 de fevereiro de hospitais, e preferia o termo “cliente” para evitar
1905 – Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999), o sentido de passividade. Empiricamente, ela
psiquiatra alagoana e pioneira das ideias de observou nos ateliês de pintura que os esqui-
Jung no Brasil, utilizando pintura, desenho, co- zofrênicos demonstravam afeto nas atividades
lagem, modelagem, música, trabalhos artesa- propostas e nos relacionamentos com os moni-
nais, mostra-se uma alternativa extremamente tores das oficinas. Percebeu que é no nível afe-
útil, com possibilidades afinadas às propostas tivo que pode ocorrer a transformação do indiví-
da reforma psiquiátrica. duo e recorreu a um termo da química, dizendo
Paul Klee, pintor contemporâneo, afirma que que o “afeto é catalizador do desenvolvimento
“a pintura permite que o invisível se torne visí- humano”. Durante sua prática, referiu-se ao seu
vel” (KLEE apud SILVEIRA, 1982, p. 39). Tal frase método de trabalho como “a emoção de lidar”
faz referência à presença do inconsciente nas te- e preferiu trocar a denominação “esquizofrenia”
las, o que é de importância para um pesquisador por “inumeráveis estados do ser”. Nise afirma-
e um terapeuta que, na análise de pinturas, pode va que “o melhor remédio é o contato humano,
observar o conteúdo do inconsciente presente, o o afeto nas relações, o que cura é a alegria, a fal-
que revela o estado da psique e o funcionamen- ta de preconceito” (SILVEIRA,1992).
to da dinâmica psíquica de quem pinta. Além Segundo Nise (SILVEIRA, 1992), “a arte virá
disso, deve-se estar atento para fatores sociais retirar as coisas desse redemoinho perturba-
e fenômenos intrapsíquicos interligados, forma- dor” da psique do paciente. Este expressa, nas
dores do contexto das vivências experienciadas diversas formas de arte, fragmentos do drama
pelos pacientes e tornados visíveis através das que está vivendo desordenadamente, assim dá
imagens pintadas. forma às suas emoções e despotencializa figu-
Nise da Silveira trabalhou no sentido das ras ameaçadoras que o atormentam. Por meio
expressões livres como meio de instrumenta- desse processo de abstração, o homem procura
lizar o desenvolvimento humano. Através de um ponto de tranquilidade e refúgio.
sua prática com os pacientes psiquiátricos, ela Nise, como pioneira da Psicologia Analítica
verificou uma melhora nas condições gerais, no Brasil, seguiu as orientações de Jung e pas-
inclusive nos relacionamentos interpessoais de sou a observar nas obras de seus clientes não
seus clientes (SILVEIRA, 1992). A partir dessas apenas conteúdos da história pessoal, carrega-
ideias, ela foi uma das pioneiras a desenvolver da de densidade, desejos, decepções e espe-
o método de utilizar recursos expressivos como ranças, mas também mitologemas referentes ao

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 61


Junguiana
v.39-1, p.59-74

inconsciente coletivo. Ela identificou a presença Objetivo e método


de temas míticos e um substrato coletivo comum O objetivo deste trabalho foi analisar, nas
a todos os homens que, nas palavras de Jung, é produções plásticas de um paciente psiquiátri-
fruto de co, a manifestação de aspectos de sua persona-
lidade através de conteúdos pessoais e/ou uni-
frequente reversão, na esquizofrenia, a versais, partilhados por todos os homens, como
formas arcaicas de representação, que os mitos e os arquétipos trazidos pelo incons-
me fez primeiro pensar na existência de ciente coletivo, considerando-se que tais aspec-
um inconsciente não apenas constituído tos puderam auxiliar na clarificação da dinâmica
de elementos originariamente conscien- psíquica do cliente.
tes, que tivessem sido perdidos, porém Esta pesquisa de caráter qualitativo foi fi-
possuindo um estrato mais profundo, de nanciada pela Fundação de Amparo à Pesquisa
caráter universal, estruturado por conteú- do Estado de São Paulo (Fapesp) e consistiu na
dos tais como os motivos mitológicos da análise de um conjunto de telas de um frequen-
imaginação de todos os homens (JUNG tador das oficinas do Centro de Convivência de
apud SILVEIRA, 1982, p. 97). um hospital psiquiátrico do interior paulista.
O procedimento incluiu uma fase inicial de
Jung considerou que os delírios, alucina- observação participante das oficinas do Centro
ções, neologismos e gestos na esquizofrenia de Convivência, a partir da qual foi selecionado
não são vazios de sentido. Intensas cargas o participante do estudo, de acordo com sua
afetivas ligadas às pulsões do inconsciente de- assiduidade e disponibilidade. As observações
sestruturariam o ego, tomando posse do cons- foram registradas em um diário de campo e a
ciente (JUNG, 1964). Neste sentido, percebe-se pesquisa inicial teve uma duração de três anos.
a contraposição das ideias de Jung às da Psi- Entretanto, outros encontros esporádicos para
quiatria Tradicional. acompanhar a produção de novas pinturas e vi-
Portanto, de acordo com seu ponto de vista, sitas à casa de João continuaram acontecendo
as pinturas dos pacientes psiquiátricos mos- ao longo de quinze anos.
tram-se como ferramentas com fins terapêutico, Como fonte de dados complementares, foram
científico e estético também, pois esses indiví- realizadas entrevistas com o participante: a ini-
duos se mostram como artistas em potencial. cial, de acordo com o modelo denominado Histó-
Além disso, suas atividades expressivas e cria- rico de Vida Temático (CALDANA, 1998), segundo
doras, do mesmo modo que mostram o funcio- o qual, em um primeiro momento, solicita-se o
namento da dinâmica psíquica do paciente, po- relato livre da história de vida do entrevistado e,
derão também lhes abrir novas perspectivas de numa segunda etapa, investigam-se questões
aceitação social. específicas do interesse do pesquisador através
A respeito dos clientes que pintam nos hospi- de tópicos semiestruturados, que incluíram um
tais psiquiátricos, Jung formulou uma ideia que pedido de descrição e comentários a respeito
é um convite à reflexão sobre o paciente com das telas.
transtorno mental, quando diz que não importa Ao longo do desenvolvimento da pesquisa,
que seus autores morem em uma instituição psi- tanto na fase de observação participante no cen-
quiátrica, pois, mergulhados na profundidade tro de convivência como durante as entrevistas
do inconsciente, na porção da psique coletiva, em que se falava sobre as telas, foi dada atenção
eles participam também, mesmo que incons- à relação estabelecida entre o pesquisador e o
cientemente, da vida psíquica de todos os seres participante. Foram seguidos os ensinamentos
humanos (JUNG, 1964). da Dra. Nise da Silveira de se manter uma pos-

62 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

tura acolhedora, de aceitação incondicional e de conflitos enfrentados ao longo da história de


de não julgamento das produções. Não foi feita vida seria importante para a análise das expres-
nenhuma avaliação estética e nenhuma interpre- sões do cliente.
tação psicológica foi transmitida ao autor, como
aprendido em estágio no Museu de Imagem do O autor das telas
Inconsciente, o que auxiliou no desenvolvimento João (nome fictício), solteiro, tem 58 anos e
dessa pesquisa. é natural do interior do estado de São Paulo. Ele
Um modo de análise das telas é o estudo de é o caçula de uma família de quatro filhos, sua
uma série de imagens. As pinturas de um mesmo mãe era dona de casa e seu pai, pedreiro. Relata
autor, tal como os sonhos, se examinadas em sé- que nasceu de um parto prematuro aos sete me-
rie, revelam a repetição de motivos e a existência ses, “dentro de uma bola, uma esfera, que não
de uma continuidade no fluxo de imagens do in- era a placenta, e que lhe conferia uma inteligên-
consciente (SILVEIRA, 1992). Particularmente na cia superior aos outros e seria um mandado de
esquizofrenia há a emergência de conteúdos ar- Deus (sic)”.
caicos que, segundo Erich Fromm, traduzem uma De origem humilde, considera que sua in-
linguagem que não é morta, mas “possuidora de fância foi boa, descreve-se como extrovertido e
sua própria gramática e sintaxe” (FROMM apud alegre: brincava com os amigos, aprontava tra-
SILVEIRA, 1992, p. 94). vessuras na escola e “mexia” com as meninas.
O participante pintou mais de 50 obras ao Segundo o participante, na sua trajetória es-
longo de sua vida, tanto no hospital quanto em colar, teria repetido três vezes a primeira série
sua casa. Para este estudo foram selecionadas “porque era muito bagunceiro”; a professora o
quatro telas apresentadas na ordem cronológica reprovou “apesar de possuir notas para passar
de sua produção: 1) Desabafo, 2) Casal e a ma- de ano”. A inteligência é uma referência cons-
rinha, 3) Joana D’Arc e 4) O céu verde. As duas tante: sempre teria sido visto como inteligente
primeiras foram pintadas na oficina do centro de pelos professores (principalmente pela profes-
convivência do hospital em meados de 2003 e as sora de artes, que o considerava criativo, um ar-
últimas João pintou em casa, sendo que “Joana tista); para familiares e amigos, seus trabalhos
D’Arc” foi pintada em 2003 e “O céu verde” no indicariam sua inteligência. João conta que já
ano de 2017. Elas foram escolhidas por conter fazia pinturas e esculturas que eram admiradas
maior representação de conteúdos simbólicos pelos professores e familiares, inclusive a dire-
e arquetípicos. tora da escola, que possuía uma escultura dele
O enfoque de análise das obras foi o aspec- em sua sala.
to simbólico. Assim, buscou-se os sentidos e os João afirmou que na adolescência seus rela-
significados dos símbolos presentes nas telas. cionamentos amorosos eram apenas platônicos
Seguindo os passos de Nise da Silveira de aná- e idealizados. Iniciou sua vida sexual com uma
lise das telas através de uma série de imagens prostituta e, segundo ele, só se relacionava com
produzidas pelo participante, buscou-se identifi- “mulheres da vida”.
car a repetição de motivos e a existência de uma Começou a trabalhar aos 17 anos como au-
continuidade no fluxo de imagens do incons- xiliar administrativo em um hospital geral e per-
ciente (SILVEIRA, 1992). maneceu no emprego até os 24 anos quando
As análises qualitativas da entrevista e das teve seu primeiro surto psicótico. Devido a seu
observações tinham como objetivo a identifi- transtorno psiquiátrico foi aposentado por inva-
cação de elementos que auxiliaram a busca lidez. Consta em seu prontuário o diagnóstico de
do sentido ao universo simbólico expresso nas esquizofrenia paranoide, com delírios religiosos,
pinturas, considerando-se que a identificação de grandeza e alucinações auditivas.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 63


Junguiana
v.39-1, p.59-74

É interessante perceber que o primeiro sur- O participante teve alta um mês depois de sua
to ocorreu logo após dois eventos importantes entrada no hospital.
na vida de João: uma desilusão amorosa e um Sua chegada ao centro de convivência do
abuso sexual. O primeiro ocorreu no trabalho, hospital psiquiátrico ocorreu em uma de suas in-
quando ele relatou que estava apaixonado pela ternações: o médico descobriu sua relação com
sua chefe e supervisora que não correspondia às as artes, em especial a pintura, e o encaminhou
suas investidas amorosas. Apesar de todos os para lá, onde se dedicou principalmente às ofici-
flertes, a relação “não deu certo porque ela era nas de pintura. É importante ressaltar que este
mais velha e mais rica que ele, era a chefe do tra- é o único local que João frequenta sozinho (ele
balho”. Ele ficou muito triste com esta situação não precisa do irmão para ir junto com ele). Para
e, quando isso aconteceu, ele “dormia pouco e ele, a pintura é “um refúgio, um descanso, um
sentia um vazio na cabeça”. lazer, uma ocupação” e até fonte de uma peque-
Desiludido, relacionava-se apenas com pros- na renda. Atualmente ele tem pintado com mais
titutas e relata que em uma ocasião foi abusado frequência em sua própria casa.
sexualmente por um travesti, quando imaginava Nas conversas com João, dois temas emer-
que estava se relacionando intimamente com giram com força. O primeiro deles gira em torno
uma mulher. Tal fato deixou João confuso sobre da figura de Joana D’Arc, indicando uma relação
sua sexualidade e abalado emocionalmente. peculiar com ela. Pintou Joana D’Arc em uma tela
Desde então, as internações foram frequentes que ele mesmo fez e manteve em sua casa bem
e o participante afirma que já esteve internado à frente de sua cama, em cima de um cavalete,
mais de dez vezes. denotando sua importância para ele.
No período em que houve a desilusão amorosa Ele contou que se apaixonou por Joana quan-
e o abuso, ele tentou suicídio por envenenamento do assistiu a um filme sobre ela e percebeu que
e se autoagrediu com uma tesoura no peito: queria a história de ambos é parecida. Ele conta que os
“enfiá-la no coração”. Nessa ocasião, ficou inter- dois foram estuprados e ouvem vozes de Deus. A
nado por cerca de um mês no hospital psiquiátrico. partir de então, João alimenta uma paixão platôni-
Aos 38 anos sofreu outro surto psiquiátrico ca e idealizada com Joana D’Arc. Ela seria o gran-
quando teve pensamentos persecutórios de que de amor de sua vida e estaria no céu à sua espera.
o pai queria estuprá-lo, de que este estava com Depois de sua morte, pretende se casar com ela,
o demônio no corpo e que queria envenenar sua cuja mão pedirá a Deus. O participante diz que ela
comida. Nesse episódio, chegou a ficar em tor- é uma santa, uma donzela, que consegue conver-
no de 20 dias sem se alimentar corretamente. A sar com ela e receber suas mensagens através de
respeito de sua mãe, o participante afirmava que sua mente, por telepatia. Além disso, ela o prote-
ela era uma pessoa muito boa, a reencarnação geria, como, por exemplo, num episódio em que
de Nossa Senhora de Fátima na Terra. quebrou o nariz numa briga e foi para o hospital.
Aos 40 anos, João foi novamente internado Ele não foi atendido, mas, após a noite passada
devido a um surto de agressividade quando ten- em sua casa, levantou-se com o nariz curado, di-
tou esfaquear seu irmão, que é seu cuidador e zendo: “tenho certeza que foi ela que curou”.
curador, pois o teria confundido com um homem Nas entrevistas, João constantemente co-
que estaria invadindo a casa. Nesse período, mentava algum feito seu, alguma invenção
João tinha a crença de que era Deus e de que grandiosa ou poder excepcional. Ao fazer isso,
salvaria o mundo. Durante a internação chegou retoma sempre o tema da sua inteligência: todas
a afirmar que era mulher e que Deus o queria suas invenções ocorreram através de sua mente,
assim, estava arredio e acabou por agredir outro muito inteligente, que recebe por telepatia men-
paciente dizendo que estava agredindo a Deus. sagens de Deus.

64 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

Suas invenções incluiriam os discos voadores, do estilo impressionista. Autodidata, aprendeu


“mais velozes que a velocidade da luz”, com uma a pintar e desenhar através de livros de Monet,
receita própria envolvendo plástico, borracha, Renoir e Van Gogh. Essas características marcam
madeira e eletricidade; uma máquina do rejuve- também as quatro telas selecionadas (Desabafo,
nescimento, que teria o objetivo de fazê-lo voltar Casal e a Marinha, Joana D`Arc e O Céu Verde),
a ter 11 anos de idade para poder desposar Joana cujas análises serão apresentadas a seguir.
D’Arc com 8 anos. Também uma máquina para
fazer alimentos transgênicos e outra que trans- Desabafo
forma negros em brancos. Além disso, ele afirma De acordo com o participante, a tela repre-
que através, de seu poder mental, consegue fazer sentada na Figura 1 tem como tema o desabafo
uma distribuição de renda pela televisão. de uma angústia que “precisava por prá fora pin-
tando gente”. Neste sentido, pode-se entender
Análise das telas a figura representada plasticamente da altura
do peito para cima e em primeiro plano como re-
“Se houver alto grau de crispação do presentação do próprio pintor e, atrás, uma cena
consciente, muitas vezes só as mãos são que pode representar o que está acontecendo no
capazes de fantasia” (C. G. Jung)2. mundo intrapsíquico do autor.
Segundo João, ao fundo, há um teatro na
De modo geral, as telas são representadas Inglaterra, onde ocorre a apresentação da peça
em tons fortes, vivos e coloridos. O próprio par- “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, e as pesso-
ticipante classifica sua obra como pertencente as à frente acabaram de assisti-la. Todas foram
sozinhas e não há nenhum casal.

Figura 1. Desabafo.

2
Disponível em: http://www.ccms.saude.gov.br/nisedasilveira/
encontro-com-jung.php. Acesso em: 21 de mar. de 2021.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 65


Junguiana
v.39-1, p.59-74

A respeito do teatro, juntamente com o título uma possível aceitação que poderia estar por
Desabafo, pode-se fazer uma associação com o surgir ou até mesmo um potencial para o possí-
fenômeno da catarse, expressa desde o teatro vel encontro entre eles.
grego. De acordo com a descrição do quadro e A última figura feminina é a ruiva, que apa-
o restante de imagens presentes, faz pensar no rece representada como uma adolescente, com
significado dos aspectos femininos e masculi- um laço na cabeça, uma saia rodada na altura
nos para o participante, especificamente, na re- dos joelhos e um xale encobrindo seu tronco e
lação entre o homem e a mulher e os obstáculos braços. Pode-se pensar nessa figura em seu as-
para que esse encontro ocorra. pecto feminino passivo e não acolhedor, pois
Há um destaque para as figuras femininas, não possui braços aparentes.
que estão em maior número e são retratadas De acordo com Furth (2004), durante a aná-
com maior riqueza de detalhes. Há dois homens, lise de uma produção plástica, deve-se estar
sendo que um não possui braços visíveis e um atento aos “obstáculos” que podem existir para
outro está com uma mão estendida, como se o encontro de imagens representadas. Nesta
estivesse à espera de algo. O primeiro, sem bra- tela, percebe-se que há um homem com uma
ços, pode representar a dificuldade de contato mão estendida no canto esquerdo e uma mu-
com o outro, a passividade, a impossibilidade lher oferecendo um chapéu, na porção direita
de ação e de realização de tarefas. O segundo da tela. Entre eles, há um certo distanciamento
homem tem tamanho menor, o que pode indicar e algumas figuras, já citadas, que podem estar
uma fragilidade em relação às mulheres, que são impossibilitando o encontro do masculino com o
maiores e retratadas com mais detalhes. Além feminino. Paralelamente à peça Romeu e Julieta,
disso, pode-se pensar em um homem rejeitado, em que as duas famílias são obstáculos, nesta
já que está com uma mão estendida à espera e a pintura, pode-se perceber que os “obstáculos”
mulher de verde à sua frente está de costas, de seriam, principalmente, a figura de uma mulher
modo a não atender seu gesto. brava e a falta de recursos de contato e ação por
Dentre as mulheres, destaca-se a presença parte do homem, expressa na ausência de bra-
de uma morena, uma loira e uma ruiva, um moti- ços aparentes. É válido lembrar que o participan-
vo recorrente na pintura de João. Nesta tela, das te já tentou suicídio por envenenamento após
três imagens do feminino, a que se destaca é a uma desilusão amorosa, justamente o desfecho
figura central, morena, de vestido roxo, seguran- da peça de Shakespeare.
do um leque e com uma expressão bravia. Essa Neste sentido, vê-se a representação da fi-
imagem pode representar aspectos primitivos e gura masculina de modo passivo e frágil e a da
sombrios de um feminino agressivo e violento, figura feminina no aspecto negativo da anima do
que envolvem um sentido não acolhedor, uma participante, através de uma imagem autoritária,
atitude desafiadora e autoritária, e pode signifi- arredia e não acolhedora.
car uma ameaça ao participante. Fazendo um paralelo com a história de vida
Há também uma mulher loira, de vestido ver- de João, ele se identificaria com o homem “sem
de e longo, segurando uma bolsa, e que, como braço”, impossibilitado de um encontro com
já foi dito, está de costas para um homem que uma mulher: em seus relacionamentos não
espera um contato com uma mão estendida: acontecia de fato um encontro, pois as mulheres
segue-se assim o aspecto de um feminino que com quem se relacionou, segundo ele, ou não
rejeita e não acolhe o masculino. correspondiam a seu amor ou o traíram. Exem-
Uma outra figura feminina parece estar che- plo disso é uma antiga chefe por quem João era
gando da direita com o braço estendido (em opo- apaixonado, a quem via de forma idealizada,
sição ao homem do outro lado da imagem) como platônica e com quem não se sentia capaz de

66 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

se relacionar, pois ela era “rica e ele apenas um Esta imagem do casal que passeia na areia
funcionário pobre”. Por fim, percebe-se o quan- da praia transmite a ideia da realização de um
to esse tema é atual para o pintor na sua frase: desejo e de uma fantasia do participante. Como
“O teatro é antigo, mas as pessoas não, é dessa se este casal, que, segundo ele, está na França,
época (sic)”. A referência à antiguidade do teatro fosse a personificação do casal formado por ele
pode remeter às estruturas psicológicas de João, e Joana D’Arc.
no sentido de que a representação arquitetônica Sobre a representação do feminino e mascu-
possa ter um paralelo com sua estrutura de per- lino, percebe-se que a base dos dois não apare-
sonalidade. Já as pessoas dessa época, por se- ce, ou seja, os pés. Os pés do homem parecem
rem figuras humanas, podem estar relacionadas que estão escondidos na areia e os da mulher
aos seus complexos de tonalidade afetiva. pelo vestido. Neste sentido, principalmente em
relação à mulher, percebe-se que sua localiza-
O Casal e a Marinha ção e apoio não são satisfatórios, dando uma
A obra (Figura 2) é organizada em perspectiva. impressão de estar “torta”. Assim, simbolica-
Um casal aparece em primeiro plano e ao fundo mente, pode-se pensar em uma falta de susten-
barcos, um pescador e prédios. Os detalhes des- tação psíquica ou de estruturação egoica.
sa tela estão principalmente na vestimenta do O amarelo presente no teatro da tela Desaba-
casal, nos chapéus, no terno e no vestido longo. fo está também aqui nas manchas disformes da
João afirmou que criou este quadro pois gos- água e denotam a mesma estrutura inconscien-
ta muito do mar. Retratou um casal que aparece te, só que mais diluída. A mulher de cabelo pre-
em destaque no canto esquerdo e que foi passe- to lembra a morena com o chapéu estendido na
ar na praia. Novamente o tema do masculino e mão da pintura anterior. Agora o encontro já está
feminino é central e, desta vez, surge como um acontecendo, há correspondência, ainda que ru-
casal cujo encontro ocorre de fato. dimentar, não mais a rejeição.

Figura 2. O casal e a marinha.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 67


Junguiana
v.39-1, p.59-74

Outro aspecto interessante que surge é o for-


mato do mar: de acordo com a perspectiva com
que se olha a tela, pode-se perceber um peixe
grande com barbatanas (barcos) emergindo da
água. O recuo da água na areia faz um formato si-
milar a uma boca que está prestes a engolir o pes-
cador. O ponto negro, um barco longínquo, pode
representar o olho do grande peixe e uma vela ver-
melha de um barco assemelha-se a uma língua.
A representação inconsciente na pintura
de um grande peixe do mar em movimento de
abocanhar um pescador simboliza a invasão
do inconsciente ameaçando o ego consciente.
Aqui há um paralelo com o tema mítico do dra-
gão-baleia, que a Dra. Nise da Silveira (1982)
também observou no cliente Olívio Fidélis, que
fez uma tela com o mesmo motivo. Segundo ela,
em momentos que o sujeito está sob impacto de
afetos intensos, o inconsciente ativa forças ar-
quetípicas que podem tragar o ego, constelando
monstros devoradores que ameaçam o indivíduo Figura 3. Joana D’Arc.
(SILVEIRA, 1992).
Jung, em seu livro “A energia psíquica” (JUNG,
1987), explora o tema do dragão-baleia que, se- te. Esta obra se encontrava em um cavalete ao pé
gundo ele, retrata o princípio da progressão e re- da cama de João que dizia que ela estava ali para
gressão da libido. Se o herói é engolido no ventre protegê-lo. A obra é muito significativa pois foi o
do monstro marinho, isto significa o alheamento próprio autor que confeccionou o quadro: pregou
do indivíduo em relação ao mundo exterior, em um lençol em uma madeira e passou várias mãos
movimento regressivo de sua libido. Pode-se fa- de cola até chegar em uma textura próxima de uma
zer um paralelo com um surto psicótico de João, lona branca de tela e depois pintou a imagem3.
quando seus delírios e alucinações ficam mais Quando João fala desse quadro, em especial em
evidentes e seu ego fica cindido da realidade. relação à figura de Joana D’Arc, percebe-se o afeto
Porém, Jung relata que esta travessia notur- que ele tem por esta imagem.
na no mar também pode significar um mergulho João afirma que Joana D’Arc é seu grande
no mundo interior da psique. O ato de dominar amor e que, assim que morrer, pedirá a mão dela
o monstro a partir de dentro pode representar para Deus e se casarão. Ele até pintou a face da
um esforço do indivíduo em se adaptar ao seu amada em sua calça como forma de demonstrar
mundo interior (JUNG, 1987). O desafio está em todo seu amor.
realizar esse mergulho com um escafandro de No quadro, o participante diz que pintou uma
mergulhador, como Nise sugeria para que o su- aura em torno da cabeça de Joana criança para
jeito não seja tragado pelo inconsciente. indicar sua elevação e iluminação. Este senti-
do de iluminação também está expresso na cor
Joana D’Arc
A tela retratada na Figura 3 é reconhecida pelo 3
Infelizmente a tela se decompôs, após ter sido atingida por
participante como sua preferida e mais importan- uma goteira de água de chuva e mofado.

68 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

branca de sua vestimenta que, simbolicamente, inglês. O teatro da pintura Desabafo era inglês
significa pureza e candura. e, provavelmente, representa sua estrutura psi-
De modo geral, a pintura é bem estruturada cótica. Livrá-lo dos ingleses seria livrá-lo de seu
e organizada. Possui um assoalho detalhado, aprisionamento psicótico. Esta personificação
dando sustentação e base para a figura humana do arquétipo do herói e do mártir foi constelada
central. O assoalho tem flores como detalhe. Há como uma tentativa de resgatá-lo do turbilhão
também um vaso de flor vermelhas na mesa em de imagens ameaçadoras do inconsciente que
primeiro plano. As flores representam a presença assola quem tem uma estrutura psicótica.
do elemento feminino. O vermelho das pétalas é A figura de Joana D’Arc é um outro polo das
símbolo da paixão e expressa o sentimento do imagens do feminino surgidas nas pinturas de
participante por Joana D’Arc. O quadro ao fundo João. Enquanto havia em outras telas mulheres
em amarelo, remete ao teatro (Desabafo) e tem provenientes “da rua”, com vestes sedutoras,
também um sol, representação da consciência. aparência bravia e autoritária, nesta surge a he-
O pintor descreve que quis representar Joana roína em um aspecto de iluminação, proteção e
D’Arc descendo uma escada diretamente da sua pureza. A impressão é que esta imagem arquetí-
morada no céu, como uma figura imaculada, que pica representa um aspecto do Self e do arquéti-
chega ao seu encontro para salvá-lo e protegê-lo. po da criança divina, já que para João a imagem
Afirma que será feliz quando se casar com Joana de Joana D´Arc auxilia em sua organização e tem
e estiver longe da Terra, palco de seus sofrimen- um efeito de renovação em sua energia psíquica,
tos. A cor da escada é roxa, símbolo da espiritu- promovendo mais motivação e criatividade. Na
alidade, indicando que o contato do participante perspectiva junguiana, é por meio da constelação
com Joana é sagrado. Joana desce as escadas do do arquétipo da criança divina que há a possibili-
céu e se humaniza ao fazê-lo. Traz, assim, a pos- dade para a mudança futura na personalidade do
sibilidade do encontro entre masculino e femini- indivíduo, sendo a “criança” um símbolo que traz
no na terra, na vida real. a experiência do novo e funciona como um me-
Deste modo, Joana D’Arc assume o papel de diador, portador de cura, isto é, um reparador que
heroína na vida de João, assim como historica- traz maior integração (JUNG, 1976).
mente ela salvou e libertou a França do inimigo

Figura 4. O céu verde.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 69


Junguiana
v.39-1, p.59-74

O Céu Verde Considerações finais


Esta obra (Figura 4) foi pintada 14 anos após Um primeiro comentário que se propõe é o
o quadro “O casal e a marinha” (Figura 2) e é ní- de que o pintar foi, para o participante, o úni-
tida a semelhança entre as duas. João não teve a co meio terapêutico disponível, além da medi-
intenção de reeditar a antiga pintura e não tinha cação. Segundo João, “a pintura traz paz. Você
percebido a semelhança. Dessa vez ele diz que pinta e vê o que construiu e vai se alegrando”.
pintou uma mãe e um filho na praia, diferente- Percebe-se, através de sua fala e de sua parti-
mente do casal da pintura anterior. Há um barco cipação nas oficinas de pintura, o quanto essa
verde abandonado ao centro da imagem e ainda é atividade é valorizada por ele. E esse recurso
possível perceber a presença de um monstro ma- pode auxiliá-lo inclusive como meio de desen-
rinho submerso que também não foi notado pelo volvimento de sua autonomia e inserção social,
pintor, o que revela que houve uma manifestação já que João saía de sua casa para ir até o centro
pictórica arquetípica sem influência do ego. de convivência e lá se relacionava com outros in-
Uma pergunta que poderia ser feita é se, no- tegrantes de diversas oficinas.
vamente, a constelação do tema mítico do dra- A relação entre João e o pesquisador também
gão-baleia significaria um prenúncio de um novo merece destaque. Ao longo de 15 anos de conta-
to, um vínculo especial foi sendo estabelecido.
surto e alheamento da consciência. Entretanto,
Ele chegou a dizer que o pesquisador seria o seu
após visitas realizadas em sua casa, percebeu-se
marchand, já que este o incentivava nas oficinas e
que João não estava em um pré-surto, já que
realizou exposições de suas obras. Uma das expo-
estava pintando em casa e conseguindo seguir
sições foi realizada em conjunto com outros clien-
com sua vida. Apesar do risco, é notável que
tes do Museu de Imagens do Inconsciente quando
houve uma despotencialização na psique do au-
uma obra de João foi enviada para o Rio de Janeiro
tor dessa figura ameaçadora em relação à pintu-
e passou a fazer parte daquele museu. Todos es-
ra anterior com o mesmo motivo. Aqui o monstro
ses aspectos, com certeza, trouxeram a João a valo-
marinho não está prestes a devorar alguém.
rização de sua atividade artística expressiva.
Outro aspecto que chama atenção é a presen-
O pesquisador buscou pôr em prática os en-
ça de uma mãe com seu filho na praia. Segundo o
sinamentos que foram adquiridos durante seu
autor, ela está cuidando do garoto e o levou para
estágio no Museu de Imagens do Inconsciente,
passear. Percebe-se uma relação afetuosa e de como a empatia, a aceitação incondicional dos
maternagem, talvez significando recursos inter- conteúdos pintados por João e principalmente o
nos do sujeito exercendo o papel de autocuidado. estabelecimento de um vínculo afetivo. Foi muito
Essa pintura é das mais recentes da série significativo acompanhar o desenvolvimento de
completa e, neste sentido, observa-se uma João e perceber que houve uma diminuição de
transformação da dinâmica psíquica. Ele tem seus surtos psicóticos. Uma representação sim-
conseguido morar sozinho, vai às suas consul- bólica do seu fortalecimento foi a conquista da
tas médicas, faz sua comida e conseguiu cons- casa de alvenaria que ele conseguiu construir e
truir uma casa de alvenaria com o seu dinhei- melhorar sua qualidade de vida, diferentemente
ro, diferentemente de quando o pesquisador o do casebre precário com goteiras encontrado na
conheceu. Ele vivia em uma moradia precária, primeira visita à sua moradia.
com goteiras, sem porta, uma espécie de bar- Focalizando as reflexões referentes às ima-
raco. Assim, pode-se pensar o quanto João está gens pintadas por João, na tentativa de clarifica-
mais organizado e não tão “engolido” por forças ção da sua psicodinâmica a partir do simbolis-
do inconsciente que seriam representadas pelo mo presente na sua produção plástica, podemos
monstro marinho. destacar alguns pontos.

70 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

Diante da observação dos conteúdos pictó- lhedora; já o outro é personificado na figura de


ricos e em conjunto com a escuta biográfica do Joana D’Arc, com características de pureza e pro-
autor, percebeu-se uma regressão profunda de teção, relacionado a aspectos positivos de sua
sua libido, através da invasão do inconsciente, anima. Neste sentido, percebe-se que o pintar
em que o ego frágil sucumbiu diante de forças se configura como um lugar para dar forma aos
ameaçadoras representadas pelo tema mítico do seus dramas internos, na tentativa de retirar con-
dragão-baleia. No momento em que João pintou teúdos ameaçadores de sua psique, despoten-
a tela “O Casal e a Marinha”, ele estava passan- cializando-os (SILVEIRA, 1992).
do por um período de instabilidade emocional A figura de Joana D’Arc também possui um ca-
que culminou com um surto psicótico aproxima- ráter arquetípico e, de acordo com sua importân-
damente um ano depois e resultou em mais uma cia dada pelo participante e pelo seu simbolismo,
internação com duração de um mês. considera-se essa imagem como um potencial
O tema central do desencontro e da desilusão regulador e organizador na psique do participan-
amorosa foi um dos fatores que contribuiu para te. Assim, mesmo que o indivíduo esteja em sofri-
o seu adoecimento, e percebeu-se uma correla- mento psíquico, ao pintar ele pode acessar forças
ção com alguns clientes do Museu de Imagens do curativas internas e autorreguladoras.
Inconsciente tão bem acompanhados pela Dra. Por fim, parece-nos particularmente interes-
Nise, que também adoeceram por amor, como é sante um paralelo com o momento atual: o tema
o caso de Adelina Gomes e Isaac Liberato, que mítico do dragão-baleia, que foi constelado nas
foram impossibilitados de viverem suas paixões pinturas, pode refletir também aspectos coleti-
e conseguiram retratar essas angústias em suas vos que a humanidade está vivenciando com a
obras. Segundo Lopez-Pedraza (2010), apaixonar- pandemia do coronavírus, em que todos foram
-se por outra pessoa pode também causar uma atravessados por essa crise, como se a própria
enfermidade, um páthos, que aos poucos será humanidade fosse engolida direto para o ventre
integrado ao longo da relação. Neste sentido, escuro do monstro marinho. ■
Eros agiria, nas palavras de Hillman (1984), como
“sintetizador, aglutinador e intermediário que re- Recebido em: 22/03/2021 Revisão em 16/06/2021
concilia dois domínios; forma símbolos” (p. 80).
Entretanto, tais aspectos podem ficar prejudica-
dos nos estados psicóticos devido a um ego fra-
gilizado por um sofrimento do amor impossível.
Assim como na música “A deusa da minha
rua”, cantada por Nelson Gonçalves4, que narra
uma impossibilidade de relacionamento entre
duas pessoas no verso que diz “ela é tão rica, eu
tão pobre, eu sou plebeu, ela é nobre, não vale a
pena sonhar”, João também afirmou como causa
do seu desencontro amoroso o fato de ser pobre
e sua amada rica.
Sobre o elemento feminino na produção do
pintor, surgiu a presença de dois tipos de mu-
lheres, um é o de autoritária, arredia e não aco-

4
Disponível em: https://www.letras.mus.br/nelson-goncal-
ves/47649/ . Acesso em: 15 de mar. 2021.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 71


Junguiana
v.39-1, p.59-74

Abstract
Paintings of a psychiatric patient: the countless states of being
Art is a form of communication and symbolic participative observation in the studio. To assist
expression and an instrument for understanding in the analysis of the paintings, an interview was
the human being. The aim of this article is to an- conducted with the participant, focusing on his life
alyze the visual media production of a psychiatric story and comments regarding the art he produced.
patient, seeking to understand the material as an Through painting, it was noticed that there was a
expression of his psychic dynamics. A case study de-potentialization of threatening content from the
was carried out with a visitor of a community center client’s psyche. It can also be observed that paint-
in a psychiatric hospital in the state of São Paulo. ing provided an expressive space for the participant
Some works of art were chosen for the study after to deal with fantasies of his internal world. ■

Keywords: art, panting, psychic dynamics, de-potentialization.

Resumen
Pinturas de un paciente psiquiátrico: los innumerables estados del ser
El arte es una forma de comunicación y ex- observación participante en el estudio. Para ayu-
presión simbólica y un instrumento para la com- dar en el análisis de las pinturas, se realizó una
prensión del ser humano. El objetivo de este entrevista con el participante, enfocándose en su
artículo es analizar la producción plástica de un historia de vida y comentarios sobre los lienzos.
paciente psiquiátrico, buscando entender este Se notó que a través de la pintura había una pér-
material como expresión de su dinámica psíqui- dida de potencial del contenido amenazante de
ca. Se realizó un estudio de caso con un visitan- la psique del cliente. También se puede observar
te de un centro comunitario en un hospital psi- que la pintura brindó un espacio expresivo para
quiátrico del interior de São Paulo. Se eligieron que el participante afrontara fantasías de su
algunas pantallas para el estudio después de la mundo interno. ■

Palabras clave: arte, pintura, dinámica psíquica, despotencialización.

72 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.59-74

REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. Manicômio e loucura no final do século e HIRSZMAN, L. (Dir.). Imagens do inconsciente. Rio de
do milênio. In: FERNANDES, M. I. A. (Org.). Fim de século: Janeiro, RJ: Embrafilme, 1986. (Canal do YouTube Vic-
ainda manicômios? São Paulo, SP: Cabral, 1999. p. 47-56. tor Farjado). Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=9-uN1lsWFjM&t=68s>. Acesso em:
BASTOS, J. F. Cícero Dias/Ismael Nery: a poética do surreal. 22 mar. 2021.
1993. Tese (Doutorado em Artes Plásticas) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São ______. Chegando ao inconsciente. In: JUNG, C. G. (Org.).
Paulo, SP, 1993. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Frontei-
ra, 1964. p. 18-103.
CALDANA, R. H. L. Ser criança no início do século: alguns
retratos e suas lições. 1998. Dissertação (Mestrado em ______. Energia psíquica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.
Psicologia) – Centro de Educação e Ciências Humanas,
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 1998. ______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 1976.
CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo, SP: Cultrix, 1988.
LOPEZ-PEDRAZA, R. Sobre eros e psiquê. Petrópolis, RJ:
FURTH, G. M. O mundo secreto dos desenhos: uma Vozes, 2010.
abordagem junguiana da cura pela arte. São Paulo, SP:
Paulus, 2004. SILVEIRA, N. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ:
Alhambra, 1982.
HILLMAN, J. O mito da análise. Rio de Janeiro, RJ: Paz e
Terra, 1984. ______. Mundo das imagens. São Paulo, SP: Ática, 1992.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 73


74 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.75-90

Paintings of a psychiatric patient:


the Uncountable States of Being

Sergio Luiz Alécio Filho*


Regina Helena Lima Caldana**

Abstract Keywords
Art is a form of communication and symbolic focusing on his life story and comments regard- art, panting,
expression and an instrument for understanding ing the art he produced. Through painting, it was psychic dynamics,
the human being. The objective of this article is to noticed that there was a depotentialization of de-potentialization.
analyze the visual media production of a psychi- threatening content from the patient’s psyche.
atric patient, seeking to understand the material It can also be observed that painting provided an
as an expression of his psychic dynamics. A case expressive space for the participant to deal with
study was carried out with a visitor of a commu- fantasies of his internal world. ■
nity center in a psychiatric hospital in the state
of São Paulo. Some works of art were chosen for
the study after participative observation in the
studio. To assist in the analysis of the paintings,
an interview was conducted with the participant,

* Graduated psychologist from the University of São Paulo


(FFCLRP/USP), analyst candidate to the Institute of Analytical
Psychology of Campinas (IPAC), connected to the Jungian
Association of Brazil (AJB) and to the C.G. Jung International
Association for Analytical Psychology (IAAP). Former intern at
the Museum of Images of the Unconscious of Rio de Janeiro.
email: <sergio_aleciofilho@yahoo.com.br>
** Graduated psychologist from the University of São Paulo
(FFCLRP/USP), master and doctor in Education from the Fed-
eral University of São Carlos (UFSCar), professor at the De-
partment of Psychology at the Faculty of Philosophy, Scienc-
es and Languages, University of São Paulo at Ribeirão Preto
(FFCLRP/USP).
email: <rhlcalda@ffclrp.usp.br>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 75


Junguiana
v.39-1, p.75-90

Paintings of a psychiatric patient: the Uncountable States of Being

Introduction of the human being: “Psychiatrists, instead of


trying to understand the psychological dimen-
We can say: the painting as a method sions of mental illness, focus their efforts on
of research, the painting as a method of finding organic causes for all mental disor-
treatment (Nise da Silveira)1 ders” (p. 123).
Thus, patients were labeled and hospital-
Art is a form of communication and symbolic ized without searching for causes that led them
expression and an important instrument for the to develop their condition, such as affective,
understanding of human beings, of their con- family-related and economic problems, which
flicts and their potentials. are interpersonal and socio-cultural factors
Free expression, through drawing, painting involved in the disorder’s development. In ad-
and modeling, in the field of Psychiatry and Psy- dition, the disease was treated as a symptom
chology, has become of scientific interest, due and not as a possible revelation of meaning in
to, among other reasons, its potential as a less the person’s life trajectory, which Jung, partic-
difficult means of access to the psychiatric pa- ularly, demonstrated clearly when referring to
tient’s internal world (SILVEIRA, 1982). psychotic conditions.
Currently, expressive resources are used This notion gradually changed, and in Brazil,
therapeutically in psychiatric centers. In the re- mainly by the end of the 20th century, with the
cent past, Classical Psychiatry has had little in- anti-asylum movement, it gained new strength.
terest in the wealth of the inner world of patients This movement proposes a humanized, effective
with mental disorders. The treatment incorpo- treatment and preferably the absence of full hos-
rated violent methods, such as electroshock as pitalization, due to the loss of autonomy and cit-
a punishment, which increasingly affected the izenship rights that happens during the process.
patient’s self-image, worsened the disorder and However, hospitalization is recommended in
harmed their creativity. An excess of psycho- cases of absolute necessity and with the consent
tropic drugs was also used, which left patients of the patient and their family. The main motto
emotionally numb with a subsequent reduction of the anti-asylum struggle is to treat and not to
in creative capacity. socially exclude the individual, always seeking
Classical Psychiatry’s view was centered possibilities of resocialization.
only on the disease of individuals and con- Psychiatrist Paulo Amarante (1999) affirms
sidered organic causes as the source of any that the goal of the psychiatric reform “... is not
dysfunction of the organism. That approach only the humanization of relationships between
began to be criticized as being reductionist, as subjects, society and institutions... the objec-
it leaves aside emotional factors that could be tive that we seek is to build a new social place
involved in mental disorders. This conception for madness, for difference, diversity, diver-
is well defined in the following statement by gence” (p. 49). According to Bastos (1993), this
Capra (1998), who defends an integrated view new social place can be found if madness were
to be socially re-signified and seen from other
angles. In this sense, it is important to consid-
1
Phrase said by Nise da Silveira in the documentary trilogy Ima-
gens do Inconsciente (HIRSZMAN, 1986). er that in the world of the so-called “crazy”,

76 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

imagination prevails and its spirit flows in the productions have been preserved. It also has
midst of contradictions and inconsistencies, the world’s largest collection of works by psy-
which only appear as such to the common man. chiatric patients.
Thus, the knowledge about madness tends to Unlike traditional psychiatric practice, Nise
expand through the study of these ramblings, saw clients as developing beings and criticized
since hallucinations and illusions are symbol- the denominations assigned to schizophrenics,
ically rich materials that can be used, creating such as emotional bluntness, which can still
possibilities of expansion for the human psyche be found in psychiatric textbooks today. She
(BASTOS, 1993). even refused to use the word ‘patient’ to refer to
In contrast to the Classical Psychiatry, the people committed to the hospital and preferred
therapeutic method developed by Dr. Nise da the term ‘clients’, in order to avoid conveying
Silveira (Maceió, 15th of February, 1905 – Rio the meaning of ‘passivity’. Empirically, she ob-
de Janeiro, 30th of October, 1999), a psychiatry served in the painting studios that schizophren-
from Alagoas and pioneer on the ideas of Jung ics showed affection in the proposed activities
in Brazil, which used painting, drawing, collage, and in the relationships with the workshop
modeling, music and, craft work, proves to be an monitors. She realized that it is at the affective
extremely useful alternative, with possibilities level that the individual’s transformation can
tuned to the psychiatric reform proposals. occur; she resorted to a chemistry term, saying
Paul Klee, contemporary painter, states that that “affection is a catalyst for human develop-
“painting allows the invisible to become vis- ment”. During her practice, she referred to her
ible” (KLEE apud SILVEIRA, 1982, p.39). This working method as “the emotion of dealing”,
phrase refers to the presence of the uncon- and preferred to replace the name “schizophre-
scious in artwork, which is of importance to re- nia” for “countless states of being”. Nise stated
searchers and therapists who, in the analysis of that “the best medicine is human contact, affec-
paintings, can observe the presented contents tion in relationships; what cures is joy, the lack
of the unconscious, which reveals the state of of prejudice” (SILVEIRA, 1992).
the psyche and the functioning of the psychic According to Nise Silveira (1992), “art will re-
dynamics of those who paint. In addition, one move things from this disturbing whirlwind” of
must be aware of social factors and intercon- the patient’s psyche. This whirlwind expresses,
nected intrapsychic phenomena, context build- in various art forms, fragments of the disorder-
ers of patients’ experiences and made visible ly-living drama, thus giving shape to emotions
through painted images. and de-potentializing threatening and torment-
Nise da Silveira worked towards free expres- ing figures. Through this process of abstraction,
sion as a means of instrumentalizing human de- the human being seeks a point of tranquility and
velopment. Through her practice with psychiat- refuge (SILVEIRA, 1982).
ric patients, she saw an improvement in general Nise, as a pioneer of Analytical Psychology
condition, including in her clients interpersonal in Brazil, followed Jung’s guidelines and be-
relationships (SILVEIRA, 1992). She was one of gan to observe in the works of her clients not
the pioneers to develop the use of methods of only contents of personal history, filled with
expressive resources for therapeutic functions density, desires, disappointments and hopes,
in Brazil, in her activities at the psychiatric but also mythologies concerning the collective
hospital D. Pedro I, in Engenho de Dentro. She unconscious. She identified the presence of
founded the Casa das Palmeiras and the Museu mythical themes and a collective substratum
de Imagens do Inconsciente (Museum of Images common to all men, which, in Jung’s words, is
of the Unconscious), where the clients’ artistic the result of

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 77


Junguiana
v.39-1, p.75-90

frequent reversion, in schizophrenia, to tioned aspects were able to assist in clarification


archaic forms of representation, which of the client’s psychic dynamics.
made me first think of the existence of This qualitative research paper was fund-
an unconscious not only constituted by ed by the Foundation of Aid to Research of the
elements originally conscious, that had State of São Paulo (Fapesp) and consisted in the
been lost, but possessing a deeper layer, analysis of paintings made by a frequent visitor
of universal character, structured by con- to workshops held by a Community Center of a
tents such as mythological motives of the psychiatric hospital in the state of São Paulo.
imagination of all men (JUNG apud SILVEI- The procedure included an initial phase
RA, 1982 p. 97). of participative observation of the workshops
held at the Community Center, from which the
Jung considered that delusions, hallucina- research’s participant was selected, according
tions, neologisms and gestures in schizophrenia to his attendance and availability. The observa-
are not meaningless. Intense affective charges tions were recorded in a field diary and the initial
linked to drives of the unconscious would dis- research lasted three years. However, other spo-
rupt the ego, taking possession of the conscious radic encounters and visits to João’s house were
(JUNG, 1964). In this sense, one can see the con- held in order to follow up on the production of
trast between Jung’s ideas and those of Tradi- new pieces of art for the next fifteen years.
tional Psychiatry. As a source of complementary data, a series
Therefore, according to his point of view, the of interviews were held with the participant: the
paintings of psychiatric patients are shown as initial interview followed a model called the The-
tools for therapeutic, scientific and also aesthet- matic History of Life (CALDANA, 1998), according
ic purposes, as these individuals show them- to which, at first, the interviewee is asked to free-
selves as potential artists. In addition, their ex- ly tell their life story; a second stage interview
pressive and creative activities, in the same way then investigates specific issues of interest to
that they show the functioning of the patient’s the researcher through semi-structured topics,
psychic dynamics, may also open new perspec- which included requests to describe and com-
tives of social acceptance. ment upon the works of art.
Regarding clients who paint in psychiatric Throughout the development of the research,
hospitals, Jung formulated an idea that is an in- both in the participative observation phase at
vitation to reflect on the patient with the mental the Community Center as well as during the in-
disorder when he says that it does not matter terviews, when the client spoke about the paint-
that its authors live in a psychiatric institution, ings, the relationship established between the
because being immersed in the depth of the un- researcher and the participant was a focal point.
conscious, in the portion of collective psyche, In order to maintain a welcoming posture, un-
they also participate, even if unconsciously, in conditional acceptance and the non-judgment
the psychic life of all human beings (JUNG, 1964). of productions, the teachings of Dr. Nise da Sil-
veira were followed. No aesthetic evaluation was
Objective and research method made and no psychological interpretation was
The objective of this work was to analyze, in transmitted to the author, as learned during an
the visual media production of a psychiatric pa- internship at the Museum Images of the Uncon-
tient, the manifestation of aspects of his person- scious, which helped in the development of this
ality through personal and/or universal themes, research paper.
shared by all men, such as myths and archetypes The analysis of the artwork can be carried out
of the collective unconscious. The aforemen- through the study of a series of images. Paintings

78 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

made by the same author, if examined sequen- prematurely when his mother was seven months
tially, reveal the repetition of motifs and the ex- pregnant, “inside a ball, a sphere, which was not
istence of a continuity in the flow of images of the placenta”, that gave him “superior intelli-
the unconscious (SILVEIRA, 1992), as do dreams. gence to others and was a warrant of God” [sic].
Particularly in schizophrenia, there is the emer- Of humble origin, João considers that his
gence of archaic contents, which, according to childhood was good and describes himself as
Erich Fromm, translate a language that is not extroverted and cheerful: he played with friends,
dead, but “possessed of their own grammar and pulled pranks at school and “messed” with
syntax” (FROMM apud SILVEIRA, 1992, p. 94). the girls.
The participant painted more than fifty works According to the participant, he repeated the
throughout his life, both at the hospital and at first grade three times “because he was very mis-
home. For this study, 4 works were selected in chievous”; the teacher failed him “despite hav-
chronological order of their production: 1) De- ing the grades to pass.” Intelligence is constantly
sabafo (Outburst); 2) O casal e a marinha (The referenced: he was always seen as intelligent by
couple and the navy); 3) Joana D’Arc (Joan of Arc) teachers (especially by the art teacher who con-
and; 4) O céu verde (The Green Sky). The first two sidered him creative, an artist); and to family and
were painted at the workshop of the hospital’s friends, his work indicated his intelligence. João
Community Center mid-2003; and the latter João said that he made paintings and sculptures that
painted at home, Joan of Arc in 2003 and The were admired by teachers and family, including
Green Sky in 2017. These paintings were chosen the school principal, who had one of his sculp-
because they presented a greater representation tures in her office.
of symbolic and archetypical contents. João said that, as an adolescent, his romantic
The analysis of the paintings focused on relationships were solely platonic and idealized.
their symbolic aspect. Thus, the investigation He began his sex life with a prostitute and, ac-
searched for meanings and the significance of cording to him, only had relations with “ladies of
the symbols present on the canvases. Follow- the night”.
ing in the steps of Nise da Silveira, by analyzing He began working at 17 as an administrative
the works through a series of images produced assistant in a general hospital and remained in
by the participant, the research sought to iden- the job until he was 24, when he had his first psy-
tify the repetition of motifs and the existence of chotic outbreak; due to his psychiatric disorder,
a continuity in the flow of images of the uncon- he was retired by disability. He shows in his med-
scious (SILVEIRA, 1992). ical record the diagnosis of paranoid schizophre-
The qualitative analysis of the interview and nia, with delusions of religion and of greatness,
the observations aimed to identify the elements as well as auditory hallucinations.
that assisted in the pursuit of meaning of the It is interesting to note that the first outbreak
symbolic universe expressed in the paintings, occurred shortly after two important events in
considering that the recognition of the conflicts João’s life: a case of heartbreak and a case of
faced throughout the client’s life history would sexual abuse. The first happened at work, where
be important to the analysis of his expressions. he reports that he was in love with his boss and
supervisor who did not correspond to his roman-
The author of the paintings tic attempts. Despite the flirtation, the relation-
João (fictional name), single, is 58 years old ship “did not work because she was older and
and is from the state of São Paulo. Born to a richer” than him, “and was the head of the work-
housewife and a construction worker, he is the place.” He became very sad about this situation
youngest of children. He reports that he was born and “slept little and felt a void in his head.”

