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PATRÍCIA JERÔNIMO SOBRINHO

Literatura brasileira até o século XIX

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autor
Patrícia Jerônimo Sobrinho

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático........................................................................................................................................4

Introdução...............................................................................................................................................................................6

Capítulo 1
Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica..........................................................................7

Capítulo 2
Barroco............................................................................................................................................................................ 20

Capítulo 3
Arcadismo....................................................................................................................................................................... 34

Capítulo 4
Romantismo................................................................................................................................................................... 47

Capítulo 5
Realismo e Naturalismo............................................................................................................................................ 62

Capítulo 6
Parnasianismo e Simbolismo.................................................................................................................................. 76

Referências........................................................................................................................................................................... 90
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

4
Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Os movimentos literários refletem o que ocorre em cada período da nossa sociedade. Eles podem
ser utilizados para compreendermos como era o comportamento, a linguagem, as ideias e a
cultura de uma determinada época, assim como as transformações de um período a outro.

No Brasil, a literatura apresenta duas grandes eras: a Era Colonial e a Era Nacional. A Era colonial
tem início com a chegada dos primeiros portugueses ao Brasil, em 1500, e se estende até 1808,
quando a família real chega ao Rio de Janeiro. A Era Nacional se inicia em 1836, quando entramos
no cenário do movimento romântico, e se propaga até os dias atuais. Esse período, entre 1808 e
1836, é denominado Período de Transição, que corresponde a uma fase de luta pelo processo
de independência política do Brasil.

Para que cada movimento literário seja apreendido, é fundamental que você relacione o texto
literário com o seu contexto sociocultural de produção, compreendendo o papel da criação
artístico-literária em um determinado estilo de época.

Vale destacar que você não deve restringir o estudo dos movimentos literários aos autores e às
obras produzidas por eles, mas, sobretudo, ao seu cotidiano e à sua condição social e existencial.
A ideia é fazer com que você reflita sobre as influências desses movimentos em sua própria vida,
relacionando-os com a arquitetura, a pintura, a escultura, enfim, com a arte em geral presente
na contemporaneidade.

Desejo a todos um excelente aprendizado! Boa leitura!

Objetivos

» Apresentar uma visão dos principais movimentos literários brasileiros que permearam
a nossa sociedade desde a Era Colonial até meados do séc. XIX: Literatura Informativa
e Jesuítica, Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo, Naturalismo, Parnasianismo e
Simbolismo.

» Demonstrar os fatores históricos e culturais que deram origem aos estilos literários
desenvolvidos nesse período no Brasil.

» Explicitar, a partir de textos, as características inerentes a cada movimento literário


estudado.

» Possibilitar uma compreensão acerca da importância literária e histórica dos diferentes


movimentos literários no Brasil, desenvolvendo a aptidão para ler criticamente obras
que façam parte desses contextos.

6
CAPÍTULO
QUINHENTISMO: LITERATURA
INFORMATIVA E LITERATURA
JESUÍTICA 1
Introdução

Denominamos “Quinhentismo” as manifestações literárias ocorridas no Brasil durante o século


XVI, correspondendo à introdução da cultura europeia em terras brasileiras. Nesse período, não
podemos falar em uma literatura efetivamente do Brasil, mas de uma literatura no Brasil – visto
que o homem e a sociedade brasileira foram apresentados pela visão do colonizador europeu
–, os escrivães da época (viajantes e missionários) descreviam a fauna, a flora, o solo e também
os habitantes que aqui estavam. Assim, temos uma Literatura Informativa e uma Literatura
Jesuítica como principais manifestações literárias no século XVI.

Objetivos

» Situar o momento histórico-cultural do período colonial.

» Discorrer sobre as primeiras manifestações literárias do Brasil-Colônia: Literatura


Informativa e Literatura Jesuítica.

» Reconhecer as principais características das produções literárias desse período.

» Analisar textos de autores representativos da Literatura Informativa (Pero Vaz de Caminha)


e da Literatura Jesuítica (José de Anchieta e Manuel da Nóbrega).

Literatura informativa e literatura jesuítica

O estudo da literatura brasileira tem início em 1500, com a descoberta do Brasil. Esse período
da história literária é denominado “Quinhentismo”. É um período em que a nossa literatura se
manteve

[...] tão viva quanto lhe era possível a tradição literária portuguesa. Submissa a
esta e repetindo-lhe as manifestações, embora sem nenhuma excelência e antes
inferiormente, animou-a, todavia, desde o princípio o nativo sentimento de apego
à terra e afeto às suas cousas. Ainda sem propósito acabaria este sentimento

7
CAPÍTULO 1 • Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica

por determinar manifestações literárias que em estilo diverso do da metrópole


viessem a exprimir um gênio nacional que paulatinamente se diferençava
(VERÍSSIMO, 1915, p. 5).

No Quinhentismo, as manifestações literárias se resumiam a dois tipos: Literatura de Informação


e Literatura Jesuítica.

Contexto histórico

Na época dos descobrimentos marítimos, Portugal possuía uma situação estratégica privilegiada
(em termos geográficos) em comparação com outros países europeus. Em meados do século
XV, os lusitanos tinham a preocupação em expandir seu território, não se restringindo apenas
à África e à Ásia.

Em seu diário de viagens, Vasco da Gama (um navegador e explorador português) registrara a
existência de terras a oeste de sua rota. Quando se afastara da costa Africana, outro navegador
e explorador português, Pedro Álvares Cabral, confirmou a existência dessas terras.

Os portugueses chegaram às terras brasileiras no ano de 1500. Deste ano até 1530, o território
brasileiro, então conhecido como Terra de Santa Cruz, foi submetido à intensa exploração.
Expedições eram feitas para coletar e transportar pau-brasil, uma madeira nobre, muito valorizada
na Europa. Portugal tinha como objetivo expandir o seu império, conquistando novas terras para
a Coroa Portuguesa e novas almas para a Igreja Católica.

Figura 1. Quadro “Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles (1860).

Disponível em: <http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2012/06/PrimeiraMissaBR_VictorMeirelles.jpg>. Acesso


em: 28 ago. 2017.

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Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica • CAPÍTULO 1

Nos trinta anos seguintes ao descobrimento, a nova terra foi ocupada por diferentes povos, não
apenas os portugueses. De caráter predatório (em função da exploração das riquezas materiais:
madeira, ouro, prata etc.), a expansão mercantilista portuguesa provocou o desequilíbrio e,
quando não, a destruição da cultura indígena.

Em linhas gerais, a literatura desse período é baseada na descrição das terras para o conhecimento
dos europeus, ou seja, “orientada para o conhecimento do solo e do homem ‘brasílicos’, e para
a educação do gentio ignaro e do colono analfabeto” (MOISÉS, 1999, p. 15).

A literatura, nessa época, confunde-se com a portuguesa, uma vez que as crônicas, histórias,
foram compostas pelos portugueses. São textos dedicados à expansão e aos descobrimentos e suas
consequências morais e políticas. Esses textos são definidos como “literatura de informação”, ou
seja, uma literatura para divulgar a nova terra e seus atributos para a Europa. Veja o texto a seguir:

Como todas as coisas têm fim, convém que tenham princípio, e como o de
minha pretensão é manifestar a grandeza, fertilidade e outras grandes partes
que tem a Bahia de Todos os Santos e demais Estados do Brasil, do que os reis
passados tanto se descuidaram, a el-rei nosso senhor convém, e ao bem do seu
serviço, que lhe mostre, por estas lembranças, os grandes merecimentos deste
seu Estado, as qualidades e estranhezas dele etc., para que lhe ponha os olhos e
bafeje com seu poder, o qual se engrandeça e estenda a felicidade [...] Em reparo
e acrescentamento estará bem empregado todo o cuidado que Sua Majestade
mandar ter deste novo reino, pois está capaz para se edificar nele um grande
império, o qual com pouca despesa destes reinos se fará tão soberano que seja
um dos Estados do mundo porque terá de costa mais de mil léguas, como se verá
por este Tratado no tocante à cosmografia dele, cuja terra é quase toda muito
fértil, mui sadia, fresca e lavada de bons ares e regada de frescas e frias águas.
Pela qual costa tem muitos, mui seguros e grandes portos, para nele entrarem
grandes armadas, com muita facilidade, e, para as quais tem mais quantidade
de madeira que nenhuma parte do mundo, e outros muitos aparelhos para
se poderem fazer. É esta província mui abastada de mantimentos de muita
substância e menos trabalhosos que os de Espanha. Dão-se nela muitas carnes,
assim naturais dela, como das de Portugal, e maravilhosos pescados; onde se
dão melhores algodões que em outra parte sabida, e muitos açúcares tão bons
como na ilha da Madeira. Tem muito pau de que se fazem as tintas. Em algumas
partes dela se dá trigo, cevada e vinho muito bom, e em todas todos os frutos e
sementes de Espanha, do que haverá muita qualidade, se Sua Majestade mandar
prover nisso com muita instância e no descobrimento dos metais que nesta terra
há, porque lhe não falta ferro, aço, cobre, ouro, esmeralda, cristal e muito salitre;
e em cuja costa sai do mar todos os anos muito bom âmbar [...]

(Gabriel Soares de Sousa. “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”. Disponível em: <http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me003015.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2017.)

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CAPÍTULO 1 • Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica

Neste trecho do “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”, o cronista Gabriel Soares de Sousa envia
informações acerca da colônia a um influente conselheiro do rei Filipe II de Espanha. Relata as
grandezas da terra, sua fertilidade, as riquezas no setor da mineração etc. É uma literatura de
informação cujo objetivo primeiro é transmitir informações acerca das terras brasileiras.

De acordo com Veríssimo (1915, p. 25), “o apreço da terra, mesmo uma exagerada admiração
dela, da sua natureza, das suas riquezas e bens, é uma impressão comum nos primeiros que do
Brasil escreveram, estranhos e indígenas”. Será essa impressão que imprimirá à nossa literatura
o primeiro traço de distinção com a literatura portuguesa.

Literatura informativa

É uma literatura que marca a descoberta de novos lugares. Também chamada de literatura dos
cronistas e viajantes. Quando o Mediterrâneo tornou-se pequeno, os escritores embarcavam em
expedições para contar as suas experiências e impressões fora do seu local habitual. Quanto mais
exótico era o lugar, mais interessante ficava a narração. Esses escritores-viajantes contavam os
usos e costumes de um país ou região ainda desconhecida.

Dizem que Ulisses (personagem da “Ilíada” e da “Odisseia” de Homero) foi um dos primeiros
protagonistas da literatura dos viajantes, seguido por Virgílio, autor de “Eneida”, que narra a lenda
do herói Eneias, sobrevivente da Guerra de Troia e ancestral dos fundadores da Roma Antiga.

Aqui no Brasil, os textos de informação (ou dos cronistas e viajantes) ou a produção de uma
literatura colonial podem ser entendidos como documentos, uma vez que forneciam à metrópole
dados sobre a nossa terra. Bosi (2006) explica que os textos de informação

[...] são informações que viajantes e missionários europeus colheram sobre


a natureza e o homem brasileiro. Enquanto informação, não pertencem à
categoria do literário, mas à pura crônica histórica e, por isso, há quem os
omita por escrúpulo estético (José Veríssimo, por exemplo, na sua História
da Literatura Brasileira). No entanto, essa literatura nos interessa como
reflexo da visão de mundo e da linguagem que nos legaram os primeiros
observadores do País. É graças a essas tomadas diretas da paisagem, do
índio e dos grupos sociais nascentes, que captamos as condições primitivas
de uma cultura que só mais tarde poderia contar com o fenômeno da
palavra-arte. E não é só como testemunhos do tempo que valem tais
documentos: também como sugestões temáticas e formais. Em mais de
um momento a inteligência brasileira, reagindo contra certos processos
de europeização, procurou nas raízes da terra e do nativo imagens para
se afirmar em face do estrangeiro: então, os cronistas voltaram a ser lidos,
e até glosados, tanto por um Alencar romântico e saudosista como por
um Mário ou um Oswald de Andrade modernistas (BOSI, 2006, p. 13).

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Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica • CAPÍTULO 1

Esses documentos tinham como objetivo informar Portugal sobre a nova terra. Eram registros de
observações, feitas pelos autores, sobre a terra “descoberta”. O primeiro texto da época é a Carta a
El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil, escrita pelo escrivão da armada de Cabral, Pero
Vaz de Caminha, em 1500. De acordo com Bosi (2006), a Carta significou para a nossa história
uma autêntica certidão de nascimento:

[...] dando notícia da terra achada, insere-se em um gênero copiosamente


representado durante o século XV em Portugal e Espanha: a literatura de viagens.
Espírito observador, ingenuidade (no sentido de um realismo sem pregas) e
uma transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de
uma cristandade ainda medieval: eis os caracteres que saltam à primeira leitura
da Carta e dão sua medida como documento histórico (BOSI, 2006, pp. 14-15).

A Carta de Caminha é um documento magnífico que merece ser lido atentamente, tanto por
seu estilo como por sua objetividade extraordinária em relação à descrição da terra e de seus
habitantes. Nela, podemos perceber como e o quanto Caminha se encantou com o “Novo Mundo”
e os indígenas.

Na carta, o objeto a ser alvo de descrições é, predominantemente, o indígena:

A feição deles é serem pardos, [à] maneira de avermelhados, de bons rostos e


bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, nem estimam*
cobrir nenhuma coisa, nem mostrar suas vergonhas: acerca disso, estão em
tanta inocência como têm em mostrar o rosto. (* Estimam: nem se importam).
Fonte: CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil.
Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0015.html>.
Acesso em: 1 jun. 2017.

A maneira de Caminha ver os fatos fundamenta-se na observação da semelhança e da diferença.


No trecho anterior, ele registra o primeiro choque cultural sofrido pelos portugueses. Observa o
que é semelhante aos hábitos e culturas europeus e o que se mostra diferente na nova realidade
descrita.

Atenção

Apesar de a literatura brasileira ter nascido no período colonial, ainda não eram sólidas as condições para o
florescimento de uma literatura efetivamente brasileira. Em outras palavras, nesse período os textos continham
marcas da subjetividade cultural do europeu, descrevendo a fauna, a flora e os habitantes da nova terra.

Caminha também informa ao rei sobre a riqueza da terra “recém-descoberta”:

Não pudemos saber até agora que nela haja ouro, nem prata, nem nenhuma
coisa de metal, nem de ferro, nem lho vimos. Porém, a terra em si é de muito

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CAPÍTULO 1 • Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica

bons ares, frios e temperados, como os de Entre Douro e Minho, porque, neste
tempo de agora, assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas, infindas.
E de tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, dar-se-á nela tudo, por
bem das águas que tem.

Fonte: CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil.
Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0015.html>.
Acesso em: 1 jun. 2017.

Enaltece a terra, dando-lhe o sentido de um paraíso, onde “dar-se-á nela tudo”. Ela é descrita
como exuberante, tanto em relação à natureza quanto aos costumes dos seus habitantes. É uma
representação a qual a “natureza” se oferece graciosamente à exploração dos portugueses.

A exaltação da terra é resultante do assombro do europeu que vinha de uma terra temperada e se
encontra ante o exotismo e a exuberância de um mundo tropical. O uso exagerado de adjetivos
– como, por exemplo, “graciosa” – marca a exaltação, o elogio à terra “descoberta”.

A necessidade de evangelizar os habitantes da “terra descoberta” é outro elemento que fica


evidente na Carta:

Parece-me gente de tal inocência que - se algum deles entendesse, e eles


[entendessem] a nós - seriam logo cristãos, porque eles não têm nem entendem
de nenhuma crença, segundo parece.

Fonte: CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil.
Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0015.html>.
Acesso em: 1 jun. 2017.

Para Caminha, os indígenas não tinham crenças, logo seria fácil torná-los cristãos. A conversão
dos indígenas ao cristianismo facilitaria a posse e a exploração do Brasil. Assim, na Carta, Caminha
descreve os habitantes, os aspectos geográficos, além do duplo objetivo dos portugueses: a
conquista de bens materiais e a divulgação da fé cristã.

Essa descrição dos habitantes, da natureza, dos aspectos geográficos, de historiar a vida
ainda recente “da Colônia indica um primeiro passo da consciência do colono, enquanto
homem que já não vive na Metrópole e, por isso, deve enfrentar coordenadas naturais
diferentes, que o obrigam a aceitar e, nos casos melhores, a repensar diferentes estilos
de vida” (BOSI, 2006. p. 27).

Atenção

Vários elementos da literatura informativa serão retomados por José de Alencar, Gonçalves Dias e outros escritores do
Romantismo, para compor o indianismo romântico.

12
Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica • CAPÍTULO 1

Além da Carta de Caminha, outros textos se destacaram na época:

» Tratado da Terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente


chamam Brasil (1576), de Pero de Magalhães Gandavo.

» Tratado Descritivo do Brasil (1587), de Gabriel Soares de Souza.

» Diálogos das grandezas do Brasil (1618), de Fernandes Brandão.

“Um balanço da prosa do primeiro século e meio da vida colonial dá-nos elementos para dizer
que o puro caráter informativo e referencial predomina e pouco se altera até o advento do estilo
barroco” (BOSI, 2006, p. 28). Somente com a presença deste na Europa que nascerá entre nós
uma organização estética da prosa.

Ao lado desses textos em prosa, pertencentes à literatura informativa, encontramos ainda


manifestações em poesia e teatro escrito por jesuítas com o intuito de catequese.

Literatura Jesuítica

A Europa, no século XVI, vive uma nova realidade econômica e social. O capitalismo medieval
avança com o desenvolvimento da manufatura e do comércio internacional. A Igreja Católica
enfrenta a Reforma Protestante, formada por forças burguesas insatisfeitas com o medievalismo
católico.

Em consequência dessa nova realidade social, a Igreja reafirmou os dogmas católicos no Concílio
de Trento (1545), uma reunião de cunho religioso que buscava combater a expansão da Reforma
Protestante. Além de reorganizar várias comunidades religiosas já existentes, o Concílio criou
outras, entre as quais a Companhia de Jesus ou Ordem dos Jesuítas.

Os primeiros missionários jesuítas, da Companhia de Jesus, chegaram ao Brasil na esquadra


de Tomé de Souza, em 1549. Desde que eles se estabeleceram em terras brasileiras,
compreendiam-se “discursos em prosa e verso, epigramas ou poemas conceituosos alusivos aos
motivos das festividades, diálogos em verso ou prosa ou misturados de ambos e cenas dialogadas
representadas em tablados ou ramadas à guisa dos autos no Reino” (VERÍSSIMO, 2012, p. 25),
sobre devoção e edificação. Os atores ou recitadores eram indígenas amansados, discípulos
europeus dos jesuítas e até mesmo algum padre.

A principal preocupação dos jesuítas era o trabalho de catequese. Para Bosi:

Assim como os cronistas se debruçaram sobre a terra e o nativo com um espírito


ao mesmo tempo ingênuo e prático, os missionários da Companhia de Jesus,
aqui chegados nem bem criada a ordem, uniram à sua fé (neles ainda de todo

13
CAPÍTULO 1 • Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica

ibérica e medieval) um zelo constante pela conversão do gentio, de que os escritos


catequéticos são cabal documento. (BOSI, 2006, p. 21)

Vamos comentar, a seguir, um texto de José de Anchieta, pertencente à literatura jesuítica, que,
segundo Bosi (2006, p. 20), “[...] é rica de informações e com um ‘plus’ de intenção pedagógica e
moral. Os nomes mais significativos do século XVI são os de Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim,
merecendo um lugar à parte, pela relevância literária, o de José de Anchieta”.

José de Anchieta chegou ao Brasil em 1553. Colaborou com Manuel da Nóbrega na fundação de
um colégio em Piratininga, lugar onde, mais tarde, daria origem à cidade de São Paulo.

