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YLLAN DE MATTOS

História Moderna

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autor
Yllan de Mattos

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4

Introdução.............................................................................................................................................................................. 6

Capítulo 1
Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval............... 7

Capítulo 2
A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo....................................... 18

Capítulo 3
Expansão Marítima e Comercial............................................................................................................................. 35

Capítulo 4
Civilização Material e Mercado.............................................................................................................................. 45

Capítulo 5
O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna................................ 56

Capítulo 6
O Tempo da Política....................................................................................................................................................65

Referências...........................................................................................................................................................................76
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

4
Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Este Livro Didático é um guia didático que abordará os caminhos para se compreender o que
entendemos por História Moderna (1453-1789). Portanto, este Livro não substitui a leitura das
obras e historiadores que fundamentaram tais tempos, mas se propõe a indicar os passos de
uma formação especializada.

Nesse sentido, dividimos o Livro Didático em três abordagens: a cultural, a econômica e, por
fim, a político-social. Inicialmente, compreenderemos o debate em torno da Época Moderna
e a crítica ao Mundo Medieval. Em seguida, abordaremos a Expansão Marítima e Comercial,
discutindo a Civilização Material e a crise do século XVII. Teremos, também, a oportunidade
para refletir sobre o absolutismo e centralização política na época Moderna.

Objetivos

» Compreender o debate em torno da época Moderna e a crítica ao Mundo Medieval;

» Analisar as dimensões culturais das transformações ensejadas no mundo Moderno;

» Discutir sobre os aspectos econômicos do período moderno;

» Debater o conceito de Absolutismo e o processo de centralização política na época


Moderna.

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CAPÍTULO
TEMPOS MODERNOS: O DEBATE EM
TORNO DA ÉPOCA MODERNA E A
CRÍTICA AO MUNDO MEDIEVAL 1
Apresentação

Iniciaremos o capítulo 1 do Livro Didático construindo o conceito de Modernidade em contraponto


às características do período Medieval, percebendo sua especificidade.

Objetivos

» Definir o conceito de Modernidade;

» Analisar as diferentes formas de compreender a época Moderna;

» Identificar os pressupostos da Modernidade.

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CAPÍTULO 1 • Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval

Introdução

Precisar um tempo histórico nem sempre é tarefa das mais fáceis. A noção tripartida da História
do Ocidente (Antiguidade, Idade Média e Tempos Modernos) foi pensada pela primeira vez
por Cristóvão Cellarius [1638-1707] como forma de substituir a ordem pautada na sucessão de
impérios (Assírio, Medo, Persa, Helênico, etc.) para um sistema baseado na continuidade e unidade.
Se fora a queda do Império Romano, em 476, que principiou o período medieval, o autor de
História universal entendeu que o Novo Tempo, do qual ele foi coevo, fora inaugurado em dois
grandes eventos: em 1453, com a tomada da cidade de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos;
e 1517, quando Lutero fixou suas 95 teses na Catedral de Wittenberg.

Portanto, Cellarius tinha consciência de estar vivendo em um mundo diferente daquele pautado
pela influência romana (por meio do império Bizantino) e da unidade cristã (após a reforma
luterana). Porém, ele não era o único a pensar desse modo. Diversos humanistas também se
percebiam em um período diferente daqueles que viveram pouco mais de cem anos antes.
Os navegadores portugueses e genoveses que se lançaram no Atlântico deixavam cada vez mais
para trás as histórias fabulosas de mundos encantados, ao esbarrarem com o desconhecido
que produzia um conhecimento mais prático do planeta. A consciência de um novo tempo
era geral e constituiu um dos pilares dessa nova era. Entretanto, cada um desses indivíduos
pensava viver no novo por um aspecto diferente. Quais estariam certos? Todos, o que mostra
que a Modernidade pode ser conceituada de vários ângulos. Estabelecer um marco seria,
portanto, arriscado e nada convidativo para o historiador que quer vencer a incerta definição
de História Moderna.

É nesse sentido que nosso primeiro passo se resume a uma só pergunta: o que entendemos por
Idade Moderna?

Em Busca de uma Definição

Vamos começar a definir esse período pensando juntos. A História Moderna leva em consideração
a História de todo o planeta? Temos certeza que não. História Moderna é uma conceituação
eurocêntrica. Ou seja, ela leva em conta apenas uma parte da Europa, deixando de fora as
especificidades de várias sociedades para além da Europa. Mesmo considerando que os primeiros
anos do século XVI coincidiram com o início da dinastia xiita dos Safávidas na Pérsia (durando
até 1722), do reinado de Montezuma entre os Mexica em Tenochtitlán, do estabelecimento turco
no Egito e, doravante, do alargamento do Império Mongol para a Índia, a China estava sob a Ming
desde o século XIV, e somente no século XVII o Japão seria governado pelos shogun da dinastia
Tokugawa. Porém, podemos crer também na ideia de Jean Delumeau, para quem esse período
representou “o nascimento de Europas fora da Europa”. Ou seja, o início da Modernidade foi
também a origem de uma era da Globalização (GRUZINSKI, 1999).

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Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval • CAPÍTULO 1

Claro está que essa noção também carrega um pouco de inexatidão e eurocentrismo, afinal os
novos mundos forjados foram recriados à luz de contingências históricas que lhe conferiam
semelhanças e particularidades. No caso da América, tudo se mediu com a exploração e com
o escravismo.

Seja como for, é preciso definir de que espaço falamos.

Figura 1. Mapa-múndi de Henricus Martellus Germanus [1489], mostra o mundo conhecido pelos europeus.

Fonte: http://www.mapas-historicos.com/henricus-martellus.htm (acessado em setembro de 2016).

Figura 2. Mapa múndi atual, em destaque a área do mundo conhecida no medievo.

Fonte: http://osdescobridoresbiju.blogspot.com.br/p/o-tratado-de-alcacovas-1479.html (acessado em setembro de 2016).

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CAPÍTULO 1 • Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval

Nossa disciplina estuda, portanto, o espaço europeu. Nesse Livro Didático, verticalizaremos nas
monarquias de Castela, Portugal, França e Inglaterra, além das repúblicas italianas.

No aspecto conceitual, a noção de Modernidade nem sempre é de fácil entendimento. O historiador


alemão Reinhart Koselleck (2006, p. 267-303) efetuou uma pesquisa na qual compreendeu o
significado semântico da noção de Moderno das seguintes formas:

» O tempo contemporâneo (coevo) é “novo” em comparação ao precedente, antigo. É nesse


sentido que o adjetivo Moderno nunca perdeu seu significado de “novo” ou “recente”,
incorporado, inclusive, em nossa sociedade, como seu sinônimo;

» O adjetivo moderno como “melhor”. Isto é, aplicado no sentido qualitativo, em comparação


com um tempo ou objeto considerado ultrapassado. É “novo” como nunca antes visto
ou vivido;

» Como substantivo e relacionado com as duas outras definições, caracteriza-se como


período histórico que contrastou e superou a Idade Média.

Enquanto a primeira definição está muito próxima daqueles primeiros indivíduos dos séculos
XV e XVI, a segunda representa o pensamento daqueles que viveram o XVIII, o “Século das luzes”.

Até o século XVI, a história da Cristandade foi uma contínua expectativa do fim dos tempos (o
dia do Juízo, da “revelação”, do Apocalipse de João), sempre renovada com repetidos adiamentos.
As viradas de século, sobretudo aquela do ano 1000, representavam uma expectativa constante
de que o fim se aproximava e a época Moderna foi igualmente inaugurada com esse sentimento:
a tomada da grande cidade cristã fundada pelos romanos no Oriente, Constantinopla [1453], e
o contínuo avanço dos turcos até a batalha de Lepanto [1571]; as acusações mútuas de Lutero,
para quem o anticristo era o próprio papa, governante da Nova Babilônia, “prostituta de Roma”,
e desse último, caracterizando o reformador da mesma forma.

Figura 3. Linha do tempo.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval • CAPÍTULO 1

Um fim e, necessariamente, um novo começo também era sentido. Um sentimento de um novo


momento vivido era experimentado pelos artistas que viviam e pensavam o Renascimento.
Ao procurarem delimitar as características dos mil anos que os precediam, dominado pela Igreja
e pelo obscurantismo (como queriam esses homens), chamado de tempo do meio, renascentistas
pensaram viver um novo nascimento. Um renascimento dos valores da Antiguidade Clássica que
se afastava objetivamente dos princípios de um tempo que mediava dois outros importantes:
a Idade Média.

Embora tais experiências passassem ao longe das populações mais simples, tomados por uma
vida mais prática e menos circunstanciadas pelas discussões de corte, homens e mulheres
perceberam, na virada do século XV para o XVI, que algo de novo acontecia.

Na metade do XVIII, Voltaire [1684-1778] assim viu o início desses tempos:

[...] gostaria que se começasse o estudo sério da história pelo tempo em que ela
se torna verdadeiramente interessante para nós: parece-me que é pelos finais do
século XV. A imprensa, que foi inventada neste tempo, começa a tornar a história
menos incerta. A Europa muda de face; os turcos, que se espalham por ela,
expulsam as belas letras de Constantinopla; elas florescem na Itália, se estabelecem
na França, vão polir a Inglaterra, a Alemanha, o setentrião. Uma nova religião
separa a metade da Europa da obediência ao Papa. Um novo sistema político se
estabelece. Com o auxílio da bússola, se faz a volta da África. O comércio com a
China se faz mais facilmente do que entre Paris e Madri. A América é descoberta.
Subjuga-se um novo mundo, e nosso mundo é quase inteiramente transformado.
A Europa cristã se torna uma espécie de república imensa, na qual a balança
do poder é melhor estabelecida do que fora na Grécia. Uma correspondência
perpétua liga todas as suas partes, apesar das guerras, suscitadas pela ambição
dos reis, e mesmo apesar das guerras de religião, que são ainda mais destrutivas.
As artes, que são a glória dos estados, são levadas a um ponto que Grécia e Roma
nunca conheceram. Eis a história que todo mundo precisa saber. É nela que não
se encontram nem predições quiméricas, nem oráculos mentirosos, nem falsos
milagres, nem fábulas insensatas. Tudo nesta história é verdadeiro, com exceção
de pequenos detalhes, com os quais só os espíritos pequenos se preocupam
muito. Tudo nos diz respeito, tudo é feito para nós (VOLTAIRE, 2013, p. 183-184).

Interessante ver como a brilhante mente de Voltaire define os marcos básicos dos Tempos
Modernos. Conforme o historiador italiano Paolo Prodi, “a essência da História Moderna está,
para Voltaire, no fato de que essa é fundada no progresso e relacionada diretamente ao Homem”
(2012, p. 28). Isso quer dizer que tanto o homem começava ser a tomado como medida de todas
as coisas, responsável por sua vida e decisões, quanto a concepção de futuro passava a existir para
esses homens e mulheres modernos. O futuro, no medievo (e em parte da época Moderna, vale
salientar), apresentava-se como uma reedição do passado. Ele já estava escrito, escatologicamente.
A ideia e consciência do progresso abriu um novo horizonte para o futuro, que agora poderia
ser radicalmente diferente.

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CAPÍTULO 1 • Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval

Assim, entre os três séculos dos chamados Tempos Modernos operou-se uma
transformação que culminou com sua própria superação, por meio da adoção
Saiba mais
mais radical de seus princípios. A Revolução Francesa, iniciada em 1789, foi
também a primavera da Era Contemporânea e o outono da Idade Moderna.
Escatologia: doutrina que trata do
Mesmo tendo como princípio a história francesa, mais que a europeia, é
destino final do homem e do mundo,
consenso para os historiadores que esse foi o ocaso da Modernidade. O
podendo apresentar-se em discurso
mesmo não se apresenta no seu início, causando uma dúvida: de fato, houve o
profético ou em contexto apocalíptico,
fim da Idade Média?
como na Bíblia.

Fim do Mundo Medieval?

Um dos grandes historiadores medievalistas, o francês Jacques Le Goff, tem uma tese um pouco
controvertida e muito provocativa sobre esses tempos. Fundamentado na ideia de “longa
duração”, o historiador afirma que as estruturas fulcrais do feudalismo e da sociedade medieval
ultrapassavam o século XV, chegando até as franjas do XVIII. Completa:

[...] as mudanças não se dão jamais de golpe, simultaneamente em todos os


setores e em todos os lugares. Eis porque falei de uma longa Idade Média, uma
Idade Média que – em certos aspectos de nossa civilização – perdura ainda e,
às vezes, desabrocha bem depois das datas oficiais. O mesmo se pode dizer
em relação à economia, não se pode falar de mercado antes do século XVIII. A
economia rural só consegue fazer desaparecer a fome no século XIX (salvo na
Rússia). O vocabulário da política e da economia só muda definitivamente –
sinal de mudança das instituições, dos modos de produção e das mentalidades
que correspondem a essas alterações – com a Revolução Francesa e a Revolução
Industrial (LE GOFF, 2006, p. 66).

A historiadora Laura de Mello e Souza argumenta que “por mais substantiva que seja a proposta
de Le Goff, ancorada numa vida de estudos medievais, e ainda que postule a apreensão de
nexos internos capazes de captar o sistema Idade Média, há, nela, um intuito desperiodizador”,
pois, como afirma o medievalista: “lanço aqui as bases de uma nova ciência cronológica
(...) capaz de comparar de modo legítimo condições científicas que sejam comparáveis”
(MELLO E SOUZA, 2005, p. 224). A ideia de Jacques Le Goff é interessante, pautada em uma
“continuidade feudal” e num “cristianismo dominante”, mas que não se mede com uma crise
estrutural do mundo feudal, situada entre os séculos XIII e XIV. Os pontos centrais dessa crise
são: estagnação e desestruturação da economia feudal; desequilíbrio entre oferta e procura;
falta de metais preciosos; acentuada exploração dos servos, gerando fugas, êxodo rural e
revoltas; a proliferação de guerras feudais; a fome e as epidemias, entre elas a Peste Negra;
e a tomada de Constantinopla pelos turcos-otomanos. Contudo, tal ideia ressalta um aspecto
interessante: de fato, não há rupturas precisas entre o Medievo e o Moderno, permanecendo
alguns princípios em ambos os mundos.

Será que isso é possível?

12
Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval • CAPÍTULO 1

A Ideia de Transição

Decerto que sim. As rupturas históricas são sempre arbitrárias e ilusórias. Ninguém dormiu na
Antiguidade e acordou na Idade Média, na virada do ano de 476. Adotando uma perspectiva
própria do século XIX (aquela da História como espírito de uma época), o historiador alemão
Johan Huizinga pode nos ajudar nessa compreensão. Diz ele:

A transição do espírito característico do declínio da Idade Média para o humanismo


foi muito mais simples do que à primeira vista somos levados a supor. Habituados
a opor o humanismo à Idade Média supomos muitas vezes que a adesão ao
novo sistema implicou o repúdio do outro. É-nos difícil imaginar que o espírito
pudesse cultivar as antigas formas de pensamento e de expressão medievais
e aspirar ao mesmo tempo à visão antiga da razão e da beleza. Mas é assim
mesmo que temos de conceber o que se passou. O classicismo não apareceu por
súbita revelação; cresceu entre a vegetação luxuriante do pensamento medieval.
Antes de ser uma inspiração o humanismo foi uma forma. E, por outro lado,
os modos característicos do pensamento da Idade Média persistem por muito
tempo durante o Renascimento (HUIZINGA, s/d, p. 327).

A noção de transição tenta dar conta desse mundo em transformação e das mudanças por ele
sofridas, sem deixar de lado as permanências essenciais do tempo anterior. Indica, sobretudo, que
as mudanças não são rupturas, pois percebe também as continuidades. Consequentemente, tal
interpretação acentua o caráter transitório da época Moderna, em prejuízo de suas peculiaridades.
Explicamos de outra forma. Quando afirmamos que os anos entre 1500 e 1800 são de transição
entre o feudalismo e o capitalismo caímos na armadilha de considerar toda uma época por
aquilo que ela não é ainda (capitalismo) e por aquilo que ela não deixou de ser (feudalismo).
Nesse sentido, qual seria a especificidade da Modernidade, afinal, ela não é mais medieval nem
é ainda contemporânea?

Figura 4. Diagrama da Idade Média.


Atenção

Uma forma de entender a História


Moderna como época de transição
entre o Feudalismo e o Capitalismo foi
adotado por historiadores marxistas.
A sucessão temporal é entendida na
ideia de que “a luta de classes é o motor
da História”; portanto, os Modos de
Produção são formas de organização
socioeconômica na qual as etapas
históricas se desenvolvem por meio
das forças produtivas e das relações
de produção. Observe o diagrama que
engloba toda a Idade Moderna:
Fonte: Elaborado pelo autor.

13
CAPÍTULO 1 • Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval

A ideia de transição é válida, mas traz problemas. O maior deles é a teleologia, pois pensamos na
Idade Moderna como meta à Idade Contemporânea, uma concepção linear e com etapas a serem
superadas pelos indivíduos a fim de chegarem ao último estágio da evolução: o nosso, hoje. Nesse
sentido, somos levados a ignorar aquilo que é próprio e específico daquele tempo, sem perceber
que os Tempos Modernos obedecem a uma lógica própria. Afinal, transformação, mudanças e
permanências são características inequívocas de qualquer tempo histórico, entendido, assim,
como sempre em processo.

Por fim, alerta Francisco Falcon, Saiba mais

[...] o historiador não pode esquecer que Teleologia: qualquer doutrina que
essa transição, formulada em nível de identifica a presença de metas, fins ou
generalidade, representa apenas uma objetivos últimos guiando a natureza
aproximação, com frequência muito e a humanidade, considerando a

precária, da realidade histórica concreta. finalidade como o princípio explicativo


fundamental na organização e nas
Para abordarmos esta última, precisamos
transformações de todos os seres da
referir todos e cada um dos fenômenos
realidade.
e (ou) processos globais implícitos ou
subtendidos na noção de transição às condições e características específicas de
cada formação social, sob a pena de transformarmos o conceito de transição em
novo agente histórico [...].

A época de transição feudal-capitalista, ou era mercantilista, não é redutível


nem ao feudalismo, nem ao capitalismo, tampouco seria válido explicá-la como
uma forma de dualismo resultante da justaposição de feudalismo e capitalismo
(FALCON, 2000, p. 25-26).

A Especificidade Moderna

Então, existiu, de fato, uma especificidade conferida à época Moderna que a distingue do
mundo medieval? É certo que para cada característica elencada, haverá estudos específicos que
desconstroem tais generalizações. Paciência. Aliás, isso talvez seja uma das virtudes do estudo
da História, uma ciência do particular, do contexto.

Seja como for, assim resumimos algumas características fundadoras da Modernidade:

» A intensificação do comércio e das trocas culturais entre o Ocidente e o Oriente,


conectados por meio da expansão marítima. O desencravamento planetário foi o
resultado mais significativo das navegações europeias, pois garantiu o fim do isolamento
das diversas partes do mundo (CHAUNU, 1976) que passaram a trocar mercadorias e
experiências culturais – na maior parte das vezes, de maneira desigual. Entre os séculos
XV e XVI, foi gestada uma História Global (GRUZINSKI, 2014) que conectou diversas
partes do mundo (SUBRAMANIAM, 2012), invocando, invariavelmente, a valorização

14
Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval • CAPÍTULO 1

da história local e da história da Europa “dentro de horizontes que as ultrapassam”, não


apenas redimensionando-as, mas reexaminando e reconstruindo as relações dessas
tramas por meio das particularidades e das tentativas de universalizações de partes
distintas, mas relacionais, do mundo. Mesmo que, como chegou a afirmar Gruzinski,
sejam “os ibéricos que visitam a América e a China, nunca o contrário” (GRUZINSKI,
2015, p. 349).

» Na propagação e capilaridade das cidades pelo comércio: no norte e no báltico, por


meio da Liga Hanseática e do controle dos Países Baixos. No Mediterrâneo, por meio do
comércio com o Oriente, liderado por Veneza e Gênova. Mas não só. Cairo e Damasco,
cidades importantíssimas para esse comércio já haviam capitulado, Constantinopla
e todas as cidades banhadas pelo Mar Negro foram alvo de disputa e conquista dos
turcos-otomanos que partiram em direção ao Mar Egeu, adentrando no Mediterrâneo.
No Atlântico, os portugueses rumaram de Lisboa em direção a Ceuta e de lá para o sul do
continente africano. As cidades foram o grande resultado da multiplicação do comércio,
mas acabaram por se render ao Estado monárquico (BRAUDEL, 1995). Entretanto, esse
Estado voltado para a cidade, no oeste da Europa, solapou por dentro o sistema feudal,
substituindo paulatinamente o sistema servil pelo assalariado.

