Você está na página 1de 26

Lógica

Material Teórico
Lógica da Argumentação: O Raciocínio

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Valter Luiz Lara

Revisão Textual:
Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos
Lógica da Argumentação: O Raciocínio

• Introdução
• O Raciocínio: Terceiro Ato do Espírito
• Forma Elementar do Raciocínio: o Silogismo
• Princípios Fundamentais do Silogismo Categórico
• As Leis que Garantem a Validade do Silogismo Categórico

OBJETIVO DE APRENDIZADO
··Capacitar o aluno a reconhecer e desenvolver formas de argumen-
tação correta do ponto de vista da lógica formal;
··Reconhecer diferentes formas de argumentação baseada no racio-
cínio válido;
··Aprender a identificar o raciocínio do tipo silogístico;
··Distinguir o silogismo categórico válido do inválido;
··Aprender quais são as regras do silogismo válido;
··Aplicar as regras do silogismo e saber apontar as razões que tornam
um raciocínio com aparência de validade em argumento inválido.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas, dentre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

Contextualização
O texto teórico desta unidade começa com algumas frases muito conhecidas.
A questão que deve chamar a sua atenção é esta: a todo o momento estamos
ouvindo, reagindo ou produzindo argumentos para justificar, explicar, criticar,
legitimar, defender e expor nossa consciência sobre coisas, situações, comporta-
mentos e os mais variados temas que dominam o cotidiano da vida.

A argumentação faz parte da vida de todo ser pensante com capacidade de


raciocínio. O desafio é como aprimorar essa capacidade. A lógica tem essa tarefa,
embora a arte da retórica também o faça. A diferença é que a retórica tem compromisso
com a beleza e a persuasão do ouvinte, enquanto a lógica com a validade objetiva do
argumento. Na verdade, há bons e maus argumentos. Argumentos fracos e fortes;
bem fundamentados e outros bem superficiais. Há também argumentos emocionais
e argumentos com base na experiência. Há, inclusive, argumentos que se apegam
mais na força da autoridade ou poder de quem os pronuncia do que na força do
conteúdo e razoabilidade do próprio argumento em si.

Apenas para contextualizar como a lógica da argumentação pode nos ajudar a


pensar melhor, com mais clareza e organização das ideias, melhorando nossa habili-
dade de raciocínio discursivo, sugerimos que veja o vídeo disponível no Youtube que
trata desse tema. Ele oferece com muita descontração e simplicidade algumas dicas
para se produzir uma boa argumentação, apontando alguns exemplos de argumenta-
ções frágeis e ruins.

Aprenda a pensar melhor # 2 – O que é um argumento?


Explor

https://youtu.be/xGwJeUb8TRU

8
Introdução
Os temas polêmicos são naturalmente alvo de muito debate e discussão. Não
existe área do conhecimento e mesmo da vida que não esteja sujeita ao debate e a
uma boa discussão. Tudo o que defendemos ou criticamos exige uma explicação.
A ideia, um ponto de vista, uma opinião são sempre formas de defender ou
de atacar outras ideias, pontos de vista e outras opiniões. A forma discursiva
de pronunciar e manifestar um posicionamento a respeito de uma situação ou
tema qualquer é sempre uma forma de argumentar. Quem já não foi desafiado a
apresentar argumentos que defendam uma ou outra opinião? Frases semelhantes
as que foram selecionadas abaixo ilustram como o ato de argumentar é frequente
nos relacionamentos humanos:
– Que argumentos você apresenta para defender a democracia contra
a ditadura?
– Depois de ouvidos os argumentos da defesa e da promotoria, os jurados
deverão dar um veredicto sobre o caso.
– Agora é a sua vez de argumentar.
– O argumento não está bem fundamentado.
– Escreva em forma de argumentos contra ou a favor do aborto, da pena de
morte, da eutanásia e de outros temas polêmicos de ordem ética.

Argumentar é a forma mais comum de apresentar o que pensamos e quais são


os nossos posicionamentos sobre acontecimentos, valores e outras situações que
envolvem a justificativa das escolhas que fazemos e das opiniões que temos sobre
diferentes aspectos da realidade.

O que precisamente é, então, um argumento do ponto de vista da lógica?