Figura 2. Padre José de Anchieta.

Disponível em: <http://www.franciscanos.org.br/?p=37387>. Acesso em: 1 jun. 2017.

Vasconcelos (1943) dizia que Anchieta era “destro em quatro línguas: portuguesa, castelhana,
latina e brasílica, em todas elas traduziu em romances pios, com muita graça e delicadeza, as
cantigas profanas que então andavam em uso, com fruto das almas [...]” (VASCONCELOS, 1943,
p. 34). E foram essas cantigas profanas que sacralizaram o princípio da poesia brasileira.

Outro estudioso que considera a obra de Anchieta como fonte de formação da literatura brasileira
é Coutinho (2003, p. 59), segundo o qual “nesses primeiros passos da formação da nacionalidade,
avulta e enche todo o século XVI a figura do jesuíta, tão prodigioso no desbravamento dos espíritos,
como seria, no século seguinte, o bandeirante, na conquista da terra e do subsolo”.

Anchieta escreveu cartas, sermões, fragmentos históricos, poesias e peças teatrais, utilizando-se
do latim, do tupi e do português. Mas o que interessa para os estudiosos da literatura é o Anchieta
poeta e dramaturgo, conforme destaca Bosi (2006, p. 22): “os seus autos são definitivamente
pastorais (no sentido eclesial da palavra), destinados à edificação do índio e do branco em certas
cerimônias litúrgicas [...], o mesmo não ocorre com os seus poemas que valem em si mesmos
como estruturas literárias.”. Ou seja, seus autos eram de cunho didático, com o objetivo de
catequizar os indígenas.

14
Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica • CAPÍTULO 1

Portella (2005) vai de encontro ao que Bosi (2006) destaca em relação ao que interessa aos
estudiosos de literatura:

Estou certo, no entanto, de que o Anchieta, documento de nossa história literária,


não é tanto o das cartas e muito menos o dos sermões, mas precisamente o
das poesias. Poesias, convém advertir, não apenas válidas por conferirem ao
poeta um papel histórico importante – o de iniciador da nossa poesia – mas
também pelas próprias qualidades artísticas que, não raro, elas trazem consigo. E
adiante-se que são poesias profundamente marcadas de Brasil. Tanto mais que a
própria destinação de sua obra, o fato de ser ela escrita para leitores brasileiros ou
já brasileiros, obrigava-a uma atitude, a uma cosmovisão, a um estilo, que eram
antes brasileiros e, de modo algum, portugueses ou castelhanos (PORTELLA,
2005, p. 12).

Já que devemos considerar a poesia de Anchieta, vamos ler trechos do seu poema “A Santa Inês”.

A Santa Inês

Cordeirinha linda, Virginal cabeça,


Como folga1 o povo, Pela fé cortada,
Porque vossa vinda Com vossa chegada
Lhe dá lume novo. Já ninguém pereça;
Cordeirinha santa, Vinde mui depressa
De Jesus querida, Ajudar o povo,
Vossa santa vida Pois com vossa vinda
O Diabo espanta. Lhe dais lume2 novo.
Por isso vos canta Vós sois cordeirinha
Com prazer o povo, De Jesus Fermoso;
Porque vossa vinda Mas o vosso Esposo
Lhe dá lume novo. Já vos fez Rainha.
Nossa culpa escura Também padeirinha
Fugirá depressa, Sois do vosso Povo,
Pois vossa cabeça pois com vossa vinda,
Vem com luz tão pura. Lhe dais trigo novo.
Vossa formosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda 1
Folga: se alegra.
Lhe dá lume novo. 2
Lume: luz

Fonte: ANCHIETA, J. de. A Santa Inês. Disponível em: <http://www.escritas.org/>. Acesso em: 5 jun. 2017.

O poema “A Santa Inês” trata do confronto entre o bem e o mal: Santa Inês chega, espanta o diabo
e, graças a ela, o povo recupera a fé. Como seus textos eram dirigidos a um público especial,

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CAPÍTULO 1 • Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica

indígenas e colonos, Anchieta buscou uma forma de atingir esse público, rapidamente. Para
isso, misturou o erudito (tupi, grego, latim) com o popular.

O resultado é um texto claro, com ideias fáceis de serem compreendidas e capazes de envolver o
ouvinte com a musicalidade dos versos. Ou seja, os temas religiosos eram cantados ou recitados
de modo fácil, como destaca Coutinho:

A sua poesia, escrita para ser lida, cantada ou representada, foi posta inteiramente
a serviço da sua missão religiosa. Na verdade, porém, tal objetivo foi ultrapassado,
pois o catequista canarino dispunha de perícia suficiente e de poder para infundir
boa parte de seus versos um relativo sentido de permanência (COUTINHO,
2003, p. 44).

De acordo com Portella (2005, p. 13), “mesmo considerando essa simplicidade uma simplicidade
interessada, apenas motivada pelo empenho de catequese [...], não nos preocupou se o poeta era
simples por um rasgo de temperamento, isto é, naturalmente simples, ou simples para atender
a uma finalidade [...]”. Não importa qual hipótese é a verdadeira. O que importa é que Anchieta
teve como preocupação primeira a simplicidade.

A lírica de Anchieta possui também uma característica de individualizá-la:

É que, ao expressar o seu universo interior, seus sentimentos pessoais e íntimos,


ela não se mostra apegada a qualquer forma de individualismo, porque cede aos
apelos do que no poema pertence menos ao eu que às circunstâncias. É este, com
efeito, o principal elemento identificador da poesia lírica de José de Anchieta. Da
lírica e da dramática, uma vez que de lirismo e drama se compõe o seu universo
poético. A épica, tão esquiva, ela está na obra de Anchieta que não chega a ter
uma existência definida. (PORTELLA, 2005, p. 14).

Muitos estudiosos de literatura não consideram Anchieta como um poeta de qualidade, excluindo-o
dos cânones da poesia brasileira. Outros julgam a sua poesia como apenas de cunho didático
com a finalidade de catequizar os indígenas, sem nenhum fundo literário. Porém, há outros
estudiosos que valorizam a literatura de Anchieta, como o poeta moderno Murilo Mendes:

Pena de Anchieta

O padre era mesmo bom,

Não era padre, era santo,

Mandava na tempestade;

Um morto ressuscitou,

Um dia, pra batizar.

16
Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica • CAPÍTULO 1

O índio levanta as armas

Para matar o cristão,

O padre está longe dele,

O vento vem lhe avisar,

O padre se concentrou,

Pensa com força no índio,

As armas dele caíram.

O padre era mesmo bom,

Deu a mão a muita gente,

Deu a luz a muita gente,

Muitos colégios fundou.

Escreveu poema na areia,

Não ligou para os leitores;

só a Virgem pôde ler.

Tenho uma pena bem grande

De saber que ele ensinou

somente aos índios espertos;

Que não estendeu o ensino

À colônia portuguesa.

Fizeram mal de botar

Este padre notável

Servindo de manequim

Na estátua positivista.
(MENDES, M. História do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 20.)

Além de poemas, as peças teatrais também se destacam na obra de Anchieta. As peças “materializam
nas figuras fixas dos anjos e dos demônios os polos do Bem e do Mal, da Virtude e do Vício, entre
os quais oscilaria o cristão; daí o seu realismo, que à primeira vista parece direto e óbvio, ser, no
fundo, alegoria” (BOSI, 2006, p. 24).

17
CAPÍTULO 1 • Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica

Essas peças seguem a tradição do teatro medieval, à maneira dos Autos de Gil Vicente. “Na Festa
de São Lourenço” é a mais importante delas.

Consta de quatro atos e uma dança cantada em procissão final, oferece cenas
nativas, luta contra os franceses, corridas, cenas diabólicas e místicas, visando
a converter recreando. Os versos em português, são em número de quarenta,
trazem a fala do anjo que representa as figuras do amor e temor através do fogo
que o Senhor manda para abrasar as almas, como o fogo material que abrasa a
de São Lourenço. (BOSI, 2006, pp. 22-28).

Apresentamos, a seguir, um trecho do 2o Ato (que Anchieta considerava a parte central) da peça
“Na Festa de São Lourenço”. Não fique assustado com a linguagem, pois é um texto escrito em
tupi e português. Para Bosi (2006, p. 23), “é uma obra pedagógica, que chega a empregar ora o
português, ora o tupi, conforme o interesse ou o grau de compreensão do público a doutrinar”.

Saiba mais

Gil Vicente foi um poeta e dramaturgo português. É considerado, por muitos estudiosos, como o pioneiro do teatro
português. Sua obra mais conhecida é “A farsa de Inês Pereira”. Seu livros marcam a fase histórica da passagem da
Idade Média para o Renascimento (século XVI).

2o ATO

No 2o ato entram três diabos, que querem destruir a aldeia com pecados, aos quais resistem São
Lourenço e São Sebastião e o Anjo da Guarda, livrando a aldeia e prendendo os diabos, cujos
nomes são: Guaixará, que é o rei; Aimbirê e Saravaia, seus criados.

Guaixará – [...]

Abá, serã, xe jabé? Quem, como eu?

Ixé serobiaripyra, Eu sou conceituado,

xe anangusú mixyra, Sou o diabão assado,

Guaixará serímbae, Guaixará chamado,

Kuépe imoerapoanimbyra. Por aí afamado.

[...]

Moraséia e ikatú, É bom dançar,

jeguáka, jemopiránga, Adornar-se, tingir-se de vermelho,

samongy, jetymanguánga, Empenar o corpo, pintar as pernas,

jemoúna, petymbú, Fazer-se negro, fumar,

karaí moñamomoñánga... Curandeirar...

18
Quinhentismo: Literatura Informativa e Literatura Jesuítica • CAPÍTULO 1

Jemoyrõ, morapití, De enfurecer-se, andar matando,

joú, tapúia rára, Comer um ao outro, prender tapuias,

aguasá, moropotára, Amancebar-se, ser desonesto,

mañána, syguarajy, Espião, adúltero

- naipotári abá sejára. Não quero que o gentio deixe.

Angarí - Para isso

ajosúb abá koty, Convivo com os índios,

texerorobiár, ujábo. Induzindo-os a acreditarem em mim.

Oú teñé xe peábo Vêm inutilmente afastar-me

“abaré” jába, kori, Os tais “padres”, agora,

Tupã rekó mombeguábo. Apregoando a lei de Deus.


(Fonte: ANCHIETA, J. de. Na Festa de São Lourenço. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.
br/>. Acesso em: 5 jun. 2017.)

O tema da peça “Na Festa de São Lourenço” é a representação do martírio de São Lourenço,
posto sobre grelhas em cima de um braseiro. No 2o Ato, toda a ação está no diálogo entre os
personagens. O enredo é a luta entre o bem e o mal e, ao final, quem vence é o bem. A vitória é
comemorada com danças, músicas e cantos. O foco está nos personagens dos demônios, uma
vez que os indígenas acreditavam em seres malévolos que andavam pelas florestas e estradas. Ele
se valia desses personagens para doutrinar os indígenas à moral cristã, combatendo a bigamia,
a nudez, enfim, os excessos que levavam às desordens morais. É uma época em que a “atividade
literária […] serve aos fins da companhia de Jesus, e por isso ignora, salvo incidentalmente,
propósitos de arte desinteressada: prevalece, regra geral, a intenção doutrinária ou pedagógica
sobre a estética propriamente dita.” (MOISÉS, 1999, p. 15).

Sintetizando

Vimos até agora:

» Os primeiros registros da nossa Terra foram escritos por viajantes e missionários europeus, que coletaram
informações sobre a natureza e o homem brasileiro. A essas primeiras manifestações literárias deram o nome de
Literatura Informativa.

» Paralelamente à literatura informativa, ocorria no Brasil a Literatura Jesuítica, que visava à catequização do
indígena, à instrução do colono e sua assistência religiosa e moral.

» No primeiro século de existência do Brasil, registra-se, portanto, a ocorrência de: prosa, cartas de informação;
poesia, com finalidades didáticas e catequizadoras; e de teatro, que tinha como objetivo fins pedagógicos e morais.

19
CAPÍTULO
BARROCO 2
Introdução

No capítulo anterior, conhecemos as principais manifestações literárias ocorridas no Brasil durante


o século XVI. Vimos que são textos que se aproximam mais de relatos históricos e correspondem
aos textos produzidos pelos portugueses, descrevendo o que encontravam nas terras brasileiras
(Literatura Informativa). Ou, então, eram textos produzidos pelos jesuítas destinados à catequese
(Literatura Jesuítica). Toda essa produção é chamada de Quinhentismo Brasileiro.

Neste capítulo, vamos estudar a produção literária que teve início no século XVII e se estendeu
até o século XVIII: o Barroco.

Objetivos

» Situar o momento histórico-cultural do Barroco no Brasil.

» Identificar as principais características dessa manifestação literária.

» Reconhecer o principal representante do Barroco brasileiro: Bento Teixeira.

Barroco

Usamos o termo Barroco (ou Seiscentismo) para designar o estilo literário que se desenvolveu no
século XVII, estendendo-se até meados do século XVIII. O período do barroco é muito importante
na nossa história, não somente na literatura, mas, também, na pintura, na escultura, na música
(canto gregoriano), na arquitetura.

Contexto Histórico

Em meados do século XVII, inúmeras crises agitaram o Ocidente: guerras constantes, divisão
entre cristãos novos e cristãos antigos, a inquisição, entre outros fatores. É um momento de
instabilidade, ansiedade, pessimismo e, acima de tudo, decepção.

20
Barroco • CAPÍTULO 2

Bosi (2006) ressalta que sempre é importante refletir sobre o estilo pós-renascentista e nos países
germânicos, após o período reformista. Para ele:

A Renascença, fruto maduro da cultura urbana em alguns centros italianos desde


o princípio do século XV, foi assumindo configurações especiais à medida que
penetrava em nações ainda marcadas por uma poderosa presença do espírito
medieval. No caso português e espanhol, os descobrimentos marítimos levaram
ao ápice uma concepção triunfalista e messiânica da Coroa e da nobreza (rural
e mercantil), concepção mais próxima de certos ideais césaro-papistas da alta
Idade Média que da doutrina do príncipe burguês de Maquiavel. E durante
todo o século XVI vincaram a cultura ibérica fortes traços arcaizantes, que a
Contrarreforma, a Companhia de Jesus e o malogro de Alcácer-Quibir viriam
carregar ainda mais. Ora, o estilo barroco se enraizou com mais vigor e resistiu
mais tempo nas esferas da Europa neolatina que sofreram o impacto vitorioso dos
novos estados mercantis. É na estufa da nobreza e do clero espanhol, português
e romano que se incuba a maneira barroco-jesuítica: trata-se de um mundo já
em defensiva, organicamente preso à Contrarreforma e ao Império filipino, e
em luta com as áreas liberais do Protestantismo e do racionalismo crescente na
Inglaterra, na Holanda e na França [...] Há, portanto, um nexo entre o barroco
hispânico-romano e toda uma realidade social e cultural que se inflecte sobre si
mesma ante a agressão da modernidade burguesa, científica e leiga. Tal inflexão
não poderia ser, e não foi, um mero retorno ao medieval, ao gótico, à mente
feudal da Europa pré-humanística. A atmosfera do Barroco está saturada pela
experiência do Renascimento e herda as suas formas de elocução maduras e
crepusculares: o classicismo e o maneirismo (BOSI, 2006, pp. 30-31)

Da Idade Média até o Renascimento, a Igreja exerceu domínio político, social e econômico.
Pessoas dentro do próprio clero, isto é, dentro da ordem religiosa, começaram a questionar o
poder da Igreja e a discutir os seus dogmas, como, por exemplo, a venda de indulgências, a venda
de um espaço no céu.

Essa situação ocasionou um rompimento no seio da Igreja, concretizada pela Reforma Protestante
de Martinho Lutero, seguida de outra Reforma, a de Ítalo Calvino. Havia, assim, uma disputa
entre os protestantes, que fomentaram o movimento da Reforma, e os católicos que desejavam,
novamente, uma Igreja soberana, como na Idade Média.

A fim de impedir sua fragmentação e inibir os reformistas, a Igreja se organizou em um movimento


chamado de Contrarreforma. Esse movimento teve como objetivo restabelecer a disciplina do
clero e reafirmar os dogmas e crenças da Igreja Católica, propondo um retorno ao medievalismo
e ao poder da igreja e do rei.

21
CAPÍTULO 2 • Barroco

Figura 3. “Martírio de São Mateus” (1599–1600), de Caravaggio.

Disponível em: <http://www.caravaggio-foundation.org/>. Acesso em: 5 jun. 2017.

No Brasil, durante o Barroco, ocorria o início da colonização portuguesa, o ciclo da


cana-de-açúcar, principalmente na Bahia. Além da economia açucareira – tão importante na
época, que resultou no primeiro grande ciclo econômico da história do Brasil, o ciclo da cana
de açúcar –, outra grande fonte de economia foi o tráfico negreiro. Os portugueses trouxeram os
negros da África, como escravos, para trabalharem nas lavouras. Na época, a riqueza do país era
evidente e, por isso, aconteceram muitas invasões, principalmente holandesas.

Os holandeses pretendiam conquistar terras no Nordeste do Brasil e formar nestas uma colônia
holandesa, tendo como principal objetivo a comercialização do açúcar. Após muitos confrontos,
os holandeses foram expulsos pelos colonos portugueses, apoiados por Portugal e pela Inglaterra.

Voltando ao movimento da Contrarreforma, a tentativa de conciliar o espiritismo medieval


e o humanismo renascentista resultou em uma tensão entre forças opostas: o teocentrismo
medieval (Deus é o centro do universo; que a Igreja desejava restabelecer) e o antropocentrismo
renascentista (o homem no centro de tudo; que o próprio homem não desejava perder).

ANTROPOCENTRISMO

X TENSÃO

TEOCENTRISMO

Fonte: Elaboração da autora.

22
Barroco • CAPÍTULO 2

A Contrarreforma desempenha, assim, um papel fundamental na desvalorização da vida terrena


e do abandono da visão de mundo humanista do Renascimento. Por isso, a preocupação com a
morte e a religião se torna intensa. O mundo é falso e a verdade, que é geralmente triste e dura,
esconde-se atrás de uma superfície ilusória.

A busca de uma conciliação ou de um equilíbrio entre ambos (antropocentrecismo e teocentrismo)


equivale à procura de uma síntese desses valores, ou seja, conciliar fé e razão; alma e carne. Essa
tentativa ocasiona um estado de tensão permanente que se propaga para as concepções políticas,
a estrutura social e, principalmente, para as artes produzidas na época.

Para Bosi (2006, p. 23), é “só no século XVII, quando a Contrarreforma já tiver formado mais de
uma geração em luta com a Renascença e a Reforma, é que nascerá um estilo feito de contradições
entre a mente feudal [...] e as formas do ‘Cinquecento’, que vicejam e se multiplicam [...]”. Esse
estilo será a retórica do Barroco. Assim, surge o Barroco, movimento que acaba por refletir esses
conflitos da época. Segundo Schüller:’

O barroco, alentado pela contra-reforma e imposto ao Brasil, empenha-se em


submeter o exotismo e a exuberância das terras conquistadas a uma unidade
perdida e sonhada, a Idade Média, idealizada na reconstrução, expurgada de
contradições. Declarado está o antagonismo entre o perceptível e o sonho, entre
o corpo e o espírito, entre o vício e a virtude, origem do conflito interior expresso
no teatro de Shakespeare. (SCHÜLLER, 2000, p. 11).