» A centralização da monarquia e a criação de uma burocracia, possível, na maior parte das


vezes, por meio da transformação de uma nobreza guerreira em uma nobreza titulada
e da centralidade do rei na concessão e/ou confirmação desses mesmos títulos. Mas,
também, na revivescência do Direito Romano que ajudou na “proliferação de um novo
grupo social formado por homens de letras que assessoram o poder real, no fortalecimento
do próprio poder real, que transcende o âmbito privado da casa – a corte, com toda a
gama de serviçais diretamente ligados à vida e às atividades do monarca – e ganha o
espaço público da política de Estado (MELLO E SOUZA, 2005, p. 225).

» A pluralidade de igrejas, consequência das Reformas, obrigou os príncipes a articular


tradições confessionais mais rígidas pautadas na defesa da ortodoxia religiosa e política.
Nesse sentido, viu-se a sistematização de Igrejas militantes que forjaram mecanismos
de disciplinamento social por meio de instituições preocupadas com a evangelização e
a repressão, com a vigilância e a punição. Os historiadores alemães Wolfgang Reinhard e
Heinz Schilling, percebendo o paralelo entre as instituições religiosas e o poder político,
cunharam o conceito de confessionalização pensando que as reformas luterana e
calvinista teriam formado grupos confessionais homogêneos por meio de instrumentos
de disciplinamento. Tanto mais, após o Concílio de Trento [1545-1563], a Igreja católica
também teria buscado esse mesmo caminho. Nesse sentido, houve, por parte de Roma
e dos Estados confessionais, a expressão material e intelectual de um projeto político
globalizante do Cristianismo que só pode ser entendido se pensado como face de uma
Igreja militante, como quer o historiador inglês Charles Boxer (1977), ou como a forja

15
CAPÍTULO 1 • Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval

de uma identidade construída na Europa em luta contra o avanço protestante, como


analisou Esther Jiménez Pablo (2014), ou mesmo por meio da concorrência entre
impérios e confissões, conforme a análise de John Elliott (2006). Não sem razão, seja a
orbe dos portugueses, sob a cruz de Cristo, ou a orbe dos Habsburgos sob o signo do
Sacro Império convergiram para o mesmo ideal.

» uma série de transformações no âmbito cultural transformaram a concepção de mundo


essencialmente teológica, trazendo consigo a centralidade do homem em relação a todo
o universo. A explicação religiosa não desapareceu, mas passou a ter de se medir com
um mundo cada vez mais secularizado. O Renascimento e o Humanismo provocaram,
junto às Reformas Religiosas, uma crítica à sociedade medieval que foi acompanhada
pela construção de um universo heliocêntrico. Contudo, fora o iluminismo que provocou,
de vez, uma crise dos valores feudais ao retirar os fundamentos cristãos da sociedade,
substituindo-os por uma racionalidade laica.

É necessário dizer que, como afirmamos anteriormente, para cada característica, há especificidades
locais que colocam em xeque o esquema pronto do que foi a época Moderna. Somente o estudo de
caso pode elucidar como, em tempos diferentes, mas em relação um com os outros, as sociedades
dos séculos XVI, XVII e XVIII forjaram uma unidade Moderna.

No caso de sua inauguração, a despeito da ideia de processo, há historiadores que preferem


utilizar de marcos cronológicos para definir o início da Era Moderna. A questão sempre recai
sobre a escolha de quais marcos, dependendo sempre do viés, do posicionamento teórico ou
da temática de estudo do historiador. Por exemplo: um estudioso da expansão marítima e
comercial certamente irá apontar 1453 (queda de Constantinopla) ou 1492 (chegada de Colombo
à América) como marcos iniciais da Modernidade. Sua seleção, portanto, recai sobre a escolha,
o arbítrio, mais que pela objetividade – o que não quer dizer que esteja errado. Os marcos
mais utilizados são: 1453 (além da queda da cidade Bizantina, o fim da Guerra dos 100 anos);
1456 (por volta desses anos, a invenção da imprensa por Gutemberg); 1492 (além da chegada
à América, expulsão dos judeus da Espanha e fim da guerra de Reconquista); 1498 ou 1500
(chegada da frota de Vasco da Gama à Índia ou de Pedro Cabral ao Brasil, respectivamente);
1517 (fixação das 95 teses de Lutero na Catedral de Wittenberg); 1527 (saque de Roma
por Carlos V).

Todos esses marcos – e outros omitidos – estão corretos quando adotados como divisores de
águas, desde que o historiador perceba que a sociedade não mudou completamente a partir
de uma data qualquer. Todavia, preferimos adotar o movimento das ideias, a mudança de visão
de mundo e a alteração do paradigma teocêntrico (no qual Deus é a medida da vida) para o
antropocêntrico (onde o homem ganha essa centralidade). A História, nesse caso, é vista como
um processo lento que carrega em si elementos de vários tempos e relações sociais em uma
perspectiva diacrônica.

16
Tempos Modernos: o debate em torno da Época Moderna e a Crítica ao Mundo Medieval • CAPÍTULO 1

A consciência da Modernidade criou jogos de luzes e sombras, ao difundir a concepção medieval,


obscurantista e das trevas para o período imediatamente anterior. Essa concepção, forjada pela
cultura Humanista dos primeiros tempos da época Moderna, conheceu no iluminismo, já no
século XVIII, seu discurso mais extremo. Uma e outra estavam, de certa forma, relacionadas com
aquilo que podemos perceber como nascimento e consolidação do moderno. Segundo Falcon,
as grandes categorias que conferem unidade à Modernidade são: “1. secularização; 2. crítica e
‘crise’; 3. progresso; 4. revolução; 5. emancipação (e liberdade); 6. desenvolvimento e evolução”
(FALCON, 2000, p. 231).

Nesse sentido, a cultura humanista teve um papel determinante para a primavera dos Tempos
Modernos. Portanto, vamos entendê-la mais de perto no segundo capítulo?

Sintetizando

Vimos até agora:

» O conceito de Modernidade;

» As características da época Moderna;

» O processo que confere especificidade à Idade Moderna.

17
CAPÍTULO
A CULTURA DE UMA ERA: HUMANISMO,
RENASCIMENTO, REFORMAS E
RACIONALISMO 2
Apresentação

Neste segundo capítulo abordaremos as questões ligadas às transformações culturais, procurando


compreender certa unidade entre a crítica promovida pelo Humanismo e pelas Reformas.
Além desse aspecto, trataremos da cultura do Renascimento como expressão própria da época
Moderna.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de:

» Analisar a ideia de Renascimento;

» Perceber os pressupostos da cultura humanística;

» Identificar as características das reformas religiosas;

» Compreender os fundamentos da Revolução Científica do século XVII.

18
A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

Renascimento e Cultura Humanista

Quando falamos em Renascimento, os primeiros pensamentos nos levam à Itália dos grandes
artistas: Michelangelo Buonarroti, Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio, Sandro Botticelli, etc. Artistas
desse quilate foram a expressão mais conhecida do movimento cultural e artístico que modificou
a maneira de pensar da sociedade europeia. Por quê? Talvez porque tenham sido as artes plásticas
o grande centro de convergência dos ideais renascentistas, mesmo que suas expressões tenham,
de fato, ultrapassado esta linguagem.

A historiadora Elisa Byington assim qualifica o Renascimento:

O termo Renascimento se refere ao retorno ideal às formas da Antiguidade


clássica enquanto verdadeira fonte da beleza e do saber. O período histórico
que se acreditou merecedor de tal nome cultivava a leitura dos clássicos gregos
e latinos em busca de uma linguagem que fosse universal, recuperando os
modelos e as regras da arte antiga. Os intelectuais se dedicavam ao estudo da
gramática, retórica e dialética, exercitando-se segundo os modelos mais elegantes
da Antiguidade, em particular o latim neoclássico. Ao grande desenvolvimento
de tais estudos, designados studia humanitatis, deu-se o nome de Humanismo.
Seus protagonistas, os humanistas, foram a vanguarda da grande transformação
cultural chamada Renascimento (BYINGTON, 2009, p. 7).

Embora saibamos que a Itália não existia como uma unidade política ou cultural, apenas como
expressão geográfica, foi lá o berço desta cultura. E mais: foram as cidades (mais que o campo,
expressão máxima da cultura medieval) o seu berço. Assim, é preciso sublinhar que o Renascimento
manteve profunda relação com dois eventos do século XIII: o saque que os cruzados perpetuaram
em Constantinopla, no ano de 1204, na qual grandes obras de arte antigas e bizantinas tanto
quanto relíquias e antigos textos cristãos foram levados para a Europa; e o florescimento do
comércio europeu, sobretudo aquele ligado às cidades-estado italianas e, consequentemente, à
sua integração por meio de um sistema financeiro (questão desenvolvida no próximo capítulo).
A esses dois aspectos foi adicionada a presença constante da civitas romana (os legados tanto
material como civilizacional do mundo romano) na vida desses indivíduos.

É nesse sentido que o Renascimento deve ser entendido como uma cultura estritamente urbana,
visto que o mundo que o gestou e o desenvolveu foi o mundo das cidades. O comércio e o sistema
financeiro foram o que possibilitaram as encomendas e as caríssimas obras. O Renascimento teve
um preço, embora não se reduza a ele. Afinal, viver sob a proteção de um rico mecenas (homens
ricos que financiavam os artistas) garantia aos renascentistas o pagamento pelo trabalho e certa
segurança. As obras eram pagas segundo os elementos de “matéria e habilidade” e “material e
mão de obra”, como podemos observar por um painel no altar feito a Sandro Botticelli:

Pela capela de S. Spirito setenta e oito florins quinze soldos em pagamento de


setenta e cinco florins ouro, pagos a Sandro Botticelli, segundo sua estimativa,

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CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

como se segue – dois florins pelo azul ultramarino, trinta e oito florins pelo ouro e
a preparação do painel e trinta e cinco florins por seu pincel (apud BAXANDALL,
1991, p. 27).

Nesse caso, “pincel” não é o material, mas o trabalho (mão de obra) do artista. O que queremos
deixar claro com isso é que foram diversas condições materiais que possibilitaram o Renascimento,
assim como ao desenvolvimento da capacidade de artistas geniais. As influências da cultura
material antiga (sobretudo romana e grega) foi fundamental para definir um dos princípios do
movimento: o retorno e a valorização da cultura da antiguidade.

Figura 5. A Península Italiana durante a renascença.

Fonte: Sevcenko (1994, p. 10).

Esse último aspecto foi característica fundamental do Humanismo. Havia uma vontade de
restauração do mundo clássico, fascinados que estavam os homens desses tempos na cultura
greco-romana acessada por meio da literatura, da arte e da arquitetura. O estudo das línguas
antigas (grego e latim), por meio da filologia, a procura por textos antigos, das letras clássicas
caracterizaram esse movimento. Isso causou, sobretudo nas universidades, uma grande reforma
no currículo no qual a Gramática e a Retórica foram consideradas disciplinas preliminares,
somando-se à História, à Poesia e à Filosofia Moral. Esse conjunto de saberes foi caracterizado
como studia humanitatis. Foi a filosofia do Renascimento oposta à escolástica medieval.

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A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

Saiba mais

Escolástica: pensamento cristão da Idade Média, baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade,
corporificado especialmente na tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência de contato direto com a
verdade revelada, tal como a concebe a fé cristã.

O florentino Leonardo Bruni [1370-1444] assim definiu o Humanismo:

Consagrai-vos a dois gêneros de estudos. Em primeiro lugar adquiri um


conhecimento das letras, não vulgar, mas sério e aprofundado... Depois,
familiarizai-vos com a vida e as (boas) maneiras – o que se chama os estudos
humanos, pois que eles embelezam os homens. Neste domínio os vossos
conhecimentos devem ser extensos, variados e hauridos em todas as espécies de
experiências, sem nada negligenciar daquilo que possa contribuir para a conduta
da vossa vida, para a vossa glória e a vossa reputação. Aconselho-vos a ler os
autores que possam ajudar-vos, não somente pelo seu assunto, mas também
pelo esplendor do seu estilo e o seu talento literário, a saber: as obras de Cícero
e as de todos aqueles que se aproximam do seu nível..., pois quereria que um
homem distinto seja muito erudito e capaz de dar aos seus conhecimentos uma
formulação elegante... É por isso que se não deve somente seguir as lições dos
mestres, mas também instruir-se com os poetas, os oradores e os historiadores,
para adquirir um estilo elegante, eloquente... (BRUNI apud MARQUES, BERUTTI,
FARIA, 2003, p. 96-97)

Os poetas Francesco Petrarca [1304-1374] e Giovanni Boccaccio [1313-1375] foram alguns dos
pioneiros desse movimento, mas é certo que não estiveram sós. O estudo dos textos antigos
despertou o gosto pela pesquisa e crítica histórica, além do conhecimento das línguas clássicas –
sempre utilizando o argumento de que o latim utilizado pela Igreja estava corrompido.
A língua tornou-se mais que um meio, pois ao mesmo tempo em que se dedicavam ao seu
estudo, afirmavam-se pela literatura as “línguas nacionais”. Dante Alighieri [1265-1321], William
Shakespeare [1564-1616], Luís de Camões [1524-1580], Miguel de Cervantes [1547-1616], etc.
foram os fundadores de suas línguas nacionais. Nicolau Maquiavel [1469-1527], com O príncipe,
e Erasmo de Rotterdam, com O elogio da loucura, sintetizaram bem algumas das características
do Renascimento Humanista.

Saiba mais

O elogio da loucura, obra do humanista Erasmo de Rotterdam, foi escrita em 1501. É a própria loucura (deusa Moria)
que narra o livro, personificando como a insanidade faz-se presente na vida dos homens, por meio de suas fraquezas e
“humanidades”. A crítica fundamental é ao movimento religioso intelectual da escolástica, o que, entre outras coisas,
lhe rendeu a censura pela Igreja. Diz ele: “A loucura tem tantos atrativos para os homens, que, de todos os males, é ela o
único que se estima como um bem”.

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CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

Figura 6. O elogio da loucura, censurado pela Congregação do Index.

Fonte: Delumeau (1984, p. 131).

Posto que estritamente intelectual, o movimento humanista ultrapassava o espaço das universidades
forjando em diversos indivíduos uma nova cosmovisão e atitude estética ante o mundo. Era a
humanidade restituída. O Antropocentrismo substituía o Teocentrismo medieval, de modo que
o homem passava a ser a “medida de todas as coisas”, dotado de racionalidade e capaz de criar
e explicar os fenômenos e a vida a sua volta.

O homem fora divinizado ao mesmo tempo em que os deuses foram humanizados. Em uma das
cenas mais famosas do teto da Capela Sistina, Michelangelo Buonarroti pintou a figura heroica
e divinizada do homem, assim como uma humanização do Deus judaico-cristão (pintado tal
como Zeus, mas com feições humanas).

Figura 7. Criação do homem, detalhe do teto da Capela Sistina, pintado entre 1473 e 1483 por Michelangelo.

Fonte: https://valdoresende.files.wordpress.com/2012/11/capela_sistina_adao.jpg.

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A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

Sugestão de estudo

Faça uma visita virtual em:

http://www.vatican.va/various/cappelle/sistina_vr/index.html (acessado em setembro de 2016).

Contudo, o Humanismo nunca foi um movimento de todo coeso – o que, de certa forma, causa
até hoje diversas interpretações sobre suas motivações e características. Francisco Falcon assim
elencou como os historiadores definem o Humanismo:

O humanismo comporta hoje duas ou três definições mais ou menos distintas.


Em sentido restrito, ele seria um programa de estudos clássicos, cujo forte
era a retórica, retomando uma espécie de linhagem que remonta aos sofistas;
trata-se do humanismo como ideal essencialmente de expressão. Já no interior
de outra vertente explicativa, o humanismo seria inseparável da produção
filosófica renascentista – dividida entre as várias tradições, mas com um
mínimo de elementos comuns – que constituiria a autêntica visão de mundo
renascentista. Por último (caso de Agnes Heller), decompõe-se o humanismo
em dois: um humanismo de tipo acadêmico, erudito, talvez não muito diverso
da definição de Paul Kristeller; e um humanismo que representa a essência da
visão de mundo do Renascimento, ou seja, um conceito dinâmico do homem,
individual e social, que aponta na direção do conceito de humanidade – eterna,
genérica e homogênea; um conceito ontológico, portanto. Criador do mundo,
o homem é sempre o mesmo e a sua história é cíclica, ou quase (FALCON,
2000, p. 37).

Exaltando a grandeza do indivíduo, os renascentistas acreditavam plenamente no progresso


indefinido da obra humana. Buscavam interagir com o mundo externo entendendo-o, buscando
explicações para os fenômenos que até então eram observados pela ótica estritamente religiosa.
Mesmo não tendo uma ruptura com as crenças religiosas, o Renascimento representava uma
tentativa de associar a fé religiosa aos preceitos do pensamento racional e explicativo sem
negar, de forma alguma, a existência de Deus. Sua presença deveria se enquadrar dentro de uma
perspectiva antropocêntrica, vinculada ao mundo dos homens.

A valorização do belo (com destaque para a feiura) tanto quanto a temática mitológica foram
algumas suas principais características quanto à pintura, como podemos ver na obra de Sandro
Botticelli, O nascimento da Vênus. A cena representa Vênus, nascida no mar, sendo conduzida
rapidamente por Zéfiro para a terra firme, onde Horas (as Estações) está preparada para cobri-la
com um lindo manto. Esse tema mitológico foi muito importante na literatura e na filosofia
renascentistas, de tal forma que a cena pode sugerir diferentes significados alegóricos. A tela,
datada em tomo de 1485, certamente documenta tanto a participação de Botticelli no círculo
de humanistas florentinos como os seus estudos de escultura clássica, uma vez que essa célebre
Vênus relembra inúmeras estátuas antigas da deusa.

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CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

Figura 8. O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli [1485].

Fonte: Galleria degli Uffizi, Florença. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nascimento_de_Vênus#/media/


File:Sandro_Botticelli_-_La_nascita_di_Venere_-_Google_Art_Project_-_edited.jpg (acesso em setembro de 2016).

Entre os principais fundamentos da arte renascentista estão:

» Mímeses: o princípio da imitação das formas e discursos do mundo greco-romano


criaram uma estética do Renascimento;

» Engenho: era a arte de “imitar com invenção nova”, ou seja, era quando a criação,
tomando como parâmetro o mundo antigo, caracterizava-se como inteiramente nova.

» Crítica: estudos sobre os quais os literatos, poetas e filólogos se debruçavam sobre as


obras antigas, promovendo tanto um estudo linguístico como uma crítica histórica
(autenticidade) deles.

» Universalismo: é o homem, tomado na sua unidade e natureza, como exemplo de


civilidade.

A essas concepções, nem sempre tão claras e uníssonas, foram também somadas as técnicas e os
estudos para uma boa pincelada ou uma boa escrita. No caso da arte pitoresca, codificada por
Fillipo Brunelleschi [1377-1446], a perspectiva talvez tenha sido a mais importante das técnicas,
pois conferia uma nova dimensão à arte, sendo fundamental o conhecimento da Geometria,
da Matemática como formas de lidar com as proporções, mas, também, da Medicina, para o
conhecimento exato das contrações e medidas corporais. Dois grandes mestres se destacaram
nessa técnica: Leonardo da Vinci [1452-1519] e Rafael Sanzio [1483-1520]. Desse último, podemos
ler em sua lápide: “Aqui jaz Rafael, por quem a natureza temeu ser derrotada enquanto era vivo
e, uma vez morto, que morresse consigo”.

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A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

Por fim, a universalidade e totalidade do homem renascentista pode ser percebida no curriculum
de Leonardo da Vinci enviado ao duque de Milão a fim de oferecer seus serviços. Vejamos:

Ilustríssimo Senhor, esforço-me em dar explicações a sua Excelência, sobre os


motivos que me levam a solicitar minha incorporação sob a proteção do Duque,
para assim desenvolver todas as invenções realizadas por mim e que poderiam
ser úteis em uma batalha, estou disposto a fazer experiências em sua casa, ou
em qualquer lugar que agrade a sua Excelência.

1. Tenho um tipo de pontes leves e residentes, fáceis de transportar e que permitem


ao mesmo tempo perseguir e fugir do inimigo, e são seguras e indestrutíveis pelo
fogo e pelas armas de batalha, fáceis de montar e desmontar, bem como tenho
métodos para destruir as do inimigo.