O argumento é um discurso em que encadeamos proposições de maneira
a chegar a uma conclusão. A proposição é tudo o que pode ser afirmado
ou negado. Por exemplo, “Todo cão é mamífero” ou então “Animal não
é um mineral”. (ARANHA & MARTINS, p. 101)

Mas em que consiste o ato de argumentar segundo as regras da lógica? Quais são as
Explor

melhores formas de argumentação? O que define ou distingue uma argumentação


melhor do que outra? Existem leis que orientam e determinam a forma correta de
argumentar? E se existe a forma correta, qual é a incorreta? Isso tudo é objeto da lógica da
argumentação, o tema da presente unidade. Ao final do estudo desta unidade, você terá
aprendido a fazer uso adequado de formas corretas de argumentação e terá aprimorado
sua capacidade de raciocínio, pois argumentar é expressar a forma do pensamento que
os lógicos chamam de raciocínio.

9
9
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

O Raciocínio: Terceiro Ato do Espírito


O raciocínio é o terceiro ato do espírito humano, da inteligência. O primeiro
é a simples apreensão e o segundo é o juízo. Na simples apreensão, a inteligência
apreende um objeto sem afirmar ou negar algo sobre ele. No juízo, há o ato de
afirmar ou negar algo sobre o objeto apreendido pelo espírito. No raciocínio, o
espírito realiza o ato do conhecimento novo, pois extrai de um juízo já feito e
admitido um novo juízo que se conclui do primeiro.
Raciocinar é passar de uma coisa intelectualmente apreendida a uma outra
coisa intelectualmente apreendida graças à primeira, e progredir deste modo
de proposição em proposição [...]. No raciocínio o espírito é movido por
duas proposições percebidas como verdadeiras (antecedente), para produzir
uma terceira proposição (consequente). (MARITAIN, 1980, p. 173)

O raciocínio é, pois, uma operação do pensamento que processa inferências.


Inferir é extrair uma nova proposição de outra admitida como verdadeira. Exemplo:
se sei que a proposição “Todos os paulistas são brasileiros” é verdadeira, posso
inferir, isto é, extrair ou deduzir, que “Nenhum paulista é brasileiro” é falso. As
proposições são verdadeiras ou falsas, mas as inferências, bem como os raciocínios,
são válidas ou inválidas. A inferência processada é válida e seria inválida se a
conclusão fosse afirmar que “Nenhum paulista é brasileiro”, é verdadeira quando a
proposição antecedente de fato é verdadeira. Verdade diz respeito às proposições
e validade às inferências. E as inferências são formas de pensar que geram
os raciocínios.

Só há raciocínio quando inferimos um pensamento de outro pensamento.


Podemos começar de um fato singular para chegar a uma conclusão geral, ou
desta para concluir que o singular está contido naquele. Os raciocínios podem ser
diversos, mas, em todos eles, há sempre a derivação de um pensamento de outro,
o qual o contém (SANTOS, 2007, p. 61).

Importante! Importante!

As formas de raciocínio variam conforme a natureza das inferências. As inferências podem


ser imediatas ou mediatas e as mediatas são dedutivas, indutivas e analógicas. A inferência
imediata é aquela que não usa proposição intermediária para extrair uma conclusão, ao
contrário, conclui alguma coisa diretamente da proposição anterior. O exemplo anterior
serve igualmente para explicar o que é inferência imediata: se a proposição “Todo paulista
é brasileiro” é verdadeira, a proposição “Nenhum paulista é brasileiro” é falsa. Nesse caso, a
inferência é feita sem o uso de uma proposição intermediária.

As inferências mediatas, por sua vez, fazem uso de proposições intermediá-


rias. O encadeamento que associa uma proposição à outra através de proposições
intermediárias é o que denominamos de raciocínio.

10
Raciocínio Dedutivo
O raciocínio dedutivo ou dedução ou, ainda, método de conhecimento dedutivo
é aquele que processa uma conclusão particular ou singular a partir de inferência
que se faz com base em alguma proposição de extensão universal admitida como
verdadeira. Exemplo: Se “Todos os homens são mortais” e “Sócrates é homem”,
então “Sócrates é mortal”. A conclusão aplicada a um caso singular (Sócrates) é
extraída da associação de duas proposições cuja fonte principal é uma proposição
universal (Todos os homens).

O método da dedução lógica quando feita em condições de validade é uma


forma de garantir conhecimento absolutamente rigoroso, pois o que se conclui,
na verdade, já está contido nas proposições anteriores. A dedução, portanto, é
um método de conhecimento que se faz mediante o que já se sabe, uma vez que
a conclusão não é uma novidade, está pressuposta ou implícita nas proposições
anteriores. Na indução, ao contrário, o que conta é a novidade do conhecimento
trazida pela experiência.