Desse modo, na literatura e nas artes, por exemplo, o novo clima se manifesta pelo excesso de
artifícios e adornos, pela instabilidade, pela desarmonia e pelos contrastes: o sagrado e o profano;
o trágico e o cômico; e o grotesco e o sublime.

Logo no seu surgimento, o que houve no Brasil foram ecos do Barroco europeu. “Na segunda
metade do século XVIII, porém, o ciclo do ouro já daria um substrato material à arquitetura, à
escultura e à vida musical, de sorte que parece lícito falar de um ‘Barroco brasileiro’ e, até mesmo,
‘mineiro’” (BOSI, 2006, p. 38). Mineiro porque os primeiros representantes do Barroco eram
mineiros: Aleijadinho, Manuel da Costa Ataíde, Lobo de Mesquita etc.

Saiba mais

Considera-se que o termo “Barroco” deriva da palavra espanhola “Barrueco”, que significa “pérola irregular”.
Idiomaticamente, a expressão “Barroca” contém ideias de extravagância e exagero; com um forte sentido pejorativo
que se refere a um rebuscamento formal.

23
CAPÍTULO 2 • Barroco

Características

Agora que você já conhece o contexto histórico em que se desenvolveu o Barroco, é importante
saber as principais características dos textos barrocos. Vale lembrar que tais características não
são exclusivas do estilo barroco. Elas aparecem em outras escolas literárias, mas, no Barroco,
são mais frequentes.

1. Culto do contraste: o dualismo barroco coloca em contraste elementos como matéria


e espírito; bem e mal; Deus e diabo; céu e terra; pureza e pecado; alegria e tristeza; vida
e morte; juventude e velhice; claridade e escuridão etc.

2. Consciência da transitoriedade da vida: relacionada com a presença da morte e da


degradação física e moral.

Que são homens mais do que aparências de teatro? Tudo neles é representado,
que a vaidade guia: a fatal revolução do tempo, e o seu curso rápido, que cousa
nenhuma para, nem suspende, tudo arrasta, e tudo leva consigo ao profundo de
uma eternidade. Neste abismo, donde tudo entra, e nada sai, se vão precipitar
todos os sucessos, e com eles todos os impérios. (Matias Aires)

3. Pessimismo e sentido trágico da existência:

“Ai! Que lástima tão grande a minha! Não partilho contigo as minhas dores; sou
eu só desgraça! Mata-me esta ideia, e morro com terror de que nunca te destes
com suprema ternura aos nossos mais íntimos prazeres!” (Mariana Alcoforado)

4. Presença constante de impressões sensoriais, pelo emprego de palavras que designam


sensações táteis, auditivas, olfativas, gustativas e, sobretudo, visuais:

“Porém abrindo Sílvia os dois diamantes,

Tudo à Sílvia festeja, e tudo adora

Aves cheirosas, flores ressonantes.” (Gregório de Matos)

5. Gosto pelas antíteses, paradoxos e metáforas:

a. antítese – esta figura, que consiste no emprego de palavras, expressões ou frases de


significações contrárias, reflete o dualismo e o conflito do homem barroco: “Os vivos
são pó levantado, os mortos são pó caído.” (Pe. Antônio Vieira)

b. paradoxo: esta figura também reflete o dualismo e o conflito do homem barroco. O


paradoxo é uma antítese que contém uma contradição, devido à união de ideias contrárias
ao senso comum e aparentemente inconciliáveis:

Enquanto a gentil descortesia

O ar, que fresco Adonis te namora,

24
Barroco • CAPÍTULO 2

Te espalha a rica trança brilhadora,

Quando vem passear-te pela fria. (G. de Matos)

c. Metáfora: é a palavra ou expressão que produz sentidos figurados por meio de comparações
implícitas. “Seus olhos são luzes brilhantes.”

6. Gosto pela grandiosidade, característica comumente expressa com o auxílio de


hipérboles. A hipérbole é uma figura que consiste em engrandecer exageradamente
algo a que estamos nos referindo:

“Suspendo o curso ó Rio (...)

Pois já meu pranto inunda teus escolhos.” (G. de Matos)

7. Frases interrogativas, que refletem dúvidas e incertezas:

Que amor sigo? Que busco? Que desejo?

Que enleio é este vão da fantasia?

Que tive? Que perdi? Quem me queria?

Quem me faz guerra? Contra quem pelejo? (F. Rodrigues Lobo)

8. Ordem inversa, que torna o discurso suntuoso e reflete a falta de clareza e a incerteza
diante dos fatos:

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarra,

Cobrai-a; e não queiras, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória. (G. de Matos)

9. Fusionismo: Fusão das visões medieval e renascentista, ou seja, do racional com o


irracional, produzindo o paradoxo. São exemplos qualquer sermão do Pe. Antônio
Vieira ou os personagens contraditórios como D. Quixote, por exemplo, fruto da fusão
do racional com o irracional.

10. Cultismo: é o jogo de palavras, o estilo trabalhado, com a linguagem dirigida aos sentidos.
Predominam hipérboles, hipérbatos (isto é, alteração da ordem natural das palavras na
oração ou das orações no período) e metáforas, como: diamantes significando dentes
ou olhos; cristal significando água, orvalho, rio; cravo ou rubi significando boca etc.

25
CAPÍTULO 2 • Barroco

11. Conceptismo: é o jogo de ideias ou conceitos, de conformidade com a técnica de


argumentação, sem a aparência brilhante do cultismo; procurava economizar palavras e
imagens. É comum o uso de antíteses, paradoxos ou juízos contrários ao senso comum.
Enquanto os cultistas dirigiam-se aos sentidos, os conceptistas dirigiam-se à inteligência.

Que Demócrito não risse, eu o provo; Demócrito ria sempre. Logo, nunca ria. A
consequência parece difícil e é evidente. O riso, como dizem os filósofos, nasce da
novidade ou da admiração e cessando a novidade ou admiração, cessa também
o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o
que é ordinário se vê sempre não pode causar nem admiração nem novidade,
segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o
riso. (Pe. Antônio Vieira)

12. Principais temas barrocos:

› morte, diante da incerteza da vida;

› sobrenatural;

› fugacidade da vida e ilusão;

› castigo, como decorrência do pecado;

› erotismo;

› cenas trágicas;

› apelo à religião;

› arrependimento.

(Fonte: MAIA, J. D. Língua, Literatura e Redação. São Paulo: Ática, 1990)

Essas são as principais características do Barroco. Veja o texto a seguir e procure identificar
algumas dessas características:

À instabilidade das cousas do mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,

Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?

Se formosa a Luz é, por que não dura?

26
Barroco • CAPÍTULO 2

Como a beleza assim se transfigura?

Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,

Na formosura não se dê constância,

E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,

E tem qualquer dos bens por natureza

A firmeza somente na inconstância.


(SPINA, S. A poesia de Gregório de Matos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.)

É um poema de Gregório de Matos: “À instabilidade das cousas do mundo”. Nele, o tema é,


como o próprio título já diz, a brevidade da vida, a transitoriedade dos fatos cotidianos. Um
poema moral para conscientizar os sujeitos de que as coisas no mundo são passageiras. O uso
de antíteses é recorrente: “dia e noite”, “luz e escuridão”, “alegria e tristeza”. Também é possível
notar a utilização de frases interrogativas – refletindo as dúvidas e incertezas da época – e da
ordem inversa, como em “Em tristes sombras morre a formosura”, que deveria ser “A formosura
morre em tristes sombras”.

Gregório de Matos, “numa época como a sua, em que a inteligibilidade do acontecer se apaga, o
nada usurpa o lugar do sentido. O poeta guerreia vaidades, abre os olhos para a instabilidade de
coisas que inteligências tacanhas querem eternas” (SCHÜLLER, 2000, p. 13). No poema anterior, ele
retrata a dúvida, as contradições e as incertezas que pairavam sobre o homem durante o Barroco.

Sabe-se que a história da Literatura Brasileira tem início em 1500, com a Carta e Pero Vaz
de Caminha. Porém, é “entre 1500 e 1601, quando Bento Teixeira publica seu poemeto
épico, ‘Prosopopeia’, que transcorre a época de formação e origens. Ao longo dessa centúria,
observa-se a permanência de padrões literários medievais, de mistura com os valores renascentistas”
(MOISÉS, 1999, p. 15).

A seguir, serão analisados textos desse primeiro poeta da produção literária brasileira: Bento
Teixeira.

Autor e obras

Na literatura, o Barroco desenvolveu-se na Bahia, durante o século XVII. Bento Teixeira tem sido
apontado como nosso primeiro poeta e iniciador da produção literária brasileira influenciada
pelo Barroco português.

27
CAPÍTULO 2 • Barroco

Figura 4. Bento Teixeira (1561-1600).

Disponível em: <http://www.escritas.org/>. Acesso em: 5 jun. 2017.

Cristão-novo (judeus convertidos por medo às perseguições), ele é o “primeiro caso de intelectual
leigo na história do Brasil: formou-se no Colégio da Bahia onde ensinou até fugir para Pernambuco,
aí se homiziando por ter assassinado a esposa.” (BOSI, 2006, p. 36). É autor do poemeto épico
chamado “Prosopopeia”. Para Veríssimo:
De Bento Teyxeyra, como ele o assinou, ou Bento Teixeira Pinto, como também
lhe escreveram o nome, nada mais se sabe além da parca notícia do bibliógrafo
Diogo Barbosa Machado na sua Biblioteca Lusitana, publicada em 1741; que
nasceu em Pernambuco e era “igualmente perito na poética e na história”.
Não diz nem o lugar nem a data do nascimento. Um cronista pernambucano,
posterior a Barbosa Machado, o citado padre Couto, noticiador geralmente
de segunda mão, apenas acrescenta que era de Olinda. Dele não há nenhuma
notícia contemporânea, e estas mesmas vagas informações de mais de um
século posteriores, não foram jamais verificadas ou ampliadas por quaisquer
investigações ulteriores. (VERÌSSIMO, 1915, p. 25).

Publicado em 1601, o poema “Prosopopeia” é visto pela nossa crítica como uma imitação de “Os
Lusíadas” de Camões, a exemplo da leitura crítica de Bosi:
A Prosopopeia, de Bento Teixeira, publicada em 1601, pode ser considerado um
primeiro e canhestro exemplo de maneirismo nas letras da Colônia. A intenção
é encomiástica e o objeto do louvor, Jorge de Albuquerque Coelho, donatário da
capitania de Pernambuco, que encetava a sua carreira de prosperidade graças à
cana-de-açúcar. A imitação de Os Lusíadas é assídua, desde a estrutura até o uso
dos chavões da mitologia e dos torneios sintáticos. O que há de não-português (mas
não diria: de brasileiro) no poemeto, como a “Descrição do Recife de Pernambuco”,
“Olinda Celebrada” e o canto dos feitos de Albuquerque Coelho, entra a título
de louvação da terra enquanto colônia, parecendo precoce a atribuição de um
sentimento nativista a qualquer dos passos citados (BOSI, 2006, p. 40).

Saiba mais

O vocábulo “Maneirismo” é oriundo da palavra italiana “Maniera” (Maneira). Foi um estilo que se desenvolveu na
Itália no século XVI e foi aplicado na pintura e na escultura. Tinha como características o uso de imagens muito
exageradas, com personagens em posturas forçadas e efeitos dramáticos, procurando obter efeitos mais emotivos,
de maior movimento e contraste. Pode ser citado como exemplo dessa tendência o quadro “O Juízo Final”, de
Michelangelo.

28
Barroco • CAPÍTULO 2

Figura 5. “O Juízo Final” (1536-1541), de Michelangelo.

Disponível em: <http://www.snpcultura.org/>. Acesso em: 5 jun. 2017.

O poema “Prosopopeia” tem como herói principal Jorge de Albuquerque, “donatário da capitania
de Pernambuco, que encetava sua carreira de prosperidade graças à cana-de-açúcar” (BOSI,
2006, p. 41).

Figura 6. Prosopopeia, de Bento Teixeira.

Disponível em: <http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/img/bento_teixeira4.jpg>. Acesso em: 17 jul. 2017.

Esse poemeto é dividido nas seguintes partes: Prólogo (esclarecimento que antecede a trama/
história); Proposição (o poeta expõe o assunto do seu poema e explica o que se propõe fazer);

29
CAPÍTULO 2 • Barroco

Invocação (o poeta pede ajuda a algo que inventou, no caso, pede ajuda às ninfas); Narração;
Descrição do Recife de Pernambuco; Canto de Proteu; Fala de Netuno; e Epílogo (conclusão
resumida da história narrada). Vejamos, a seguir, alguns trechos.

PRÓLOGO

Dirigido a Jorge d’Albuquerque Coelho, Capitão e Governador da Capitania de


Pernambuco, das partes do Brasil da Nova Lusitânia etc. [...]

Cantem Poetas o Poder Romano,

Submetendo Nações ao jugo Duro;

O Mantuano pinte o Rei Troiano,

Descendo à confusão do Reino escuro;

Que eu canto um Albuquerque soberano,

Da Fé, da cara Pátria firme muro,

Cujo valor e ser, que o Céu lhe inspira,

Pode estancar a Lácia e Grega lira.

XXV

A fama dos antigos coa moderna

Fica perdendo o preço sublimado:

A façanha cruel, que a turva Lerna

Espanta com estrondo d’arco armado;

O cão de três gargantas, que na eterna

Confusão infernal está fechado,

Não louve o braço de Hércules Tebano,

Pois procede Albuquerque soberano.


Fonte: TEIXEIRA, B. A Prosopopeia. Disponível em: <http://www.culturatura.com.br/
dochist/Prosopop%C3%A9ia%20-%20Bento%20Teixeira.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2017.

Como se pode notar, logo no Prólogo, Bento Teixeira deixa claro a quem dedica a composição,
ou seja, a Jorge d’Albuquerque Coelho – donatário da capitania de Pernambuco, denominada
Nova Lusitânia.

30
Barroco • CAPÍTULO 2

Na estrofe I, ele menciona o seu posicionamento: enaltecer o Albuquerque enquanto modelo


exemplar. Faz uma comparação com os antigos, os heróis clássicos, colocando o Albuquerque
acima deles. A comparação com o herói Hércules ocorre na estrofe XXV. Detentor de uma
força sobrenatural, Hércules enfrentara grandes monstros em sua jornada. Isso lhe rendeu
fama e reconhecimento, mas não o suficiente para “ocultar” as façanhas do Albuquerque,
o “soberano”.

Nas estrofes seguintes, Bento Teixeira compara o Albuquerque a outro herói grego,
Ulisses, herói da Odisseia. O Albuquerque seria a personificação da esperança da nação
portuguesa, que, devido aos acontecimentos da época (com a presença do domínio
espanhol), estava abalada.

Saiba mais

A “Odisseia” é uma das obras mais clássicas e antigas da literatura ocidental que foi, possivelmente, criada no final do
século VIII a.C. Nela, Homero relata as aventuras de Odisseu após a Guerra de Troia. Durante dez anos, o herói tenta
retornar a Ítaca, seu reino, onde o aguardam ansiosos o pai Laerte, a esposa Penélope e o filho Telêmaco. Numerosas
aventuras, porém, retardam sua volta. Em Ítaca, a esposa (Penélope) e o filho (Telêmaco) são constantemente
achacados por uma chusma de pretendentes ao trono e à esposa de Odisseu, que é dado como desaparecido. O
poema começa no vigésimo ano de sua partida para Troia (dez anos de guerra, mais dez anos de viagens), e as
aventuras dos anos anteriores são contadas pelo próprio Odisseu. Ao mesmo tempo, o narrador relata as peripécias
do jovem Telêmaco, que procura desesperadamente o pai por causa dos atrevidos pretendentes que ameçam sua
vida, dissipam seus bens e cobiçam sua mãe. No final, é claro, Odisseu consegue retornar ao lar e à família, matar
todos os pretendentes e recuperar seu reino.
Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0390>. Acesso em: 1o jul. 2014.

LXVIII

À Cidade de Ulisses destroçados

Chegarão da Fortuna e Reino salso,

Os Templos visitando Consagrados,

Em procissão, e cada qual descalço.

Desta maneira ficarão frustrados

Os pensamentos vãos de Lémnio falso,

Que o mau tirar não pode o benefício

Que ao bom tem prometido o Céu propício.

31
CAPÍTULO 2 • Barroco

LXIX

Neste tempo Sebasto Lusitano,

Rei que domina as águas do grão Douro,

Ao Reino passará do Mauritano,

E a lança tingirá em sangue Mouro;

O famoso Albuquerque, mais ufano

Que Iason na conquista do veo d’ouro,

E seu Irmão, Duarte valeroso,

Irão co Rei altivo, Imperioso.

LXX

Nô a Nau, mais que Pístris, e Centauro,

E que Argos venturosa celebrada,

Partirão a ganhar o verde Lauro

À região da secta reprovada.

E depois de chegar ao Reino Mauro,

Os dous irmãos, com lança e com espada,

Farão nos Agarenos mais estrago

Do que em Romanos fez o de Cartago.


Fonte: TEIXEIRA, B. A Prosopopeia. Disponível em: <http://www.culturatura.com.br/dochist/
Prosopop%C3%A9ia%20-%20Bento%20Teixeira.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2017.

Bento Teixeira retoma, assim, a antiguidade clássica – para explorar a força de “verdade” do mito e
glorificar o poderio de Portugal, em uma época tão desfavorável –, manejando-a em seu benefício.

Por ser um poema com comparações simplistas de “Os Lusíadas”, com pouca originalidade, a
“Prosopopeia” não possui certo grau de importância. Veríssimo (1915) ressalta que a obra não tem
forma, nem valor estético. “É um poema de noventa e quatro oitavas, em verso decassílabo, sem
divisão de cantos, nem numeração de estrofes, cheio de reminiscências, imitações, arremedos
e paródias dos Lusíadas” (VERÍSSIMO, 1915, p. 22). Ainda, de acordo com o autor, a obra não
tem ação e o nome é oriundo de uma fala de Proteu, profetizando os feitos e a fortuna, de forma
exagerada e idealizada, dos Albuquerques. Talvez, em função desses aspectos, a obra não ocupe
um espaço tão significativo na história da literatura.

32
Barroco • CAPÍTULO 2

Sintetizando

Vimos até agora:

» Fruto da ideologia da Contrarreforma, o Barroco reflete os conflitos e o sentido dilemático da época.

» No Brasil, ele se desenvolveu na Bahia, durante o século XVII, estendendo-se até meados do século XVIII.

» Bento Teixeira tem sido apontado como nosso primeiro poeta e iniciador da produção literária brasileira
influenciada pelo Barroco português.

33
CAPÍTULO
ARCADISMO 3
Introdução

Dando continuidade aos movimentos literários, neste capítulo estudaremos o Arcadismo. No


século XVIII, há um declínio do Barroco em função do exagero da expressão barroca. Surgem,
assim, as primeiras arcádias, que buscam a pureza e a simplicidade das formas clássicas. A
literatura seria a expressão racional da natureza para buscar a verdade.

No Arcadismo, sobressaem as formas de vida mais simples e naturais, longe da depravação


das sociedades urbanas. Os escritores pertencentes a este movimento literário renegam a
sofisticação social e a complexidade da vida nos grandes centros urbanos. Tomam como
referência os modelos clássicos da Antiguidade, acentuando os vínculos com a natureza, o
campo e a vida pastoril.

Objetivos

» Situar o momento histórico-cultural do Arcadismo no Brasil.

» Reconhecer as principais características dessa manifestação literária.

» Reconhecer o principal representante do Arcadismo brasileiro: Cláudio Manuel


da Costa.

Arcadismo

Usamos o termo Arcadismo para designar o estilo literário que se desenvolveu na segunda metade
do século XVIII. Em Portugal, ele tem início em 1756 com a fundação da Arcádia Lusitana e se
estende até 1825, com a publicação do poema Camões, de Almeida Garret, tido como o primeiro
texto do Romantismo português.