2. Quando um lugar é assediado, sei apanhar água do outro lado das trincheiras
com pontes e máquinas apropriadas para cada expedição.

3. Se o assédio resulta impossível por causa da fortaleza ou a posição do grupo


inimigo, tenho métodos para destruir cada pedra ou outras fortalezas inclusive
se o grupo estiver escondido em uma rocha.

4. Tenho várias classes de morteiros, apropriados a cada situação e fáceis de


carregar, desde os que explodem pedras simulando uma tormenta aos que soltam
uma fumaça que causa terror e confusão no inimigo.

5. Se a batalha for no mar, tenho vários tipos de armas muito eficazes para o
ataque e a defesa e barcos que resistem ao ataque de grandes canhões.

6. Sei o modo de superar caminhos tortuosos sem fazer ruído inclusive se há que
passar por uma trincheira ou um rio.

7. Tenho carroças cobertas,  seguras  e impossíveis de atacar que podem se


mover entre a artilharia inimiga sem que ninguém possa rompê-las e sem que
se registrem baixas.

8. Se houver necessidade, fabricarei armas e morteiros diferentes dos habituais.

9. Se a operação de bombardeio falhar, inventaria catapultas, trabucos e outras


máquinas de máxima eficácia e de uso pouco comum. Ademais, segundo o caso,
posso inventar artigos de ataque e defesa.

10. Em tempos de paz acho que posso conseguir os mesmos resultados que
qualquer outro em arquitetura e desenhos de plantas de edifícios públicos e
privados e realizar sistemas de distribuição de água.

11. Posso fazer esculturas em mármore, bronze e argila e posso pintar quadros,
tão bem como qualquer outro.

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CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

Leonardo talvez tenha sido o homem que melhor incorporou os pressupostos do Renascimento
e do Humanismo, inclusive na sua completude. Não sem razão foi seguido como ídolo por uma
geração de artistas, sobretudo após a publicação do livro de Giorgio Vasari [1511-1574] sobre a
Vida dos artistas, publicado em 1550. Mesmo após o saque de Roma [1527] e a morte dos grandes
artistas renascentistas, a crítica ao mundo medieval permaneceu viva. Havia, portanto, um clima
de efervescência intelectual, no qual diversos indivíduos passavam a repensar seu mundo e a
buscar certo retorno ao antigo. A unidade cristã não fora poupada desses pensamentos.

Sugestão de estudo

Há diversas interpretações sobre o Renascimento. Porém, se você quiser se aprofundar mais sobre esta temática fascinante,
não há melhor começo que o célebre livro do grande historiador Jacob Burckhardt, publicado em 1860, hoje já clássico sobre
o Renascimento: A cultura do renascimento na Itália.

Reforma e Contrarreforma

A ideia de reformar a Igreja cristã esteve presente desde os primórdios de sua existência. Muitos
cristãos, ciosos de estarem vivendo apartados da “verdadeira doutrina” de Cristo, procuram
fazer valer a palavra “reforma” – ou seja, retornar à forma original. Muitos desses grupos foram
incorporados no seio da Cristandade, como os monges, outros tantos foram acusados de heresia.

Talvez os mais conhecidos desses movimentos sejam aqueles Saiba mais


que ficaram conhecidos como Reforma Protestante. Segundo
o maior especialista no assunto, o historiador francês Jean Heresia: originada de uma palavra
grega que significa “escolha”, a heresia
Delumeau, o nome “protestante” veio do fato das quatorze
foi toda a doutrina incompatível com
cidades “alemãs” que apoiaram Lutero terem protestado contra a fé cristã na qual seus fiéis escolhiam
a reedição de uma lei que proibia a adoção de seus preceitos seguir contra a aprovação da Santa Sé.
Nesse caso, aqueles que cometessem
(DELUMEAU, 1984, p. 126). Seja como for, os movimentos
heresia (hereges) podiam ser punidos
reformistas deram-se em um período em que as exigências de diferentes formas, tais como penas
espirituais dos fiéis já não mais encontravam respaldo na Igreja espirituais, pecuniárias, podiam ser

Católica. Ao final da Idade Média, havia um clima de total excomungados ou mesmo mortos –
como foi o caso dos cátaros.
inquietação religiosa entre a população europeia, que se sentia
culpada e certa de que seria castigada após a morte. Inúmeros movimentos foram sufocados
pela Igreja nesses tempos, mas, mesmo assim, eles não paravam de proliferar.

Saiba mais

Se havia alguns membros da Igreja que desejavam reformá-la, a proposta não encontrava apoio em sua alta hierarquia. Num
desses movimentos que antecederam a Reforma, John Wycliff, um professor de Teologia, na Inglaterra, traduziu a Bíblia
para o inglês e defendeu a criação de uma igreja nacional sem riquezas. Na Boêmia, o também professor de Teologia, Jan
Huss, tanto fez críticas à Igreja que acabou queimado pela Inquisição, no ano de 1415. O dominicano florentino Girolamo
Savonarola atiçou uma querela com o papa Alexandre VI e também acabou na fogueira em 1498.

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A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

Para esse sentimento, contribuíram as desgraças que marcavam a época (guerras e pestes) e as
profecias de pregadores populares, que viam aqueles anos como prenúncio do Juízo Final. A Igreja
não ficava alheia a esse contexto e incentivou a prática dos sacramentos como forma de ligação
com os fiéis. Porém, seus representantes entoavam sermões apocalípticos, denunciavam pecados
e exigiam do povo que recebesse, com passividade, seu destino. Havia, contudo, algumas formas
de chegar à salvação, sendo a mais famosa delas a indulgência. Disseminada junto à invenção
do purgatório como lugar transitório e concorrente ao inferno, as indulgências eram formas de
redimirem os pecados dos vivos e da alma dos mortos no purgatório por meio de peregrinações,
de construções pias (quando o fiel erigia uma Igreja ou doava algo para ela em vida ou na hora
da morte) e da compra de diplomas papais. A simonia (venda de cargos eclesiásticos), por sua
vez, também foi uma prática comum muito criticada por aqueles que almejavam por reformas
na Igreja.

Figura 9. A venda de indulgências [1529], de Hans Holbein, o jovem.

Fonte: http://media.gettyimages.com/illustrations/selling-of-indulgences-by-hans-holbein-illustration-
id155140351?s=170667a (acesso em setembrio de 2016).

É nesse sentido que a Reforma deve ser entendida como a finalização das inquietações religiosas
do término da Idade Média e as explicações para sua gênese devem ser buscadas, sobretudo, no
âmbito religioso. Finaliza Delumeau:

A causa principal da Reforma teria sido, em suma, a seguinte: numa época


conturbada, que além disso assistia à afirmação do individualismo, os fiéis teriam
sentido a necessidade de uma teologia mais sólida e mais viva que aquela que lhes
era ensinada – ou não era ensinada – por um clero muitas vezes pouco instruído e
rotineiro, com excessivos padres serventuários famélicos e incapazes substituindo
os curas titulares, eles mesmos insuficientemente formados (DELUMEAU, 1989,
p. 271).

Nesse período em que o individualismo ganhava corpo, a religião se voltava para práticas mais
pessoais. Com a invenção da imprensa multiplicaram-se as traduções da Bíblia em língua vulgar.
Muitos passaram a desrespeitar a tradição católica e a fazer da Bíblia o único fundamento de
suas crenças.

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CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

Membros da elite intelectual eclesiástica passaram a estudar novas formas de espiritualidade,


baseando-se no humanismo renascentista, no misticismo, na filosofia clássica e em outras
vertentes do pensamento humano. Porém, foi o frei Martinho Lutero, sem a mínima intenção
de se revoltar contra Roma, que iniciou o movimento reformista. Seu pensamento foi concebido
a partir das Cartas de São Paulo e, em suma, pregava que Deus julgava os mortais por sua fé e
não por seus pecados e obras. Além disso, condenava-se a prática da venda de indulgências e
dos benefícios sacramentais. Lutero foi ainda mais longe, afirmando que apenas Deus poderia
conceder o perdão, não cabendo nem ao papa ou a poder algum fazê-lo.

Figura 10. Lutero queima as cartas do Papa em frente ao portão leste de


Wittenberg, em dezembro 1520 (autor desconhecido). Sugestão de estudo

Vale assistir ao filme Lutero


(LUTHER, 2003), de Eric Till, sobre
a vida do reformador. Lembrando,
sempre, que se por um lado um
filme nos ajuda a entender um
conteúdo histórico, por outro ele
é apenas um ponto de vista da
realidade e não ela própria. Se você,
estudante, tiver a grande curiosidade
de saber mais sobre a vida de Lutero,
nada supera a leitura de Martinho
Lutero, um destino, de Lucien Febvre
Fonte: https://edukalife.blogspot.com.br/2015/06/biography-of-martin-luther- (2012).
german.html (acesso em setembro de 2016).

A reação da Igreja Católica foi imediata. Grande parte da ordem eclesiástica repudiou as convicções
de Lutero, evidenciadas nas 95 teses publicadas no ano de 1517 na catedral de Wittenberg, e proibiu
que seus fiéis a seguissem. Mas logo o luteranismo difundiu-se, com o apoio de intelectuais,
humanistas, estudantes e da nobreza senhorial, que sonhava em abocanhar os bens da Igreja.
A partir daí, inúmeras religiões foram formadas, sempre tendo um pensador central como seu
mentor. Ulrich Zwinglio, João Calvino (Calvinismo) e Henrique VIII (Anglicanismo), dentre muitos
outros, fundaram suas próprias religiões, impulsionando a revolução protestante.

Para refletir

Das 95 teses, fizemos uma seleção de dez a fim de que você entenda aquilo que reivindicava Lutero. São elas:

1. Dizendo ‘‘Fazei penitência...’’, nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos
fiéis seja uma penitência.
2. O papa não quer, nem pode, perdoar alguma pena, exceto aquelas que ele tenha imposto
por sua própria vontade...
20. O papa, quando fala de remissão plena de todas as penas, não as compreende todas, mas
semente aquelas que ele mesmo impôs.
21. Erram, pois, os pregadores das indulgências que dizem que, pelas indulgências do papa, o
homem fica livre de toda a pena e fica salvo.

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A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

27. Pregam doutrina puramente humana os que dizem que ‘‘logo que o dinheiro cai na caixa
a alma se liberta (do Purgatório)’’.

28. É certo que, desde que a moeda cai na caixa, o ganho e a cupidez podem ser aumentados;
mas a intercessão da Igreja só depende da vontade de Deus.

32. Serão condenados para toda a eternidade, com os seus mestres, aqueles que creem estar
seguros da sua salvação por cartas de indulgências.

35. Pregam o contrário da verdade cristã os que ensinam que a contrição não é necessária às
pessoas que querem remir ou adquirir bilhetes de confissão.

36. Qualquer cristão, verdadeiramente arrependido, tem plena remissão da pena e da falta;
ela lhe é devida mesmo sem cartas de indulgências.

43. É preciso ensinar aos cristãos que aquele que dá aos pobres, ou empresta a quem está
necessitado, faz melhor do que se comprasse indulgências (LUTERO apud MARQUES;
BERUTI; FARIA, 2003, p. 119-120).

Contudo, a partir de meados de 1540, a Igreja Católica contra-atacou. Condenou o protestantismo


e instituiu a Inquisição, que passou a perseguir todos aqueles que se guiassem pelas novas crenças
em detrimento da tradicional ortodoxia católica. A Inquisição, representada pelos oficiais do
Tribunal do Santo Ofício, obteve resultado contendo o avanço protestante para Itália, Portugal
e Espanha – embora sua alçada tenha sido mais diversa que perseguir os protestantes.

Paralelamente a isso, os candidatos à vida eclesiástica passaram a ser cuidadosamente selecionados


e submetidos a uma rigorosa educação antes de passar a exercer suas funções espirituais. Criou-se
ordens religiosas (como a dos capuchinhos e a Companhia de Jesus) para disseminar a religião e
proibiu-se a leitura de diversos livros reformistas, por meio do Index. O intuito era brecar o avanço
protestante, apesar de apenas reafirmar sua ortodoxia, a Contrarreforma (ou Reforma Católica)
conferiu força à Igreja romana nessa luta. O papa convocou um concílio que teve assento na
cidade de Trento (Itália). As principais determinações do Concílio de Trento [1545-1563] foram:

» Infalibilidade papal e confirmação da hierarquia eclesiástica;

» Preocupação com a formação dos clérigos e criação de seminários para esse fim;

» Manutenção dos sete sacramentos (batismo, crisma, eucaristia, penitência, casamento,


ordem e unção dos enfermos ou extrema), do culto aos Santos e à Maria e do celibato
clerical;

» Bíblia em latim como fonte de fé e interpretada apenas pela Igreja;

» Salvação obtida pela fé e pelas boas obras, além da manutenção da noção de livre arbítrio
(aceitação ou não da graça divina);

» Uso do latim nas cerimônias litúrgicas.

Como podemos observar, a Contrarreforma teve um caráter bastante conservador, pois tratou
basicamente de reafirmar a ortodoxia católica. Entretanto, a Reforma de Lutero causou reviravoltas

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CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

religiosas em toda a Europa. O protestantismo alastrou-se rapidamente e ganhou inúmeras novas


interpretações em todo o continente.

Uma dessas novas interpretações foi perpetrada pelo humanista João Calvino, francês que, logo
que se converteu à religião protestante, passou a estudar sistematicamente essa nova crença.
Do seu pensamento, surgiram tratados religiosos que traziam uma nova visão da Reforma e logo
uma nova doutrina foi formada, o calvinismo.

Apesar da nacionalidade francesa de seu criador, o calvinismo alcançou particular influência na


Suíça, onde a burguesia local lutava contra os desmandos do católico duque de Savóia, adotando
ideais protestantes. Calvino percebeu que se pregasse para uma população propensa a aceitar
suas ideias, como estavam os suíços, o sucesso seria inevitável, o que, de fato, aconteceu.

Segundo o calvinismo, o homem nasce predestinado, não detendo o menor controle sobre o
seu destino. Ao contrário do que afirmava Lutero (que pregava que o homem poderia ser salvo
pela fé), a doutrina de Calvino afirmava que Deus já escolhera os indivíduos que seriam salvos
e os que seriam condenados, e suas ações no campo terreno de nada adiantavam para reverter
sua situação.

No que se refere às questões éticas e morais, o calvinismo era conservador e tinha como
particularidade a rigidez de costumes que impunha aos fiéis. Na Suíça, por exemplo, após a
queda do duque de Savóia, implementou-se o governo da Igreja calvinista do país. O resultado foi
a adoção de um severo órgão de vigilância, responsável por fiscalizar a existência de atividades
amorais e de punir aqueles que as praticassem. Proibiu-se a dança e os jogos, os altares foram
retirados dos templos e a liturgia foi extremamente simplificada, de modo que se tornasse
inteligível não só para os intelectuais clericais.

Talvez aí esteja o maior motivo para explicar o fascínio que o calvinismo, tão opressor, causou
na Europa, encontrando muitos adeptos, em especial na Suíça, França (onde seus seguidores
eram chamados de Huguenotes), Holanda, Escócia e Inglaterra (onde eram conhecidos como
puritanos).

Assim como na Suíça e na França, a reforma proposta por Lutero influenciou a construção de
novas concepções religiosas também na Inglaterra. O Anglicanismo, religião criada pelo rei inglês
Henrique VIII, evidenciou mudanças referentes também a aspectos de caráter político. Durante
o governo desse monarca [1509-1547], a burguesia exercia enorme pressão para que o aumento
do poder do Parlamento fosse autorizado pelo monarca. Com isso, os burgueses buscavam
fortalecer sua presença na sociedade, o que apenas um Parlamento (formado por burgueses e
senhores simpáticos a eles) forte poderia garantir.

Caso conseguisse seu intento, a burguesia passaria a ter poder político para legislar sobre as
atividades comerciais e financeiras, diminuindo o poder da Igreja e do controle do próprio rei.

30
A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

Henrique VIII, para não ceder às pressões, objetivou angariar mais fundos para a monarquia.
Assim, confiscou diversos bens da Igreja.

Essa decisão enfureceu o papa, que ficou ainda mais abestalhado quando Henrique solicitou a
anulação de seu casamento com a espanhola Catarina de Aragão. Com o divórcio, o monarca
pretendia impedir que a Inglaterra viesse a cair em mãos espanholas após sua morte, já que não
possuía herdeiros masculinos com a princesa.

Sugestão de estudo A população britânica, apavorada com a ideia de um possível


julgo espanhol sobre si, apoiou totalmente seu rei na questão
Há diversos filmes que tratam da com o papa. Este último, contudo, emburrado com o confisco
questão. Interessante assistir ao filme A
das riquezas eclesiásticas, negou o pedido. Por seu lado,
outra (The Other Boleyn Girl, 2008), de
Justin Chadwick, e à série The Tudors Henrique rompeu com Roma e, alegando fidelidade aos
(2007-2010), de Michael Hirst, com princípios da Reforma, iniciou o desenvolvimento de uma
quatro temporadas.
Igreja inglesa.

Autocoroou-se chefe religioso e obrigou os líderes clericais do país a reconhecê-lo como tal,
jurando-lhe fidelidade. Com a artimanha, conseguia não só silenciar o papa, como, também,
livrava-se de Catarina. Além disso, assegurou a continuidade da soberania inglesa sobre seu próprio
trono e, com a apropriação (agora legal, já que o rei era também chefe religioso) das riquezas da
Igreja, financiou a Coroa, contendo as pressões burguesas. Em suma, porém, o anglicanismo não
representou uma Reforma teórica de fato (como o foi o calvinismo, por exemplo). Foi, isso sim,
uma autêntica manobra política, sagaz e oportuna, que foi tão bem-sucedida que se tornou uma
religião de fato, embora muitos de seus preceitos sejam idênticos aos católicos, principalmente
após 1563, com a publicação da Lei dos Trinta e Nove Artigos, em que se encontram todos os
fundamentos da doutrina anglicana, pela rainha Elizabeth I.

Claro está que todas essas cooptações não foram automáticas. Em muitos lugares a população
e/ou o rei resistiram. Em Espanha, Portugal e nas repúblicas italianas, a Inquisição procurou
conter o avanço da Reforma. No Sacro Império Romano Germânico, a questão provou uma
disputa de grandes proporções e mesmo com o Édito de Worms, publicado em 1521 por Carlos
V, proibindo os escritos e a adoção da “seita” (assim era chamada) de Lutero, a religião reformada
proliferou. Na França, os huguenotes cada vez mais tomavam espaços e rivalizavam com os
católicos, culminado no famigerado massacre da noite de São Bartolomeu, na qual foi grande o
número de mortes. Inúmeras batalhas proliferaram por toda a Europa desses tempos, sendo a
maior delas a Guerra dos Trinta Anos [1618-1648].

Sugestão de estudo

Ver o filme A rainha Margot (La reine Margot, 1994), de Patrice Chéreau, que tem como pano de fundo as guerras de religião e
o massacre da noite de São Bartolomeu, na França.

31
CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

A Ciência dos Modernos

“Na verdade, tudo o que se refere ao século XVIII é estranho, quando examinado em detalhe”
(DARNTON, 2005, p. 8). A questão que o historiador norte-americano Robert Darnton pensou
para esses tempos não é de uma estranheza em si, mas de uma estranheza para nós. Estranho,
pois compartilhamos em lugares opostos ciência e religião; luz e escuridão; riso e tragédia.
Mas, em certos momentos, esses opostos mais se completavam que se afastavam. A Revolução
Científica, ainda no século XVII, estabeleceu o início de um rompimento com as concepções de
mundo fundadas em Ptolomeu e Aristóteles, mas continuaram influenciadas pelo Cristianismo
Ocidental.

Na Europa do século XVI, começava a surgir uma nova forma de conhecimento e, sobretudo, uma
nova forma de se conhecer o mundo. O questionamento de verdades e preceitos estabelecidos
desde a época que hoje chamamos de medieval estava cada vez mais evidenciado em movimentos
com o Renascimento e a Reforma. Contudo, não existe um lugar de nascimento da ciência
moderna, pois as personagens principais dessa complicada realidade histórica estavam nas mais
diversas partes da Europa: Nicolau Copérnico era polonês; Francis Bacon, Robert Boyle e Issac
Newton ingleses; Descartes e Pascal franceses; Tycho Brahe dinamarquês; Paracelso, Kepler e
Leibniz germânicos; Huygens holandês; Galileu e Torriceli italianos. Como afirma um dos maiores
especialistas no assunto, o historiador Paolo Rossi:

O pensamento de cada um destes personagens esteve ligado ao pensamento


dos outros, dentro de uma realidade artificial ou ideal, livre de fronteiras e em
uma República da Ciência, que a duras penas foi construindo para si um espaço
em situações sociais e políticas sempre difíceis, muitas vezes dramáticas e, por
vezes, trágicas (ROSSI, 1992, p. 9).