Raciocínio Indutivo
O raciocínio indutivo ou indução, ou ainda, método de conhecimento indutivo é
aquele que processa uma conclusão universal ou abrangente a partir de inferências
que se fazem com base em experiências particulares. A indução é sempre um
conhecimento sobre experiências singulares que se verificam e se repetem de
maneira regular e que, por isso mesmo, são automaticamente generalizadas na
forma de conclusões ou proposições universais. Exemplo: “O ferro, a prata e o
ouro são condutores de eletricidade”; “O ferro, a prata e o ouro são metais”; logo,
“Todos os metais são condutores de eletricidade”.

Na indução, a conclusão universal é derivada de um raciocínio que é feito com


base na observação de casos particulares. A indução, portanto, é um movimento
inverso ao da dedução. Na dedução, o raciocínio processa uma conclusão particular
derivada de uma proposição universal, enquanto na indução a conclusão universal
é derivada de dados particulares.

A indução é o método característico do conhecimento científico cuja base é a


observação experimental. Há, porém, induções incompletas e induções completas.

Exemplo de indução completa: quando, numa sala de aula de vinte alunos,


observo um de cada vez e a cada observação vou constatando que possuem
aparelho de telefone celular e até o último aluno, todos demonstraram possuir
celular, evidentemente posso concluir que todos os alunos da sala possuem celular.
Esse raciocínio realiza uma conclusão indutiva completa.

A indução incompleta ocorre quando a conclusão é generalizada antes mesmo


de se verificar se de fato ela se aplica a todos os indivíduos do conjunto.

11
11
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

Exemplo de indução incompleta: quando se conclui que todos os cem alunos


de uma classe são contra o aborto tendo por base uma pesquisa de opinião feita
com dez deles (selecionados de maneira aleatória) que manifestaram ser contra o
aborto. Evidentemente que essa é uma indução incompleta e não necessariamente
válida, pois não possui as condições que tornariam a conclusão necessária, pois
o fato de 10 alunos num universo de 100 manifestarem ser contra o aborto não
implica que todos eles tenham a mesma opinião.

O exemplo anterior ilustra bem a fragilidade das induções incompletas, pois fazem
generalizações apressadas, sem critérios rigorosos que garantam sua validade, como
bem reconhecem Aranha e Martins:
Apesar da aparente fragilidade da indução, que não alcança o rigor do racio-
cínio dedutivo, trata-se de uma forma muito fecunda de pensar, responsável
pela fundamentação de grande parte dos nossos conhecimentos na vida
diária e de grande valia nas ciências experimentais. Além disso, todas as
nossas previsões têm base na indução, ou seja, no raciocínio que, partindo
de alguns casos da experiência presente, nos faz inferir que o mesmo poderá
ocorrer mais tarde.

Cabe ao lógico especificar as condições sob as quais devemos tomar a


indução correta [...]. A generalização indutiva é precária quando feita
apressadamente e sem critérios. É preciso examinar se a amostragem é
significativa e se existe número suficiente de casos que permitam a passagem
do particular para o geral. (ARANHA & MARTINS, 2003, p. 104)

Feitas as devidas ressalvas ao valor e alcance dos raciocínios indutivos,


sobretudo os incompletos, devemos reconhecer que eles fazem parte importante
do conhecimento científico. Porém, quando eles não atendem a certas condições
lógicas e matemáticas que validem a credibilidade das amostras, invalidam as
conclusões e o resultado do conhecimento é induzido à graves equívocos.

Raciocínio Analógico
O raciocínio analógico é uma espécie de indução incompleta feita com base
na comparação ou semelhança entre duas situações expressas por proposições
particulares para concluir não uma proposição universal, mas outra particular.
Exemplo: Se “Pedro teve uma convulsão febril depois de sair sem blusa naquela
noite”, “Paulo também terá uma convulsão febril se sair sem blusa nesta noite”.

Em ciência o método por indução analógica é frequente, pois o pressuposto


é que os fenômenos naturais se comportam sob circunstâncias semelhantes, de
modo semelhante. Assim Isaac Newton (1643-1727) chegou à lei da gravitação
universal e do mesmo modo inferimos que se os seres vivos conhecidos morrem,
todos os que virão a nascer também morrerão.

12
A analogia é, como toda indução, método importante na construção do conhe-
cimento, mas igualmente tem seu limite, pois qualquer nova experiência desconhecida
poderá colocar em dúvida a generalização produzida mediante a comparação pela
observação da semelhança. Como no primeiro exemplo, comparar a convulsão febril
de Pedro e atribuí-la ao fato de ele ter saído sem blusa se constitui em mero acidente
e não uma causa necessária entre um evento e outro. Por isso, a analogia nesse caso
não é autorizada; portanto, é inválida, mas há casos como a morte dos seres vivos em
que a analogia é incontestavelmente válida.