34
Arcadismo • CAPÍTULO 3

Contexto Histórico

O momento histórico em que estabeleceu o Arcadismo, em Portugal e em toda a Europa, foi


marcado por mudanças importantes. O século XVIII é conhecido como o Século das Luzes
devido às novas ideias de cientistas e filósofos que provocaram uma revolução na história do
pensamento moderno.

As sementes dessa revolução já tinham sido plantadas anteriormente, no Renascimento: a crença


no homem, o racionalismo e, sob o ponto de vista político-econômico, o mercantilismo: este
proporcionaria a formação de capitais e o surgimento de uma nova classe, a burguesia, que se
afirma como força política no século XVIII.

Alguns fatores contribuíram para as transformações nesse século: a ciência é impulsionada pela
física de Newton e pelos estudos de Lavoisier na química, eletricidade e biologia; a construção da
máquina a vapor por James Watt; a substituição do trabalho artesanal pelo trabalho executado
por máquinas; a Revolução Industrial que se inicia na Inglaterra no século XVII e se estende
aos poucos para a França, Bélgica, Itália e Alemanha, atingindo também os Estados Unidos e a
Rússia; o processo industrial atrai os camponeses que abandonam o campo e vão para as cidades,
ocasionando o crescimento delas.

Como consequência de todo esse progresso, o homem passa a ter uma visão científica da
realidade: a ciência torna-se o melhor meio para explicar o mundo e melhorar a sociedade. Surge
a tendência geral de pesquisa e de divulgação de novas ideias denominada Iluminismo, que,
para Marcondes (2006), indica:

[...] através da metáfora da luz e da claridade, uma oposição às trevas, ao


obscurantismo, à ignorância, à superstição, ou seja, à existência de algo oculto,
enfatizando, ao contrário, a necessidade de o real, em todos os seus aspectos,
tornar-se transparente à razão. O grande instrumento do Iluminismo é a
consciência individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real; suas
armas são, portanto, o conhecimento, a ciência, a educação. Neste sentido, o
projeto enciclopedista de sintetizar em uma obra – a Enciclopédia, cuja publicação
se iniciou em 1751 – todo o saber da época, tornando-o potencialmente acessível
a todos os indivíduos, é bastante representativo dessa concepção, uma vez que
atribui ao conhecimento a capacidade de, precisamente, libertar o homem dos
grilhões que lhe são impostos pela ignorância e pela superstição, tornando-as
facilmente domináveis (MARCONDES, 2006, p. 202).

Dessa forma, o Iluminismo (também chamado de Ilustração ou Esclarecimento, dependendo do


modo como é traduzido) “valoriza o conhecimento como instrumento de libertação e progresso
da humanidade, levando o homem à sua autonomia e a sociedade à democracia, ou seja, ao fim
da opressão” (MARCONDES, 2006, p. 205). Tomando como base a razão e a ciência, tudo deveria

35
CAPÍTULO 3 • Arcadismo

ser explicado sob o ponto de vista racional. Superstições e tradições, assim como a religiosidade
do Barroco, são menosprezadas.

No Brasil, no decorrer do século XVIII, Portugal começa a ter um enfraquecimento da sua


economia. A metrópole depende, cada vez mais, das riquezas da colônia, já que perdera grande
parte dos seus domínios para as Índias Orientais.

A descoberta do ouro e do diamante em Minas Gerais, principalmente em Vila Rica (atual Ouro
Preto - MG), propicia o surto de desenvolvimento, conhecido como a corrida do ouro, dessa
região. A capital econômica e cultural da Colônia passa a ser Minas Gerais.

Atenção

O cenário bucólico do Arcadismo brasileiro não é o pastoril ou da floresta, mas o das montanhas de Minas Gerais.
Além disso, os escritores árcades do Brasil possuem um forte sentimento nativista em que, mais do que exaltar os
valores paisagísticos e a riqueza natural da terra, apresentam a figura do indígena como “o bom selvagem” (termo
usado por Jean-Jacques Rousseau), visto como bom por não ter tido contato com a civilização, por preservar sua
natureza, seu modo natural de vida.

É nesse período que surge o movimento cultural e literário chamado Arcadismo, que caracterizará
a segunda metade do século XVIII e início do XIX, já unido à crise colonial e às aspirações de
independência com relação à metrópole. Na literatura, destaca-se um grupo de poetas que nasceu
ou viveu em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, quase todos movidos pelo espírito renovador da
Arcádia Lusitana e alguns deles realmente modernos devido à sua escrita e à atitude mental.
Muitos desses poetas são processados, presos, em função da posição crítica quanto ao governo
português.

Insatisfeitos com os pesados impostos sobre os minérios e outras mercadorias, os brasileiros


passam a discriminar os portugueses e a manifestar desejos de emancipação, que culminam
com a Inconfidência Mineira. Isso tudo contribuiu para que o século XVIII, no Brasil, fosse
marcado por um forte sentimento nativista, pela preocupação com a realidade brasileira e por
uma literatura que procurava se afastar dos modelos portugueses.

Características

O Arcadismo visava a reestabelecer o equilíbrio, a harmonia, que havia sido rompida pelo
movimento da Contrarreforma. Seu objetivo era eliminar a linguagem rebuscada e exagerada
do Barroco. Os árcades propunham uma linguagem de vocabulário fácil e períodos curtos, em
que há a predominância da “busca do natural e do simples e adoção de esquemas rítmicos
mais graciosos (entendendo-se por graça uma forma específica e menor de beleza)” (BOSI,
2006, p. 60).

36
Arcadismo • CAPÍTULO 3

Os árcades regem contra o excesso do Barroco, retomando modelos da tradição clássica e


impregnando a linguagem poética de simplicidade, da pureza e do racionalismo, aos moldes
dos greco-latinos. Por isso, o Arcadismo é também conhecido como Neoclassicismo.

Figura 7. O Embarque para a Ilha de Citera, de Antoine Watteau..

Fonte: ELIAS, 2005.

Segundo Bosi (2006), houve dois momentos ideais na literatura dos Setecentos:

a. momento poético que nasce de um encontro, embora ainda amaneirado, com a natureza
e os afetos comuns do homem, refletidos através da tradição clássica e de formas bem
definidas, julgadas dignas de imitação;

b. o momento ideológico, que se impõe no meio do século e traduz a crítica da burguesia


culta aos abusos da nobreza e do clero (BOSI, 2006, p. 60).

Dessa forma, nem “tudo são flores” – ou melhor, nem tudo é bucólico –, no Arcadismo. De acordo
com Coutinho (2003), o bucolismo tinha, na literatura brasileira, um duplo aspecto:

“por um lado o fato de viverem os poetas num ambiente rústico, cercados pela
natureza, marcou muitas de suas manifestações [...], por outro lado, essa mesma
natureza muito pouco propícia se mostrava ao aparecimento de ninfas e dríades,
de pastores flautistas [...]” (COUTINHO, 2003, p. 227). Isso resultou em um grande
dilema ao poeta: ou ser fiel ao meio onde vivia ou fazer uma poesia fora dos
modelos estipulados, usando uma linguagem artificial e imitando uma natureza
inexistente. Veremos melhor essas questões quando formos analisar os textos
árcades. O importante, aqui, é apresentar a você as características do Arcadismo.

37
CAPÍTULO 3 • Arcadismo

Vejamos:

» Imitação: os árcades propunham um retorno aos moldes clássicos renascentistas


(Petrarca, Camões etc.) e greco-latinos (Homero, Virgílio, Ovídio e outros), porque
neles encontravam um modelo de simplicidade, a imaginação equilibrada pela razão e
obediência a gêneros e formas literárias tradicionais.

» Bucolismo: segundo os árcades, a pureza, a beleza e a espiritualidade residem na natureza.


O homem natural, idealizado por Rousseau no mito do bom selvagem, é a síntese de
espontaneidade e simplicidade. O crescimento das cidades conduz à valorização do
campo e do preceito horaciano do fugere urbem (fugir da cidade). Daí a preferência por
temas pastoris e pelas cenas de vida campestre.

» Racionalismo: preocupações com a verdade e o real. Segundo os árcades, só é belo o


que é racional. Pregava-se, portanto, o equilíbrio entre a razão e o sentimento, dando-se
ênfase à poesia filosófica e didática, aos tratados, aos ensaios, à epopeia, à sátira, ao teatro.

» Convencionalismo: repetição e consequente desgaste de temas muito explorados.


Utilização de lugares comuns: ovelhas, pastores, estrela d’alva, montes, claras fontes etc.

» Idealização do amor e da mulher: o amor é a fonte de prazer, tranquilo e não passional.

Fonte: MAIA, J. D. Língua, Literatura e Redação. São Paulo: Ática, 1990.

No poema “Marília de Dirceu”, de Tomaz Antonio Gonzaga, é possível verificar algumas


dessas características árcades:

PARTE I

Lira I

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

Que viva de guardar alheio gado;

De tosco trato, d’expressões grosseiro,

Dos frios gelos, e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal, e nele assisto;

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite,

E mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,

38
Arcadismo • CAPÍTULO 3

Graças à minha Estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,

Dos anos inda não está cortado:

Os pastores, que habitam este monte,

Com tal destreza toco a sanfoninha,

Que inveja até me tem o próprio Alceste:

Ao som dela concerto a voz celeste;

Nem canto letra, que não seja minha,

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,

Só apreço lhes dou, gentil Pastora,

Depois que teu afeto me segura,

Que queres do que tenho ser senhora.

É bom, minha Marília, é bom ser dono

De um rebanho, que cubra monte, e prado

Porém, gentil Pastora, o teu agrado

Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,

A quem a luz do Sol em vão se atreve:

Papoula, ou rosa delicada, e fina,

Te cobre as faces, que são cor de neve.

Os teus cabelos são uns fios d’ouro;

Teu lindo corpo bálsamos vapora.

39
CAPÍTULO 3 • Arcadismo

Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,

Para glória de Amor igual tesouro.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Leve-me a sementeira muito embora

O rio sobre os campos levantado:

Acabe, acabe a peste matadora,

Sem deixar uma rês, o nédio gado.

Já destes bens, Marília, não preciso:

Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;

Para viver feliz, Marília, basta

Que os olhos movas, e me dês um riso.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Irás a divertir-te na floresta,

Sustentada, Marília, no meu braço;

Ali descansarei a quente sesta,

Dormindo um leve sono em teu regaço:

Enquanto a luta jogam os Pastores,

E emparelhados correm nas campinas,

Toucarei teus cabelos de boninas,

Nos troncos gravarei os teus louvores.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!


Tomaz Antonio Gonzaga. Marília de Dirceu (Parte I). Disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000301.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2017.

40
Arcadismo • CAPÍTULO 3

No poema, podemos notar o grande motivo de inspiração do poeta: o amor, um amor não
correspondido. A dor desse amor fez com que Tomaz Antonio Gonzaga, segundo Veríssimo
(2012, p. 65), escrevesse “as formosas canções que o imortalizaram, como um dos bons poetas
do amor da nossa língua. A brasileira sua amada era uma jovem matuta, sem outra cultura e
espírito que as suas graças naturais. Para ser dela entendido e tocá-la, versejou-lhe naturalmente
[...]”.”Marília de Dirceu” é a mais rica e perfeita obra de idealização do amor da poesia brasileira.
Veríssimo destaca:

Clássica embora de língua e poética, é uma obra pessoal, escapa e superior às


fórmulas e competências das escolas. Canta de amor numa toada sinceramente
sentida e por isso tocante, do amor como a grande e fecunda e honesta paixão
humana nas suas relações com a vida, ainda nos seus aspectos prosaicos, a
existência e os sentimentos vulgares ou sublimes. Por essa expressão é Gonzaga
um grande poeta (VERÍSSIMO, 2012, p. 65).

O poema é influenciado por questões iluministas, pelo culto ao bucolismo, à natureza, ao cenário
pastoril: 1ª estrofe (vaqueiro, gado); 2ª (pastores, cajado); 3ª (pastora, rebanho, monte e prado); 4ª
(papoila ou rosa); 5ª (campos, rês, gado); 6ª (floresta, campinas, pastores). Observa-se, portanto,
uma celebração pela vida simples. Há também no poema uma expressão do racional, uma
ordem lógica, uma sintaxe direta, em oposição à sintaxe barroca - com jogos de palavras, uso de
antíteses, metáforas e paradoxos. A mulher é idealizada (“olhos espalham luz divina”, 4ª estrofe).

O que podemos notar é que o Arcadismo seguia, ou pretendia seguir, “as linhas gerais da Arcádia
romana, consubstanciadas nos seguintes princípios: simplicidade, mas nobreza, na linguagem:
imitação da natureza [...]; procura de motivos bucólicos, simples, [...] de vocabulário e situações
mais ou menos comuns [...]” (COUTINHO, 2003, p. 222). Os poetas árcades também utilizavam
uma linguagem direta e um realismo que não excluía o subjetivismo.

Saiba mais

Além de usarem pseudônimos pastoris gregos e latinos que remontavam à velha Arcádia, os poetas árcades adotavam
lemas, também:

a. Inutilia truncat: “cortar o inútil”, referência aos excessos cometidos pelas obras do barroco. No arcadismo, os
poetas primavam pela simplicidade.

b. Fugere urbem: “fugir da cidade”, do escritor clássico Horácio.

c. Locus amoenus: “lugar ameno”, um refúgio ameno em detrimento dos centros urbanos monárquicos.

d. Carpe diem: “aproveitar a vida”, o pastor, ciente da efemeridade do tempo, convida sua amada a aproveitar o
momento presente.
Disponível em: <http://www.soliteratura.com.br/arcadismo/>. Acesso em: 2 jul. 2017.

41
CAPÍTULO 3 • Arcadismo

Vale mencionar que no Arcadismo há a predominância de uma dimensão, que podemos dizer,
mais cosmopolita (ao contrário do Romantismo, em que há o predomínio do local, como veremos
em outro capítulo), ligada às modas literárias da Europa. Os poetas desejavam fazer parte da
mesma tradição e seguir os mesmos modelos europeus, o que permitiu incorporar a produção
mental da colônia inculta ao universo das formas superiores de expressão. Juntamente com isso,
os árcades seguiam os esboços particulares do passado local, valorizando o índio e o intercâmbio
entre culturas (como a descrição da natureza, ainda que fosse aos moldes clássicos).

Eram poetas angustiados com os problemas urbanos e o avanço científico. Embora morassem
na cidade, recriavam, em seus versos, paisagens bucólicas. “O campo surge como cenário de
uma perdida euforia. A sua evocação equilibra idealmente a angústia de viver, associada à vida
presente, dando acesso aos mitos retrospectivos da idade de ouro.” (CÂNDIDO, 2012, p. 54). Em
plena vida citadina, os homens sonham com o campo, tendo a naturalidade como um ideal de
relação humana.

Tais poetas valiam-se de pseudônimos gregos e latinos e imaginavam pastores e pastoras amorosos,
em uma vida simples, idealizada, sem luxo e em contato direto com a natureza. Essa valorização
à natureza se deu, principalmente, por causa da filosofia de Rousseau:

[...] é uma concepção de natureza humana representada pela famosa ideia segundo
a qual “O homem nasce bom, a sociedade o corrompe” (Contrato social, livro 1,
cap. 1), à qual se acrescenta a ideia de que “o homem nasce livre e por toda parte
se encontra acorrentado”. Porém, não é toda e qualquer sociedade que Rousseau
condena, mas sim aquele que acorrenta e aprisiona o homem, chegando a adotar
como modelo de sociedade justa e virtuosa a Roma republicana do período
anterior aos césares. É possível portanto formular um ideal de sociedade em que
os homens seriam livres e iguais (MARCONDES, 2006, p. 200).

Os principais autores árcades participaram da Inconfidência Mineira, que objetivava a emancipação


da Colônia explorada pelos portugueses. Minas foi o centro da produção literária do Arcadismo
brasileiro, através dos poetas que compõem o Grupo Mineiro e que se expressaram, principalmente,
por meio da poesia: lírica, épica e satírica.

Esse grupo mineiro, possuidor de uma nova consciência crítica que os distanciava do Barroco,
entendia a tarefa intelectual como uma tarefa coletiva e reacionava ante o sentimento de
menosprezo pelo “brasileiro”, que se manifesta na metrópole. Os escritores deste grupo atuaram
como promotores da cultura nas cidades.

Desse modo, o arcadismo, que representa um regresso à vida simples do campo e de reconstrução
de uma vida mais pura do homem com a natureza, também serviu para a afirmação da cultura
brasileira.

A seguir, conheceremos um dos poetas do Arcadismo e o que ele pensava.

42
Arcadismo • CAPÍTULO 3

Autor e obras

A poesia lírica ora apresentava vestígios do Barroco, ora antecipava as características do


Romantismo, visto que, na época, havia uma grande consciência nativista (o Arcadismo
inicia a busca por uma identidade nacional na literatura, mas isso somente será alcançado no
posteriormente, com o Romantismo).

Estudaremos, aqui, o autor que deu início ao Arcadismo com a publicação do livro “Obras
Poéticas”, em 1768: Cláudio Manuel da Costa.

Figura 8. Cláudio Manuel da Costa.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/claudio-manoel-da-costa/biografia>. Acesso em: 2 jul. 2017.

Segundo Bosi (2006, p. 61), “mais de um fator concorreu para que Cláudio Manuel da Costa fosse
o nosso primeiro e mais acabado poeta neoclássico: a sobriedade do caráter, a sólida cultura
humanística, a formação literária portuguesa e italiana e o talento de versejar [...]”. E assim, seus
contemporâneos, como Tomás Antônio Gonzaga, seguiam seus passos na arte de escrever.

Sobre o poeta, Veríssimo escreve:

Vernáculo nesta e correto na forma e estilo poético de fino e delicado sentimento,


com tons bastante pessoais, apenas um todo nada gongórico, Cláudio Manoel
da Costa é, todavia, julgando-o pelo conjunto da sua obra, o mais árcade dos
árcades brasileiros. Não tem alguma emoção grande ou profunda, poetiza por
poetizar, academicamente, seguindo de perto a escola na inspiração, nos temas
preferidos, nas formas métricas. (VERÍSSIMO, 2012, p. 65).

O pseudônimo de Cláudio Manuel da Costa era Glauceste Satúrnio e Nise, sua musa inspiradora.

Filho de portugueses ligados à mineração. Estudou com os jesuítas do Rio


de Janeiro e cursou Direito em Coimbra. Voltando para Vila Rica, aí exerceu
a advocacia e geriu os bens fundiários que herdou. Era ardente pombalino e

43
CAPÍTULO 3 • Arcadismo

certamente foi lateral o seu papel na Inconfidência; preso e interrogado uma só


vez, foi encontrado morto no cárcere, o que se atribui a suicídio (BOSI, 2006, p. 67).

Seus temas mais comuns eram o sentimento amoroso e a descrição da natureza. A poesia lírica
de Cláudio Manuel da Costa recebeu muita influência do Classicismo português, embora ainda
possamos notar alguns resquícios do Barroco, por ter estreado como cultista. A preferência pelo
cultismo é por ele mesmo confessada no “Prólogo ao leitor”, das Obras (1768):

Bem creio que te não faltará que censurar nas minhas Obras, principalmente nas
Pastoris; onde preocupado da comum opinião te não há de agradar a elegância
de que são ornadas. Sem te apartares deste mesmo volume, encontrarás alguns
lugares que te darão a conhecer como talvez me não é estranho o estilo simples.
(...) Pudera desculpar-me, dizendo que o gênio me fez propender mais para o
sublime: mas temendo que ainda neste me condenes o muito uso das metáforas,
bastará para te satisfazer, o lembrar-te que a maior parte destas Obras foram
compostas ou em Coimbra ou pouco depois, nos meus primeiros anos, tempo
em que Portugal apenas principiava a melhorar de gosto nas belas letras. (...)
É infelicidade que haja de confessar que vejo, e aprovo, o melhor, mas sigo o
contrário na execução (COSTA, 1768 apud COUTINHO, 2003, p. 223).