É nesse sentido que o que podemos chamar de “ciência moderna” não nasceu no clima artificial
dos laboratórios de pesquisa ou no campus tranquilo da universidade (assim como nos dias de
hoje), pois essas instituições não haviam sido criadas pelo trabalho dos “filósofos naturalistas”.
Na maior parte das vezes, esses “homens de ciência” haviam entrado em conflito e polemizado
com as universidades.

Entretanto, havia consciência de que aquilo que faziam era fundamentalmente novo, o que explica
o termo novus usado de forma quase obsessiva em várias centenas de títulos de livros científicos
do século XVII. É nesse sentido que alguns pontos garantiam especificidade ao entendimento
da Ciência na época Moderna, conforme aponta Rossi:

1) A natureza de que falam os modernos é radicalmente diferente da natureza


a que se referem os filósofos da Idade Média. Na natureza dos modernos
não há (como na tradição) uma distinção de essência entre corpos naturais e
corpos artificiais.

32
A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo • CAPÍTULO 2

2) A natureza dos modernos é interpelada em condições artificiais: a experiência


de que falam os aristotélicos apela para o mundo da cotidianidade a fim de
exemplificar ou ilustrar teorias; as “experiências” dos modernos são experimentos
construídos artificialmente a fim de confirmar ou desmentir teorias.

3) O saber científico dos modernos se parece com a exploração de um novo


continente, ao passo que o saber dos medievais parece voltado ao paciente
aprofundamento dos problemas com base em regras codificadas.

4) À luz da crítica dos modernos o saber dos escolásticos pareceu incapaz de


interpelar a natureza, mas somente interrogar a si próprio oferecendo sempre
respostas satisfatórias. Naquele saber há lugar para as figuras do mestre e do
discípulo, mas não para a figura do inventor.

5) Os cientistas modernos – Galilei em primeiro lugar – agem com uma “desenvoltura”


e um “oportunismo metodológico” que são totalmente desconhecidos na tradição
medieval. A pretensão medieval para a exatidão absoluta foi um obstáculo e
não uma ajuda para a criação de uma ciência matemática da natureza. Galilei
inventava sistemas de medição cada vez mais apurados, mas desviava a atenção da
precisão ideal para aquela necessária e relativa aos objetos e alcançável mediante
os instrumentos disponíveis. Ao passo que o mito paralisante da exatidão absoluta
foi um entre os fatores que impediram os pensadores do século XIV de passar das
calculationes abstratas para um estudo efetivamente quantitativo dos fenômenos
naturais (Adaptado ROSSI, 2001, p. 17-18).

Entre fins do século XV e o Seiscentos, a sociedade europeia passou por inúmeras transformações
que colocaram em xeque as estruturas da unidade cristã no Ocidente. Enquanto as Reformas
promoveram uma nova espiritualidade, calcada, pelo lado protestante, em um contato direto
com Deus e na possibilidade do sacerdócio universal, e, pela confissão católica, numa luta pela
ortodoxia religiosa. O Renascimento, por sua vez, inspirava-se no retorno às formas da Antiguidade
clássica. Não que sua arte tenha apenas imitado os antigos, mas que a adaptação, inovação
e desenvolvimento teve na tradição clássica sua maior inspiração. Portanto, Renascimento e
Reforma protestante lançaram críticas à sociedade medieval por meio do retorno ao passado,
seja aquele da arte ou dos apóstolos.

Talvez uma das realidades mais radicais enfrentadas pelos homens desses tempos, seja o
encontro (ou desencontro) com novos mundos. A tradição judaico-cristã construiu uma
narrativa na qual a humanidade descendia dos três filhos de Noé: Sem, Cam e Jafé. Deles,
originou-se, segundo essa mesma tradição, os semitas, os africanos e os europeus, os persas e
os indianos (respectivamente). Porém, como explicar esse novo homem que habita esse novo
continente da América? O que foram fazer os europeus além de suas terras? É o que vamos
pensar no próximo capítulo.

33
CAPÍTULO 2 • A cultura de uma era: Humanismo, Renascimento, Reformas e Racionalismo

Sintetizando

Vimos até agora:

» A cultura e a arte do Renascimento;

» As Reformas Religiosas e a construção de confissões distintas na Europa;

» As especificidades do processo de racionalização no século XVII.

34
EXPANSÃO MARÍTIMA E COMERCIAL
CAPÍTULO
3
Apresentação

O capítulo 3 do Livro Didático da disciplina História Moderna permite conhecer diferentes aspectos
da Economia da Era Moderna. Começaremos os nossos estudos refletindo profundamente sobre
a Expansão Marítima.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de:

» Compreender o processo de expansão portuguesa e europeia;

» Analisar o imbricamento entre o comércio, a política e a religião em todo processo


expansionista;

» Compreender as frentes e projetos próprios da expansão portuguesa rumo à África.

35
CAPÍTULO 3 • Expansão Marítima e Comercial

Introdução

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar


Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador


Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu (PESSOA, 2007, p. 75-76).

Fernando Pessoa, um dos maiores poetas portugueses da virada para o século XX, escreveu este
poema, intitulado Mar português. A precisão e apelo de Pessoa deixa entrever algo de dramático na
grande expansão europeia e portuguesa. Contudo, se todas as lágrimas valeram a pena é preciso
entender seus porquês. Este capítulo procura dar conta do que foi o comércio e a economia na
época Moderna, tanto quando entender o que foi a expansão marítima dos séculos XV e XVI e a
crise do século XVII. Vamos a elas.

Expansão Marítima e Comercial

A conquista de Ceuta, em 1415, foi o marco inicial da expansão marítima portuguesa. Ainda não
era europeia, mas portuguesa com certeza. Frequentemente, a expansão é associada à tomada
de Constantinopla pelos turcos-otomanos [1453] e a possível busca de uma nova rota comercial
para a Índia. Porém, um evento de 1415 pode ser caracterizado por um acontecimento de 1453?
Cremos que não. Algumas das motivações desenvolvidas pela historiografia mais tradicional não
dão conta de explicar os porquês da expansão portuguesa. Afirma o historiador Luiz Felipe Thomaz:

[a] posse de navios e de pessoal afeito ao mar, técnicas e instrumentos adequados


para a navegação de longo curso, repositórios de saber teórico suscetíveis de serem
utilizados à medida que o requeressem as necessidades práticas são sem dúvida
relevantes para a explicação do fenômeno. Mas todos são causas instrumentais,
necessárias mas não suficientes para a produção do efeito – pois a posse de um
instrumento não implica necessariamente a sua utilização (THOMAZ, 1994, p. 6-7).

Às “causas instrumentais” somam-se a importância da centralização monárquica (igualmente


importante, mas não determinante, já que foram os particulares que iniciaram o movimento

36
Expansão Marítima e Comercial • CAPÍTULO 3

expansionista) e a busca do reino mitológico do Preste João (questão essa presente há mais de
século e em outras regiões, tal como Inglaterra e Veneza) como fundamentais para a expansão.
Um último fator também é recorrente em muitas análises: o interesse no ouro do Sudão, decorrente
da “escassez monetária” europeia. É verdade que os metais amoedáveis (passíveis de serem
cunhados) eram cada vez mais escassos na Europa, mas, também, é certo que deveriam ser as
repúblicas italianas as mais interessadas, em face do avanço da monetarização em sua economia.
É claro que essas explicações são importantes, mas, segundo a argumentação de Thomaz, não
determinaram suas condições. Então, o que a determinou?

Para refletir

Preste João ou Padre João


“O padre João é um dos personagens que mais assombraram o imaginário medieval e um dos mais representativos desse
imaginário. Ele encarna, em particular, dois dos ideais mais profundos, mais tenazes e mais perturbadores da espiritualidade
e da sociedade medievais. O cristianismo, de um lado, fundamentado, entre outras coisas, na palavra do Evangelho – ‘Dai a
Deus o que é de Deus e a César o que é de César’ –, o que evitou à cristandade medieval se tornar uma teocracia [...].
Tendo o poder cívico permanecido relativamente independente do poder religioso, a existência na cristandade de um
personagem simultaneamente rei e padre era impossível. Contudo, no espírito de certos cristãos, esse personagem era objeto
de um sonho de chefe supremo que unisse os dois estatutos que se haviam imposto para guiar o mundo cristão: o rei e o
padre, sendo que este último deveria, evidentemente, ser mais bem representado pelo chefe da Igreja, o papa. [...]

A segunda utopia sugerida pelo personagem é a das maravilhas do Oriente. Pois se o Extremo Oriente é o domínio dos povos
de Gog e Magog, que no fim do mundo virão aniquilar a humanidade para fazê-la comparecer ao Julgamento Final, entre
esse Extremo Oriente diabólico e a cristandade ocidental, povoada de homens e mulheres marcados pelo pecado original,
mas salvos pela encarnação de Jesus, estende-se o mundo do Oriente, formado pelo que os cartógrafos e os enciclopedistas
da Idade Média chamam de três Índias. Elas eram compostas pela Índia Maior, convertida ao cristianismo pelo apóstolo
Tomás; pelo que os geógrafos atuais chamam de Arábia; e, por fim, pela África, ou ao menos pelo que dela se conhecia e que
corresponde ao Chifre de África, que então se chamava Etiópia. Essa região das três Índias era, para os cristãos do Ocidente,
um mundo de maravilhas que, principalmente a partir do século XII, desempenha um papel poderoso no imaginário
medieval [...]”.

Os comentários de Marco Polo foram fundamentais para a propagação do mito no fim da Idade Média. Diz o navegador: “era
este o Prestes João, de quem falavam todos, no grande Império. Os tártaros davam-lhe uma renda de dez cabeças de gado
(o dízimo). Mas o povo multiplicou-se, e, quando isto viu, o Prestes João decidiu dividi-lo por várias regiões, e enviar, para
governá-las, alguns dos seus barões” (MARCO POLO, 1994, p. 92).

“No século XIV, os comentários ocidentais transportam-no da primeira Índia para a terceira, isto é, para a Etiópia. Ele é então
confundido com certo rei núbio, David, que realmente teria existido. O que dá definitivamente peso a essa transferência
geográfica são os comentários sobre sua existência na Etiópia por parte dos exploradores portugueses. Ainda em 1515, o
príncipe Pedro, de Portugal, traz de uma viagem para a Etiópia uma pretensa carta do padre João. Por sua vez, Giuliano
di Piero de Medici recebeu a carta de um viajante que encontrou os rastros do padre João, o qual, depois de seu reino da
Etiópia, teria conservado laços com a Índia do Sul, convertida por São Tomás. [...] Em meados do século XVI, o padre João
apaga-se pouco a pouco, por vezes em proveito de outros padres João históricos ou imaginários, e a partir do fim do século
XVI sai da história real para entrar na história do imaginário” (LE GOFF, 2014, p. 384-386).

Um cronista e guarda-mor do arquivo português da Torre do Tombo, Gomes Eanes de Zurara [1410-
74], dizia na Crônica da tomada de Ceuta por el-rei dom João I: “nós [portugueses] de uma parte nos
cerca o mar e da outra temos muro no reino de Castela”. O deve querer dizer isso? Portugal, após

37
CAPÍTULO 3 • Expansão Marítima e Comercial

ter conquistado ante os mouros todo o espaço geográfico em 1249 (tomada do Algarve), não tinha
para onde expandir seus territórios. Vinha, à época, se tornando o principal entreposto comercial
entre o Mediterrâneo e o norte da Europa e encontrava no reino de Castela a impossibilidade de
expansão para dentro da Península. Castela (assim como Portugal) estava em meio à Reconquista,
uma espécie de cruzada contra os reinos islâmicos (mouros) da Península Ibérica, e já havia iniciado
uma expansão para além do Gibraltar, chegando a Tetuão (próximo a Tanger) em 1399, e Aragão, um
século antes, já havia ido em direção às ilhas Baleares e o interior do Mediterrâneo. É dessa forma
que o início da expansão teve ligação profunda com o processo de conquista interno à Península
Ibérica. Para os nobres portugueses, a conquista da Península e a derrocada dos muçulmanos na
região eram por demais benquistos, porém, ambas foram inviabilizadas por Castela, mas, também,
criaram uma alternativa àquele intento: a tomada de Ceuta, no norte da África.

Luiz Felipe Thomaz parte da ideia de que a conquista do norte da África deveu-se ao “Projeto
Marroquino” na sua luta contra os mouros, pois não havia como expandir dentro da Península.
Todavia, isso não significa que não havia interesses econômicos na conquista de Ceuta: era
uma cidade importantíssima do ponto de vista da geografia comercial, interessantíssimo aos
mercadores, na qual era conferido à navegação de comércio pelo estreito de Gibraltar e às pescas
em todo o Golfo das Éguas com muito maior segurança. Define, assim, o historiador:

A gênese da expansão portuguesa explica-se, em última análise, pela interação


de três fatores: primeiro, a necessidade de uma reconversão que assegure a
sobrevivência a uma nobreza em crise, porque hipertrofiada e porque entalada
entre as classes burguesas em ascensão e uma realeza em crescente afirmação;
segundo, o desejo de abertura de novas rotas de comércio, que permitam às classes
mercantis reinvestir os lucros provenientes do incremento das trocas, no período
imediatamente anterior, ao rei e à aristocracia imitá-los e assim garantir a liquidez
pela posse de bens móveis; terceiro, a política de afirmação de um Estado nacional
que, recém-saído de uma grave crise e dirigido por uma dinastia jovem, intenta
por um lado evitar o cerco ou a absorção por um vizinho poderoso, no momento
crucial da formação dos grandes espaços políticos, por outro garantir a paz interna,
aliviando as tensões sociais e drenando para o exterior a conflitualidade latente
própria de uma época de rápida mutação econômica. Destes três fatores, é o último
o mais original, o mais “Moderno” e quiçá o que mais poderosamente contribuiu
para o sucesso do movimento nos moldes em que veio a prevalecer, evitando que
a interação dos dois primeiros se saldasse por mera entropia social ou por uma
anarquia de tentativas sem futuro (THOMAZ, 1994, p. 38-39).

Aqui reside um ponto interessante da análise de Thomaz: ele argumenta que a expansão
portuguesa foi “o último capítulo” da História Medieval e não o primeiro da Modernidade – ao
menos até 1481, início do reinado de dom João II, e 1487, chegada de Bartolomeu Dias ao Cabo
da Boa Esperança. Com o infante dom Henrique, o principal interesse é o Marrocos – se bem que
a dimensão atlântica fosse ensaiada até o Cabo do Bojador, em 1434, limite do conhecimento
naval europeu – com o objetivo de promover o fim da presença islâmica naquele território.

38
Expansão Marítima e Comercial • CAPÍTULO 3

Saiba mais

O infante dom Henrique [Porto, 1394 – Sagres, 1460] foi uma das mais importantes figuras do início da era dos
descobrimentos, conhecido como “o Navegador”. Foi responsável pela expedição ao Marrocos [1414-1415] e às Canárias
[1416], além de ser um dos maiores incentivadores da expansão para além do cabo do Bojador [1434].

Figura 11. A expansão na costa ocidental da África.

Fonte: Betencourt (2010).

Para o historiador John Thornton (2010, p. 145), a expansão para a África deu-se por três frentes:

» Guerra em curso contra os muçulmanos, que extravasou para o estreito de Gibraltar,


iniciada com a expedição ao Marrocos, entre 1414 e 1415;

39
CAPÍTULO 3 • Expansão Marítima e Comercial

» A exploração dos mares a oeste de Portugal e a descoberta das ilhas atlânticas, a partir
da década de 1420;

» A demanda do Preste João e uma rota para as suas terras, bem como o desenvolvimento
do comércio de ouro e escravos, sobretudo após os acordos com reis africanos e o difícil
avanço até o golfo da Guiné.

Porém, engana-se quem acredita que os portugueses eram superiores belicamente e conquistaram
facilmente a África. Thornton afirma que os navios portugueses zarpavam fortemente armados
a fim de atacar “quaisquer gentes desprevenidas”. A estratégia deu certo nas ilhas atlânticas, mas
naufragou na costa da África central onde os povos tinham embarcações que podiam adentrar
no mar traiçoeiro e combater em pé de igualdade. Entre 1445 e 1452, derrotaram os portugueses
na água e em terra, obrigando-os a repensar sua estratégia nessas paragens. Diogo Gomes foi
incumbido de negociar um acordo de paz a fim de desenvolver um comércio seguro e pacífico.
Devido à desconfiança com as guerras, somente a partir de 1462 que os lusos conseguiram
acordos que permitiram o acesso aos rios do Senegal e da Gâmbia. Os senegâmbios haviam
demonstrado a inferioridade bélica de Portugal, mas, também, apresentado uma alternativa
à guerra: os portugueses passaram a se alistar como mercenários especializados nos exércitos
africanos e fornecer armas e demais produtos, obtendo, em troca, riquezas e acordos comerciais.

A essa época, eram os comerciantes e a nobreza – e não a coroa – que promoviam a expansão,
mas “depois de os exploradores descobrirem mercados lucrativos e seguros ou de terem feito
a conquista, a tendência da coroa foi impor regulamentos ou até apropriar-se dos direitos dos
antigos proprietários e concedê-los a favoritos” (THORNTON, 2000, p. 148). Havia diversos
equívocos náuticos, sobretudo após a chegada ao Golfo da Guiné e a crença de que, caso seguissem
em direção ao leste, chegariam ao reino da Etiópia, onde vivia o Preste João. Porém, a geografia
africana continuava ao sul, surpreendendo todos, inclusive o navegador Diogo Cão que não
conseguira encontrar o fim da África entre 1482 e 1485. A tarefa coube a Bartolomeu Dias, já em
1487, que voltou da descoberta do Cabo das Tormentas (trocado de nome pelo rei para Cabo da
Boa Esperança) com ótimas notícias. Portugal, na década de 1480, estava convencido do caminho
africano, tanto é que nada interessava a proposta de Cristóvão Colombo: chegar à Índia pela
navegação a oeste. Colombo deixou Lisboa e foi tentar a sorte em Sevilha. Foi Isabel de Castela
quem se interessou pela proposta, obrigando o conde Niebla a participar da empreitada a fim
de compensar seus crimes de contrabando e pirataria. Desse modo, 1492 foi um ano basilar na
história da Espanha (GRUZINSKI, 2001): ano do fim da Reconquista, com a tomada de Granada;
da expulsão dos judeus; da publicação da primeira gramática de língua castelhana, por Antonio
de Nebrija; e da chegada de Colombo à América (embora o navegador tenha morrido acreditando
que havia chegado na Terra do grande Khan, China, e nas Índias).

Castela e Aragão, a bem da verdade, deram pouca atenção à conquista de Colombo, pois seus
olhos estavam, assim como os portugueses, voltados para o Mediterrâneo e o norte da África,

40
Expansão Marítima e Comercial • CAPÍTULO 3

procurando conter o avanço do Império Otomano na luta contra o Islã. Para Castela, a batalha
de Lepanto [1571] fora crucial, pois marcou o fim dos embates com os muçulmanos e a efetiva
preocupação com a América. Para Portugal, fora a trágica batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos,
na qual o rei dom Sebastião morreu com toda a grande nobreza portuguesa em 1578. O norte
da África foi sempre traumático para os portugueses. Já dizia o poeta Fernando Pessoa, “Oh mar
salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal”. Na batalha para tentar tomar Tânger, em
1437, dom Fernando, filho do rei dom João, foi preso pelo governador derrotado de Ceuta. Este
deu o ultimato: “a flor de todas as terras da África”, Ceuta, ou a vida do infante. Por fim, após os
debates do reino, a escolha tomada fez os mouros pendurarem o cadáver despojado das vísceras,
esquartejado e salgado de dom Fernando na muralha de Fez – de onde saiu apenas em 1471,
quando os portugueses finalmente tomaram a cidade.

De todo modo, após o retorno de Bartolomeu Dias, a esperança até as índias era grande,
atrapalhadas apenas pelas notícias que vinham de Sevilha com a descoberta de Colombo. Alguns
historiadores acreditam que os portugueses já soubessem da existência de terras a oeste do
Atlântico, justificando a mudança da bula Inter Coetera para 370 léguas de Cabo Verde, ao invés
das 100 léguas iniciais. O novo acordo ficou conhecido como Tratado de Tordesilhas [1494], mas
ele não deve ser observado apenas do lado ocidental, afinal os portugueses almejavam preservar
toda a África e a Índia.