Forma Elementar do Raciocínio: o Silogismo


O raciocínio é um processo do pensamento que associa juízos produzindo
inferências. O encadeamento de proposições de modo a produzir conclusões com
base nas informações contidas nas primeiras é o que define o raciocínio. Como
vimos no item anterior, há diferentes modos ou métodos de raciocinar (dedução,
indução e analogia), mas há uma forma de raciocinar que estrutura os elementos
básicos do raciocínio: é a forma do silogismo.

O silogismo, definido etimologicamente, é palavra de origem grega que pode


ser assim traduzida: reunir (sin), juntar a palavra, razão ou pensamento (logos)
num mesmo cálculo (logismos). Silogismo significa raciocínio que reúne e junta
palavras, proposições e pensamentos (BASTOS & KELLER, 1991, p. 43).

A seguir reunimos brevíssimo glossário das palavras mais importantes para a


compreensão do raciocínio silogístico.1

Silogismo
Explor

“Argumentação na qual, de um antecedente que une dois termos a um terceiro, infere-se um


consequente que une esses dois termos entre si” (MARITAIN, 1980, p. 195)1. “[...] Discurso em
que se encadeiam vários juízos. De certas coisas dadas, outras resultam necessariamente.
É preciso, para haver conclusão, que dois desses juízos (premissas) tenham algo em comum
e duas coisas diferentes: comum é o chamado termo médio, e as duas coisas diferentes são
o termo maior e o termo menor” (AGUIAR NETTO, p. 82).
Premissas
Proposições que expressam juízos categóricos e antecedem a conclusão, ou seja, são
enunciados que afirmam ou negam (predicam) alguma coisa sobre um sujeito. A estrutura
das premissas tem por base os elementos básicos: sujeito (S) e predicado (P).
Termos
Termos são os elementos básicos que estruturam as premissas: o sujeito (S) e o predicado
(P). Eles são expressões de simples apreensões, objetos, seres, coisas ou indivíduos sobre os
quais se atribui um predicado (Sujeito) ou se caracteriza como atributo ou predicado de um
sujeito (predicado).

1 Definição de Aristóteles em sua obra Primeiros Analíticos I,1,24b18 (Apud MARITAIN, 1980, p. 195).

13
13
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

No silogismo, há sempre três termos identificados pelo critério de sua extensão.


O termo maior (T), o termo menor (t) e o termo médio (M). O termo maior é de
extensão maior, o menor é de extensão menor e o médio é aquele que une os
termos chamados extremos, o maior e o menor numa proposição conclusiva que
procede das duas premissas antecedentes.

O quadro abaixo ilustra os conceitos definidos no glossário (MARITAIN, 1980,


p. 197):

Antecedentes - Premissas
M T
1ª Premissa = Maior  Todo homem é mortal
t m
2ª Premissa = Menor  Ora, Pedro é homem

Consequente - Premissas
t T
Logo, Pedro é mortal

Estrutura do Silogismo

O silogismo apresentado aqui é o chamado categórico. O silogismo categórico,


além de assumir a estrutura formal indicada no quadro acima, segue as leis que
validam a sua conclusão. Há outros tipos de silogismo (o disjuntivo, o hipotético
e outros que, embora assumam a mesma estrutura do silogismo categórico, por
serem inválidos são chamados de sofismas2). A forma de raciocinar do silogismo
é composta de elementos dispostos numa estrutura simples, cuja lógica está
em concluir como consequência necessária uma proposição inferida das duas
premissas antecedentes, validada pelo termo médio (M) que reúne cada um dos
termos anteriores (T e t).

Marilena Chauí descreve resumidamente e de maneira didática os componentes


constituintes do silogismo categórico apresentados no quadro acima:
Um silogismo é constituído por três proposições. A primeira é chamada
de premissa maior, a segunda, de premissa menor e a terceira, de
conclusão, inferida das premissas pela mediação de um termo chamado
termo médio. As premissas possuem termos chamados extremos e a
função do termo médio é ligar os extremos. Essa ligação é a inferência
ou dedução e sem ela não há raciocínio nem demonstração. Por isso, a
arte do silogismo consiste em saber encontrar o termo médio que ligará os
extremos e permitirá chegar à conclusão. (CHAUI, 1994, p. 187)

O próximo passo da lógica da argumentação é aprender os princípios e leis que


garantem a validade do raciocínio silogístico.