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 79


Junguiana
v.39-1, p.75-90

Disillusioned, João had relations only with go to alone (he does not need his brother to go
prostitutes and reports that on one occasion he along with him) and, for him, painting is “a hav-
was sexually abused by a transvestite when he en, a rest, a leisure, an occupation” and even a
imagined he was being intimate with a woman. source of small income. Currently, he has been
This fact left João confused about his sexuality painted more frequently at home.
and emotionally shaken. Since then, the hospi- In the conversations with João, two themes
talizations have been frequent; the participant were of great note. The first revolves around the
states that he has been hospitalized more than figure of Joan of Arc, indicating a peculiar rela-
ten times. tionship with her. He painted Joan of Arc on a
During this period of suffering from heart- canvas he made himself and kept it at home, on
break and abuse, he attempted suicide by poi- an easel in front of his bed, denoting its impor-
soning and self-harmed his chest with scissors: tance to him.
he wanted to “stab them into the heart.” On that He stated that he fell in love with Joana af-
occasion he was hospitalized for about a month ter watching a movie and realized that their life
at the psychiatric hospital. stories are similar. He says that the two were
At age 38, João went through another psychi- raped and heard voices of God. From then on,
atric outbreak when he had persecutory thoughts João nurtured a platonic and idealized passion
about his father wanting to rape him, and about for Joan of Arc. She was the great love of his life
his father being possessed by the devil and and would be in heaven waiting for him; after
wanting to poison his food. During this episode, his death he intends to marry her and will ask
João spent around twenty days without proper God for her hand.
food intake. The participant says she is a saint, a maid-
Regarding his mother, the participant stated en; he says he can talk to her and get messages
that she was a very good person, the reincarna- from her in his mind, by telepathy. In addition,
tion of Our Lady of Fatima on Earth. she protects him, such as during an episode in
At age 40, João was again hospitalized which he broke his nose in a fight and went to
due to an outburst of aggression in which he the hospital: João did not receive care at the hos-
tried to stab his brother - his caregiver and pital, but after spending the night at his house,
legal guardian - having confused him with a he awoke with his nose healed, saying: “I’m sure
man who was invading the house. During this it was her who healed it.”
time, João held the belief that he was God and In the interviews, João constantly com-
that he would save the world. During the peri- mented about one of his feats, some grand
od of hospitalization, he stated that he was a invention or an exceptional power. In doing
woman and that God wanted him like that; he so, he always returned to the theme of his in-
became withdrawn and eventually assaulted telligence: all his inventions occurred through
another patient saying he was assaulting God. his very bright mind, which received telepathic
The participant was released a month after his messages from God.
entrance to the hospital. His inventions would include: flying saucers,
His arrival at the Community Center of the “faster than the speed of light,” with a recipe in-
psychiatric hospital occurred during one of his volving plastic, rubber, wood and electricity; a re-
hospitalizations: the doctor discovered his rela- juvenating machine, which had the goal of making
tionship with the arts, especially painting, and him re-age to age 11 to be able to marry Joana d’Arc
sent him there. João is mainly dedicated to the at 8 years old; a machine that makes transgenic
painting workshops. It is important to note that foods; and another that transforms black peo-
this is the only place where João is allowed to ple into white people. In addition, he states that

80 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

through his mental power he manages to make an was feeling and “needed to get off his chest by
income distribution through the television. painting people”. In this sense, one can under-
stand that the figure represented visually from
Analysis of the paintings the chest upwards, in the foreground, is a rep-
resentation of the painter himself and the back-
If there is a high degree of shrinkage of the ground can represent what is happening in the
consciousness, often only the hands are author’s intrapsychic world.
capable of fantasy (C. G. Jung)2. The background, according to João, is a the-
ater in England, where Shakespeare’s play “Ro-
In general, the paintings are done in strong, vivid meo and Juliet” is performed. The people in front
and colorful tones. The participant himself classifies have just watched the play; all of them went
his work as belonging to the impressionist style; alone and there were no couples.
self-taught, he learned to paint and draw through The theater, along with the title Outburst (De-
books about Monet, Renoir and Van Gogh. These sabafo), can be associated with the phenome-
characteristics also mark the four selected paint- non of catharsis, expressed since Greek theater.
ings (Desabafo, O casal e a marinha, Joana D’Arc According to the description of the painting and
and O céu verde), which will be analyzed below. the rest of the images presented, it is necessary
to think about what the feminine and masculine
1. Desabafo (Outburst) aspects mean to the participant-- more specifi-
According to the participant, this work was cally, the relationship between man and woman
themed after an outburst of an anguish that he and the obstacles for this meeting to occur.

Figure 1. Desabafo (Outburst).

2
Available on: http://www.ccms.saude.gov.br/nisedasilveira/en-
contro-com-jung.php. Accessed on: march 21, 2021.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 81


Junguiana
v.39-1, p.75-90

The work highlights female figures, as they the “obstacles” that may exist for the encoun-
are in greater number and more detailed. There ter of the represented images. In this painting,
are two men, one with no visible arms and the there is a man with an outstretched hand in the
other with an outstretched hand, as if waiting left corner and a woman offering a hat in the
for something. The first, without arms, can rep- right part of the canvas. Between them, there
resent the difficulty to get in touch with others; is a certain distance and some other previously
passivity; and the impossibility of action and mentioned figures that may be preventing the
of carrying out tasks. The second man is ex- encounter of the masculine with the feminine.
pressed in a smaller size, which may indicate a Parallel to the play “Romeo and Juliet” in which
weakness in relation to women, who are larger the two families are obstacles, in this painting
and portrayed in more detail. In addition to this, the “obstacles” would be the figure of an angry
one can think of a rejected man, due to his out- woman and the lack of resources for contact
stretched waiting hand; the woman in green in and action on the man’s part, expressed by
front of him has her back turned, not answering the absence of apparent arms. It is worth re-
to his gesture. membering that the participant has already at-
Among the women, the presence of a bru-
tempted suicide by poison after suffering from
nette, a blonde and a redhead stands out, a re-
heartbreak, which is precisely the outcome of
curring motif in João’s paintings. In this work, of
Shakespeare’s play.
the three female images, the focal point is the
In this sense, the representation of the male
central brunette figure, in a purple dress, holding
figure is seen through a passive and fragile light.
a hand fan and bearing an angry expression. This
The female figure is viewed as the negative as-
image can represent the primitive, dark aspects
pect of the participant’s anima, through an au-
of an aggressive and violent femininity, which in-
thoritarian, aloof and unfriendly image.
volve a welcoming sense, with a challenging and
Making a parallel with João’s life story, he
authoritarian attitude that can pose a threat to
would relate to the “armless” man who was
the participant.
unable to meet a woman: there were no actu-
There is also a blonde woman in a long green
al meetings in his relationships, because the
dress, holding a purse, who, as previously stat-
women, according to him, either did not corre-
ed, has her back turned to a man who expects
contact with an outstretched hand: this is the spond to his love or betrayed him. An example
feminine aspect that rejects and does not wel- of this is a former boss who João was passion-
come the masculine. ate about, whom he viewed in an idealized,
Another female figure appears to be arriving platonic way and with whom he did not feel
from the right with her arm extended (as opposed able to relate to, because she was rich and
to the man on the other side of the image), as a he was “only a poor employee”. Finally, it is
gesture of potential acceptance or even the pos- clear how current this theme is for the painter
sibility of an encounter between them. in the following sentence: “The theater is old,
The last female figure is the redhead, who ap- but the people are not, they’re from our time”
pears represented as a teenager, with a bow on [sic]. The allusion to the age of the theater can
her head, a skirt at knee-level and a shawl cov- refer to the psychological structures of João, in
ering her torso and arms. One can think of this the sense that the architectural representation
figure as a passive and unwelcoming aspect of may be a parallel to his personality’s structure;
femininity, as she has no apparent arms. while the people from this age, as they are hu-
According to Furth (2004), during the analy- man figures, may be related to his complexes of
sis of a visual production, one must be aware of affective tones.

82 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

2. O casal e a marinha (The couple and clear that his location and sense of support are
the navy) not satisfactory, conveying a “crooked” feel.
This work is organized in perspective, in Symbolically, one can think of this as a lack of
which a couple appears in the foreground while psychic support or egoic structure.
boats, a fisherman and buildings were painted in The yellow presented in the theater of Desa-
the background. The details of this painting ap- bafo (Outburst) is also here in deformed stains in
pear mainly in the couple’s clothing, through the the water, denoting the same unconscious struc-
hats, the suit and the long dress. ture, only more diluted. The black-haired woman
João claimed that he created this painting be- resembles the brunette with the hat held out of
cause he is very fond of the sea. Prominently in the previous painting. Now the meeting is al-
the left corner, he painted a couple that went for ready taking place and there is correspondence
a walk on the beach. Again, the theme of mas- between the two, even if rudimentary, but no re-
culine and feminine is in the spotlight, this time jection.
appearing through the couple, as the meeting ac- Another interesting aspect is the shape of
tually takes place. the sea: depending on the viewing angle of the
This image of the couple walking on the painting, one can spot a resemblance to a big
beach’s sands conveys an idea of fulfillment of fish with fins (the boats) emerging from the wa-
the participant’s wish and fantasy. As if this cou- ter. The curve of the water in the sand makes a
ple – who is in France, according to João – was shape similar to a mouth that is about to swallow
the personification of him and Joan of Arc. the fisherman. The black dot, a distant boat, can
Regarding the representation of the feminine represent the eye of the big fish and a red sail
and masculine, it is noticeable that the base of from a boat resembles a tongue.
the two – their feet – do not appear. The man’s The unconscious representation of a large
feet appear to be hidden in the sand and the sea fish about to catch a fisherman symboliz-
woman’s are concealed by the dress. In this es the invasion of the unconscious threatening
sense, especially in relation to the woman, it is the conscious ego. Here there is a parallel to

Figure 2. O casal e a marinha (The couple and the navy).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 83


Junguiana
v.39-1, p.75-90

the mythical theme of the whale-dragon, which


Dr. Nise da Silveira also observed in the client
Olívio Fidélis, who made a canvas with the same
motif (SILVEIRA, 1982). According to her, in mo-
ments when the subject is impacted by intense
affections, the unconscious activates archetypal
forces that can swallow the ego, constellating
ravenous monsters that threaten the individual
(SILVEIRA, 1992).
Regarding this, Jung in his book “The psy-
chic energy” (JUNG, 1987) explores the theme
of the whale-dragon which, according to him,
portrays the principle of libido progression and
regression. If the hero is in the belly of the sea
monster, this portrays the individual’s alien-
ation from the outside world, a regressive move-
ment of his libido. A parallel can be made with
João’s psychotic episodes, when his delusions
and hallucinations become more evident and
his ego is split from reality.
However, Jung reports that this night
Figure 3. Joana D’Arc (Joan of Arc).
sea-crossing can also signify a dive into the in-
ner world of the psyche. The act of dominating
the monster from within can represent an effort figure of Joan of Arc, the affection he has for this
by the individual to adapt to his inner world image is noticeable.
(JUNG, 1987). The challenge is to make this dive João states that Joan of Arc is his great love
with some diver’s equipment, as suggested by and that, as soon as he dies, he will ask for her
Nise, so that the subject is not swallowed by hand to God and marry her. He even painted
the unconscious. the face of his beloved on his pants as a way of
showing his love.
3. Joana D’Arc (Joan of Arc) In the painting, the participant says that he
This artwork is recognized by the partici- painted an aura around young Joan’s head to in-
pant as his favorite and most important one. dicate its elevation and illumination. This sense
This painting was kept on an easel at the foot of enlightenment is also expressed in the white
of João’s bed, who said that it was placed there color of her clothing, which symbolically means
to protect him. The work is very significant be- purity and candor.
cause it was the artist himself who made the In general, the painting is well-structured
canvas by nailing a bed sheet to a wooden and organized. It has a detailed floor, providing
frame and spreading several coats of glue until support and a base for the central human figure.
it reached a texture close to that of white tarp, Detailing the floor are flowers, and there is also
then painted the image3. When João talks about a red flower vase on the table in the foreground.
this composition, especially in relation to the The flowers represent the presence of the femi-
nine element. The red of the petals is a symbol of
passion and expresses the participant’s feeling
3
Unfortunately, the canvas became rotten, having grown
moldy after being hit by rainwater. for Joan of Arc. The picture in the background, in

84 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

yellow, refers to the theater in Desabafo and also ings. While in other works there were ladies of
bears a sun, representing the conscious state. “the night”, with seductive garments, angry and
The painter describes that he wanted to rep- authoritarian appearances, in this one the hero-
resent Joan of Arc descending a stairway directly ine appears in an aura of illumination, protection
from her home in the sky, as an immaculate fig- and purity. The impression is that this archetypal
ure who comes to meet, save and protect him. image represents an aspect of the Self and the
He states that he will be happy when he marries archetype of the divine child, as to João, the im-
Joan and is far from Earth, the place of his suf- age of Joan of Arc helps in his organization and
fering. The color of the stairs is purple, a symbol has an effect of the renewal of his psychic en-
of spirituality, indicating that the participant’s ergy, promoting more motivation and creativity.
contact with Joan is sacred. Joan goes down the From the Jungian perspective, it is through the
stairs of heaven and humanizes herself in doing archetypical constellation of the divine child that
so. This opens the possibility of an encounter be- there is a possibility to the future change in the
tween male and female on Earth, in real life. individual’s personality, as the ‘child’ is a sym-
In this way, Joan of Arc assumes the role of bol for the experience of the new and works as
heroine in João’s life, just as she historically a mediator, a cure carrier, i.e., a fixer that brings
saved and liberated France from the English. The more integration (JUNG, 1976).
theater of the painting Desabafo was English,
and probably represents João’s psychotic struc- 4. O céu verde (The green sky)
ture. To become free from the English would be This work was painted fourteen years after
to become free from his psychotic imprisonment. the image O casal e a marinha and the similarity
This personification of the archetype of the hero between the two is clear. João had no intention
and the martyr was constellated as an attempt to of re-editing the old painting and had not noticed
rescue him from the whirlwind of threatening im- the resemblance. This time, he says he painted a
ages of the unconscious that plagues those who mother and son on the beach, differing from the
have a psychotic structure. couple in the previous painting. There is a green
The figure of Joan of Arc is another pole of boat abandoned in the center of the image. One
feminine images that appeared in João’s paint- can also note the presence of a submerged sea

Figure 4. O céu verde (The green sky).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 85


Junguiana
v.39-1, p.75-90

monster that was not noticed by the painter, can also help him as a way of developing his au-
which reveals that there was an archetypal pic- tonomy and social insertion, since João left home
torial manifestation without influence of the ego. to go to the Community Center and interacted
One question that could be asked is whether there with other members of several workshops.
or not the constellation of the mythical theme of The relationship between João and the re-
the whale-dragon once again could be a harbin- searcher also deserves to be highlighted. During
ger of a new outbreak and alienation of the con- these fifteen years of contact, a link was es-
scious. However, after visits to his home, it was tablished between the researcher and the par-
noted that João was not in a pre-outbreak state, ticipant. João went so far as to say that the re-
since he was painting at home and managing to searcher would be his “marchand”, since the
get on with his life. Despite the risk, there was researcher encouraged him in the workshops
noticeable de-potentialization in the psyche of and held exhibitions of his works. One of the ex-
the author of this threatening figure in relation to hibitions was held collectively with other clients
the previous painting with the same motif. Here, of the Museum Images of the Unconscious and a
the sea monster is not about to devour anyone. work by João was even sent to Rio de Janeiro and
Another aspect that draws one’s attention is is now a part of the museum. All these aspects,
the presence of a mother with her child on the certainly, brought value to João’s expressive ar-
beach. According to the author, she is taking care tistic activity.
of the boy and took him for a walk. An affection- The researcher tried to put into practice the
ate and maternal relationship can be perceived, learning he acquired during his internship at the
perhaps a sign of the subject’s internal resources Museum of Images of the Unconscious of Rio de
exercising the role of self-care. Janeiro, such as empathy, unconditional accep-
This painting is one of the most recent in the tance of the themes painted by João and, espe-
series and, in this sense, there is an observable cially, the establishment of an affective bond. It
transformation of the psychic dynamic. He has was significant to follow the development of João
managed to live alone, to go to his doctor’s ap- and to note that there was a decrease on the
pointments by himself, to prepare his meals number of psychotic episodes. A symbolic rep-
and build a brick house with his money; a differ- resentation was the accomplishment of having a
ent situation from the time the researcher met brick house, which he managed to build to im-
him. When the researcher first met him, he lived prove his quality of life, in contrast to the leaking
in a precarious house with leaks and no door, shack where he used to live during the first visit.
a kind of shack. Thus, it is notable how João is Focusing on the reflections referring to the
now more organized and not so “swallowed” by images painted by João, in an attempt to clari-
forces of the unconscious, represented by the fy his psychodynamics through the symbolism
sea monster. present in his art production, we can highlight
some points.
Final thoughts Faced with observations of the pictorial con-
A first comment to be proposed is that paint- tents and in conjunction with the author’s bi-
ing was, for the participant, the only therapeutic ographical narrative, it was noticed that there
means available, in addition to medication. Ac- was a profound regression of his libido, through
cording to João, “painting brings peace. You paint the invasion of the unconscious, in which the
and see what you have built and you rejoice”. It fragile ego succumbed to threatening forc-
is possible to perceive, through his speech and es represented by the mythical theme of the
his participation in the painting workshops, how whale-dragon. When João painted the “O casal
much this activity is valued by him. This resource e a marinha” (The couple and the navy), he was

86 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

going through a period of emotional instability The figure of Joan of Arc also has an arche-
that, one year later, led to a psychotic episode typal character, and, according to its importance
and to a period hospital commitment that lasted given by the participant and its symbolism, this
one month. image is considered as a potential regulator and
The central theme of disagreement and heart- organizer in the psyche of the participant. Thus,
break was one of the factors that contributed to even if the individual is in psychological dis-
his illness. A correlation was noticed with some tress, when painting he can access internal and
clients of the Museum Images of the Unconscious self-regulating healing forces.
that were accompanied by Dr. Nise that also fell Finally, a parallel with the current moment
ill for love, as is the case of Adelina Gomes and seems to be particularly interesting: the mythi-
Isaac Liberato, who were unable to live their pas- cal theme of the whale-dragon that was constel-
sions and managed to portray these anxieties in lated in the paintings may also reflect collective
their artwork. According to Lopez-Pedraza (2010), aspects that humanity is experiencing with the
falling in love for someone may also cause a dis- coronavirus pandemic, in which everyone was
ease, a pathos feeling, which can be increasingly affected by this crisis, as if humanity itself was
integrated to the relationship. In this sense, Eros swallowed straight into the dark belly of the
would act, quoting Hillman (1984), as a “synthe- sea monster. ■
sizer, an agglutinant agent and mediator that
reconciles two domains; builds symbols” (p. 80). Received on: 03/22/2021 Revised on: 16/05/2021
However, those aspects may be harmed during
psychotic states, due to an ego weakened by the
suffering of some impossible love.
Just like in the song A deusa da minha rua
sung by Nelson Gonsalves4 that narrates a rela-
tionship impossibility between two people, in
the verse that says “she is so rich, I am so poor,
I am a commoner, she is noble, it is not worth
dreaming”, João also identified the disparity of
him being poor and his beloved rich as the cause
of his love mismatch.
About the feminine element in the painter’s
production, the presence of two types of women
emerged, one authoritarian, aloof and unfriend-
ly; the other, on the other hand, is personified in
the figure of Joan of Arc, characterized by purity
and protection, related to positive aspects of his
anima. It is clear that the act of painting config-
ures a place for him to give shape to his inter-
nal dramas, in an attempt to remove threatening
contents from his psyche, de-potentializing them
(SILVEIRA, 1992).

4

Available from: https://www.letras.mus.br/nelson-gon-
calves/47649/. Accessed in: March 15th, 2021.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 87


Junguiana
v.39-1, p.75-90

Resumo
Pinturas de um paciente psiquiátrico: os Inumeráveis Estados do Ser
A arte é uma maneira de comunicação e ex- após a observação participante no ateliê. Para
pressão simbólica e um instrumento para a auxiliar na análise das pinturas, foi realizada
compreensão do ser humano. O objetivo deste entrevista com o participante, focalizando sua
artigo consiste em analisar a produção plástica história de vida e comentários a respeito das te-
de um paciente psiquiátrico, buscando entender las. Percebeu-se que através da pintura houve a
esse material como expressão de sua dinâmica despotencialização de conteúdos ameaçadores
psíquica. Foi realizado um estudo de caso com da psiquê do cliente. Pode-se observar também,
um frequentador de um centro de convivência que a pintura proporcionou um espaço expressi-
de um hospital psiquiátrico do interior paulista. vo para o participante lidar com fantasias do seu
Algumas telas foram escolhidas para o estudo mundo interno. ■

Palavras-chave: arte, pintura, dinâmica psíquica, despotencialização.

Resumen
Pinturas de un paciente psiquiátrico: los Innumerables Estados del Ser
El arte es una forma de comunicación y ex- la observación participativa en el estudio. Para
presión simbólica y un instrumento de compren- ayudar en el análisis de las pinturas, se realizó
sión del ser humano. El objetivo de este artículo una entrevista con el participante, enfocándose
es analizar la producción mediática visual de un en su historia de vida y comentarios sobre los
paciente psiquiátrico, buscando entender el ma- lienzos. Se notó que a través de la pintura había
terial como expresión de su dinámica psíquica. una pérdida de potencial del contenido amena-
Se realizó un estudio de caso con un visitante de zante de la psique del cliente. También se puede
un centro comunitario en un hospital psiquiátri- observar que la pintura brindó un espacio expre-
co del estado de São Paulo. Algunas obras de sivo para que el participante afrontara fantasías
arte fueron elegidas para el estudio después de de su mundo interno. ■

Palabras clave: arte, pintura, dinámica psíquica, despotencialización.

88 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.75-90

References
AMARANTE, P. Manicômio e loucura no final do século e HIRSZMAN, L. (Dir.). Imagens do inconsciente. Rio de
do milênio. In: FERNANDES, M. I. A. (Org.). Fim de século: Janeiro, RJ: Embrafilme, 1986. (Victor Farjado YouTube
ainda manicômios? São Paulo, SP: Cabral, 1999. p. 47-56. channel). Available from: <https://www.youtube.
com/watch?v=9-uN1lsWFjM&t=68s>. Access in:
BASTOS, J. F. Cícero Dias/Ismael Nery: a poética do surreal. Mar. 22, 2021.
1993. Tese (Doutorado em Artes Plásticas) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São ______. Chegando ao inconsciente. In: JUNG, C. G. (Org.).
Paulo, SP, 1993. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Frontei-
ra, 1964. p. 18-103.
CALDANA, R. H. L. Ser criança no início do século: alguns
retratos e suas lições. 1998. Dissertação (Mestrado em ______. Energia psíquica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.
Psicologia) – Centro de Educação e Ciências Humanas,
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 1998. ______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 1976.
CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo, SP: Cultrix, 1988.
LOPEZ-PEDRAZA, R. Sobre eros e psiquê. Petrópolis, RJ:
FURTH, G. M. O mundo secreto dos desenhos: uma Vozes, 2010.
abordagem junguiana da cura pela arte. São Paulo, SP:
Paulus, 2004. SILVEIRA, N. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ:
Alhambra, 1982.
HILLMAN, J. O mito da análise. Rio de Janeiro, RJ: Paz e
Terra, 1984. ______. Mundo das imagens. São Paulo, SP: Ática, 1992.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 89


90 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.91-100

Fundamentos do método de Nise da Silveira:


clínica, sociedade e criatividade

Maddi Damião Junior*

Resumo Palavras-chave
O presente trabalho tem como objetivo apre- sua clínica se dão através da construção de um Métodos
sentar as bases do método da psiquiatra bra- saber que atravessa todos os saberes, que corre- terapêuticos,
sileira Nise da Silveira, a partir de sua orientação sponde à complexidade do fenômeno estudado Nise da
Silveira,
para a leitura de imagens. Em uma perspectiva e da realidade psíquica. ■
Psiquiatria.
inter e transdisciplinar, Nise da Silveira refor-
mulou os moldes da psiquiatria e as práticas
terapêuticas no Brasil, sendo precursora da
reforma psiquiátrica. Além disso, foi uma im-
portante difusora da teoria junguiana e da pro-
dução de uma clínica politicamente engajada.
A apresentação baseia-se em três dimensões
que consideramos fundamentais para embasar
os fundamentos epistemológicos e a práxis de
seu trabalho, afeto catalizador, forças autocura-
tivas do inconsciente e emoção de lidar. Através
destes três princípios norteadores de seu tra-
balho, é possível ver como a produção teórica e

* Psicólogo, Doutor em Psicologia pela UFRJ, Pós-Doutor em


Psicologia Médica e Psiquiatria pela Unicamp, Pós-Doutor
em Ciências das Religiões pela UFJF, Professor Associado da
UFF/CURO, Membro Analista SBPA – RJ.
email: <maddidamiao@gmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 91


Junguiana
v.39-1, p.91-100

Fundamentos do método de Nise da Silveira: clínica, sociedade e criatividade

1. Introdução inclusão. Pode-se dizer que, com o seu trabalho


Este trabalho visa ser um testemunho do tra- e a teoria junguiana, a qual servirá de fundamen-
balho de Nise da Silveira como precursora no to para a construção do seu saber, dá origem a
Brasil da “Reforma Psiquiátrica”, problematizan- uma “nova Psiquiatria”, baseada na liberdade,
do seus fundamentos metodológicos e episte- nas forças criativas do inconsciente e na abertu-
mológicos. Esse novo modelo permitiu que a psi- ra para a via da saúde. Compreendendo, deste
quiatra fosse, efetivamente, a pioneira no Brasil modo, sintomas como a tentativa de reorgani-
em quebrar o paradigma manicomial. zação do psiquismo, que irá precisar de meios
O encontro de Nise da Silveira e Jung surgiu adequados para sua realização.
quando Nise teve coragem de escrever para Jung, Os princípios que a nortearam em seu tra-
mandando fotos e mostrando trabalhos de seus balho podem ser sintetizados como o “afeto
pacientes que, apesar de fazerem pinturas es- catalizador” e “as força autocurativas do incons-
pontâneas com “disjunção” e “fragmentação”, ciente”, além da “emoção de lidar”. Assim, caso
demonstravam junto uma tendência ordenado- fossem proporcionados liberdade e acolhimento
ra. Desenhos com desmembramentos de corpos ao dito “louco”, ele teria condições de se recu-
humanos e de animais, corpos sem cabeça, sem perar, não como a sociedade poderia esperar, de
braços ou pernas, ou de árvores cortadas em forma reprodutiva, mas singularmente. Isto sig-
pedaços, significando o desmembramento da nifica que seria uma recuperação a partir de suas
personalidade, os imponderáveis fenômenos experiências mais específicas, se afastando da
de dissociação psíquica, fenômenos que são desordem psíquica e construindo narrativas,
traduzidos através da linguagem da matéria, na através das imagens que o tornassem autores
expressão plástica (SILVEIRA, 1981). de suas histórias (narradores). Neste sentido,
Nise identifica que a realidade psíquica Nise da Silveira chamou esse cenário de “inu-
e seus conteúdos são fenômenos de intensa meráveis estados do ser”, buscando em Artaud
complexidade e intensidade, que necessitam (2006) a compreensão de diferentes – e legíti-
de uma gama variada de recursos e formas de mos – modos de estar no mundo.
abordagem para sua materialização e compre- Assim, seu trabalho possuiu um cunho clíni-
ensão. Longe de serem sintomas, são enten- co, pois visava à terapêutica e a um novo olhar
didos por ela como “inumeráveis estados do científico, como uma nova produção de saber,
ser”, forças criativas de organização de uma cujos fundamentos o presente trabalho visa tra-
realidade que demandam outros recursos, para zer. Estes são os livros publicados por ela em
sua comunicação e expressão, que vão além da vida, dentre entrevistas e filmes realizados:
linguagem proposicional. • Jung, vida e obra. José Álvaro Editor, 1968:
Como se sabe, foi através da teoria de Carl síntese precisa e muito clara da Psicologia
Gustav Jung que a psiquiatra fundamentaria sua Analítica de Jung, excelente para quem qui-
perspectiva, pensando os processos da loucu- ser começar a tomar conhecimento das suas
ra e da saúde. Assim, como a partir da inclusão teorias;
deste totalmente outro – o louco –, dar voz a ele, • Terapêutica ocupacional - teoria e prática.
consequentemente, construir uma prática e um Edição Casa das Palmeiras, 1979: o nome ini-
saber baseado na diferença, na tolerância e na cial que foi adotado pelo hospital;

92 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.91-100

• A emoção de lidar. Coordenação e prefácio no afeto, fosse determinado pelo poder, afastan-
de uma experiência em psiquiatria na Casa do o caráter institucionalizante.
das Palmeiras. Ed. Alhambra, 1987: termo Esta dimensão política de seu trabalho sus-
que passou a adotar em seu trabalho; tentava-se, assim, pela dimensão clínica e pela
• Imagens do inconsciente. Editora Alhambra, percepção de que a saúde é um processo que,
1987: foi reeditado pela Vozes em 2015; longe de se restringir a um psiquismo ou ao indi-
• A farra do boi. Ed. Numen, 1989; víduo, é fruto de uma rede de relações e signifi-
• Artaud, a nostalgia do mais. Ed. Numen, cações sociais (FRAYZE-PEREIRA, 2003).
1989; Esta perspectiva de saúde, não desvincula-
• Cartas a Spinoza. Ed. Numen, 1990. Ed. Fran- da de uma dimensão ética e social, encontra-se
cisco Alves, 2ª edição, 1995; presente em todo o trabalho de Nise da Silveira.
• O mundo das imagens. Ed. Ática, 1992; Para desenvolver tal perspectiva, ela sustentará
• Gatos, a emoção de lidar. Léo Christiano Edi- seu saber e sua prática na perspectiva junguia-
torial, 1998. na, ou seja, na teoria do psiquiatra suíço Carl
Gustav Jung.
Também escreveu um pequeno manual de
Nise pode ser considerada como a grande di-
orientação ao estudo das imagens, o “Benedi-
vulgadora do pensamento de C. G. Jung no Bra-
to”, que deverá ser publicado em breve. Esse
sil. Em 1956, ela funda o grupo de estudos C. G.
livro é uma orientação da Dra. Nise sobre o que Jung, o qual era realizado em seu consultório, no
se ler, buscando o entendimento dos casos andar de cima de sua casa. Este grupo, no me-
clínicos e imagens produzidas pelos frequen- lhor espírito democrático, era aberto e frequen-
tadores do Museu de Imagens do Inconsciente tado por todos aqueles que ali quisessem ir: psi-
e Casa das Palmeiras, um verdadeiro tratado cólogos, estudantes, médicos, leigos, artistas e
de transdisciplinaridade. principalmente pacientes psiquiátricos. Gratuito
e frequentado por seus gatos e humanos, esse
2. Vida e Obra era um grupo em que todos aqueles que dele
Nise foi presa durante o governo de Getúlio participavam eram afetados de alguma forma.
Vargas, assim como foi “marginal” sua vida in- Pelo fato de ser uma escolha voluntária e
teira. Criou o STOR (Setor de Terapia Ocupacio- estarem sujeitos a estes encontros, pela coexis-
nal), no Hospital Psiquiátrico Pedro II, em 1946, tência da diversidade e diferença em um espaço,
e, em 1956, a “Casa das Palmeiras”, visando em princípio, voltado para o estudo, tornava-se
evitar o ciclo do contínuo processo de reinter- terapêutico, por não impor restrições ou cen-
nação, que eram submetidos os pacientes dos suras aos presentes. Afirmava-se, assim, como
hospitais psiquiátricos, se orgulhando de que na uma psiquiatra rebelde, não apenas por quebrar
“Casa das Palmeiras as portas nunca se encon- paradigmas, ao propor a construção de um saber
trarem fechadas”, ou seja, os “clientes”, como interdisciplinar e transdisciplinar, mas também
ela os chamava, gozavam de plena liberdade de por quebrar com as condições de mercado ou
ir e vir (CASTRO; LIMA, 2007). sociais, ao criar um grupo em que todos podiam
Da mesma maneira que prezava esta liberda- participar, sem pagar absolutamente nada.
de entre os pacientes, proibia também aos técni- Carl Gustav Jung pode ser considerado o pri-
cos, psicólogos, estagiários e médicos, o uso de meiro psiquiatra a “dar voz ao louco”. A partir
jalecos ou qualquer sinal que os distinguissem de estudos realizados no hospital psiquiátrico
dos “clientes”. Isto visando minimizar ao máxi- de Burghoelzli, na Suíça, defende o princípio,
mo qualquer restrição à liberdade criadora, ou até então não usual, de que, nos delírios e alu-
criar qualquer vínculo que, ao invés de baseado cinações dos pacientes psiquiátricos, deveria

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 93


Junguiana
v.39-1, p.91-100

haver algum sentido. Para tal, necessitava-se Em 1952, Nise da Silveira fundou o Museu
entender apenas sua linguagem, ou seja, aden- de Imagens do Inconsciente, contando com um
trar nestas realidades com o olhar atento, ao in- acervo precioso de pinturas, desenhos e escul-
vés de atribuir certezas e verdades construídas turas dos frequentadores da STOR e, em 1956,
apenas pela razão. Assim, ele parava e tentava criou, junto com alguns colaboradores, a Casa
seguir aqueles caminhos que lhe eram mostra- das Palmeiras. Esta última foi criada com o ob-
dos pelos “loucos” ou “insanos”, sendo levado jetivo de dar suporte aos pacientes egressos
a perceber que a dificuldade era da razão que do hospital. Havia, na época, uma alta porcen-
não conseguia acompanhar aqueles indivíduos tagem de reinternações (cerca de 70%). Nise
em seus “inumeráveis estados do ser”, ou seja, sabia que as recaídas eram provocadas pelas
além dos limites da própria razão (CARVALHO; barreiras de reintegração dos ex-pacientes à
AMPARO, 2006). vida na comunidade. Vale ressaltar que depois
Com o objetivo de seguir estes caminhos, per- de surtos psicóticos, quem os sofre fica muito
cebeu a necessidade da construção de um saber fragilizado, necessitando de apoio para a rees-
interdisciplinar e transdisciplinar, ou seja, através truturação do “eu”.
do estudo de múltiplas linguagens e saberes, reli- Nise transitou por diversas disciplinas e áre-
gião, mitologia, ciência natural, história, sociolo- as de saber, indo do que havia de mais conven-
gia, buscar formas de integração do sentido que cional na psiquiatria à história das religiões e
era produzido pelos seus pacientes. De tal modo, da arte. Ao longo de sua produção intelectual,
ele inclui não somente aqueles seres considera- é possível ver como estes estudos se dirigem
dos doentes, mas culturas e saberes considera- para a compreensão das imagens, produto ela-
dos “primitivos” e “inferiores” diante da raciona- borado por internos e frequentadores do Museu
lidade ocidental e europeia. Promove uma teoria de Imagens do Inconsciente e da Casa das Pal-
que irá enraizar o homem historicamente para meiras. Essa especificidade demanda um saber
além de sua cultura na história da própria huma- inter e transdisciplinar, como, por exemplo, em
nidade, mostrando, assim, como para entender o relação à esquizofrenia e à relação de cuidado
indivíduo, assim como a sociedade, não se pode que a psiquiatra buscou estabelecer com os
olhar de apenas uma perspectiva, ou seja, a so- indivíduos que chegavam – demandavam não
ciedade e o indivíduo são vistos como um sistema só uma metodologia terapêutica, mas também
complexo e histórico (MOTTA, 2004). uma ação política e pedagógica, concretizada
Com estes princípios e o conceito de “Forças no posicionamento em prol da autonomia e da
Autocurativas do Inconsciente”, Nise da Silveira liberdade individual, bem como na criação de
irá sustentar uma prática clínica, institucional um espaço regido pelo acolhimento e cuidado
e política, em que cada um destes termos se aos atendidos.
encontram indissociavelmente vinculados. Ou A transdisciplinaridade é uma abordagem
seja, ela mostrará, através de sua vida e de sua que passa entre, além e através das disciplinas,
obra, como a saúde, a ética e a política são ter- buscando a compreensão da complexidade, que
mos de uma mesma experiência. Vale ressaltar vai além de cada uma das disciplinas, mas se
que a política é entendida como dimensão so- forma no atravessamento entre elas, na dialéti-
cial do indivíduo e do psiquismo, sem limitações ca, nas aproximações, convergências e interse-
pela subjetividade, mas sim se tornando uma ções (SOMMERMAN, 2006). Os três pilares da
psique plural e coletiva. Já no ano de 1946, Nise transdisciplinaridade, os níveis de realidade, a
lançou a base de uma “revolução psiquiátrica”, lógica do terceiro incluído e a complexidade, de-
fundada nos princípios de liberdade, afeto, in- terminam a metodologia da pesquisa transdisci-
clusão e transdisciplinaridade. plinar (NICOLESCU, 1999).

94 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.91-100

Deste modo, a transdisciplinaridade visa arti- para certas polarizações e desequilíbrios parti-
cular uma nova compreensão da realidade entre culares (MELO, 2009).
e para além das especializações. Essa perspec- Como citado, dentro da perspectiva jun-
tiva transdisciplinar encontra seus fundamentos guiana e de Nise, a psique é vista como um
na necessidade de compreender os símbolos e sistema autorregulador, que se relaciona com
do processo criativo, ou seja, para que se en- a consciência e o inconsciente de uma forma
tenda a experiência imediata das imagens do compensatória. Para Jung, a transformação da
inconsciente, ou dos símbolos, formadoras da energia psíquica pode ser descrita como um
estrutura da psique, faz-se necessário um saber conflito entre opostos, porque ela é sempre re-
que ultrapasse as disciplinas particulares. sultado do contínuo unir e separar de elemen-
Os fundamentos da clínica de Nise da Silvei- tos antagônicos.
ra podem ser situados, como já mencionado, em Isso se manifesta como síntese e antítese,
uma perspectiva transdisciplinar, e, assim, são isto é, do material consciente e inconscien-
percebidos nas descrições das bases de sua prá- te. A psique, envolvendo esses dois aspectos,
tica e de seu saber, a partir do afeto catalisador, parte de uma totalidade múltipla. Jung deixa
das forças autocurativas e criativas do incons- implícita, em seu arcabouço teórico, a ideia de
ciente, e da emoção de lidar. movimento e de intencionalidade do próprio
Estes três alicerces, da clínica estabelecida sistema como algo vivo e que é, a um só tempo,
por Nise, descrevem e indicam atitude e com- parcialmente fechado, um sistema complexo e
preensão da ação de cuidado e da clínica, que em constante transformação.
vão além de qualquer conceito ou definição ca- Reajustes permanentes são característicos
tegorial. Ou seja, afeto, criatividade e emoção de sistemas vivos; abertos e interconectados
superam os limites da racionalidade, apontan- com o mundo, consigo próprio. A aceitação do
do para a experiência imediata e para o que paradigma da complexidade viabiliza o rom-
está estabelecido na dimensão do “não eu” pimento definitivo com a divisão cartesiana
– que se trata de uma dimensão da realidade e força a pensar a partir de uma perspectiva
que permite o despertar de qualquer categoria transdisciplinar. Unir matéria e energia, reinte-
ou saber restrito, sobrepujando a possibilida- grar o ser humano no orgânico, são os primei-
de. Pode-se afirmar que a clínica, desta forma, ros passos para trazer à tona pensadores que
está mais próxima da arte e da filosofia dos se ocuparam da natureza e dos corpos, como
pensadores originários, do que da psiquiatria Jung, Reich e Groddeck. Em função disso, vale a
e da psicologia acadêmica e contemporânea. O escolha, para discussão do sistema psicológico
exposto é afirmado por ela em frases como “se proposto por Jung, dos exemplos corporais e da
querem aprender sobre a alma humana, leiam psicossomática.
Machado de Assis” (comunicação privada de Há que se levar em consideração que, se
Nise da Silveira). Ou ainda, “A arte ensina mais o indivíduo reage de forma adoecida, com di-
do que os tratados de psiquiatria” (ibid). ficuldades de se cuidar, pode ser entendido,
O psiquismo é visto como um sistema autor- equivocadamente, que não há essa busca de
regulador. Para Jung, isso significa que um siste- equilíbrio. Jung, em sua vasta obra, mostra as
ma que se autorregula é capaz de lidar com os tentativas de auto-organização do sujeito e
desvios e as adaptações diante da vida, tantas a produção de expressões, como o mandala,
vezes não favorecedora. O mundo interior tem que mostram esse movimento. Nise da Silveira
também suas potencialidades, que não tiveram (1981), em seu livro Imagens do Inconsciente,
energia para surgirem, logo, que ainda não fo- também desenvolve esse aspecto. Às vezes,
ram desenvolvidas, dificuldades e tendências o momento vivido e a situação em volta, bem

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 95


Junguiana
v.39-1, p.91-100

como, como Nise denuncia, o tratamento nos um mundo cada vez mais extenso e se reorgani-
hospitais mais agravam a situação do que são zando, podendo lidar com este mundo.
lugares propícios. Nise da Silveira foi pioneira também na per-
Um aspecto fundamental é lembrar que o cepção e nos estudos sobre a relação do homem
sistema psíquico humano trabalha e vive de e do animal, no sentido terapêutico. Lembra, in-
forma “econômica”, da melhor forma possível clusive, que não é nenhuma novidade, que uma
e, assim, todos os sintomas e angústias são ligação profunda pode se estabelecer entre o
tentativas de reestruturação psíquica, para so- louco e o cão. Machado de Assis, por exemplo,
breviver em um meio interno e externo em cri- narra em Quincas Borba, a história de um cão
se. Enfatiza-se o respeito ao momento vivido que amou dois loucos. Quincas Borba, o homem,
pelo cliente e a aceitação das dificuldades em deu o próprio nome a seu cão, de tanto que o
cada um, além do movimento rumo à mudan- amava. O último livro escrito por Nise trata do
ça, que precisa ser respeitado em termos de tema: Gatos, emoção de lidar.
tempo. Uma das formas de viabilizar e acelerar Quanto à emoção de lidar com a experiên-
uma melhora é seguir junto, mobilizar em cada cia, essa emoção é vivência, a ação, o aconteci-
pessoa o afeto catalisador, sempre perguntan- mento carregado de sentido e força ordenadora
do: Sou terapeuta suficiente? Quanta paciência sensível, a estética em si. Realiza uma ponte sin-
diante de minhas limitações eu tenho? O quan- tetizante entre a personalidade consciente e in-
to de aceitação da forma de ser e estar do Outro consciente, integrando opostos e simbolizando
em mim, dos outros em nós e nos conhecidos, essa união dicotômica.
eu sou capaz de suportar? Como está minha te- O exercício da imaginação ativa e da criati-
rapia? Como os meus estudos caminham? Con- vidade são atividades similares aos processos
sigo fazer supervisão e elaborar essa experiên- vivenciados em um hospital psiquiátrico. Porém,
cia em mim? como ressalta Nise, um artista pode partir para
Nise da Silveira (1981, p. 80) enfatizava que o “a pesquisa de novas dimensões imaginárias,
afeto era fator fundamental. Foi, na verdade, um graças ao seu ego intacto, traz sempre consigo
“fator constante na nossa seção de terapêutica a passagem de volta ao espaço comum, onde
ocupacional, não só na pintura, mas também na cumpre como todo mundo as rotinas da vida di-
encadernação, marcenaria, jardinagem, costu- ária” (SILVEIRA, 1981, p. 42). Mas, mesmo para
ra, tapeçaria, etc.”. Porém, ressalta que, “nessa um artista, as “aventuras não deixam de ter seus
apologia do afeto, não há a ingenuidade exces- perigos e despertar temores” (ibid.). Por fim, ela
siva de considerar fácil satisfazer as grandes ne- traz a citação de Lèger, que diz “ser livre e apesar
cessidades afetivas de seres que foram tão ma- disso, não perder contato com a realidade. Eis
chucados, e socialmente rejeitados” (SILVEIRA, o drama desta figura épica, quer seja chamado
1981, p. 80). inventor, artista ou poeta” (ibid.).
Em qualquer oficina de terapêutica, este
ponto de referência é o monitor. No ateliê ou 3. Conclusão
oficina, o monitor funciona como um dispositi- O método Nise da Silveira possui uma genu-
vo de afeto catalisador, assim como o material ína inovação que se apresenta como revolucio-
com o qual o cliente lida e o próprio espaço em nária, não apenas na psiquiatria, mas no olhar
que se encontra. A reintegração do eu e o esta- tanto para o saber, quanto para a razão e para o
belecimento dos vínculos com o mundo externo outro. Isso se dá a partir do afeto, da expressão
dependem destes dispositivos afetivos através das emoções e da compreensão de que indiví-
dos quais o cliente ou frequentador da oficina duos que fogem ao que é mediano e ao padrão
irá gradualmente reconstruindo os laços com de normalidade terão mais facilidade em com-

96 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.91-100

preender as vivências complexas e singulares balho de Nise da Silveira. Também é elemento


do psiquismo, assim como destes considera- estruturante para a criação, fundamentação e
dos como “anormais”. desenvolvimento do método estabelecido pela
A alteridade, para ser vista por si e em si, de- psiquiatra, uma vez que a leitura do inconscien-
manda, de acordo com o método estabelecido te a partir da expressão livre dos “clientes” se
por Nise, uma transdisciplinaridade, que abran- tornou uma ferramenta que perpassa não so-
ge inúmeros conhecimentos correlatos, cria uma mente todo o trabalho, mas também a forma e o
interação entre eles, e transcende o que cada um legado de vida. ■
deles propõe.
A perspectiva Junguiana é fundamental e Recebido em 27/03/2021 Revisão dia 07/06/2021
condicionante para a prática dialética do tra-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 97


Junguiana
v.39-1, p.91-100

Abstract
Foundamentals of the Nise da Silveira’s method: clinic, society and creativity
The present work aims to present the bases of sions that we consider fundamental to support
the method of the Brazilian psychiatrist Nise da the epistemological foundations and the praxis of
Silveira, based on her orientation for the reading her work, catalytic affection, self-healing forces of
of images. In an inter and transdisciplinary per- the unconscious and emotion of dealing. Through
spective, Nise da Silveira reformulated the molds these three guiding principles of her work, it is
of psychiatry and therapeutic practices in Brazil, possible to see how the theoretical production and
being a precursor to psychiatric reform. In addi- her clinic takes place through the construction of
tion, it was an important disseminator of Jungian a knowledge that crosses all knowledge, which
theory and the production of a politically engaged corresponds to the complexity of the studied phe-
clinic. The presentation is based on three dimen- nomenon and the psychic reality. ■

Keywords: Nise da Silveira, Psychiatry, Therapeutic methods.