Provocação

Acaso ou intencionalidade?
“Rios de tinta têm corrido na discussão do acaso ou intencionalidade da aterragem da armada de Cabral no Brasil. Coube a
William Brooks Grenlee, The voyage of Pedro Álvares Cabral to Brazil and India, em 1937, assim resumir tal debate:

1. Acaso

» A armada perdeu o rumo nas proximidades das Ilhas de Cabo Verde e afastou-se para oeste.

» As correntes oceânicas arrastaram-na para oeste.

2. Intencional (em razão de descobrimento anterior)

» Para revisitar terra a ocidente supostamente incluída numa carta náutica de Andréa Bianco, anterior a 1448.

» Para revisitar terra a ocidente supostamente incluída num mapa de ‘Bisagudo’ mencionado na carta de Mestre João.

» Para reclamar oficialmente para Portugal esta terra, que teria sido visitada por Duarte Pacheco Pereira, em 1498, segundo
interpretação do seu Esmeraldo de Situ Orbis.

» Para dar solidez à afirmação da descoberta de terras naquela zona durante o reinado de D. João II.

3. Intencional (para descobrir)

» Para certificar-se de que a terra, se houvesse, estaria no território português, a leste da linha de demarcação fixada, pelo
Tratado de Tordesilhas, a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde.

41
CAPÍTULO 3 • Expansão Marítima e Comercial

» Para determinar se o continente sul-americano terminava naquele paralelo (o da aterragem), de molde a que a rota da
Índia pudesse ser cursada.

4. Intencional (por razões de navegação)

» Para procurar contornar as calmarias da Guiné, conforme afirmação de Barros.

» Para aproveitar-se do alísio de nordeste e, com ele, fazer a rota algo mais para oeste para melhor navegação para o Cabo
[da Boa Esperança], na esperança de descobrir o limite ocidental das calmas equatoriais e contornar o alísio de sudeste.

A meu ver, a arribada foi proposital, intencional, para reconhecer a terra suspeitada já em Portugal e convenientemente
situá-la para apoio na rota da Índia e não num encontro casual quando a armada passava ao largo da costa” (GUEDES, 1998).

Figura 12. O mundo dividido entre portugueses e espanhóis

Fonte: Guedes (1998).

Nove anos após, em 1497, coube à coroa preparar a viagem de Vasco da Gama. Foi expedição
única: organizada pela coroa e contrariou expectativas, “quando a frota do Gama chegou ao
oceano Índico não rumou diretamente à terra de Preste João” (THORNTON, 2000, p. 152).
Fora o porto de Sofala o destino, “onde se comercializava ouro”. Nesse sentido, as duas últimas
décadas do século XV foram cruciais para a mudança de objetivo, transformando a expansão
portuguesa, ainda medieval, em expansão marítima e comercial europeia, propriamente moderna.
A partir daí, diversas conquistas e descobrimentos foram se somando em um processo que ficou
conhecido como “desencravamento planetário”, na perspectiva de Pierre Chaunu (1976), ou de
“Ocidentalização do mundo”, conforme Serge Gruzinski (1999).

A segunda viagem para a Índia partiu em 1500, sob o comando de Pedro Alvares Cabral – dois anos
antes da quarta e última viagem de Colombo à América. Cabral chegou à América no mesmo ano,
tomando posse da Ilha de Vera Cruz (logo após chamada de Terra de Santa Cruz, mas conhecida
mesmo pelo nome do comércio, o pau abrasado: Brasil), seguindo viagem até Calicute, na Índia,
já em clima bastante hostil. Na África Oriental, a política portuguesa, na primeira metade do
século XVI, foi “alicerçada na capacidade dos portugueses de saquearem qualquer cidade ou
povoação que conseguia acumular alguma riqueza” (THORNTON, 2010, p. 153). Também é fato
que os portugueses procuram, em alguns casos, criar um sistema de governo das conquistas a fim

42
Expansão Marítima e Comercial • CAPÍTULO 3

de controlar todo o comércio, sobretudo de ouro e do tráfico de escravos, que já se apresentava


lucrativo desde a segunda metade do século passado. Segundo John Thornton,

o sucesso português em África deveu-se em grande parte ao perspicaz


reconhecimento das suas limitações e incapacidades, aproveitando o seu
conhecimento da região. A hábil utilização dos aliados, o seu reconhecimento
das forças e fraquezas dos Estados africanos e a sua perícia comercial valeram-lhes
em posição privilegiada, que conseguiram manter mesmo quando o declínio do
seu poderio militar e naval os enfraqueceu em relação à concorrência dos seus
rivais europeus (THORNTON, 2010, p. 166).

A expansão tomou caráter planetário, provocando encontro ou desencontro de mundos. Américo


Vespúcio, navegador ligado aos banqueiros florentinos, foi imprescindível para a coroa portuguesa,
participando da expedição que fizera o reconhecimento do Brasil (ou Terra de Santa Cruz) – sendo
que o nome de América foi dado em sua homenagem, como efetivo descobridor do novo continente.
A esquadra de Fernão Magalhães foi a primeira a circundar o mundo, continuando a viagem sob o
comando de Sebastião del Cano, após a morte de Magalhães nas Filipinas, em 1521. Bombaim e
Malaca, em 1509; Goa, em 1510; Timor, em 1512; Tanegashima, em 1542; Ou mesmo Virginia, em
1584, pelos ingleses e a “França Antártica” pelos franceses, entre 1555 e 1560. Enfim, era o início das
conquistas e da construção de um Sistema Colonial pautado tanto no monopólio comercial como no
tráfico de escravos (NOVAIS, 2001). Um sistema igualmente político, no qual membros da aristocracia
ou mesmo indivíduos não pertencentes à nobreza partiam rumo às conquistas em busca de serem
agraciados com cargos e distinções sociais, mas, também, alimentando o sonho de um dia regressar
à Europa ricos. Esse sistema político permitia, ao mesmo tempo, que os reis europeus mantivessem o
controle sob todo esse vasto mundo colonial, visto que era débil seu controle nessas terras longínquas
(FRAGOSO; GOUVEIA; BICALHO, 2001). Por fim, a Igreja e as missões vieram a somar e integrar a
conquista territorial à conquista das almas, difundindo o catolicismo e promovendo a colonização
do imaginário (BOXER, 1977; GRUZINSKI, 2003; MARCOCCI, 2012; FARIA, 2013).

Figura 13. A expansão marítima e comercial em perspectiva planetária

Fonte: Marcocci (2012).

43
CAPÍTULO 3 • Expansão Marítima e Comercial

Figura 14. O mundo ultramarino português

Fonte: Boxer (1977).

É nesse sentido que o processo de expansão europeu forma um sistema que interliga todo o
mundo por meio do comércio. Portugueses, genoveses, venezianos, espanhóis, holandeses,
ingleses, franceses encontraram no comércio atlântico a peça-chave desses tempos. É disso que
trataremos no próximo capítulo. Vamos a ela?

Sintetizando

Vimos até agora:

» O processo de expansão marítima e comercial dos portugueses rumo ao Oriente;

» As especificidades do “Projeto Marroquino” e as frentes europeias da expansão para África;

» O imiscuir entre comércio, política e religião próprio da expansão.

44
CIVILIZAÇÃO MATERIAL E MERCADO
CAPÍTULO
4
Apresentação

O capítulo 4 deste Livro Didático de História Moderna enfrenta a definição dos conceitos de
comércio e mercados em sociedades pré-capitalistas. Nesse sentido, o mercantilismo e a formação
de um sistema-mundo foram os aspectos mais expressivos da economia moderna, mas todos
esses modelos tiveram de se medir com a grande crise que abalou as estruturas feudais em boa
parte da Europa.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de:

» Analisar a construção do conceito de mercado em uma sociedade pré-capitalista;

» Definir Mercantilismo e aplicá-lo em seu contexto “nacional”;

» Analisar a historiografia sobre a superação do feudalismo e da grande crise do século XVII.

45
CAPÍTULO 4 • Civilização Material e Mercado

O Jogo das Trocas

Se as expansões abriram novas rotas para o comércio praticado na Europa medieval, também
precipitaram uma nova concepção econômica. Mas antes de tratar dela, é preciso lembrar que
a realidade econômica anterior à consolidação do capitalismo foi bem mais complicada do que
se imagina. Sobre essa questão, afirma Fernand Braudel:

Claro que é possível seguir uma evolução, ou melhor, evoluções que se


confrontam, se combinam, se contradizem. O mesmo é reconhecer que não
há uma economia, mas sim economias. A que costuma ser preferencialmente
descrita é a chamada economia de mercado, isto é, os mecanismos da produção
e da troca ligados às atividades rurais, às lojas, às oficinas, aos estabelecimentos,
às Bolsas, aos bancos, às feiras, e, naturalmente, aos mercados. [...]
Acontece que uma zona de opacidade, muitas vezes difícil de observar [...] se
estende sob o mercado: é a atividade elementar de base que se encontra por
toda a parte e cujo volume é simplesmente fantástico. À falta de termo melhor,
denominei essa zona espessa, rente ao chão, de vida material ou civilização
material (BRAUDEL, 1995, p. 11-12).

As cidades eram os núcleos originados por excelência pelo desenvolvimento da troca, do comércio.
Lá que se fazia grande parte do jogo de trocas do período medieval. Elas nasceram para isso.
Porém, a sobrevivência de seus habitantes dependia tanto das feiras quanto dos pequenos artesãos
que fabricavam roupas e calçados. A “vida material” devia atentar, primeiramente, pelo valor da
troca ou, nessas sociedades não monetarizadas, pelos valores políticos, sociais ou afetivos. A vida,
na sua materialidade, era frágil. O tempo, o transporte, o crescimento ou redução demográfico,
uma epidemia poderiam alterar toda uma estrutura social.

O necessário e o supérfluo se digladiam ao sabor do contexto. Trigo, arroz, milho são alimentos
fundamentais dessa sociedade e sempre de acesso mais facilitado. Carnes, vestuários e habitação
já tomam a complexidade, faltando quase sempre ao acesso dos mais pobres. O açúcar foi luxo até
a colonização da América, tanto quanto a pimenta até o estabelecimento do comércio oceânico
com a Índia. As penas de cisne para os dormitórios, os talheres de prata, os pratos individuais
eram artigos inacessíveis à maioria esmagadora da sociedade. A batata, logo na mesa de todo
europeu, salvou o velho continente das sucessivas ondas de fome e carestia. Em contraste, o
lenço era artigo de luxo e, mesmo entre aqueles que tinha condições para tê-lo, pouco utilizavam.
As mangas das camisas ou barras de toalhas eram o local quisto para limpar a boca, assoar o
nariz, secar o suor entre outras atividades. A vida era simples e complexa, pagas pela jornada, pela
corveia ou pelo comércio ultramarino. Não importa, a vida material era necessidade de todos e
ela movimentava a Europa há séculos. Esses variados tipos de comércios de vários tempos e tipos
sobreviviam e se misturavam na Europa Moderna. A eles um outro tipo era acrescido e passava
a regular a vida: sociedade de mercado.

46
Civilização Material e Mercado • CAPÍTULO 4

Um autor da Idade Média, chamado Hugo de Saint-Victor [1096-1141], escreveu páginas


elogiosas aos mercadores, cujo “ardor une os povos, reduz as guerras e consolida a paz” (Apud
LE GOFF, 2002). A obra, Didascalicon, difere um pouco daquela do inglês Willian Shakespeare,
O mercador de Veneza, na qual sobressai a vileza do mercador judeu Shylock. Essa distinção
de quase quatrocentos anos provoca um pergunta: mercados e mercadores sempre foram os
mesmos na História?

Com os exemplos citados rapidamente, percebemos que


Sugestão de estudo
não. De fato, a prática de obter lucros comerciais por meio
A obra de William Shakespeare (e de do “comprar barato e vender caro” é antiquíssima e remonta
vários outros escritores desses tempos, às mais remotas civilizações da Antiguidade, como os persas,
tal como Camões e Cervantes) é
os cartagineses, os gregos etc. Porém, tais práticas estão
fundamental para entender a sociedade
da época Moderna. A leitura de O inseridas em lógicas não econômicas – ou seja, em relações de
mercador de Veneza é riquíssima quanto parentesco, comunais, religiosas e políticas – que impulsionam
aos detalhes sociais e culturais, tanto
as atividades econômicas. Nesse caso, a busca do “lucro” e
quanto uma ótima oportunidade para
se lançar ante uma questão da época:
do “ganho material” foi eclipsada pelas conquistas políticas,
a usura. Você pode também assistir ao pela busca de privilégios e pela manutenção da solidariedade
filme. Uma produção premiadíssima comunitária. A análise em questão, inspirada na antropologia
dirigida por Michael Radford, em 2004,
de Marcel Mauss sobre as sociedades pré-capitalistas, entendeu
e estrelada por Al Pacino.
que, ao contrário daquilo que viria a ser a economia capitalista,
a “economia da dádiva” ou “do dom” teria dominado a Europa cristã antes de ter sido superada
pela revolução industrial (CLAVERO, 1991).

Nesse sentido, as formas de organização econômica dessas sociedades eram organizadas,


sobretudo, pela “reciprocidade” e “redistribuição”, afastando-se bastante daquela máxima de Adam
Smith sobre o “homem econômico” e sua natural “propensão a comerciar, permutar e trocar”.
O historiador Karl Pollanyi percebeu tais diferenças, afirmando, em A grande transformação, que
existia uma clara distinção entre sociedades “com mercado”, comuns em toda a história escrita,
e sociedades “de mercado” – propriamente capitalistas.

A economia da Idade Média foi caracterizada, mormente, pela esfera do autoconsumo. Porém,
os excedentes, quando existiram, podiam ser trocados ou, no limite, comercializados em feiras
ou burgos próximos às aldeias camponesas. Embora existam grandes comerciantes, foi somente
no fim do medievo que se operou o início da transformação do comércio. As principais regiões da
economia comercial europeia eram as cidades do norte da Itália, as cidades da Liga Hanseática no
norte da Alemanha, a região de Flandres e as feiras da Champagne. Assim, cada região fomentava
uma rede comercial que propagava o uso do metal e do papel (letra de câmbio) como objeto de
troca para além de suas fronteiras. Essa operação comercial onde estiveram presentes os maiores
comerciantes da Europa iria criar uma figura social nunca antes vista: o mercador. Segundo Jacques
Le Goff, o comerciante associado às redes comerciais percorreria pessoalmente as mais distantes
rotas comerciais por terra e mar, provocando a conexão entre regiões distantes e estabelecendo

47
CAPÍTULO 4 • Civilização Material e Mercado

relações de amizade entre os povos originadas no comércio – esta é a característica que mais se
aproxima daquela sentença de Hugo de Saint-Victor. Contudo, a partir do século XIII, nas cidades
italianas, vislumbra-se um processo de sedentarização do comércio e, com isso, a incorporação
do crédito como uma nova atividade ligada à circulação de mercadorias.

Figura 15. Rotas comerciais dos genoveses – do Oriente próximo ao norte da Europa.

Fonte: Corvisier (1976).

O “mercador-banqueiro [...] avança o capital para uma viagem de negócios e o mercador itinerante
[...] empreende a viagem. [...] Se há perda, o que empresta suporta todo o peso financeiro, perdendo
aquele que pediu emprestado apenas o valor de seu trabalho. Se há ganho, o emprestador, que
ficou em casa, é reembolsado e recebe uma parte dos lucros, em geral três quartos” (LE GOFF, 1982,
p. 18). Essa relação altera, no plano moral, as relações religiosas: “o orgulho [superbia], pecado
feudal por excelência, até aí em geral considerado como a mãe de todos os vícios, começa a ceder
essa primazia à avareza [avaritia], o desejo do dinheiro” (LE GOFF, 2005, p. 251). A representação
desse último pecado ficou imortalizada nas páginas de William Shakespeare.

A Idade Moderna potencializou o meio circundante, sobretudo com a ação das monarquias e com a
própria expansão marítima do comércio fomentada por elas. Esse processo provocou, na expressão
do historiador Pierre Chaunu, o “desencravamento planetário”, ou seja, o desenvolvimento de
uma primeira mundialização do planeta, interligando partes nunca antes conectadas.

Em fins da Idade Média, no período do chamado Renascimento comercial e urbano (XII-XIV),


o comércio possibilitou o desenvolvimento e a expansão da Itália para fora dos limites do
Mediterrâneo. Lisboa, Amsterdã, Londres, Sevilha, eram portos que estabeleciam relações

48
Civilização Material e Mercado • CAPÍTULO 4

comercias com as cidades italianas (Gênova e Veneza, sobretudo). Contudo, esse modelo
urbano, paraíso das cidades, foi a opção política que fundou, já no século XVII, sua derrocada,
mas, também, seu transbordamento para fora de si mesma. Ou seja, o comércio foi ao mesmo
tempo responsável pela glória e pela decadência das cidades – e da própria Itália – ao dar o tom
desses novos tempos. Assim, o desenvolvimento comercial implicou uma expansão do espaço
– no qual o território dominado faz-se maior que aquele que lhe pertence. Para a Itália, fora o
Mediterrâneo; para Espanha e Portugal, fora o mundo Atlântico.

O historiador Fernand Braudel tem uma explicação bem interessante sobre esse ponto. Diz ele:
“a história da Europa desde muito é uma corrida: cidade contra Estado, digamos lebre contra
tartaruga. Ora, a lebre, a cidade mais ágil, ganhou logo no começo, como era lógico. Mas o século
XV, no Ocidente, assiste de novo à subida e à chegada das lentas tartarugas. O Estado territorial
triunfa [...]” (BRAUDEL, 2007, p. 44). As cidades-estado, muito mais vigorosas e dinâmicas,
foram devoradas e compelidas pelos robustos Estados territoriais. É o caso de Barcelona [1460]
e Granada [1492], submetidas a Castela e Aragão – tornando-se, doravante, a Espanha; mas é
também o caso de Vicenza, Pádua, Verona, Brescia, Bérgamo e Udine sujeitas a Veneza. A cidade
isolada capitulou.

Nesse sentido, as monarquias transformaram o comércio criando-lhe novas atribuições


e racionalidade. A política econômica expansionista desses reinos era caracterizada pelo
mercantilismo e pelo monopólio comercial. Tais práticas conferiam maior complexidade ao
comércio que passava a construir redes mercantis planetárias. Porém, as relações comerciais
na época Moderna eram demais contraditórias: embora visasse unicamente ao lucro, as redes
mercantis eram interligadas sobretudo por laços de parentesco ou comunitários, como eram
as redes comerciais dos judeus serfaditas. O comércio, embora competitivo, era monopólio do
monarca que arrendava o direito de exploração a um comerciante: o rei de Portugal, em seu
epíteto, traçava como uma das características mais importantes o comércio. Essas continuidades
e rupturas conferiram especificidade à modernidade, época em que o mercado, embora fulcral
para o desenvolvimento da sociedade, ainda não a regulava. A Espanha, por exemplo, tinha uma
balança comercial deveras desfavorável – exportava produtos primários e importava produtos
manufaturados – e os metais que vinham da América serviam para equilibrá-la. Em face dessa
situação, muitos homens da administração espanhola chegaram a ver na abundância de metais
a decadência do reino, afinal, como lembra Pierre Villar, ouro e Prata não são apenas moeda,
mas mercadorias que têm custo de produção (VILAR, 1981, p. 97).

A constante monetarização da sociedade também era um fator diferenciador. Todavia, ouro


e prata não eram usados para fomentar a produção, mas integravam a lógica hierárquica da
sociedade do Antigo Regime e eram investidos na mobilidade social ascendente criando a figura
do mercador-fidalgo. Adverte Polanyi: “a presença ou a ausência de mercados ou de dinheiro
não altera necessariamente o sistema econômico de uma sociedade primitiva” (POLANYI,
2000, p. 77).

49
CAPÍTULO 4 • Civilização Material e Mercado

Assim, a construção de um sistema mundial, o Antigo sistema colonial, de Fernando Novais, e o


sistema-mundo, de Wallerstein, permitiu a dinamização econômica com a criação de novos centros
produtivos que operavam exclusivamente para suas metrópoles, aumentando a circulação de
mercadorias por todo o planeta. Por fim, o comércio em escala planetária, longe de promover a paz,
estimulou a concorrência “nacional”, sobretudo na virada da Idade Moderna para Contemporânea
quando este passou a “dirigir a sociedade como se fosse um acessório” (POLANYI, 2000, p. 77).