2 Os sofismas são formas de argumentação com aparência de validade, mas na verdade não o são, pois não obedecem
às regras que regem o raciocínio silogístico categórico.

14
Princípios Fundamentais do
Silogismo Categórico
O raciocínio expresso na forma de silogismo categórico pressupõe dois dos
maiores princípios da lógica formal, conhecidos como princípio da tríplice
identidade e princípio do terceiro exclusivo.

Princípio da Tríplice Identidade


Duas coisas idênticas a uma mesma terceira são idênticas entre si.

Princípio do Terceiro Exclusivo


Duas coisas das quais uma é idêntica e a outra não idêntica a uma mesma
terceira são diferentes entre si.

Na verdade, os dois princípios são duas faces, uma afirmativa e outra negativa
de um mesmo princípio lógico, o da identidade ou não contradição do ser:
Este princípio que poderíamos denominar de “princípio da tríplice
identidade” em sua forma positiva e “princípio do terceiro exclusivo”
em sua forma negativa, não é mais do que uma expressão particular do
princípio de identidade (toda coisa é o que é, todo ser é de uma natureza
determinada que o constitui como propriedade sua) ou de contradição (ser
não é não ser, não se pode afirmar uma coisa e negá-la ao mesmo tempo
e sob o mesmo ponto de vista). (MARITAIN, 1980, p. 202)

Os princípios do silogismo categórico se desdobram em leis que determinam a


validade de sua conclusão.

As Leis que Garantem a Validade do


Silogismo Categórico
Os estudiosos da lógica costumam inferir dos princípios do silogismo categórico
oito leis3 que regem as condições necessárias para validade desse tipo de raciocínio.
Caso haja uma só violação dessas regras, qualquer que seja o silogismo deve ser
considerado inválido, uma vez que sua conclusão, exatamente por não atender às
leis silogísticas, acaba por não poder ser inferida, com a devida necessidade, de
suas premissas. Quatro dessas leis se referem aos termos do silogismo e as outras
quatro às premissas.

3 Alguns autores, porém, por acharem algumas regras pura repetição de outras, reduzem esse número ora para
três (MARITAIN, 1980, p. 206), ora para seis (COPI, 1978, p. 184-189). Não obstante, todos eles reconhecem a
tradicional formulação das oito leis do silogismo categórico.

15
15
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

Importante! Importante!

Leia devagar a regra e perceba como ela é ilustrada pelo exemplo de silogismo válido
e como no contra exemplo a sua violação torna o silogismo automaticamente invá-
lido. Abaixo transcrevemos cada uma das regras, exemplos que ilustram o cumpri-
mento correto da regra e contra exemplos que demonstram a sua violação, seguidos
de comentários explicativos.4

1ª Regra4
No silogismo só deve haver três termos: Maior (T), Médio (M) e Menor (t).

Exemplo
Todos os homens são bons
Paulo é homem.
Logo, Paulo é bom.

Há apenas três termos: o Maior (T=Bom), o Médio (M=Homem) e o Menor


(t=Paulo). A 1ª regra está respeitada. O raciocínio é válido.

Contra exemplo
Todas as mangas são doces
A camisa é de manga.
Logo, minha camisa é doce.

Não há somente três termos, pois a palavra “manga” aparece duas vezes com
dois significados completamente distintos; na primeira premissa ela significa fruta e
na segunda é tecido, parte da camisa. O silogismo deixa de ser válido porque não
tem apenas três termos, mas quatro, rompendo com a 1ª regra.

2ª Regra
Os termos da conclusão não podem ser de extensão maior que nas premissas.

Exemplo
Todos os pássaros voam.
Alguns animais são pássaros.
Alguns animais voam.

Há apenas três termos: o Maior (T=voam), o Médio (M=pássaros) e o Menor


(t=animais). A 1ª regra está cumprida. O termo “animais” aparece na conclusão em
4 As regras, exemplos e contra exemplos foram formulados segundo o que achamos ser uma adaptação mais simples
e didática do modo como foram apresentadas por Maritain (1980, p. 207 - 209).

16
sua extensão particular (alguns animais), portanto não é maior do que na premissa.
O termo “voam”, do mesmo modo, é particular na conclusão como na primeira
premissa, pois nas duas proposições ele é predicado de enunciado afirmativo, o
que o torna particular. Sendo assim, a 2ª regra também é cumprida. O silogismo
é válido.