Na poesia de Cláudio Manuel da Costa também se manifesta “uma propensão ao conceitismo, ao


jogo de ideias ou sentimentos sutis, não raro lembrando Camões. São exemplos disso os sonetos
‘Neste álamo sombrio aonde a escura’, ‘Faz da imaginação de um bem amado’ e ‘Este é o rio, a
montanha é esta’” (COUTINHO, 2003, p. 223).

Inúmeras vezes, em seus textos, ele procura conciliar as características do Arcadismo e a paisagem
mineira. Por isso, pedras e rochedos são comuns em sua obra, fazendo referências à natureza
áspera da região mineira. Antônio Cândido afirmou: “de todos os poetas mineiros talvez seja ele o
mais profundamente preso às emoções e valores da terra” (CÂNDIDO, 2012, p. 84). Apesar dessa
identificação com a região mineira, em vários momentos, há uma grande afeição a Portugal,
compondo uma espécie de diálogo entre colônia e metrópole, barbárie e civilização.

Nos textos de Cláudio Manuel da Costa, há um procedimento temático importante para a


formação de uma sensibilidade nacional na literatura: a da metamorfose – que consiste em
imaginar árvores, rios, montanhas como personagens mitológicos transformados. Com isso, a
realidade do país se traduz em termos da tradição clássica e, de certa forma, legitima-se frente
à moda literária do Ocidente.

Suas principais obras são:

» Obras Poéticas (1798), poesia, marca o início do Arcadismo.

» Vila Rica (1839), poema épico, que trata da penetração dos bandeirantes para o interior,
da descoberta das minas, da fundação de Ouro Preto e da pacificação das revoltas.

44
Arcadismo • CAPÍTULO 3

Atenção

Juntamente com Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Santa Rita Durão e Basílio da Gama, esse
quarteto representa os principais autores do Arcadismo. Foram chamados de “Grupo Arcádico Mineiro”. Basílio da
Gama em “O Uraguai” (1769) valoriza o indígena, o “bom selvagem”, na cultura brasileira, prenunciando, assim,
muitos aspectos que serão desenvolvidos no estilo literário posterior, o Romantismo, como bem destaca Bosi (2006,
p. 73): “Basílio é homem do fim do século XVIII, cujos valores pré-liberais prenunciam a Revolução e se manteriam
com o idealismo romântico”.

Vamos analisar, a seguir, o “Soneto LXXII”, de Cláudio Manuel da Costa.

Soneto LXXII

Já rompe, Nise, a matutina aurora

O negro manto, com que a noite escura,

Sufocando do Sol a face pura,

Tinha escondido a chama brilhadora.

Que alegre, que suave, que sonora,

Aquela fontezinha aqui murmura!

E nestes campos cheios de verdura

Que avultado o prazer tanto melhora!

Só minha alma em fatal melancolia,

Por te não poder ver, Nise adorada,

Não sabe inda, que coisa é alegria;

E a suavidade do prazer trocada,

Tanto mais aborrece a luz do dia,

Quanto a sombra da noite lhe agrada.


Fonte: COSTA, C. M. Soneto LXXII. Disponível em: <http://www.psb40.org.br/bib/b119.
pdf>. Acesso em: 2 jul. 2017.

Como o próprio nome já diz, “Soneto” consiste em dois quartetos e dois tercetos (catorze versos).
Nise é a musa-pastora inspiradora de Cláudio Manuel da Costa, uma mulher fictícia. Ela não
existe fisicamente, é apenas uma mulher idealizada, inatingível, uma clara característica do
pensamento neoplatônico renascentista. A amada, segundo Coutinho (2003, p. 225), “existe como
um símbolo de distância, que vem aumentar as penas naturais do poeta, para quem o amor é
apenas mais um motivo de sofrimento, e o sofrimento o motivo principal da sua lira”.

O sentimento amoroso é um dos temas da poesia de Cláudio Manuel da Costa. A mulher é


sempre focalizada como a parte mais nobre da natureza. Ela é parte integrante do cenário, um
elemento ornamental precioso.

45
CAPÍTULO 3 • Arcadismo

Conforme já mencionado, por ser o precursor do Arcadismo no Brasil, sua poesia apresenta
traços barrocos, como: inversão da ordem sintática: “Já rompe, Nise, a matutina aurora”; e uso
de figuras de linguagem como em “chama brilhadora” (metáfora) para fazer referência ao Sol e
em “matutina aurora/ noite escura” (antítese).

A primeira estrofe do poema trata do nascer do dia. As inversões sintáticas, as antíteses e a


construção elaborada são adequadas ao conteúdo dos versos, pois reportam o momento de
transição da noite para o dia. Ou seja, o momento em que a aurora rompe o manto negro da
noite. A noite é prazerosa para quem sofre porque a noite abranda os efeitos da melancolia.

Na segunda estrofe, entretanto, o Sol surge vitorioso. A luz vence as trevas. Observe que a
linguagem torna-se clara e transparente como as águas da “fontezinha”. A natureza é louvada
através da linguagem simples para falar das emoções pessoais.

Mesmo com toda a claridade exterior, na terceira estrofe, o interior do eu lírico está triste devido
à falta da amada: “Só minha alma em fatal melancolia/Por te não poder ver/[...] Não sabe inda
que coisa é alegria”. Percebemos que há um embate no poema que revela a tensão barroca.
Tensão que é marcada pelo conflito da natureza externa e interna. Somente Nise pode trazer o
equilíbrio entre a alegria exterior e a tristeza interior. Ela é o astro maior, o Sol.

Para a infelicidade do eu lírico, o sol compõe o cenário natural, mas Nise, não. Na última estrofe,
quanto mais lindos, luminosos, são os dias, mais ele sente o quanto poderia ser feliz se Nise
estivesse presente.

Através dessa análise, podemos dizer que Cláudio Manuel da Costa é, sim, um poeta árcade.
Primeiramente, ele imita os poetas, o próprio nome Nise é de origem latina; segundo, o uso de
uma linguagem simples (mesmo com os resquícios do rebuscamento Barroco), o que está bem
claro no poema; e, por último, as sublimes descrições da natureza.

Sintetizando

Vimos até agora:

» O Arcadismo nasce como uma reação ao Barroco. Possui uma linguagem mais simples, revaloriza os clássicos e se
inspira na cultura antiga grega e romana, retomando a poesia pastoril e as figuras mitológicas.

» Na época havia uma valorização das Minas Gerais, do ouro e das pedras preciosas, o que “combinou” com a
natureza campestre do Arcadismo.

» O livro “Obras”, de Cláudio Manuel da Costa, foi o livro precursor do Arcadismo no Brasil.

46
Romantismo • CAPÍTULO 4

CAPÍTULO
ROMANTISMO 4
Introdução

Vimos no capítulo anterior que os escritores árcades consideravam os clássicos greco-romanos


como fonte de equilíbrio e sabedoria devido à maneira de eles viverem em harmonia com a
natureza. Por isso a supervalorização da natureza, uma vez que, para os árcades, nela residia
toda a beleza, a pureza e a espiritualidade da vida. Era na natureza que eles se refugiavam das
cidades, evitando angústias e buscando a paz de espírito, assim como os pastores.

Entretanto, na metade do século XVIII, surge um novo movimento literário, o Romantismo. Essa
tendência se opôs às características árcades. Não se pode afirmar que os ideais classicistas dos
árcades deixaram de existir, mas o Romantismo trouxe novas ideias e temas literários.

Objetivos

» Situar o momento histórico-cultural do Romantismo no Brasil.

» Identificar as principais características dessa manifestação literária.

» Analisar textos de autores representativos das gerações poéticas do Romantismo:


Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves.

Romantismo

O Romantismo tem início na metade do século XVIII e permanece até a metade do século XIX.
A Revolução Industrial e a Revolução Francesa influenciaram muito esse novo estilo literário.

Contexto Histórico

A industrialização, na segunda metade do século XVIII, modifica as antigas relações econômicas.


Na Europa, um novo quadro social e político surge: de um lado, a classe dominante – a burguesia;

47
CAPÍTULO 4 • Romantismo

de outro, a classe dominada – o proletariado. A queda do absolutismo, do rei soberano, cede


espaço para o liberalismo, ou seja, liberdade política e econômica.

A Revolução Francesa, com a ascensão da burguesia, deixa um legado: igualdade, liberdade


e fraternidade. Esses conceitos foram trazidos para o Romantismo. Os escritores românticos
perceberam que eles também podiam ser livres na forma de escrever, de se expressar, de expor
os sentimentos, de externar as visões, as críticas.

No Brasil, o momento histórico é marcado pela chegada da Família Real, em 1808. A Corte
Portuguesa vem para o Brasil devido à invasão das tropas napoleônicas na Europa. Essa vinda
gera um forte desenvolvimento artístico e cultural na Colônia, o que acarreta o surgimento da
literatura brasileira propriamente dita.

Figura 9. Embarque da família Real no Brasil.

Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2014/09/7-de-setembro-a-independencia-do-brasil-em-seis-


momentos/1808-embarque-da-familia-real/@@images/c762069b-35b8-41a7-8dce-e8438355fb48.jpeg>. Acesso em: 2
jul. 2017.

Várias medidas são tomadas pela Família Real no Brasil com a sua chegada. Entre elas,
destacam-se: a abertura dos portos às nações amigas, a inauguração da Gazeta do Rio de Janeiro
(primeiro jornal do impresso no Brasil), a fundação da Biblioteca Real (atual Biblioteca Nacional),
a inauguração do Real Theatro São João (atual Teatro João Caetano), a criação da Escola Real de
Ciências, Artes e Ofícios e da Academia de Belas Artes.

Também vigorava, aqui, no Brasil, o cultivo do café, que levou à transferência da antiga metrópole
cultural de Minas Gerais para São Paulo (produtor de café) e Rio de Janeiro (porto de escoamento
desse produto). Rio de Janeiro torna-se a nova metrópole, sendo Petrópolis a cidade imperial.

O processo de urbanização, o progresso, a insatisfação das classes dominantes com o Império


fizeram que surgissem tentativas de independência da Colônia. Em 1822, ocorre a emancipação

48
Romantismo • CAPÍTULO 4

política de Portugal. Como já dito, o período compreendido entre 1808 e 1836 é denominado
Período de Transição na literatura brasileira, pois corresponde a uma fase de luta pelo processo
de independência política do Brasil. O desejo de autonomia literária tornou-se mais vivo após
a Independência, como assinala Cândido:

O Romantismo apareceu aos poucos como caminho favorável à expressão própria


da nação recém-fundada, pois fornecia concepções e modelos que permitiam
afirmar o particularismo, e portanto a identidade, em oposição à Metrópole,
identificada com a tradição clássica. Assim surgiu algo novo: a noção de que no
Brasil havia uma produção literária com características próprias, que agora seria
definida e descrita como justificativa da reivindicação de autonomia espiritual
(CÂNDIDO, 2004, p. 19).

Outro aspecto importante a se mencionar, no momento histórico em que ocorre o Romantismo,


é a escravidão dos negros. O Brasil foi uma das poucas colônias que ainda mantinha o sistema
escravocrata, o que despertou opiniões controversas por parte dos autores daquela época.

Características

A obra de Gonçalves de Magalhães, “Suspiros Poéticos”, inaugurou o Romantismo no Brasil. Veja,


a seguir, as principais características dessa tendência literária.

1. Individualismo e subjetivismo: a atitude é romântica, pessoal e íntima. Romantismo é


subjetivismo, é a liberação do mundo interior, do inconsciente [...] da emoção, imaginação,
paixão, intuição [...].

2. Escapismo: é o desejo do romântico de fugir da realidade para um mundo idealizado,


criado, de novo, a sua imagem, a imagem de suas emoções e desejos, e mediante a
imaginação.

3. Reformismo: essa busca de um mundo novo é responsável pelo sentimento revolucionário


do romântico, ligado aos movimentos democráticos e libertários que encheram a época
[...]

4. Sonho: também é responsável o desejo de um mundo novo pelo aspecto sonhador do


temperamento romântico.

5. Culto da natureza: supervalorizada pelo Romantismo, a natureza era um lugar de refúgio,


puro, não contaminado pela sociedade, lugar de cura física e espiritual. Relacionada
com esse culto [...] foi a ideia do “bom selvagem”, de homem simples e bom em estado
de natureza.

6. Retorno ao passado: épocas antigas envoltas em mistério, a Idade Média, o passado


nacional forneciam o ambiente, os tipos e argumentos para a literatura romântica.

49
CAPÍTULO 4 • Romantismo

7. Exagero: na busca de perfeição, o romântico foge para um mundo em que coloca tudo
o que imagina de bom, bravo, belo, amoroso [...].

8. Versos livres e brancos: o verso clássico cede espaço ao verso livre (sem métrica e sem
entonação), e ao verso branco (sem rima), possibilitando maior liberdade de criação
do poeta romântico, agora livre para expressar sua individualidade.

Adaptado de: COUTINHO, A. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro: Global Editora,

2003. pp. 145-147.

Como podemos observar, várias são as características do Romantismo. Os escritores dessa escola
literária procuraram dialogar com todas as correntes românticas e almejaram escrever obras
comparáveis às europeias, como assinala Bosi:

Assim, apesar das diferenças de situação material, pode-se dizer que se formaram
em nossos homens de letras configurações mentais paralelas às respostas que
a inteligência europeia dava a seus conflitos ideológicos. Os exemplos mais
persuasivos vêm dos melhores escritores. O romance colonial de Alencar e a
poesia indianista de Gonçalves Dias nascem da aspiração de fundar em um
passado mítico a nobreza recente do país, assim como — mutatis mutandis —
as ficções de W. Scott e de Chateaubriand rastreavam na Idade Média feudal e
cavalheiresca os brasões contrastados por uma burguesia em ascensão. De resto,
Alencar, ainda fazendo “romance urbano”, contrapunha a moral do homem
antigo à grosseria dos novos-ricos; e fazendo romance regionalista, a coragem
do sertanejo às vilezas do citadino. A correspondência faz-se íntima na poesia
dos estudantes boêmios, que se entregam ao spleen de Byron e ao mal du siècle
de Musset, vivendo na província uma existência doentia e artificial, desgarrada
de qualquer projeto histórico e perdida no próprio narcisismo. Com os seus
ídolos europeus, os nossos românticos exibem traços de defesa e evasão, que
os leva a posturas regressivas: no plano da relação com o mundo (o retorno à
mãe-natureza, refúgio no passado, reinvenção do bom selvagem, exotismo) e no
das relações com o próprio eu (abandono à solidão, ao sonho, ao devaneio, às
demasias da imaginação e dos sentidos) [...] Enfim, o paralelo alcança a última
fase do movimento, já na segunda metade do século, quando vão cessando as
nostalgias aristocráticas, já sem função na dinâmica social, e se adensam em torno
do mito do progresso os ideais das classes médias avançadas. Será o Romantismo
público e oratório de Hugo, de Carducci, de Michelet, e do nosso Antônio castro
Alves (BOSI, 2006, pp. 92-93).

Assim, o Romantismo pode ser dividido em gerações poéticas e em prosa. A seguir, serão analisados
textos de grandes autores brasileiros que marcaram as gerações poéticas do Romantismo, um
autor por cada tendência literária.

50
Romantismo • CAPÍTULO 4

Autores e obras

A poesia romântica, didaticamente, é distribuída em três fases. A primeira é marcada pelo


nacionalismo; a segunda, pelo “mal do século”; e a última fase, caracteriza-se pela poesia social
e libertária, cujas lutas abolicionistas tiveram destaque.

Atenção

Na prosa, temos quatro tendências da ficção romântica: romance indianista, romance regionalista, romance urbano
e romance histórico.

Primeira geração: nacionalista ou indianista

Nesta primeira geração, havia uma preocupação em definir uma temática nacional. Por isso, a
poesia dessa época tem um grande teor nacionalista (exaltando a natureza e criando um herói
nacional – representado pelo indígena). Além do nacionalismo, outras características da poesia
dessa fase se sobressaem: a lembrança da infância, a religiosidade, a volta ao passado histórico
e ao medievalismo. Gonçalves de Magalhães, Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias se destacam
nesta geração.

Gonçalves Dias era filho de um comerciante português com uma mestiça, talvez uma cafusa,
pois o poeta dizia que era descendente das três raças que formaram a etnia brasileira. Segundo
Cândido e Castelo (1968, p. 178), ele “é de fato o nosso primeiro poeta romântico a se identificar
imediatamente com a sentimentalidade de seu povo e a dar um exemplo fecundo à nossa criação
literária.”.

Figura 10. Gonçalves Dias.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/goncalves-dias/bibliografia> Acesso em: 31 jul. 2017.

Na poesia de Gonçalves Dias, o indígena aparece como um tema renovador que é buscado, pelo
poeta, nas florestas longínquas, ou, ainda, em memórias de florestas que imagina intocadas

51
CAPÍTULO 4 • Romantismo

(subjetividade, evasão da realidade e procura da natureza – características do Romantismo


apontadas anteriormente), bem antes da aproximação do homem “branco”.

Coutinho (2003) define o indianismo de Gonçalves Dias do seguinte modo:

Viajasse pelo Rio Negro ou residisse em Paris, ou em Coimbra, ou em Dresde, o


índio residia dentro dele; em seu sentimento, na sua imaginação poética. (...) O
seu índio dos poemas líricos ou épicos seria índio mesmo, e não índio de cartão
postal. Era o índio que havia nele e era o índio que ele conheceu, desde menino,
e reconheceu no rio Negro; e que ele compreendeu e defendeu (COUTINHO,
2003, p. 72).

O autor vai além ressaltando que o indianismo gonçalviano é três vezes autêntico em função
dos seguintes fatos:

a. Pelo sangue (era ele filho de uma guajara com um português);

b. Pelo conhecimento direto dos indígenas com os quais conviveu (quando menino e nas
excursões pela Amazônia);

c. Pelos estudos que realizou (Brasil e Oceania, Vocabulário da Língua Tupi etc.) (COUTINHO,
2003, p. 75).

O indígena gonçalviano atende aos moldes do “bom selvagem”, percebido como homem simples,
com pensamentos e expressões puras, semelhante às expressões da maneira de viver dos pastores
apresentados no Arcadismo. Exemplo da presença marcante da idealização do indígena aparece
no poema “I – Juca Pirama”, inserido no livro Últimos Cânticos.

I - Juca-Pirama

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi.

Da tribo pujante,

Que agora anda errante

Por fado inconstante,

52
Romantismo • CAPÍTULO 4

Guerreiros, nasci:

Sou bravo, sou forte,

Sou filho do Norte;

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi.
(Fonte: DIAS, A. G. I-Juca-Pirama. In: Últimos Cantos. Disponível em: <http://www.
escritas.org/pt/poema/13052/i-juca-pirama>. Acesso em: 31 jul. 2017.

O próprio título do poema, emprestado da língua Tupi, significa em Português: “O que deve ser
morto” ou “O que é digno de Ser Morto”. Ele possuía uma grande preocupação com a língua
portuguesa, o que o fez se enveredar pelos estudos linguísticos. Tornou-se um grande conhecedor
da nossa língua e usou esse conhecimento para enriquecer seus versos.