Resumen
Fundamentos del método Nise da Silveira: clínica, sociedad y creativida
El presente trabajo tiene como objetivo dimensiones que consideramos fundamentales
presentar las bases del método de la psiquia- para sustentar los fundamentos epistemológi-
tra brasileña Nise da Silveira, a partir de su cos y la praxis de su obra, el afecto catalizador,
orientación a la lectura de imágenes. En una las fuerzas autocurativas del inconsciente y la
perspectiva inter y transdisciplinaria, Nise da emoción del trato. A través de estos tres princi-
Silveira reformuló los moldes de la psiquiatría y pios rectores de su trabajo, es posible ver cómo
las prácticas terapéuticas en Brasil, siendo pre- la producción teórica y su clínica se da a tra-
cursora de la reforma psiquiátrica. Además, fue vés de la construcción de un conocimiento que
una importante divulgadora de la teoría de Jung atraviesa todo conocimiento, que corresponde
y la producción de una clínica comprometida a la complejidad del fenómeno estudiado y la
políticamente. La presentación se basa en tres realidad psíquica. ■

Palabras clave: Métodos terapêuticos, Nise da Silveira, Psiquiatría.

98 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.91-100

Referências
ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. São Paulo, SP: Martins MELO, W. Nise da Silveira e o campo da saúde mental
Fontes, 2006. (1944-1952). Mnemosine, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2,
p. 30-52, 2009.
CARVALHO, S. M.; AMPARO, P. H. M. Nise da Silveira: a mãe
da humana-idade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia MOTTA, A. A. Nise da Silveira: 100 anos de emoções
Fundamental, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 126-37, jan./mar. de lidar. Junguiana, São Paulo, v. 23, n. 7, p. 7-21,
2006. https://doi.org/10.1590/1415-47142006001010 2005.

CASTRO, E. D.; LIMA, E. M. Resistência, inovação e clínica no NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinariedade. São
pensar e no agir de Nise da Silveira. Interface: Comunicação, Paulo, SP: Triom, 1999.
Saúde, Educação, Botucatu, v. 11, n. 22, p. 365-76, maio/ago.
2007. https://doi.org/10.1590/S1414-32832007000200017 SILVEIRA, N. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ:
Alhambra, 1981.
FRAYZE-PEREIRA, J. A. Nise da Silveira: imagens do
inconsciente entre psicologia, arte e política. Estudos SOMMERMAN, A. Inter ou transdisciplinariedade?
Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 197-208, set./dez. São Paulo, SP: Método, 2006.
2003. https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300012

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 99


100 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.101-110

Foundations of the Nise da Silveira method:


clinic, society and creativity

Maddi Damião Junior*

Abstract Keywords
The present work aims to present the bases of the production and her clinic takes place through the Nise da
method of the Brazilian psychiatrist Nise da Silveira, construction of a knowledge that crosses all knowl- Silveira,
based on her orientation for the reading of images. edge, which corresponds to the complexity of the Psychiatry,
Therapeutic
In an inter and transdisciplinary perspective, Nise studied phenomenon and the psychic reality. ■
methods.
da Silveira reformulated the molds of psychiatry and
therapeutic practices in Brazil, being a precursor to
psychiatric reform. In addition, it was an important
disseminator of Jungian theory and the production
of a politically engaged clinic. The presentation is
based on three dimensions that we consider fun-
damental to support the epistemological founda-
tions and the praxis of her work, catalytic affection,
self-healing forces of the unconscious and emotion
of dealing. Through these three guiding principles
of her work, it is possible to see how the theoretical

* Psychologist. Doctor in Psychology from Federal University


of Rio de Janeiro (Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ). Postdoc in Medical Psychology and Psychiatry from
State University of Campinas (Universidade Estadual de
Campinas – Unicamp). Postdoc in Science of Religions by
Federal University of Juiz de Fora (Universidade Federal de
Juiz de Fora – UFJF). Associate Professor at Fluminense Feder-
al University (Universidade Federal Fluminense – UFF/CURO).
Analyst Member at Brazilian Society of Analytical Psycholo-
gy (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica – SBPA-RJ).
E-mail: maddidamiao@gmail.com

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 101


Junguiana
v.39-1, p.101-110

Foundations of the Nise da Silveira method: clinic, society and creativity

1. Introduction the Jungian theory, which will serve as a foun-


This paper aims to be a testimony of the work dation for the construction of his knowledge, he
of Nise da Silveira as a precursor in Brazil of the gives birth to a “new Psychiatry”, based on free-
“Psychiatric Reform”, problematizing its meth- dom, on the creative forces of the unconscious,
odological and epistemological foundations. and on the opening to the path of health. Thus,
This new model allowed the psychiatrist to be, it understands symptoms as an attempt to re-
effectively, the pioneer in Brazil in breaking the organize the psychism, which will require ade-
asylum paradigm. quate means to accomplish it.
The meeting of Nise da Silveira and Jung The principles that guided her work can be
came about when Nise had the courage to write summarized as the “catalyzing affection” and
to Jung, sending photos and showing works by “the self-healing forces of the unconscious”,
her patients that, although they made sponta- besides the “emotion of coping”. Thus, if the so-
neous paintings with “disjunction” and “frag- called “madman” were given freedom and shel-
mentation”, they showed along with an order- ter, he would be able to recover, not as society
ing tendency. Drawings with dismemberment might expect, reproductively, but uniquely. This
of human and animal bodies, bodies without means that it would be a recovery based on their
heads, arms or legs, or of trees cut into pieces, most specific experiences, moving away from
signifying the dismemberment of personality, the psychic disorder and building narratives,
the imponderable phenomena of psychic disso- through images that would make them authors
ciation, phenomena that are translated through of their stories (narrators). In this sense, Nise da
the language of matter, into plastic expression Silveira called this scenario “innumerable states
(SILVEIRA, 1981). of being”, seeking in Artaud (2006), the under-
Nise identifies that the psychic reality and its standing of different - and legitimate - ways of
contents are phenomena of intense complexity being in the world.
and intensity, requiring a wide range of resources Thus, her work had a clinical nature, as it
and forms of approach for their materialization aimed at therapy, and a new scientific outlook,
and understanding. Far from being symptoms, as a new production of knowledge, whose foun-
they are understood by her as “innumerable dations the present work aims to bring. These are
states of being”, creative forces of organization the books published by her during her lifetime,
of a reality that demand other resources, for their among interviews and films she made:
communication and expression, that go beyond • Jung, life and work. José Álvaro Editor, 1968:
the propositional language. Precise and clear synthesis of Jung’s Analyti-
As we know, it was through Carl Gustav cal Psychology, excellent for those who want
Jung’s theory that the psychiatrist would base to start learning about his theories;
her perspective on thinking about the process- • Occupational Therapy - theory and practice.
es of madness and health. Thus, from the inclu- Edition Casa das Palmeiras,
sion of this totally other - the crazy, to give voice • 1979: The initial name that was adopted by
to him, consequently, to build a practice and the hospital;
knowledge based on difference, tolerance and • The thrill of coping. Coordination and preface
inclusion. It can be said that, with his work and to an experiment in psychiatry at the House of

102 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.101-110

Palms. Ed. Alhambra, 1987. The term he be- This political dimension of their work was
gan to adopt in his work; thus supported by the clinical dimension and by
• Images of the Unconscious. Alhambra Pub- the perception that health is a process that, far
lishers, 1987. This was reprinted by Vozes from being restricted to the psyche or the individ-
in 2015; ual, is the result of a network of social relations
• A farra do boi. Ed. Numen, 1989; and meanings (FRAYZE-PEREIRA, 2003).
• Artaud, the nostalgia of the more. Ed. Numen, This perspective of health, not detached from
1989; an ethical and social dimension, is present in all
• Letters to Spinoza. Ed. Numen, 1990. Ed. of Nise da Silveira’s work. To develop such a per-
Francisco Alves, 2nd edition, 1995; spective, she based her knowledge and practice
• The world of images. Ed. Attica, 1992; on the Jungian perspective, that is, on the theory
• Cats, the thrill of dealing. Léo Christiano of the Swiss psychiatrist Carl Gustav Jung.
Editorial, 1998. Nise can be considered the great dissemi-
nator of C. G. Jung’s thought in Brazil. In 1956,
She also wrote a small manual to guide the
she founded the C. G. Jung study group, which
study of images, the “Benedict”, which should
was held in her office, upstairs in her house. This
be published soon. This book is Dr. Nise’s orien-
group, in the best democratic spirit, was open
tation on what to read, seeking the understand-
and attended by all who wanted to attend: psy-
ing of the clinical cases and images produced by chologists, students, doctors, lay people, artists,
the frequenters of the Museum of Images of the and especially psychiatric patients. This group,
Unconscious and House of Palms, a true treatise free and frequented by his cats and humans, was
of transdisciplinarity. a group in which all those who participated were
affected in some way.
2. Life and work By being a voluntary choice and being subject
Nise was arrested during Getúlio Vargas’ to these meetings, by the coexistence of diversity
government, as she was “marginal” her whole and difference in a space, theoretically, focused
life. She created the STOR (Occupational Thera- on study, it became therapeutic, by not imposing
py Sector), in the Pedro II Psychiatric Hospital, restrictions or censures to those present. Thus,
in 1946, and, in 1956, the Casa das Palmeiras, she affirmed herself as a rebel psychiatrist, not
aiming to avoid the cycle of continuous readmis- only for breaking paradigms by proposing the
sion process to which patients were subjected construction of an interdisciplinary and transdis-
in psychiatric hospitals, proud of the fact that ciplinary knowledge, but also for breaking with
in the Casa das Palmeiras the doors were never market or social conditions by creating a group in
closed, that is, the “clients”, as she called them, which everyone could participate without paying
enjoyed full freedom to come and go (CASTRO; anything at all.
LIMA, 2007). Carl Gustav Jung may be considered as the
In the same way that it prized this freedom first psychiatrist to “give voice to the insane”.
among patients, it also forbade technicians, Based on studies carried out in the psychiat-
psychologists, interns, and doctors to wear lab ric hospital of Burghoelzli, Switzerland, he de-
coats or any sign that distinguished them from fended, until then, the unusual principle that
“clients”. This, to minimize as much as possible in the deliriums and hallucinations of psychi-
any restriction to creative freedom, or to create atric patients there should be some meaning.
any bond that, instead of being based on affec- To achieve this, it was necessary to understand
tion, was determined by power, keeping the in- only their language, that is, to enter into these
stitutionalizing character away. realities with an attentive gaze, instead of at-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 103


Junguiana
v.39-1, p.101-110

tributing certainties and truths constructed only Palms. The latter was created with the purpose of
by reason. Thus, he stopped and tried to follow giving support to patients leaving the hospital. At
those paths that were shown to him by the “cra- the time, there was a high percentage of readmis-
zy” or “insane”, being led to realize that the dif- sions (around 70%). Nise knew that the relapses
ficulty was of the reason that could not follow were caused by the barriers to reintegrate the for-
those individuals in their “innumerable states mer patients to life in the community. It is worth
of being”, that is, beyond the limits of reason noting that after psychotic outbursts, those who
itself (CARVALHO; AMPARO, 2006). suffer them are very fragile, needing support to
To follow these paths, he realized the need restructure the self.
for the construction of interdisciplinary and Nise transited through several disciplines
transdisciplinary knowledge, that is, through and areas of knowledge, ranging from what was
the study of multiple languages and knowledge, more conventional in psychiatry to the history
religion, mythology, natural science, history, so- of religions and art. Throughout her intellectual
ciology, to seek ways to integrate the meaning production, it is possible to see how these stud-
that was produced by his patients. In this way, ies are directed to the understanding of images,
he includes not only those beings considered a product elaborated by interns and frequenters
sick, but cultures and knowledge considered of the Museum of Images of the Unconscious
“primitive” and “inferior” before Western and and the Casa das Palmeiras. This specificity de-
European rationality. He promotes a theory that mands an inter and transdisciplinary knowledge,
will root man historically beyond his culture in as, for example, relates to schizophrenia and the
the history of humanity itself, thus showing how care relationship that the psychiatrist sought to
to understand the individual, as well as society, establish with the individuals who arrived - de-
one cannot look from only one perspective, that manded not only a therapeutic methodology, but
is, society and the individual are seen as a com- also a political and pedagogical action, material-
plex and historical system (MOTTA, 2005). ized in the positioning favoring of autonomy and
With these principles and the concept of individual freedom, as well as in the creation of
“Self-Healing Forces of the Unconscious”, Nise a space governed by the welcoming and care of
da Silveira will sustain a clinical, institutional those assisted.
and political practice, in which each of these Transdisciplinarity is an approach that pass-
terms are inextricably linked. That is, she will es between, beyond and through the disciplines,
show, through her life and work, how health, seeking the understanding of complexity, which
ethics and politics are terms of the same ex- goes beyond each of the disciplines, but is
perience. It is worth pointing out that politics formed in the crossing between them, in the dia-
is understood as the social dimension of the lectics, in the approximations, convergences and
individual and the psychism, unconstrained by intersections (SOMMERMAN, 2006). The three
subjectivity, but rather, becoming a plural and pillars of transdisciplinarity, the levels of reality,
collective psyche. Already in 1946, Nise laid the the logic of the third included and the complex-
basis of a “psychiatric revolution”, founded on ity, determine the methodology of transdisci-
the principles of freedom, affection, inclusion, plinary research. (NICOLESCU, 1999).
and transdisciplinarity. Thus, transdisciplinarity aims to articulate
In 1952, Nise da Silveira founded the Museum a new understanding of reality between and
of Images of the Unconscious, with a precious beyond specializations. This transdisciplinary
collection of paintings, drawings, and sculptures perspective finds its fundamentals in the need
by STOR’s frequenters and, in 1956, she created, to understand the symbols and the creative pro-
together with some collaborators, the House of cess, that is, to understand the immediate expe-

104 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.101-110

rience of the unconscious images, or symbols, psychic energy can be described as a conflict
which form the structure of the psyche, it is nec- between opposites because it is always the re-
essary to have knowledge that goes beyond the sult of the continuous uniting and separating
particular disciplines. of antagonistic elements.
The foundations of Nise da Silveira’s clin- This manifests as synthesis and antithesis,
ic can be situated, as already mentioned, from that is, of conscious and unconscious material.
a transdisciplinary perspective, and thus, are The psyche, involving these two aspects, is part
perceived in the descriptions of the bases of her of a multiple totality. Jung leaves implicit in his
practice and knowledge, from the catalyzing af- theoretical framework the idea of movement and
fect, the self-healing and creative forces of the intentionality of the system itself as something
unconscious, and the emotion of coping. alive and at the same time partially closed, a
These three foundations, of the clinic es- complex system in constant transformation.
tablished by Nise, describe and indicate atti- Permanent readjustments are characteris-
tude and understanding of the caring action tic of living systems; open and interconnected
and of the clinic, which go beyond any concept with the world, with oneself. The acceptance of
or categorical definition. That is, affection, cre- the complexity paradigm enables a definitive
ativity and emotion overcome the limits of ra- break with the Cartesian division and forces us
tionality, pointing to the immediate experience to think from a transdisciplinary perspective.
and to what is established in the dimension of To unite matter and energy, to reintegrate the
the “non-self” - which is a dimension of reality human being into the organic, is the first step
that allows the awakening of any category or to bring up thinkers who have dealt with nature
restricted knowledge, overcoming possibility. and the bodies, such as Jung, Reich, and Grod-
It can be said that the clinic, in this way, is deck. Because of this, the examples of the body
closer to the art and philosophy of the original and of psychosomatic are worth the choice for
thinkers, than to academic and contemporary discussing the psychological system proposed
psychiatry and psychology. The above is stat- by Jung.
ed by her in phrases such as “...if you want to It must be taken into consideration that, if
learn about the human soul, read Machado de the individual reacts in a sickly way, with diffi-
Assis...” (private communication by Nise da culties in taking care of himself, it can be mis-
Silveira). Or even, “Art teaches more than psy- takenly understood that there is no such search
chiatric treatises” (ibid). for balance. Jung, in his vast work, shows the
The psychism is seen as a self-regulating sys- subject’s attempts at self-organization and the
tem. For Jung, this means that a system that is production of expressions, such as the manda-
self-regulating is capable of dealing with devia- la, that show this movement. Dr. Nise da Silvei-
tions and adaptations in the face of life, which is ra (1981), in her book Imagens do Inconsciente,
often not favorable. The inner world also has its also develops this aspect. Sometimes the mo-
potentialities, which have not had the energy to ment being lived and the situation around, as
emerge, therefore, have not yet been developed, well as, as Nise denounces, the treatment in
difficulties and tendencies towards certain polar- hospitals, aggravate the situation more than
ization and particular imbalances (MELO, 2009). they are favorable places.
As mentioned before, within the Jungian A fundamental aspect is to remember that
and Nise’s perspective, the psyche is seen as the human psychic system works and lives in
a self-regulating system, which relates to the an “economic” way, as good as possible, and
conscious and the unconscious in a compen- thus all symptoms and anguish are attempts at
satory way. For Jung, the transformation of psychic restructuring, to survive in an internal

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 105


Junguiana
v.39-1, p.101-110

and external environment in crisis. The empha- story of a dog who loved two madmen. Quincas
sis is on respecting the moment experienced by Borba, the man, named his dog after himself be-
the client, and accepting the difficulties in each cause he loved him so much. The last book writ-
one, as well as the movement towards change, ten by Nise deals with the theme: Cats, emotion
which needs to be respected in terms of time. to deal with.
One of the ways to enable and accelerate an As for the emotion of dealing with experi-
improvement is to follow along, to mobilize in ence, this emotion is the experience, the action,
each person the catalyzing affection, always the event charged with meaning and sensible or-
asking: Am I enough of a therapist? How much dering force, the aesthetics itself. It performs a
patience do I have with my limitations? How synthesizing bridge between the conscious and
much acceptance of the Other’s way of being unconscious personality, integrating opposites
and being in me, of the others in us and in those and symbolizing this dichotomous union.
we know, am I able to bear? How is my therapy? The exercise of active imagination and cre-
How are my studies going? Can I do supervision ativity are activities similar to the processes ex-
and elaborate this experience in myself? perienced in a psychiatric hospital. However, as
Nise da Silveira (1981, p. 80) emphasized Nise points out, an artist can set out to “research
that affection was a fundamental factor. It was, new imaginary dimensions, thanks to his intact
in fact, a “constant factor in our occupational ego, always carries with him the passage back to
therapy section, not only in painting, but also the common space, where he carries out like ev-
in bookbinding, carpentry, gardening, sewing, eryone else the routines of daily life” (SILVEIRA,
upholstery, etc.” However, he points out that, 1981, p. 42). But even for an artist, the “adven-
“in this apology of affection, there is not the ex- tures are not without their dangers and awaken
cessive naivety of considering it easy to satisfy fears” (ibid.). Finally, she brings the quote from
the great affective needs of beings who have Lèger, who says “to be free and yet not lose
been so hurt, and socially rejected” (SILVEIRA, touch with reality. Here is the drama of this epic
1981, p. 80). figure, whether he is called inventor, artist, or
In any therapeutic workshop, this point of ref- poet” (ibid.).
erence is the monitor. In the studio or workshop,
the monitor functions as a catalyzing affective 3. Conclusion
device, as does the material with which the client The Nise da Silveira method has a genuine
deals, and the space in which he or she finds him innovation that presents itself as revolutionary,
or herself. The reintegration of the self and the not only in psychiatry, but also in the way we
establishment of bonds with the external world look at knowledge, reason, and the other. This
depends on these affective devices, through is based on affection, on the expression of emo-
which, the client or workshop attendee will grad- tions, and assuming that individuals who are
ually rebuild the bonds with an increasingly ex- different from the average and the standard of
tensive world and reorganize himself, being able normality will find it easier to understand the
to deal with this world. complex and unique experiences of the psyche,
Nise da Silveira was also a pioneer in the as well as those considered “abnormal”.
perception and studies about the relationship Otherness, to be seen by itself and in itself,
between man and animal, in the therapeutic demands, according to the method established
sense. She also reminds us that it is nothing by Nise, a transdisciplinarity, which encompass-
new that a deep connection can be established es countless correlated knowledge, creates an
between a madman and a dog. Machado de As- interaction among them, and transcends what
sis, for example, narrates in Quincas Borba, the each one of them proposes.

106 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.101-110

The Jungian perspective is fundamental and expression of the “clients” became a tool that
conditioning for the dialectical practice of Nise permeates not only the whole work, but also the
da Silveira’s work. It is also a structuring element form and legacy of life. ■
for the creation, foundation and development of
the method established by the psychiatrist, once Received: 03/27/2021 Revised: 06/07/2021
the reading of the unconscious from the free

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 107


Junguiana
v.39-1, p.101-110

Resumo
Fundamentos do método de Nise da Silveira: clínica, sociedade e criatividade
O presente trabalho tem como objetivo apre- baseia-se em três dimensões que consideramos
sentar as bases do método da psiquiatra brasi- fundamentais para embasar os fundamentos
leira Nise da Silveira, a partir de sua orientação epistemológicos e a práxis de seu trabalho, afeto
para a leitura de imagens. Em uma perspectiva catalizador, forças autocurativas do inconsciente
inter e transdisciplinar, Nise da Silveira reformu- e emoção de lidar. Através destes três princípios
lou os moldes da psiquiatria e as práticas tera- norteadores de seu trabalho, é possível ver como
pêuticas no Brasil, sendo precursora da reforma a produção teórica e sua clínica se dão através
psiquiátrica. Além disso, foi uma importante di- da construção de um saber que atravessa todos
fusora da teoria junguiana e da produção de uma os saberes, que corresponde à complexidade do
clínica politicamente engajada. A apresentação fenômeno estudado e da realidade psíquica. ■

Palavras-chave: Métodos terapêuticos, Nise da Silveira, Psiquiatria.

Resumen
Fundamentos del método Nise da Silveira: clínica, sociedad y creativida
El presente trabajo tiene como objetivo dimensiones que consideramos fundamentales
presentar las bases del método de la psiquia- para sustentar los fundamentos epistemológi-
tra brasileña Nise da Silveira, a partir de su cos y la praxis de su obra, el afecto catalizador,
orientación a la lectura de imágenes. En una las fuerzas autocurativas del inconsciente y la
perspectiva inter y transdisciplinaria, Nise da emoción del trato. A través de estos tres princi-
Silveira reformuló los moldes de la psiquiatría y pios rectores de su trabajo, es posible ver cómo
las prácticas terapéuticas en Brasil, siendo pre- la producción teórica y su clínica se da a tra-
cursora de la reforma psiquiátrica. Además, fue vés de la construcción de un conocimiento que
una importante divulgadora de la teoría de Jung atraviesa todo conocimiento, que corresponde
y la producción de una clínica comprometida a la complejidad del fenómeno estudiado y la
políticamente. La presentación se basa en tres realidad psíquica. ■

Palabras clave: Métodos terapêuticos, Nise da Silveira, Psiquiatría.

108 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.101-110

References
ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. São Paulo, SP: Martins MELO, W. Nise da Silveira e o campo da saúde mental
Fontes, 2006. (1944-1952). Mnemosine, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2,
p. 30-52, 2009.
CARVALHO, S. M. M.; AMPARO, P. H. M. Nise da Silveira: a
mãe da humana-idade. Revista Latinoamericana de Psicopa- MOTTA, A. A. Nise da Silveira: 100 anos de emoções
tologia Fundamental, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 126-37, Jan./ de lidar. Junguiana, São Paulo, v. 23, n. 7, p. 7-21,
Mar. 2006. https://doi.org/10.1590/1415-47142006001010 2005.

CASTRO, E. D.; LIMA, E. M. Resistência, inovação e clínica no NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinariedade.


pensar e no agir de Nise da Silveira. Interface: Comunicação, São Paulo, SP: Triom, 1999.
Saúde, Educação, Botucatu, v. 11, n. 22, p. 365-76, May/Aug.
2007. https://doi.org/10.1590/S1414-32832007000200017 SILVEIRA, N. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro, RJ:
Alhambra, 1981.
FRAYZE-PEREIRA, J. A. Nise da Silveira: imagens do incon-
sciente entre psicologia, arte e política. Estudos Avançados, SOMMERMAN, A. Inter ou transdisciplinariedade? São
São Paulo, v. 17, n. 49, p. 197-208, Sept./Dec. 2003. Paulo, SP: Método, 2006.
https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300012

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 109


110 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.111-126

Diálogos entre Nise e Jung: a obra expressi-


va de Nise da Silveira e suas contribuições
para a psicologia analítica

Marisa V. Catta-Preta* *

Resumo Palavras-chave
Nise da Silveira foi uma referência na psico- Inconsciente permanecem como um legado que psicologia
logia analítica por pautar seu trabalho nos refer- ainda está em movimento na psicologia analítica analítica,
enciais de Jung que a apoiou e a convidou para como fonte de pesquisa e estudo. ■ doença
mental, arte,
expor trabalhos realizados na saúde mental no
museu de
Brasil, numa exposição em Zurique. O objeti- imagens do
vo deste artigo é analisar aspectos do trabalho inconsciente.
de Nise da Silveira e suas contribuições para a
psicologia analítica. A metodologia é o uso de
pesquisa bibliográfica com alguns estudos de
Jung, Nise da Silveira e outros autores que se
dedicaram a compreender o tema. Considera-se
que o trabalho com esquizofrênicos e a leitura de
imagens empregadas no Museu de Imagens do

* Psicóloga na abordagem junguiana, mestre e doutoranda


em psicologia clínica pela PUC/SP – Núcleo de estudos jun-
guianos. Professora na disciplina de psicologia analítica pela
PUC-SP e UNIMES. Supervisora do Aprimoramento em psic-
oterapia de adultos na perspectiva da psicologia analítica
–(PUC/COGEAE) Coordenadora do curso de pós-graduação
em Psicologia Junguiana (UNIMES).Autora do livro : A noite
da alma –sonhos e insônia e co-autora de Sonhos e Arte,
Sonhos na psicologia junguiana, Jung e Saúde, 95 anos de
Paulo Freire.
Email <mvcpreta@pucsp.br e marisa.martins@unimes.br>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 111


Junguiana
v.39-1, p.111-126

Diálogos entre Nise e Jung: a obra expressiva de Nise da Silveira e suas con-
tribuições para a psicologia analítica

1. Introdução Adelina e Emygdio, entregues por Luiz Carlos


Discorrer sobre o trabalho de Nise da Sil- Mello, as quais guardo com muito carinho.
veira é convidar o leitor a conhecer uma das O impacto de quem conhece o museu é
diretrizes mestras de construção da minha for- grande, porque nele tudo é verdadeiro. Há de
mação e de muitos colegas no trabalho com a fato um acervo cuidado e alimentado de obras
abordagem junguiana. Suas profundas refle- em séries que possibilitam ver o processo da
xões sobre a realidade do doente mental e seus evolução dos pacientes. São muitas obras ca-
atravessamentos sociais no Brasil, em diferen- talogadas e, quando andamos pelos ateliês,
tes momentos políticos e seu engajamento nas vemos de fato a arte se construindo no espaço
lutas por uma saúde pública melhor foram de- cotidiano do museu. A afetividade, a criação e
terminantes para uma geração de psicólogos a dedicação da equipe do museu, bem como a
que a têm como referência. Mas foi sobretudo forma como compreendem de fato o trabalho
o respeito atribuído à singularidade humana e de Nise da Silveira, são espetaculares. Deixei
à pesquisa em saúde mental, não só através o museu fascinada em minha primeira visita e
de métodos mais humanizados, mas por cami- desde então não apenas estudei ainda mais o
nhos que buscam dar forma concreta à expres- que Nise deixou, mas travei com a equipe do
são simbólica das imagens inconscientes de museu uma amizade de confiança e admira-
seus pacientes, numa proposta de análise do ção: Gladys Schincariol, psicóloga que cuida
que Jung trouxe teoricamente para todos nós, da direção do museu e que está com Nise des-
o que me encantou quando ouvi pela primeira de que ainda era uma estudante; Eurípedes Ju-
vez sobre seu trabalho. Como estudante, li sua nior, que sempre cuidou do trato das imagens
produção mais conhecida, seu livro “Imagens e hoje está na direção da Sociedade Amigos
do Inconsciente”, na voz de Alice Marques – do Museu, concluindo seu doutorado em 2015
médica que fez parte da sua equipe por anos e sobre as coleções de arte e loucura; e Luiz Car-
foi sua amiga íntima – em um congresso brasi- los Mello que está na direção e organização
leiro, o que despertou meu interesse em estu- das exposições nacionais e internacionais das
dar o trabalho de Nise. O refinamento das par- obras. A força dessa equipe formada por Nise
ticularidades do seu trabalho e a forma como o e que conduz esse legado com tanto respeito
relacionou com a prática da psicologia analíti- é muito grande, hoje associada a vários cola-
ca, trabalho aprovado por Jung, e ter Von Franz boradores e redes que se formam em torno do
para fazer análise e orientação, trouxeram-me museu. É com coragem e determinação, pas-
grande impacto. Compreendi que, se eu quises- sando por várias políticas públicas, preconcei-
se trilhar o caminho da psicologia junguiana, tos da psiquiatria tradicional e falta de apoio
teria que ir ao Rio de Janeiro conhecer o Museu de governos omissos à causa da saúde mental
de Imagens do Inconsciente. Quando estive lá que essa equipe atravessa as décadas de tra-
alguns anos depois, Nise já estava afastada balho no Museu de Imagens do Inconsciente,
do serviço público e não consegui vê-la. Mas um museu que ainda está vivo e presente em
deixou-me como lembrança: em troca de um discussões em psicologia analítica.
pequeno presente que eu lhe dei, mandou-me Nise da Silveira é um desses nomes que mar-
algumas erratas de uma exposição de Carlos, caram não só a saúde mental, a psicologia jun-

112 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

guiana, mas também o cenário nacional de sua viva e expressa em símbolos de origem pessoal
época. São conhecidos seus posicionamentos e arquetípicos (CRUZ JUNIOR, 2015).
políticos, afinal foi presa política na sala 4, fa- O fato de Jung, ao receber as fotos das man-
mosa sala de personalidades como Olga Benário dalas brasileiras enviadas por Nise, abrir a expo-
Prestes e Maria Werneck, entre outras mulheres sição brasileira num Congresso Internacional e
importantes do cenário político brasileiro. Foi convidá-la para estudar no Instituto C.G. Jung em
personagem de Graciliano Ramos em seu livro Zurique, além de lhe indicar para uma de suas
Memórias do Cárcere, pintada pelo artista Di discípulas mais importantes para que a orientas-
Cavalcanti, amiga de Manoel Bandeira e amiga se em seus trabalhos, nos traz a ideia do inte-
de críticos de arte como Mario Pedrosa que in- resse do próprio criador da psicologia analítica
titulou de Arte Virgem aquela que Jean Dubuffet por seus trabalhos. Isso aconteceu após uma
chamava de Arte Bruta e incluía as expressões correspondência trocada na qual Nise enviou
de indivíduos que se encontravam à margem de os trabalhos brasileiros para Jung confirmar se
nossa sociedade. eram mandalas e ele respondeu confirmando
Única mulher em sua época na Faculdade de que eram mesmo mandalas. Nise voltou poste-
Medicina na Bahia, ela veio para o Rio de Janeiro riormente mais duas vezes para a Suíça levando
onde trabalhou como médica a vida inteira. Uma um estudo de caso e aprofundou nessas oca-
nordestina, mulher, numa época em que esses siões ainda mais seus estudos na psicologia
atributos bastavam para gerar fortes preconcei- junguiana, além de adquirir com esse trabalho
tos sociais e culturais, Nise era firme e se enga- um profundo respeito e interesse de Jung às ex-
jou sempre na grande batalha em defesa dos pressões do inconsciente retratadas no Brasil
menos favorecidos, os doentes mentais, em sua (MELLO, 2014). O trabalho de Nise da Silveira
época em grande parte abandonados por suas ilustra o que Jung postulou em sua obra através
famílias e pela sociedade em hospitais psiquiá- de seus conceitos teóricos.
tricos com métodos abusivos, intervenções me- Neste artigo, dou início a uma breve introdu-
dicamentosas excessivas e o uso indiscriminado ção ao trabalho do próprio Jung com pacientes
de eletrochoque (MELLO, 2014). psicóticos, esquizofrênicos e sua experiência
Para a psicologia junguiana, o método de com eles. Para Jung (2019b):
Nise da Silveira que teve como base a psicologia
analítica, estudos de autores da antipsiquiatria Para minha satisfação, pude provar que
como Ronald Laing, além de um profundo estudo a doença, embora numa escala reduzida,
da arte e da saúde mental, trouxe contribuições pode ser tratada por meio da psicotera-
importantes pelo fato de se originar nas mãos pia. Tão logo se aceite o tratamento psico-
da única psiquiatra no Brasil, com uma leitura lógico, porém, surge a questão acerca do
na abordagem junguiana capaz de sistematizar conteúdo psicótico e sua significação. Já
imagens de pacientes esquizofrênicos e criar um sabemos que, em muitos casos, lidamos
museu com essas imagens. O museu foi uma com um material psicológico comparável
ideia criativa e de extrema importância para a a certos materiais das neuroses e dos so-
pesquisa daqueles que se interessam pela ex- nhos, que são compreendidos a partir do
pressão simbólica de pacientes esquizofrênicos ponto de vista da pessoa. No entanto, em
e psicóticos em sua maioria. O Museu de Ima- contraste com o conteúdo de uma neuro-
gens do Inconsciente, que atualmente conta se, explicável de modo satisfatório pelos
com mais de 350 mil obras, é um acervo de gran- dados biográficos, os conteúdos psicóti-
de importância também para o estudo da psico- cos mostram particularidades que fogem
logia analítica de Jung, pois lá vemos sua teoria às circunstâncias individuais da vida, que

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 113


Junguiana
v.39-1, p.111-126

também observamos em relação aos so- rem preenchidas sobre a doença mental pela au-
nhos cujo simbolismo não pode ser cor- tora que, ao voltar de Zurique, cria um grupo de
retamente esclarecido com base apenas estudo e impulsiona o trabalho do museu com
nos dados pessoais (p. 285). informações obtidas sobre o acervo do próprio
Instituto C. G. Jung de Zurique (MELLO, 2014).
Em seguida retrato, neste artigo, a importân- Concluo demonstrando a particularidade do
cia do trabalho com arte como expressão simbó- trabalho de Nise da Silveira, que segue a me-
lica para Jung, nas suas próprias experiências e todologia de leitura de imagens postulada por
com seus pacientes. Considero as experiências Jung e que, a conselho do mestre, como ela o
pessoais de Jung e sua expressão simbólica chamava, encontra na mitologia uma forma de
através de pinturas e esculturas na pedra, pre- compreensão e estudo sistemático das ima-
sentes especialmente em suas memórias e no gens que com o tempo passa a ter sua marca
Livro Vermelho (JUNG, 2010), além dos trabalhos indelével. A ideia da fundação de um Museu de
ilustrados presentes em sua obra com imagens Imagens do Inconsciente com as produções dos
pintadas por pacientes e nos Seminários Sonhos doentes para pesquisa em esquizofrenia que,
e Visões. segundo Cruz Junior (2015), resultou num acervo
Prossigo no artigo ressaltando a trajetória de de mais de 350 mil obras, grande parte tombada
Nise na construção de seu trabalho atravessado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
por questões político-sociais no Brasil e a dificul- Nacional, foi uma de suas criações mais geniais.
dade de manter vivo o acervo do Museu de Ima- O acervo do museu é o maior dessa natureza no
gens do Inconsciente como um trabalho sério de mundo. Para obter esses dados, o autor pesqui-
pesquisa com base nos conceitos da psicologia sou várias iniciativas de trabalho com doentes
analítica. Silveira (1981) escreve: mentais envolvendo expressão artística, mas
nenhuma delas compara-se ao número de obras
Certamente a linguagem abstrata que compõem o acervo do Museu de Imagens do
presta-se a dar forma a segredos pesso- Inconsciente (CRUZ JUNIOR, 2015).
ais, satisfazendo uma necessidade de Além disso, ressalto a importância para a
expressão sem que outros os devassem. pesquisa em psicologia das obras do museu e
Mas no hospital é raro acontecer essa tra- do “museu vivo”, que tem mais produções ca-
dução de linhas para palavras. Não se te- talogadas e inseridas no acervo mesmo após a
nha a ilusão de acreditar que onde forem morte de Nise, e a importância da continuidade
vistas linhas imbricadas isso signifique desse projeto e de seu trabalho no Brasil com a
ambição. Cedo me convenci da impossi- equipe que trilhou seus passos e segue com seu
bilidade do estabelecimento de códigos. trabalho diário na pesquisa das imagens incons-
A linguagem abstrata cria-se a si própria cientes. Atualmente a equipe do museu tem na
a cada instante, ao impulso das forças direção os mesmos membros que acompanha-
em movimento no inconsciente. Era uma ram Nise da Silveira. Eles dirigem os principais
constatação empírica (p. 19). trabalhos do Museu e suas exposições no Brasil
e no exterior, em uma luta pela manutenção dos
Finalmente relaciono o trabalho de Nise com trabalhos do museu nos moldes de sua criadora.
os conceitos de Jung, presentes em documentá- O objetivo deste artigo é analisar aspectos do
rios e livros da autoria nos quais estudos de ca- trabalho de Nise da Silveira e suas contribuições
sos são descritos e analisados pela autora sob a para a psicologia analítica. A metodologia é a
perspectiva da psicologia analítica. Seu encon- pesquisa bibliográfica de publicações de Jung,
tro com Jung instaura uma série de lacunas a se- Nise da Silveira e dos autores contemporâneos

114 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

que se dedicaram à pesquisa através da leitura enquanto ser humano, enquanto indivi-
de seus livros e artigos publicados. dualidade; tratava-se do doente número
x, munido de uma longa lista de diagnós-
2. A história do percurso de Jung com ticos e sintomas (p. 114).
pacientes esquizofrênicos
Jung (1990) trabalhou na clínica psiquiátri- Em suas memórias, Jung (1990) relata o
ca Burgholzli ligada à Universidade de Zurique, aprendizado com seus pacientes como no caso
onde tornou-se professor de psiquiatria e, em de Babette. Era uma paciente que tinha uma irmã
1905, e após passar por estudos com Pierre Ja- prostituta e o pai alcoólatra e, aos 39 anos, sur-
net, deu prosseguimento aos seus experimentos tou e apresentava delírios de grandeza. Jung via
com o teste de associação de palavras. Segundo no discurso de Babette a compensação simbóli-
Jung (1990), o teste de associação popularizou ca de um profundo sentimento de inferioridade.
seu trabalho nos EUA, vindo um número grande Outra paciente ouvia vozes, sendo que uma
de pacientes para consultar-se com ele, na Su- delas era a de Deus. Jung a visitou para ler a Bí-
íça. Jung (2019c) só abandonou o uso do teste, blia quinzenalmente, por seis anos, fazendo-a
quando iniciou o trabalho de análise de sonhos. lembrar da leitura anterior. A paciente melho-
Afinal, nos sonhos era possível detectar os com- rou, concentrando suas vozes que antes falavam
plexos do paciente com material espontâneo, pelo corpo inteiro, apenas no lado esquerdo. A
enviado diariamente pelo inconsciente. paciente, para Jung (1990), teve uma cura unila-
Os casos de psicoses merecem destaque teral, mas, de qualquer forma, o levou a compre-
nesse artigo e vêm relatados em suas memórias. ender que o ato intuitivo de ler com ela a Bíblia
Um deles trata de uma paciente que fazia gestos como ordenava a voz, de alguma forma a trouxe
com as mãos sem parar. Jung (1990) acreditava do mundo das imagens.
que, para compreender a doença, era necessá- Jung chama a atenção para o conteúdo da ex-
rio conhecer a história do paciente. Quando a pressão simbólica do paciente, que não é com-
paciente morreu, seu irmão contou a Jung que preensível para a consciência de forma imediata,
ela quisera se casar com um sapateiro, mas foi mas que o fato de não compreendermos não sig-
recusada por ele, o que desencadeou o seu pro- nifica que seja destituída de sentido. Jung (1990)
cesso de enlouquecimento. Nesse momento, considera que a psicoterapia para tais casos já
Jung compreende o gesto das mãos da paciente, fora utilizada por ele no começo de sua carrei-
expressão simbólica de seu sofrimento pela per- ra e não compreende por que esse método não
da do passado. Na época em que Jung (1990, p. é aplicável para muitos que tratam de doença
114) trabalhava no Burgholzli, quando foi médico mental. Para Jung, a cura é possível, e quando
chefe da clínica psiquiátrica por quatro anos, e acontecia muitas vezes, diziam que era um erro
descreve como era vista a doença mental já no de diagnóstico e não aceitavam a possibilidade
início de sua atuação como psiquiatra, como mé- de o indivíduo voltar para sua realidade cons-
dico assistente: ciente (JUNG, 1990).
São muitos os casos que Jung relata em sua
O ensino psiquiátrico procurava, por as- obra, e sua visão de cada indivíduo é única, por-
sim dizer, abstrair-se da personalidade tanto, o método deve ser de uma construção a
do doente e se contentava com diagnós- partir do que traz o paciente e exige do psicotera-
ticos, com a descrição dos sintomas e peuta um preparo individual com análise pessoal
dados estatísticos. Do ponto de vista clí- além do preparo técnico. Jung (2019b) percebeu
nico que então predominava, os médicos que não poderia trabalhar a simbologia por trás
não se ocupavam com o doente mental de uma psicose sem o estudo da mitologia, pois

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 115


Junguiana
v.39-1, p.111-126

não raro a presença de imagens arquetípicas tra- Nise (SILVEIRA, 1992) destaca a atuação de
zia significados importantes para a compreensão Laing pelo fato dele privilegiar a experiência do
das narrativas expressas pela alma do paciente. psicótico procurando compreender o que está por
Interessante notar que, para Campbell, segun- trás da doença. Laing esteve no Brasil em 1978 e,
do entrevista retratada no livro “A jornada do he- ao conhecer o Museu de Imagens do Inconscien-
rói”, a mitologia também tem uma função peda- te, emocionado beijou as mãos de Nise, tocado
gógica, trazendo para o homem uma orientação com o que viu e que tinha forte relação com aqui-
em momentos de crises nos quais aspectos racio- lo que havia vivido em suas experiências com pa-
nais não dão conta de abarcar toda a experiência. cientes esquizofrênicos (MELLO, 2014).
Assim, ele vê na mitologia a ligação do indivíduo à Nise não só negou a apertar o eletrochoque
sociedade, sua integração e seu significado. como foi firmemente contra a lobotomia. Em seu
Jung (2019b) considera que em grande par- trabalho sobre Lúcio, um interno com esquizofre-
te dos casos de esquizofrenia já estaria com- nia do hospital de Engenho de Dentro, Silveira
provado que os indivíduos não apresentariam (1992) revela as lindas esculturas que ele produ-
alterações no cérebro, embora essa fosse uma zia sempre na forma de guerreiros expressam a
doença com manifestações físicas e psíquicas. luta entre o bem e o mal e a deformação que teve
Considera também como na clínica de Zurique o em suas expressões artísticas após a cirurgia.
seu método foi tratar a investigação psicológica Apesar dos apelos de Nise, sua família permitiu
da doença mental. Para Jung (2019b), o conheci- que ele passasse por uma cirurgia de lobotomia
mento da história do indivíduo é primordial para perdendo toda a capacidade criativa, tornan-
qualquer análise do caso. do-se passivo e sem nenhum estímulo para a
Portanto, a ideia de Silveira (1981) de obser- criação de imagens (SILVEIRA, 1992).
var o paciente e compreender que ali há uma
expressão simbólica vem de encontro ao traba- 4. Diálogos entre Nise e Jung – A arte
lho que Jung desenvolveu com esquizofrênicos como expressão simbólica
e que, posteriormente, estendeu à sua clínica Nise iniciou seu trabalho com os pacientes,
particular para todos os tipos de pacientes e não que costumava chamar de clientes, com uma ofi-
apenas aos psicóticos e esquizofrênicos. O tra- cina de costura num espaço sem mesas e cadei-
balho com leitura de imagens que nascem no in- ras, no chão. Para aqueles que não queriam par-
consciente e emergem na consciência foi criado ticipar das oficinas, certa vez tirou suas meias e
por Jung, porém a amplitude que Nise deu a essa fez uma bola para que pudessem jogar futebol e
prática, com a criação de um arquivo gigantesco ter um espaço lúdico. Isso mostra que, mesmo
que é o acervo do museu, foi uma enorme contri- em situações onde não há material, é preciso
buição à psicologia analítica no mundo. ser criativo e propiciar um espaço para a criação
do paciente. Assim, Nise fazia das dificuldades
3. O uso da arte para trabalhar com a oportunidades de práticas criativas, usando sua
esquizofrenia por Nise da Silveira sensibilidade e praticidade. Em um dos relatos
Quando Nise da Silveira criou o setor de te- em sua biografia escrita por Mello (2014), ela di-
rapêutica ocupacional com oficinas e um atelier ria: “Tenho Lampião debaixo da pele... Também
de pintura, precisamos considerar que se trata- se não tivesse, já tinha sido esmagada há muito
va de uma iniciativa corajosa, pois sua ação foi tempo” (p. 294).
anterior ao movimento da antipsiquiatria que foi Os monitores, além de serem orientados para
iniciado com Cooper e Laing, na Inglaterra, Basa- trabalharem no atelier de pintura, participavam
glia, na Itália, além de outros que questionaram dos estudos em grupo de estudo conhecido e
a loucura revisitando sua história como Foucault. frequentado por muitos médicos, psicólogos e

116 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

profissionais de outras áreas, além de internos Jung por duas vezes em entrevistas e, em sua
do hospital. Sua grande amiga e médica Alice biografia, Mello (2014) relata a emoção de um
Marques consegue como diretora do hospital primeiro encontro e o conselho de Jung que dizia
abrir mais espaços para a terapêutica ocupacio- que ela deveria estudar mitologia para a melhor
nal. O serviço se amplia em oficinas de sapata- compreensão das imagens. Além disso, Jung ain-
ria, cestaria, teatro, jardinagem, música, carpin- da a convida a frequentar o instituto suíço, onde
taria, encadernação e recreação. Também desde ela completa sua formação.
1946, havia as oficinas de xilogravura, pintura O grande encontro de Jung e Nise se dá, portan-
e atividades expressivas, e os trabalhos eram to, pelas imagens. Sabemos que, para Jung, o tra-
tão importantes que Nise se inspira em criar em balho com imagens era algo que permeou empiri-
1952 o Museu de Imagens do Inconsciente. Em camente sua vida e sua prática com seus pacientes.
dezembro de 1946, foi feita a primeira mostra No livro recém-lançado “A arte de Jung”, Ho-
dentro do hospital psiquiátrico (MELLO, 2014). erni et al. (2019) comentam que a obra artística
Criticada pela psiquiatria tradicional, Nise de Jung, antes do lançamento de “O Livro Ver-
tem o apoio de artistas e intelectuais que com- melho” que veio a público por Sonu Shandasani
preendiam a grandeza de seu trabalho, como (JUNG, 2010) nunca havia sido publicada e or-
Carlos Drummond de Andrade que escreve um ganizada. Assim, o autor traz uma classificação
lindo texto em sua homenagem onde diz: da mesma com desenhos e pinturas de Jung de
fantasias e imagens suas internas, paisagens e
Nise interroga o inconsciente e consegue aquarelas, o esboço de suas casas em Kusnacht
que dele aflorem as representações artís- e Bollingen, objetos em sua casa com vários ti-
ticas espontâneas, prova de que nem tudo pos de materiais, o desenho do brasão de sua
em seus autores é caos e aniquilamento: família que é por ele reformulado, esculturas na
perduram condições geradoras de uma ati- pedra em sua casa em Bollingen, além de dese-
vidade bela, a serem devidamente estuda- nhos em cartões, pedra esculpida no memorial
das visando ao benefício do homem futu- de Toni Wolf e Emma Jung. No “Livro Vermelho”
ro, tornando-o mais transparente em suas (JUNG, 2010), inúmeras imagens esteticamente
grutas interiores (MELLO, 2014, p. 263). tratadas e belas revelam não apenas os aspectos
inconscientes de Jung traduzidos em imagens e
Na arte, onde compreendia o lugar de mais diálogos, mas o lado artístico do autor que am-
forte expressão simbólica, explorou várias possi- plifica seus símbolos com riqueza de detalhes e
bilidades. Quando os internos começam a dese- traços precisos de quem está familiarizado com
nhar mandalas, Nise escreve para Jung para que a expressão artística.
o “mestre” pudesse validar e confirmar se eram Seus pacientes eram sempre encorajados a
mandalas. Em uma carta ele confirma e, anos trabalhar seus símbolos e ampliarem seus sig-
depois, Nise se inscreve no II Congresso Interna- nificados, mesmo longe de sua presença e da
cional de Psiquiatria e o próprio Jung envia para sessão terapêutica. Assim, temos registros de
Nise um convite formal para sua participação. imagens de visões espontâneas de uma pa-
Ele abre a exposição brasileira e destaca o fato ciente nas suas conferências dos Seminários e
de que nas pinturas há temas comuns retratados Visões, que inicia explicando que as palestras e
por esquizofrênicos, mas apresenta cores vivas esse estudos tinham como objetivo falar sobre
num segundo plano da pintura, o que lhe parece a função transcendente por meio dos sonhos e
mostrar que esses pacientes pintavam envoltos das imagens expressas pelo desenho e pintura,
numa atmosfera afetiva de aceitação por parte promovendo a síntese de sua paciente. A ideia
dos que os acompanhavam. Nise esteve com era mostrar por esse material como era possível