Contra exemplo
Todos os pássaros voam.
Os pássaros são animais.
Logo, todos os animais voam.

A 1ª regra foi cumprida, mas a 2ª não: O termo animais (t) na 2ª premissa é


predicado de uma proposição afirmativa (A). Por isso, ele é de extensão particular e
não universal. Na 2ª premissa o termo animais é tomado em parte e não no todo.
Por isso, não se pode concluir que são todos os animais que voam; são somente
os animais que são pássaros. O silogismo é inválido porque descumpre a 2ª regra,
fazendo aparecer na conclusão um termo de extensão maior que na premissa.

3ª Regra
O termo médio jamais pode aparecer na conclusão.

Exemplo
As crianças brincam.
As meninas são crianças.
Logo, as meninas brincam.

A 1ª regra está ok. Há somente três termos: o Maior (T=brincam), o Médio


(M=crianças) e o Menor (t=meninas). A 1ª regra está cumprida, a 2ª também:
nenhum termo da conclusão é maior que nas premissas. A 3ª está obedecida: o
termo Médio (M=crianças) não aparece na conclusão. O silogismo é válido.

Contra exemplo
As crianças brincam.
As fadas são crianças.
Logo, as crianças são fadas que brincam.

O silogismo obedece à 1ª regra. Há somente três termos: o Maior (T=brincam), o


Médio (M=crianças) e o Menor (t=meninas). A 1ª regra está cumprida, a 2ª também:
nenhum termo da conclusão é maior que nas premissas. A 3ª está descumprida,
pois o termo Médio (M=crianças) que não deve aparecer na conclusão, aparece. A
conclusão não é válida, pois nem todas as crianças são fadas, mesmo admitindo (caso
se creia em fadas) que fadas sejam crianças. O silogismo é inválido, pois desobedece
à 3ª regra.

17
17
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

4ª Regra
O termo médio precisa ser pelo menos uma vez de extensão universal.

Exemplo
Todos os cantores são artistas.
Todos os artistas são criativos.
Logo, os cantores são criativos.

A 1ª regra foi obedecida. Há somente três termos: o Maior (T=cantores), o


Médio (M=artistas) e o Menor (t=criativos). A 1ª regra está cumprida, a 2ª também:
nenhum termo da conclusão é maior que nas premissas. A 3ª está obedecida: o
termo Médio (M=artistas) não aparece na conclusão. A 4ª regra: o termo Médio
(M=artistas) pelo menos uma vez aparece na extensão universal (na 2ª premissa =
todos os artistas). Portanto, o silogismo é válido.

Contra exemplo
Todos os cantores são artistas.
Os letristas são artistas.
Logo, os letristas são cantores.

Não há problema com a 1ª regra. Há somente três termos: o Maior (T=cantores),


o Médio (M=artistas) e o Menor (t=letristas). A 2ª também: nenhum termo da
conclusão é maior que nas premissas. A 3ª está obedecida: o termo Médio
(M=artistas) não aparece na conclusão. Mas a 4ª regra foi infringida: o termo Médio
(M=artistas) deveria aparecer pelo menos uma vez na extensão universal e não é
o que acontece. O Médio (M=artistas) aparece nas duas premissas na extensão
particular, pois nas duas vezes é predicado de sentença afirmativa. Predicado de
sentença afirmativa toma apenas parte da extensão de um termo e não o seu todo.
Por isso, o silogismo é inválido.

As próximas regras do silogismo prescrevem determinações sobre as premissas.

5ª Regra
De duas premissas negativas nada se conclui.

Exemplo
Todos os pães são feitos de trigo.
Os bolos não são feitos de trigo.
Logo, os pães não são bolos.

As primeiras quatro regras são obedecidas. 1ª regra foi obedecida: há somente


três termos: o Maior (T=pães), o Médio (M=feitos de trigo) e o Menor (t=bolos).

18
A 2ª regra é obedecida: nenhum termo da conclusão é maior que nas premissas.
A 3ª está obedecida: o termo Médio (M=feitos de trigo) não aparece na conclusão.
A 4ª regra: o termo Médio (M= feitos de trigo) pelo menos uma vez aparece na
extensão universal (na 2ª premissa = não são feitos de trigo – a negativa torna o
termo predicado universal). 5ª regra: o silogismo é válido, pois não possui duas
premissas negativas, mas uma só.

Contra exemplo
Nenhum pão é feito de trigo.
Os bolos não são feitos de trigo.
Logo, nenhum pão é bolo.