Mercantilismo

A política econômica por excelência desses tempos fora o Mercantilismo. Segundo o historiador
Francisco Falcon, o Mercantilismo foi um “conjunto de ideias e de práticas econômicas que
caracterizaram a história econômica europeia e particularmente a política econômica dos
Estados europeus durante o período situado entre os séculos XVI e XVIII” (FALCON, 1981, p. 21).
Nunca operou como uma doutrina ou sistema econômico coerente (tal como o capitalismo),
mas era uma espécie de receituário infalível de como as monarquias e repúblicas deviam operar
a fim de controlarem a economia e aumentarem suas receitas.

Os Estados eram “sujeitos e objetos” da política mercantil que, conforme Max Weber, “significa a
transferência do interesse do lucro capitalista para a política” (1974, p. 167). Fato esse que, como
era de se esperar, lhe rendeu inúmeras críticas pelo pai do liberalismo, Adam Smith, entre elas
de ferir a “liberdade de comércio”. Embora fossem assistemáticas, ou seja, nunca tenham tido
coesão, podemos estabelecer em linhas gerais suas características:

» Era uma política laica, na medida que abandonava o princípio cristão do “preço justo”
e da “usura”;

» Controle da balança comercial por meio de uma política de exportação na qual o


Estado procurava vender mais para acumular moedas de outras nações. Essa política se
completava com a exploração colonial, pois evitava a evasão de divisas, além do controle
sobre a produção de produtos e comercialização;

» Monopólio comercial dado a grupos privilegiados e protecionismo econômico, garantindo


um mercado “exclusivo”;

» Ênfase excessiva na acumulação de metais (como ouro e prata), confundindo riqueza


com quantidade entesourada.

Em linhas gerais, tais características definiram o que foi a prática do Mercantilismo. Jean Bodin
assim resumiu todo o objetivo econômico de uma época: “A abundância de ouro e de prata é a
riqueza de um país”. Contudo, quando aplicada, essa prática econômica conheceu particularidades.
Vamos às mais famosas:

» Ibérico (Portugal e Espanha): metalismo ou blulhonismo. Foi uma política de acumulação


de metais amoedáveis de suas colônias, sobretudo, americanas;

50
Civilização Material e Mercado • CAPÍTULO 4

» Holandês: caracterizou-se pela liberdade nas atividades mercantis e manufatureiras, em


contraste com o monopólio por meio das companhias de comerciais. Portugal também
experimentou este último aspecto;

» Francês: colbertismo. Definido enquanto política de Jean-Baptiste Colbert a fim de


manter a balança comercial favorável;

» Inglês: Expresso por meio dos Atos de navegação, de 1651, no qual – grosso modo – só
poderiam fazer comércio com a Inglaterra navios ingleses, resultando na produção de
uma enorme indústria naval que rivalizaria e superaria a grande frota holandesa.

O Debate em Torno da Superação do Feudalismo


Houve tempo em que estudar História Moderna era ler os intermináveis debates marxistas sobre
a grande crise do feudalismo. Eles foram muito bem reavivados no livro A origem do capitalismo,
de Ellen Wood. A capacidade organizativa e argumentativa da autora em promover esse debate
tem muito a ensinar aos aspirantes a historiadores. Vale a leitura.

O mundo, em 1600, era de fato um mundo em crise? Vejamos o mapa.

Figura 16. A Europa em 1600.

Fonte: McEvedy (2007, p. 39).

51
CAPÍTULO 4 • Civilização Material e Mercado

Esse era um mundo tomado pela grande Guerra dos Trinta Anos, que envolveu a Europa como
um todo. Um tempo em que os Habsburgos de Castela e do Sacro Império Romano Germânico
perdiam cada vez mais sua hegemonia na Europa, cedendo espaço para os Bourbons franceses.
E a monarquia inglesa perdia seu rei para uma Revolução. Um orador inglês disse com razão, em
1643, que “estes dias são dias de convulsões e essas convulsões são universais: no Palatinado, na
Boêmia, na Germânia, na Catalunha, em Portugal, na Irlanda, em Inglaterra” (Apud TREVOR-
ROPER, 1991, p. 43). Muitos homens daquela época imaginavam que seu mundo estava mesmo
em crise, tamanho o volume de revoltas e alterações. Sem dúvida, esses tempos são marcados
por uma totalidade contraditória: ao mesmo tempo em que carregam permanências do passado,
trazem consigo os germes do futuro. O século XVII é um tempo tipicamente transitório no qual
estão presentes a busca pela permanência e estabilidade da sociedade, paradoxalmente que
se funda uma ideia de mudança e individualização, substituindo uma civilização cujo alicerce
era a ideia do dever coletivo para outra fundada sobre os direitos da consciência individual.
A esse profundo sentimento de inquietude – que deu especificidade à Época Moderna – Paul
Hazard deu o nome de crise da consciência europeia – que teve seu ápice entre os anos de
1680 e 1715.

Contudo, para muitos historiadores, a crise do século XVII apresentou motivações estritamente
econômicas. A queda dos preços, o baixo volume da produção interna europeia e o declínio de
grande parte do comércio internacional foram fatores decisivos para essa vertente explicativa.
Já outros pesquisadores viram nas guerras do século XVII uma chave essencial para entender
essa crise. Vamos entender melhor essas explicações.

Os historiadores alinhados com o marxismo entendem que a crise do século XVII representou
a última etapa de transição entre feudalismo e capitalismo. Todavia, o próprio Karl Marx não
situou bem a questão. Em seus primeiros escritos – como O manifesto comunista e A ideologia
alemã –, apontou que o capitalismo existia dentro do feudalismo e só entrou na corrente
principal da História quando as classes burguesas romperam os grilhões desse sistema. Já em
textos posteriores (Crítica à economia política e Capital), Marx compreendeu que a superação do
feudalismo deu-se nas relações de propriedade, especialmente na expropriação do campesinato
inglês (WOOD, 2001, p. 36).

Os debates que se seguiram apoiaram-se nesses parâmetros. A questão de quando o modo de


produção capitalista se desenvolve a ponto de tornar-se o sistema socioeconômico predominante
foi de fundamental importância para o marxismo. Embora tenham divergido em alguns pontos,
esses historiadores chegaram a um consenso que foi no século XVII que ocorreu o ponto alto
dessa transformação. O economista inglês Maurice Dobb foi um dos primeiros a perceber que,
embora a crise tenha sido geral, foi somente na Inglaterra, graças à revolução puritana e à maior
representação burguesa no parlamento, bem como seu desenvolvimento mercantil e industrial,
que as forças do capitalismo triunfaram.

52
Civilização Material e Mercado • CAPÍTULO 4

A crise do século XVII foi, nesse sentido, uma fase de


Saiba mais
desaceleração econômica e recessão, após a grande expansão
comercial europeia, superada apenas pelas forças produtivas de A Revolução Puritana [1642-1649],

uma burguesia revolucionária, mas atravancada pelo sistema conforme a visão da historiografia
marxista foi o resultado do conflito de
feudal. Entretanto, a crise foi, de fato, estudada pelo historiador
classes entre a burguesia e a nobreza –
Eric Hobsbawm que partiu dessas premissas para responder o parlamento e o rei – que possibilitou
às seguintes indagações: o que diferiu a crise do século XIV o rompimento dos entraves para
a instauração do capitalismo na
daquela ocorrida três séculos depois? Por que a expansão
Inglaterra. Essa revolução insere-se
marítima e comercial não conduziu a Europa diretamente para em um quadro maior, conhecido
uma revolução industrial? Quais foram os obstáculos para o como Revolução inglesa, que possui

desenvolvimento do capitalismo? como desdobramentos a Guerra


Civil, a experiência republicana de
Cromwell, a restauração e, finalmente,
Hobsbawm (1974) preocupa-se em apresentar provas de que
a Revolução Gloriosa de 1688-1689.
houve uma crise geral europeia, apontando que os centros
econômicos mais pujantes e tradicionais, como o mediterrâneo (Itália, Espanha, Portugal e Turquia)
e o báltico (Hansa, Polônia e Dinamarca), conheceram uma crise que abalou suas hegemonias
ao mesmo tempo que Inglaterra, Províncias Unidas, Suécia e, em uma situação intermediária,
França se desenvolveram. Segundo sua análise, é possível que os lucros obtidos no ultramar não
conseguissem, a partir de meados dos seiscentos, compensar os prejuízos do Mediterrâneo e dos
mares do norte. Tanto o comérciocomo a produção manufatureira entraram em colapso nesses
países, que, juntamente com praticamente toda a Europa sofreram forte declínio populacional
e enormes gastos com guerras e insurreições.

Assim, poder-se-ia pensar que essa crise não foi nada mais que resultado e efeito direto das
várias guerras do século XVII. No entanto, como explicar que ela também tenha afetado regiões
europeias que não conheceram os “generais e intendentes do exército”? (1974, p. 87) É fato que
esses componentes apenas agravariam a crise já em curso. Nas palavras do historiador: “para
que o capitalismo se implante, a estrutura da sociedade feudal ou agrária deve passar por uma
revolução. A divisão social do trabalho terá que ser muito elaborada, caso se deseje incrementar
a produtividade, e a força social do trabalho deve ser radicalmente distribuída – passando da
agricultura para a indústria – durante esse processo. [...] Enquanto não houver uma grande
quantidade de trabalhadores assalariados, enquanto os homens satisfizerem suas necessidades
através da própria produção ou através do intercâmbio em numerosos mercados locais [...],
existirá um limite para o lucro capitalista” (1974, p. 88).

A crise do século XVII provocou, de fato, uma enorme expansão dos mercados europeus, mas
pouco alterou sua estrutura social, cerceando seu alcance ou, ainda, criando seus próprios limites,
sua própria crise. Dessa forma, afirma Hobsbawm, a expansão econômica verificou-se em um
quadro social em que não foi possível a superação dos entraves feudais, mas, pelo contrário, a
adaptação deste àqueles.

53
CAPÍTULO 4 • Civilização Material e Mercado

Nesse sentido, a crise do século XVII forjou sua própria solução ao eliminar as barreiras feudais
e contribuir para a consolidação de um novo sistema econômico: o capitalismo. A Inglaterra,
país da revolução burguesa completa, foi o primeiro país a subordinar política à economia e
o primeiro a superar os grilhões medievais. “A Revolução Inglesa, portanto, com todos os seus
resultados de grande alcance, é – num sentido real – o produto mais decisivo da crise do século
XVII” (1974, p. 118).

O historiador inglês Trevor-Roper parte da premissa de que existiu de fato uma crise geral
europeia, mas discorda quanto a suas motivações. Segundo ele, a análise marxista é construída a
priori (ou seja, estabelecendo a causa pelo efeito), pois sabendo que o capitalismo se consolidou
primeiro na Inglaterra em um momento entre o início das descobertas e a revolução industrial
e tomando por certo que esse rompimento foi violento, eles “encontram, exatamente a meio
caminho dessas datas limites, a violenta revolução puritana na Inglaterra, exclamam eureka!
A partir daí, as outras revoluções europeias se encaixam como revoluções burguesas abortivas”
(TREVOR-ROPER, 1981, p. 49).

O historiador lança luz sobre as manifestações da crise na esfera política, estudando as muitas
“revoluções” que aconteceram no período, entre elas: a revolução puritana inglesa [1640],
a fronda na França, o golpe de Estado de 1650 na Holanda, as sublevações de Catalunha,
Portugal e Andaluzia em 1640-41 e de Nápoles [1647-1648]. Essas “revoluções”, se estudadas
em separado constituem explicações independentes, mas se colocadas em relação constituem-se
manifestações de um mesmo problema, uma crise geral. Assim, “na medida em que foi
uma crise geral – ou seja, abstraindo das variações locais irrelevantes –, foi mais lata e mais
vaga do que isso: de que foi, na realidade, uma crise das relações entre sociedade e Estado”
(Idem, p. 72).

Nesse sentido, enquanto durou a prosperidade e a expansão


Saiba mais
comercial foi possível manter-se um Estado baseado no
Fronda: série de revoltas ocorridas na desperdício e no parasitismo – que Trevor-Roper chama de
França entre 1648 e 1653, durante a renascentista. O Estado renascentista nada mais era que “um
menoridade de Luís XIV e a regência
vasto sistema de centralização administrativa, servido por uma
de Ana da Áustria. Uniu nobres e
membros dos parlamentos, que
multidão cada vez maior de ‘cortesãos’ ou ‘funcionários’” (Idem,
vinham perdendo poder com a política p. 53), ou seja, o Estado absolutista. Enquanto na Espanha o
de fortalecimento do governo real Antigo regime sobreviveu engessando a sociedade, na Inglaterra,
iniciada pelo cardeal Richelieu. Seu
Holanda e França, a crise deu cabo de uma era, “livrando-se”
fracasso abriu caminho para o governo
absolutista. da carga muito pesada e adotando uma “política mercantilista
responsável”. Desse modo, as “cortes renascentistas” e o padrão
de gastos de seus Estados foram os responsáveis pela crise. A análise de Trevor-Roper incorpora
suas opções políticas ao seguir de perto os dogmas do liberalismo. Para ele, a crise ocorreu devido
ao tamanho do Estado, comprometido com uma sociedade de Corte e gastos exorbitantes, assim
como sua superação só pôde ser alcançada graças à redução de suas dimensões.

54
Civilização Material e Mercado • CAPÍTULO 4

Diferente desses dois últimos pesquisadores, a historiadora russa Lublinskaya tem outra
explicação para essa crise. Primeiro, ela questionou a generalidade, a gravidade e a duração da
crise, desconstruindo a ideia de que foi uma crise geral defendida por Hobsbawn e Trevor-Roper.
Em seguida, apontou que a heterogeneidade das estruturas econômicas e as diferentes tendências
políticas na Europa (ou mesmo dentro de cada Estado) impediram o aparecimento de crise geral
em todos os níveis. Sendo assim, da mesma forma que as motivações são antes particulares que
gerais, as soluções para as possíveis crises são diferentes em cada Estado. Por sua vez, os primeiros
séculos da época moderna não devem ser vistos como etapas de embate entre duas formas
sociais puras, feudalismo e capitalismo, mas como uma etapa com características próprias, cuja
natureza econômica e social deveriam ser estudadas na sua especificidade.

A autora, para embasar sua análise, toma como exemplo o caso francês apresentando alguns
fatores que teriam levado à crise, são eles: guerra civil (fronda), baixa produtividade manufatureira,
acumulação de capital limitada e ausência de grandes recursos coloniais (1983, p. 133). Por fim,
segundo seu entendimento, a crise seria resultante da debilidade da produção manufatureira
em uma fase inicial do capitalismo e de uma luta entre os diferentes ritmos do desenvolvimento
de uma economia capitalista nos países europeus.

Porém, é importante ressaltar que, segundo adverte o historiador francês Jean de Vries (1983), crise
nem sempre é sinônimo de retrocesso econômico ou social, mas, pelo contrário, é possibilidade
de transformação. No século XVII, algumas economias europeias apresentaram capacidades
diversas para tirar proveito dos múltiplos problemas que ocorriam. É nesse momento que
França, Inglaterra e Holanda assumem a hegemonia geopolítica europeia. Da mesma forma,
o seiscentos marcou o fim das guerras de religião na Europa e o início de um jogo em que a
política dos Estados europeus, suas alianças e interesses, ganhava a cena do tabuleiro. A guerra
dos trinta anos, que iniciou como um conflito político-religioso, tomou dimensões europeias.
As questões religiosas foram tão logo passadas a segundo plano e a política geral dos Estados
tomou a cena. Foi uma luta contra posição preeminente e a política mundial dos Habsburgos e,
no limite, espanhola – o fim do sonho imperial de Carlos V. Mas o início de uma Era da Política.
Tema de nossos próximos capítulos.

Sintetizando

Vimos até agora:

» O conceito de mercado em uma sociedade pré-capitalista;

» Mercantilismo e suas particularidades;

» Crise do século XVII e superação do feudalismo.

55
CAPÍTULO
O TEMPO DOS ESTADOS:
ABSOLUTISMO E CENTRALIZAÇÃO
POLÍTICA NA ÉPOCA MODERNA 5
Apresentação

Talvez a novidade mais visível da época Moderna, em comparação com o mundo medieval, seja o
nascimento e consolidação do Estado. Por isso, no capítulo 5 do nosso Livro Didático, trataremos
das seguintes temáticas: Absolutismo, Centralização do Poder e as Monarquias.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de:

» Compreender o conceito de Absolutismos e Centralização da Monarquia;

» Analisar as características históricas do processo de centralização monárquica;

» Conceber a construção de uma sociedade Moderna.

56
O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna • CAPÍTULO 5

Introdução

Talvez a novidade mais visível da época Moderna, em comparação com o mundo medieval, seja o
nascimento e consolidação do Estado (ou da centralização política em torno do rei) como sujeito
político e soberano. A célebre frase “o Estado sou eu”, dita pelo rei de França, Luís XIV, dá um
pouco esse tom. Porém, diferente da primeira interpretação, o “eu” não diz respeito ao indivíduo
(rei), mas sim à razão de Estado (uma maneira própria e política de se pensar a governança do
Estado). Veja a imagem aqui representada em sua soberania e magnitude:

Figura 17. Retrato de Luís XIV [1700] – Hyacinthe Rigaud.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_XIV_de_França#/media/File:Louis_XIV_of_France.jpg (acesso em


setembro de 2016).

Esta representação nos convence da força desse rei e, consequentemente, de seu Estado, não
é verdade? A pintura foi conscientemente construída com essa intenção. Luís XIV, o grande
Rei-Sol. Ele reinou na França durante 72 anos (entre 1643 e 1715), transformando-se em
símbolo da monarquia absoluta europeia, marcada pelo luxo e pela riqueza. A figura do rei
foi cuidadosamente esculpida para corresponder à estética da construção da “coisa pública”:
os saltos altos garantiam um olhar de cima, acima dos demais; logo pela manhã, perucas e
pomposas roupas endossavam o indumentário soberbo, como se a realeza sempre fosse assim;
o cetro deveria estar seguro em sua mão e não como base de apoio, afinal, o Rei não podia se
apoiar em nada. Tudo nos mínimos detalhes.

A pergunta é: como nasceu e se consolidou o Estado?

57
CAPÍTULO 5 • O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna

Entre o Absolutismo e a Centralização

Em fins da Idade Média, no período do chamado Renascimento comercial e urbano (XII-XIV),


o comércio possibilitou o desenvolvimento e a expansão da Itália para fora dos limites do
Mediterrâneo. Lisboa, Amsterdã, Londres, Sevilha, eram portos que estabeleciam relações
comercias com as cidades italianas (Gênova e Veneza, sobretudo). Entretanto, esse modelo
urbano, paraíso das pequenas cidades, foi a opção política que fundou, já no século XVII, sua
derrocada, mas, também, seu transbordamento para fora de si mesma. Ou seja, o comércio foi
ao mesmo tempo responsável pela glória e pela decadência das cidades – e da própria Itália – ao
dar o tom desses novos tempos. Assim, o desenvolvimento comercial implicou uma expansão do
espaço – no qual o território dominado faz-se maior que aquele que lhe pertence. Para a Itália,
fora o Mediterrâneo; para Espanha e Portugal, fora o mundo Atlântico.

Em sua obra clássica – O Mediterrâneo no tempo de Filipe II – o grande historiador francês Fernand
Braudel afirma que

No século XVI, os Estados afirmam-se cada vez mais como grandes coletores e
redistribuidores de rendimentos; apoderam-se, por meio do imposto, da venda dos
cargos, das rendas, dos confiscos e de uma enorme parte dos diversos ‘‘produtos
nacionais’’. Esta múltipla penhora é eficaz dado que os orçamentos flutuam por
junto sobre a conjuntura e seguem a maré dos preços. O desenvolvimento dos
Estados está assim diretamente ligado à vida econômica, não é um acidente ou
uma força intempestiva [...]. Querendo-o ou não, são os maiores empreendedores
do século. É deles que dependem as guerras modernas, com efetivos e com
despesas cada vez maiores; tal como as maiores empresas econômicas: a Carrera
de Índias a partir de Sevilha, a ligação de Lisboa com as Índias Orientais, a cargo
da Casa da Índia, ou seja, do rei de Portugal.