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 117


Junguiana
v.39-1, p.111-126

estabelecer uma conciliação interna, através da percebendo as ligações entre uma crise e outra
superação dos opostos presentes nas possibili- e sentindo que poderiam ser traduzidas quando
dades simbólicas (JUNG, 1983). vistas sob a forma de símbolos. [...] A primeira
Para Jung (2019c), o símbolo define-se de for- observação foi que a maioria dos símbolos trazia
ma diferenciada, e a esse respeito ele escreve: no seu todo uma ligação do mundo interno com
“Chamamos de símbolo um conceito, uma figura o mundo externo” (p. 29).
ou um nome que nos podem ser conhecidos em Os trabalhos de pintura de Adelina, Carlos
si, mas cujo conteúdo, emprego ou serventia são Pertuis e Fernando Diniz tornaram-se documen-
específicos ou estranhos, indicando um sentido tários e estudos de caso de uma importância
oculto, obscuro e desconhecido” (p. 201). ímpar. Esses documentários foram feitos por
Assim, para Jung (2019c, p. 201), a base do Leon Hirszman, famoso cineasta brasileiro, que
símbolo é a função transcendente que permite retrata as imagens pintadas, bem como os auto-
que possamos efetuar a ligação entre conteú- res, com o texto de Silveira (1981). Esses docu-
dos conscientes e inconscientes. Essa reunião mentários trouxeram enorme repercussão para
de conteúdos pode promover uma síntese, uma o trabalho desses artistas, doentes mentais em
outra possibilidade que resulta dessa união de tratamento e que tinham sua história narrada
conteúdos opostos. pelas suas próprias imagens e analisadas por
Assim, a vida simbólica não se expressa ape- Nise. Silveira (1981) descreve esses casos clíni-
nas em imagens oníricas ou espontâneas que se cos, analisa suas imagens e segue o conselho
refletem na arte, mas pode estar contida em ou- de Jung de usar seus conhecimentos de mitolo-
tras formas de representação do símbolo. A pró- gia e pesquisas com material comparativo para
pria palavra pode ter um significado simbólico interpretar símbolos que expressavam imagens
ou, segundo Ramos (2006), os sintomas que sur- arquetípicas. Esses conteúdos eram originários
gem no corpo, como revela a psicossomática na do inconsciente, de suas camadas mais profun-
psicologia analítica. Porém, na arte, é possível das e se mesclavam com questões pessoais de
observarmos uma possibilidade de expressão forte teor afetivo, reprimidas, esquecidas e que
simbólica através da pintura, da escultura, da passam a ser retratadas nas imagens pintadas
música, da poesia, entre outras possibilidades. (MELLO, 2014).
Considerando que o paciente esquizofrêni- Ao tratar cada caso, Silveira (1981) utilizava
co tem uma dificuldade na comunicação clara e a mesma metodologia que Jung aplicava aos so-
objetiva, especialmente para falar de suas emo- nhos, a análise em série. Colocava diante de si
ções e do que se passa dentro de si, Nise da Sil- as inúmeras imagens dos pacientes, cataloga-
veira encontra na arte uma forte aliada como pro- das, datadas e seguia o percurso das imagens a
posta de expressão simbólica do paciente. Além partir da sequência que revelava a narrativa mí-
disso, possibilidades dessa expressão vindas de tica. Quando identificava o mito corresponden-
relatos escritos de paciente, como, por exemplo, te às imagens verificava a relação do conteúdo
o de Beta, paciente que se expressava em seu do mesmo com a história de vida do paciente.
caderno enquanto internada como psicótica, Silveira (1981) observava claramente na série de
também são muito relevantes. Em seu livro, Beta imagens que recolhia em anos de trabalho com
D’Rocha (2003) relata que através de estudos no os pacientes, a transformação dos símbolos e o
Museu e quando começou a frequentar o ateliê retorno do paciente para camadas mais próximas
de artes que passou a compreender o quanto à consciência. Constatava, assim como Jung o fi-
era importantes anotações que fizera num ca- zera anteriormente, que a psique inconsciente
derno que ganhara de sua irmã para fazer seus tinha uma função de auto-regulação que levava
registros dentro do hospital: “A partir daí, fui naturalmente o paciente a uma tentativa de re-

118 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

organização psíquica e autocura. Jung considera mães tinham inclusive garras de crustáceos. As
que: “Assim como o organismo reage de maneira imagens evoluem para temas mais recentes e
adequada a um ferimento, a uma infecção ou a mães mais amorosas. Surge uma versão de De-
uma situação anormal da vida, assim também as meter e Perséfone, deusas representantes dessa
funções psíquicas reagem a perturbações não díade mãe e filha inseparáveis. Até que Adelina
naturais ou perigosas, com mecanismos de de- chega na imagem da Virgem Maria. Também em
fesas apropriados” (2019c, p. 203). suas pinturas, depois de uma série de mães, apa-
Para Jung (2019e) o princípio de autorregula- rece o gato, representante de seus instintos tão
ção pode ser visto nos sonhos e imagens espon- fortemente reprimidos. Interessante notar que no
tâneas que são produzidas, e pode ser integrada seu primeiro surto, Adelina estrangula a gata de
parte de seu significado pela consciência, na sua casa. Portanto, percebemos que as imagens
medida que o ego for capaz de estabelecer um e as temáticas vão formando uma trama que aos
diálogo com esses aspectos inconscientes. Mas, poucos pode ser revisitada de uma forma mais
no caso da esquizofrenia, esse ego está frag- clara. A paciente esquizofrênica pinta suas ima-
mentado e, portanto, o caminho de volta para gens enquanto Nise a observa de longe, mas ela
esse diálogo é mais difícil e sinuoso. não fala sobre suas imagens, apenas a retrata e
Para Jung (2019e), a presença de imagens ar- diz poucas coisas a respeito. Porém, o fato de
quetípicas requer uma outra forma de ampliação essas imagens serem compartilhadas e virem à
em torno da imagem por parte do terapeuta, a qual consciência possibilitam uma grande melhora
ele chamou de amplificação. Assim escreve quan- para paciente que muda em sua atitude e com-
do estamos diante de um conteúdo arquetípico: portamento com os outros internos e com a equi-
pe do museu e monitores. Aos poucos, Adelina
A partir daí percebe-se claramente que se encontrou uma possibilidade de viver um pouco
trata de uma emoção coletiva, isto é, de mais próxima da realidade. Na realidade, namo-
uma situação típica fortemente afetiva, rou um interno e sua relação com o masculino fi-
que não é, em primeiro lugar, uma expres- cou mais saudável, bem como sua agressividade
são pessoal, mas só se torna de tal natu- excessiva desapareceu.
reza em fase posterior. Trata-se, primei- O caso de Adelina é um estudo no qual ve-
ramente, de um problema humano geral mos uma psique viva, dinâmica, capaz de ex-
que, por não ter chamado a atenção sub- pressar um drama interno através de imagens
jetiva, procura abrir caminho, de maneira pintadas numa narrativa imagética que precisa
objetiva, até a consciência do sonhador ser traduzida para que haja a compreensão de
(p. 247). seu conteúdo (SILVEIRA, 1981).
O fato de Nise ter colocado essa dinâmica
Silveira (1981) observou, por exemplo, em sua psíquica viva de vários pacientes em imagens,
paciente Adelina Gomes, cuja temática era a re- como prontuários de suas vidas inconscientes,
pressão materna e um desenlace ruim de uma re- valida empiricamente a teoria de Jung e possi-
lação amorosa fortemente reprimida pela mãe, a bilita uma abertura para pesquisas importantes
descrição do mito de Dafne. Nele, a ninfa em fuga sobre a esquizofrenia, ainda vista de forma pre-
do Deus Apolo é transformada em flor. A meta- conceituosa em nossa cultura.
morfose vegetal aparece fortemente nas imagens Silveira (1981) abriu vários campos para pes-
de Adelina bem como imagens da mãe terrível e quisa. Criou um museu de imagens, manteve
repressora. Esculturas também retratam essas os ateliês de pintura e arte, treinou sua equipe
características da mãe terrível, algumas compa- técnica em termos de atitude terapêutica, fez do-
radas com esculturas do neolítico onde essas cumentários preciosos de seus trabalho, inau-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 119


Junguiana
v.39-1, p.111-126

gurou um grupo de estudos de Jung com parti- Na pauta das análises de casos realizadas
cipação de sua equipe e de outros profissionais por Silveira (1981) e divulgados como estudos e
de saúde, bem como pacientes. Escreveu livros fontes de pesquisa, estão incluídas em seu se-
relatando seu trabalho, deu entrevistas discu- gundo livro as histórias de Lucio e suas escultu-
tindo as questões de saúde mental, realizou ex- ras de guerreiros que culminaram em seu triste
posições nacionais e internacionais mostrando fim após a cirurgia de lobotomia. Após a cirurgia,
que esquizofrênicos eram capazes de expressar descreve como a alma criativa de Lucio foi captu-
suas emoções, que eles também tinham uma rada e destruída. Incapaz de estabelecer contato
voz que ao ser silenciada, passava a ser repre- com a arte novamente, quando o fez, algumas
sentada por imagens. Realizou peças de teatro, vezes, tinha apenas uma expressão sem vonta-
com homenagens a Dionísio, personagem muito de e todo seu talento nem parecia ter existido
vivo nas pinturas dos internos, tema frequente um dia. Também as pinturas de Emygdio, retra-
que se intercalava com de outros deuses e deu- tos da desordem da psique inconsciente onde o
sas pagãos, que retratavam a dificuldade de su- mundo interno coincide com o externo e se cru-
primirmos os instintos da vida humana pregadas zam desordenadamente, aos poucos, através de
pela vida cristã (MELLO, 2014). sua pintura foi delimitando esses espaços, o que
O caso de Adelina foi apresentado em Zuri- se refletiu em sua melhora também (SILVEIRA,
que e relacionado com outros estudos de casos 1992). O crítico de arte Mario Pedrosa, segundo
europeus. Segundo Mello (2014), Nise conta que Mello (2014), elogiava sua pintura e o considera-
Marie Louise von Franz a ajudou na organização va um gênio da arte.
das imagens e o próprio Jung também incluiu Silveira (1981) cunhou alguns conceitos que
algumas das imagens brasileiras no arquivo do expressam simbolicamente e de forma imagéti-
Instituto C. G. Jung, em Zurique. ca o seu “fazer terapêutico”. Uma dessas expres-
Para Jung (2019d), o amor só poderia existir sões é a de “afeto catalizador” que representa a
com a presença dos instintos e a espiritualida- possibilidade de um espaço terapêutico que pro-
de juntos. A negação de uma dessas instâncias picie a expressão criativa do paciente através de
pode levar o indivíduo a uma cisão enorme tão um vínculo afetivo e encorajador. Silveira (1981)
presente ainda na contemporaneidade. Assim, apresentava uma enorme preocupação com a ca-
vemos que a história de Adelina, embora com pacitação e formação dos monitores que eram os
atravessamentos socioculturais, ainda é presen- que estariam mais próximos dos pacientes. Para
te na história de muitas mulheres que sofrem por isso não deveriam intervir no que eles estavam
decepções amorosas e apresentam um ego frágil pintando, mas propiciar, como na química, uma
para dar conta dessa dor e sofrimento. velocidade nas reações a partir de uma postura
Quanto às mandalas, na medida que começa- encorajadora e terapêutica.
ram a surgir no setor de terapêutica ocupacional, Von Franz (1999) irá falar da importância de
Nise enviou fotos para Jung e ele reconhece esse um campo afetivo no vínculo com o paciente
símbolo que surge em várias pinturas de seus pa- podendo propiciar um espaço transformador.
cientes e que aparecem nas religiões (MELLO, 2014). Gambini (2008, p. 138) vai usar a ideia do que
Jung (2019f) comenta que “[...] as mandalas ele chama do “solo” do trabalho terapêutico,
aparecem de preferência depois de estados de ou seja, do espaço capaz de fazer surgir e nas-
desorientação, pânico ou caos psíquico” (p. cer transformações com a presença do pacien-
356). Seu objetivo é, segundo Jung, transformar te e do psicoterapeuta. Vemos, portanto, que
o caos e trazer uma certa ordem numa atitude Silveira (1981) compreendia a importância tera-
compensatória da psique, cuja função autorre- pêutica dos monitores que, mesmo não sendo
guladora já tratamos anteriormente. psicólogos, deveriam assumir uma postura de

120 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

investimento no próprio processo interno e de sumem a uma série de pinturas guardadas e ex-
conhecimento, para que pudessem estar jun- pressas por pacientes, mas fazem parte de uma
to ao paciente sem intervenções particulares, pesquisa de grande sofisticação, apresentando
pois sabia que tal qual no processo analítico, uma série de imagens que revelam o caráter ar-
ao observarem as pinturas e o convívio com os quetípico das histórias humanas com as quais
pacientes, eles sairiam também transformados. encontram-se relacionadas.
Por essa razão, participavam com frequência dos Além disso, muitos pacientes apresentavam
eventos e grupos de estudo do Museu de Ima- melhora em seu quadro clínico e se relacionavam
gens do Inconsciente. O afeto catalizador era de melhor com seus familiares, com outros internos
uma atitude encorajadora, porém não diretiva, e com a equipe. Foi quando Nise criou a Casa
quanto ao que o paciente iria pintar. das Palmeiras, uma clínica onde o paciente fazia
Uma outra expressão de Nise é a que ela uma transição do hospital para sua vida familiar
chama de “Emoção de lidar”, que trata-se do fa- e em comunidade. Era uma casa para o pacien-
zer ou se expressar com as mãos, com o fazer te passar parte do dia e ainda ter referência do
terapêutico. Ou ainda “os inumeráveis estados tratamento anteriormente recebido e o trabalho
do ser”, expressão que foi inspirada na leitura com a arte como expressão de suas emoções.
de Antonin Artaud, poeta francês que foi inter- Nesse sentido, podemos dizer que Silveira foi
nado em hospital psiquiátrico, capaz de, mes- precursora dos Centros de Atenção Psicossocial
mo como paciente, fazer uma severa crítica à (CAPS), na medida que A Casa das Palmeiras era
psiquiatria tradicional e o uso de técnicas como um lugar apenas para o paciente passar o dia,
o eletrochoque. Silveira (1981) dizia que essa acompanhado de familiares ou sozinho. Nise se
expressão seria mais adequada do que a pala- preocupava muito com a questão do egresso e
vra esquizofrenia, que rotulava e diagnosticava queria conseguir que o paciente pudesse de fato
o doente tirando dele sua humanidade. Ora, se ser reintegrado à sociedade. Portanto, a Casa
pensarmos nos complexos, nomeados por Jung das Palmeiras servia como uma ponte entre a
de subpersonalidades, presentes na psique de institucionalização e a volta para a vida social
todos nós, cujo núcleo sempre está ligado a um (MELLO, 2014).
arquétipo, podemos visualizar essa pluralidade Para Nise, a psiquiatria foi algo que integrou
de formas de ser que podem vir a tona na consci- em sua trajetória assim como Jung que trouxe
ência, especialmente se o ego, o grande maestro sua experiência psiquiátrica como importante
da consciência, apresentar fissuras profundas, passagem de aprendizado fundamental em sua
como no caso da esquizofrenia. vida. Em 1950, escreve ao filho de Bleuler uma
Para Jung (2019c, p. 87), o complexo é formado carta, visto que ele continua com o trabalho do
por um aglomerado de associações com uma tona- pai na clínica psiquiátrica do Burgholzli:
lidade afetiva acentuada ou traumática. A visão de
Artaud desses inúmeros estados que podem ser Devo muito à psiquiatria e sempre me
vividos revela na verdade a natureza múltipla de conservei interiormente próximo a ela,
nossa psique, já que os complexos para Jung são pois desde o início me preocupou um pro-
dotados de energia própria e comportam-se como blema geral: de que estrato procedem as
personalidades que ele chama de “parciais”, pos- ideias tão impressionantes da esquizo-
suindo inclusive uma “fisiologia própria” e na es- frenia? As questões daí resultantes leva-
quizofrenia vão se manifestar deliberadamente ram-me aparentemente para bem longe
como personalidades parciais (JUNG, 2019e). da psiquiatria clínica e fizeram-me peram-
Portanto, são muitas as contribuições de bular pelo mundo todo. Nessas viagens
Nise da Silveira com seu trabalho, que não se re- aventureiras descobri tantas coisas que

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 121


Junguiana
v.39-1, p.111-126

nunca sonhei em Burgholzli; mas a ma- Nise da Silveira foi a primeira brasileira a es-
neira rigorosa de observar, que lá apren- tudar no Instituto C. G. Jung de Zurique, a conhe-
di, acompanhou-me por toda a parte e cer Jung e a ter o reconhecimento dele para seu
ajudou-me a entender objetivamente a trabalho. Se não bastasse isso, deu continuida-
estranha psique (JUNG, 2019a, p. 171). de ao trabalho com esquizofrênicos e pesquisou
as manifestações das imagens arquetípicas pre-
Silveira (1981) também tinha uma outra carac- sentes na expressão simbólica desses pacientes
terística interessante: ela costumava observar os seguindo a mesma perspectiva que Jung criou
pacientes, sobretudo quando estavam pintando em seu método de leitura de imagens, com base
ou realizando alguma atividade. Segundo a au- em amplificações e estudos de material compa-
tora, gostava de ver as expressões e a força que rado na mitologia e alquimia.
os impulsionava às imagens. Isso diferenciava Atualmente passamos por um momento po-
seu olhar para as imagens, pois participava da lítico no qual ainda ouvimos a respeito de técni-
sua criação de uma forma silenciosa, mas afe- cas e intervenções agressivas para a cura de pa-
tiva. A observação e a pesquisa eram constan- cientes. A discussão da medicalização e de uma
tes, bem como os estudos que iam desde Jung possível volta de hospitais psiquiátricos nos
à Bachelard, Machado de Assis, Freud, entre ou- lembraram tempos sombrios pelos quais Nise
tros tantos nomes que deixou em sua biblioteca passou em sua prática como médica psiquiatra.
particular. Essa lista de leituras foi deixada por Como profissionais que escutam a alma huma-
ela para serem discutidas nos grupos de estudo, na, precisamos estar atentos aos ruídos que se
cumprida até hoje pelo projeto BENEDITO, um anunciam para destruir a liberdade conquistada
grupo de interessados em debater conteúdos de e os avanços da saúde mental. Temos muito ain-
textos propostos por Nise. da a aprender com Nise e com Jung e temos mais
Em sua velhice, assim como Jung, aproximou-se junguianos e niseanos buscando ampliar essas
mais da vida instintual e da natureza, especial- ideias no fomento à estudos e pesquisas.
mente dos animais que amava. Tinha vários gatos O extenso trabalho de Nise da Silveira, vivo
e escreveu sobre o simbolismo dos gatos. Consi- até hoje e expandido para vários grupos em todo
derava os animais coterapeutas, pois, devido ao o Brasil, precisa ser constantemente revisitado
seu afeto incondicional, eram capazes de trazer o e ainda mais aprofundado. Não aproveitamos
paciente de suas imagens internas para um pouco com profundidade o imenso legado que ela nos
da realidade consciente. No final da vida costuma- deixou para a pesquisa, sobretudo de pacientes
va ir a um retiro budista em Santa Teresa, bairro do psicóticos e esquizofrênicos. Esse legado que
Rio de Janeiro. Morreu dizendo que ia para “outras Nise nos deixou demonstra didaticamente a es-
galáxias” e escreveu num poema que o poeta do trutura da psique proposta por Jung, composta
espaço “não carrega nem cajado nem sacola” por- de camadas mais profundas do inconsciente co-
que possui a liberdade (MELLO, 2014). letivo que se manifestam pelas imagens arquetí-
picas. Ela retrata em sua relação construída com
5. Considerações finais o paciente respeitando seu potencial interno, o
Sempre que se trata de Nise da Silveira, que Jung compreendeu como um método cons-
tem-se a impressão de ter esquecido algo das trutivo na relação terapêutica.
inumeráveis possibilidades e contribuições que Em seu trabalho, vemos o mito vivo e com-
trouxe para a psicologia. Sempre parece pouco preendemos o que disse Campbell por toda sua
retratar o que fez essa grande mulher e profis- vida, sobre o poder transformador e educativo
sional pela saúde mental e psicologia analítica, das narrativas míticas, da origem sagrada des-
especialmente no Brasil. sas narrativas que retratam o humano e estão

122 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

presentes nas imagens mais arcaicas manifes- o símbolo é um transformador de energia que
tadas por nossa psique, atravessando nossos pode nos levar de um nível psíquico para outro.
complexos culturais e pessoais. Jung também obteve na imagem sua outra
Em seu livro “Cartas a Spinoza”, vemos seu língua, expressando-se através das imagens e
olhar para o transpessoal e visitamos as frontei- dando imensa importância à sua vida simbólica.
ras da espiritualidade construída e não fragmen- Vemos isso em toda sua vida relatada em suas
tada. Em seu amor por Artaud, vemos a empatia memórias e da qual seus livros são testemunhos
com suas ideias e com sua linguagem poética. de suas formas de pensar o ser humano em sua
Nise tem uma fala imagética presente na nar- dimensão psíquica. Em seu último ensaio, dedi-
rativa dos casos clínicos de seus pacientes, onde cado ao livro “O homem e seus símbolos”, con-
transforma suas biografias em vidas carregadas cluído poucos dias antes de sua morte, deixa
de símbolos e emoção. Devolve para essas pes- sua última mensagem para leigos. Ressalta a im-
soas, que foram tão maltratadas e coisificadas portância dos sonhos com acesso ao inconscien-
pela psiquiatria tradicional e por uma sociedade te e a importância de termos uma vida simbólica
de preconceitos, uma vida simbólica. Ao devol- que nos traga significado.
ver isso a seus pacientes ou clientes, é capaz de Assim, Nise e Jung viveram o mundo das ima-
reestruturar certo equilíbrio psíquico e afetivo, gens e aprenderam a olhar além da expressão
tornando todos menos invisíveis socialmente. verbal. Ambos perceberam que, além das pala-
Nise trata as expressões simbólicas como vras, há uma mensagem expressa por outras for-
sua segunda língua, dedicando-se sempre ao mas simbólicas, e que até nas palavras podemos
estudo da arte, da música e do teatro. Teve gran- ver os símbolos se expressarem. Para traduzir os
des amigos artistas e o apoio de todos, porque símbolos, Jung nos lembra que o intelecto só não
eles compreendiam essa sua segunda língua, dará conta e que, por isso, faz-se necessário re-
a linguagem simbólica. Afinal o artista também correr a outras formas de ler a linguagem simbó-
passa por muitas metamorfoses parecidas com lica e as mensagens da alma. Compreender es-
o chamado “louco”, mas é capaz de voltar do sas imagens foi a tarefa de Jung e Nise. Ampliar
mundo das imagens sem ser consumido por esse legado é um trabalho de todos nós! ■
elas. Eles têm um ego que suporta esse conta-
to e conseguem compartilhar e transformar suas Recebido em: 24/03/2021 Revisão em: 25/06/2021
emoções em arte, sem serem inundados pelos
conteúdos inconscientes. Afinal, sabemos que

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 123


Junguiana
v.39-1, p.111-126

Abstract
Dialogues between Nise and Jung: the expressive work of Nise da Silveira and
their contributions to analytical psychology
Nise da Silveira was a reference in analyti- with some studies by Jung, Nise da Silveira
cal psychology for basing her work in the ref- and other authors who have dedicated them-
erences of Jung who gave support in her work selves to understanding the theme treated,
and invited her to exhibit works carried out in supporting this analysis. It is considered that
mental health in Brazil, in an exhibition in Zu- the work with schizophrenics and the reading
rich. The objective of this article is to analyze of images used in the Museum of Images of the
aspects of Nise da Silveira’s work and her con- Unconscious, remain as a legacy that is still in
tributions to analytical psychology. The meth- motion in analytical psychology as a source of
odology is the use of bibliographic research research and study. ■

Keywords: analytical psychology, mental illness, art, museum of images of the unconscious.

Resumen
Diálogos entre Nise y Jung: la obra expresiva de Nise da Silveira y sus contri-
buciones a la psicología analítica
Nise da Silveira fue una referencia en psi- ográfica con algunos estudios de Jung, Nise da
cología analítica para guiar su trabajo sobre Silveira y otros autores que se dedicaron a com-
las referencias de Jung que la apoyaron en su prender el tema tratado que sustenta este análi-
trabajo y la invitaron a exponer obras realizadas sis. Se considera que el trabajo con esquizof-
en salud mental en Brasil, en una exposición rénicos y la lectura de imágenes utilizadas en
en Zúrich. El objetivo de este artículo es anal- el Museo de Imágenes del Inconsciente, quedan
izar aspectos del trabajo de Nise da Silveira y como un legado que todavía está en movimien-
sus contribuciones a la psicología analítica. La to en la psicología analítica como fuente de in-
metodología es el uso de la investigación bibli- vestigación y estudio. ■

Palabras clave: psicología analítica, enfermedad mental, arte, museo de imágenes del inconsciente.

124 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.111-126

Referências
CRUZ JUNIOR, E. G. Do asilo ao museu: ciência e arte ______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
nas coleções da loucura. 2015. 385 fls. Tese (Doutorado em Petrópolis, RJ: Vozes, 2019f. (Obras Completas 9/1)
Museologia e Patrimônio) — Centro de Ciências Humanas
e Sociais, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, ______. Psicogênese das doenças mentais. Petrópo-
Rio de Janeiro, RJ, 2015. lis, RJ: Vozes, 2019b. (Obras Completas 3)

D’ROCHA, B. A história de Beta. Brasília, DF: Ministério ______. Psicologia do inconsciente. Petrópolis, RJ:
de Saúde, 2002. Vozes, 2019d. (Obras Completas 7/1)

GAMBINI, R. A voz e o tempo. São Paulo, SP: Ateliê, 2008. ______ Seminários das visões. Trad. Petho Sandor. São
Paulo, SP: 1983.
HOERNI, U.; FISCHER, T.; KAUFMANN, B. A arte de C. G.
Jung. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019. MELLO, L. C. Nise da Silveira: caminhos de uma psiqui-
atra rebelde. Rio de Janeiro, RJ: Hólus, 2014.
JUNG, C. G. A natureza da psique. 1916. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2019e. (Obras Completas 8/2) RAMOS, D. G. A psique do corpo. São Paulo, SP: Sum-
mus, 2006.
______. A vida simbólica. 1935. Petrópolis, RJ: Vozes,
2019c. (Obras Completas 18/1) SILVEIRA, N. Imagens do inconsciente. Brasília, DF:
Alhambra, 1981.
______. Cartas de C. G. Jung: volume II 1946-1955.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2019a. ______. O mundo das imagens. São Paulo, SP: Ática,
1992.
______. Memórias, sonhos e reflexões. São Paulo, SP:
Circulo do Livro, 1990. VON FRANZ, M. L. Psicoterapia. São Paulo, SP: Paulus,1999.

______. O livro vermelho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 125


126 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.127-142

Dialogues between Nise and Jung:


the expressive work of Nise da Silveira and
her contributions to analytical psychology

Marisa V. Catta-Preta*

Abstract Keywords:
Nise da Silveira was a reference in analytical legacy that is still in motion in analytical psychology analytical
psychology for basing her work on Jung’s referenc- as a source of research and study. ■ psychology,
es, who supported her work and invited her to ex- mental illness,
art, museum
hibit works related to mental health in Brazil, in an
of images of
exhibition in Zurich. The objective of this article is to the uncon-
analyze aspects of Nise da Silveira’s work and her scious.
contributions to analytical psychology. The meth-
odology is the use of bibliographical research on
some studies by Jung, Nise da Silveira, and other
authors who dedicated themselves to understand-
ing the theme. It is considered that the work with
schizophrenics and the reading of images used in
the Museum of Images of the Unconscious remain a

* Psychologist with a Jungian approach. Master and Doctoral


student in Clinical Psychology at the Catholic Pontifical Uni-
versity of São Paulo (Pontífícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC-SP) at the Center for Jungian Studies (Núcleo de
Estudos Junguianos). Professor of the discipline of Analytical
Psychology at PUC-SP and at the Metropolitan University of
Santos (Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES).
Supervisor of Improvement in Psychotherapy for adults from
the perspective of analytical psychology (PUC/COGEAE). Co-
ordinator of the postgraduate course in Jungian Psychology
(UNIMES). Author of the book A noite da alma – sonhos e
insônia and co-author of Sonhos e Arte, Sonhos na Psicologia
de Jung, Jung e Saúde e 95 anos de Paulo Freire.
E-mail: mvcpreta@pucsp.br> e marisa.martins@unimes.br

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 127


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Dialogues between Nise and Jung: the expressive work of Nise da Silveira and
her contributions to analytical psychology

1. Introduction The impact of those who know the Museum


To discuss the work of Nise da Silveira is is great, because over there everything is true.
to invite the reader to know one of the master There is, in fact, a carefully maintained collection
construction guidelines of my education and of of works in series that make it possible to see
many colleagues working with the Jungian ap- the patient’s evolution process. There are many
proach. Her profound reflections on the reality works cataloged and, when we walk through the
of the mentally ill and their social crossings in ateliers, we actually see art being built in the Mu-
Brazil, in different political moments and her seum’s daily space. The affection, creation and
engagement in the struggles for better public dedication of the museum staff, as well as the
health were determinant for a generation of way they actually understand Nise da Silveira’s
psychologists who have her as a reference. But work, are spectacular. On my first visit, I left the
it was mainly the respect attributed to human Museum fascinated and since then I have not
uniqueness and to research in mental health, only studied even more what Nise left behind,
not only through more humanized methods but but I have developed a friendship of trust and
through paths that seek to give concrete form admiration with the museum staff: Gladys Schin-
to the symbolic expression of the unconscious cariol, a psychologist who runs the Museum and
images of her patients, in a proposal to analyze who is with Nise since she was still a student; Eu-
what Jung brought theoretically for all of us, ripides Junior, who took care of the images and is
what delighted me when I first heard about her currently in charge of the Sociedade Amigos do
work. As a student, I read her best-know produc- Museu, completing his doctorate in 2015 on art
tion, the book “Images of the Unconscious”, in and madness collection; and Luis Carlos Mello,
the voice of Alice Marques — a doctor who was who is responsible for the direction and organi-
part of her team for years and was a close friend zation of national and international exhibitions
— at a Brazilian congress, which sparked my in- of the works. The strength of this team formed by
terest in studying Nise’s work. The refinement of Nise, which conducts this legacy respectfully, is
the particularities of her work and the way she great and today is associated with several collab-
related it to the practice of analytical psycholo- orators and networks around the Museum. It is
gy — work approved by Jung and has Von Franz with courage and determination, going through
to do the analysis and guidance — brought me various public policies, prejudices of traditional
great impact. I understood that if I wanted to psychiatry and lack of support from governments
follow the path of Jungian psychology, I would that neglect the cause of mental health, that this
have to go to Rio de Janeiro to visit the Museum team goes through decades of work in the Muse-
of Images of the Unconscious. When I was there um of Images of the Unconscious — a museum
a few years later, Nise was already out of public that is still alive and present in discussions in
service and I could not see her. But in exchange analytical psychology.
for a small gift that I gave to her, she sent me Nise da Silveira is one of those names that
as a souvenir some errata from an exhibition marked not only mental health and Jungian psy-
by Carlos, Adelina and Emygdio, given to me by chology but also the national scene of her time.
Luis Carlos Mello — which is a gift that I keep Her political positions are known, after all, she
with great affection. was a political prisoner in the room 4 — a famous

128 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

room for personalities such as Olga Benário the Brazilian exhibition at an International Con-
Prestes and Maria Werneck, among other im- gress and invited Nise to study at the C. G. Jung
portant women in the Brazilian political scene. Institute in Zurich, in addition to referring her to
She was a character of Graciliano Ramos in his one of his most important disciples to guide her
book Memórias do Cárcere, painted by the artist in her works, brings us the idea of the interest
Di Cavalcanti, a friend of Manuel Bandeira and of the creator of analytical psychology himself
friend of art critics like Mario Pedrosa — who in her works. This happened after an exchanged
called Virgin Art what Jean Dubuffet called brute correspondence in which Nise sent the Brazilian
art and included the expressions of individuals works to Jung to confirm that they were manda-
who were on the margins of our society. las, and he does so, confirming that they were
The only woman in her time at the Faculty of really mandalas. Nise later returned to Switzer-
Medicine in Bahia, she came to Rio de Janeiro land twice more, taking a case study, and on
where she worked as a doctor her entire life. these occasions, deepened her studies in Jung-
A Northeastern woman, at a time when these ian psychology even more, in addition to acquir-
attributes were enough to generate strong so- ing Jung’s deep respect and interest in the ex-
cial and cultural prejudices, Nise was firm and pressions of the unconscious portrayed in Brazil
always engaged in the great battle in defense (MELLO, 2014).
of the less favored, the mentally ill, who, in her Nise da Silveira’s work illustrates what Jung
time, were largely abandoned by their families postulated in his work through his theoretical
and by society in psychiatric hospitals that concepts.
used abusive methods, excessive drug inter- In this article, I begin a brief introduction to
ventions and indiscriminate use of electro- Jung’s own work with psychotic and schizophren-
shock (MELLO, 2014). ic patients and his experience with them. For
For Jungian psychology, Nise da Silveira’s Jung (2019b):
method, which was based on analytical psy-
chology, studies by antipsychiatry authors such To my satisfaction, I was able to prove
as Ronald Laing, in addition to a deep study of that the illness, although on a reduce
art and mental health, brought important contri- scale, can be treated through psycho-
butions due to the fact that it originated in the therapy. However, as soon as psycho-
hands of the only psychiatrist in Brazil, with a logical treatment is accepted, the ques-
reading in the Jungian approach capable of sys- tion arises about the psychotic content
tematizing images of schizophrenic patients and its meaning. We already know that,
and creating a museum with these images. The in many cases, we are dealing with a
Museum was a creative idea and extremely im- psychological material comparable to
portant for the research of those interested in certain materials from neuroses and
the symbolic expression of mostly schizophrenic dreams, which are understood from
and psychotic patients. The Museum of Images the person’s point of view. However, in
of the Unconscious, which currently has more contrast to the content of a neurosis, sa-
than 350 thousand works, is a collection of great tisfactorily explainable by biographical
importance also for the study of Jung’s analyti- data, the psychotic contents show parti-
cal psychology, because there we see his theory cularities that escape the individual cir-
alive and expressed in symbols of personal and cumstances of life, which we also obser-
archetypical origin (CRUZ JUNIOR, 2015). ve concerning dreams whose symbolism
The fact that Jung, upon receiving the photos cannot be correctly explained based in
of the Brazilian mandalas sent by Nise, opened personal data (p. 285).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 129


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Next, the article portrays the importance of Jung and who, on the advice of the master’s ad-
working with art as a symbolic expression for vice, as she called him, finds in mythology a way
Jung, in his own experiences and with his pa- of understanding and systematically studying
tients. I consider Jung’s personal experiences the images that over time takes on its indelible
and his symbolic expression through paintings mark. The idea of founding a Museum of Imag-
and stone sculptures, especially present in his es of the Unconscious with the productions of
memoirs and in the Red Book (JUNG, 2010), in patients for research in schizophrenia which,
addition to the illustrated works present in his according to Cruz Junior (2015), resulted in a col-
work with images painted by patients and in the lection of more than 350 thousand works, most
Seminaries Dreams and Visions. of them listed by the National Institute of Historic
I continue in the article highlighting Nise’s and Artistic Heritage, was one of her most bril-
trajectory in the construction of her work crossed liant creations. The Museum’s collection is the
by political and social issues in Brazil and the largest of its kind in the world. To obtain these
difficulty of keeping alive the Museum of Images data, the author researched several initiatives
of the Unconscious as a serious research work to work with the mentally ill involving artistic ex-
based on the concepts of analytical psychology. pression, but none of them is compared to the
Silveira (1981) writes: number of works that make up the Museum of
Images of the Unconscious (CRUZ JUNIOR, 2015).
Certainly, abstract language lends itself In addition, I emphasize the importance of
to giving form to personal secrets, satis- the works’ museum and the “living museum” for
fying a need for expression without others research in psychology as a place that has more
owing them. But in the hospital, this productions cataloged and inserted in the collec-
translation of lines into words is rare. Do tion even after Nise’s death, and the importance
not be under the illusion that where you of continuing this project and her work in Brazil,
see interlocking lines, it means ambition. with the team that follow her steps and contin-
I soon became convinced of the impossi- ues the daily work in the research of unconscious
bility of establishing codes. Abstract lan- images. Currently, the museum’s staff is directed
guage creates itself at every moment, at by the same members who accompanied Nise da
the impulse of the forces in motion in the Silveira. They direct the main works of the Muse-
unconscious. It was an empirical finding um and its exhibitions in Brazil and abroad, in a
(p. 19). struggle to maintain the Museum’s work in the
mold of its creator.
Finally, I relate Nise’s work to Jung’s concepts, The objective of this article is to analyze as-
present in documentaries and authored books in pects of Nise da Silveira’s work and her contribu-
which case studies are described and analyzed tions to analytical psychology. The methodology
by the author from the perspective of analytical is the bibliographical research of publications by
psychology. Her meeting with Jung introduces a Jung, Nise da Silveira and contemporary authors
series of gaps to be filled on mental illness by the who dedicated themselves to research through
author, who, upon returning from Zurich, creates the reading of their books and published articles.
a study group and promotes the museum’s work
with information obtained on the collection of 2. The history of Jung’s journey with
the C. G. Jung Institute in Zurich (MELLO, 2014). schizophrenic patients
I conclude by demonstrating the particulari- Jung (1990) worked at the Burgholzli psychi-
ty of Nise da Silveira’s work, which follows the atric clinic attached to the University of Zurich,
methodology of reading images postulated by where he became a professor of psychiatry and,

130 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

in 1905, after studying with Pierre Janet, he con- Another patient heard voices, one of which
tinued his experiments with the word association was from God. Jung visited her to read the Bible
test. According to Jung (1990), the association every two weeks for six years, reminding her of
test popularized his work in the US, with a large the previous reading. The patient improved, con-
number of patients coming to see him in Switzer- centrating her voices, which previously spoke
land. Jung (2019c) only abandoned the use of the throughout the body, only on the left side. The
test when he started his dream analysis work. patient, for Jung (1990), had an unilateral cure,
After all, in dreams, it was possible to detect the but, in any case, it led him to understand that the
patient’s complexes with spontaneous material intuitive act of reading the Bible with her as the
sent daily by the unconscious. voice ordered, somehow brought her from the
The cases of psychosis are highlighted in this world of images.
article and are reported in his memoirs. One of Jung draws attention to the content of the ’pa-
them deals with a patient who made hand ges- tient’s symbolic expression, which is not immedi-
tures non-stop. Jung (1990) believed that in or- ately comprehensible to consciousness, but the
der to understand the disease, it was necessary fact that we do not understand does not mean
to know the patient’s history. When the patient that it is meaningless. Jung (1990) considers
died, her brother told Jung that she wanted to that psychotherapy for such cases had already
marry a shoemaker but was refused by him, been used by him at the beginning of his career
which triggered her process of going mad. At this and does not understand why this method is not
moment, Jung understands the gesture of the pa- applicable for many who treat mental illness.
tient’s hands, a symbolic expression of her suf- For Jung, healing is possible, and when it often
fering due to her loss of the past. happened, others said it was a misdiagnosis and
At the time when Jung (1990) was working at did not accept the possibility of the individual
Burgholzli, where he was chief physician of the returning to his conscious reality (JUNG, 1990).
psychiatric clinic for four years, and describes how There are many cases that Jung reports in his
mental illness was seen at the beginning of his work, and his view of each individual is unique,
work as a psychiatrist, as an assistant physician: therefore, the method must be a construction
based on what the patient brings and it re-
Psychiatric teaching sought to abstract it- quires from the psychotherapist an individual
self from the patient’s personality and was preparation with personal analysis in addition
content with diagnoses, with description to technical preparation. Jung (2019b) realized
of symptoms and statistical data. From the that he could not work the symbology behind
prevailing clinical point of view, physicians a psychosis without the study of mythology, as
were not concerned with the mentally ill as the presence of archetypal images often brought
a human being, as an individuality; it was important meanings to the understanding of the
patient number x, armed with a long list of narratives expressed by the patient’s soul.
diagnoses and symptoms (p. 114). It is interesting to note that, for Campbell,
according to an interview portrayed in the book
In his memoirs, Jung (1990) reports to learn ‘‘The Hero’s Journey”, mythology also has a
with his patients, like was with Babette’s case. pedagogical function, bringing to man an ori-
She was a patient who had a prostitute sister and entation in moments of crisis in which rational
an alcoholic father, and at age 39, she freaked aspects are not able to encompass the entire
out and had delusions of grandeur. Jung saw in experience. Thus, he sees in mythology the in-
Babette’s speech the symbolic compensation of dividual’s connection to society, its integration
a deep sense of inferiority. and its meaning.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 131


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Jung (2019b) considers that in most cases of Nise not only refused to press the button of
schizophrenia, it has already been proven that electroshock but was firmly against the loboto-
individuals would not present changes in the my. In her work on Lucio, an intern with schizo-
brain, although this was a disease with physical phrenia at the Engenho de Dentro hospital, Sil-
and psychological manifestations. He also con- veira (1992) reveals the beautiful sculptures he
siders how at Zurich clinic his method was to always produced in the form of warriors, express-
treat the psychological investigation of mental ing the struggle between good and evil and the
illness. According to Jung (2019b), knowledge of deformation he had in his artistic expressions
the individual’s history is essential for any anal- after surgery. Despite Nise’s appeals, his family
ysis of the case. allowed him to undergo lobotomy surgery, losing
Therefore, Silveira’s (1981) idea of observing all his creative capacity, becoming passive and
the patient and understanding that over there is without any stimulus to create images (SILVEIRA,
a symbolic expression is aligned with the work 1992).
that Jung developed with schizophrenics, which
he later extended to his private practice for all 4. Dialogues between Nise and Jung –
patients, not only the psychotics and schizo- Art as a symbolic expression
phrenics. Nise began her work with patients, whom she
The work with reading images that are born used to call clients, with a sewing workshop in
in the unconscious and emerge in the conscious- a space without tables and chairs, on the floor.
ness was created by Jung, but the scope that For those who did not want to participate in the
Nise gave to this practice, with the creation of a workshops, she once took off her socks and
gigantic archive that is the museum’s collection, made a ball, so they could play football and have
was a huge contribution to analytical psychology a playful space. This shows that, even in situa-
in the world. tions where there is no material, it is necessary
to be creative and provide a space for the patient
3. The use of art to work with schizo- to create. Thus, Nise turned difficulties into op-
phrenia by Nise da Silveira portunities for creative practices, using her sen-
When Nise da Silveira created the occupa- sitivity and practicality. In one of the accounts, in
tional therapy sector with workshops and a one of her biographies, written by Mello (2014,
painting studio, we need to consider that it was a p. 294), she would say: “I have Lampião under
courageous initiative, as her action predated the my skin... If I hadn’t, I would have already been
antipsychiatry movement that was started with crushed a long time ago.”
Cooper and Laing, in England, Basaglia, in Italy, The monitor, in addition to being oriented to
besides others who questioned madness revisit- work in the painting studio, participated in the
ing the patient’s history as Foucault. study group, studies known and attended by
Nise (SILVEIRA, 1992) highlights Laing’s per- many doctors, psychologists and professionals
formance because he privileges the psychotic’s from other areas, as well as hospital residents.
experience, seeking to understand what is be- Her great friend and doctor Alice Marques, as the
hind the disease. Laing was in Brazil in 1978 hospital’s director, manages to open more spac-
and, upon visiting the Museum of Images of the es for occupational therapy. The service expands
Unconscious, he was moved and kissed Nise’s into shoemaking, basketwork, theater, garden-
hands, touched by what he saw and that had a ing, music, carpentry, binding and recreation
strong relationship with what he had lived in his workshops. Also, since 1946, there were work-
experiences with schizophrenic patients (MEL- shops for woodcuts, painting and expressive
LO, 2014). activities, and the works were so important that

132 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Nise was inspired to create, in 1952, the Muse- something that empirically permeated his life
um of images of the Unconscious. In December and practice with his patients.
1946, the first exhibition was held inside the psy- In the recently released book “The Art of C. G.
chiatric hospital (MELLO, 2014). Jung”, Hoerni et al. (2019) comments that Jung’s
Criticized by traditional psychiatry, Nise has artwork, prior to the release of the “Red Book”,
the support of artists and intellectuals who un- which was made public by Shandasani (JUNG,
derstood the greatness of her work, such as Car- 2010), had never been published and organized.
los Drummond de Andrade, who writes a beauti- Thus, the author brings a classification of the art-
ful text in her honor, where he says: work with Jung’s drawings and paintings of his
internal costumes and images, landscapes and
Nise interrogates the unconscious and watercolors, the sketch of his houses in Kusnacht
manages to bring spontaneous artistic and Bollingen, objects in his house with various
representations out of it, proof that not types of materials, the drawing of the coat of arms
everything in its authors is chaos and from his family that he reworked, stone sculptures
annihilation: conditions that generate a in his house in Bollingen, as well as drawings on
beautiful activity persist, to be properly cards, stone carved in the memorial of Toni Wolf
studied for the benefit of the future man, and Emma Jung. In the “Red Book” (JUNG, 2010),
making him more transparent in his inner numerous aesthetically treated and beautiful im-
caves (MELLO, 2014, p. 263). ages reveal not only the unconscious aspects of
Jung, translated into images and dialogues, but
In art, understood by her as the place of stron- also his artistic side that amplifies your symbols
gest symbolic expression, she explored several with a wealth of detail and precise traces of those
possibilities. When the interns started to draw who are familiar with artistic expression.
mandalas, Nise wrote to Jung so the “master” His patients were always encouraged to
could validate and confirm that the draws were work on their symbols and expand their mean-
mandalas. In a letter he confirms, and years later, ings, even away from his presence and thera-
Nise registers for the II International Congress of peutic session. Thus, we have records of images
Psychiatry and Jung himself sends Nise a formal of a patient’s spontaneous visions in the Semi-
invitation to participate. He opened the Brazilian nars and Visions conferences, where he begins
exhibition and highlighted the fact that, in the by explaining that the lectures and this study
paintings, there are common themes portrayed by were intended to talk about the transcendent
schizophrenics, but the paintings presents bright function through dreams and images expressed
colors in the background, which seems, to him, to by drawing and painting, promoting the synthe-
show that these patients painted wrapped in an sis of his patient. The idea was to show through
affective atmosphere of acceptance by those who this material how it was possible to establish an
accompanied them. Nise were with Jung twice in internal conciliation, through the overcoming of
interviews, and in her biography, Mello (2014) re- opposites present in the symbolic possibilities
counts the emotion of a first meeting and Jung’s (JUNG, 1983).
advice that she should study mythology to better For Jung, the symbol is defined in a different
understand the images. In addition, Jung also in- way and, in this regard, he writes: “We call a
vited her to attend the Swiss Institute, where she symbol a concept, a figure or a name that may
completed her education. be known to us in itself, but whose content, use
The great encounter between Jung and Nise or purpose are specific or strange, indicating a
takes place, therefore, through the images. We hidden, obscure and unknown meaning” (JUNG.
know that, for Jung, working with images was 2019c, p. 201).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 133