Observe que as duas premissas são negativas. O fato de nem pão nem bolo
pertencerem ao conjunto das coisas feitas por trigo não autoriza concluir uma
identidade entre pão e bolo: nem que todo pão seja bolo, muito menos que um
não seja o outro.

6ª Regra
De duas premissas afirmativas não se pode concluir negativa.

Exemplo
Alguns estudantes são inteligentes.
Todos os inteligentes são éticos.
Logo, alguns estudantes são éticos.

O silogismo está de acordo com as cinco primeiras regras. 1ª regra: há


somente três termos: o Maior (T=estudantes), o Médio (M=inteligentes) e
o Menor (t=éticos). 2ª regra: nenhum termo da conclusão é maior que nas
premissas. 3ª regra: o termo Médio (M=inteligentes) não aparece na conclusão.
4ª regra: o termo Médio (M= inteligentes) pelo menos uma vez aparece na
extensão universal (na 2ª premissa = Todos os inteligentes [...]). 5ª regra: não
há duas premissas negativas. 6ª regra: as duas premissas são afirmativas e a
conclusão também. O silogismo não descumpriu nenhuma das seis primeiras
regras. É um silogismo válido.

Contra exemplo
Alguns estudantes são inteligentes.
Todos os inteligentes são éticos.
Logo, alguns estudantes não são éticos.

O silogismo claramente não segue a 6ª regra, pois conclui negativamente com


base em duas premissas afirmativas. Sendo assim, é inválido.

19
19
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

7ª Regra
A conclusão segue sempre a pior premissa, isto é, a particular e a negativa.

Exemplo
Alguns estudantes são inteligentes.
Todos os inteligentes são éticos.
Logo, alguns estudantes são éticos.

O silogismo está de acordo com as seis primeiras regras. 1ª regra: há somente


três termos: o Maior (T=estudantes), o Médio (M=inteligentes) e o Menor (t=éticos).
2ª regra: nenhum termo da conclusão é maior que nas premissas. 3ª regra: o
termo Médio (M=inteligentes) não aparece na conclusão. 4ª regra: o termo Médio
(M= inteligentes) pelo menos uma vez aparece na extensão universal (na 2ª
premissa = Todos os inteligentes [...]). 5ª regra: não há duas premissas negativas.
6ª regra: as duas premissas são afirmativas e a conclusão também. 7ª regra: a
conclusão é particular afirmativa. Como não há premissa negativa pode concluir
afirmativamente; como há uma premissa particular, a conclusão obrigatoriamente
deve ser particular. Portanto, o silogismo é válido.

Contra exemplo
Alguns estudantes são inteligentes.
Todos os inteligentes são éticos.
Logo, todos os estudantes são éticos.

A 7ª regra não é seguida, uma vez que a conclusão é universal e uma das
premissas é particular, tornando inválido o silogismo.

8ª Regra
De duas premissas particulares nada se conclui.

Exemplo
Alguns estudantes são inteligentes.
Todos os inteligentes são éticos.
Logo, alguns estudantes são éticos.

O silogismo está de acordo com as sete primeiras regras. 1ª regra: há somente


três termos: o Maior (T=estudantes), o Médio (M=inteligentes) e o Menor (t=éticos).
2ª regra: nenhum termo da conclusão é maior que nas premissas. 3ª regra: o
termo Médio (M=inteligentes) não aparece na conclusão. 4ª regra: o termo Médio
(M= inteligentes) pelo menos uma vez aparece na extensão universal (na 2ª
premissa = Todos os inteligentes [...]). 5ª regra: não há duas premissas negativas.

20
6ª regra: as duas premissas são afirmativas e a conclusão também. 7ª regra: a
conclusão é particular afirmativa. Como não há premissa negativa pode concluir
afirmativamente; como há uma premissa particular, a conclusão obrigatoriamente
deve ser particular. 8ª regra: como há apenas uma premissa particular, sendo a
outra universal, a oitava regra está cumprida. Portanto, o silogismo é válido.

Contra exemplo
Alguns estudantes são inteligentes.
Alguns inteligentes são éticos.
Logo, alguns estudantes são éticos.

Mesmo que a conclusão siga a 7ª regra, concluindo pela pior parte (particular),
o silogismo é inválido, pois desobedece a 8ª regra: conclui com base em duas
premissas particulares. Observe que se alguns estudantes são inteligentes e alguns
desses inteligentes são éticos, o termo médio (M=inteligente) aparece nas duas
premissas na extensão particular. O termo médio precisa pelo menos uma vez
aparecer na extensão universal para que se possa concluir com validade. Nesse
caso, há o descumprimento não só da 8ª regra, mas também da 4ª regra.