[...] Por meio de todas estas atividades, o Estado coloca de novo em circulação
o dinheiro que vem parar aos seus cofres e quando a guerra impõe as suas
exigências, despende mesmo para além dos seus rendimentos. Guerras,
construções e empresas são assim, mais do que se pensa, incitamentos
econômicos. [...]

Assim, os Estados possuem a agilidade da economia moderna. O Estado moderno


acaba de nascer, armado e desarmado ao mesmo tempo, porque não chega
para a sua tarefa: para fazer a guerra, receber os impostos, administrar os seus
negócios, fazer justiça, tem de se apoiar nos homens de negócios e nos burgueses
à procura de promoção social. Mas, mesmo isso é um sinal da sua nova força.
Em Castela, onde se veem admiravelmente as coisas, todos procuram então
entrar no empreendimento do Estado: os mercadores, os grandes senhores, os
letrados... Organiza-se uma corrida às honras e aos lucros. E também uma corrida
ao trabalho (BRAUDEL, 1983, p. 495-497, vol. I).

58
O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna • CAPÍTULO 5

De certo, por outro lado, o “tempo dos Estados” foi marcado por um processo de centralização
política na pessoa do rei. O historiador marxista Perry Anderson, no seu livro Linhagens do Estado
absolutista, afirma que o Estado absoluto, é, em verdade, um rearranjo do Estado Feudal (ou
senhorial), pois, ao invés de contradizer a nobreza, manteve e ampliou os poderes dos nobres
a fim de alargar e consolidar seu poder político e territorial. Essa perspectiva defende que a
centralidade do poder nas mãos do monarca equilibraria as disputas de classes entre nobres
e burgueses, superaria as diversidades locais (como o direito consuetudinário) e estabeleceria
uma unificação territorial e administrativa com a criação de uma estrutura burocratizada.
Seu maior expoente fora a monarquia francesa, sobretudo, a de Luís XIV, que na frase “O Estado
sou eu”, expressaria todo o vigor da vertente explicativa.

Mesmo não estando de todo equivocada, é preciso ressaltar que não estamos querendo afirmar que
existiu um poder absoluto sem restrições – e nem Perry Anderson assim o pensou. O absolutismo,
segundo o entendimento do historiador Nicholas Henshall, foi antes propaganda que realidade
histórica, pois “os governantes se consideravam ‘absolutos’ no sentido de que monopolizaram as
prerrogativas principescas de guerra e paz, patronato e distribuição de cargos, e não reconhecerem
nenhuma limitação legítima de suas decisões”, porém, na prática, “monopolizavam legitimamente
o que se conhecia como ‘assuntos de estado’: nos demais teriam que conseguir o consentimento”
(HENSHALL, 2000, p. 49-50). Assim, a ação do poder real era de fato negociada e medida por uma
complexa rede de relações que o fazia dialogar com os demais poderes periféricos.

Em um estudo sobre os vínculos políticos entre o Atenção


poder central espanhol e os poderes periféricos, John
Elliott apontou as estratégias de governabilidade Os Poderes
capazes de tecer redes e interligar as partes do
Você já sabe que o poder do rei não é em nada
reino (2002). O historiador chega, no limite, a absoluto, não é? Embora seja dito como tal, era,

apontar para a impossibilidade de se falar em um na verdade, negociado com os demais poderes


regionais, sociais e eclesiásticos. Então, segundo
processo de centralização política e econômica
esta ideia, o poder real não seria “o poder”, mas
como mecanismo de instauração do absolutismo apenas mais um poder no seio da sociedade. Foi o
ou mesmo de um Estado moderno. A construção filósofo Michel Foucault quem lançou, na década
de 1970, essa nova concepção acerca da anatomia
de vínculos culturais e políticos entre as diversas
do poder, percebendo-o enquanto estratégia de
elites locais e a monarquia favoreceriam tanto a desmantelamento do Estado e abolindo a ideia de
esta última, estabilizando as relações e mantendo um centro capaz de coordenar ou tecer, sozinho, a
malha do “poder” que se colocaria sobre a sociedade.
o território, como as primeiras, permitindo a elas
Nesse sentido, o poder não estaria “no Estado”,
uma fração de autogoverno. Seria configurado, mas fragmentado em micropoderes descontínuos
dessa forma, um “sistema patrimonial de acesso e dispersos no interior da sociedade e que são
parte constitutiva desta. O filósofo, a um só tempo,
aos cargos”, criando, sob o convênio mútuo entre
deslocou a origem do poder do Estado para sociedade
a Coroa e as elites de suas diferentes províncias – e dinamizou as relações sociais subtraindo-lhe a
chamado de sistema de recompensas –, a ideia de simples dicotomia opressor/oprimido
(FOUCAULT, 1998).
“monarquia composta”.

59
CAPÍTULO 5 • O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna

Para Elliott (2002), a monarquia de caráter composta era formada por um número variado de
reinos que possuíam estatutos, direitos e privilégios anteriores à constituição e vinculação com
uma autoridade monárquica central. Nesse sentido, a Espanha de Filipe II era um conjunto de
reinos (Navarra, Leão, Aragão, Catalunha e Portugal, só para ficar na Península Ibérica) com certa
autonomia no interior de uma monarquia mais ampla – sob a soberania de Castela (centro).
Igualmente, a Inglaterra teve sob seus domínios a Irlanda, a Escócia e o País de Gales em uma
perspectiva composta.

Assim, pode-se concluir que o fortalecimento do centro deu-se não só pelo uso da força como
pela negociação, pois ao soberano cabia o equilíbrio social, o respeito aos privilégios e a prática
da justiça. Todavia, a Época Moderna, em contraste com a Idade Média, assistiu a constituição
de um poder central capaz de mobilizar em sua órbita os demais poderes e sínodos.

A instauração e centralização do poder do príncipe, no século


Saiba mais
XVII, foram acompanhadas por profundas modificações na
Os sínodos são assembleias de sociedade de Antigo Regime, a saber: o “monopólio estatal da
eclesiásticos convocados por ordem violência” – sujeitando o indivíduo a um controle sobre suas
do prelado (altos dignitários da
pulsões e apaziguando a sociedade – e o “estreitamento das
Igreja) ou de outro superior que se
reúnem com o propósito de “caminhar relações interindividuais” – controlando suas pulsões e emoções
juntos”, seguindo determinado plano. (ELIAS, 1993). Esse processo civilizador – para usar a expressão
No caso, sínodo refere-se a todo e
que deu título à obra do sociólogo Norbert Elias – explica-se,
qualquer grupamento institucional –
pois, pela interiorização das proibições e das paixões que eram
assembleia.
impelidas por meio da sociedade, criando um mecanismo de
autocontrole sobre as pulsões e as emoções. É nesse longo processo que se forma a sociedade de
corte, já domesticada e afastada das suas atividades que lhe conferiam origem: a guerra (bellatores).

Entre os fatores dessa mudança, podemos citar o aumento na diferenciação das funções (a
função militar – conde, marquês, duque – transforma-se em título), a falta de terras, o aumento
demográfico e, consequentemente, a formação de cidades – o que possibilitou o aumento do
comércio. Os moradores das cidades passaram a pagar impostos para que os senhores feudais
contratassem guerreiros, ao invés de serem obrigados a participar das guerras. Contudo, isso
não significa dizer que os pequenos comerciantes fizessem tal pagamento de bom grado; pelo
contrário, só faziam se fossem forçados.

Saiba mais

A ação desse processo civilizador não fora somente privilégio da nobreza, enquanto estamento. Toda a sociedade da Época
Moderna estava em profunda transformação e essas mudanças eram, igualmente, uma tentativa de diferenciação entre ser
natural e ser social.

Um livro, publicado em 1530 por Erasmo de Roterdã, A civilidade pueril, tornou-se tão logo um best-seller. Esse breve tratado
didático fixa “o gênero literário que garantirá à pedagogia das ‘boas maneiras’ sua mais ampla difusão social”. Sua inovação
é tida por três características: a) é dirigida para as crianças, enquanto os textos anteriores ensinavam indiscriminadamente

60
O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna • CAPÍTULO 5

jovens e adultos; b) é direcionada a todas as crianças e não somente à nobreza; c) procura ensinar a todas as crianças um
código válido, padrão e universal. Um dos tratados sobre “boas maneiras” que segue ao de Erasmo (G.B. della Porta – 1586)
estabelece que “controlar a expressão do rosto, os gestos e as atividades equivale a afirmar uma humanidade contra tudo que
a ameaça e em primeiro lugar contra a animalidade latente que se deve aprender a perseguir em si mesmo” (REVEL, 1991,
p. 171-173). A seguir ao texto, vê-se esta imagem.

Figura 18. O controle das expressões.

Fonte: Revel (1991, p. 173).

Na Idade Média, eram os senhores feudais e a Igreja que cobravam impostos, principalmente
por meio do trabalho – corveia, mão-morta, dízimo, etc. –, porém, com a gradual transformação
da sociedade e a mudança nas relações de poder dentro dela, esses impostos cobrados pelos
senhores feudais acabaram por assumir o caráter de pagamentos habituais, dando origem ao
que chamamos de ‘‘monopólio da tributação’’ (ELIAS, 1993, p. 171-190).

Nesse momento de transição entre a sociedade guerreira e a sociedade de corte, os guerreiros –


nobres – deveriam adequar-se a esses tempos; caso contrário, restava apenas a pilhagem (saque)
como fonte de renda, explicitando suas dificuldades em adaptar-se a uma nova estrutura social
que surgia. Esse momento caracterizava-se pela crescente circulação de moeda (metal) e pelo
desenvolvimento da atividade comercial, fazendo com que as classes burguesas e a receita da
autoridade central expandissem, ao passo que a renda da nobreza restante caísse com rapidez.
Com isso, alguns cavaleiros viram-se reduzidos à pobreza, outros nem tanto, pois procuraram o
serviço real que era garantido aos nobres aliados. Essas eram as opções econômicas que restaram
para a classe guerreira que não era nem vinculada ao crescimento da circulação monetária nem
ao comércio.

61
CAPÍTULO 5 • O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna

Figura 19. A nobreza guerreira.

Mestre Ermengol, Detalhe de Prazeres perigosos da vida mundana, século XIII (DUBY, 1990).

Figura 20. A nobreza palaciana. As meninas (1656), de Diego Velázquez.

Fonte: (BENNASSAR, 2015).

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O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna • CAPÍTULO 5

Figura 21. A nobreza cortesã. Carl Van Loo et sa famille, século XVIII.

Fonte: (ARIÉS; CHARTIER, 1991).

Nas sociedades guerreiras, a espada era instrumento frequente e Provocação


indispensável para adquirir os meios de produção e, a violência,
meio indispensável de produção. Tanto que as armas eram Observe atentamente as imagens.
O ideal medieval do guerreiro –
de uso exclusivo dos nobres e mesmo quando estes deixaram
bellatores: aqueles que guerreiam
de guerrear não abriram mão das armas enquanto símbolo (Bella – do que é bélico, guerra) – da
próprio. Porém, na Época Moderna, apenas ao Rei cabia o primeira imagem contrasta bastante
com a nobreza retratada nas imagens
“monopólio da violência” (ELIAS, 1993, p. 98).
do século XVII (As meninas) e XVIII
(a família do pintor), quando ela já
Assim, com o fim das guerras a nobreza foi domesticada.
estava domesticada. Na primeira, o rei
Claro que o processo não fora simples, pois muitos nobres e os nobres têm funções guerreiras;
serão vencidos e sujeitados por meio de guerras ou mesmo nas seguintes, a função militar foi
transformada em título dado (ou
incorporados por meio de uma política de casamentos. Nesse
confirmado) pelo rei.
sentido, os nobres, antes ligados às funções militares, vão
procurar a proximidade com o rei. Sendo assim, o soberano consegue transformar os nobres
guerreiros em cortesãos, criando uma sociedade de corte, pacificando-os e, consequentemente,
fortalecendo o seu poder monárquico. A construção desse Estado centralizado serviu como
meio de garantir a submissão, sobretudo da nobreza, ao poder real. Poderíamos dizer que o
rei representava o Estado, como dizia um político da época: um rei “era aquele que representa
toda a sociedade”. Dessa forma, a autoridade do monarca em seu território se dava por meio do
controle da violência e da tributação.

63
CAPÍTULO 5 • O Tempo dos Estados: Absolutismo e Centralização Política na Época Moderna

Contudo, para equilibrar as forças entre a nobreza – que perdia poder social com a expansão do
setor monetário da economia – e a burguesia – que crescia socialmente, em razão dos mesmos
fatores – o monarca criou o chamado mecanismo régio (ELIAS, 1993, p. 140). Este consistia na
capacidade do rei em retribuir com títulos seus súditos em troca serviços. Devido a esse mecanismo,
existente somente quando os monopólios da violência e da tributação estavam centralizados
nas mãos do rei, a nobreza e a burguesia necessitariam encontrar outros meios de luta.

A nobreza já não era mais a classe hegemônica (dominante), nem tampouco podia mais utilizar-
se das armas para conseguir atingir seus objetivos. A disputa agora era pelo prestígio e poder
social dentro dos domínios do monarca, ou seja, dentro da corte. Isso implicava um refinamento
da conduta perante os outros. Assim, cria-se um paradoxo: enquanto a burguesia queria crescer
socialmente e tinha recursos (dinheiro) para isso, a nobreza almejava se manter no ápice da
sociedade, criando impedimentos para a ascensão social dos burgueses, são eles: a etiqueta
(conjunto de normas e regras de condutas próprias de um grupo ou cerimonial – usada na
França), a limpeza de sangue (proibição a quem não era católico e europeu – usada nos países
ibéricos) e vícios mecânicos (proibição para aqueles que trabalham com as mãos).

Todas essas transformações sociais, sobretudo após as guerras de religião, deram nova forma
ao discurso político dos Estados europeus do oeste (notadamente, França, Inglaterra, Espanha
e Portugal). No próximo capítulo, essas especificidades serão discutidas. Até lá.

Sintetizando

Vimos até agora:

» Os conceitos de absolutismo e centralização monárquica;

» As características históricas do processo de centralização monárquica;

» A construção da sociedade Moderna.

64
CAPÍTULO
O TEMPO DA POLÍTICA 6
Apresentação

Tomada da construção de um Estado cada vez mais centralizado e que justifica a si mesmo,
os tempos modernos inauguram uma Monarquia na qual o príncipe seja o grande soberano.
Neste capítulo 6, a derradeira de nosso Livro Didático, trataremos do processo de centralização
nas diferentes Monarquias, notadamente aquelas da parte oeste da Europa (Portugal, Espanha,
Inglaterra e França).

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo deste capítulo, você seja capaz de:

» Analisar a construção do discurso do político sobre o Estado na época Moderna;

» Identificar o processo de centralização nas diferentes Monarquias europeias.

65
CAPÍTULO 6 • O Tempo da Política

O Tempo da Política

Em fins da Idade Média [séculos XIII-XIV], com o desenvolvimento das monarquias e a redescoberta
de Aristóteles, o ofício de governar (regimén) passa a se confundir com o ato de reinar (regnum).
Isso se explica, primeiro, por um incerto equilíbrio no “interior de um mundo harmonioso e
hierarquizado, entre a naturalidade do regnum [concedido por Deus] e a finalidade do Regimén” – o
governo das almas (SENELLART, 2006, p. 42). Portanto, a forma pela qual se manifestava a crença
e o exercício da pessoa real mantinha profundas relações com a explicação religiosa – teologia.
Assim, as cerimônias procuravam afirmar e evidenciar a origem divina do poder real, sagrando-o
por meio da unção com os santos óleos ou manifesto por meio da cura de seus súditos. Havia
um caráter sagrado na instituição monárquica, no qual o rei, seu representante por excelência,
não podia ser igual ao geral dos homens (LADURIE, 1994, p. 11).

O monarca, por assim dizer, possuía dois corpos: um mortal, como o de qualquer homem –
perecível ao tempo; o outro, aquele que encara a instituição monárquica, é imortal. Essa teologia
política deu origem à teoria acerca dos “dois corpos do rei”. Mas por que teologia política? Porque
é por meio da Teologia que se concebe o poder real. O historiador inglês Ernst Kantorowicz (1998),
em seu famoso Os dois corpos do rei, demonstra que, a partir da ideia mitológica de que Cristo foi
um deus que se tornou homem – sofrendo e morrendo como humano –, mas que permaneceu
vivo após a morte terrena, será a peça-chave para entender a política – sobretudo inglesa – na
passagem da Idade Média para a Renascença. Transfere-se, assim, aos governantes, a dupla
natureza de Cristo: homem e deus. O rei será homem, cujo corpo é sujeito às enfermidades, às
paixões e limitações da condição humana, e deus, cujo ‘‘corpo místico’’, imortal, encarna o poder
de Cristo na Terra.

Saiba mais

Um rei nunca pode coexistir com outro, assim como um rei vivo não deve assistir o funeral daquele morto. A transmissão
dos poderes é feita no instante do falecimento: “o morto apossa-se do vivo e o novo príncipe, como o sol ou fênix, emerge
em sua realeza, sem esperar, nos minutos que se seguem as trespasse de seu genitor ou de seu ascendente. O astro do dia foi
obscurecido apenas alguns instantes pelas nuvens da morte” (LADURIE, 1994, p. 11).

O conceito jurídico dos dois corpos do rei está presente na Inglaterra elisabetana na obra de Shakespeare, Ricardo II (1595).
Vamos ler um trecho? Perceba o diálogo que há entre os dois corpos, entremeados pela morte e pela condição divina.

Falemos de túmulos, vermes e epitáfios,


Façamos do pó papel, e com olhos de chuva
Se escreva a dor no seio da terra.
Escolham-se executores e falemos de testamentos.
Mas, nem isso... , pois, que mais podemos à terra
Legar a não ser os nossos corpos despojados?
As nossas terras, vidas e tudo o mais são de Bolingbroke,
Pois nada temos de nosso senão a morte
E aquele pequeno molde de barro
Que nos serve de pasta e invólucro para os ossos.

66
O Tempo da Política • CAPÍTULO 6

Por amor de Deus, sentemo-nos no chão


E contemos histórias tristes da morte dos reis:
De como uns foram depostos, outros mortos na guerra,
Outros envenenados pelas esposas, ou mortos
Durante o sono, todos assassinados – pois
Dentro da coroa oca que cinge as fontes de um rei
Tem a Morte a sua corte, onde faz sentar o bobo,
E zomba do poder real num esgar à sua pompa,
Concedendo-lhe um suspiro, uma cena breve,
Para fazer de rei, ser temido e matar com o olhar;
Infunde-lhe um vão conceito de si próprio,
Como se a carne que nos empareda a vida
Fosse imperecível como o bronze; assim divertida.
Ela chega ao fim com um pequeno alfinete
Para furar as muralhas do castelo e..., adeus rei!
Cobri as cabeças e não mofeis da carne
Fazendo solenes reverências; deitai fora
O respeito, a tradição, fórmulas e etiquetas;
Todo este tempo me entendestes mal.
Vivo de pão como vós, sinto necessidades,
Sinto tristeza, preciso de amigos – carente,
Assim, como podeis dizer-me que sou rei?

(Ricardo II, Ato III, Cena 2)

Essa ideia do corpo místico, na renascença, ocupou o centro da arena política. Contudo, o “corpo
místico” (francês) traduziu-se em “corpo político” (inglês), cujos membros seriam os súditos e
o rei sua cabeça. “O imaginário da época confirmava esta concepção ao utilizar, por exemplo,
termos médicos para designar o objeto material da governação (era como um ‘corpo’ que devia ser
preservado da doença), ou termos náuticos (um ‘navio’ que devia ser guiado longe dos perigos)”.
Assim, para governar, em ambos os casos, tinha-se de “aprender e por em prática alguns preceitos
de base que, se fossem corretamente aplicados, se convertiam numa arte” (KAMEN, 1994, p. 16).

Nesse momento, o campo político passa a separar-se de uma ordem dos fins e se aproximar
da noção de regnum – ato de reinar –, libertando-se do horizonte teológico e adotando como
finalidade a prática de seu exercício. Todavia, na prática, “os homens de Estado do período barroco
continuaram a agir dentro de parâmetros substancialmente medievais” (KAMEN, 1994, p. 16).

Foi no século XVII que a gestão do Estado passou por um processo de instrumentalização,
tornando-se uma ciência na qual os príncipes deviam ser educados e seus ministros instruídos.
Com o alargamento das perspectivas sobre o poder, foi se consolidando um conjunto de instruções
políticas destinadas à governança – não mais restrita aos reis, mas, também, aos ministros de
Estado. “Começou-se, portanto, a escrever acerca dos homens de Estado e, o que é ainda mais
importante, eles próprios começaram a escrever acerca da sua profissão”, como as Memórias e
o Testamento Político de Richelieu para França.