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Thus, for Jung (2019c, p. 201), the basis of the portrays the painted images, as well as the au-
symbol is the transcendent function that allows thors, with text by Silveira (1981). These docu-
us to make the connection between conscious mentaries brought enormous repercussions to
and unconscious contents. This gathering of the work of these artists, mentally ill people un-
contents can promote a synthesis, another pos- dergoing treatment, and whose history was nar-
sibility that results from this union of opposite rated by their own images and analyzed by Nise.
contents. Silveira (1981) describes these clinical cases,
Thus, symbolic life is not only expressed in analyzes their images and follows Jung’s advice
dreamlike or spontaneous images reflected in to use his knowledge of mythology and research
art, but may be contained in other forms of rep- with comparative material to interpret symbols
resentation of the symbol. The word itself can that expressed archetypal images. These con-
have a symbolic meaning or, according to Ramos tents originated from the unconscious, from its
(2006), also the symptoms that arise in the body, deepest layers and merged with personal issues
as revealed by psychosomatics in analytical psy- with a strong affective content, repressed, for-
chology. However, in art, it is viable to observe a gotten and which start to be portrayed in painted
possibility of symbolic expression through paint- images (MELLO, 2014).
ing, sculpture, music, poetry, among others. When treating each case, Silveira (1981)
Considering that the schizophrenic patient used the same methodology that Jung applied
has a difficulty in communicating clearly and ob- to dreams: the serial analysis. She placed be-
jectively, especially when talking about his emo- fore her countless images of patients, cataloged,
tions and what goes on inside himself, Nise da dated and followed the path of the images from
Silveira finds in art a strong ally as a proposal for the sequence that revealed the mythical narra-
the patient’s symbolic expression. Furthermore, tive. When identifying the myth corresponding
possibilities of this expression coming from the to the images, she verified the relationship be-
written records of a patient, such as the one of tween its content and the patient’s life history.
Beta, a patient who expressed herself in a note- Silveira (1981) clearly observed in the series of
book while hospitalized as a psychotic, are also images collected in years of work with patients,
truly relevant. In her book, Beta D’Rocha (2002) the transformation of symbols and the patient’s
reports that through the studies at the museum return to layers closer to consciousness. She
and when she started to attend the art studio, founded, as Jung had done earlier, that the un-
she understood how important were the notes conscious psyche had a self-regulation function
made by her in a notebook, which was received that naturally led the patient to attempt psychic
from her sister to write her experiences at the reorganization and self-healing. Jung (2019c, p.
hospital: “From then on, I started noticing the 203) considers that: “Just as the organism ap-
connections between one crisis and another and propriately reacts to an injury, an infection or an
feeling that they could be translated when seen abnormal life situation, so the psychic functions
in the form of symbols. [...] The first observation react to unnatural or dangerous disturbances,
was that most of the symbols brought, in their with appropriate defense mechanisms.”
entirety, a connection between the inner world For Jung (2019e), the principle of self-regu-
and the outer world” (D’ROCHA, 2002). lation can be seen in dreams and spontaneous
The painting works of Adelina Gomes, Car- images that are produced, and parts of its mean-
los Petrius and Fernando Diniz became docu- ing can be integrated by consciousness, as the
mentaries and case studies of unique impor- ego is able to establish a dialogue with these
tance. These documentaries were made by Leon unconscious aspects. But in the case of schizo-
Hirzman, a famous Brazilian filmmaker, who phrenia, this ego is fragmented and therefore the

134 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

path back to this dialogue is more difficult and ages — she just portrays her and says few things
winding. about them. However, the fact that these images
The presence of archetypal images requires are shared and come to consciousness allows a
another form of magnification around the image great improvement for this patient who changes
by the therapist, which he called amplification. her attitude and behavior with other interns and
So, Jung (2019e) writes when we are faced with the museum staff and monitors. Gradually, Adeli-
an archetypal content: na found a chance to live a little closer to reality.
In fact, she dated an intern, and her relationship
From there, it is clear that it is a collec- with the male became healthier, as well as her
tive emotion, that is, a typical situation excessive aggression disappeared.
that is strongly affective, which is not, in Adelina’s case is a study where we see a live
the first place, a personal expression, but and dynamic psyche, capable of expressing an
only becomes of such a nature at a later internal drama through images, painted in an
stage. It is, first of all, a general human imagetic narrative that needs to be translated so
problem that, for not having called sub- that there can be an understanding of its content
jective attention, seeks to open the way, (SILVEIRA, 1981).
objectively, to the dreamer’s conscious- The fact that Nise placed in images this alive
ness (p. 247). and dynamic psychic of several patients, such
as records of their unconscious lives, empirically
For example, Silveira (1981) observed in her validates Jung’s theory, and allows an opening
patient Adelina Gomes, whose theme was ma- for important research on schizophrenia, still
ternal repression and a bad outcome of a loving seen in a prejudiced way in our culture.
relationship strongly repressed by the mother, Silveira (1981) opened several fields for
the description of the myth of Daphne. In it, the research. She created a museum of images,
fleeing nymph of the God Apollo is transformed maintained painting and art ateliers, trained
into a flower. Vegetable metamorphosis appears her technical team in terms of therapeutic at-
strongly in Adelina’s images as well as images titude, made precious documentaries of her
of the terrible and repressive mother. Sculptures works and inaugurated a study group of Jung
also depict these characteristics of the terrible with her team and other health professionals,
mother; some compared to Neolithic sculp- as well as patients. She wrote books recount-
tures where these mothers even had crustacean ing her work, gave interviews discussing mental
claws. The images evolve to newer themes and health issues, held national and international
more loving mothers. A version of Demeter and exhibitions showing that schizophrenics were
Persephone emerges, goddesses representing able to express their emotions, that they also
this inseparable mother-daughter dyad. Until had a voice that, when silenced, is represented
Adelina arrives in the image of the Virgin Mary. by images. She performed plays, with tributes
Also, in her paintings, after a series of mothers, to Dionysus, a character very much alive in the
the cat appears, representing her instincts so paintings of the interns, a frequent theme that
strongly repressed. Interesting to note that in interspersed with other gods and pagan gods
her first outbreak, Adelina strangles her house’s and goddesses, which portrayed the difficul-
cat. Therefore, we realize that the images and ty of suppressing the instincts of human life
themes form a plot that can be gradually revis- preached by the Christian life (MELLO, 2014).
ited in a clearer way. The schizophrenic patient The Adelina’s case was presented in Zurich
paints her images while Nise watches her from and linked to other European case studies. Ac-
afar, but the patient does not talk about the im- cording to Mello (2014), Nise reported that Marie

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 135


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Louise von Franz helped her organize the imag- Silveira (1981) coined some concepts that
es and Jung himself also included some of the symbolically and imagistic express her “ther-
Brazilian images in the archive of the C. G. Jung apeutic work.” One of these expressions is the
Institute, in Zurich. “catalyst affection” which represents the possi-
For Jung (2019d), love could only exist with bility of a therapeutic space that provides the pa-
the presence of instincts and spirituality to- tient’s creative expression through an affective
gether. The denial of one of these instances can and encouraging bond. Silveira (1981) showed
lead the individual to a huge division that is still an enormous concern with the qualification and
present in contemporary times. Thus, we see training of the monitors who would be closest to
that Adelina’s story, although with sociocultural the patients. For this, they should not intervene
crossings, is still present in the history of many in what they were painting, but provide, as in
women who suffer from love disappointments chemistry, a speed of reactions from an encour-
and have a fragile ego to deal with this pain and aging and therapeutic posture.
suffering. Von Franz (1999) will discuss the importance
Regarding the mandalas, as they began to of an affective field in the bond with the patient,
appear in the occupational therapy sector, Nise which can provide a transforming space. Gambini
sent photos to Jung and he recognized this sym- (2008, p. 138) uses the idea of what he calls the
bol that appears in several paintings of his pa- “ground” of therapeutic work, that is, the space
tients and that appear in religions (MELLO, 2014). capable of causing transformations to arise and
Jung (2019f, p. 356) comments that “[...] man- be born with the presence of the patient and the
dalas preferably appear after states of disorien- psychotherapist. Therefore, we see that Silveira
tation, panic or psychic chaos”. Its objective is, (1981) understood the therapeutic importance of
according to Jung, to transform chaos and bring a monitors who, even though they are not psychol-
certain order into a compensatory attitude of the ogists, should assume a posture of investment
psyche, whose self-regulating function we have in their own internal process and knowledge, so
already dealt with before. that they could be with the patient without par-
On the agenda of the analyses cases carried ticular interventions, as they knew that just as in
out by Silveira (1981) and published as studies the analytical process, when observing the paint-
and research sources, the stories of Lucio and his ings and living with the patients, they would also
sculptures of warriors that culminated in his sad be transformed. For this reason, they frequently
end after the lobotomy surgery are included in her participated in the events and study groups of
second book. After the surgery, she describes how the Museum of Images of the Unconscious. The
Lucio’s creative soul was captured and destroyed. catalyst affection was an encouraging attitude,
Unable to make contact with the art again, when but not directive, as to what the patient would
he did, sometimes he had only an unwilling ex- paint.
pression and all of his talent did not even seem Another expression of Nise is what she calls
to have existed at all. Also, the paintings of Emy- “emotion of dealing”, which is about doing or
gidio, portraits of the disorder of the unconscious expressing oneself with the hands, with thera-
psyche where the inner world coincides with peutic action. Or even “the innumerable states
the external and intersect disorderly, gradually, of being”, an expression that was inspired by
through his painting, these spaces were delim- the reading of Antonin Artaud, a French poet
ited, which was reflected in his improvement as who was admitted to a psychiatric hospital,
well (SILVEIRA, 1992). According to Mello (2014), who was able, even as a patient, to make a se-
the art critic Mario Pedrosa praised his painting vere criticism of traditional psychiatry and the
and considered him an artistic genius. use of techniques such as electroshock. Silveira

136 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

(1981) said that this expression would be more the patient could actually be reintegrated into
appropriate than the word schizophrenia, which society. Therefore, Casa das Palmeiras served as
labeled and diagnosed the patient taking away a bridge between institutionalization and the re-
from his humanity. Now, if we think of the com- turn to social life (MELLO, 2014).
plexes, appointed by Jung of subpersonalities, For Nise, psychiatry was something she inte-
present in the psyche of all of us, whose core is grated into her trajectory, as well as Jung, who
always linked to an archetype, we can visualize brought his psychiatric experience as an import-
this plurality of ways of being that can surface in ant passage of fundamental learning in her life.
consciousness, especially if the ego, the great In 1950, Jung writes to Bleuler’s son a letter, as
teacher of consciousness, present deep fissures, he continues with his father’s work at the psychi-
as in the case of schizophrenia. atric clinic Burgholzli:
For Jung (2019c, p. 87), the complex is formed
by a cluster of associations with an accentuat- I owe a great deal to psychiatry and have
ed or traumatic affective tone. Artaud’ vision of always kept myself inwardly close to it,
these countless states that can be experienced, from the beginning I was concerned with
actually reveals the multiple nature of our psy- a general problem: from which stratum do
che, since Jung’s complexes are endowed with the most impressive ideas of schizophre-
their own energy and behave like personali- nia come? The resulting issues apparently
ties that he calls “partials”, even possessing a took me far away from clinical psychiatry
“physiology of their own” and schizophrenia will and made me wander around the world.
deliberately manifest themselves as partial per- On these adventurous journeys, I discove-
sonalities (JUNG, 2019e). red so many things that I never dreamed
Therefore, there are many contributions from of in Burgholzli; but the rigorous way of
Nise da Silveira with her work, which are not lim- observing, which I learned there, accom-
ited to a series of paintings saved and expressed panied me everywhere and helped me to
by patients but are part of a research of great so- objectively understand the strange psy-
phistication, presenting a series of images that che (JUNG, 2019a, p. 171).
reveal the archetypical character of the human
stories to which they are related. Silveira (1981) also had another interesting
In addition, many patients presented im- feature: she used to observe patients, especial-
provement in their clinical condition and related ly when they were painting or performing some
better with their families, with other interns and activity. According to the author, she liked to
with the team. That was when Nise created Casa see the expressions and the force that propelled
das Palmeiras, a clinic where the patient made them to the images. This made it different from
a transition from the hospital to his family and her looking at the images, as she participated in
community life. It was a home for the patient to their creation in a silent but affective way.
spend part of the day and still have reference to The observation and research were con-
the treatment previously received and to work stant, as well as the studies ranged from Jung
with art as an expression of his emotions. In this to Bachelard, Machado de Assis, Freud, among
sense, we can say that Silveira was a precursor many other names that she left in her private
of the Psychosocial Care Centers (CAPS), as Casa library. This list of readings was left by her to
das Palmeiras was a place just for the patient to be discussed in the study groups, fulfilled until
spend the day, accompanied by family members today by the BENEDITO project, a group of peo-
or alone. Nise was very concerned about the is- ple interested in debating the contents of texts
sue of the graduate and wanted to ensure that proposed by Nise.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 137


Junguiana
v.39-1, p.127-142

In her old age, like Jung, she came closer to and Niseans seeking to expand these ideas by
instinctual life and nature, especially the ani- fostering studies and research.
mals she loved. She had several cats and wrote Nise da Silveira’s extensive work, still alive
about the symbolism of cats. She considered the today and expanded to various groups through-
animals as co-therapists because, due to their out Brazil, needs to be constantly revisited and
unconditional affection, they were able to bring further deepened. We do not take full advantage
the patient from his internal images to a bit of of the immense legacy she left us for research,
conscious reality. At the end of her life, she used especially with psychotic and schizophrenic pa-
to go to a Buddhist retreat in Santa Tereza. She tients. The legacy that Nise left us didactically
died saying she was going to “other galaxies” demonstrates the structure of the psyche pro-
and wrote in a poem that the space poet “carries posed by Jung, composed of deeper layers of the
neither staff nor bag” because she has freedom collective unconscious that are manifested by ar-
(MELLO, 2014). chetypal images. She portrays in her relationship
built with the patient and respecting his inner po-
5. Final considerations tential, what Jung understood as a constructive
Whenever it is about Nise da Silveira, one has method in the therapeutic relationship.
the impression of having forgotten something of In her work, we see the myth alive and under-
the countless possibilities and contributions she stand what Campbell said throughout his life,
brought to psychology. It always seems little to about the transformative and educational power
portray what this great woman and professional of mythical narratives, the sacred origin of these
did for mental health and analytical psychology, narratives that portray the human and are pres-
especially in Brazil. ent in the most archaic images manifested by
Nise da Silveira was the first Brazilian to our psyche, crossing our cultural and personal
study at the  C. G. Jung  Institute in Zurich, to complexes.
meet Jung and receive his recognition for her In her book Cartas a Spinoza, we see her look
work. If that were not enough, she continued at the transpersonal and we visit the frontiers of
her work with schizophrenics and researched constructed rather than fragmented spirituality.
the manifestations of archetypal images pres- In her love for Antonin Artaud, we see her empa-
ent in the symbolic expression of these pa- thy with his ideas and poetic language.
tients, following the same perspective that Nise has an imagery speech present in the
Jung created in his method of reading images, narrative of her patient’s clinical cases, where
based on amplifications and studies of com- she transforms their biographies into lives full of
parative material in mythology and alchemy. symbols and emotion. It gives back to these peo-
Currently, we are going through a political ple, who were so mistreated and objectified by
moment where we still hear about aggressive traditional psychiatry and society of prejudices,
techniques and interventions for healing pa- a symbolic life. By returning this to her patients
tients. The discussion of medicalization and or clients, she is able to restructure a certain psy-
the possible return of psychiatric hospitals chic and affective balance, making everyone less
reminded us of the dark times that Nise went socially invisible.
through in her practice as a psychiatrist. As Nise treats symbolic expressions as her sec-
professionals who listen to the human soul, we ond language, always dedicating herself to the
need to be attentive to the noises announced study of art, music and theater. She had great art-
to destroy the freedom gained and the advanc- ist friends and everyone’s support because they
es of mental health. We still have a lot to learn understood this second language — the symbol-
from Nise and Jung and we have more Jungians ic language. After all, the artists also go through

138 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

many metamorphoses similar to the so-called the importance of dreams with access to the un-
“crazy”, but are able to return from the world of conscious and the importance of having a sym-
images without being consumed by them. They bolic life that brings meaning to us.
have an ego that supports this contact and are So Nise and Jung lived the world of images
able to share and transform their emotions into and learned to look beyond verbal expression.
art, without being overwhelmed by unconscious Both realized that, in addition to words, there is
content. After all, we know that the symbol is an a message expressed in other symbolic forms,
energy transformer that can take us from a psy- and that even in words we can see symbols ex-
chic level to another. press themselves. In order to translate the sym-
Jung also obtained in the image his other lan- bols, Jung reminds us that the intellect alone will
guage, expressing himself through images and not take care of it and, therefore, it is necessary
giving immense importance to his symbolic life. to resort to other ways of reading the symbolic
We see this throughout his life reported in his language and the messages of the soul. Under-
memoirs and of which his books are testimonies standing these images was the task of Jung and
of his ways of thinking about human being in Nise. Expanding this legacy is the work of all of
their psychic dimension. In his last essay, ded- us! ■
icated to the book “The Man and His Symbols”,
completed a few days before his death, he leaves Received on: 03/24/2021 Revised on: 06/25/2021
his last message for lay people. He emphasizes

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 139


Junguiana
v.39-1, p.127-142

Resumo
Diálogos entre Nise e Jung: a obra expressiva de Nise da Silveira e suas
contribuições para a psicologia analítica
Nise da Silveira foi uma referência na psico- pesquisa bibliográfica com alguns estudos de
logia analítica por pautar seu trabalho nos refer- Jung, Nise da Silveira e outros autores que se
enciais de Jung que a apoiou e a convidou para dedicaram a compreender o tema. Considera-se
expor trabalhos realizados na saúde mental no que o trabalho com esquizofrênicos e a leitura
Brasil, numa exposição em Zurique. O objetivo de imagens empregadas no Museu de Imagens
deste artigo é analisar aspectos do trabalho do Inconsciente permanecem como um legado
de Nise da Silveira e suas contribuições para a que ainda está em movimento na psicologia
psicologia analítica. A metodologia é o uso de analítica como fonte de pesquisa e estudo. ■

Palavras-chave: psicologia analítica, doença mental, arte, museu de imagens do inconsciente.

Resumen
Diálogos entre Nise y Jung: la obra expresiva de Nise da Silveira y sus
contribuciones a la psicología analítica
Nise da Silveira fue una referencia en psicología bibliográfica con algunos estudios de Jung, Nise
analítica para guiar su trabajo sobre las referencias da Silveira y otros autores que se dedicaron a com-
de Jung que la apoyaron en su trabajo y la invitaron prender el tema tratado que sustenta este análisis.
a exponer obras realizadas en salud mental en Bra- Se considera que el trabajo con esquizofrénicos y
sil, en una exposición en Zúrich. El objetivo de este la lectura de imágenes utilizadas en el Museo de
artículo es analizar aspectos del trabajo de Nise da Imágenes del Inconsciente, quedan como un lega-
Silveira y sus contribuciones a la psicología analíti- do que todavía está en movimiento en la psicología
ca. La metodología es el uso de la investigación analítica como fuente de investigación y estudio. ■

Palabras clave: psicología analítica, enfermedad mental, arte, museo de imágenes del inconsciente.

140 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.127-142

References
CRUZ JUNIOR, E. G. Do asilo ao museu: ciência e arte ______. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
nas coleções da loucura. 2015. 385 fls. Tese (Doutorado em Petrópolis, RJ: Vozes, 2019f. (Obras Completas 9/1)
Museologia e Patrimônio) — Centro de Ciências Humanas
e Sociais, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, ______. Psicogênese das doenças mentais. Petrópo-
Rio de Janeiro, RJ, 2015. lis, RJ: Vozes, 2019b. (Obras Completas 3)

D’ROCHA, B. A história de Beta. Brasília, DF: Ministério ______. Psicologia do inconsciente. Petrópolis, RJ:
de Saúde, 2002. Vozes, 2019d. (Obras Completas 7/1)

GAMBINI, R. A voz e o tempo. São Paulo, SP: Ateliê, 2008. ______ Seminários das visões. Trad. Petho Sandor. São
Paulo, SP: 1983.
HOERNI, U.; FISCHER, T.; KAUFMANN, B. A arte de C. G.
Jung. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019. MELLO, L. C. Nise da Silveira: caminhos de uma psiqui-
atra rebelde. Rio de Janeiro, RJ: Hólus, 2014.
JUNG, C. G. A natureza da psique. 1916. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2019e. (Obras Completas 8/2) RAMOS, D. G. A psique do corpo. São Paulo, SP: Sum-
mus, 2006.
______. A vida simbólica. 1935. Petrópolis, RJ: Vozes,
2019c. (Obras Completas 18/1) SILVEIRA, N. Imagens do inconsciente. Brasília, DF:
Alhambra, 1981.
______. Cartas de C. G. Jung: volume II 1946-1955.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2019a. ______. O mundo das imagens. São Paulo, SP: Ática,
1992.
______. Memórias, sonhos e reflexões. São Paulo, SP:
Circulo do Livro, 1990. VON FRANZ, M. L. Psicoterapia. São Paulo, SP: Paulus,1999.

______. O livro vermelho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 141


142 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.143-154

Processo teatral – Uma jornada da psique

Patrícia Teixeira*

Resumo Palavras-chave
Este artigo procura ampliar o fenômeno tea- da psicologia analítica para o fazer teatral, que, Teatro,
tral, no qual busca, por meio da leitura da psi- para além de suas coxias, proscênios ou quais- Processo
cologia analítica, investigar a compreensão quer delimitações, pode oferecer ao indivíduo Criativo,
Subjetividade,
psíquica na elaboração da subjetividade desen- o contato criativo com uma nova forma de sen-
Psicologia
volvida pelo processo teatral para além do mise- tir-se atuante e pertencente a seu espaço na Analítica,
en-scène. Assim, compreende o espaço teatral sociedade e no mundo, apropriando-se de sua Individuação.
enquanto espaço de coexistência do indivíduo própria história num recontar-se simbólico por
com partes desconhecidas da sua história pes- meio das personas que veste na linha contínua
soal em consonância com uma visão maior da das dramaturgias que atravessam o passado, o
história de seu tempo. Dentre tantas perspecti- presente e se dirigem para o futuro em uma espi-
vas entre teatro e psique discutidas outrora por ral de si mesmo. ■
outros estudiosos, direciona-se um olhar próprio

* Psicóloga. Mestre em Psicologia Clínica – Núcleos Junguianos


(PUC-SP). Especialista em Psicologia Analítica (PUC-SP). Profes-
sora e diretora de teatro (UNI-RIO). Especialista em Método
Stanislavski (GITS-Moscou). Especialista em Direção Teatral
(Escola Célia Helena-SP). Diretora da Cia. Coexistir de Teatro
que propõe a encenação de jornadas arquetípicas por meio
do mito. Coordenadora do eixo temático Formação, técnicas
e prática do artista teatral e da coleção Diálogos com a Psico-
logia Analítica, ambos da editora Paco. Professora da PUC-RJ,
CAL-RJ e UNIP-SP. Autora das técnicas expressivas: Narrativas
Psico-históricas e Performance do Mito com o objetivo de am-
pliação simbólica de conteúdos da psique.
email: <psicofabulas@hotmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 143


Junguiana
v.39-1, p.143-154

Processo teatral – Uma jornada da psique

1. Introdução vida por meio de um processo de atuação teatral


da alteridade, que pode revelar a psique.
O poeta é um fingidor A palavra “teatro” vem do grego “theastai”,
Finge tão completamente que significa “lugar de onde se vê”, “miradou-
Que chega a fingir que é dor ro”. Primeiramente, a palavra “teatro” designa-
A dor que deveras sente va o local onde aconteciam os espetáculos e,
(PESSOA, 1972, p. 164). posteriormente, passou a nomear uma das lin-
guagens da arte: o teatro per se, ou seja, uma
O poema de Pessoa ilustra as relações entre arte específica que é transmitida ao público por
teatro e vida, ou teatro e homem. Inúmeros estu- meio da figura do ator. “Teatro é por essência
dos e artigos abordam a relação do teatro com presença e potência de visão — espetáculo — e
outras áreas do conhecimento, como Política, enquanto público, somos, antes de tudo, es-
Educação, Sociologia, Antropologia, Filosofia, pectadores, e a palavra grega, teatro, não signi-
Religião e Psicologia, mais especificamente o fica senão isso: miradouro, mirador” (ORTEGA Y
Psicodrama1. Mesmo distintas em seus objeti- GASSET, 1991, p. 32).
vos e metodologias, têm como ator principal o Na antiguidade, o local onde se representava
homem em ação; ação permeada por um sentido era chamado de “odeion”, auditório. Segundo
estético do si mesmo e do meio e, com isso, o Magaldi (2002), na terminologia dos logradou-
homem vai se descobrindo, inventando e rein- ros cênicos da Grécia, “teatron” corresponderia
ventando razões para ser, estar e atuar. à plateia, que era anteposta a uma espécie de
Na relação entre teatro e psicologia, metafo- orquestra e a envolvia como três lados de um
ricamente, podemos relacionar o verbo “atuar” a trapézio ou um semicírculo, oferecendo uma di-
dois sentidos: o teatral e o psicológico. No tea- mensão estética privilegiada para contemplação
tro, atuar significa estar em ação. Na Psicanálise, e percepção crítica.
esse verbo é utilizado quando o paciente reage Ao abordar, de forma metafórica, essa acep-
frequentemente de maneira defensiva a alguma ção primitiva da palavra “teatro” – miradouro –
situação com a qual é difícil entrar em contato. A é possível estabelecer pontos de identificação
experiência teatral pode refletir um processo em com a leitura Junguiana de forma a se vislum-
que o atuar no palco possa integrar partes des- brar a mesma proposta, ainda que com objeti-
conhecidas do indivíduo, favorecendo um atuar2 vos diferentes: a psicologia analítica ofereceria
na vida mais criativo. O teatro pode ser pensado ao analisando um novo lugar de onde se vê, ou
como um ensaio para a reestreia da psique na seja, uma nova estética da vida a partir de uma
confrontação mais crítica do ego. Apesar do ego,
muitas vezes, acreditar-se conhecedor e cons-
1
Teoria e técnica psicoterápica proposta por Moreno (1889-
1974) que se vale do teatro como forma de elaboração de
ciente de si mesmo, no processo terapêutico, ele
questões psíquicas pelo indivíduo. é confrontado com o inédito espetáculo panorâ-
2
Segundo Freud (1856-1939), ato por meio do qual o sujeito, mico de sua vida e toma consciência de partes
sob o domínio dos seus desejos e fantasias inconscientes, vive
esses desejos e fantasias no presente com um sentimento de suas até então desconhecidas.
atualidade que é muito vivo na medida em que desconhece a A partir de minha experiência como professo-
sua origem e o seu caráter repetitivo (LAPLANCHE; PONTALIS,
1991). ra e diretora de teatro, meu olhar de psicóloga

144 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.143-154

tem procurado compreender mais profunda- celebrações de Dionísio, quando se atualiza-


mente, sob o prisma da Psicologia Analítica, as va o mito por meio do rito, o que deu origem
possibilidades da criatividade no fazer teatral. É ao nascimento da tragédia no teatro grego. A
importante referir meu trabalho como diretora da tragédia, primeiro gênero dramático, tem sua
Cia. Coexistir de teatro, na qual desenvolvo parte origem em ritos dedicados a Dionísio, nos
de um processo criativo que vai sendo construí- quais o povo, de forma profana e descontraída,
do por meio da atualização da linguagem simbó- embriagava-se como forma de entrar em conta-
lica da mitologia na criação da dramaturgia, des- to como o deus homenageado.
tacando-se pela experiência de mitos em cena, De acordo com Pavis (2007):
na qual, a partir desses mesmos mitos, o grupo
teatral e o púbico estabelecem um diálogo com Em O Nascimento da Tragédia (1872),
temas existenciais e sociais. Nietzsche [...] visa destacar as forças
Este artigo tem por objetivo apresentar o fe- impulsivas e moldantes da criação artís-
nômeno teatral, sua história e a leitura do teatro tica segundo as quais toda arte evolui.
como possibilidade de ampliação de conteúdos [...] O dionisíaco não é a anarquia das
da psique dos envolvidos no processo artístico, festas e orgias pagãs; ele é consagrado
e, também, sua recepção pelo público, que se à embriaguez, às forças incontroladas
torna coautor da obra. O processo teatral, a par- do homem que renascem quando da
tir da perspectiva da psicologia analítica, pode primavera, à natureza e ao indivíduo re-
possibilitar o contato consciente com uma expe- conciliados (p. 22).
riência arquetípica que facilita a integração de
aspetos desconhecidos, facilitando o processo Em seus caminhos, o homem depara-se com
de individuação. Nas seções abaixo serão apre- Deus e com a representação deste e, por meio
sentadas algumas relações do teatro enquanto do rito, atualiza a força dentro de si. Ao encar-
fenômeno mítico, político e social; a visão Carl nar Dionísio, o homem encontrava a revelação
Gustav Jung sobre o processo criativo; e conside- de sua própria fonte criadora. Segundo Hillman
rações sobre o processo do grupo teatral a partir (1997), Dionísio é a imagem arquetípica da vida
de uma leitura da psicologia analítica. que sempre se renova. Essa vida é renovada pelo
ator/atriz em cada momento que compartilha o
2. Teatro – Um fenômeno mítico, seu processo criativo com o público. O fato de o
político e social homem encarnar o homem representa um dado
Para compreender a experiência cênica do básico da antropologia, outra área ligada ao te-
teatro na vida, deparamo-nos com a genuini- atro que busca compreender o elenco social no
dade do ato teatral no contexto de cerimoniais qual o homem está inserido.
religiosos, primeiramente, nas mais antigas ci- Na Grécia, podemos apontar duas áreas que
vilizações do oriente. Na Índia, desde o século se utilizaram do teatro para atingir seus interes-
XVI a.C., atribuía-se ao deus Brama a paternida- ses: política e educação. O teatro teve sua ori-
de do teatro litúrgico. Na China antiga, o budis- gem nos vinhedos gregos dentro de um contexto
mo apresentava-se por meio de um teatro reli- ritualístico e passou a ser utilizado pela polis
gioso. No Egito, os temas centrais ritualizados grega de forma espetacular. Daí a denominação
eram a ressurreição de Osíris e a morte de Hórus “espetáculo”, cujo objetivo era educar o povo
(MICHELET, 2018). grego (GAZOLLA, 2003).
Posteriormente, na Grécia, berço da civili- Na área da Filosofia, o teatro foi analisado
zação ocidental (século V a.C.), a ligação entre por dois dos mais importantes pensadores gre-
teatro e religião também estava presente nas gos que chegaram até nós: Platão (428/27 a.C.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 145


Junguiana
v.39-1, p.143-154

– 347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.). pelos governantes como ferramenta de mani-
Platão, discípulo de Sócrates, fundador da aca- pulação do povo que, confinado em uma arena
demia e mestre de Aristóteles, ocupou-se de te- como espectador ou em um palco como ator,
mas como ética, política, metafísica e teoria do não podia infringir as medidas propostas pelos
conhecimento. Platão criticava a arte de repre- deuses e governantes.
sentar, segundo Bolognesi (1999): No Brasil colônia, o Teatro de José de Anchieta
propôs uma forma de educação política e religio-
No segundo livro da República, Platão sa por meio do processo de aculturação do povo
conclui que as narrativas épicas não são indígena, ou seja, uma forma de domesticá-lo
boas (não devem ser) para a educação conforme preceitos da Coroa Portuguesa e da
das crianças. Há, pode-se dizer uma “ra- Igreja Católica (VASCONCELLOS, 2009).
zão de Estado” em Platão. [...] A verdade, Segundo Rosenfeld (1976, p. 31), “o ator
a moral e o útil devem imperar sobre a apenas executa de forma exemplar e radical o
narrativa épica. Não há, em Platão, espa- que é característica fundamental do homem:
ço para o prazer artístico. [...] Para Platão, desempenhar papéis no palco do mundo, na
poesia e retórica se equivalem. Ambas vida social. [...] O homem – disse [George] Mead
operam com falsos valores. Elas domi- – tem de sair de si para chegar a si mesmo, para
nam a técnica particular e não o saber adquirir um Eu próprio”. Em busca de desem-
universal. Ao contrário do conhecimento penhar personas para, assim, encontrar sua es-
autêntico, elas não geram ações. Nisso sência, o ator executaria a função primordial do
consiste, precisamente, a “razão de Es- homem. O termo persona refere-se às máscaras
tado” que fundamenta a reprovação da que os gregos usavam no teatro grego. Por meio
poesia. Os poetas não estão preocupa- delas, o ator se tornava o porta-voz da psique
dos com o pensamento. Neles imperam coletiva. Jung (1875-1961) utilizou-se do con-
as paixões. A ação trágica deve provir ceito persona3 na Psicologia Analítica como um
de um valor ético superior, assim como compromisso entre o homem e a sociedade no
a ação dos homens provém das formas qual está inserido.
imutáveis, pela razão que a traduz, que Na Grécia, mais especificamente na cida-
a interpreta. Nesse itinerário, os homens de de Epidauros, no qual encontramos o maior
e suas almas são apenas intermediários. centro de busca de cura, que visava à totalidade
Mas, antes de tudo, a tragédia é hostili- do ser humano, havia: um pequeno teatro – o
zada porque ela está no terreno oposto Odeon, um estádio para competições esporti-
ao da verdade (p. 1). vas, um ginásio para exercícios físicos, uma bi-
blioteca, uma sala para dormir e outra sala para
Pavis (2007, p. 404), em sua leitura de Aristó- escutar música e poemas. O conglomerado tinha
teles, afirma que o artista provoca no espectador como objetivo a elevação espiritual e a melho-
“[...] a piedade e o terror que a tragédia cumpre a ra dos que procuravam se cuidar (VERNANT;
purgação (catarse) das paixões. Há compaixão e, VIDAL-NAQUET, 2005).
portanto, identificação quando presumimos que
também poderíamos ser vítimas dela, ou alguém
dos nossos, e que o perigo parece próximo”. 3
Segundo Jung (2008, p.143), persona é uma simples máscara
É importante pensarmos que o teatro surgiu da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade,
procurando convencer aos outros e a si mesma que é individu-
no momento em que o governo grego criava suas al quando, na realidade, não passa de um papel ou desempe-
leis e passou a ser a arena de discussões sobre nho através do qual fala a psique coletiva. [...] Ela é um com-
promisso entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que
a construção do cidadão grego, sendo utilizado “alguém parece ser”: nome, título, função e isto ou aquilo.

146 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.143-154

Fonte: Extraída de arte.seed.pr.gov.br.

Figura 1 – Ruínas do teatro grego de Epidauro, Grécia.

Segundo Solié (1985), o caminho para a cura Boal4, propõe-se a redescoberta do Centro de
seria atingido por meio do autoconhecimento, al- Epidauros, utilizando-se da linguagem teatral
cançando a consciência de si mesmo, o ponto de como possibilidade não apenas vivencial, mas
partida para a transformação dos sentimentos e também reflexiva. Encontraremos na cidade
ações reativas em atitudes saudáveis. Buscava- de Epidauros, a possibilidade de um “lugar
-se uma profunda sintonia, não apenas do indi- de onde o homem passa a se rever” em que a
víduo consigo mesmo, a partir de pensamentos, maior preocupação seria a integração do físico,
sentimentos e ações saudáveis e construtivos, emocional, espiritual e psicológico do homem.
puros e originais, mas também como o chamado Podemos vislumbrar o processo teatral como
divino – um divino que é também humano – ao um caminho em que a subjetividade pode ser
qual deveríamos nos religar. compreendida. O indivíduo, enquanto narra-
Podemos, então, aferir que a palavra “te- dor e personagem de inúmeras dramaturgias
atro” é cercada por inúmeros caminhos, tão arquetípicas, reconta-se, dramatizando assim
maiores ou iguais às suas possibilidades, em seu possível processo de cura, além de canali-
cujo epicentro, a figura de Dioniso, o deus-más- zar todo o material criativo do inconsciente co-
cara dança a impermanência da vida na cena letivo. O espaço teatral poderia ser visto como
efêmera do teatro e que nos ensina o tão pas- um dos grandes intercessores do consciente e
sageiro que somos. Um miradouro localizado do inconsciente, do encontro entre atores/atri-
em um centro de cura, um lugar de contempla- zes e público que, de forma atemporal, se reco-
ção. Um espaço fértil de ligações do indivíduo
com a potencialidade arquetípica que se é.
De forma análoga, tanto na área da psicologia
4
Augusto Boal (1931-2009): praticante de teatro, teórico do
drama e ativista político. Fundador do Teatro do Oprimido,
com a abordagem psicodramática de Moreno, uma forma teatral originalmente usada em movimentos ra-
dicais de educação popular de esquerda. Vereador no Rio de
como na própria área do teatro, com Augusto Janeiro de 1993 a 1997, onde desenvolveu o teatro legislativo.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 147


Junguiana
v.39-1, p.143-154

nhecem como possuidores da mesma essência manifestações físicas como um símbolo, que
divina e humana. Dionísio está presente e com surge na urgência de que algo inconsciente seja
ele “os artistas são as antenas da raça” (POU- integrado. Nessa perspectiva, o símbolo não é
ND, 1990, p. 77), aqueles que fazem a interlocu- reduzido à visão do modelo reducionista que
ção entre nossos aspetos dissonantes por meio compreende uma questão causal; ao contrário,
de seus processos artísticos. ele reflete uma gama de relações entre o cons-
ciente e o inconsciente que formam a totalidade
O teatro possibilita à nossa psique saber do indivíduo.
o fim das histórias. Sendo espelho de Segundo Jung, as atividades vitais do ser hu-
nosso psiquismo interno, o teatro sinteti- mano são expressas psiquicamente através de
za a vida em miniatura. A psique dá ao te- imagens, sendo a psique formada por um con-
atro a matéria e o teatro devolve à psique junto de imagens que constituem uma estrutura
a forma para vida. É como se nas histórias rica de sentido (JUNG, 1986).
representadas pudéssemos ser avisados Podemos pensar no processo teatral como
pelo teatro: “Acordem para aquilo que es- um espaço de fomentação de símbolos em torno
tão fazendo, isso vai dar em sangue, em de um tema arquetípico a ser desenvolvido – o
guerra, em morte, em perda, em separa- tema do espetáculo. A experiência arquetípica
ção” (GAMBINI; STIRNIMAN, 2005, p. 3). do processo teatral pode possibilitar um cami-
nho inédito na construção do espetáculo, um
Por isso, o ator, que é considerado o reve- “devir criativo” em que o encenador oferece es-
lador de verdades ocultas, está sob a inspiração paço para que os atores expressem suas fanta-
de Dionísio. E assim, arrebatado de sua vida co- sias, imagens e desejos. Dessa forma, a lingua-
tidiana e recolocado em outras realidades, com gem simbólica permeia o processo de criação e,
os pés na zona limítrofe entre a normalidade principalmente, a prática que o ator constrói na
convencional e a loucura, é o ator quem vai tocar mediação das oposições e que é materializada
no ponto sensível do homem. na relação entre o consciente e inconsciente.
O símbolo é a própria essência do processo
3. Jung, o processo criativo e o teatro criativo que atravessa o ator, podendo unificar
O processo criativo pressupõe o contato com partes suas desconhecidas e potencializar sua
símbolos, os quais, expressam uma totalidade atuação e libertação de seus próprios paradig-
psíquica que é simultaneamente pessoal, cultu- mas na vida, refletidos sincronicamente na cena.
ral e arquetípica. Os símbolos são representados Entretanto, a mediação do símbolo entre cons-
por imagens, experiências e vivências que abar- ciente e inconsciente para ocorrer é necessária
cam aspetos conscientes e inconscientes, sendo uma atitude participativa e receptiva por parte
a melhor expressão possível de algo relativa- do ator que, desse modo, permite a atuação da
mente desconhecido. Eles fazem parte de nossa “função transcendente”5 do símbolo, ou seja, da
existência e se apresentam sob a forma vivencial apreensão do mesmo.
e experiencial, sendo impossível esgotar seu Os arquétipos podem representar a totali-
significado, o que permite estabelecer múltiplas dade da matriz de todas as personagens e abrir
relações e analogias (JUNG, 1991).  os múltiplos universos psíquicos e corporais do
O teatro, como um intercessor entre o homem ator, promovendo, assim, uma maior amplitude
e seu processo de vida, trabalha necessariamen- psíquica e ofertando novas possibilidades de ex-
te com a psique e o corpo por meio de seus sím-
bolos. A psicologia analítica transcende a dico- 5
Jung (2013) define, em Natureza da Psique, a função transcen-
tomia entre psique e corpo na compreensão das dente como “união de conteúdos conscientes e inconscientes”.

148 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.143-154

pressão do corpo, contribuindo, portanto, para que determinam a produção de uma obra cria-
dinamizar a potência que o atravessa. tiva. Na criação psicológica para Jung (2009a,
O teatro possibilita o diálogo com o incons- par. 139), o indivíduo é idêntico ao processo cria-
ciente e, de forma sincrônica, pode acessar o con- tivo e se percebe verdadeiramente como autor
tato com imagens, fantasias e símbolos do ator daquilo que cria porque se alimenta das experi-
acerca do tema do espetáculo, colaborando na ências pessoais, daquilo que se encontra dentro
elaboração de seus processos internos e amplian- dos limites do que é apreensível e assimilável, o
do, assim, a sua forma de atuação na construção que torna a criação condicionada ao seu tempo
do trabalho cênico. A partir dessa perspectiva, na e sua época. A criatividade é um material subor-
prática, o encenador pode propor que os atores dinado à vontade de seu criador, um produto de
tragam imagens acerca das sensações propicia- sua determinação.
das pelo tema do espetáculo, buscando explorar Na criação visionária, Jung (2009b, par. 141)
as fantasias como dispositivo simbólico entre o aponta que a obra criativa se impõe trazendo sua
material teatral e o substrato inconsciente. própria forma e conteúdo. Nela, o sujeito não se
A encenação teatral se estrutura a partir de identifica com a atividade criadora e tem consci-
um caos criativo e intuitivo que vai se configuran- ência de que está subjugado a um impulso que
do nas experimentações que o inconsciente do lhe é estrangeiro, a uma vontade que não é sua.
grupo de atores acaba por constelar. No entanto, Dessa forma, o impulso criativo é compreendido
a transparência do processo carrega também a por Jung como uma essência viva presente na
sua obscuridade: aquilo ou aquele que é rejeita- alma do homem.
do pelo grupo, por ser desconhecido, temeroso
ou inaceitável. Estamos falando do arquétipo da Ele atua como um complexo autônomo,
sombra. Favorecer a integração de aspetos da ou seja, ele brota do inconsciente de ma-
sombra, possibilitar uma experiência menos rí- neira involuntária, pois leva uma vida psí-
gida com a persona, é poder elaborar caminhos quica independente do controle arbitrário
criativos tanto para o indivíduo quanto para o co- da consciência e aparece de acordo com
letivo. Quanto mais a encenação investir no esta- seu valor energético e sua força. Portanto,
belecimento de uma relação de alteridade com o o poeta que se identifica com o processo
grupo, menor o risco de rejeição. A escuta é im- criativo é aquele que diz sim, logo que
prescindível para que os símbolos, as imagens ameaçado por um “imperativo” incons-
e as experiências de cada ator que são ligadas ciente (JUNG, 1971, p. 64).
ao tema encontrem espaço para se constelarem,
pois, só assim, poderão ser devolvidas para os Segundo Whitmont (2000), o complexo apre-
atores por meio das próprias personas criativas senta-se como um padrão autônomo de compor-
– imbuídas de suas respectivas sombras – que tamento e emoção, ele é um centro energético
eles construirão no processo teatral. O processo preenchido com questões pessoais que o tor-
teatral pode favorecer a integração de aspetos nam por vezes desagradável e perturbador, mas
da sombra no desenvolvimento do processo de ele não é necessariamente negativo, pois isso
individuação. depende da capacidade de assimilação que o
Em uma palestra ocorrida em 1922, os con- ego possui. O complexo tem um núcleo arque-
ceitos referentes aos processos psicocriativos típico de onde provém sua energia e que, en-
ganharam nome e adquiriram maior clareza quanto imagem impessoal e coletiva, apresenta
mental na conferência de 1930, quando Jung características benéficas e renovadoras.
apresentou os conceitos de criação psicológica Nesse sentido, a criatividade, entendida como
e criação visionária, como dois modos de criar um complexo autônomo, diz respeito a uma ener-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 149


Junguiana
v.39-1, p.143-154

gia psíquica forte e autêntica do indivíduo, que uma obra que não tenha apenas uma apreciação
tem o poder de trazer para a consciência aspectos estética, mas que também provoque o espec-
da sombra, sejam eles suas dificuldades ou suas tador em seu processo de autoconhecimento.
potencialidades não reconhecidas. O ator, por sua vez, também pode transformar
Segundo Jung (1971), um complexo autôno- as imagens primordiais de seu impulso criativo
mo é aquele que abrange em primeiro lugar os dentro da linguagem teatral de modo a tocar o
conteúdos psíquicos que se desenvolvem no espectador em áreas mais profundas do seu ser.
inconsciente e que irrompem na consciência Para Jung (2009a), o artista enquanto criador
quando sua força atinge um limiar. Isso significa tem acesso a algo além de sua vivência pessoal,
que esses conteúdos não estão sob o controle uma realidade impessoal, arquetípica.
da consciência, nem para inibição e nem para
reprodução arbitrária. O complexo autônomo Todo homem criador sabe que o elemen-
aparece e desaparece de acordo com uma ten- to involuntário é a qualidade essencial
dência que lhe é inerente, sendo independente do pensamento criador. E porque o in-
da consciência. consciente não é apenas um espelhar re-
O processo criativo enquanto um processo ativo, mas atividade produtiva e autôno-
autônomo apresenta essa característica de ser ma, seu campo de experiência constitui
algo que não pode ser totalmente controlado uma realidade, um mundo próprio (JUNG,
pela via da consciência: 2008, p. 71).

Este é o segredo da ação da arte. O proces- Considerando que o pensamento criativo


so criativo consiste (até onde nos é dado surge de forma autônoma, vindo de uma grande
segui-lo) numa ativação inconsciente do base inconsciente que contém toda a potencia-
arquétipo e numa elaboração e formali- lidade do que somos, é importante também que
zação na obra acabada. De certo modo o processo teatral encontre gatilhos que possam
a formação da imagem primordial é uma ativar o processo de cada artista, nutrindo sua
transcrição para a linguagem do presen- criatividade e propiciando a continência para
te pelo artista, dando novamente a cada que a inspiração possa ampliar os conteúdos da
um a possibilidade de encontrar o acesso psique, alimentando as demandas da alma em
às fontes mais profundas da vida que, de busca da experiência de totalidade.
outro modo, lhe seria negado (JUNG, 1971,
p. 71). 4. Considerações finais
Embora tenha sido apresentada uma refle-
No processo artístico com os atores na Cia. xão sobre o processo teatral como um processo
Coexistir de Teatro, busca-se adentrar no Caos, também psíquico, é fato que são inesgotáveis a
sem intenção, simplesmente deixar-se alimentar investigação e a exploração neste universo tão
das imagens inconscientes e traduzi-las numa misterioso do processo criativo.
linguagem, reconhecida de forma universal, sem A representação de signos e símbolos por
reduzi-las à sua realidade pessoal e sua forma meio da arte, desde o começo dos tempos, tra-
singular de compreensão. Apesar de o impulso duz o próprio homem na busca insaciável de
criativo ser um complexo autônomo, conside- contar-se para o mundo e recontar-se para si
ra-se que de alguma forma ele pode ser desen- mesmo. Na relação de contar algo para outro que
cadeado também pelo trabalho corporal. Aces- observa, instaura-se o fenômeno teatral. O tea-
sando o potencial criativo do inconsciente, é tro surge, então, do encontro entre o que faz e o
possível que a encenação consiga experimentar que observa. O ato teatral, igualmente, configura

150 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.143-154

encontros em outras áreas em que o homem pro- também para psicólogos que desejem conhe-
tagoniza o espetáculo humano do atuante-cria- cer e trabalhar com técnicas teatrais dentro da
dor, no qual explora as fontes orgânicas de sua perspectiva junguiana.
existência, recriando, assim, outros palcos para O teatro é uma experiência que pode ins-
o fazer teatral. É nesse fazer teatral que nos tor- tigar o homem, muitas vezes, ao encontro de
namos os fazedores de novas possibilidades de pensamentos e emoções inéditas no âmbito da
experienciar o encontro proporcionado pelo tea- consciência. O mise-en-scène do processo tea-
tro, quando o homem revisita sua vida por meio tral pode tornar-se, também, um facilitador para
de inúmeras personagens (re)conhecidas. o processo de individuação, no qual leva o ho-
O teatro é um recurso que possibilita a am- mem ao contato com tantos “outros eus” no pal-
pliação do olhar sobre o indivíduo e a compre- co possibilitando uma atuação de vida mais cria-
ensão de sua subjetividade, revelando ques- tiva. Parece-nos que, para além de suas coxias,
tões íntimas e ampliando a consciência, a partir bastidores, proscênios e plateia, o fazer teatral
da leitura propiciada pela psicologia analítica. coloca o homem em sintonia com seu Self6, com
Neste sentido, este artigo introduz a ideia do a experiência que toca sua vida enquanto poten-
experimento teatral não só para atores e en- cialidade latente. ■
cenadores de teatro interessados em dar mais
profundidade ao seu trabalho artístico, mas Recebido em: 01/04/2021 Revisão em: 25/06/2021

6
Self ou Si-Mesmo refere-se ao centro, à fonte, de todas as
imagens arquetípicas e de todas as tendências psíquicas ina-
tas para a aquisição de estrutura, ordem e integração (STEIN,
2000, p. 206).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 151


Junguiana
v.39-1, p.143-154

Abstract
Theatrical process – A journey of the psyche
This article article seeks to expand the theat- cussed by other scholars in the past, an analyti-
rical phenomenon, in which, through the reading cal psychology look is directed towards theatrical
of analytical psychology, it seeks to investigate work, which, apart from its aches, prosceniums
the psychic understanding in the elaboration of or any delimitations, can offer to the individual
the subjectivity developed by the theatrical pro- the creative contact with a new way of feeling
cess beyond the mise-en-scène. Thus, it under- active and belonging to his its space in society
stands the theatrical space as a space for the co- and in the world, appropriating of its own history
existence of the individual with unknown parts of in a symbolic retelling through the personas he
his personal history in consonance with a larger wears in the continuous line of dramaturgies that
view of the history of his time. Among so many cross the past, the present and move towards the
perspectives between theater and psyche dis- future in a spiral of itself. ■

Keywords: Theater, Creative Process, Subjectivity, Analytical Psychology, Individuation.