No poema “I – Juca Pirama”, narra-se o drama vivido pelo último descendente da tribo Tupi feito
prisioneiro pelos Timbiras. O poeta descreve, de forma minuciosa, como tudo acontece enquanto
os Timbiras preparam a cerimônia em que deve ocorrer a morte do protagonista, Juca Pirama.

É um texto que “conjuga os principais motivos do indianismo de Gonçalves Dias: apresenta uma
aldeia selvagem e pujante, ainda não contaminada pelo homem branco, mas o tema central
é o fim de uma linhagem e a dispersão ou desgraça de uma nação indígena” (FRANCHETTI,
2007, p. 63).

No trecho em destaque, o indígena prisioneiro relata, emocionado, sua trajetória como guerreiro.
Nota-se a bravura do guerreiro do povo Tupi que não teme a morte, representando a imagem de
um herói nacional, aos moldes dos heróis medievais europeus: forte, bravo, corajoso.

Observamos, assim, que Gonçalves Dias descreve o indígena como grande herói sustentado por
um forte sentimento de honra, de nacionalismo e pela idealização. Para Franchetti (2007, p. 64),
“o que acentua o pathos do poema é a percepção de que aquele que vai morrer não é somente
um indivíduo. Designado pelo nome da tribo, é ele o fim de uma descendência”. O esforço do
herói não terá continuidade, ficará apenas como lembrança de seu heroísmo.

Principais obras de Gonçalves Dias:

» Primeiros contos, poesia (1846);

» Leonor de Mendonça, teatro (1847);

» Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão, poesia (1848);

» Últimos cantos (1851);

53
CAPÍTULO 4 • Romantismo

» Cantos, poesia (1857);

» Os Timbiras, poesia (1857);

» Dicionário da língua tupi (1858).

Segunda geração: mal do século

A tendência mal do século é também chamada de Ultrarromantismo, isto é, o Romantismo levado


às últimas consequências. A angústia, o tédio, o sofrimento, a dor existencial marcam essa fase. E,
para fugir desse desequilíbrio existencial, os poetas adentram na fantasia, no sonho, na obsessão
pela morte, na exaltação de paisagens sombrias, noturnas. Os principais poetas desta geração
foram Álvares de Azevedo, Souza Andrade e Fagundes Varela (que inaugura a preocupação com
os escravos).

A poesia de Álvares de Azevedo possui uma visão pessimista da vida. Para Cândido (2004), os
textos de Azevedo eram impregnados de

Shakespeare, Byron, Hoffmann, Heine, Musset; obcecado pelas contradições do


espírito e da sensibilidade, a sua produção é mais densa que a dos contemporâneos,
sobretudo pelo dom de passar de um polo ao outro, modulando a dor e o sarcasmo,
o patético e o cômico, a grandiloquência e o prosaísmo, com uma versatilidade
que era programada e ele manifesta pela adesão à teoria romântica dos contrastes,
a “binomia”, como a chamava (CÂNDIDO, 2004, p. 49).

Ele fala de amor e morte, um amor sempre idealizado, irreal, povoado por donzelas ingênuas,
virgens que habitam seus sonhos adolescentes, mas que nunca se materializam. Por isso, a
frustração, o sofrimento, a dor. Sua obra é, de acordo com Franchetti (2007, p. 17), “representante
máxima do byronismo brasileiro, que consistiu em um gosto acentuado pelo cinismo, pelo
pessimismo e pela ironia, e em um apego às descrições mórbidas e funerárias, à imagética
diabólica e a uma mistura de tedium vitae com lubricidade desenfreada”.

Azevedo tinha um grande espírito crítico. Reprovava o nacionalismo estético da época e concebia
a literatura como um espaço sem fronteiras. Conforme salienta Cândido (2004, p. 50), ele “não
apenas satirizou o indianismo como convenção vazia, mas negou a independência da literatura
brasileira em relação à portuguesa, opondo-se, desse modo, a dois professores do seu Colégio
[...]: Gonçalves de Magalhães e Santiago Nunes Ribeiro”.

Em função desses aspectos, a obra de Azevedo teve grande adesão entre os jovens, na época.
José Veríssimo comenta sobre isso:

[...] as razões por que Álvares de Azevedo foi, [...] e porventura continua a ser, em
certos círculos literários, o poeta preferido dentre os do seu tempo, não abonam

54
Romantismo • CAPÍTULO 4

grandemente o bom-gosto e o senso crítico de seus admiradores. Álvares de


Azevedo foi por eles principalmente admirado, primeiro pela existência factícia
que se fez de poeta boêmio, desesperado, desiludido, descrente, diabólico [...]
e depois pela tradução mais ou menos disfarçada que em prosa e em verso deu
dos sentimentos extravagantes e extraordinários desses heróis do romantismo
[...]. Isso durou mais que o razoável, e a nossa boemia poética, que perdeu tanto
talento e tanto caráter, deriva por muito deste gosto por essa parte da obra
de Álvares de Azevedo [...]. Parte somenos, aliás, que certamente não merece
o apreço, e sobretudo a estima, que lhe deram [...]. (VERÍSSIMO, 1915, apud
FRANCHETTI, 2007, p. 17).

Figura 11. Álvares de Azevedo.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/alvares-de-azevedo>. Acesso em: 31 jul. 2017

Os trechos seguintes pertencem ao poema “Lembrança de Morrer”, escrito poucos dias antes
de o poeta falecer.

Lembrança de Morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nem uma lágrima

Em pálpebra demente.

Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro

— Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,

55
CAPÍTULO 4 • Romantismo

Se um suspiro nos seios treme ainda

É pela virgem que sonhei... que nunca

Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora

Do pálido poeta deste flores . . .

Se viveu, foi por ti! E de esperança

De na vida gozar de teus amores.

Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz, e escrevam nelas

— Foi poeta — sonhou — e amou na vida. —


Fonte: AZEVEDO, M. A. Á. de. Lembrança de Morrer. Disponível em: <http://www.
escritas.org/pt/poema/12188/lembranca-de-morrer>. Acesso em: 31 jul. 2017.

Na primeira estrofe, percebemos o sentimento de melancolia do poeta: “quando em meu peito...


não derramem por mim nenhuma lágrima”. Vale destacar que a morte é apresentada através da
linguagem figurada, por meio de eufemismos (figura de linguagem que emprega termos mais
agradáveis para suavizar uma expressão), como, por exemplo, nas expressões, “rebentar-se a
fibra/Que o espírito enlaça à dor vivente”.

O tédio existencial do eu lírico está presente em cada estrofe do poema. Essa existência angustiante
teria fim somente com a morte simbólica: “eu deixo a vida como deixa o tédio [...]”. Caso a morte
seja concretizada, o eu lírico sentirá saudade apenas de algumas lembranças, e derramará uma
lágrima nostálgica apenas “pela virgem que sonhei”, expressão do amor idealizado.

É pelas “virgens sonhadas” que o eu lírico destinou seus dias em vida: “se viveu, foi por ti! E de
esperança/de na vida gozar de teus amores”. Mas tal desejo não foi realizado, e, nesse caso, a
morte seria a forma de libertação dos seus sofrimentos.

Nas palavras de Franchetti:

[...] o movimento central da vivência amorosa é a rígida divisão entre os domínios


do afeto espiritual e do desejo carnal. Toda a sua obra se articula em função desses
polos, que são sentidos como antagônicos. Disso provém uma enorme tensão,
que se manifesta de duas formas. Nos poemas dedicados às virgens idealizadas e
incorpóreas, todo o esforço do discurso lírico é exorcisar a emergência do corpóreo,
sublimá-lo, como em “Sonhando”. Por outro lado, o sexo, sentido sempre como

56
Romantismo • CAPÍTULO 4

violação da pureza espiritual, como mácula, é associado ao crime – incesto, estupro


e prostituição – e vivido de forma culpada e dolorosa (FRANCHETTI, 2007, p. 19).

A última estrofe sintetiza bem os elementos do Romantismo. O eu lírico solicita que escrevam em
seu leito “Foi poeta – sonhou - e amou na vida”, um lema que pode ser lido como ultrarromântico,
uma vez que possui os elementos dessa tendência: o sonho e o amor, ou seja, um amor que existe
apenas no sonho. Sendo a realização amorosa inatingível, o poeta mergulha nos sonhos e na
temática da morte, uma forma de aliviar e se libertar do sofrimento.

Principais obras de Álvares de Azevedo:

» Lira dos vinte anos, poesia (1853).

» Noite na taverna, conto (1855).

» Macário, teatro (1855).

Terceira geração: condoreira ou poesia social e libertária

O declínio da monarquia e a luta abolicionista influenciam os poetas desta geração. “É um


momento de resolução na busca e construção do nacional, tal como delineadas pelos primeiros
românticos” (FRANCHETTI, 2007, p. 26). Por isso, a poesia dessa geração é marcada pelo aspecto
social e libertário. O termo “condoreira” se refere ao condor, uma águia que vive na cordilheira
dos Andes e que virou símbolo de liberdade dos poetas da geração condoreira. Seus principais
representantes são: Souza Andrade e Castro Alves, conhecido como o “poeta dos escravos”.

Figura 12. Castro Alves.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/castro-alves>. Acesso em: 14 ago. 2017.

Diferentemente dos poetas das primeiras gerações românticas – que se preocupavam mais com
um universo limitado no “eu”, Castro Alves se interessava não apenas pelo “eu”, mas por toda
a realidade que o cercava. Deixou de lado o índio, “voltou-se para o negro e tornou-se o poeta
dos escravos, com uma generosidade e um ânimo libertário que fizeram da sua obra uma força

57
CAPÍTULO 4 • Romantismo

nos movimentos abolicionistas. Com ele o escravo se tornou assunto nobre da literatura [...]”
(CÂNDIDO, 2004, p. 68).

O tempo de Castro Alves, aqui no Brasil, foi marcado por grandes transformações sociais,
como a decadência da Monarquia, a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai e o pensamento
republicano. Essas transformações refletem em seus poemas que tinham como temas: a República,
o abolicionismo, a igualdade, as lutas de classe, os oprimidos. Nas palavras de Cândido:

O tema do negro avultou nessa fase e suscitou, da parte dos escritores, uma tomada
de posição na luta contra a escravidão, que cresceu depois da Guerra do Paraguai,
na qual negros livres e escravos formaram parte dos contingentes, forçando o
governo a decretar a liberdade dos recém-nascidos em 1871, a libertação dos
sexagenários em 1885 e, afinal, a abolição do regime servil em 1888. Destruída
assim a base da oligarquia que dominava o país e era o suporte da Monarquia,
esta não sobreviveu. (CÂNDIDO, 2004, p. 68).

A seguir, leremos trechos de “O navio negreiro”, um dos mais conhecidos poemas de Castro
Alves. Na época em que ele foi composto, em 1868, não havia mais tráfico de escravos no país. No
entanto, persistiam os efeitos da escravidão. Segundo Cândido (2004, p. 68), o poeta se preocupava
“com os efeitos morais negativos da escravidão e as iniquidades que ela gerava.” Para denunciar
a condição desumana e miserável dos escravos, Castro Alves escreve este poema.

O texto é dividido em seis partes (cantos), dos quais selecionamos a quarta parte, em que são
descritos os horrores de um navio de escravos.

O Navio Negreiro, Tragédia no Mar (IV)

Era um sonho dantesco... O tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar do açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras, moças... mas nuas, espantadas,

58
Romantismo • CAPÍTULO 4

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Se o velho arqueja... se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece...

Outro, que de martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra

E, após, fitando o céu que se desdobra

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!...”

E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da roda fantástica a serpente

Faz doudas espirais!

Qual num sonho dantesco as sombras voam...

59
CAPÍTULO 4 • Romantismo

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...
ALVES, C. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.
Disponível em: <http://www.escritas.org/pt/poema/13072/o-navio-negreiro-tragedia-no-
mar-iv>. Acesso em: 14 ago. 2017.

A descrição que Castro Alves faz do navio é tão detalhista (correntes, chicotes, multidão, sofrimento)
que nos faz visualizar a cena, como se fosse uma peça teatral. Logo na primeira estrofe, o poeta
compara o navio negreiro a um “sonho dantesco”, fazendo referência ao escritor italiano Dante
Alighieri, em “O inferno”, parte da obra “A Divina Comédia”. Palavras como “tinir” e “estalar”
acentuam a sonoridade do poema.

Na segunda estrofe, note a imagem das mulheres negras. É utilizada a palavra “tetas”, fazendo a
comparação a um animal. A poesia de Castro Alves não era para ser lida, “nem necessariamente
entendida. Seu objetivo, o mais das vezes, era a comoção pela palavra impressionante. Por isso,
na sua obra são muito mais numerosos os trechos e estrofes brilhantes do que os poemas bem
realizados” (FRANCHETTI, 2007, p. 25).

Ainda na segunda estrofe, as mulheres estão nuas, espantadas e são arrastadas pela multidão. As
reticências levam à reflexão do leitor, para que este tenha pena diante do sofrimento humano.
Observe que duas cores são colocadas em contraste na primeira e na segunda estrofe: o vermelho
e o preto, ou seja, o sangue contrastando com o negro da pele.

A terceira estrofe sugere mais desespero e dor. A exposição de um “velho arquejado” iguala-se
a de um animal que segue a orquestra – no caso os marinheiros, representando a orquestra e
comandando a dança. A multidão faminta, na quarta e quinta estrofes, sofre, geme, chora,
delira e enlouquece.

A crueldade perversa marca a sexta estrofe. Nela, fica claro que, para se divertirem, os marinheiros
batem nos negros. Note o efeito expressivo ocasionado pela antítese: o céu puro sobre o mar e
a figura do capitão cercado de fumaça. Na última estrofe, ressalta-se o prazer dos que torturam
em oposição ao sofrimento dos escravos. Uma figura diabólica é utilizada para o desfecho desta
parte do poema.

Não apenas a realidade interessava Castro Alves. O poeta cantava, também, o amor, a mulher, a
morte, o sonho. Sua poesia evolui da idealização da mulher (existente somente nos sonhos, nos
delírios), tendência das primeiras gerações românticas, para uma concretização.

Principais obras de Castro Alves:

» Espumas flutuantes, poesia (1870).

» A cachoeira de Paulo Afonso, poesia (1876).

60
Romantismo • CAPÍTULO 4

» Vozes d’África e Navio Negreiro, poesia (1880).

» Os escravos, poesia (1883).

» Gonzaga ou a Revolução de Minas, prosa (1875).

Sintetizando

Vimos até agora:

» A obra de Gonçalves de Magalhães, “Supiros Poéticos”, inaugurou o Romantismo no Brasil.

» Apesar de o Romantismo ter ficado na história apenas como uma tentativa de edificar a identidade nacional
brasileira, sua importância é crucial, uma vez que ele consolidou a literatura brasileira, com a abordagem de
elementos nacionais.

» A poesia é marcada pelo nacionalismo, pela exaltação da paisagem brasileira, pela criação de um herói nacional na
figura do indígena (indianismo), pelo “mal do século” e pelo social e libertário, cujas lutas abolicionistas tiveram
destaque.

61
REALISMO E NATURALISMO
CAPÍTULO
5
Introdução

No último capítulo, conhecemos a primeira escola literária da Era Nacional, o Romantismo –


nascido com o projeto de se criar uma literatura efetivamente brasileira, diferente da portuguesa
e, principalmente, da que fora desenvolvida nos três primeiros séculos da colonização. Liberdade
de criação, primazia da emoção sobre a razão, subjetivismo, culto à natureza, indianismo,
descrição de costumes e de regiões do Brasil, evasão no tempo e no espaço foram as principais
características dessa corrente literária.

Além do Romantismo, outras escolas fizeram parte dessa Era Nacional: o Realismo-Naturalismo,
o Parnasianismo, o Simbolismo, como veremos a seguir. Neste capítulo, estudaremos o Realismo
e o Naturalismo. Iniciado na segunda metade do século XIX, esses movimentos literários surgem
como uma reação ao Romantismo, substituindo o sentimento pela razão e preocupando-se em
retratar a realidade cotidiana, o social, com objetividade e imparcialidade.

Objetivos

» Situar o momento histórico-cultural do Realismo-Naturalismo no Brasil.

» Reconhecer as principais características dessas manifestações literárias.

» Analisar textos de autores representativos do Realismo-Naturalismo, tais como: Machado


de Assis e Aluísio Azevedo.

Realismo

O realismo surge como uma reação ao Romantismo, que era emoção e sentimento. O realismo
buscava refletir a realidade cotidiana de forma objetiva, criticando a burguesia, as questões
políticas, o adultério, o clero.

62
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

Contexto Histórico

O Realismo iniciou-se na segunda metade do século XIX. Nessa época, houve um enorme progresso
científico. Novas fontes de energia, como o carvão, o petróleo e a eletricidade possibilitaram
o desenvolvimento industrial, especialmente, da metalurgia e da área têxtil. Surgem grandes
complexos industriais. No entanto, a massa operária urbana forma uma população marginalizada
que não partilha dos benefícios gerados pela evolução industrial e que é explorada e sujeita a
condições sub-humanas de trabalho.

As ciências biológicas ganham notoriedade. Entre algumas descobertas desse período, podemos
citar: a utilização do éter na anestesia, a descoberta dos micro-organismos responsáveis pelas
sífilis, malária e tuberculose, a descrição dos hormônios e vitaminas.

João Batista Lamark (1744-1829) formula as leis da evolução natural, assegurando que a formação
ou desaparecimento de órgãos, nos seres vivos, são condicionados pelo uso, e que as alterações
ocorridas se integram ao patrimônio da espécie (NICOLA, 1986).

Charles Darwin publica, em 1859, o livro “A Origem das Espécies”, em que ele expõe seus estudos
sobre a evolução das espécies (evolucionismo) pelo processo de seleção natural, contrariando,
portanto, a origem divina sustentada pelo Cristianismo, o que provocou uma verdadeira revolução
no campo das ciências.

Saiba mais

O inglês Charles Darwin, biólogo, tinha um enorme interesse na natureza. Ele viajou por 5 anos (1831-1836) no
navio cartográfico Beagle, na época tinha apenas 22 anos, numa expedição ao redor do mundo. Nessa viagem,
ele reuniu uma imensa quantidade de informações, além do material biológico coletado em suas observações e
pesquisas; decisivos para elaboração de suas ideias sobre o mecanismo da evolução e a origem das espécies. Seis
anos foi o tempo que Darwin levou para classificar e organizar os dados de sua viagem. Baseou-se em um ensaio de
Thomas Malthus, Principles of population, de 1838, para, junto com seus dados, elaborar a teoria da seleção natural.
Contudo, Darwin demorou a publicar sua teoria, pois temia o impacto que poderia causar, já que a época era muito
influenciada pela religião e por conceitos fixistas.

Em 1858, recebeu uma inesperada carta do naturalista Alfred Russel Wallace, que descrevia ideias sobre a evolução
muito parecidas com as suas. Darwin levou um choque e publicou “A origem das espécies” (que descrevia a teoria
da seleção natural) em 1859, um ano depois do trabalho de Wallace ter sido apresentado. A seleção natural proposta
por Darwin considera que os organismos vivos têm grande capacidade de reprodução, portanto cada população
tem tendência para crescer exponencialmente, se o meio o permitir, levando à superprodução de descendentes.
Quando o meio não suporta tantos descendentes, desencadeia-se uma luta pela sobrevivência entre os membros da
população. Com isso, poucos indivíduos chegam à idade de procriação, já que a quantidade de alimento existente no
ambiente é limitada.
Disponível em: <http://www.portaleducacao.com.br/biologia/artigos/17908/teorias-da-evolucao-lamarck#!2>. Acesso em: 3 set. 2017.