Com as oito regras do silogismo categórico expostas de uma só vez, concluímos


essa unidade sobre a lógica do argumento, expressão da terceira e mais complexa
operação do espírito: o raciocínio.

1ª Regra
No silogismo só deve haver três termos: Maior (T), Médio (M) e Menor (t).
2ª Regra
Os termos da conclusão não podem ser de extensão maior que nas premissas.
3ª Regra
O termo médio jamais pode aparecer na conclusão.
4ª Regra
O termo médio precisa ser pelo menos uma vez de extensão universal.
5ª Regra
De duas premissas negativas nada se conclui.
6ª Regra
De duas premissas afirmativas não se pode concluir negativa.
7ª Regra
A conclusão segue sempre a pior premissa, isto é, a particular e a negativa.
8ª Regra
De duas premissas particulares nada se conclui.

Agora é só aplicar as regras nas mais variadas formas do raciocínio categórico e


você terá como avaliar se um raciocínio é ou não é válido.

21
21
UNIDADE Lógica da Argumentação: O Raciocínio

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Silogismo
Para você se divertir um pouco, pois ninguém é de ferro, curta o vídeo que brinca com
argumentos em forma de silogismo, alguns válidos, outros não, misturando conteúdos de
verdade e falsidade, misturando termos ambíguos e outras técnicas que mais confundem
do que esclarecem, embora tenham aparência de argumentação correta. Ah! Lembre-se:
na avaliação da validade de um raciocínio, o que está em jogo é a validade e não a
verdade. Por isso, muita bobagem pode ser dita através de raciocínios corretos e, do
mesmo modo, muitas verdades podem ser comunicadas através de formas incorretas de
raciocínio. Através das brincadeiras desse vídeo, uma grande verdade da lógica formal é
esta: o objeto de análise não é a verdade, mas a validade do raciocínio.
https://youtu.be/pLfmYH1S0Co
Lógica - Aula 3 (Regras do Silogismo)
Acompanhe a aula do Prof. Cristiano de Paiva Barroso. Ele retoma as regras do
silogismo retomando as noções de extensão dos termos, extensão das proposições e
o faz ilustrando com novos exemplos o que vimos ao longo do Texto Teórico. Além de
completar o que você aprendeu, servirá para fixar o aprendizado.
https://youtu.be/6SPw3j2b6mg

Leitura
O Método Científico
Leia o artigo do Prof. Antônio C. Roque. Trata-se de um texto de 12 páginas que
trabalha as noções de dedução e indução como instrumentos do método científico.
É um bom complemento da unidade, pois mostra como a dedução e a indução
foram desenvolvidas por autores da história da filosofia e da ciência nos diversos
momentos de crítica aos limites tanto do método dedutivo quanto do indutivo.
https://goo.gl/e7wibg

Livros
Elementos de Filosofia II – Capítulo III
Leia o capítulo III – O raciocínio – do livro de MARITAIN, Jacques. Elementos de
Filosofia II. A ordem dos conceitos. Lógica Menor (Lógica Formal). Tradução de Ilza
das Neves. Revista por Adriano Kury. 9ª edição. Rio de Janeiro: Agir, 1980, p. 173 –
282. O autor trabalha com detalhes e muitos exemplos não só do silogismo categórico,
mas de outros tipos de silogismo, como o condicional e o hipotético, os quais não foram
o foco desta unidade.

22
Referências
AGUIAR NETTO. Lógica. 4ª edição. São Paulo: Curso Filo Juris Preparatório
às Faculdades de Direito, Economia, Administração de Empresas e Psicologia.
S/D. 186 p.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à filosofia. 3ª ed. revista. São Paulo: Moderna, 2003. 439 p.

BASTOS, Cleverson L. & KELLER, Vicente. Aprendendo lógica. Petrópolis:


Vozes, 1991. 143 p.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. 441 p.

COPI, Irving Marmer. Introdução à lógica. 2ª Edição. Tradução de Álvaro Cabral.


São Paulo: Mestre Jou, 1978. 281 p.

MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia II. A ordem dos conceitos. Lógica


Menor (Lógica Formal). Tradução de Ilza das Neves. 4ª edição. Rio de Janeiro:
Livraria Agir Editora. 1980. 318 p.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Lógica e dialética. Lógica, dialética, decadialética.


São Paulo: Paulus, 2007. 304 p.

23
23

Você também pode gostar