Resumen
Proceso teatral: una travesía de la psique
Este artículo busca ampliar el fenómeno tea- en el pasado, una mirada de la psicología analí-
tral, en el que, a través de la lectura de la psico- tica se dirige a hacer teatro, que, además de sus
logía analítica, se busca indagar en la compren- axiomas, proscenios o cualquier delimitación,
sión psíquica en la elaboración de la subjetividad puede ofrecer al individuo el contacto creativo
desarrollada por el proceso teatral más allá de la con una nueva forma de hacerlo sentirse activo
puesta en escena. Así, entiende el espacio teatral y perteneciente a su espacio en la sociedad y en
como un espacio de convivencia del individuo el mundo, apropiándose de su propia historia en
con partes desconocidas de su historia personal, un recuento simbólico a través de los personajes
en línea con una visión más amplia de la historia que porta en la línea continua de dramaturgias
de su tiempo. Entre tantas perspectivas entre el que atraviesan el pasado, el presente y se diri-
teatro y la psique discutidas por otros estudiosos gen hacia el futuro en una espiral de sí mismo. ■

Palabras clave: Teatro, Proceso Creativo, Subjetividad, Psicología analítica, Individuación.

152 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.143-154

Referências
BOLOGNESI, M. F. Teatro e pensamento. Trans/Form/Ação, LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise.
Marília, v. 21-22, n. 1, p. 53-65, 1999. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1991.

GAMBINI, R.; STIRNIMAN, V. CICLO: o teatro da psique. São MAGALDI, S. Iniciação ao teatro. São Paulo, SP: Ática,
Paulo, SP: Associação Viva o Centro, 2005. 2002. (Série Fundamentos).

GAZOLLA, R. Tragédia grega: a cidade faz teatro. Revista MICHELET, J. A Bíblia da humanidade. Rio de Janeiro, RJ:
Philosophica, Valparaíso, n. 26, p. 1-18, 2003. Nova Fronteira, 2018.

HILLMAN, J. (Org.). Encarando os deuses. São Paulo, SP: ORTEGA Y GASSET, J. A ideia de teatro. São Paulo, SP:
Cultrix, 1997. Perspectiva, 1991.

JUNG, C. G. A natureza da psique. Petrópolis, RJ: Vozes, PAVIS, P. Dicionário de teatro. São Paulo, SP: Perspectiva,
2013. (Obras Completas 8/2). 2007.

_________. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis, RJ: PESSOA, F. Obra poética. Rio de Janeiro, RJ: Jose Aguilar,
Vozes, 1971. (Obras Completas 15). 1972.

_________. O Eu e o inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes, POUND, E. Personae. New York, NY: New Directions, 1990.
2008. (Obras Completas 7/2).
ROSENFELD, A. Texto / contexto. São Paulo, SP: Perspectiva,
________. Psicologia e poesia. 1930. In: JUNG, C. G. 1976.
O espírito na arte na ciência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009b.
(Obras Completas 15). SOLIÉ, P. Mitanálise junguiana. São Paulo, SP: Nobel, 1985.

_________. Relação da psicologia analítica com a obra VASCONCELLOS, L. P. Dicionário de teatro. São Paulo, SP:
de arte poética. 1922. In: JUNG, C. G. O espírito na arte na L&PM, 2009.
ciência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009a. (Obras Completas 15).
VERNANT, J. P.; VIDAL-NAQUET, P. Mito e tragédia na Grécia
________. Símbolos da transformação. Petrópolis, RJ: antiga. São Paulo, SP: Perspectiva, 2005.
Vozes. 1986. (Obras Completas 5).
WHITMONT, E. C. A busca do símbolo: conceitos básicos de
_________. Tipos psicológicos. 1949. Petrópolis, RJ: psicologia analítica. 4. ed. São Paulo, SP: Cultrix, 2000.
Vozes, 1991. (Obras Completas 6).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 153


154 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.155-166

Theatrical process – A journey of the psyche

Patrícia Teixeira*

Abstract Keywords
This article seeks to expand the theatrical of the history of his time. Among so many per- Theater,
phenomenon, in which, through the reading of spectives between theater and psyche discussed Creative
analytical psychology, it seeks to investigate the by other scholars in the past, an analytical psy- Process,
Subjectivity,
psychic understanding in the elaboration of the chology look is directed towards theatrical work,
Analytical
subjectivity developed by the theatrical process which, apart from its aches, prosceniums or any Psychology,
beyond the mise-en-scène. Thus, it understands delimitations, can offer to the individual the cre- Individuation.
the theatrical space as a space for the coexist- ative contact with a new way of feeling active and
ence of the individual with unknown parts of his belonging to his its space in society and in the
personal history in consonance with a larger view world, appropriating of its own history in a sym-
bolic retelling through the personas he wears in
* Psychologist. Master in Clinical Psychology at the Center for Jun- the continuous line of dramaturges that cross the
gian Studies (Núcleo de Estudos Junguianos) at the Catholic Pon-
tifical University of São Paulo (Pontífícia Universidade Católica de past, the present and move towards the future in
São Paulo – PUC/SP). Specialist in Analytical Psychology at PUC/SP. a spiral of itself. ■
Teacher and theater director at the Federal University of the State
of Rio de Janeiro (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
– UNIRIO). Method Specialist Stanislavski at the Russian Institute of
Theatre Arts (GITS/Moscow). Specialist in Theater Direction at the
Célia Helena Center for Arts and Education (Célia Helena Centro
de Artes e Educação) of São Paulo. Director of Coexistir de Teatro
which proposes the staging of archetypal journeys through myth.
Coordinator of the central theme of Training, techniques and prac-
tice of the theatrical artist and the Dilogos com a Psicologia Analíti-
ca collection, both from Paco Editorial. Professor at the Catholic
Pontifical University of Rio de Janeiro (Pontífícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ), Casa das Artes de Laranjei-
ras no Rio de Janeiro (CAL/RJ) and Universidade Paulista (UNIP/SP).
Author of expressive techniques: Psycho-historical narratives and
Myth Performance with the purpose of symbolic enlargement of
contents of the psyche. E-mail: psicofabulas@hotmail.com

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 155


Junguiana
v.39-1, p.155-166

Theatrical process – A journey of the psyche

1. Introduction in life. Theater can be understood as a rehearsed


to the rerun of the psyche in one’s life through a
O poeta é um fingidor process of theatrical acting of the other, which
Finge tão completamente can reveal the psyche itself.
Que chega a fingir que é dor The word “theater” comes from the Greek
A dor que deveras sente word “theastai”, which means “a place from
(PESSOA, 1972, p. 164)1. which you can see”, “viewpoint”. At first, the
word “theater” was used to designate the place
The poem of Fernando Pessoa illustrates the where the theatrical performances took place
relations between art and life, or theater and men; and, after, it was used to name one of the lan-
countless studies and articles look into the rela- guages of Art: theater per se, in other words,
tion between Theater and other academic areas, a specific form of art which is conveyed to the
such as Politics, Education, Sociology, Anthropol- public by the actors. “Teatro é por essência
ogy, Philosophy, Religion and Psychology, more presença e potência de visão — espetáculo — e
specifically the Psychodrama2. Even if different in enquanto público, somos antes de tudo espect-
their objectives and methods, they have as pro- adores, e a palavra grega, teatro, não significa
tagonist the men in action; an action pervaded by senão isso: miradouro, mirador”4 (ORTEGA Y
an esthetical sense of oneself and the surround- GASSET, 1991, p. 32).
ings and, like this, one can discover oneself and In ancient times, the place where the represen-
create and recreate reasons to be and to act. tation took place was called “odeion”, auditorium.
Considering the relation between Theater and According to Magaldi (2002), in the terminology
Psychology, metaphorically, we could relate the of the scenic places in Ancient Greece, “teatron”
verb “to act” to two different meanings: the theat- corresponded to the audience, which was coun-
rical and the psychological. In the Theater, to act terpoised to a kind of orchestra and encompassed
means to be in action; whereas in Psychoanaly- it as the three sides of a trapezium or a semicircle,
sis, this verb is used when a patient frequently offering a privileged esthetical dimension for con-
reacts in a defensive manner to a situation one templation and critical perception.
finds difficult to be exposed to. The theatrical ex- When addressing, metaphorically, this an-
perience may reflect a process in which acting on cient meaning of the word “theater” – viewpoint
the stage could integrate unknown parts of the – it is possible to establish identifying connec-
subject, favoring a more creative way of acting3 tions to the Jungian view of the same subject to
catch a glimpse of the same proposal, even if
1
“The poet is a pretender/ He pretends so thoroughly/ That with other objectives: the psychoanalytical view
he even pretends to be pain/The pain that he actually feels”
(Our translation). could offer to the individual under analysis a new
2
Theory and psychological technique developed by (1889-1974) place from which one could see, a new esthetic
that uses theater to elaborate the individual’s psychic issues. of life out of a critical confrontation of the ego.
3
According to Freud (1856-1939), acting would be the act
through which the subject, under the dominium of one’s un-
conscious desires and phantasies, lives these same desires and 4
“Theater is, in its essence, presence and potency of vision –
phantasies in present time with a feeling of presence that is spetache – and, as public, we are beforehand spectators, and
very much alive insofar as one does not know its origin and the Greek word, theater, means nothing but this: viewpoint”
repetitive character (LAPLANCHE; PONTALIS, 1991). (Our translation).

156 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.155-166

Even though the ego, many times, believes itself In India, since 16th century BC, the paternity of
as knowing and conscious of oneself, in the ther- the liturgical theater was attributed to the god
apeutic process, it is confronted by the unknown Brahma. In Ancient China, Buddhism was used
panoramic spectacle of one’s life and becomes to present itself through a religious theater. In
conscious of its unknown parts. Ancient Egypt, the most important ritualized
As from my experience as a teacher and as themes concerned the resurrection of Osiris and
a theater director, my look as psychologist has the death of Horus (MICHELET, 2018).
tried to understand more deeply, under the Later, in Ancient Greece, the cradle of oc-
perspective of Analytical Psychology, the pos- cidental civilization (5th century BC), the con-
sibilities of creativity in the making of theater. nection between theater and religion was also
It is important to address my work as director present in the celebrations of Dionysus, when
of Coexistir Theater Company, in which I devel- the myth was updated through the rite, what
op part of a creative process that is progres- later originated the birth of tragedy in the Greek
sively constructed through the actualization of theater. Tragedy, the first dramatic genre, has
the symbolic language of mythology in the cre- its origins in rites dedicated to Dyonisus in
ation of the dramatic arts, which stands out by which the people would get drunk in an unholy
experiencing the myths in the stage, in which and relaxed way to reach out to the god that
these same myths, the Company and the pub- was being celebrated.
lic, establish a dialogue with existential and According to Pavis (2007):
social themes.
The objective of this article is to present Em O Nascimento da Tragédia (1872),
the theatrical phenomenon, its history and the Nietzsche [...] visa destacar as forças im-
interpretation of theater itself as a way of am- pulsivas e moldantes da criação artística
plifying psychic contents of those implicated segundo as quais toda arte evolui. [...] O
in the artistic process and, also, its reception dionisíaco não é a anarquia das festas e
by the public, which becomes co-author of the orgias pagãs; ele é consagrado à embria-
play. The theatrical process, as from the psy- guez, às forças incontroladas do homem
choanalytical perspective, might enable the que renascem quando da primavera,
conscious contact with as archetypical experi- à natureza e ao indivíduo reconciliados5
ence, which makes easier both the integration (p. 22).
of unknown aspects of the self and the indi-
viduation process. In the sections below, some On their way, men come across God and his
relations of theater as mythical, political and representation and, through the rite, update the
social phenomenon will be presented, as well force within them. When incarnating Dionysus,
as the Carl Gustav Jung’s view of the creative men would find the revelation of their own cre-
process and the considerations over the pro- ative source. According to Hillman (1997), Dio-
cess of theatrical group from a psychoanalyti- nysus is the archetypical image of life, which is
cal point of view. always being renewed. This life is renewed every
moment the actor/actress shares his/her cre-
2. Theater – a mythical, political and
social phenomenon 5
“In The Birth of Tragedy, (1872), Nietzsche [...] intends to
To understand the scenic experience of the- highlight the impulsive and molding forces of artistic cre-
ation according to which every form of art evolves. [...] The
ater in life, we come across with the truthfulness Dyonisian is not the anarchy of pagan parties and orgies; it
of the theatrical act in context of religious cere- is consecrated to drunkenness, to the uncontrolled forces of
men which are reborn in spring, to nature and the individual
monies, first, in the ancient oriental civilizations. reconciled” (Our translation).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 157


Junguiana
v.39-1, p.155-166

ative process with the public. The fact that men nas intermediários. Mas, antes de tudo, a
incarnate men represents a basic data of anthro- tragédia é hostilizada porque ela está no
pology, another area connected to the theater terreno oposto ao da verdade6 (p. 1).
and that tries to understand the social cast in
which men are inserted. Pavis (2007, p. 404), in his interpretation of
We could point out two areas that made use Aristotle, says that the artist provokes the spec-
of theater to reach their purposes in Ancient tator “[...] a piedade e o terror que a tragédia
Greece: politics and education. Theater was born cumpre a purgação (catarse) das paixões. Há
in the Greek vineyards within a ritualistic context compaixão e, portanto, identificação quando
and was then used by the Greek polis in a spec- presumimos que também poderíamos ser víti-
tacular way. Hence, the denomination “specta- mas dela, ou alguém dos nossos, e que o perigo
cle”, whose objective was to educate the Greek parece próximo”7.
people (GAZOLLA, 2003). It is important to think that theater was born
Concerning Philosophy, theater was analyzed in the moment the Greek government created
by two of the most important Greek thinkers its laws, and, it became the arena of the discus-
whose work arrived to our hands: Plato (428/27 sions about the building of the Greek citizen,
BC – 347 BC) e Aristotle (384 BC – 322 BC). Pla- being used by the governors as a tool to ma-
to, disciple of Socrates, the founder of the Aca- nipulate the people that, confined to an arena,
demia, wrote about themes such as ethics, poli- as spectator, or in the stage as actor, could not
tics, metaphysics, and the theory of knowledge. break the measures proposed by the gods and
According to Bolognesi (1999), Plato criticized the governors.
the art of representation: In colonial Brazil, the Theater of José de An-
chieta proposed a form of political and religious
No segundo livro da República, Platão education through the process of acculturation
conclui que as narrativas épicas não são of the indigenous people, in other words, a way
boas (não devem ser) para a educação das of domesticating them according to the precepts
crianças. Há, pode-se dizer uma “razão de of the Portuguese Crown and the Catholic Church
Estado” em Platão. [...] A verdade, a moral (VASCONCELLOS, 2009).
e o útil devem imperar sobre a narrativa
épica. Não há, em Platão, espaço para o
prazer artístico. [...] Para Platão, poesia
e retórica se equivalem. Ambas operam
com falsos valores. Elas dominam a técni- 6
“In the second book of the Republic, Plato reckons that the
epic narratives are not good (or shouldn’t be) for the edu-
ca particular e não o saber universal. cation of children. There is, one might say, a “raison d’État”
Ao contrário do conhecimento autêntico, in Plato. [...] what is truth, moral and useful should reign
over the epic narrative. In Plato, there is no space for artistic
elas não geram ações. Nisso consiste, pleasure. [...] For Plato, poetics and rhetoric are equal. Both
operate with fake values. They master a particular technique
precisamente, a “razão de Estado” que instead of universal knowledge. Unlike authentic knowledge,
fundamenta a reprovação da poesia. they do not generate actions. Precisely in these consists the
“raison d’État” that is the foundation of the reproof of poetry.
Os poetas não estão preocupados com o Poets are not worried about thinking. In them, passion reign.
pensamento. Neles imperam as paixões. A The tragic action must come from a superior ethical value,
as the actions of men come from immutable forms, by the
ação trágica deve provir de um valor ético reason that translates and interprets it. However, beforehand,
tragedy is harassed because it lies in the opposing ground of
superior, assim como a ação dos homens truth” (Our translation).
provém das formas imutáveis, pela razão 7
“[...] the piety and terror that tragedy fulfills the purge (catarse)
que a traduz, que a interpreta. Nesse itin- of passions. There is compassion and, therefore, identification
when we presume that we, or one of ours, could be its victims
erário, os homens e suas almas são ape- and that danger seems close by” (Our translation).

158 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.155-166

Source: arte.seed.pr.gov.br

Figure 1 – Ruins of the Greek theater of Epidaurus, Greece

According to Rosenfeld (1976, p. 31), “o ator a commitment between men and the society
apenas executa de forma exemplar e radical o they belong to.
que é característica fundamental do homem: In Greece, more specifically in the city of
desempenhar papéis no palco do mundo, na Epidaurus, where we find the greatest center of
vida social. [...] O homem – disse [George] Mead pursuit of healing, which aimed the totality of
– tem de sair de si para chegar a si mesmo, para the human, there was a small theater, the Ode-
adquirir um Eu próprio”8. In search of perform- on; a stadium for sports competitions, a gymna-
ing personas in order to find one’s essence, sium for physical exercises, a library, a sleeping
the actor would play the primordial function of room, and another to listen to music and po-
men. The word “persona” refers to the masks ems. The conglomerate had for objective spir-
the Greek used in the Greek Theater. Through itual elevation and the improvement of those
them, the actor became the spokesperson of that were in the pursuit of healing (VERNANT;
the collective psyche. Jung (1875-1961) used the VIDAL-NAQUET, 2005).
concept “persona”9 in Analytical Psychology as According to Solié (1985) the path to cure
could be reached through self-knowledge, by
reaching the conscience of oneself, the start-
8
“the actor just executes in an exemplar and a radical way that ing point for the transformation of feelings and
which is a fundamental characteristic of man: performing reactive actions into healthy attitudes. People
roles on the stage of the world, in social life [...] One – said
[George] Mead – must get out of oneself to reach oneself, to were searching for a profound tune, not only
acquire one’s own Self” (Our translation).
the individual with himself, but also with a di-
9
According to Jung (2008, p.143), the persona is nothing but
a mask of the collective psyche, a mask that comes off as an
vine calling – a divine that is also human, with
individuality, trying to convince the others and oneself that it is which one should reconnect through thoughts,
individual, when, in reality, it is nothing but a role or a perfor-
mance through which the collective psyche [...] It is a commit- feelings, and healthy and constructive actions,
ment between the individual and the society about that that pure and original.
someone “seems to be”: name, title, function and this or that.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 159


Junguiana
v.39-1, p.155-166

Therefore, we can infer that the word “the- O teatro possibilita à nossa psique saber
ater” is surrounded by countless paths, as great o fim das histórias. Sendo espelho de nos-
or equal to its possibilities, in whose epicenter so psiquismo interno, o teatro sintetiza a
the image of Dionysus, the mask-god dances vida em miniatura. A psique dá ao teatro a
the impermanence of life itself in the ephemeral matéria e o teatro devolve à psique a for-
scene of the theater and that teaches us how ma para vida. É como se nas histórias rep-
fleeting we are. A viewpoint located in another resentadas pudéssemos ser avisados pelo
healing center, a place fertile with connections teatro: “Acordem para aquilo que estão
of the individual with its own archetypical po- fazendo, isso vai dar em sangue, em guer-
tency. Similarly, both in Psychology, with More- ra, em morte, em perda, em separação12
no’s psychodramatic approach, and theater (GAMBINI; STIRNIMAN, 2005, p. 3).
with Augusto Boal’s10 Theater of the Oppressed,
we propose the Centre at Epidaurus to rediscov- This is the reason why the actor, who is consid-
er, using theatrical language as both experien- ered the unveiled of hidden truths, is under the in-
tial and reflexive possibilities. In the city of Ep- spiration of Dionysus. Thus, taken from their own
idaurus, we can find the possibility of a ‘place lives and reinserted in other realities, with their
where men can reconsider themselves’ where feet on the border between that which is conven-
the greatest concern would be the integration tional, normal and madness, the actor is the one
of the physical, spiritual and psychological as- that touches the sensible spots of men.
pects of men. We can glimpse at the theatrical
process as a path in which subjectivity can be 3. Jung, the creative process and the
understood. The individual, as narrator and theater
character of countless archetypical dramaturg- The creative process presumes the contact
es, retells oneself, therefore dramatizing one’s with symbols, which, according to express a psy-
healing process, in addition to canalizing all the chic integrity that is, at the same time, personal,
creative material of the unconscious. The the- cultural and archetypical. The symbols are repre-
atrical space can be seen as one of the great sented by images and experiences that compre-
intercessors of both the conscious and the hend conscious and unconscious aspects, being
unconscious, as of the meeting between ac- the best possible expression of something rel-
tors and public, who, in a timeless way, recog- atively unknown. They are part of our existence
nize themselves as owners of the same divine and present themselves under an experiential
and human essences. Dionysus is present as, form, what makes it impossible to exhaust their
with him “os artistas são as antenas da raça”11 meaning allowing multiple relations and analo-
(POUND, 1990, p. 77), those that perform the in- gies (JUNG, 1991). 
teraction among our tuneless aspects through Theater, as an intercessor between men and
their artistic process. their life processes, necessarily works with the
psyche and the body through symbols. Analytical
Psychology transcends this dichotomy between
psyche and body that erupts in urgency of some-

10
Augusto Boal (1931-2009): theater practitioner, drama
theorist and political activist. Founder of the Theater of the
12
“Theater allows our psyche to know the end of stories. Being a
Oppressed, a theatrical approach used in radical movements mirror of the internal psychism, theater synthesizes life in min-
and popular left-wing education. City councilman at Rio de iature. The psyche gives the theater the matter and the theater
Janeiro from 1993 to 1997, where he developed the legisla- gives back to the psyche the molds for life itself. It is as if in the
tive theater. stories performed we could be warned by the theater: “Wake
up to what you are doing, this is going to end up in blood, in
11
“the artists are the antenna of the race” (Our translation). war, in death, in loss, in separation” (Our translation).

160 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.155-166

thing unconscious that has not been fully inte- Theater enables the dialogue with the uncon-
grated. According to this perspective, the symbol scious and, synchronically, one may access the
is not reduced to the vision of the reductionist contact with the actor’s images, fantasies and
model that comprehends a casual issue; on the symbols connected to the theme of the specta-
contrary, it reflects a set of relations between the cle, collaborating to the elaboration of one’s in-
conscious and the unconscious that form the in- ternal processes and, thus, amplifying the way
tegrity of the individual. one acts on the construction of the scenic work.
According to Jung, the vital activities of the As from this perspective, practically, the director
human being are expressed psychically through may propose that the actor bring images about
images, being the psyche itself formed by a set of the sensations caused by the theme of the spec-
images that constitute a structure rich in mean- tacle, in search of exploring the phantasies as a
ings (JUNG, 1986). symbolic device that acts between the theatrical
We can think the theatrical process as a material and the unconscious.
space where symbols are incited around an ar- The theatrical staging is structured from a
chetypical theme to be developed – the theme of creative and intuitive chaos that configures it-
the spectacle. The archetypical experience of the self each every experimentation that the uncon-
theatrical process may make an unprecedented scious of the group of actors constellates. How-
path for the construction of the spectacle possi- ever, the transparency of the process also carries
ble, a “creative becoming” in which the director its obscurity: that which is rejected by the group
offers space so the actors can express their fan- for being unknown, fearful or unacceptable. Fa-
tasies, images and desires. This way, the sym- voring the integration of these shadow aspects,
bolic language pervades the creative process allowing a less rigid experience with the perso-
and practice in which the actor creates the me- na, is to be able to elaborate more creative ways
diation of oppositions and materializes the rela- both for the individual and the collective. The
tion between conscious and unconscious. more the staging invests on the establishment of
The symbol in the essence of the creative pro- a relation of alterity with the group, the smaller is
cess that crosses the actor, being able to put to- the risk of rejection. Listening is essential so the
gether one’s unknown parts, to empower one’s symbols, images and experience of each actor
acting and to liberate oneself of one’s own par- that are connected to the theme can find space to
adigms in life, reflected synchronically on the constellate, because, only like this, they can be
scene. However, for the intercession of the sym- given back to the actors through their own perso-
bol between conscious and unconscious to take nas – embedded with their respective shadows
place, it is necessary a participative and receptive –, which they will build in the theatrical process.
attitude on the behalf of the actor, which, like this, The theatrical process may favor the integration
allows the operation of “transcendent function”13 of different aspects of the shadow in the devel-
of the symbol, in other words, its apprehension. opment of the individuation process.
The archetypes may represent the integrity of The concepts that refer to the psycho creative
the matrix of all characters and open the actor’s processes were named in a conference in 1922
multiple psychic and corporeal universes, offer- and were later clarified in another conference in
ing new possibilities of body expression, con- 1930, in which Jung presented the concepts of
tributing; therefore, to the dynamization of the psychological creation and visionary creation as
potency that crosses it. two ways of creating that determine the produc-
tion of a creative work. As for the psychological
13
Jung (2013), in Nature of the Psyche, defines the transcendent creation for Jung (2009a, par. 139), the individual
function as the “union between conscious and unconscious
contents” (Our translation). é identical to the creative process and perceives

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 161


Junguiana
v.39-1, p.155-166

oneself as true author of that which one creates In this sense, creativity, understood as an
because one feeds on personal experiences, on autonomous complex, refers to the individual’s
that which can be found within the borders of strong and authentic psychic energy, which has
what is apprehensive and assimilate, making the the power to bring into conscience aspects of
creation conditioned to its own time. Creativity is the shadow, whether they are its difficulties or
a matter subordinated to the will of its creator, a non-recognized potencies.
product of one’s determination. According to Jung (1971), an autonomous
On the other hand, as for the visionary cre- complex is that which encompasses, first, the
ation, Jung (2009b, par. 141) points out that the psychic contents that are developed uncon-
creative work imposes itself bringing its own sciously and that erupt into conscience when
form and content. Is it, the subject does not iden- their strength reaches a limit. This means that
tify with the creative attitude and is conscious these contents are not under the control of con-
that one is subdued to a creative impulse that is science, neither for inhibition nor arbitrary repro-
foreign, to a will that is not one’s own. Thus, the duction. The autonomous complex appears and
creative impulse is comprehended by Jung as a disappears according to an inherent tendency
living essence that is present in the soul of men. that is independent of conscience.
The creative process while autonomous process
Ele atua como um complexo autônomo, ou presents this characteristic of being something that
seja, ele brota do inconsciente de maneira cannot be fully controlled by conscience:
involuntária, pois leva uma vida psíquica
independente do controle arbitrário da Este é o segredo da ação da arte. O proces-
consciência e aparece de acordo com seu so criativo consiste (até onde nos é dado
valor energético e sua força. Portanto, o segui-lo) numa ativação inconsciente do ar-
poeta que se identifica com o processo quétipo e numa elaboração e formalização
criativo é aquele que diz sim, logo que na obra acabada. De certo modo a formação
ameaçado por um ‘imperativo’ inconsci- da imagem primordial é uma transcrição
ente14 (JUNG, 1971, p. 64). para a linguagem do presente pelo artista,
dando novamente a cada um a possibili-
According to Whitmont (2000), the complex dade de encontrar o acesso às fontes mais
presents itself as an autonomous pattern of profundas da vida que, de outro modo, lhe
behavior and emotion. It is an energetic center seria negado15 (JUNG, 1971, p. 71).
filled with personal issues that make it some-
times unpleasant and disturbing, but it is not In the creative process of the actors at Coex-
necessarily negative, because this depends on istir Theater Company, one tries to enter the Cha-
the ego’s capacity of assimilation. The com- os, simply letting oneself feed of the unconscious
plex has an archetypical core from which de- images and translate them into a language uni-
rives its energy and that, while personal and versally recognized, without reducing it to one’s
collective image, presents benevolent and re- personal reality and singular form of comprehen-
newing characteristics. sion. Even though the creative impulse is an au-

15
“This is the secret about the action of art. The creative process
14
“It acts as an autonomous complex, in other words, it sprouts consists (until where it is possible to follow it) in an uncon-
from the unconscious involuntarily because it leads a psy- scious activation of the archetype and in an elaboration and
chic life that is independent of the arbitrary control of con- formalization of the finished work. Somehow, the configura-
science and that seems to be agreeing its energetic value and tion of the primordial image is a transcription into the artist’s
strength. Thus, the poet who identifies with the creative poet present language, giving, once again, each the possibility to
is that which says yes as soon as he is threatened by an uncon- find the access to the most profound sources of life, which, in
scious imperative” (Our translation). another way, would be denied” (Our translation).

162 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.155-166

tonomous complex, it is considered that, in a way, retelling it to oneself. Concerning the relation of
it can also be unleashed through bodily work. Ac- telling something to the other that is observing,
cessing the creative potential of the unconscious, the theatrical phenomenon is instituted. There-
it is possible that the staging might also be able fore, theater emerges in the encounter between
to experiment a work that does not only have an the one who performs and the one who watches.
esthetic appreciation, but that also provokes the The theatrical act, equally, configures encoun-
spectator in its own process of self-knowledge. ters in other areas in which men are protagonists
The actor, in its turn, may also transform the pri- of the human spectacle of the actor-creator, in
mordial images of one’s creative impulse within which the organic sources of one’s existence
theatrical language to touch the spectator’s deep- are explore, thus, recreating other stages for the
est areas. According to Jung (2009a) the artist as making of theater. It is in the making of theater
creator has access to something beyond one’s that we become the creators of new possibili-
personal life, an impersonal reality, archetypical. ties of experiencing the encounter provided by
the theater, when men revisit their lives through
Todo homem criador sabe que o elemen- countless known and recognized characters.
to involuntário é a qualidade essencial do Theater is a resource that allows the ampli-
pensamento criador. E porque o inconsci- fication of the look over the individual and the
ente não é apenas um espelhar reativo, mas comprehension of one’s subjectivity, allowing
atividade produtiva e autônoma, seu campo the revelation of intimate issues and the amplifi-
de experiência constitui uma realidade, um cation of the conscience, based on a Psychoana-
mundo próprio16 (JUNG, 2015, p. 75). lytical an interpretation. In this sense, this article
introduces the idea of experimental theater not
Considering that the creative thought emerg- only for actors and directors interested in deep-
es autonomously, coming from a great uncon- ening their artistic practice, but also for psychol-
scious matrix that contains all the potency of who ogists that wish to learn and work with theatrical
we are, it is important that the theatrical process techniques within a Jungian perspective.
find triggers that can activate the process of each Theater is an experience that can instigate
artist, nourishing one’s creativity and providing men and, many times, to incite the encounter
the continence, so inspiration can amplify the with unprecedented thoughts and emotions in
contents of the psyche, feeding the demands of what concerns conscience. The mise-en-scène of
the soul in search for the experience of integrity. theatrical process might, also, become a way to
ease the individuation process, which brings men
4. Conclusion into contact with so many “other selves” on stage,
Even though a reflection on the theatrical pro- making a more creative performance in life possi-
cess was presented here, it is a fact that the explo- ble. It seems to us that beyond the aisles, back-
ration and investigation of a universe such mys- stage, stage and audience, the making of theater
terious as this of the creative process is endless. puts men agreeing with their Self17, with the expe-
The representation of signs and symbols rience that moves their lives as latent potency. ■
through art, since the beginning of time, trans-
lates men themselves in the insatiable search of Received on: 04/01/2021 Revised on: 06/25/2021
speaking about oneself to the world and, then

16
“Every creative man knows that the involuntary element is the
essential quality of creative thought. And, because the uncon-
scious is not only a reactive mirroring, but a productive and 17
Self refers to the center, to the source, of all archetypal imag-
autonomous activity, its field of experience constitutes a reality es and of all innate psychic tendencies for the acquisition of
of its own, its own world” (Our translation). structure, order and integration (STEIN, 2000, p. 206).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 163


Junguiana
v.39-1, p.155-166

Resumo
Processo teatral – Uma jornada da psique
Este artigo procura ampliar o fenômeno tea- direciona-se um olhar próprio da psicologia ana-
tral, no qual busca, por meio da leitura da psico- lítica para o fazer teatral, que, para além de suas
logia analítica, investigar a compreensão psíqui- coxias, proscênios ou quaisquer delimitações,
ca na elaboração da subjetividade desenvolvida pode oferecer ao indivíduo o contato criativo com
pelo processo teatral para além do mise-en-scè- uma nova forma de sentir-se atuante e pertencen-
ne. Assim, compreende o espaço teatral enquan- te a seu espaço na sociedade e no mundo, apro-
to espaço de coexistência do indivíduo com partes priando-se de sua própria história num recontar-
desconhecidas da sua história pessoal em conso- -se simbólico por meio das personas que veste na
nância com uma visão maior da história de seu linha contínua das dramaturgias que atravessam
tempo. Dentre tantas perspectivas entre teatro e o passado, o presente e se dirigem para o futuro
psique discutidas outrora por outros estudiosos, em uma espiral de si mesmo. ■

Palavras-chave: Teatro, Processo Criativo, Subjetividade, Psicologia Analítica, Individuação.

Resumen
Proceso teatral: una travesía de la psique
Este artículo busca ampliar el fenómeno tea- en el pasado, una mirada de la psicología analí-
tral, en el que, a través de la lectura de la psico- tica se dirige a hacer teatro, que, además de sus
logía analítica, se busca indagar en la compren- axiomas, proscenios o cualquier delimitación,
sión psíquica en la elaboración de la subjetividad puede ofrecer al individuo el contacto creativo
desarrollada por el proceso teatral más allá de la con una nueva forma de hacerlo sentirse activo
puesta en escena. Así, entiende el espacio teatral y perteneciente a su espacio en la sociedad y en
como un espacio de convivencia del individuo el mundo, apropiándose de su propia historia en
con partes desconocidas de su historia personal, un recuento simbólico a través de los personajes
en línea con una visión más amplia de la historia que porta en la línea continua de dramaturgias
de su tiempo. Entre tantas perspectivas entre el que atraviesan el pasado, el presente y se diri-
teatro y la psique discutidas por otros estudiosos gen hacia el futuro en una espiral de sí mismo. ■

Palabras clave: Teatro, Proceso Creativo, Subjetividad, Psicología Analítica, Individuación.

164 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.155-166

References
BOLOGNESI, M. F. Teatro e pensamento. Trans/Form/Ação, LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise.
Marília, v. 21-22, n. 1, p. 53-65, 1999. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1991.

GAMBINI, R.; STIRNIMAN, V. CICLO: o teatro da psique. São MAGALDI, S. Iniciação ao teatro. São Paulo, SP: Ática,
Paulo, SP: Associação Viva o Centro, 2005. 2002. (Série Fundamentos).

GAZOLLA, R. Tragédia grega: a cidade faz teatro. Revista MICHELET, J. A Bíblia da humanidade. Rio de Janeiro, RJ:
Philosophica, Valparaíso, n. 26, p. 1-18, 2003. Nova Fronteira, 2018.

HILLMAN, J. (Org.). Encarando os deuses. São Paulo, SP: ORTEGA Y GASSET, J. A ideia de teatro. São Paulo, SP:
Cultrix, 1997. Perspectiva, 1991.

JUNG, C. G. A natureza da psique. Petrópolis, RJ: Vozes, PAVIS, P. Dicionário de teatro. São Paulo, SP: Perspectiva,
2013. (Obras Completas 8/2). 2007.

_________. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis, RJ: PESSOA, F. Obra poética. Rio de Janeiro, RJ: Jose Aguilar,
Vozes, 1971. (Obras Completas 15). 1972.

_________. O Eu e o inconsciente. Petrópolis, RJ: Vozes, POUND, E. Personae. New York, NY: New Directions, 1990.
2008. (Obras Completas 7/2).
ROSENFELD, A. Texto / contexto. São Paulo, SP: Perspectiva,
________. Psicologia e poesia. 1930. In: JUNG, C. G. 1976.
O espírito na arte na ciência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009b.
(Obras Completas 15). SOLIÉ, P. Mitanálise junguiana. São Paulo, SP: Nobel, 1985.

_________. Relação da psicologia analítica com a obra VASCONCELLOS, L. P. Dicionário de teatro. São Paulo, SP:
de arte poética. 1922. In: JUNG, C. G. O espírito na arte na L&PM, 2009.
ciência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009a. (Obras Completas 15).
VERNANT, J. P.; VIDAL-NAQUET, P. Mito e tragédia na Grécia
________. Símbolos da transformação. Petrópolis, RJ: antiga. São Paulo, SP: Perspectiva, 2005.
Vozes. 1986. (Obras Completas 5).
WHITMONT, E. C. A busca do símbolo: conceitos básicos de
_________. Tipos psicológicos. 1949. Petrópolis, RJ: psicologia analítica. 4. ed. São Paulo, SP: Cultrix, 2000.
Vozes, 1991. (Obras Completas 6).

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 165


166 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.167-178

Adultescência: a caminho da maturidade no


mundo contemporâneo

Eloisa M. D. Penna*
Felícia Rodrigues R. S. Araujo**

Resumo Palavras-chave
Este artigo dedica- se à reflexão a respeito da cultura contemporânea, formando uma trama Adultescência,
passagem da adolescência para vida adulta que, complexa de interações que pode favorecer ou Adolescência,
em alguns casos, pode ser experimentada com atravancar a entrada na vida adulta. ■ Puer-senex,
Herói, Eros,
muita dificuldade.  O termo adultescência é um
Individuação.
neologismo muito recente, usado para nomear o
prolongamento da adolescência e a dificuldade
na entrada na vida adulta. A reflexão sobre essa
problemática conta com a discussão sobre as
dinâmicas arquetípicas atuantes neste momen-
to do desenvolvimento e com a consideração de
aspectos da cultura contemporânea influentes
e relevantes na vida dos jovens na atualidade.
A articulação entre as forças dos arquétipos
Grande Mãe, Pai, Alteridade, Herói, Puer-Senex
e Eros se soma às influências dos aspectos da

* Analista junguiana Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica


– International Association for Analytical Psichology (SBPA –
IAAP). Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP.
** Analista junguiana Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica
– International Association for Analytical Psichology (SBPA –
IAAP). Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP.
email: <elopenna@gmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 167


Junguiana
v.39-1, p.167-178

Adultescência: a caminho da maturidade no mundo contemporâneo

Introdução Para o entendimento deste fenômeno é con-


No século 20, a adolescência surge como veniente rever rapidamente o processo de de-
uma etapa importante da vida humana, e Stan- senvolvimento da psique para melhor situar a
ley Hall (1904) foi o primeiro a chamar atenção adolescência e a adultescência.
para esta etapa do desenvolvimento humano
do ponto de vista psicológico. Hoje esta fase da O processo de desenvolvimento
vida é amplamente estudada por diversas áreas Jung descreveu o processo de desenvolvi-
do saber como: a medicina, a sociologia, a an- mento da consciência e formação da individuali-
tropologia, a educação e a psicologia. Especifi- dade e deu-lhe o nome de Processo de Individu-
camente na área da psicologia, encontram-se ação. À medida que o ego percorre o caminho da
diferentes teorias, pesquisas e reflexões sobre vida, a psique pessoal vai se complexificando,
práticas clínicas específicas da adolescência. diversificando e ampliando suas possibilidades
No século 21, muitos autores dedicam seus e recursos para lidar com a vida relacional (eu
estudos e suas reflexões a uma nova etapa do com os outros e o mundo) e a vida íntima (eu
desenvolvimento humano – a adultescência. com o si mesmo). Ao longo do processo de indi-
Tornar-se adulto tem se mostrado uma tarefa di- viduação, o ego recebe influências advindas dos
fícil para uma parcela significativa da população arquétipos do inconsciente coletivo e dos fatos
jovem, e o prolongamento da adolescência tem e eventos existenciais, os quais movem e como-
se mostrado um fenômeno contemporâneo típi- vem o ego na forma de símbolos. O complexo
co. A experiência clínica mostra que alguns jo- psíquico da individualidade abrange os elemen-
vens passam da adolescência para a vida adulta tos conscientes (ego-consciência) e inconscien-
sem notáveis dificuldades, e a esses não se apli- tes (complexos-sombra). Esta, no entanto, está
ca a problemática da adultescência. No entanto, inserida e alicerçada num sistema mais amplo
alguns jovens vivem a passagem para a maturi- supraindividual de caráter coletivo tanto no âm-
dade de forma crítica e sofrida, levando, muitas bito consciente (consciência coletiva) quanto no
vezes, a uma crise no Processo de Individuação, âmbito inconsciente (inconsciente coletivo).
e à busca por ajuda psicológica. A primeira forma de inserção do ego na vida
Neste artigo pretende-se fazer uma reflexão é feita por meio da potência arquetípica da gran-
sobre a passagem para a idade adulta, ressal- de mãe que abriga, protege, ampara e enraíza a
tando os conflitos vividos por jovens que apre- alma humana na terra, na matéria. A criança se
sentam sérias dificuldades na entrada da ma- sente segura enquanto atada à matéria, abraça-
turidade. Nessa discussão serão consideradas da e contida pela mãe, sente-se também segura
questões acerca dos elementos arquetípicos de si pelo vínculo que mantém com a natureza.
atuantes nessa fase do Processo de Individu- O arquétipo do pai opera uma segunda forma de
ação e as componentes culturais implicadas inserção do ego na vida, agora na vida social das
nessa problemática. Pretende-se compreender relações “extraninho”. A energia arquetípica do
o significado deste fenômeno no desenvolvi- Pai insere a criança na vida propriamente huma-
mento humano e sua relação com a consciência na regida pelas leis dos homens e não mais ape-
coletiva contemporânea. nas pelas leis da natureza.

168 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.167-178

Durante um longo período, a consciência Com razoável domínio sobre o mundo da


patriarcal é estruturada e consolidada à custa natureza instintiva e das leis sociais de convi-
de grande esforço e investimento do ego, prin- vência, corpo e espírito estão preparados para
cipalmente no sentido de conter as ânsias ma- ir além, prosseguir, transcender os domínios
triarcais que urgem na direção da manutenção do campo matriarcal e patriarcal nos quais,
da vida, fundada nas necessidades básicas de supostamente o ego já sabe transitar. Nesta
sobrevivência. O herói patriarcal luta contra o etapa, o corpo se insurge com novas ânsias e
dragão dos instintos e os vence para atender o espírito se inflama com novas ideias. Esse é o
aos desígnios do Pai, garantindo a inserção do campo psicossomático-social em que se instala
indivíduo no mundo das relações sociais para a adolescência.
além do âmbito do arquétipo da Grande Mãe. A Atualmente, para a Organização Mundial da
criança aprende a viver em sociedade, aprende Saúde (OMS), a adolescência se estende dos 10
a ler e a escrever, conhecer e seguir o caminho aos 20 anos; no Estatuto da Criança e do Ado-
da lei, da ordem, da disciplina, da perseveran- lescente, a adolescência é compreendida entre
ça; adquire um certo domínio sobre suas ações 12 e 18 anos. O direito a votar nas eleições varia,
e decisões, experimentando também a ordem de nos diferentes países, entre 16 e 21 anos, o que
causas e consequências que seus atos e vonta- afirma a maturidade civil dos indivíduos. Na tra-
des acarretam. Esse percurso, psicologicamen- dição judaica, as meninas se tornam adultas aos
te, equivale à aquisição do domínio patriarcal de 12 anos e os meninos, aos 13. Na tradição católi-
consciência, que se soma ao domínio matriarcal ca, o sacramento da crisma ou confirmação (12 a
da consciência e que conduz a uma nova passa- 14 anos) marca a entrada na vida adulta, quando
gem para o âmbito da consciência pós-patriarcal o indivíduo confirma sua vocação católica. Estes
rumo à consciência de alteridade, que, por sua são alguns parâmetros que podem ou não norte-
vez, o conduzirá sucessivamente à maturidade ar a delimitação desta etapa da vida.
da segunda metade da vida e à velhice, num mo- Há certo consenso na ciência e na cultura de
vimento incessante do nascimento até a morte. que o início da adolescência esteja associado às
No início da puberdade, já estão presentes transformações fisiológicas da puberdade. No
os influxos da alteridade, quando os arquétipos entanto, a demarcação do final da adolescência
da anima-animus eclodem na forma de uma re- é bastante imprecisa, sendo difícil definir os pa-
visão profunda dos valores parentais. Surgem râmetros da passagem para a vida adulta.
questionamentos e reivindicações quanto às Os indicadores de maturidade mais frequen-
exigências familiares; as instituições e os valo- temente apontados pelos autores que discutem
res sociais passam a ser criticados e questiona- a adolescência podem ser traduzidos, de forma
dos pelo adolescente. Entretanto, na 1a etapa da bem sintética, em conquista de autonomia. Auto-
adolescência, o jovem ainda é incapaz de arcar nomia psíquica refere-se à capacidade de “auto-
com os compromissos e as responsabilidades gestão” nos vários âmbitos da vida. Capacidade
sociais que seus ideais exigem, pois são ainda de tomar decisões, fazer escolhas e arcar com as
bastante dependentes dos pais. A conhecida re- suas consequências. Tais escolhas e decisões,
beldia do adolescente com suas críticas e desa- nesta etapa da vida, concentram-se na capacita-
fios à ordem vigente, estabelecida pelo mundo ção profissional que propicie trabalho produtivo
dos pais, conhecida e aprendida desde a infân- e traga independência; na busca e manutenção
cia, parece não ser mais suficiente e cabível para de um relacionamento amoroso íntimo e estável
o adolescente. Novas possibilidades se forjam e (seja qual for o seu formato), na constituição de
se expressam em ideais e na atitude inconforma- uma estrutura emocional capaz de dar conta de
da típica desta fase. si mesmo. Portanto, a passagem da adolescên-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 169


Junguiana
v.39-1, p.167-178

cia para a vida adulta estaria relacionada com Adultescência


aquisição de capacidades que facilitem a dife- O termo adultescência é um neologismo mui-
renciação da consciência, a descoberta de uma to recente. Embora não seja possível localizar
individualidade cada vez mais definida e a for- com precisão seu surgimento, não foram en-
mação de uma vida própria. contradas referências ao termo até a década de
A partir da adolescência, o indivíduo come- 1990, o que nos leva a supor que seja um concei-
ça a viver a transição entre o dinamismo pa- to típico do século 21.
triarcal, predominante na consciência, e o di- Adultescência é um conceito frequentemen-
namismo de alteridade. Esta passagem exige te referido à adolescência prolongada ou tar-
uma reestruturação das demandas patriarcais, dia. Levisky (1998) define como “adolescentes
no sentido de uma relativização dos valores profissionais”, “indivíduos cronologicamente
estruturados na infância e da necessidade de adultos, mas cujo processo adolescente se es-
integração de algumas demandas matriarcais tende no tempo, mantendo-os num estado de
que foram deixadas de lado (sombra). Além dependência afetiva e econômica” (p. 31). Gil-
disso, observa-se a emergência de possibili- berto Dimenstein (2006), em artigo publicado no
dades totalmente novas que a vida lhes pro- jornal Folha de S. Paulo, diz: “psicólogos infor-
põe em termos de oportunidades e exigências mam que o prazo de validade da adolescência
as quais também demandam por elaboração e envelheceu, alargando-se até os 32 anos” – esse
integração, rumo à constituição da individuali- período seria conhecido como “adultescência”.
dade mais plena da maturidade. Encontramos também o emprego do termo –
O ego sedimentado no plano matriarcal e pa- adultescente – a adultos que querem parecer ou
triarcal é capaz de transitar no mundo material, se comportar como jovens, como uma tentativa
concreto e corporal e no mundo ideal, abstrato e de retornar à adolescência. Em alguns contextos,
espiritual; no campo da interioridade e da exte- o termo adquire uma conotação pejorativa, ao
rioridade; da objetividade e da subjetividade; no ser aplicado a pessoas supostamente maduras
âmbito da intimidade e da sociabilidade. O trân- “que após os 40 anos apresentam uma postura
sito entre essas polaridades, no entanto, ainda é típica de um ser na puberdade” (BRITO, 2007);
bastante difícil nesta época, pois frequentemen- “homens e mulheres entre 30 e 40 anos que
te, para que uma polaridade esteja disponível, mantém costumes e hábitos típicos de adoles-
seu oposto tende a ser desativado na consciên- centes” (MARAFON, 2005).
cia. Essa é a entrada na dinâmica de alteridade O termo adultescência é adotado aqui com o
que, aos poucos, vai se fazendo mais presente sentido de um prolongamento da adolescência,
na vida psíquica dos jovens. ou seja, uma etapa posterior à adolescência e
A articulação criativa da energia arquetípica anterior à maturidade. Um fenômeno que apon-
oriunda de anima-animus com o arquétipo do ta para uma suposta dificuldade em alcançar a
herói, em busca de um mundo novo para con- maturidade psicológica e fazer a passagem para
ter e expressar novas possibilidades, alia-se à a vida adulta. Alguns autores falam em dificulda-
díade puer-senex na lida com o novo e o velho; de ou recusa em assumir as responsabilidades
passado e futuro; apego e desapego. Forma-se da vida adulta (CALLIGARIS, 2000; DIMENSTEIN
assim um sistema dinâmico de interações al- 2006). Na adultescência, a conflitiva central é de
tamente complexo no qual interagem diversas ordem exclusivamente psicológica com implica-
possibilidades arquetípicas. ções na vida social, profissional e relacional dos
É na passagem da adolescência para a matu- jovens adultos, diferente da adolescência e da
ridade que, muitas vezes, surge a problemática senescência que contam com elementos biológi-
da adultescência. cos como fatores interferentes relevantes.