63
CAPÍTULO 5 • Realismo e Naturalismo

No campo da filosofia, surgem algumas correntes que analisam a nova realidade: o Positivismo
(Auguste Comte), incomodado com o real-sensível, o fato, sustentando o cientificismo no
pensamento filosófico e a conciliação da “ordem e progresso” (a expressão, utilizada na bandeira
republicana do Brasil, é de inspiração de Auguste Comte); o Socialismo Científico de Karl
Marx e Friedrich Engels, a partir da publicação do “Manifesto Comunista”, em 1848, definindo
o materialismo histórico (o modo de produção condiciona também a vida social, política e
intelectual) e a luta de classes.

No Brasil, também ocorreram transformações radicais (entre 1850 e 1900), tanto na área econômica
quanto na político-social. As lutas abolicionistas tornam-se intensas a partir de 1850; a Guerra
do Paraguai (1864/70) tem como resultado o pensamento republicano – o Partido Republicano
foi criado no ano em que essa guerra acabou; a Monarquia vive uma vertiginosa decadência.

A Lei Áurea, de 1888, não conseguiu resolver o problema dos negros. Criou uma nova realidade.
O fim da mão de obra escrava e a sua substituição pela mão de obra assalariada – composta
de imigrantes europeus que vinham trabalhar na lavoura cafeeira – deram origem a uma nova
economia voltada ao mercado externo, mas agora sem uma estrutura colonialista.

É nesse cenário social, político e científico que nasce o Realismo e o Naturalismo, no Brasil, no
ano de 1881, com as obras: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e “O
Mulato”, de Aluísio Azevedo.

Características

As características do Realismo-Naturalismo estão intimamente ligadas ao momento histórico


descrito anteriormente. Havia uma “recusa ao que se entendia como excessiva idealização
romântica, linguagem direta no tratamento das paixões e da sexualidade, empenho no combate
social, gosto pelos temas ‘científicos’, especialmente os ligados à desagregação da matéria viva”
(FRANCHETTI, 2007, p. 29).

Entre as características do Realismo, podemos destacar:

1. O Realismo procura apresentar a verdade. Esse tratamento verdadeiro do material, essa


verossimilhança no arranjo dos fatos selecionados, unificados, apontando em uma
direção, é essencial.

2. O Realismo procura essa verdade por meio do retrato fiel de personagens. Retrata-se o
homem comum. Não há idealização como no Romantismo.

3. O realismo encara a vida objetivamente.

64
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

4. O Realismo fornece uma interpretação da vida. Retratando objetivamente a vida, o


Realismo, todavia, dá-lhe sentido, interpreta-a. A acumulação de fatos, pelo método da
documentação, não é tudo na atitude realista: a seleção e a síntese operam buscando
um sentido para o encadeamento dos fatos. Daí a preferência pela narração em vez da
descrição.

5. O Realismo retrata a vida contemporânea. [...] Ele encara o presente, [...] na política [...].
Qualquer motivo de conflito do homem com seu ambiente ou circunstantes é assunto
para o realista. Preocupa-se com o presente, diferentemente da estética Romântica, que
se preocupa com o passado.

6. O Realismo retira a maior soma de efeitos do uso de detalhes específicos.

7. A narrativa realista move-se lentamente. Pela própria natureza da técnica, que é


minuciosa, o realista dá a impressão de lentidão, de marcha quieta [...] Na narrativa, os
acontecimentos sempre têm relação de causa e efeito, uma explicação lógica, racional.

8. O Realismo apoia-se sobretudo nas impressões sensíveis, escolhe a linguagem mais


próxima da realidade, da simplicidade, da naturalidade. Prefere períodos curtos, de fácil
compreensão, para atingir um público mais amplo.

Adaptado de: COUTINHO, A. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:


Global Editora, 2003. pp. 186-187.

O Realismo representa a verdade, a vida como ela é, valendo-se, para isso, da técnica da
documentação e da observação. Segundo Coutinho (2003, p. 190), o realismo está “interessado
na análise de caracteres, encara o homem e o mundo objetivamente para interpretar a vida.” A
atitude dos escritores realistas procura se aproximar dos procedimentos adotados pelos cientistas,
atitude impessoal e imparcial dos fatos narrados.

Naturalismo

O Naturalismo é uma acentuação do Realismo. Não chegam a ser duas escolas literárias distintas.
Porém, embora tenham pontos comuns entre ambas, o Naturalismo possui algumas características
que o distingue (nem sempre essa distinção é perceptível) do Realismo. Veríssimo (2002) destaca
que, se o Romantismo foi uma reação contra o classicismo, o Naturalismo foi uma reação contra
o Romantismo. Para o autor, o Naturalismo

Revela-se este seu íntimo sentimento e propósito no sacrifício ou diminuição


da personalidade do autor, exuberante no Romantismo; numa observação
mais rigorosa e até presumidamente inspirada em métodos científicos; numa
representação mais fiel do observado, reduzindo ao mínimo a idealização
romanesca; no menosprezo dos constantes apelos à sensibilidade do leitor,

65
CAPÍTULO 5 • Realismo e Naturalismo

pelo abuso do patético; na invasão, não só do romance, mas de todos os gêneros


literários, pelo espírito crítico, que era principalmente o do tempo. Tudo isto
revia o momento, da prevalência das ciências exatas e de uma filosofia inspirada
de seus métodos e baseada nos seus resultados sobre a metafísica eclética do
princípio do século. (VERÍSSIMO, 2012, p. 157).

Os romances “O mulato”, “A casa de pensão”, “O homem”, “O cortiço” asseguram a Aluísio de


Azevedo o título de precursor do naturalismo no Brasil.

Características

Entre as características do Naturalismo, citamos:

1. A visão da vida do Naturalismo é mais determinista, mais mecanicista: o homem é um


animal, presa de forças fatais e superiores sem efeito e impulsionado pela fisiologia
em igualdade de proporções pelo espírito ou pela razão. Utiliza-se, constantemente, a
figura de linguagem zoomorfização (ou animalização). As ações dos personagens são
retratadas com base nos instintos naturais (instinto sexual e de sobrevivência).

2. O naturalista observa o homem por meio do método científico, impessoal e objetivamente,


como um “caso” a ser analisado.

3. O naturalista denota inclinação reformadora: a sua preocupação com os aspectos da


inferioridade visa à melhoria das condições sociais que a geraram. Retrata os espaços
miseráveis, que evidenciam os desequilíbrios que pretende denunciar.

4. O naturalista, com sua preocupação científica, declara-se de interesses amplos e


universais, nada é desprovido de importância e significado como assunto, nada que
esteja na natureza é indigno da literatura. Essa universalidade e fidelidade ao fato, a
todos os fatos, conduzem o Naturalismo a certo amoralismo, certa indiferença. Não
importa a opinião sobre os atos, mas os atos em si mesmos.

Adaptado de: COUTINHO, A. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:


Global Editora, 2003. p. 189.

O movimento Naturalista acentua o Realismo, destacando o fator biológico e sociológico do


comportamento humano, “inclusive os aspectos bestiais e repulsivos da vida, dando preferência
às camadas mais baixas da sociedade” (COUTINHO, 2003, p. 190).

Os maiores representantes da estética realista e naturalista no Brasil foram: Machado de Assis


(realista) e Aluísio de Azevedo (naturalista). A seguir, serão analisados alguns textos desses autores.

66
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

Autores e obras

Iremos nos deter aqui aos escritores de maior destaque na literatura realista e naturalista do Brasil.

Machado de Assis (realista)

É considerado um dos mais completos escritores brasileiros: poeta, contista, romancista,


dramaturgo e crítico literário, além de jornalista.

Figura 13 Machado de Assis.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/machado-de-assis>. Acesso em: 3 set. 2017.

Costumamos dividir a obra de Machado de Assis em duas fases: a primeira fase apresenta o autor
ainda comprometido com o idealismo romântico, portanto é denominada fase romântica ou de
amadurecimento. Na segunda, mais maduro, o autor apresenta uma análise psicológica e social
de temas da burguesia da época, sendo, dessa forma, chamada de fase realista ou de maturidade.

A primeira fase possui, entre outras, as seguintes características: uma estética mais próxima do
Romantismo; marcas de humor, porém carentes de pessimismo, de ceticismo e de ironia; um
sentimentalismo que ultrapassa os temas sensuais e eróticos.

Segundo Bosi:

[...] em oposição aos ficcionistas que faziam a apologia da paixão amorosa como
único móvel de conduta, o autor de A Mão e a Luva e de Iaiá Garcia, transvestindo
o problema pessoal em personagens femininas, defende a ambição de mudar
de classe e a procura de um novo status, mesmo à custa de sacrifícios no plano
afetivo (BOSI, 2007, p. 177).

Mesmo parecendo fracos, os romances da primeira fase machadiana têm grande importância
na história da literatura brasileira. Bosi (2007, p. 177) assinala que eles “alargaram a perspectiva
do melhor Alencar urbano no sentido de encarecer o relevo do papel social na formação do

67
CAPÍTULO 5 • Realismo e Naturalismo

‘eu’, papel que vem a ser aquela segunda natureza, considerada em Iaiá Garcia “tão legítima e
impenosa como a outra”.

Obras dessa primeira fase:

» Teatro: Desencantos (1861); Teatro (1863); Quase Ministro (1864).

» Poesia: Crisálidas (1864); Falenas (1870); Americanas (1875).

» Conto: Contos Fluminenses (1870); Histórias da Meia-Noite (1873).

» Romance: Ressurreição (1872); A Mão e a Luva (1876); Helena (1876); Iaiá Garcia (1878).

Na segunda fase, encontramos um Machado de Assis mais experiente. O autor, nesta fase,
propõe-se a fazer uma análise psicológica e social de temas da burguesia da época: o adultério,
o parasitismo social, o egoísmo, a vaidade, o interesse, além do conflito entre razão e loucura.

Obras da segunda fase:

» Poesia: Poesias Completas (1901).

» Conto: Papéis Avulsos (1882); Histórias sem Data (1884); Várias Histórias (1895).

» Romance: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom
Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908).

» Ensaios, crônicas: Páginas Recolhidas (1899); Relíquias da Casa Velha (1906).

Para ilustrar essa segunda fase, selecionamos alguns trechos do romance “Memórias Póstumas
de Brás Cubas,” primeiro romance realista da nossa literatura. É considerado um divisor entre a
prosa romântica e a realista-naturalista. Essa obra cavou “um fosso entre dois mundos, foi uma
revolução ideológica e formal: aprofundando o desprezo às idealizações românticas e ferindo
no cerne o mito do narrador onisciente, que tudo vê e tudo julga, deixou emergir a consciência
nua do indivíduo” (BOSI, 2006, p. 177).

Sobre “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, escreveu Veríssimo:

As Memórias póstumas de Brás Cubas são a epopeia da irremediável tolice


humana, a sátira da nossa incurável ilusão, feita por um defunto completamente
desenganado de tudo. Desde a sua cova conta-nos Brás Cubas, numa língua
primorosa de simplicidade, a sua vida do nascimento à morte, a sua família,
a sua educação, o seu meio, os seus primeiros namoros de rapaz e amores
de homem, as suas ambições, os seus amores adulterinos com certa Virgília,
enfim, quanto na vida sequer um momento o interessou ou ocupou de modo a
impressionar-lhe a memória e o entendimento. E só estas faculdades se deixaram
nele tocar por tais sucessos. Viu Brás Cubas, ainda pressentiu a vaidade de tudo,
e como ao cabo todas as cousas são naturais, necessárias, determinadas por um

68
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

conjunto de condições que não são essencialmente nem boas, nem más, e pelas
quais é sábio não nos abalarmos, não se deixou jamais comover. No fundo de tudo
há sempre um todo nada de ridículo, de comédia, de falsidade, de fingimento, de
cálculo. Tolo é quem se deixa enganar com as aparências, “empulhar”, segundo
o verbo muito do gosto de escritor. Mas a humanidade, a sociedade, é assim
feita e não há revoltar-nos contra ela e menos querê-la outra. A vida é boa, mas
com a condição de não a tomarmos muito a sério. Tal é a filosofia de Brás Cubas,
decididamente homem de muitíssimo espírito. Ele viveu quanto pode, segundo
este seu pensar, e se com o seu pessimismo conformado e indulgente não se
achou logrado “ao chegar ao outro lado do mistério”, foi porque verificou um
pequeno saldo no balanço final da sua existência. “Não tive filhos, — escreveu
na última página das suas Memórias, — não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria” (VERÍSSIMO, 1915, p. 188).

Como o próprio título da obra revela, a narração é feita por um defunto, Brás Cubas, protagonista
da história.

De sua infância, registra apenas o contato com um colega de escola, Quincas


Borba, e o comportamento de menino endiabrado, que o fazia maltratar o
escravo Prudêncio e atrapalhar os amores adúlteros de uma amiga da família,
D. Eusébia. Da juventude, resgata o envolvimento com uma prostituta de
luxo, Marcela, e a ida a Coimbra para estudar Direito e curar-se do amor
indesejado pelos pais. Volta pela morte de sua mãe e, então, seu pai começa a
encaminhá-lo a um casamento digno com Vigília (esposa do político Lobo Neves),
pois namorara inconsequentemente Eugênia (jovem manca de quem Brás rouba
um beijo, abandonando-a em seguida). Desse ponto até o fim da vida, Brás se
dedica à carreira política, que exerce sem talento, e a ações beneficentes, que
pratica sem nenhuma paixão.
Disponível em: <http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/memorias-
postumas-de-bras-cubas.html>. Acesso em: 3 set. 2017.

Depois de ter lido o resumo, vamos aos trechos do romance!

1o Trecho
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico

como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas.

[...]

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim,
isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto
o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a
adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda
é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.
(ASSIS, 1994, p. 2).

69
CAPÍTULO 5 • Realismo e Naturalismo

2o Trecho
Começo o arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho
que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo
sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho,
cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo,
porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer,
e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular
e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à
esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu,
escorregam e caem...
(ASSIS, 1994, p. 78)

3o Trecho
Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e
esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo,
veloz, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo
medieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram
a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar,
comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para os seus livros.

[...] Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.
Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou
que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.
(ASSIS, 1994, p. 21).

O livro é revolucionário em nossa literatura porque é estruturado a partir de memórias, mas de


memórias póstumas. Isto é, o narrador, em 1ª pessoa, rememora sua vida após a morte, originando,
dessa maneira, um defunto-autor, conforme destacado no 1o Trecho. Logo na dedicatória, o
autor já especifica que está morto, enterrado... e comido pelos vermes. O foco narrativo pode
ser chamado de “confessional”, uma vez que o narrador (Brás Cubas) dá sua visão dos fatos, dos
seus pensamentos e experiências.

Contada por um defunto-autor, a obra rompe com a linearidade (início, meio e fim) da narrativa. É
o fluir do pensamento de Brás Cubas, que relata tudo quanto vem à consciência, que dita o ritmo
da narração. Várias vezes a narrativa é interrompida por reflexões, longas digressões (divagações),
explicações de cenas e definições de termos. Por exemplo, o narrador utiliza o recurso do “flash
back”, contando sua trajetória através da morte e passando aleatoriamente por outras fases da
vida. No 2o Trecho, podemos observar que o narrador se vale de outro recurso para romper com
a estrutura linear da narrativa. Ele faz intervenções e conversa com o leitor (comentando a sua
própria narrativa), chamando a atenção do leitor para o seu próprio processo de construção da
linguagem literária.

70
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

Pela riqueza de técnicas experimentadas, a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” ficou
conhecida como uma nova forma de possibilidade narrativa:

Foi nesse livro surpreendente que Machado descobriu, antes de Pirandello e de


Proust, que o estatuto da personagem na ficção não depende, para sustentar-se,
da sua fixidez psicológica, nem da sua conversão em tipo; e que o registro das
sensações e dos estados de consciência mais díspares veicula de modo exemplar
algo que está aquém da persona: o contínuo da psique humana. Daí a estrutura
informal e aberta dessa nova experiência narrativa, tecido de lembranças casuais,
fait divers e cortes digressivos entre banais e cínicos da personagem-autor, que
não transcende nunca a “filosofia” do bom senso burguês congelada pela condição
irreversível de defunto. Uma consequência notável para o miolo ideológico do
romance é que a unidade, mascarada pela dispersão dos atos e das palavras,
ultrapassa os indivíduos e acaba fixando-se em níveis impessoais: a sociedade
e as forças do inconsciente. Deslocado, assim, o ponto de vista, um velho tema
como o triângulo amoroso já não se carregará do pathos romântico que envolvia
herói-heroína-o outro, mas deixará vir à tona os mil e um interesses de posição,
prestígio e dinheiro, dando a batuta à libido e à vontade de poder que mais
profundamente regem os passos do homem em sociedade (BOSI, 2006, p. 180).

No 3o Trecho, no primeiro parágrafo, é possível perceber a referência do autor ao mundo do


Romantismo. De forma irônica, através da metáfora do corcel, ele ataca temas da época medieval,
próprios do Romantismo. As características “nervoso, rijo, veloz” também podem ser associadas
ao surgimento dessa escola literária; e sua decadência, portanto, “comido de lazeira e vermes”.
No segundo parágrafo desse mesmo trecho, podemos notar a visão que Machado de Assis
tinha sobre as pessoas e sobre a sociedade, criticando o modelo que a burguesia fazia questão
de ostentar, principalmente o de tornar visíveis os bens materiais que possuía. Ele expressa de
forma metafórica o amor interesseiro de Marcela.

Assim, de acordo com Veríssimo (2012, p. 188), “as Memórias póstumas de Brás Cubas eram
rompimento tácito, mais completo e definitivo de Machado de Assis, com o Romantismo sob o
qual nascera, crescera e se fizera escritor”.

Saiba mais

Além de romancista e contista, Machado de Assis foi também autor de teatro, crítico, poeta. “É certo que sua obra
em versos é muito inferior aos romances da idade madura. Mas nem por isso a sua poesia deixa de elevar-se muito
acima da média” (FRANCHETTI, 2007, p. 29). Ele era um “consumidor” de teatro desde adolescente. Escreveu para
jornais da época sobre as peças que iria assistir. Em um período curto de tempo, começou a traduzir peças francesas
e passou a criar suas próprias comédias para o palco. Em sua maturidade, rompeu os laços com o teatro, mas a
linguagem do teatro pode ser reconhecida em muito de seus livros.

71
CAPÍTULO 5 • Realismo e Naturalismo

Aluísio Azevedo (naturalista)

Produziu romances românticos que o próprio autor chamava de “comerciais”: “Memórias


de um Condenado”, “Mistérios da Tijuca”, “Filomena Borges”, “O Esqueleto” e “A mortalha de
Alzira”, seguindo a receita folhetinesca; e, também, romances naturalistas denominados por
ele de “artísticos”: “O mulato”, “Casa de Pensão” e “O Cortiço”, mostrava a sua preocupação com
as classes marginalizadas, a crítica ao conservadorismo e ao clero, aliado à classe dominante.
Diferentemente de Machado de Assis, a divisão de sua obra não constitui fases. Os romances
românticos são alternados com os naturalistas.

Figura 14. Aluísio Azevedo.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/aluisio-azevedo/biografia>. Acesso em: 3 set. 2017.

Em “O Cortiço”, considerada a obra mais significativa que se pode considerar naturalista, Aluísio
Azevedo faz uma crítica às péssimas condições de vida dos cortiços, tema pouco explorado nas
escolas literárias que o precederam.

Selecionamos alguns trechos do romance para comentarmos.

1o Trecho
Justamente por essa ocasião vendeu-se também um sobrado que ficava à direita
da venda, separado desta apenas por aquelas vinte braças; e de sorte que todo
o flanco esquerdo do prédio, coisa de uns vinte e tantos metros, despejava
para o terreno do vendeiro as suas nove janelas de peitoril. Comprou-o um tal
Miranda, negociante português, estabelecido na rua do Hospício com uma loja
de fazendas por atacado.