O conturbado contexto desse século (Guerra dos 30 anos e crise do século XVII) promoveu uma
gradativa “instrumentalização” do governo, conforme se vê em Thomas Hobbes. Nesse sentido,

67
CAPÍTULO 6 • O Tempo da Política

o conceito de soberania começa a ser pintado com cores mais intensas em uma tela que passará
gradativamente a contrastar os fins éticos do regimén da pura dinâmica das forças do regnum –
que já começa a tomar forma do Estado que conhecemos hoje, em oposição ao Stato.

Conforme aponta Michel Senellart, Hobbes Saiba mais


parte do princípio de que “a salvação do povo
Cardeal de Richelieu (1585-1642): foi o grande ministro de
é a lei suprema, definindo essa salvação não Luís XIII e maior árbitro da política europeia ao longo de
apenas a preservação de sua vida, mas, de 18 anos. Richelieu desestabilizou o poderio da aristocracia
maneira geral, seu proveito e seus interesses” feudal e estabeleceu a centralização monárquica, além de
obter para a França a hegemonia na Europa – depois dos
(2006, p. 36). Dessa forma, a arte de governar
combates contra os Habsburgos da Espanha e do Sacro
não diz respeito à criação de um Estado – que Império Romano Germânico. O cardeal resumiu suas
obedece a uma dupla lógica: “passional (o medo ideias sobre política externa em seu Testament politique
(Testamento político) – leitura predileta de Luís XIV.
da morte, que leva os homens a pôr fim, por
um pacto, ao estado de natureza no qual reina Thomas Hobbes (1588-1679): Foi um filósofo-político
inglês que viveu durante a Guerra Civil inglesa e lançou as
a guerra de todos contra todos) e jurídica (a
bases para a justificativa do “poder absoluto do monarca”,
transferência dos direitos de cada indivíduo presentes em sua concepção de “contrato social”. Em
contratante à pessoa do soberano)” – mas a The elements of law, natural and politic (Elementos da lei
natural e política), publicada em 1640, defendia a idéia de
sua conservação, que é fundada na ideia do
que os homens só podem viver em paz se concordarem
contrato estabelecido entre súditos e soberano. em submeter-se a um poder absoluto e centralizado.
É assim que este último monopoliza a força e Logo depois, em primeira versão de De Cive, tratou da

detém a autoridade absoluta a fim de que a paz questão das relações entre igreja e estado: a igreja cristã e
o estado cristão formavam um mesmo corpo que deveria
aos indivíduos viva no corpo político. Então, o
ser encabeçado pelo monarca – único com o direito de
bom governo, segundo a concepção de Hobbes, interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e
teria por finalidade alcançar a vida civil, o bem- presidir o culto. Já em sua obra seminal de 1651, Leviathan,
or matter, form and power of a commonwealth, ecclesiastical
estar e a existência pacífica dos indivíduos que
and civil (Leviathan, ou a matéria, a forma e o poder de
constituem a sociedade, submetendo-os, por um estado eclesiástico e civil), Hobbes esclarece as linhas
sua vez, à obediência completa ao monarca em de suas ideias: a primeira lei natural do homem é a da

nome da prosperidade e da concórdia. autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais;


por isso, a vida seria uma “guerra de todos contra todos”
(bellum omnium contra omnes), na qual “o homem é o
Por fim, o século XVII assiste à formulação de
lobo do homem” (homo homini lupus). Para construir uma
uma razão de Estado diferenciada, pois, ao
sociedade, o homem tem que renunciar a parte de seus
refletir sobre condição de sua própria existência direitos e estabelecer um “contrato social”, garantido pela
por meio dos manuais e instruções políticas, soberania. Esta, para ser efetiva, tem que recair sobre uma
só pessoa – o monarca. Todavia, Hobbes entende que a
distancia-se dos parâmetros religiosos – até
fonte do poder monárquico não residia no direito divino,
então espelho de conduta dos príncipes. mas na manutenção do “contrato social” (SKINNER, 2010).

Stato: termo originalmente utilizado para descrever


Os Estados ou as Monarquias da Época Moderna
determinada condição, individual ou coletiva, e que,
nunca foram absolutos; herdaram os limites de no século XVII, passa a ser utilizado para designar uma
sua ação das monarquias medievais, como as entidade soberana, o Estado, “submetido à exigência,

limitações jurídicas e o respeito ao bem comum. para sobreviver, de desenvolver ao máximo seus recursos
materiais e humanos” (SENELLART, 2006, p. 43).
A autoridade real teve de se medir com os

68
O Tempo da Política • CAPÍTULO 6

aparelhos administrativos da esfera local, ao mesmo tempo em que contou com diversas inovações,
como a centralização e compilação jurídica das legislações do reino sob a tutela real, que forneciam
especificidade a esse tempo. As configurações sociais, políticas e econômicas também eram outras.
Os nobres desempenhavam cada vez menos o poder militar, que progressivamente era exercido (ou
monopolizado) pelo rei, seja por meio de tropas pagas, seja por meio dos mercenários. O campesinato
participava lentamente de um processo, que teve seu ápice no século XVIII, de desestruturação das
relações de produção servil. Os comerciantes, ou mesmo a burguesia, começavam a enriquecer e,
se em alguns países “engessaram” seus capitais buscando títulos e terras – que a rigor, não tem nada
de arcaizante –, em outros aplicou num processo que se fomentava: acumulou com a circulação
do comércio e investiu em manufaturas e, posteriormente, em fábricas.

O Estado, ou a monarquia, teve na igreja e na nobreza seus mais firmes concorrentes. O poder
ultramontano redefiniu os jogos de poder na esfera “internacional” (ou “supranacional”, como se
diz hoje), enquanto as elites tensionaram o rei à esfera local e “nacional”. As colônias serviram, da
mesma forma, e com outro grau de negociação, para desequilibrar e equilibrar uma vez mais essas
relações. Pactos foram feitos, desfeitos, rearranjados e descaminhados, alternando conjunturas,
mas realçando no tempo o poder real. Movimento e processo que imprimiu peculiaridade aos
Estados ou monarquias da Época Moderna.

Estudos de Caso

Não se pretende, aqui, estabelecer critérios rígidos para explicar a formação das diversas
monarquias nascentes na Europa nos séculos XV e XVI. Pelo contrário, a meta é abordar tais
processos dando destaque para as particularidades de cada região evidenciando seus principais
desdobramentos. Vejamos os casos enumerados a seguir.

Portugal
A formação de Portugal como um reino independente remonta ao ano de 1096, quando dom
Henrique, quarto filho do duque da Borgonha recebe do rei de Castela e Leão, Monso VI, o
Condado Portucalense. Não possuía o território, até então, uma autonomia maior do que a de
outros domínios senhoriais que sempre mantiveram relações de vassalagem com o suserano.

Foi Monso Henriques [1109-1185], filho do conde dom Henrique e de dona Teresa, quem alargou o
território de Portucale à custa de muçulmanos e leonenses, assumindo o título de rei de Portugal.

Tomando as rédeas do governo em 1128, Monso Henriques conseguiu o apoio da nobreza


localizada nas regiões de Entre-Douro e Minho, estabelecendo sua autoridade com sucessivas
vitórias contra os mouros que ainda insistiam em dominar a região. Estimulou também as
atividades comerciais legalizando a organização das feiras locais e regularizou um sistema de
impostos que pudessem garantir a formação de um exército regular e coeso.

69
CAPÍTULO 6 • O Tempo da Política

Em 1143, pelo Tratado de Zamora, Monso VII de Leão reconhece finalmente a independência
de Portugal ao admitir o título de rei usado por Monso Henriques. Este, por sua vez, apressa-se
a declarar a vassalagem do novo reino ao Papa, mas o reconhecimento formal pela Santa Sé
chegará mais tarde em 1179, por meio da bula Manifestis Probatum, do Papa Alexandre III.

Contudo, a política de casamentos cruzados entre as famílias reais da região, as vicissitudes


da Reconquista da Península Ibérica aos mouros e a rivalidade com o poderoso vizinho quase
conduziram a monarquia lusitana ao mesmo destino de outros reinos peninsulares que acabaram
por dissolver-se no grande Estado espanhol.

João I, rei de Espanha, casado com a filha do rei português dom Fernando, reclama a herança
do reino quando da morte deste em 1383. A maioria dos nobres portugueses, seguindo a
mentalidade feudal da época, reconheceram e apoiaram a ascensão do referido rei espanhol
sobre as possessões portuguesas.

Entretanto, dom João, Mestre de Avis, com o apoio da incipiente burguesia e do povo lisboeta,
expulsa da capital os pró-castelhanos, confirmando sua autoridade como rei português depois
da aclamação recebida das Cortes de Coimbra. Tal episódio, associado à vitória na batalha de
Aljubarrota [1385], garantiu a manutenção da independência lusa dentro da Península.

Com dom João I, Portugal assegurou sua independência política, mas a mentalidade aristocrática
continuou a mesma e com ela a política de casamentos cruzados que outrora já havia trazido
problemas para a região.

Apesar das constantes ameaças políticas, Portugal conseguiu iniciar o processo de centralização
do poder político em torno do rei, consolidando a formação de um aparato administrativo amplo
que pudesse efetivar sua autoridade sobre as províncias do reino, dando, assim, um passo crucial
para o desenvolvimento das técnicas de navegação e para o futuro descobrimento e conquista
de novas possessões localizadas fora da Península.

Espanha

O reino espanhol nasceu da união dos reinos de Castela e Aragão, consolidada pelo casamento
de Isabel I e Fernando II, em 1469. Até então, o espaço ocupado pelo novo reino subdividia-se
em outros pequenos Estados independentes como Leão e Navarra, além das possessões ainda
dominadas pelos mouros.

Aragão era há muito tempo uma potência territorial e comercial no Mediterrâneo, com o controle
da Sicília e da Sardenha. Castela era um reino com uma aristocracia possuidora de enormes
propriedades e poderosas ordens militares; tinha, também, um considerável número de cidades,
embora não tivesse ainda uma capital fixa. A nobreza castelhana se apoderara de vastas extensões
de propriedade agrária pertencente à monarquia durante as guerras civis do final da Idade Média.

70
O Tempo da Política • CAPÍTULO 6

Nos números, Castela apresentava um perfil demográfico e econômico mais amplo do que
Aragão. Contudo, as estruturas políticas encontravam-se fragilizadas com uma monarquia
afrontada pelos poderes políticos dos senhores locais e que não possuía meios de efetivar um
projeto político centralizador e absoluto.

Figura 22. Os reinos na Península Ibérica.

Fonte: Floristán (2011).

71
CAPÍTULO 6 • O Tempo da Política

Aragão, apesar de ainda possuir uma nobreza forte e ativa (Valência, Catalunha), destacava-se
pelo império mercantil que havia criado ao longo dos anos. Barcelona, a maior cidade da Espanha
medieval, possuía a classe comercial mais rica da região. Todavia, a crise do século XIV desmontou
toda organização produtiva levando à bancarrota diversas companhias de comércio. No campo,
as sublevações aumentaram e o poder dos senhores locais passou a ser cada vez mais contestado.

No aspecto político, o reino de Aragão era constituído pela união de três principados: Aragão,
Catalunha e Valência. Sua organização administrativa respeitava a autonomia dos três principados,
que possuíam suas próprias cortes e instituições repressivas. No geral, o quadro apresentado
demonstra uma perspectiva refratária à construção de um absolutismo centralizado. Apesar de
todas as medidas realizadas pelos reis católicos em suprimir a autonomia política das cidades,
extinguir as ordens militares e manter o poder de ação dos corregidores, os poderes locais se
mantiveram.

Longe de criarem um reino unificado, Suas Majestades Católicas fracassaram em estabelecer


uma moeda única, sem falar de um sistema fiscal ou jurídico comum, dentro de seus reinos.
A Inquisição – reinvenção singular na Europa daquela época deve ser entendida neste contexto:
ela foi a única instituição que deu unidade à Península, um elaborado aparelho ideológico que,
apoiado pelas concepções católicas, compensava a divisão e a dispersão administrativa do
Estado espanhol.

França
Diferentemente de outras áreas da Europa, a monarquia francesa, mesmo que fragilmente,
encontrava-se vinculada por meio das relações de vassalagem com os principais ducados e
condados da região. Essa realidade, segundo Perry Anderson, permitiu a existência de uma
hierarquia jurídica propícia à unificação política do reino.

A história da construção do absolutismo francês constitui um processo repleto de descontinuidades,


seja pela desintegração provincial, seja pelas guerras civis que assolaram a região por diversas
vezes. A lenta centralização da dinastia capetíngia chegara ao seu fim com a extinção da linhagem
em meados do século XIV. Tal fato, além de contribuir para o surgimento de disputas políticas
internas entre as casas nobiliárquicas, determinou a eclosão da Guerra dos Cem Anos, travada
contra a monarquia inglesa que, além de possuir interesses comerciais na região, reivindicava a
posse do trono vacante da realeza francesa.

Foi justamente o referido conflito que possibilitou a emancipação fiscal e militar da monarquia
francesa em relação às limitações de organização provenientes do período medieval. A vitória
na guerra só foi possível graças à reestruturação do exército, agora regular e comandado pela
aristocracia, mediante a imposição de um tributo aprovado pelos membros da nobreza e cobrado
pelo monarca: a talha real ou taüle royale [1439-1440]. Iniciava-se nesse período o desenvolvimento
de uma política fiscal unitária capaz de auxiliar a unificação política do reino.

72
O Tempo da Política • CAPÍTULO 6

Luís XI, que subiu ao trono em 1461, lançou-se com inflexível resolução sobre a oposição interna
e externa à dinastia Valois. Durante seu governo, o referido rei consolidou as fronteiras do reino,
aumentou o número de impostos e neutralizou as intrigas aristocráticas. Pela primeira vez a
monarquia francesa controlava politicamente todas as províncias vassalas da época medieval,
apesar de ainda existirem cidades independentes do rudimentar aparato administrativo criado
pelos Valois.

A convocação dos Estados-Gerais evidenciava a tentativa da monarquia francesa de angariar


o consentimento dos grupos sociais quanto a questões referentes à tributação e à condução
da política externa do país. Apesar de todos os obstáculos, tal movimento reforçava a conduta
centralizadora da monarquia, disposta a possuir todos os meios políticos para isso.

Já na primeira metade do século XVI, a França, sob o reinado de Francisco I e Henrique II, era um
reino próspero. Reduziu-se gradativamente às atividades representativas. Os Estados-Gerais já
não eram mais convocados desde 1517 e a política externa tendia a tornar-se uma prerrogativa
exclusivamente real. Ampliou-se também os direitos jurídicos da monarquia que, agora, por
intermédio de assembleias especiais, passava a controlar as ações dos tribunais provinciais, os
parlaments.

Contudo, apesar de tais medidas, a realeza francesa respeitava os privilégios tradicionais dos
nobres e dos membros da Igreja. A isenção fiscal era marca fundamental de um amplo conjunto
de benefícios sociais que garantiam para o rei a supremacia político-administrativa do reino.

A consolidação do absolutismo francês se efetivou definitivamente a partir do governo de Luís


XIV, que assumiu o aparelho de Estado em 1661. No seu governo o poder dos parlaments foi
silenciado. A cobrança de impostos passou a ser uma prerrogativa exclusiva do rei. Suprimiu-se
a autonomia política das cidades. Efetivou-se o desenvolvimento de uma marinha mercante
e de guerra. Foi criada também uma força policial permanente para manutenção da ordem
social. Centralizou-se definitivamente o poder político em Paris, ampliando-se, assim, o aparato
administrativo que servia de suporte para as ações da realeza.

Inglaterra
A formação do Estado centralizado inglês desenrola-se dentro do contexto de invasão de povos
guerreiros provenientes da região norte da Europa, principalmente entre os séculos IX e XI.
Guilherme, o conquistador, duque da Normandia, após invadir o território inglês [1066], passa
a distribuir terras entre os aliados que participaram no movimento de conquista da região.
Aos poucos, a estrutura feudal vai sendo consolidada. O território é dividido em grandes áreas
produtivas (latifúndios), com todos os membros da sociedade submetidos à autoridade do rei.
Um exemplo nítido dessa realidade foi a criação do cargo de Sheriff. Estes, por sua vez,
representavam o poder do governo central em cada condado, mantendo a ordem e distribuindo
a justiça real.

73
CAPÍTULO 6 • O Tempo da Política

Dentro desse quadro, cria-se uma legislação feudal rígida que intensifica e estende a exploração a
todos os cultivadores camponeses (servos; vilões). Estes não possuíam direitos e eram obrigados
a pagar pesados tributos ao senhor feudal da região.

O sucessor de Guilherme, Henrique I, mantém a estrutura política centralizada mediante a


elaboração de um conjunto de leis e decretos que atribuíam a função da justiça somente ao
Estado. O principal interesse dessa conduta política era garantir a centralização da cobrança de
tributos, efetivando, assim, a consolidação de um exército regular e coeso. Para isso, foi criado
um departamento especial: o Tesouro. Além desse órgão estatal, podemos ainda nos referir ao
corpo burocrático desenvolvido para apoiar a realeza nas decisões governamentais: a Cúria Régis.
O Parlamento, outro órgão político criado nessa época, provinha do Conselho Real formado pelos
nobres feudais e pelos dignatários da Igreja que em tempos de maior necessidade se subdividiam
em departamentos provinciais.

Com a morte de Henrique I, a Inglaterra deságua num longo período de crise política, onde as
disputas entre as famílias nobiliárquicas contribuem para uma considerável fragmentação do
poder central. Contudo, Henrique de Anjou, neto de Henrique I, reunifica o país, reequilibrando a
aliança política entre o governo central e os nobres locais que, apesar de manterem seus privilégios
sociais, respeitavam os acordos vassálicos que os ligavam à figura do rei.

Porém, essa conduta de equilíbrio político é quebrada novamente com a ascensão do rei
João-sem-terra que, obstinado em ampliar suas possessões territoriais, determina o aumento do
número de impostos e passa a confiscar terras sem os devidos julgamentos. Em 1215, os nobres
ingleses criam um conjunto de reivindicações que visavam limitar o poder político do rei João.
O principal objetivo da Magna Carta era evitar o aumento abusivo dos impostos e criar uma
comissão composta por 24 membros que fiscalizariam a conduta política do rei, garantindo,
assim, os interesses dos nobres e da nascente burguesia mercantil.

É justamente a partir desse período que o Parlamento, antigo Conselho Real, passa a agir como
fiscal sobre o modo de se gastar o dinheiro arrecadado, controlando e examinando as despesas
efetivadas pelo rei. O controle exercido por essa assembleia determinará, futuramente, mudanças
na estrutura política da Inglaterra que, ao contrário dos países ibéricos, caminhará para um
modelo político baseado numa monarquia constitucional.

Esse quadro de mudanças é acompanhado de perto por novas disputas internas travadas pelo
controle do trono real. A Guerra das Duas Rosas, levada a cabo pelas duas principais casas
nobiliárquicas da Inglaterra (Lancaster x York), insere-se dentro do quadro de crise econômica do
século XIV, crise esta que desestabilizou a expansão comercial e produtiva dos séculos anteriores.

A estabilidade política e comercial inglesa renova-se com a ascensão dos Tudor em meados do
século XV. Henrique VII apropria-se das terras dos nobres derrotados, aliando-se gradativamente
aos comerciantes enriquecidos. Sua conduta política voltou-se para a ampliação das relações

74
O Tempo da Política • CAPÍTULO 6

comerciais com outras regiões e o subsequente acúmulo de riquezas provenientes do aumento


produtivo resgatado após a crise do século XIV.

Henrique VIII amplia o projeto político do seu antecessor confiscando propriedades da Igreja
Católica e criando o Anglicanismo. É dentro de seu governo que as bases produtivas inglesas se
ampliam drasticamente, contribuindo para transformações de caráter econômico que, já dentro
do século XVII, desembocariam no surgimento e desenvolvimento das relações capitalistas
de produção e na Revolução política de 1640, que viria a determinar definitivamente o fim do
governo absoluto inglês.

Figura 23. A Europa em 1600

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/17th_century#/media/File:Europe_map_1600.jpg (acesso em setembro de 2016).

Sintetizando

Vimos, neste capítulo:

» A construção do discurso político sobre o Estado na época Moderna;

» O processo de centralização nas diferentes Monarquias na Europa do oeste.

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