170 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.167-178

Os jovens que sofrem com esta passagem so de graduação, na busca incessante de cursos
frequentemente apresentam conflitos com rela- de pós-graduação ou na realização de diversas
ção à aquisição de autonomia, no sentido de ca- viagens de estudo.
pacidade de gerenciar a própria vida, e isso pode Yvette Piha Lehman, coordenadora do Serviço
aparecer tanto no campo profissional, quanto no de Orientação do Instituto de Psicologia da Uni-
âmbito socioafetivo. Muitas vezes se mostram versidade de São Paulo, citada por Dimenstein
inseguros quanto às suas potencialidades e fra- (2006), afirma que a cada ano mais e mais estu-
quezas, bem como as reais possibilidades de dantes imaturos “são obrigados a escolher, na
sentirem-se apropriados de uma vida adulta. marra, a profissão”, sugerindo que os jovens não
As considerações feitas aqui a respeito das se sentem ainda preparados para assumir ple-
dificuldades em se afirmar na vida adulta foram namente a vida profissional. Essa avaliação de
observadas em uma parcela significativa de jo- Lehman concorda com a visão de Apter (2004),
vens, fundamentada no estudo bibliográfico do no sentido de que a sociedade deveria repen-
tema, na experiência clínica em consultório par- sar as exigências que faz quanto à profissiona-
ticular e também no acompanhamento de jovens lização dos jovens, e sugere que as escolhas e
atendidos em psicoterapia na clínica Ana Maria decisões no campo profissional sejam adiadas.
Popovic entre 2003 e 2010. O trabalho realizado Parece que a parcela adulta da população deve
nesta clínica durante esse período atendeu 85 conceder ao adolescente mais tempo para ama-
pessoas, de situação socioeconômica muito va- durecer sem pressioná-los. Esse discurso rapi-
riada. Desde moradores de comunidades de São damente assume que compete ao adulto fazer
Paulo, que contavam com recursos econômicos concessões sem refletir sobre a parcela de res-
muito precários, até estudantes universitários, ponsabilidade do jovem, além de desconsiderar
pós-graduandos e profissionais com 3º grau uma série de conflitos de ordem emocional que
completo. A faixa etária oscilava entre 18 e 35 subjazem a esta questão.
anos e o grupo era composto por jovens cujos No que diz respeito às queixas de ordem
conflitos estão centrados na passagem para a emocional/relacional, a maior dificuldade re-
idade adulta. Eles apresentam questões relati- cai em encontrar ou manter um relacionamen-
vas à busca de um futuro produtivo, à luta pela to amoroso, íntimo, estável e duradouro, seja
inserção no ambiente social a que pertencem e qual for o formato de relação escolhido, diante
à tentativa de alcançar autonomia, seja pela via da amplitude, diversidade e plasticidade que o
profissional, seja pela constituição de relacio- contexto cultural contemporâneo oferece para
namentos socioafetivos estáveis e duradouros. os relacionamentos afetivos. Do ponto de vis-
Desta forma, as queixas mais frequentes podem ta psicológico, este desejo pode ser analisado
ser agrupadas em dois grandes grupos: vocacio- como o movimento de ingresso numa dinâmica
nal e/ou profissional; emocional e/ou relacional. de alteridade regida pelos arquétipos da anima-
No que diz respeito ao âmbito vocacional/ -animus. O desejo pelo relacionamento amoroso
profissional, as queixas referiam-se a dúvidas também pode ser compreendido como uma pos-
quanto à escolha profissional, mudança de sibilidade de construção de um novo modelo de
curso universitário ou área de trabalho, e/ou relacionamento, diferente dos vínculos vividos
dificuldade de inserção no mercado de traba- na família de origem.
lho. Dimenstein (2006) fala de “uma legião de É comum a queixa de se sentir sozinho. O
estudantes desorientados que abandonaram o jovem ficou sem lugar de pertencimento. Já não
ensino superior sem conhecer suas vocações”. se encaixa nas expectativas da adolescência e
O prolongamento da vida estudantil pode ser ob- ainda não se sente amadurecido o suficiente
servado também na alteração constante de cur- para arcar com as demandas da próxima eta-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 171


Junguiana
v.39-1, p.167-178

pa – a vida adulta. Não se encaixam na ado- o qual os pais devem se adaptar. Nos anais do
lescência e ainda não conseguiram se inserir referido congresso, encontra-se repetidamente a
em uma nova configuração psíquica que os afirmação de que não se trata de uma síndrome
ajudem a enfrentar os novos desafios de uma ou uma enfermidade psíquica ou física, mas sim
nova maneira. A turma de amigos que exercia um fenômeno social relacionado aos novos cos-
papel importante na sustentação emocional tumes sociais e à educação.
do jovem na fase anterior perde um tanto de César (2008) aponta a fragilidade das insti-
sua intensidade. Os relacionamentos entre tuições (escola e família) como um dos princi-
amigos mudam de formato. E mesmo os pais, pais fatores que contribuem para o fenômeno
ainda que mantenham a sustentação financei- da adultescência. Há uma aproximação cada vez
ra, não podem protegê-los ou orientá-los como maior dos comportamentos de jovens e adultos,
na adolescência. Mesmo o papel de filho fica sendo que os últimos estariam “contaminados”,
desajeitado, prolongado e antiquado. Por não segundo a autora, pelos traços de instabilidade
se sentirem emocionalmente preparados, pou- dos primeiros. Ou seja, parece que a ambigui-
co expressam um desejo de sair da casa dos dade dos adultos e sua insegurança são fatores
pais, o que se mostra uma queixa praticamen- que contribuiriam para a imaturidade dos jovens.
te ausente em jovens nessa condição. Estar na Calligaris (2000) destaca como fator importante
casa dos pais pode assustar menos, provocar no prolongamento da adolescência o fato da cul-
menos incertezas quanto às suas possibilida- tura contemporânea idealizar a juventude como
des de arcar com uma vida sozinho, e trazer uma época eminentemente feliz e saudável.
um lugar de pertencimento pelo prolongamen- É verdade que a noção de maturidade e seus
to do lócus de filho adolescente. parâmetros se apresentam muito elásticos e
Muitos autores tendem a enfatizar o aspecto ambivalentes em nossa cultura, e isso expõe a
sociocultural como o principal fator que contri- ambiguidade e a desorientação que talvez tam-
bui para uma saída precoce da infância e a en- bém estejam na base da crise adultescente vivi-
trada tardia na maturidade, prolongando assim da por alguns jovens. Quando os parâmetros de
a adolescência. maturidade estão confusos na cultura, as metas
Apter (2004) diz que entre 40 e 50% dos jo- do adolescente também se perturbam. Numa
vens que saem de casa, retornam pouco tempo cultura em que o grande ideal se concentra no
depois. O autor justifica esse fato pelas condi- permanecer jovem para sempre, ser adulto tal-
ções socioeconômicas da atualidade e recomen- vez não seja a meta principal do desenvolvimen-
da que os adultos (pais, professores, patrões) to humano. Devemos salientar, portanto, que
atentem para essa realidade. A justificativa de fatores psicológicos estão sempre entrelaçados
que os jovens atualmente não saem da casa dos aos fatores socioculturais que compõem a cons-
pais em razão de dificuldades econômicas não ciência coletiva, assim como a psique individual
nos parece o motivo principal para a permanên- está imersa na psique coletiva tanto no âmbito
cia na casa parental. É mais plausível a hipótese consciente (cultura) como no âmbito inconscien-
de que eles ainda não se sentem preparados psi- te (arquetípico). Derivar a problemática indivi-
cologicamente para isso. dual exclusivamente do ambiente sociocultural
O congresso da Associação Espanhola de é negar a individualidade e o plano arquetípico.
Pediatria em junho de 2006 discutiu e definiu A cultura é forjada pelos indivíduos e seus con-
a adultescência como “um novo fenômeno pelo flitos. O contexto histórico-cultural é relevante
qual homens e mulheres em torno dos 30 anos e tem papel significativo no processo de Indivi-
se negam a abandonar a casa paterna” e consi- duação, embora não deva ser compreendido de
dera um fato social cada vez mais evidente com maneira isolada da dinâmica psíquica.

172 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.167-178

Ao considerarmos a dinâmica psíquica que Campbell (1992) descreve três etapas na tra-
subjaz a problemática da adultescência, deve- jetória do herói: 1. separação e partida; 2. ini-
mos nos debruçar sobre o entendimento da arti- ciação; 3. retorno ou reintegração. A morte ou
culação entre as forças do arquétipo da Alterida- enfraquecimento do ego pode se dar na recusa
de e outros arquétipos igualmente importantes ao chamado ou na recusa ao retorno. A saúde
e ativados nesse período. Há um sistema dinâ- do ego é garantida e engradecida na possibi-
mico de interações altamente complexo no qual lidade de o indivíduo partir, ir ao encontro do
interagem essas diversas possibilidades arque- desconhecido, aceitar o chamado da individua-
típicas. No caso do jovem a caminho da maturi- ção e retornar para o mundo e a vida cotidiana
dade destacaremos aqui as articulações entre as renovado, transformado e fortalecido. A partida
forças arquetípicas do herói, puer-senex, Eros e sem volta às regiões do inconsciente gera infla-
os arquétipos regentes da individuação (grande ção, soberba e tendência a fortes projeções in-
mãe, pai e anima/animus). Os atributos dos ar- conscientes que iludem o ego. O temor do ego e
quétipos da grande mãe e do pai e seu funciona- a consequente recusa diante do chamado para
mento quando ativados na consciência já foram prosseguir no caminho da individuação é parali-
comentados anteriormente. sante, petrifica a ação egoica perante a vida. Em
cada etapa da vida, o chamado para a aventura
O herói e a saga a ser empreendida é diferente e requer
A energia arquetípica do herói, embora este- um tipo de herói.
ja sempre presente e disponível para o ego em Mais adiante veremos como a dinâmica do
todo o processo de individuação, é sobretudo arquétipo do herói se conjuga com as outras for-
ativada na vigência do dinamismo patriarcal. ças arquetípicas na adultescência.
Segundo Penna (1994), a ação heroica estrutu-
ra ego. O entusiasmo e a disposição à luta são Puer-senex
inevitáveis nos momentos de crise decisivos no As forças de puer e senex devem ser enten-
processo de individuação, quando o herói entra didas de forma articulada, e não isolada uma
em cena aceitando o chamado para a aventura da outra. Funcionam de forma integrada e inte-
do crescimento. A figura do herói investe o ego ragem com outras dinâmicas arquetípicas. Puer
de força e determinação para lutar a batalha do é a potencialidade arquetípica que move para o
desenvolvimento; a coragem do herói é funda- futuro, para o novo, que vence o medo e os peri-
mental para o enfrentamento das vicissitudes da gos em busca de mudanças. Naturalidade e es-
trajetória da vida. A meta do herói é promover a pontaneidade são também elementos presentes
diferenciação entre consciente e inconsciente; na simbólica do puer. A temática do arquétipo
vida interior e vida relacional. A luta heroica im- da criança, segundo Jung (2014), prepara para
plica necessariamente perdas e ganhos. Desse as futuras transformações. Em sua manifestação
modo, com a ajuda da potência arquetípica do criativa promove o movimento esperançoso e
herói, vai sendo pavimentado um leito seguro leve em direção a renovação. Em sua forma de-
para o caminho do ego na construção de uma in- safinada, a força do puer aparece de forma opor-
dividualidade sólida e íntegra. Através do herói, tunista, irresponsável e inconsequente.
a divindade é encarnada, ou seja, partes do self Senex é a potencialidade arquetípica que
se tornam ego. O herói promove a encarnação no sustenta, assenta e assegura; que busca respal-
ego de energias arquetípicas que forjam corpo do no passado e invoca as experiências vividas
e espírito. O herói não se rende diante das difi- para referendar transformações; fornece certeza,
culdades e, com isso, fortalece o ego diante das solidez e estabilidade, assim como durabilidade
frustrações inevitáveis do percurso. e peso. De modo criativo, senex promove a cons-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 173


Junguiana
v.39-1, p.167-178

tituição de um quadro de valores que favorece a consciência. Esta relação que o ego estabelece
integridade e o crescimento sustentável da per- com os símbolos que lhe tocam faz diferença
sonalidade. Em sua forma desarmônica, a força fundamental na possibilidade de assimilação de
de senex resulta em aridez, rigidez, insensibili- conteúdos importantes para o seu processo de
dade e se torna antiquado. desenvolvimento. Assim como Hillmann (1999),
A permanência na adolescência e a conse- Guggenbühl-Craig (1980) também destaca a im-
quente impossibilidade de fazer a passagem portância da interação entre os arquétipos e sua
para a maturidade psicológica estaria associada influência na consciência.
à impossibilidade de sair do lócus de “filho ado- Se adotarmos a sugestão de Guggenbühl-
lescente” – queixoso, reclamante de direitos, -Craig e considerarmos Eros como um elemento
mas isento de deveres – seja em relação tanto de união, vitalidade e temperança que confere
às questões patriarcais como às demandas ma- valor às potencialidades arquetípicas, podemos
triarcais. A permanência e a impossibilidade de considerar que, na ausência de Eros, as polarida-
investir no novo, é uma dinâmica desarticulada des ficam desarmonizadas chegando mesmo a
entre puer e senex, e um tanto paradoxal. se neutralizarem na consciência. Por outro lado,
a exacerbação de Eros vai inflamar os ânimos e
Eros favorecer as projeções. O inconsciente se proje-
À díade puer-senex pode ser somada a influ- ta no outro em vez de fazer uma conexão com
ência da força arquetípica de Eros. Da mitologia o outro. A empatia que pode ser favorecida pela
greco-latina temos Eros como o deus do amor. justa medida de Eros fica bastante prejudicada
Guggenbühl-Craig (1980) propõe que Eros seja tanto no excesso como na falta de Eros. A capa-
entendido como vínculo emocional, abrangen- cidade de empatia é especialmente necessária
do um amplo espectro de formas de vinculação na vigência do dinamismo de alteridade que em
– da sexualidade e amizade ao envolvimento geral atua na maturidade.
com uma profissão, hobbies e arte. Eros seria
o responsável pela conectividade entre as vá- Adultescência e maturidade - dilemas e
rias esferas da vida. O grau e a intensidade de impasses
valor com que uma relação se estabelece, ou A passagem da adolescência para a idade
uma atividade se realiza, dependem de Eros. De adulta conta com o apoio do ímpeto, da ambi-
acordo com Guggenbühl-Craig (1980), é Eros que ção, da esperança e dos sonhos de puer a cami-
fornece movimento aos arquétipos e promove a nho dos novos desafios da vida adulta, e tam-
conexão entre o ego e os arquétipos. “Somente bém com a cautela, a segurança, a sustentação
quando estão combinados (os arquétipos) com e a manutenção de senex. A entrada na vida
Eros sentimos seu movimento e emoção, eles adulta conta ainda com a assertividade e for-
se tornam criativos, íntimos e estimulantes” (p. ça para suportar as dificuldades e frustrações
27). Eros humaniza os arquétipos em sua rela- inerentes ao processo, advindas das energias
ção com a consciência e ainda funciona como arquetípicas do Herói, que devem se somar ao
um moderador de suas características positivas amor, à empatia e ao desejo de Eros. O entu-
ou negativas, criativas ou destrutivas. Funciona siasmo (Eros) e a tenacidade (herói) necessá-
como um elo, não apenas entre os arquétipos, rios para transformar sonhos e ideais (puer) em
mas sobretudo entre o ego e a vivência arquetípi- planos e metas factíveis e consistentes (senex)
ca. Eros investe de qualidade, valor e intensida- refletem um bom exemplo da associação entre
de os símbolos que chegam à consciência. Lem- puer-senex, Eros e Herói. A articulação harmo-
bremos que os símbolos são o meio e a forma niosa entre esses temas arquetípicos tende a
pelas quais os arquétipos se fazem presentes na promover a circulação de energia rumo à ma-

174 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.167-178

turidade como um futuro auspicioso a ser bus- gres ou buscam garantias de sucesso incondi-
cado (puer); construído com esforço pessoal e cional na empreitada. Tentam responsabilizar os
com disposição para a luta (herói) e assentado pais, a sociedade ou o azar por seus insucessos.
em valores éticos (Eros e senex). Nesse panorama psíquico, podemos observar a
A par a consideração da adultescência como atuação de fortes projeções do inconsciente que
uma etapa da vida contemporânea típica talvez, tendem a iludir o ego quanto ao caminho a ser
da cultura pós-moderna e pós-patriarcal, quando percorrido para o atingimento da meta da indi-
esse período se constela como uma paralisação viduação, qual seja, nesse momento, o ingresso
do processo de individuação observa-se uma di- na maturidade.
nâmica intrincada desses aspectos, conjugada a Um aspecto destrutivo do puer coloca o adul-
uma ambivalência dos dinamismos matriarcal e tescente num estado de birra pueril que pro-
patriarcal, influenciando de modo significativo o move uma estagnação senil, configurando uma
andamento do processo de individuação. situação paradoxal das polaridades puer-senex.
A angústia maior que aflige o adultescente é a O Eros exacerbado que cega e confunde, ou um
perspectiva futura. Nesse sentido, a perspectiva Eros enfraquecido que não favorece a interliga-
teleológica da visão junguiana nos dá subsídios ção das diversas possibilidades da personali-
para entender esta problemática em que o maior dade e a conexão exterior eu-outro. Resultam
desafio diz respeito a decisões e escolhas que em fortes projeções, que colocam fora do ego
lhes parecem “definitivas” e, por isso, assusta- a energia heroica, o entusiasmo do puer e a co-
doras. Esses jovens permanecem num estado de nectividade e o ânimo de Eros. O herói parece ter
“preparação” para a vida experimentando, mas sido neutralizado nesse cenário. A paralisação
não se comprometendo, testando sem realmen- do herói ou ainda a vivência de rendição diante
te tentar, na expectativa de que um modo ideal das exigências da vida, denota um herói parado-
de ser ou fazer ainda está por vir. Permanecer xalmente rendido e/ou fracassado.
jovem ou mesmo criança reflete elementos do
senex desarmonizados do puer. A tentativa ou o Individuação e cultura
desejo de não amadurecer e não envelhecer de- Do ponto de vista da individuação, as ener-
nota um dilema entre as polaridades puer-senex. gias advindas da grande mãe, do pai e do ani-
Um ciclo vicioso de medo paralisante e ou- mus/anima se exercem natural e espontanea-
sadia irresponsável, frutos de uma impossibili- mente e buscam articulação na vida existencial.
dade de se dispor aos riscos inerentes ao novo A individualidade vai sendo forjada pelo encon-
e em função de uma baixa tolerância à frustra- tro entre as possibilidades arquetípicas e as
ção, constitui o importante fator paralisante do oportunidades que a vida sociocultural oferece.
processo de individuação nesta etapa da vida. Num ambiente predominantemente pa-
A entrada definitiva e decisiva na maturidade é triarcal os elementos matriarcais tendem a ser
vivida como uma enorme angústia, entretanto reprimidos, suprimidos ou sacrificados. Num
angustiante também é ficar prisioneiro do pas- ambiente predominantemente matriarcal, os
sado sem conseguir se encaminhar para o fu- elementos patriarcais têm mais dificuldade de
turo. Nesse panorama o dilema transforma-se serem instalados ou estruturados. A dinâmica
em impasse. de alteridade tende a promover um ambiente
Os adultescentes que procuram ajuda psico- em que os elementos matriarcais e patriarcais
lógica estão presos entre o ser e o não ser adulto. se articulem e convivam. O que até hoje se ob-
Querem um relacionamento e um trabalho, mas servou na cultura ocidental foi um treinamento
não se sentem em condições de pagar o preço ou educação em que, geralmente, a criança é ex-
do ingresso na vida adulta. Esperam por mila- posta às exigências patriarcais durante a infân-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 175


Junguiana
v.39-1, p.167-178

cia e o mundo adulto lhe parecia moldado pelo Vale ainda refletir sobre a questão do impas-
arquétipo do Pai. Na adolescência, os influxos se. A vivência do impasse aponta para uma situa-
da anima/animus solicitavam a contestação dos ção de paralisação distinta da vivência conscien-
valores patriarcais, exigiam sua flexibilização te de conflito em que o ego se vê diante de um
e a reabilitação de aspectos matriarcais ante- dilema ético que o impulsiona para uma mudança
riormente excluídos da consciência, com isso, de atitude perante a vida. Quando a adultescên-
operava-se uma necessidade de novas alianças cia se configura como uma crise no processo de
entre dever e prazer, corpo e espírito em que as individuação, forma-se uma peculiar constelação
polaridades antes separadas deveriam se reunir das polaridades arquetípicas e, em função do im-
– religar – com a finalidade da estruturação de passe entre as diversas possibilidades psíquicas,
uma individualidade mais íntegra, mais abran- uma polaridade acaba por neutralizar a outra.
gente e mais complexa. Podemos pensar que esses jovens ficam “empa-
Atualmente, no entanto, a ambiguidade, a di- cados” no processo de individuação pela impos-
versidade e a flexibilidade da pós-modernidade sibilidade de articular na consciência os diversos
criam lacunas tanto no que diz respeito às de- aspectos envolvidos no conflito “crescer ou não
mandas matriarcais quanto patriarcais. A valori- crescer – ser ou não ser adulto”.
zação excessiva do ideal jovem em detrimento O impasse entre puer-senex, Eros e herói e a
de tudo que seja duradouro ou estável configura ambivalência matriarcal e patriarcal no indivíduo
uma imagem pouco atraente da maturidade, o e na cultura podem sinalizar uma dinâmica que
que torna extremamente difícil se tornar adulto, corre o risco de paralisação tanto no plano cultu-
para uma parcela significativa da população jo- ral como no âmbito individual, e exige reflexão e
vem. Não se trata de localizar causas para essa tomada de consciência sobre os rumos que essa
problemática, mas sim de compreender o sig- situação sugere. ■
nificado e o sentido da adultescência como um
fenômeno atual. Recebido em: 31/03/2021 Revisão em: 12/06/2021

176 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.167-178

Abstract
Adultecence. On the way to maturity in the contemporary world
This article is oriented to the reflection on the ment and on the consideration of aspects of con-
transition from adolescence to adulthood, which temporary culture that are influential and relevant
in some cases can be experienced with great dif- in the lives of young people today. The articulation
ficulty. The term adultecence is a very recent neol- between the forces of the archetypes Great Moth-
ogism, used to name the prolongation of adoles- er, Father, Alterity, Hero, Puer-Senex and Eros, add
cence and the difficulty in entering adult life. The to the influences of the aspects of contemporary
reflection on this problem relies on the discussion culture, forming a complex plot of interactions,
of the archetypal dynamics at this time of develop- which can favor or hinder entry into adult life. ■

Keywords: Adultecence, Adolescence, Puer-senex, Hero, Eros, Individuation.

Resumen
Adultoscencia. En camino a la madurez en el mundo contemporáneo
Este artículo está dedicado a la reflexión sobre desarrollo y la consideración de aspectos influ-
la transición de la adolescencia a la edad adulta, yentes y relevantes de la cultura contemporánea
que en algunos casos se puede experimentar con en la vida de los jóvenes de hoy. La articulación
gran dificultad. El término adultescencia es un entre las fuerzas de los arquetipos Gran Madre,
neologismo muy reciente, utilizado para nom- Padre, Alteridad, Hero, Puer-Senex y Eros, se su-
brar la prolongación de la adolescencia y la difi- man a las influencias de aspectos de la cultura
cultad para entrar en la vida adulta. La reflexión contemporánea, formando una compleja red de
sobre este problema se basa en el debate sobre interacciones, que pueden favorecer o dificultar
la dinámica arquetípica en este momento de la entrada a la vida adulta. ■

Palabra clave: Adultescencia, Adolescencia, Puer-senex, Hero, Eros, Individuation.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 177


Referências
APTER, T. O mito da maturidade: o que os adolescentes HALL, G. S. Adolescence: its psychology and its relations
precisam para se tornarem adultos. Rio de Janeiro, RJ: to physiology, anthropology, sociology, sex, crime, religion,
Rocco, 2004. and education. New York, NY: Appleton and Company, 1904.

BRITO, L. M. T. Liberdade assistida no horizonte da HILLMAN, J. O livro do puer: ensaios sobre o arquétipo do
doutrina de proteção integral. Psicologia, Teoria e puer aeternus. São Paulo, SP: Paulus, 1999.
Pesquisa, Brasília, v. 23, n. 2, p. 133-8, abr./jun. 2007.
https://doi.org/10.1590/S0102-37722007000200003 JUNG, C. G. Arquétipos do inconsciente coletivo. Rio de
Janeiro, RJ: Vozes, 2014. (Obras Completas 9/1)
CALLIGARIS, C. A adolescência. São Paulo, SP: Publifolha,
2000. LEVISKY, D. L. Adolescência: reflexões psicanalíticas. 2. ed.
São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 1998.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo, SP: Cultrix,
1992. MARAFON, G. Por uma “lição de amor” na adolescência:
função paterna e educação. In: SIMPOSIO INTERNACION-
CÉSAR, M. R. A. A invenção da adolescência no discurso AL DO ADOLESCENTE, 2., 2005, São Paulo. Anais... São
psicopedagógico. São Paulo, SP: Universidade Estadual Paulo, SP: Universidade de São Paulo, 2005. Disponível em:
Paulista, 2008. <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=MSC0000000082005000200044&lng=en&n-
DIMENSTEIN, G. Talentos jogados no lixo. Folha de S. rm=abn>. Acesso: 5 jun. 2009.
Paulo, 21 nov. 2006.
PENNA, E. Quem somos e para onde vamos: uma leitura
GUGGENBÜHL-CRAIG, A. Eros on crutches: reflections simbólica da identidade brasileira através do símbolo do
on amorality and psychopathy. Washington, DC: herói patriarcal e do bode expiatório. São Paulo, SP: Socie-
Spring, 1980. dade Brasileira de Psicologia Analítica, 1994.

178 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.179-190

Adultescence: on the way to maturity in the


contemporary world

Eloisa M. D. Penna*
Felícia Rodrigues R. S. Araujo**

Abstract Keywords
This article is dedicated to reflecting on the ture, weaving a complex web of interactions, adultescence,
transition from adolescence to adulthood, which which can either benefit or hinder the entry into adolescence,
in some cases can be experienced with great adult life. ■ puer-senex,
hero, eros,
difficulty. The term adultescence is a very recent
individuation.
neologism used to describe the prolongation of
adolescence and the difficulty of entering adult
life.  The reflection on this issue includes the
discussion of the archetypal dynamics taking
place during this stage of development and the
consideration of aspects of contemporary cul-
ture that are influential and relevant to the lives
of young people today.  The interaction among
the forces of the Great Mother, Father, Alterity,
Hero, Puer-Senex and Eros archetypes add to
the influence of aspects of contemporary cul-

* Junguian analyst, Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica


– International Association for Analytical Psichology (SBPA –
IAAP). Ph. D. in Clinical Psychology, PUC-SP.
** Junguian analyst, Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica
– International Association for Analytical Psichology (SBPA –
IAAP). Master’s degree in Clinical Psychology, PUC-SP.
email: <elopenna@gmail.com>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 179


Junguiana
v.39-1, p.179-190

Adultescence: on the way to maturity in the contemporary world

Introduction adultescence into context and provide a better


In the 20 century, adolescence emerged as
th understanding of this phenomenon.
an important stage of human life. Stanley Hall
(1904) was the first to draw people’s attention The development process
to this stage of human development from a psy- Jung described the process of development of
chological point of view. Today, this phase of life consciousness and the shaping of individuality
is widely studied by several fields of knowledge, and called it the Individuation Process. As the
such as medicine, sociology, anthropology, edu- ego travels through life, the individual psyche
cation, and psychology. The field of psychology becomes more complex and diverse, increas-
alone encompasses different theories, lines of ing the possibilities and its resources to deal
research and reflections on clinical practices that with relational life (the self with others and the
are specific to adolescence. world) and intimate life (the self with the self).
Many 21st century authors devote their stud- During the process of individuation, the ego is
ies and reflections to a new stage of human influenced by archetypes of the collective uncon-
development – the adultescence. Becoming an scious and existential facts and events, which
adult has proved to be a difficult task for a sig- drive and move the ego in the form of symbols.
nificant part of the young population, and the The psychic complex of individuality encom-
prolongation of adolescence has proved to be passes conscious (ego-consciousness) and un-
a typically contemporary phenomenon. Clin- conscious (shadow-complexes) elements. This
ical experience shows that the transition from individuality, however, is part of, and based on, a
adolescence to adult life poses no noticeable collective, broader supra-individual system both
difficulties to some young people, to whom the at the conscious (collective consciousness) and
issue of adultescence does not apply. Never- unconscious (collective unconscious) levels.
theless, reaching maturity can be a critical and The ego is first introduced into life through the
painful experience to others, often leading to a powerful archetype of the Great Mother, which
crisis in their Individuation Process and causing nurtures, protects and supports the human soul,
them to seek psychological help. grounding it to earth and matter. Children feel
This paper aims to reflect on the passage safe when attached to matter, embraced and
to adult life, highlighting the conflicts experi- held by their Mother, the bond with nature also
enced by young adults who face severe diffi- makes them feel secure. The archetype of the
culties when entering adulthood. It will discuss Father is the second form of introduction of the
matters concerning archetypal elements that ego into life, this time into social life, through re-
are active during this stage of the Individua- lationships beyond the nest. The archetypal en-
tion Process and cultural components involved ergy of the Father introduces the child into actual
in this issue. The intention is to understand human life, governed by the law of man and no
what this phenomenon means to human devel- longer merely by the laws of nature.
opment and how it relates to the contemporary Patriarchal consciousness is built and con-
collective consciousness. solidated over a long period of time at the ex-
A brief review of the psyche development pense of considerable effort and investment
process will be useful to put adolescence and made by the ego, especially in the sense of con-

180 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.179-190

taining matriarchal yearnings, which urge it in the domains of the matriarchal and patriarchal
the direction of preserving life, substantiated by realms, which the ego supposedly already knows
basic survival needs. The patriarchal hero fights how to navigate. At this stage, the body rise up
against the dragon of instincts and defeats it to with new yearnings and the spirit lights up with
attain the Father’s goals, thereby ensuring the new ideas. It is against this social psychosomat-
individual’s entry into social relations that go ic background that adolescence sets in.
beyond the sphere of the Great Mother’s arche- The World Health Organization (WHO) current-
type. The child learns how to live in society, to ly defines adolescence as the age group ranging
read and write, to get to know and follow the from 10 to 20 years; according to the Statute of
path of law, order, discipline, perseverance; the Child and Adolescent (Estatuto da Criança
acquires a degree of command over his/her ac- e do Adolescente), adolescence ranges from 12
tions and decisions and also experiences the to 18 years of age. The voting age varies from 16
order of cause and consequence brought about to 21, depending on the country, which confirms
by his/her acts and wills. Psychologically, this the civil maturity of individuals. According to Jew-
path is equivalent to acquiring the patriarchal ish tradition, girls become adults at 12 and boys
command of consciousness which, added to a at 13. According to Catholic tradition, the sacra-
matriarchal command of consciousness, leads ment of confirmation (12 to 14) marks the entry
to a transition to a post-patriarchal level of con- into adulthood, when individuals confirm their
sciousness towards the consciousness of Alter- catholic vocation. These are some of the param-
ity, which will subsequently lead him/her to the eters that may or may not set the limits on this
maturity of the second half of life and old-age, in stage of life.
one continuous movement from birth to death. There is a certain degree of consensus in sci-
The influence of Alterity can already be felt at ence and culture that the beginning of adoles-
the beginning of puberty, when the archetypes cence is associated to the physiological changes
of anima/animus surface in the form of a pro- of puberty. However, the point at which ado-
found analysis of parental values. Questions and lescence ends is quite imprecise, which makes
claims regarding family demands arise; institu- it hard to define parameters for the passage
tions and social values are criticized and ques- into adulthood.
tioned by adolescents. Nevertheless, during the The indicators of maturity most frequent-
first stage of adolescence, young adults are still ly pointed out by authors who discuss ado-
unable to cope with the commitments and social lescence can be succinctly translated into the
responsibilities their ideals require, as they are achievement of autonomy. Psychic autonomy
still highly dependent on their parents. Adoles- refers to the capacity for ‘self-management’ in
cents are well known for criticizing and rebelling the various spheres of life: it is the ability to
against the order established by their parents’ make choices and decisions and to bear the
world. This order, which is known and learned consequences. Such choices and decisions, at
since early childhood, no longer seems to be this stage of life, focus on achieving profession-
enough or acceptable to adolescents. New possi- al training that can lead to productive work and
bilities are forged and expressed through ideals provide independence; searching for and main-
and the nonconformist behavior that is typical of taining a stable intimate, loving relationship (in
this phase. whatever format it may be), building an emo-
Having acquired a reasonable command of tional structure that is capable of taking care
the world of instinctive nature and the social of himself. Therefore, the passage from adoles-
rules of conviviality, body and spirit are ready cence into adult life is related to acquiring skills
to go beyond, to move forward and transcend that enable the distinction of consciousness,

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 181


Junguiana
v.39-1, p.179-190

discovering an increasingly better-defined indi- before the 1990s, which leads us to suppose the
viduality and building a life for oneself. concept is characteristic of the 21st century.
With adolescence, individuals begin to expe- The term adultescence is frequently used
rience the transition from the patriarchal dyna- about a prolonged or late adolescence. Levisky
mism, which prevails in consciousness, to the (1998) defines it as “professional teenagers”,
dynamism of Alterity. This transition requires “individuals who are adults chronologically,
that patriarchal demands be restructured, in but whose process of adolescence extends over
the sense that the values that were structured time, keeping them emotionally and economi-
during childhood are put into perspective and cally dependent”. (p. 31). In an article published
there is a need to integrate matriarchal demands in the newspaper Folha de S. Paulo, Gilberto Di-
that were left aside (shadow). Moreover, entire- menstein (2006) wrote: “psychologists tell us
ly new possibilities are posed by life in terms of that the adolescence expiry date has got older,
opportunities and requirements and these must it now extends to 32 years of age” – this period
also be processed and integrated, so the fullest is known as “adultescence”. The term “adultes-
form of individuality can be achieved when ma- cent” is also used for adults who want to look or
turity is reached. behave younger as an attempt to return to ado-
Once established in the matriarchal and pa- lescence. In some contexts, the term can have a
triarchal planes, the ego is capable of navigating pejorative connotation when applied to suppos-
the material, concrete and bodily world, as well edly mature people “who, after 40, behave like
as the ideal, abstract and spiritual world; inward- someone going through puberty typically would”
ness and outwardness; objectivity and subjectiv- (BRITO, 2007); “men and women between 30
ity; intimacy and sociability. However, navigating and 40 with typically adolescent habits and cus-
these extremes is still quite difficult during this toms” (MARAFON, 2005).
time, since that, frequently, in order for one ex- The term adultescence is used here in the
treme to be available its opposite must be inac- sense of a prolonged adolescence, in other
tive in consciousness. This is the entry into the words, a stage before maturity and after ado-
dynamics of Alterity, whose presence gradually lescence. It is a phenomenon that points to an
increases in the psychic life of young people. alleged difficulty to reach psychological maturi-
The creative interaction between the arche- ty and transition into adulthood. Some authors
typal energy that comes from anima/animus and speak of a difficulty or refusal to take on the
the archetype of the hero, searching for a new responsibilities of adult life (CALLIGARIS, 1998;
world to contain and express new possibilities, is DIMENSTEIN 2006). In adultescence, the central
added to the Puer/Senex dyad to tackle the new conflict is exclusively psychological, with impli-
and the old; the past and the future; attachment cations on the social, professional and relational
and detachment. Thus, a new dynamic system life of young adults, whereas in adolescence and
of highly complex interactions is formed, where senescence, biological factors play a significant-
several archetypal possibilities interact. ly influential role.
It is during the transition from adolescence Young people who suffer with this transition
to maturity that the issue of adultescence frequently go through conflicts when acquiring
often arises. autonomy, in the sense of being able to manage
their lives, and that can manifest it both in their
Adultescence professional and socio-affective lives. They are
The term adultescence is a very recent neolo- often insecure about their strengths and weak-
gism. Although it is not possible to trace back its nesses as well as the real possibility of feeling in
origin, no reference to the term has been found charge of an adult life.

182 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.179-190

These considerations regarding the difficul- should rethink the demands it makes on the
ties of settling into adulthood have been ob- qualification of young people, and suggests that
served in a significant number of young people professional choices and decisions should be
and are substantiated by a bibliographical study postponed. It would appear that the adult pop-
on the subject, clinical experience in private ulation should grant adolescents more time to
practices and psychotherapy sessions conduct- mature without pressuring them. This discourse
ed with young patients at the Ana Maria Popovic hastily assumes that adults should be the ones
practice from 2003 to 2010. A total of 85 peo- to make concessions without reflecting on the
ple from a wide range of socioeconomic back- responsibility that befalls the young, in addition
grounds were seen at this practice during that to disregarding several emotional conflicts that
period, ranging from inner-city community dwell- underlie the issue.
ers in São Paulo with meager economic resourc- The main difficulty reported in emotional/re-
es to undergraduate and graduate students and lational complaints regards finding or keeping a
professionals with a university degree. Their ages stable and long-lasting intimate, loving relation-
ranged from 18 to 35 and their main characteris- ship, whatever the format of choice given the
tic were conflicts revolving around the transition breadth, diversity and plasticity of relationships
to adult life. These young people have issues offered by contemporary cultural circumstances.
when seeking to achieve a productive future and From a psychological point of view, this desire
struggle to fit into their social circles and attain can be analyzed as the entry into the dynamics
autonomy, whether it is professionally or when of Alterity, which is ruled by anima/animus. The
establishing stable and long-lasting socio-affec- desire for a loving relationship can also be seen
tive relationships. Therefore, their most frequent as a possibility to build a new relationship mod-
complaints can be pooled into two main groups: el, one that differs from the bonds experienced
vocational and/or professional; and emotional with one’s own family.
and/or relational. Feeling alone is a common complaint. Young
Vocational/professional complaints relate people have been left without a place of belong-
to not being sure about what profession to ing. They no longer fit the expectations of ado-
choose, changing university degrees or field lescence and still don’t feel mature enough to
of work, and/or finding it difficult to enter the cope with the demands of the next stage – the
labor market. Dimenstein (2006) mentions adult life. They don’t fit into adolescence and
“a legion of disorientated students who have haven’t been able to enter into a new psychic
dropped out the university without knowing configuration that can help them to face new
their vocation”. Student life can also be pro- challenges in a new way. Groups of friends that
longed through constant undergraduate course played an important role in providing emotion-
changes, an endless search for graduate cours- al support to young people during the previous
es and multiple study trips. stage lose their intensity somewhat. Relation-
Yvette Piha Lehman, coordinator of Guid- ships with friends are reconfigured. Even their
ance Services at the Psychology Institute of the parents, who still provided financial support,
University of São Paulo, quoted by Dimenstein can no longer protect or guide them as they
(2006), states that every year increasingly more did during their adolescence. Even the role of
immature students “are made to choose their being a child becomes clumsy, prolonged and
profession by force”, suggesting that young old-fashioned. Few express a desire to leave
people do not feel ready to fully take charge of their parents’ home because they don’t feel
their professional lives. Lehman’s assessment emotionally ready to do so – hence this is a
agrees with Apter’s (2004) view that society rare complaint among young people in this sit-

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 183


Junguiana
v.39-1, p.179-190

uation. Living with their parents can seem less It is true that the notion of maturity and its
scary; it causes less uncertainty regarding their parameters appear to be much more elastic and
ability to cope with a life of their own and pro- ambivalent in our culture, and that exposes the
vides a place of belonging through the prolon- ambiguity and disorientation that may also be at
gation of the adolescent child locus. the heart of the adultescent crisis experienced by
Many authors tend to emphasize sociocul- some young people. When maturity parameters
tural aspects as the main contributing factors to are confusing in a culture, adolescent goals are
leaving childhood early and entering adulthood also disturbed. In a culture where the main ideal
late, thereby prolonging adolescence. is to remain young forever, being an adult may
Apter (2004) says that 40 to 50% of young not be the main goal of human development.
people who leave home, go back soon after- Therefore, we must stress that psychological fac-
wards. The author justifies the fact with current tors are always intertwined with the sociocultural
socioeconomic circumstances and recommends factors that make up the collective conscious-
that adults (parents, teachers and bosses) con- ness, just as individual psyches are immersed
sider this reality. The justification that young in the collective psyche at both the conscious
people don’t leave their parents’ home due to (culture) and unconscious (archetypal) levels.
economic difficulties does not seem to be the To derive individual issues exclusively from the
main reason why they remain there. The hypoth- sociocultural environment would be to deny in-
esis that they are not psychologically ready for it dividuality and the archetypal plane. Culture is
yet seems more plausible. shaped by individuals and their conflicts. The
The Spanish Pediatrics Association congress, cultural historical context is relevant and plays
held in June 2006, discussed and defined adul- a significant role in the process of individuation,
tescence as “a new phenomenon through which although it shouldn’t be understood separately
men and women in their 30s refuse to leave their from the psychic dynamics.
parents’ home” and considers it a social factor When considering the psychic dynamics that
that is increasingly more evident and to which underlies the issue of adultescence, we should
parents must adapt. Records found in the an- contemplate understanding the interaction
nals of said congress repeatedly state that this among the forces of the Alterity archetype as
is neither a syndrome nor a physical or psychic well as those of equally important archetypes
disease, but a social phenomenon associated that are active during this period. There is a
with new social customs and education. highly complex system of dynamic interactions
César (2008) points to the weakness of in- at play, where these many archetypal possibili-
stitutions (schools and families) as one of the ties interface. In the case of young people mov-
main contributing factors to the phenomenon of ing towards maturity, we would highlight the
adultescence. The behavior of young people and interactions between the archetypal forces of
adults are becoming increasingly closer to each the Hero, Puer/Senex, Eros and the archetypes
other, with the latter being “contaminated” by that rule individuation (Great Mother, Father
traces of instability of the first, according to the and anima/animus). The attributes of the Great
author. In other words, it would seem that the Mother and Father archetypes and how they work
ambiguity of adults, as well as their insecurities, when active in consciousness have already been
is contributing factors to the immaturity of the discussed.
young. Calligaris (2000) highlights the fact that
contemporary culture idealizing youth as an emi- The Hero
nently happy and healthy time is a relevant factor Although the archetypal energy of the Hero
to the prolongation of adolescence. is always present and available to the ego

184 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.179-190

throughout the Individuation Process, it is main- Further below, we will see how the dynamics
ly activated while the patriarchal dynamics is in of the Hero archetype is combined with the other
effect. According to Penna (1994), heroic action archetypal forces of adultescence.
structures the ego. Enthusiasm and the willing-
ness to fight are inevitable in decisive moments Puer/Senex
of crisis of the Individuation Process, when the The forces of Puer and Senex must be under-
hero enters the stage accepting the call to the stood collectively as opposed to independently
adventure of growing up. The figure of the hero of one another. They work together and interact
instills the ego with the strength and determi- with other archetypal dynamics. Puer is the ar-
nation to fight the battle of development; the chetypal power that drives towards the future,
courage of the hero is vital to the fight against the new, that wins over fear and dangers search-
the vicissitudes of the journey of life. The hero’s ing for change. Naturalness and spontaneity are
goal is to promote a differentiation between the also present as Puer’s symbolic elements. Ac-
unconscious consciousness; inner life and rela- cording to Jung (2014), the child archetype theme
tional life. The heroic fight necessarily implies prepares for future transformations. Its creative
victories and defeats. Hence, thanks to the he- expression promotes hopeful and light move-
ro’s archetypal power, a safe way is paved for ment towards renewal. In that out of tune form,
the ego towards building a solid and whole Puer’s force appears opportunistic, irresponsible
individuality. Divinity is embodied through the and rash.
hero, in other words, parts of the self becomes Senex is the archetypal power that supports
the ego. The hero promotes the ego’s embodi- settles and ensures; it looks to the past for
ment of archetypal energies that forge body and support and summons previous experiences to
spirit. The hero does not surrender to difficulties validate transformation; it provides certainty,
and that, in turn, strengthens the ego, so it can solidness and stability as well as durability and
face the frustrations it will inevitably encounter weight. Senex promotes the establishment of
along the way. a framework of values that favors integrity and
Campbell (1992) described three stages of the sustainable growth of the personality. In its
the hero’s journey: 1. Separation and departure; inharmonious form, the power of Senex leads
2. Initiation; 3. Return or Reintegration. Death or to dryness, stiffness, insensitivity and becomes
the weakening of the ego can happen through old-fashioned.
the refusal of the call or the refusal of the re- Staying on in adolescence and the ensuing
turn. The ego’s health is guaranteed and made inability to transition to psychological maturity is
nobler by the individual’s possibility to depart, associated to the inability to leave the “adoles-
to go towards the unknown, to accept the call cent child” locus – whinging, demanding rights,
to individuation and to return to the world and but exempt from any responsibilities – whether
ordinary life renewed, changed and empowered. it is relating patriarchal issues or matriarchal
The departure with no return to regions of the demands. Staying on and the impossibility to
unconsciousness leads to inflation, self-aggran- advance towards the new is a disjointed and
dizement and a tendency to strong unconscious somewhat paradoxical dynamics between Puer
projections that delude the ego. The ego’s fear and Senex.
and the ensuing refusal of the call to continue to-
ward individuation is paralyzing, it petrifies egoic Eros
action before life. At each stage of life, the call to The Puer/Senex dyad can be added to the
adventure and the saga to be undertaken is dif- influence of Eros’ archetypal force. Eros was
ferent and requires a different type of Hero. the god of love in Greek and Roman mythology.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 185


Junguiana
v.39-1, p.179-190

Guggenbühl-Graig (1980) suggests that Eros Eros, is considerably impaired by excess or lack
should be seen as an emotional bond that en- of Eros. The ability to feel empathy is especially
compasses a broad spectrum of forms of attach- needed when the dynamics of Alterity are in ef-
ment – from sexuality and friendship to the en- fect, which usually happens in adulthood.
gagement in a profession, hobbies and art. Eros
is responsible for connecting the many spheres Adultescence and maturity – dilemmas
of life. The degree and intensity of value with and impasses
which a relationship is forged, or a friendship The passage from adolescence to adulthood
develops, depends on Eros. According to Gug- relies on the help of momentum, ambition, hope
genbühl-Graig (1980), Eros provides movement and puer’s dreams towards the new challenges
to the archetypes and promotes the connection of adult life, as well as caution, security and the
between the ego and the archetypes. “Only preservation and maintenance of Senex. The
when combined (the archetypes) with Eros do entry into adult life also relies on assertiveness
we feel their emotion, and do they create inti- and strength to endure the difficulties and frus-
mate, stimulating and creative movement” (p. trations that are inherent to the process; they
27). Eros humanizes the archetypes in their stem from the archetypal energies of the Hero
relationship with consciousness and acts, as and should be combined with Eros’ love, em-
a moderator of their characteristics of positive pathy and desire. The enthusiasm (Eros) and
and negative, creative and destructive. It acts tenacity (Hero) required turning dreams and
as a link not only among the archetypes, but ideals (Puer) into achievable and consistent
above all between the ego and the archetypal plans and goals (Senex) are a good example
experience. Eros instills the symbols that reach of the Puer/Senex, Eros and Hero association.
consciousness with quality, value and intensity. A harmonious interaction among these arche-
Let’s not forget that symbols are the means typal themes tends to promote a flow of energy
and the form through which archetypes make towards maturity as an auspicious future to be
themselves present in consciousness. The rela- pursued (Puer); built through personal effort
tionship that is established by the ego with the and a willingness to fight (Hero) and based on
symbols that come into contact with it makes ethical values (Eros and Senex).
a fundamental difference to the possibility of In addition to considering adultescence as a
assimilating content that is significant to its stage of contemporary life that is perhaps typi-
process of development. Like Hillman (1999), cal of post-modern and post-patriarchal culture,
Guggenbühl-Graig (1980) also highlights the when this period is marked by a paralysis in the
importance of the interaction among the arche- individuation process, an intricate dynamics of
types and their influence on consciousness. these aspects can be observed, combined with
If we accept Guggenbühl-Graig’s (1980) an ambivalence of the matriarchal and patriar-
suggestion and consider Eros as an element of chal dynamics, thereby significantly influencing
union, vitality and temperance that instills arche- the progress of the individuation process.
typal powers with value, then we could say that, The greatest anxiety that afflicts adultescents
without Eros, polarities are in disharmony and concerns future prospects. In that regard, the
can even neutralize one another in conscious- teleological perspective of the Jungian view pro-
ness. On the other hand, the exacerbation of vides us with insights to understand this issue in
Eros will ignite the spirit and favors projections. which the greatest challenge concerns decisions
The unconscious is projected onto others, in- and choices that, to them, seem to be definitive
stead of making a connection with others. Empa- and, therefore, terrifying. These young people
thy, which can benefit from the right measure of remain in a state of “preparation” for life, con-

186 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.179-190

stantly trying things out, but never committing, Individuation and culture
testing without really trying, expecting that the From the point of view of individuation, the
ideal way of being or doing is yet to come. Re- energies arising from the Great Mother, Father
maining young or even a child is a reflection of and animus/anima are exercised naturally and
Senex elements that are out of tune with Puer. An spontaneously and seek interaction in existen-
attempt or desire not to mature and age denotes tial life. Individuality is gradually shaped by the
a dilemma between the Puer-Senex polarities. meeting of archetypal possibilities and the op-
A vicious cycle of paralyzing fear and irre- portunities posed by sociocultural life.
sponsible boldness stemming from the inabili- In a predominantly patriarchal environment,
ty to face the risks that are inherent to anything matriarchal elements tend to be repressed,
new owing to low tolerance to frustrations, are suppressed or sacrificed. A predominantly ma-
the main elements that paralyze the process of triarchal environment makes it more difficult
individuation at this stage of life. The definitive for patriarchal elements to become established
and decisive entry into maturity is experienced and structured. The dynamics of Alterity tends
with great anxiety; however, being a prisoner of to foster an environment where matriarchal and
the past and unable to move towards the future patriarchal elements can interact and coexist. In
is also distressing. In this scenario, the dilemma Western cultures, to date, children have been
becomes an impasse. trained and educated in a way that has general-
Adultescents who seek psychological help are ly exposed them to patriarchal demands during
stuck between being and not being adults. They childhood and, to them, the adult world has
want a relationship and a job but don’t feel capa- seemed to be shaped by the archetype of the
ble of paying the price of entering adult life. They Father. During adolescence, the influences of
expect miracles or seek guarantees of uncondi- animus/anima called for patriarchal values to be
tional success in the endeavor. Furthermore, they contested, demanded that they be made more
try to hold their parents, society or misfortune flexible, and that matriarchal aspects that had
responsible for their failures. In this psychic sce- previously been excluded from consciousness
nario, we see powerful projections of the uncon- be restored. That, in turn, would trigger a need
scious that tend to delude the ego as to the path for new alliances to be forged between duty and
to be taken to achieve the goal of individuation pleasure, body and spirit and for polarities that
which is, at that moment, the entry into maturity. had previously been separate to reunite – recon-
A destructive element of Puer places adulte- nect – with the purpose of structuring an undi-
scents in a state of puerile tantrum, which pro- vided individuality that, more encompassing and
motes a senile stagnation and leads to a para- more complex.
doxical situation of the Puer/Senex polarities. An Nowadays, however, the ambiguity, the di-
exacerbated Eros, which blinds and confuses, or versity and the flexibility of post-modern life
a weakened Eros, that doesn’t help the intercon- creates gaps in both matriarchal and patriar-
nection among the many possibilities of the per- chal demands. An excessive appreciation of the
sonality and the outer connection of self – other. ideal of youth at the expense of anything that
Result in powerful projections that push the he- is long-lasting or stable makes maturity seem
roic energy, Puer’s enthusiasm and Eros’ connec- unattractive, and makes becoming an adult
tivity and spirit, out of the ego. In this scenario, extremely difficult for a significant part of the
the Hero appears to be neutralized. The paralysis young population. It is not a matter of trying to
of the Hero and the experience of surrendering in find the causes for the issue, but of understand-
the face of life’s demands denote a paradoxically ing the significance and the meaning of adulte-
surrendered and/or defeated Hero. scence as a current phenomenon.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 187


Junguiana
v.39-1, p.179-190

It is also worth reflecting on the matter of the their consciousness the many aspects involved
impasse. The experience of an impasse elicits a in the conflict of whether “to grow up or not to
situation of paralysis that is different from the grow up – to be or not to be an adult”.
conscious experience of a conflict, in which the The impasse between Puer/Senex, Eros and
ego is faced with an ethical dilemma that pushes Hero; the matriarchal and patriarchal ambiva-
it towards a change in attitude to life. When adul- lence, in individuals and cultures, may be a sign
tescence becomes a crisis in the process of in- of a dynamics that runs the risk of paralysis both
dividuation, a peculiar constellation of archetyp- at the cultural and individual levels, and requires
al polarities is formed and, due to the impasse reflection and awareness of the courses suggest-
among the many psychic possibilities, one po- ed by this situation. ■
larity neutralizes the other. It might be said that
these young people are ‘stuck’ in the process of Received: 03/31/2021 Revised: 12/06/2021
individuation due to an inability to articulate in

188 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.179-190

Resumo
Adultescência: a caminho da maturidade no mundo contemporâneo
Este artigo dedica-se à reflexão a respeito da do desenvolvimento e com a consideração de as-
passagem da adolescência para vida adulta, que pectos da cultura contemporânea influentes e re-
em alguns casos pode ser experimentada com levantes na vida dos jovens na atualidade. A arti-
muita dificuldade. O termo adultescência é um culação entre as forças dos arquétipos Grande
neologismo muito recente, usado para nomear o Mãe, Pai, Alteridade, Herói, puer-senex e Eros, se
prolongamento da adolescência e a dificuldade soma às influências dos aspectos da cultura con-
na entrada na vida adulta. A reflexão sobre essa temporânea, formando uma trama complexa de
problemática conta com a discussão sobre as di- interações, que podem favorecer ou atravancar a
nâmicas arquetípicas atuantes neste momento entrada na vida adulta. ■

Palavras-chave: adultescência, adolescência, puer-senex, herói, eros, individuação.

Resumen
Adultoscencia: en camino a la madurez en el mundo contemporáneo
Este artículo está dedicado a la reflexión sobre desarrollo y la consideración de aspectos influ-
la transición de la adolescencia a la edad adulta, yentes y relevantes de la cultura contemporánea
que en algunos casos se puede experimentar con en la vida de los jóvenes de hoy. La articulación
gran dificultad. El término adultescencia es un entre las fuerzas de los arquetipos Gran Madre,
neologismo muy reciente, utilizado para nom- Padre, Alteridad, Hero, puer-senex y Eros, se su-
brar la prolongación de la adolescencia y la difi- man a las influencias de aspectos de la cultura
cultad para entrar en la vida adulta. La reflexión contemporánea, formando una compleja red de
sobre este problema se basa en el debate sobre interacciones, que pueden favorecer o dificultar
la dinámica arquetípica en este momento de la entrada a la vida adulta. ■

Palabra clave: adultescencia, adolescencia, puer-senex, hero, eros, individuation.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 189


Junguiana
v.39-1, p.179-190

References
APTER, T. O mito da maturidade: o que os adolescentes HALL, G. S. Adolescence: its psychology and its relations to
precisam para se tornarem adultos. Rio de Janeiro, RJ: physiology, anthropology, sociology, sex, crime, religion, and
Rocco, 2004. education. New York, NY: Appleton and Company, 1904.

BRITO, L. M. T. Liberdade assistida no horizonte da HILLMAN, J. O livro do puer: ensaios sobre o arquétipo do
doutrina de proteção integral. Psicologia, Teoria e puer aeternus. São Paulo, SP: Paulus, 1999.
Pesquisa, Brasília, v. 23, n. 2, p. 133-8, abr./jun. 2007.
https://doi.org/10.1590/S0102-37722007000200003 JUNG, C. G. Arquétipos do inconsciente coletivo. Rio de
Janeiro, RJ: Vozes, 2014. (Obras Completas 9/1)
CALLIGARIS, C. A adolescência. São Paulo, SP: Publifolha,
2000. LEVISKY, D. L. Adolescência: reflexões psicanalíticas. 2. ed.
São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 1998.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo, SP: Cultrix,
1992. MARAFON, G. Por uma “lição de amor” na adolescência:
função paterna e educação. In: SIMPOSIO INTERNACION-
CÉSAR, M. R. A. A invenção da adolescência no discurso AL DO ADOLESCENTE, 2., 2005, São Paulo. Anais... São
psicopedagógico. São Paulo, SP: Universidade Estadual Paulo, SP: Universidade de São Paulo, 2005. Disponível em:
Paulista, 2008. <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=MSC0000000082005000200044&lng=en&n-
DIMENSTEIN, G. Talentos jogados no lixo. Folha de S. rm=abn>. Acesso: 5 jun. 2009.
Paulo, 21 nov. 2006.
PENNA, E. Quem somos e para onde vamos: uma leitura
GUGGENBÜHL-CRAIG, A. Eros on crutches: reflections simbólica da identidade brasileira através do símbolo do
on amorality and psychopathy. Washington, DC: Spring, herói patriarcal e do bode expiatório. São Paulo, SP: Socie-
1980. dade Brasileira de Psicologia Analítica, 1994.

190 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.191-198

A busca do quaternio.
A instituição da quarta função

Maria Zelia de Alvarenga*

Resumo Palavras-chave
O texto inventaria a evolução dos pensamen- co e concorra para a forja de uma dinâmica de Regências
tos e das proposições teóricas da autora que a consciência que abarque tanto o relacionamento trinas, Busca
levaram à formulação do presente texto. O quar- individual quanto o coletivo, concorrendo para a da quarta
dinâmica de
to padrão de Inteligência, a questão do mito do implantação de um regime de encontro e con-
consciência,
pecado original e o mito prometeico de criação tinência do outro. ■ proposição
da criatura humana e as virtudes roubadas e as da quarta
cedidas por Zeus. Cristo e a proposição da quar- instância
ta dinâmica de consciência, como possibilidade governamental.
de salvação da humanidade. O texto constata
a condição de mantermos regências trinas em
muitas de nossas instâncias governamentais e a
necessidade de implantarmos um quarto poder
que traduza um verdadeiro regime democráti-

* Médica (FMUSP), psiquiatra (AMB), analista junguiana SBPA


(Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica), membro da
IAAP. Autora de: “Mitologia Simbólica” (em colaboração);
“O Graal. Arthur e seus Cavaleiros” (em português e inglês –
Editora Karnac); “Édipo, um Herói sem Proteção Divina”; “Uliss-
es: o Herói da Astúcia” (em colaboração com Sylvia Baptista –
Editora Casa do Psicólogo); “Por Que os Deuses Castigam?
(Editora Casa do Psicólogo); “Os Deuses Castigam?” (pub-
licação particular); “Anima/Animus de Todos os Tempos”
(Editora Escuta). Fundadora do Centro de Estudos Boitatá.
e-mail: <mza@boitata.org>

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 191


Junguiana
v.39-1, p.191-198

A busca do quaternio. A instituição da quarta função

Em 2018, apresentei, no VIII Congresso Lati- pertencente ao célebre texto Ética a Nicômeno:
no-Americano de Psicologia Junguiana, realiza- “Qualquer um pode zangar-se, isso é fácil. Mas
do em Bogotá, Colômbia, o trabalho: “As sete zangar-se com a pessoa certa, na medida certa,
dinâmicas de consciência” (ALVARENGA, 2018). na hora certa, pelo motivo certo e da maneira cer-
Nele propus a existência de outras três dinâmi- ta não é fácil” (p. 8). A frase tem a competência
cas além das quatro propostas pela Psicologia para explicar qual é a virtude da QE.
Analítica no Brasil e as qualifiquei da seguinte Dois anos após a proposição de Goleman
maneira: a primeira, como sendo Urobórica, sob (1997), surgiu o conceito fenomênico de Inteli-
a regência do arquétipo da deusa Natureza; a gência Espiritual (QS), proposto por Zohar e Mar-
segunda, Matriarcal, sob a regência do arquéti- shal (2016) e, no início de terceiro milênio, surge
po da Deusa Mãe, conforme proposição de Neu- também a proposição de Wigglesworth (2012).
mann (2012); a terceira como Patriarcal, sob a Segundo Zohar e Marshal, a QS é descrita “como
regência do arquétipo do deus Pai, também con- uma capacidade de bem escolher (e de) presen-
forme proposição de Neumann; a quarta como tear-nos com um senso moral, uma capacidade
do Encontro, sob a regência do arquétipo da Co- de amenizar normas rígidas com compreensão
niunctio; a quinta, da Comunicação, sob a regên- e compaixão” (2016, p. 23). A QS está ligada à
cia do arquétipo do Verbo Encarnado; a sexta da necessidade humana de a Vida ter um propósi-
Antevisão do Futuro, sob a regência do arquétipo to e um objetivo. A QS seria responsável, pois,
da Profecia; e a sétima, da Dinâmica da Compre- pelo significado da própria existência, pelo de-
ensão Universal, sob a regência do arquétipo da senvolvimento dos valores éticos e crenças que
Totalidade (ALVARENGA, 2018) norteiam as ações no cotidiano, ampliando os
Paralelamente, ocorreu-me a ideia de propor conceitos de QI e QE.
um quarto padrão de inteligência que denomi- A QS é descrita como uma competência expli-
nei Noética. Como é do conhecimento de todos, citada pela disponibilidade de, por opção, assu-
três são os padrões genéricos de inteligência. No mir a responsabilidade e resolver conflitos cujas
começo do século XX, emergiu o conceito de in- demandas não têm um caráter pessoal, mas di-
teligência cognitiva e todas as suas variantes no zem respeito ao coletivo. A QS capacita as pes-
sentido de avaliação das competências intelec- soas para, por opção, se ocuparem do outro e da
tivas (QI) das pessoas, de sua importância para solução de problemas e conflitos do coletivo, por
o processo educacional, da correlação para o se saberem e se sentirem partícipes e compo-
sucesso nos empreendimentos etc. Somente na nentes da comunidade e da demanda implícita
década de 1990, Daniel Goleman (1997) propôs de querer ser a solução dos problemas com os
o conceito esclarecedor de Inteligência Emocio- quais se depara (ZOHAR; MARSHAL, 2016, p. 33).
nal (QE) e esclareceu sua importância no suces- Esta competência, descrita como inerência
so de empreendimentos realizados por pessoas da inteligência espiritual, traduziria uma deman-
dotadas de QI normais, mas de alto QE, e os “fra- da por fazer a diferença, explicitada por carac-
cassos” de pessoas com altíssimos níveis de QI, terísticas de cunho heroico, por conta do agir
mas de QE insuficientes. Goleman, para explicar a visar, fundamentalmente, o bem-estar do outro,
importância da QE nas relações humanas, citou a quem quer que ele seja, no sentido objetivo.
frase conhecida como “O desafio de Aristóteles”, A QS implicaria ocupar-se do problema concreto

192 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.191-198

que o outro ou o coletivo sofrem e encontrar uma essa competência vem sendo veiculada e exerci-
solução pertinente. da por grandes líderes como: Gandhi, Sri Aurobin-
Minhas reflexões me levaram a questionar do, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá,
o conceito de QS por constatar que, apesar de Chico Xavier etc., ressoando sincronicamente e
esse referencial traduzir, sem dúvida, um apri- de forma sintônica em milhares de pessoas!
moramento do conceito de QE, ele não explicita, Essa concepção de inteligência, traduzindo
de forma suficiente, a condição de atender às uma condição de plenitude, implica a busca pre-
demandas requeridas para o desenvolvimento cípua do autoconhecimento, enquanto fala de
da humanidade no sentido de conseguimento Teresa d´Ávila (1981) em seu texto “As moradas
do processo de individuação, bem como não tra- do Castelo” ou a plenitude do caminhar para o
duz o escopo alcançado por algumas criaturas Self, enquanto fala de Jung.
magníficas tanto do passado como do presente. Há três anos, publiquei um livro, escrito com
Por ser o processo de individuação uma de- a colaboração de muitos, denominado “Ani-
manda imperiosa por se atingir o autoconheci- ma/Animus de todos os tempos” (ALVARENGA,
mento, meta maior da humanização, essa con- 2017), no qual formulei a proposição de sermos
dição implicaria assumir inteira e intensamente continentes de ambas as realidades arquetípi-
a realidade de se saber e de ocupar-se com o cas anima e animus, concordando com o pres-
Outro, em si mesmo. Esse Outro subjetivo, mui- suposto de Hillman (1995), mas acrescentando
tas vezes depositário de projeções, as mais som- a condição de que, em todos os seres humanos
brias, necessita ser conhecido e reconhecido a anima reflete a inspiração e o animus reflete
como instância da própria pessoa, em seu mais a realização, ou seja, a anima cria, idealiza e o
profundo processo reflexivo, para que possa se animus faz, executa.
ocupar realmente do outro concreto. Todavia, para que o fazer anímico se realize e
Assim, o próximo passo para traduzir uma ex- traduza a demanda não só da pessoa, mas tam-
pressão transformadora do desenvolvimento do bém do coletivo, a configuração do quaternio,
padrão de consciência para atingir-se a plenitude expresso na quarta dinâmica de consciência,
da condição humana implicaria alcançar um quo- dinâmica da Coniunctio, determina a imperiosi-
ciente de inteligência que traduzisse a síntese da dade da integração anímica. A trindade masculi-
condição intelectiva, com a emocional e a espiri- na, regente da dinâmica do deus Pai, haverá de
tual, e expressasse o ser em sua plenitude maior, transformar-se no quaternio anímico como núcleo
ou seja, ocupado com a redenção do outro con- fundante da quarta dinâmica de consciência.
creto, depois de se ocupar com o outro subjetivo. Esta condição estruturante da quarta dinâ-
Somente conseguiremos realmente nos ocu- mica de consciência, expressa como demanda
par com a redenção do outro quando esse outro anunciada há muitos séculos, senão milênios,
deixar de ser palco de depositações de nossas vivida integral e intensamente pelos grandes
próprias sombras. Enquanto nos ocuparmos com avatares, anteriormente citados como expres-
o outro concreto sem antes nos ocuparmos com sões da inteligência Noética, pede, convida, in-
o outro em nós mesmos, em última instância, ao tima que o coletivo incorpore e se estruture pela
nos ocuparmos do outro concreto estaremos nos condição anímica.
ocupando, simbolicamente, de nós mesmos. Na mítica de Prometeu, conforme exposto
A essa natureza de inteligência propus de- por Protágoras, no texto socrático, também cha-
signar como Noética, cuja expressão se fez atu- mado Protágoras (PLATÃO, 1970), existe o relato
alizada, no passado, em grandes avatares como: de que, após Prometeu presentear as criaturas,
Buda, Jesus Cristo, Francisco de Assis, Teresa por ele criadas, com os dois atributos do fogo
d´Ávila e tantos outros e, nestes últimos tempos, e da techné (roubados de Hefesto e de Atená),

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 193


Junguiana
v.39-1, p.191-198

a emergência de comportamentos competitivos A proposição da mítica helênica concorreu


destrutivos, de violência para com os outros, para dirimir questões minhas, antigas, sobre o
aconteceu de forma assustadora. “pecado original”, descrito no texto Gênesis e a
Zeus, manifestação da sabedoria maior e, proposição também bíblica de Jesus Cristo como
nesse momento, mítico considerado, simboli- enviado divino salvador da humanidade.
camente, como expressão do Self, chama Her- Minhas reflexões me levaram a uma leitura
mes para um trabalho inédito. Entrega ao divino simbólica sobre as razões da proibição de se co-
dos pés alados duas virtudes fenomenais, com mer o “fruto da árvore da Ciência do Bem e do
a incumbência de distribuí-las a todos os hu- Mal” (Gênesis 2:9; 2:16-17; 3:1-24), como sendo
manos, em iguais quantidades para todos. As a expressão da mais profunda sabedoria univer-
virtudes enviadas foram diké e aidós, atributos sal, quando, então, a divindade apresentou-se
esses que conferiam aos humanos competên- como o protetor diante de seus filhos, propon-
cia para estabelecer a regência da justiça (diké) do: não comam desta árvore, porque vocês ainda
entre todos e para todos, e a demanda imperio- não estão prontos, ainda não têm competência
sa de fazer para o outro o melhor de si (aidós) para bem usar o conhecimento dela decorrente.
(ALVARENGA, 2011). E as criaturas criadas desobedeceram e come-
O texto Protágoras traduz assim, simbolica- ram o fruto da árvore do conhecimento, com o
mente, a imperiosidade da integração de duas que, segundo o texto bíblico, foram “expulsos”
virtudes que entendo como expressões aními- do Paraíso.
cas, ou seja, para que exista justiça para com E, de forma similar à mítica helênica, por não
o outro, ou melhor, para que a justiça seja para terem ainda incorporado ou atualizado as duas
com o coletivo, é fundamental fazer para o outro virtudes enviadas por Zeus, ou seja, dikè (justiça
o melhor de si. As instâncias diké e aidós com- para com o outro) e aidós (fazer para o outro o
põem um quaternio com as virtudes do fogo e da melhor de si) tornaram-se, como antevisto no re-
techné, dotação conferida por Prometeu, com o lato platônico, extremamente competitivos, des-
que a Ética se estrutura, se realiza e se atualiza. truindo-se uns aos outros, acumulando bens,
O texto Protágoras, proposto por Platão há somente para si, em detrimento da maioria,
2400 anos, explicitando as virtudes aos hu- usurpando, corrompendo etc. A proposição da
manos conferidas por Zeus, como de funda- mítica helênica, quando anuncia Zeus enviando,
mental importância para que a convivência se pelo mensageiro Hermes, as duas virtudes, dikè
tornasse saudável, harmônica, pois alicerçada e aidós, para todas as criaturas e igualmente dis-
na condição maior de cada um ocupar-se do tribuídas para todos, implica a proposição de um
outro, fazendo para o outro o que tem de me- padrão de consciência condizente com a quarta
lhor, retrata, a todos nós, inegavelmente como dinâmica, ou seja, da Coniunctio, do Encontro,
seres privilegiados. do Fraterno. Esta proposição explícita não está
Assim, quer me parecer que o amor ao próxi- presente na mítica judaica. Todavia, a mítica ju-
mo pede passagem para a composição do qua- daica anuncia a vinda de um Salvador.
ternio na quarta dinâmica de consciência. O salvador anunciado emerge na figura do
Mas, para que assim se dê, é fundamental avatar Jesus Cristo, que anuncia, fundamental-
que cada um escolha se exercer conforme os atri- mente, a proposição de uma dinâmica de cons-
butos dessas virtudes. Dessa forma, poderemos ciência condizente com as proposituras de Zeus,
forjar um futuro possível, diferente do provável! ou seja, que nos façamos regidos pelas virtudes
(BRADEN, 2017). E, para que o processo assim de dikè e aidós. Assim, somente pelo exercício
aconteça, é imprescindível escolher assumir a da quarta dinâmica de consciência, ou seja,
responsabilidade pelo bem-estar do outro. somente quando atualizarmos e incorporarmos

194 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.191-198

a condição do fraterno, poderemos nos salvar. Podemos pensar a instância jurídica como
Enquanto nos mantivermos regidos pelo fogo da expressão da função sentimento; a instância
consciência e pelo exercício da techné, seremos do legislativo como expressão do pensamen-
competitivos, invasores, destrutivos para com os to; a instância do executivo como expressão da
outros. Sem aidós e sem dikè, o outro será sem- sensação. A quarta instância, evidentemente de
pre o inimigo a ser derrotado, a ameaça a ser caráter feminino, será expressão da intuição, da
combatida, o invasor a ser destruído, o concor- antevisão do futuro e do aqui-agora, bem como
rente a ser submetido etc. das necessidades imediatas do coletivo. Nomeio
E o avatar dos novos tempos foi crucificado! esta instância como Solidária ou Comunal.
Mas a demanda continua! Assim se dando, a condição crística se torna-
Como sabemos, na mítica da busca do Gra- rá realidade, aidós e dikè estarão em exercício
al, o quaternio não se realizou e o Cálice perma- pleno. Dessa forma, nos faremos competentes
neceu alijado do campo da consciência. Arthur, para nos tornarmos a quinta dinâmica de cons-
simbolicamente, morreu em combate às suas ciência, cuja batalha maior será incorporar o sa-
próprias sombras, Lancelot enlouqueceu, a Ter- crifício das demandas pessoais para sermos e
ra se fez devastada, Guenívere refugiou-se num realizarmos a redenção do coletivo.
eremitério, o filho do tempo novo não pode ser A demanda pela instauração do quaternio
concebido e o Graal restou sendo velado, mas como pressuposto fundamental de uma dinâmi-
não integrado (ALVARENGA, 2008). ca relacional que privilegie o bem-estar do outro,
A integração do Graal, expressão do vaso conti- quando conseguida, representará, simbólica e
nente do acolhimento, configura realidade impres- concretamente, um crescimento tão fenomenal
cindível para a composição do quaternio, deman- da sociedade, como realidade nunca dantes con-
dando estruturar-se na psique do coletivo como quistada. O conseguimento do quaternio, viabili-
expressão simbólica do feminino continente. zado pela incorporação de uma instância que se
Nos tempos de hoje, a sociedade mantém-se ocupe, real e profundamente, com o bem-estar
regida pela trindade dos três poderes: Executivo, do outro, representará a concretização plena das
Legislativo, Judiciário e, como toda trindade ca- virtudes relacionais humanizantes diké e aidós! ■
rente da quarta instância, expressão simbólica
do feminino continente. Recebido em 17/03/2021 Revisão em 31/05/2021

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 195


Junguiana
v.39-1, p.191-198

Abstract
The search of quaternio. The institution of the fourth function
The text would invent the evolution of the au- The text confirms the condition of maintaining
thor’s thoughts and theoretical propositions that triune regencies in many of our governmental
led her to the formulation of the present text. The bodies and the realization of the need to stablish
fourth pattern of Intelligence, the question of the a fourth power that translates a true democratic
myth of original sin and the Promethean myth of regime and contributes to the forge of a dynam-
creation of the human creature and the virtues ic of conscience that embraces both individual
stolen and those ceded by Zeus. Christ and the and collective relationships, contributing to the
proposition of the fourth dynamic of conscience, establishment of a regime of encounter and con-
as a possibility for the salvation of humanity. tinence of the other. ■

Keywords: Triune Rulerships, Search for the fourth dynamics of consciousness, Proposition of the fourth
governmental instance.

Resumen
La búsqueda del cuaternión. La institución de la cuarta función
El texto inventaría la evolución del pens- texto establece la condición de mantener regen-
amiento y las proposiciones teóricas de la auto- cias trinitarias en muchas de nuestras instancias
ra que la llevaron a la formulación de este texto. gubernamentales y la realización de la necesi-
El cuarto patrón de Inteligencia, la cuestión del dad de implantar un cuarto poder que traduzca
mito del pecado original y el mito prometeico de un verdadero régimen democrático y contribuya
la creación de la criatura humana y las virtudes a forjar una dinámica de conciencia que abarque
robadas y cedidas por Zeus. Cristo y la propues- tanto al individuo como al colectivo, contribuyen-
ta de la cuarta dinámica de la conciencia, como do a la implantación de un régimen de encuentro
posibilidad para la salvación de la humanidad. El y continencia del otro. ■

Palabras clave: Gobiernos trinos, Búsqueda de la cuarta dinámica de la conciencia, propuesta de la cuarta
instancia gubernamental.

196 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.191-198

Referências
ALVARENGA, M. Z. Anima/animus de todos os tempos. São GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria que redefine
Paulo, SP: Escuta, 2017. o que é. São Paulo, SP: Objetiva, 1997.

______. As sete dinâmicas de consciência, a hominização, HILLMAN, J. Anima, anatomia de uma noção personificada.
inteligência espiritual e o processo de individuação. São Paulo, SP: Cultrix, 1995.
In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE PSICOLOGIA
ANALÍTICA, 8. 2018, Bogotá. Anais... Montevideo: Comitê NEUMANN, E. A grande mãe. São Paulo, SP: Cultrix, 2012.
Latinoamericano de Psicologia Analítica, 2018.
PLATÃO. Diálogos: apologia de Sócrates, Critão, Laquete,
______. O encontro de prometeu, Héracles e Quiron: Cármides, Líside, Eutrífrone, Protágoras, Górgias. São Paulo,
a morte e o morrer, ritos de passagem. Junguiana, SP: Melhoramentos, 1970.
São Paulo, v. 29, n. 1, p. 58-61, jun. 2011.
WIGGLESWORTH, C. Las 21 aptitudes de la inteligencia
______. O Graal, Arthur e seus cavaleiros: leitura simbóli- espiritual: un paso más allá de la inteligencia
ca. São Paulo, SP: Pearson, 2008. emocional. Ciudad del Mexico: Penguin Random
House México, 2012.
BRADEN, G. O efeito Isaias: decodificando a ciência perdida
da prece e da profecia. São Paulo, SP: Cultrix, 2017. ZOHAR, D.; MARSHALL, I. A inteligência espiritual. Rio de
Janeiro, RJ: Best Seller, 2016.
D´ÁVILA, T. As moradas do castelo interior. São Paulo, SP:
Paulus, 1981.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 197


198 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.199-206

La búsqueda cuaternaria.
Institución de la cuarta función

Maria Zelia de Alvarenga*

Resumo Palavras-chave
El texto inventaría la evolución del pensam- duzca un verdadero régimen democrático y con- Gobiernos
iento y las proposiciones teóricas de la autora tribuya a forjar una dinámica de conciencia que trinos,
que la llevaron a la formulación de este texto. abarque tanto al individuo como al colectivo, Búsqueda
de la cuarta
El cuarto patrón de Inteligencia, la cuestión del contribuyendo a la implantación de un régimen
dinámica de
mito del pecado original y el mito prometeico de de encuentro y continencia del otro. ■ la conciencia,
la creación de la criatura humana y las virtudes Proposición
robadas y cedidas por Zeus. Cristo y la propues- de la cuarta
ta de la cuarta dinámica de la conciencia, como instancia
posibilidad para la salvación de la humanidad. gubernamental.
El texto establece la condición de mantener re-
gencias trinitarias en muchas de nuestras in-
stancias gubernamentales y la realización de la
necesidad de implantar un cuarto poder que tra-

* Médica en la Facultad de Medicina de la Universidad de São Paulo


(Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP),
Psiquiatra en la Asociación Médica Brasileña (Associação Médica
Brasileira – AMB), Analista Junguiana en la Sociedade Brasileira de
Psicologia Analítica (SBPA), miembro del International Association
for Analytical Psychology (IAAP). Autora de los livros Mitologia
Simbolica (en colaboración); O Graal – Arthur E Seus Cavaleiros
(Editor Karnac, con versiones em português e inglés), Edipo: um
herói sem proteção divina (Editora Casa do Psicólogo), Ulisses - o
herói da astúcia (con la colaboración de Sylvia Baptista y publicado
por la Editora Casa do Psicólogo), Por que os deuses castigam?
(Editora Casa do Psicólogo), Os Deuses Castigam? (publicación
privada) y Anima-animus de todos os tempos (Editora Escuta).
Fundadora del Centro de Estudos Boitatá. E-mail: mza@boitata.org

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 199


Junguiana
v.39-1, p.199-206

La búsqueda cuaternaria. Institución de la cuarta función

En 2018 presenté en el VIII Congreso Latinoa- citó una frase conocida como “El desafío de Aris-
mericano de Psicología Junguiana, realizado en tóteles” perteneciente al célebre texto Ética a Ni-
Bogotá, Colombia, el trabajo: “Las siete dinámi- comene: “Cualquiera puede enfadarse, esto es
cas de la conciencia” (ALVARENGA, 2018), en el fácil. Pero enojarse con la persona adecuada, en
que propuse la existencia de otras tres dinámi- la cantidad adecuada, en el momento adecuado,
cas además de las cuatro propuestas por Ana- por la razón correcta y de la manera correcta no
lítica Psicología en Brasil, y los califiqué de la es fácil” (p. 8). La oración tiene la competencia
siguiente manera: el primero, como urobórico, para explicar cuál es la virtud de la Inteligencia
bajo el dominio del arquetipo de la diosa Natu- Emocional.
raleza; el segundo, Matriarcal, bajo el dominio Dos años después de la propuesta de Gole-
del arquetipo de la Diosa Madre, propuesto por man (1997), surgió el concepto fenomenal de In-
Neumann (2012); el tercero como Patriarcal, bajo teligencia Espiritual (SQ), propuesto por Zohar y
el dominio del arquetipo del dios Padre, tam- Marshal (2016), y a principios del tercer milenio
bién según la proposición de Neumann (2012); también surge la proposición de Wigglesworth
el cuarto a partir del Encuentro, bajo la regla del (2012). Según Zohar y Marshal (2016, p. 23), la
arquetipo Coniunctio; la granja de la comunica- inteligencia espiritual se describe “... como una
ción, bajo el dominio del arquetipo del Verbo capacidad para elegir (y para) presentarnos un
Encarnado; el sexto de la Vista previa del futuro, sentido moral, una capacidad para suavizar nor-
bajo el dominio del arquetipo de profecía; y el mas rígidas con comprensión y compasión”. El
séptimo de la Dinámica del Entendimiento Uni- QS está vinculado a la necesidad humana de
versal, bajo la regla del arquetipo de Totalidad que la Vida tenga un propósito y un objetivo. El
(ALVARENGA, 2018) QS sería responsable, por tanto, del significado
Al mismo tiempo, se me ocurrió la idea de de su propia existencia, del desarrollo de los
proponer un cuarto estándar de inteligencia valores éticos y creencias que orientan las ac-
que llamé Noética. Como todo el mundo sabe, ciones cotidianas, ampliando los conceptos de
tres son los estándares genéricos de inteligen- Inteligencia Intelectual e Inteligencia Emocional.
cia. A principios del siglo XX surge el concepto La Inteligencia Espiritual se describe como
de inteligencia cognitiva y todas sus variantes una competencia explicitada por la disponibili-
en el sentido de evaluar las competencias inte- dad de, por opción, asumir responsabilidades y
lectuales (CI), las personas, su importancia para resolver conflictos cuyas demandas no tengan
el proceso educativo, la correlación para el éxito un carácter personal, sino que conciernan al co-
en las empresas, etc. Recién en la década de los lectivo. La inteligencia espiritual permite a las
noventa Daniel Goleman (1997) propuso el escla- personas, por opción, cuidar del otro y resolver
recedor concepto de Inteligencia Emocional (EQ) problemas y conflictos del colectivo, por conocer
y su importancia en el éxito de emprendimientos y sentir a los participantes y componentes de la
realizados por personas con CI normal, pero con comunidad, y la demanda implícita de querer ser
EQ alto, y los “fracasos” de personas con altos la solución de los problemas con los que vienen
niveles de CI, pero de QE insuficiente. Goleman (ZOHAR; MARSHAL, 2016, p. 33).
(1997), para explicar la importancia de la inteli- Esta competencia, descrita como parte in-
gencia emocional en las relaciones humanas, herente de la inteligencia espiritual, traduciría

200 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.199-206

una exigencia de hacer una diferencia, explicita- A esta naturaleza de la inteligencia propuse
da por características heroicas, debido al acto, designarla como Noética cuya expresión se ha
apuntando, fundamentalmente, al bienestar del actualizado, en el pasado, en grandes avatares
otro, sea quien sea, en el sentido objetivo. La como: Buda, Jesucristo, Francisco de Asís, Tere-
Inteligencia Espiritual implicaría afrontar el pro- sa de Ávila y tantos otros, y, en los últimos tiem-
blema concreto que sufre el otro o el colectivo y pos. En ocasiones, esta competencia ha venido
encontrar una solución relevante. siendo difundida y ejercida por grandes líderes
Mis reflexiones me llevaron a cuestionar el como Gandhi, Sri Aurobindo, Martin Luther King,
concepto de “inteligencia espiritual” porque en- Madre Teresa de Calcuta, Chico Xavier etc., ¡reso-
contré que, si bien este marco sin duda traduce nando sincrónica y sintónicamente en miles de
una mejora en el concepto de “inteligencia emo- personas!
cional”, no explica suficientemente la condición Esta concepción de la inteligencia, que tra-
de satisfacer las demandas requeridas para el duce una condición de plenitud, implica la bús-
desarrollo de la humanidad hacia el logro del queda primaria del autoconocimiento, mientras
proceso de individuación, así como tampoco re- habla de Teresa de Ávila (1981) en su texto “Las
fleja el alcance alcanzado por algunas criaturas mansiones del castillo” o la plenitud del caminar
magníficas tanto del pasado como del presente. hacia el Yo, mientras habla de Jung.
Como el proceso de individuación es una Hace tres años publiqué un libro, escrito con
exigencia imperativa para el autoconocimiento, la colaboración de muchos, llamado “Anima/
meta mayor de la humanización, esta condición Animus de todos los tiempos” (ALVARENGA,
implicaría asumir plena e intensamente la reali- 2017), en el que formulé la propuesta de ser con-
dad de conocer y tratar al Otro, en sí mismo. Este tinentes de ambas realidades arquetípicas Ani-
Otro subjetivo, a menudo depositario de proyec- ma y Animus, coincidiendo con el supuesto por
ciones, el más sombrío, necesita ser conocido y Hillman (1995), pero añadiendo la condición de
reconocido como una instancia de la persona mis- que, en todos los seres humanos, Anima refleja
ma, en su proceso reflexivo más profundo, para inspiración y Animus refleja realización, es decir,
que pueda realmente tratar con el otro concreto. el anima crea, idealiza y el animus hace, ejecuta.
Así, el siguiente paso para traducir una ex- Sin embargo, para que tenga lugar la crea-
presión transformadora del desarrollo del pa- ción del alma y traduzca la demanda no solo de
trón de conciencia para alcanzar la plenitud de la persona, sino también del colectivo, la confi-
la condición humana, implicaría alcanzar un co- guración del Cuaternión, expresada en la cuarta
ciente de inteligencia que traduciría la síntesis dinámica de la conciencia, dinámica de Coniunc-
de la condición intelectual, con lo emocional y tio, determina la imperiosidad de la integración
lo espiritual, y expresar el ser en su mayor pleni- conmovedora. La trinidad masculina, que gobier-
tud, es decir, ocupado por la redención del otro na la dinámica del Dios Padre, se transformará
concreto, después de haber sido ocupado por en el Cuaternión del alma como núcleo fundacio-
el otro subjetivo. nal de la cuarta dinámica de la conciencia.
Solo podremos ocuparnos realmente de la Esta condición estructurante de la cuarta di-
redención del otro cuando ese otro ya no sea el námica de la conciencia, expresada como una
escenario de las deposiciones de nuestras pro- demanda anunciada hace muchos siglos, si no
pias sombras. Mientras nos ocupemos del otro milenios, vivida plena e intensamente por los
concreto sin preocuparnos primero del otro en grandes avatares, antes mencionados como ex-
nosotros mismos, en última instancia, cuando presiones de la inteligencia noética, pide, invita,
nos ocupamos del otro concreto, nos estamos llama al colectivo a incorporar y estructurarse
ocupando simbólicamente de nosotros mismos. por la condición conmovedora.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 201


Junguiana
v.39-1, p.199-206

En el mito de Prometeo, como lo expone Pro- forjar un futuro posible, diferente al probable!
tágoras, en el texto socrático, también llamado (BRADEN, 2017). Y, para que el proceso suceda,
Protágoras (PLATÃO, 1970), hay un informe que, es fundamental elegir asumir la responsabilidad
después de Prometeo presenta a las criaturas, por el bienestar de los demás.
creadas por él, con los dos atributos de fuego La proposición del mito helénico ayudó a
y techné (robado de Hefesto y Atenea), la apari- resolver mis viejas preguntas sobre el “pecado
ción de comportamientos competitivos destruc- original”, descrito en el texto del Génesis y la
tivos, violencia hacia los demás, sucedió de una proposición también bíblica de Jesucristo como
manera aterradora. el enviado divino que salva a la humanidad.
Zeus, manifestación de la mayor sabiduría y, Mis reflexiones me llevaron a una lectura
en este momento mítico considerado, simbólica- simbólica sobre las razones de la prohibición de
mente, como expresión del Yo, llama a Hermes comer el “fruto del árbol de la ciencia del bien
para una obra inédita. Entrega al divino de los y del mal” (Génesis 2:9; 2:16-17; 3:1-24), Como
pies alados dos virtudes fenomenales, con la expresión de la más profunda sabiduría univer-
tarea de distribuirlas a todos los humanos, en sal, cuando, entonces, la divinidad se presentó
igual cantidad a todos. Las virtudes enviadas como protectora ante sus hijos, proponiendo: no
fueron Diké y Aidós, atributos que le dieron al comas de este árbol, porque aún no estás listo,
ser humano el poder de instaurar el imperio de aún no tienes la competencia para usar bien su
la Justicia (Diké) entre todos y para todos, y la conocimiento Y las criaturas creadas desobede-
imperiosa exigencia de hacer por el otro lo mejor cieron y comieron del fruto del árbol del conoci-
de sí mismo (Aidós) (ALVARENGA, 2011). miento, con el cual, según el texto bíblico, fueron
El texto Protágoras traduce así simbólica- “expulsados” del Paraíso.
mente la imperiosidad de la integración de dos Y, de manera similar al mito helénico, porque
virtudes que entiendo como expresiones del aún no han incorporado ni actualizado las dos
alma, es decir, que haya justicia hacia el otro, o virtudes enviadas por Zeus, es decir, Dikè (justi-
mejor, para que la justicia sea hacia lo colectivo, cia al otro) y Aidós (hacer por el otro lo mejor de
es fundamental hacer el otro lo mejor de ti. Las sí mismos) se convirtieron, como estaba previsto
instancias diké y aidós componen un cuaternario en el relato platónico, extremadamente competi-
con las virtudes del fuego y techné, dote conferi- tivos, destruyéndose mutuamente, acumulando
do por Prometeo, con el que se estructura, ejecu- bienes, solo para ellos mismos, en detrimento
ta y actualiza la Ética. de la mayoría, usurpando, corrompiendo etc. La
El texto Protágoras, propuesto por Platón proposición del mítico helénico, cuando Zeus
hace 2400 años, explica las virtudes a los huma- anuncia enviando, a través del mensajero Her-
nos conferidas por Zeus, como de fundamental mes, las dos virtudes: Dikè y Aidós a todas las
importancia para que la convivencia sea saluda- criaturas y distribuidas por igual a todas, impli-
ble, armoniosa, ya que se basa en la mayor con- ca la proposición de un patrón de conciencia
dición de cada uno para tratar con el otro, hacer consistente con la cuarta dinámica, es decir del
para el otro lo mejor, nos retrata a todos, sin lu- Coniunctio, del Encuentro, de lo Fraterno. Esta
gar a dudas, como seres privilegiados. proposición explícita no está presente en el mito
Así, me parece que el amor al prójimo requie- judío. Sin embargo, la mitología judía anuncia la
re el paso a la composición del cuaternario en la venida de un Salvador.
cuarta dinámica de la conciencia. El salvador anunciado emerge en la figura
Pero, para que esto suceda, es fundamental del avatar Jesucristo, quien fundamentalmen-
que cada uno elija ejercitarse según los atribu- te anuncia la proposición de una dinámica de
tos de estas virtudes. ¡De esa manera podemos conciencia coherente con las proposiciones de

202 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.199-206

Zeus, es decir, que nos regimos por las virtudes dad necesitada de la cuarta instancia, expresión
de Dikè y Aidós. Así, sólo ejercitando la cuarta simbólica del continente femenino.
dinámica de la conciencia, es decir, sólo cuan- Podemos pensar en la instancia Legal como
do actualizamos e incorporamos la condición de una expresión de la función del sentimiento;
fraterno, podremos salvarnos. Mientras sigamos la instancia del legislador como expresión del
gobernados por el fuego de la conciencia y el pensamiento; la instancia del ejecutivo como
ejercicio de la techné, seremos competitivos, in- expresión de sensaciones. La cuarta instancia,
vasivos, destructivos con los demás. Sin ayuda y evidentemente de carácter femenino, será ex-
sin dikè, el otro será siempre el enemigo a derro- presión de la intuición, de la previsión del futuro
tar, la amenaza a combatir, el invasor a destruir, y del aquí-ahora, así como de las necesidades
el competidor a someter, etc. inmediatas del colectivo. Llamo a esta instancia
¡Y el avatar de los nuevos tiempos ha sido como Solidaria o Comunitaria.
crucificado! Si es así, la condición de Cristo se hará reali-
¡Pero la demanda continúa! dad, Aidós y Dikè estarán en pleno ejercicio. De
Como sabemos, en el mito de la búsqueda esta manera, seremos competentes para conver-
del Grial no se produjo el cuaternión y el Cáliz tirnos en la quinta dinámica de la conciencia,
quedó alejado del campo de la conciencia; Artu- cuya mayor batalla será incorporar el sacrificio
ro, simbólicamente, murió en combate con sus de las demandas personales para ser y lograr la
propias sombras, Lancelot enloqueció, la Tierra redención colectiva.
quedó devastada, Guenívere se refugió en una La exigencia del establecimiento del cuater-
ermita, el hijo del nuevo tiempo no se puede con- nario como prerrequisito fundamental para una
cebir y el Grial quedó velado, pero no integrado dinámica relacional que privilegie el bienestar
(ALVARENGA, 2008). de los demás, cuando se logre, representará,
La integración del Grial, expresión del reci- simbólica y concretamente, un crecimiento tan
piente de recepción del continente, constituye fenomenal de la sociedad, como una realidad
una realidad esencial para la composición del nunca antes alcanzada. ¡La consecución del cua-
cuaternario, exigiendo ser estructurado en la ternario, posible gracias a la incorporación de un
psique colectiva como expresión simbólica del resort que se preocupa real y profundamente por
continente femenino. el bienestar del otro, representará la plena reali-
En los tiempos de hoy, la sociedad perma- zación de las virtudes relacionales que humani-
nece regida por la trinidad de los tres poderes: zan diké y aidós! ■
Ejecutivo, Legislativo, Judicial y como toda trini-
Recibido en 17/03/2021 Revisión en 31/05/2021

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 203


Junguiana
v.39-1, p.199-206

Abstract
The search of quaternio. The institution of the fourth function
The text would invent the evolution of the au- The text confirms the condition of maintaining
thor’s thoughts and theoretical propositions that triune regencies in many of our governmental
led her to the formulation of the present text. The bodies and the realization of the need to stablish
fourth pattern of Intelligence, the question of the a fourth power that translates a true democratic
myth of original sin and the Promethean myth of regime and contributes to the forge of a dynam-
creation of the human creature and the virtues ic of conscience that embraces both individual
stolen and those ceded by Zeus. Christ and the and collective relationships, contributing to the
proposition of the fourth dynamic of conscience, establishment of a regime of encounter and con-
as a possibility for the salvation of humanity. tinence of the other. ■

Keywords: Triune Rulerships, Search for the fourth dynamics of consciousness, Proposition of the fourth
governmental instance.

Resumo
A busca do quaternio. A instituição da quarta função
O texto inventaria a evolução dos pensamen- a condição de mantermos regências trinas em
tos e das proposições teóricas da autora que a muitas de nossas instâncias governamentais e a
levaram à formulação do presente texto. O quar- necessidade de implantarmos um quarto poder
to padrão de Inteligência, a questão do mito do que traduza um verdadeiro regime democráti-
pecado original e o mito prometeico de criação co e concorra para a forja de uma dinâmica de
da criatura humana e as virtudes roubadas e as consciência que abarque tanto o relacionamento
cedidas por Zeus. Cristo e a proposição da quar- individual quanto o coletivo, concorrendo para
ta dinâmica de consciência, como possibilidade a implantação de um regime de encontro e con-
de salvação da humanidade. O texto constata tinência do outro. ■

Palavras-chave: Regências trinas, Busca da quarta dinâmica de consciência, proposição da quarta instância
governamental.

204 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021


Junguiana
v.39-1, p.199-206

Referencias
ALVARENGA, M. Z. Anima/animus de todos os tempos. São GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria que redefine
Paulo, SP: Escuta, 2017. o que é. São Paulo, SP: Objetiva, 1997.

______. As sete dinâmicas de consciência, a hominização, HILLMAN, J. Anima, anatomia de uma noção personificada.
inteligência espiritual e o processo de individuação. São Paulo, SP: Cultrix, 1995.
In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE PSICOLOGIA
ANALÍTICA, 8. 2018, Bogotá. Anais... Montevideo: Comitê NEUMANN, E. A grande mãe. São Paulo, SP: Cultrix,
Latinoamericano de Psicologia Analítica, 2018. 2012.

______. O encontro de prometeu, Héracles e Quiron: PLATÃO. Diálogos: apologia de Sócrates, Critão, Laquete,
a morte e o morrer, ritos de passagem. Junguiana, São Cármides, Líside, Eutrífrone, Protágoras, Górgias. São Paulo,
Paulo, v. 29, n. 1, p. 58-61, jun. 2011. SP: Melhoramentos, 1970.

______. O Graal, Arthur e seus cavaleiros: leitura simbóli- WIGGLESWORTH, C. Las 21 aptitudes de la inteligencia
ca. São Paulo, SP: Pearson, 2008. espiritual: un paso más allá de la inteligencia
emocional. Ciudad del Mexico: Penguin Random
BRADEN, G. O efeito Isaias: decodificando a ciência perdida House México, 2012.
da prece e da profecia. São Paulo, SP: Cultrix, 2017.
ZOHAR, D.; MARSHALL, I. A inteligência espiritual. Rio de
D´ÁVILA, T. As moradas do castelo interior. São Paulo, SP: Janeiro, RJ: Best Seller, 2016.
Paulus, 1981.

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 205


206 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021
Junguiana
v.39-1, p.207-208

Normas para publicação de artigos


A revista Junguiana, periódico cientifico da Sociedade Brasileira de Psicologia
Analítica, editada pela primeira vez no ano de 1983, destina-se à divulgação de
trabalhos inéditos, que contribuam para o conhecimento e o desenvolvimento da
psicologia analítica e ciências afins, em um espírito aberto ao debate científico,
cultural, social e político contemporâneo. Com periodicidade semestral, a revista
aceita artigos originais, de revisão, casos clínicos, comunicação breve, entrevista
e resenha.

Para mais informações sobre as normas de publicação acesse o site da SBPA:


http://sbpa.org.br/portal/acervo/normas-para-publicacoes/.

Guidelines for publishing articles


Junguiana is the scientific Journal of the Brazilian Society for Analytical Psy-
chology, published for the first time in 1983 and directed towards the dissemina-
tion of unpublished works that contribute to the knowledge and development of
analytical psychology and related sciences, with an openness towards scientific,
cultural, social and contemporary political debate. Twice a year, the journal ac-
cepts original and review articles, clinical cases, brief announcements, reviews
and interviews.

For further information about publication rules visit SBPA site:


http://sbpa.org.br/portal/acervo/normas-para-publicacoes/.

Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica


Rua Dr. Flaquer, 63 – Paraíso – CEP 04006-010 – São Paulo (SP)
Telefax (11) 2501-4859
www.sbpa.org.br

Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021 ■ 207


Junguiana
v.39-1, p.207-208

208 ■ Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analitica, 1º sem. 2021

Você também pode gostar