[...]

E durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças,
socando-se de gente. E ao lado o Miranda assustava-se, inquieto com aquela
exuberância brutal de vida, aterrado diante daquela floresta implacável que lhe
crescia junto da casa, por debaixo das janelas, e cujas raízes piores e mais grossas

72
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

do que serpentes miravam por toda parte, ameaçando rebentar o chão em torno
dela, rachando o solo e abalando tudo.

AZEVEDO, A. O Cortiço. - 30. ed. - São Paulo: Ática, 1997.

2o Trecho

Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração
tumultuosa de machos e fêmeas. (...) O chão inundava-se. As mulheres precisavam
já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez
dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o
alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo; ao
contrário, metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as
ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão.

AZEVEDO, A. O Cortiço. - 30. ed. - São Paulo: Ática, 1997.

3o Trecho

Ia atirar-se cá para fora, quando se ouviu estalar o madeiramento da casa


incendiada, que abateu rapidamente, sepultando a louca num montão de brasas.

[...]

Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara


forte, chegando a ser bem rico; mas a roda desandou e, de malogro em malogro,
foi-lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina. E agora, coitado,
já velho, comido de desilusões, cheio de hemorroidas, via-se totalmente sem
recursos e vegetava à sombra do Mirada, com quem por muitos anos trabalhou
em rapaz, sob as ordens do mesmo patrão, e de quem se conservara amigo, a
princípio por acaso e mais tarde por necessidade.

AZEVEDO, A. O Cortiço. - 30. ed. - São Paulo: Ática, 1997.

O estilo de Aluísio Azevedo, dentro de “O Cortiço”, confirma o seu talento para desenhar um
retrato dos agrupamentos humanos. No 1o Trecho, notamos que a descrição dos dois ambientes
mostra uma oposição entre o coletivo (o cortiço) e o individual (o sobrado), fazendo uma alusão
à realidade socioeconômica brasileira no limiar dos séculos XIX e XX.

As tendências filosóficas e científicas como o Evolucionismo, o Determinismo, o Positivismo, em


voga na época, estão presentes na obra de Aluísio Azevedo a partir do zoomorfismo (redução
das personagens à condição de animal), da exploração de cenas coletivas e, em menor escala,
pela análise psicológica dos personagens que deixam ser conduzidos pelos instintos sexuais,
pela ambição e cobiça.

73
CAPÍTULO 5 • Realismo e Naturalismo

Para Bosi:

[...] a redução das criaturas ao nível animal cai dentro dos códigos antirromânticos
de despersonalização; mas o que uma análise mais percuciente atribuiria ao
sistema desumano de trabalho, que deforma os que vendem e ulcera os que
compram, à consciência do naturalista aparece como um fado de origem
fisiológica, portanto inapelável. Como dá caráter absoluto ao que é efeito da
iniquidade social, o naturalista acaba fatalmente estendendo a amargura da sua
reflexão à própria fonte de todas as suas leis: a natureza humana afigura-se-lhe
uma selva selvaggia onde os fortes comem os fracos. Essa, a mola do Cortiço. Essa,
a explicação das vilanias e torpezas que ‘naturalmente’ devem povoar a existência
da gente pobre. E essa também a causa do desfecho, que se quer trágico, mas é
apenas teatral (BOSI, 2006, p. 190).

Nesse sentido, o discurso naturalista de Aluísio Azevedo enfatiza nos personagens o aspecto
animalesco, ou seja, compara os seres humanos a animais. Isso pode ser observado no 2o Trecho.
Nele, vocábulos como “machos e fêmeas”, “cabelo para o alto do casco”, “molhar o pelo” produzem
imagens que aludem a uma animalização (zoomorfismo) do comportamento humano.

O léxico é concreto, há cortes nos períodos, a sintaxe é correta, “tem ressaibos lusitanizantes que,
embora se possam explicar pela origem luso-maranhense de Aluísio, quadram bem ao clima de
purismo que marcaria a língua culta brasileira até o advento dos modernistas” (BOSI, 2006, p. 192).

No segundo trecho, também, há a presença do descritivismo objetivo, que fixa elementos


sensoriais (visuais, olfativos e auditivos), como: “chão inundava-se”, “metiam bem debaixo da
água e esfregavam com força”, entre outras. Aluísio de Azevedo, segundo Bosi (2006, p. 190),
“desistindo de montar um enredo em função de pessoas, ateve-se à sequência de descrições
muito precisas onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do
cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista”.

Cabe destacar, aqui, o papel que a mulher tinha na sociedade da época. Ela era reduzida a
um simples objeto, que existia para: realizar atividades domésticas e trabalhistas (a maioria
das mulheres do cortiço eram lavadeiras) ou para prestar-se a objeto sexual, satisfazendo as
necessidades dos homens. Isso pode ser percebido com clareza na personagem Bertoleza (escrava
que se pensa alforriada): “o destino de Bertoleza fazia-se cada vez mais estrito e mais sombrio;
pouco a pouco deixara totalmente de ser a amante do vendeiro, para ficar sendo só uma sua
escrava. Como sempre, era a primeira a erguer-se e a última a deitar-se; de manhã escamando
peixe, à noite vendendo-o à porta [...]” (AZEVEDO, 1991).

No primeiro parágrafo do 3o Trecho, podemos verificar que, devido ao teor naturalista da obra,
faz-se necessário um narrador que se posicione em terceira pessoa, onisciente e onipresente,
atento em oferecer uma visão crítico-analítica dos fatos. O narrador é testemunha pessoal e muito
próxima dos acontecimentos narrados. No segundo parágrafo desse mesmo trecho, notamos uma

74
Realismo e Naturalismo • CAPÍTULO 5

associação do psicológico (ou emocional) com o físico (ou material), traços muito frequentes
nos escritores naturalistas.

O escritor romântico exalta uma beleza excepcional, já “o naturalista julga ‘interessante’ o


patológico, porque prova a dependência do homem em relação à fatalidade das leis naturais.
Mais uma vez, a regra de ouro é a atenção ao contexto, que impede aqui de nos perdermos na
sedução anti-histórica dos arquétipos” (BOSI, 2006, p. 172).

Se a estética romântica tinha certa vaguidade em tratar dos personagens, o naturalismo se


apropria do homem comum. No entanto, Bosi ressalta:

Se a ótica naturalista capta de preferência a mediocridade da rotina, os sestros e


mesmo as taras do indivíduo, ela não será por isso menos verossímil que a opção
contrária dos românticos; e, o que mais importa, é tão significativa quanto ela,
pois uma e outra são sintomas dos impasses criados no espírito do ficcionista
quando se abeira da condição humana enleada na vida social (BOSI, 2006, p. 189).

Desse modo, o “Cortiço” procura ser uma representação precisa da realidade que toma como
tema. Nele, Aluísio Azevedo fixa conjuntos humanos, faz uma análise de tipos sociais, só que esses
tipos só se manifestam como uma “consequência” do meio (o meio influencia o comportamento
do sujeito), pois o grande personagem na verdade é o conjunto, ou seja, o cortiço, apresentado
como um personagem.

Sintetizando

Vimos até agora:

» O Realismo e o Naturalismo foram movimentos artísticos e culturais que se desenvolveram no Brasil, no ano de
1881, com as obras: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, e “O Mulato”, de Aluísio Azevedo.

» As principais características desses movimentos foram o tratamento objetivo da realidade do ser humano e a
abordagem de temas sociais, como, por exemplo, miséria, pobreza, exploração, corrupção, entre outros.

75
PARNASIANISMO E SIMBOLISMO
CAPÍTULO
6
Introdução

Opondo-se aos românticos e distanciando-se das preocupações sociais dos realistas (que
estudamos no capítulo anterior), surge o movimento denominado Parnasianismo, caracterizado
pelo culto da forma (a arte pela arte), pelo objetivismo, pela métrica perfeita com a presença de
rimas ricas, raras, preciosas.

Já o Simbolismo é uma escola literária que se opõe à poesia objetiva, descritiva, praticada pelo
Parnasianismo. Mantendo ligações com a poética romântica, a estética simbolista é marcada
pelo subjetivismo, pela valorização do inconsciente e do subconsciente, pelo mistério, pelo
misticismo, pela espiritualidade e pela musicalidade.

Esses dois movimentos literários serão o tema deste capítulo. Com ela, encerraremos a disciplina
“Literatura Brasileira até o Século XIX”. Aproveitamos para sugerir a releitura dos capítulos
anteriores, não de maneira metódica, mas conforme você mesmo sentir necessidade de estabelecer
relações entre o que acabara de estudar e o que já foi visto em outros momentos.

Objetivos

» Situar o momento histórico-cultural do Simbolismo no Brasil.

» Identificar as principais características do Parnasianismo e do Simbolismo.

» Analisar textos de autores representativos dessas manifestações literárias, tais como:


Olavo Bilac (parnasiano) e Cruz e Souza (simbolista).

Parnasianismo

Foi o movimento correspondente em poesia ao Realismo e ao Naturalismo, ou seja, é a manifestação


poética dessas escolas literárias. O Parnasianismo preocupa-se com a “arte pela arte” ou a “arte
sobre a arte”. Manifesta-se a partir dos anos de 1870, prolongando-se até a Semana de Arte
Moderna.

76
Parnasianismo e Simbolismo • CAPÍTULO 6

Contexto histórico

O estilo parnasiano surgiu na França, em 1866, com as antologias publicadas com o título “Le
Parnasse Contemporain” (O Parnaso Contemporâneo). “O nome de Parnasse (em português,
Parnaso, Parnasiano, Parnasianismo) vem de ‘Parnassus’, monte da Fócida, na Grécia, onde,
segundo a lenda, residiam poetas [...] é uma espécie de morada simbólica dos poetas” (COUTINHO,
2003, p. 191).

Figura 15. Templo de Apolo, nas encostas do Monte Parnaso, perto de Delphi (Grécia).

Disponível em: <https://es.wikipedia.org/wiki/Monte_Parnaso#/media/File:Temple_of_apollo.JPG>. Acesso em: 4 set. 2017.

Salientou Veríssimo (2012, p. 160): “ao feitio poético que no Brasil correspondeu ao naturalismo
no romance, e que de parte modalidades diversas e indefiníveis de inspiração se caracterizou
pela preocupação da forma e pela maior abstenção da personalidade do artista chamou-se de
Parnasianismo”.

A poética do Parnasianismo se configura como uma “convergência de ideais antirromânticos,


como a objetividade no trato dos temas e o culto da forma” (BOSI, 2006, p. 219). É uma estética
que nasce concomitantemente com a estética realista e possui os seguintes traços, segundo
Bosi (2006, pp. 119-220): “o gosto pela descrição nítida (a mimese pela mimese), concepções
tradicionalistas sobre metro, ritmo e rima e o ideal de impessoalidade que partilhavam com os
realistas do tempo”.

Assim, em uma postura antirromântica, o Parnasianismo baseava-se no par: objetividade/


culto da forma. A objetividade (na tentativa de alcançar a impassibilidade) era uma maneira de
negar o sentimentalismo e subjetivismo romântico. Por isso, a poesia parnasiana é marcada por
descrições objetivas, tanto da natureza quanto de objetos. Para Bosi:

77
CAPÍTULO 6 • Parnasianismo e Simbolismo

O parnasiano típico acabará deleitando-se na nomeação de alfaias, vasos e leques


chineses, flautas gregas, taças de coral, ídolos de gesso em túmulos de mármore...
e exaurindo-se na sensação de um detalhe ou na memória de um fragmento
narrativo. Entre a sua atitude estética e a de um pintor impressionista há uma
diferença de peso: a mão deste é mais leve e pura; menos carregada de intenções;
mas subsiste em ambos como fundo comum a ambição de fixar meridianamente
o jogo das impressões visuais. (BOSI, 2006, p. 221).

É caracterizado pela perfeição formal na rima, no ritmo, no metro, retomando a Antiguidade


Clássica; pela negação da subjetividade em favor da objetividade, advinda do espírito cientificista.
Este espírito é, de acordo com Bosi (2006, p. 172), “responsável pelo esvaziar-se do êxtase que
a paisagem suscitava nos escritores românticos. O que se entende pela preferência dada agora
aos ambientes urbanos e, em nível mais profundo, pela não identificação do escritor realista
com aquela vida” e aquela natureza modificadas pelo Positivismo em regras e fatos alheios à
alma humana.

O Parnasianismo também é caracterizado pela visão mais material do que espiritual do amor;
e pela oposição aos românticos e distanciamento das preocupações sociais dos realistas. Além
disso, a estética parnasiana interessava-se por assuntos universais, em vez do individualismo
Romântico.

Os principais representantes do parnasianismo brasileiro foram:

» Olavo Bilac: Poesias (Reunião dos livros Panóplias, Via-láctea e Sarças de fogo -1888);
Tarde (1918).

» Alberto de Oliveira: Meridionais (1884); Versos e rimas (1895); O livro de Ema (1900).

» Raimundo Correia: Sinfonias (1883); Aleluias (1891).

» Francisca Júlia: Mármores (1895); Livro da Infância (1899); Esfinges (1903); Alma Infantil
(com Júlio César da Silva, 1912).

» Vicente de Carvalho: Ardentias (1885); Relicário (1888); Rosa, Rosa de Amor (1902); Poemas
e Canções (1908); Verso e Prosa (1909); Páginas Soltas (1911) e Versos da Mocidade (1912).

A publicação da obra “Fanfarra”, de Teófilo Dias, foi o marco inicial do Parnasianismo brasileiro.
Um texto fundamental para a compreensão dessa estética literária é o poema “Profissão de fé”,
de Olavo Bilac.

Autor e obra

O maior poeta da escola parnasiana foi Olavo Bilac. As características de sua poesia são a riqueza
métrica, a obsessão por uma terminologia preciosa e por um rigor gramatical. Segundo Bosi

78
Parnasianismo e Simbolismo • CAPÍTULO 6

(2006, p. 253), “neste literato de veia fácil potencia-se a tendência parnasiana de fixar no brilho
da frase isolada e na chave de ouro de um soneto a mensagem toda da poesia”.

Mesmo reconhecendo que a língua não é estática – evolui, modifica-se, ele “afirma sempre que
as suas ‘regras vitais’ – isto é, a sintaxe, basicamente - permanecem as mesmas e imutáveis”
(FRANCHETTI, 2007, p. 34). Isso fica expresso em vários textos dele em prosa, como em “Aos
Homens de Letras de Portugal”:

Também não sou purista extremado, de um purismo que se abeire da caturrice.


Será ridículo que os nossos netos falem e escrevam exatamente como falaram e
escreveram os nossos avós; também seria ridículo que o nosso estilo de hoje fosse
a reprodução fiel do estilo dos quinhentistas. Mas se o tesouro do vocabulário,
o movimento das locuções, o ritmo das frases podem e devem ser variados e
aperfeiçoados, a sintaxe, que é a estrutura essencial do idioma, é perpetua e
imutável (BILAC, 1916 apud FRANCHETTI, 2007, p. 34).

São textos que expressam o Parnasianismo no Brasil, permitindo-nos ver com cuidado o respeito
às normas linguísticas e às fontes clássicas da língua portuguesa. A língua, dirá Olavo Bilac,
é “a base da nacionalidade”. É ela, portanto, o foco do pensamento e da ação cívica de Bilac:
instrução primária, integração nacional, papel civilizador do exército, culto da forma em poesia”
(FRANCHETTI, 2007, p. 34).

Figura 16. Olavo Bilac.

Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/olavo-bilac/biografia>. Acesso em: 4 set. 2017.

A seguir, apresentamos trechos do poema “Profissão de fé”, espécie de tratado que Bilac firma
com a poesia e com os princípios de beleza estética do Parnasianismo.

Profissão de Fé

[...]

Invejo o ourives quando escrevo:

Imito o amor

79
CAPÍTULO 6 • Parnasianismo e Simbolismo

Com que ele, em ouro, o alto relevo

Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara

A pedra firo:

O alvo cristal, a pedra rara,

O ônix prefiro.

Torce, aprimora, alteia, lima

A frase; e, enfim,

No verso de ouro engasta a rima,

Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,

Dobrada ao jeito

Do ourives, saia da oficina

Sem um defeito:

[...]
BILAC, O. Poesias. Rio de Janeiro: Ediouro, 1978.

No poema, há uma exaltação do lavor poético. Bilac expõe a sua concepção do que é poesia,
comparando o trabalho do ourives e o do poeta.

ourives poeta
prata firme papel
cinzel (instrumento de aço) trabalho estilístico
rubim (o mesmo que rubi) rima

Na 1ª estrofe, há um predomínio da ordem indireta: “Invejo o ourives quando escrevo: /Imito


o amor” em vez de “Imito o amor quando escrevo.” Os parnasianos buscavam a beleza no uso
da língua. Logo, “quanto mais difícil, mais bonito.” Faziam uso frequentemente de inversões e
de vocabulário refinado nos poemas, como “engastar” (embutir, encravar, encaixar), “altear”
(tornar sublime).

Olavo Bilac compara o poeta com o ourives, buscando a perfeição, por meio de um trabalho
pesado e difícil. Na 3ª estrofe, Bilac destaca a importância do cuidado com os vocábulos e realça a
lapidação dos versos, para que o poema “saia da oficina/Sem um defeito”, uma espécie de objeto
valioso, similar a um “rubim”, uma joia rara.

80
Parnasianismo e Simbolismo • CAPÍTULO 6

Ainda na 3ª estrofe, temos versos podem comprovar o culto excessivo à forma: “Torce, aprimora,
alteia, lima/A frase; e enfim/No verso de ouro, engasga a rima/Como um rubim”. Nesse verso,
podemos verificar a utilização de rimas ricas (rimas estabelecidas por palavras de classes
gramaticais diferentes). A palavra “rubi” transforma-se em “rubim”, almejando, assim, a rima
perfeita. Há uma ênfase no tipo de rima ABAB para as estrofes de quatro versos, isto é, o primeiro
verso rima com o terceiro, o segundo com o quarto.

Nas 4ª e 5ª estrofes, o poeta trata o trabalho poético como uma atividade que requer “perícia”,
requer um distanciamento da realidade “A trabalhar, longe de tudo/O pensamento.” O poeta,
então, deve alhear-se do mundo, preocupando apenas com a sua tarefa de criar beleza através
das palavras. Os parnasianos deviam se manter neutros diante da realidade, impassíveis diante
dos acontecimentos, esconder seus sentimentos, sua vida pessoal, observar e reproduzir
coisas concretas. Em outras palavras, as emoções deviam ser contidas, a fim de que estas não
interferissem na beleza estética.

Para Olavo Bilac, a literatura seria semelhante à manutenção das fronteiras do país, “o povo,
depositário, conservador e reformador da língua nacional, é o verdadeiro exército da sua defesa:
mas a organização das forças protetoras depende de nós: artífices da palavra, a guarnição das
fronteiras da nossa literatura, que é toda a nossa civilização (FRANCHETTI, 2007, p. 34).

Na última estrofe, o eu lírico confessa que é escravo da forma. Esta é endeusada: “Por te servir,
Deusa serena/Serena Forma!”. De acordo com Bilac, a preocupação primeira do poeta parnasiano
deveria ser a de produzir uma poesia formalmente perfeita (na rima, no ritmo, no metro, no
emprego de palavras raras, na preferência pela ordem indireta). Sua real preocupação era com o
estilo e não com a profundidade das ideias e sentimentos do poeta, revelando, assim, a perfeição
formal própria do parnasiano.

“Profissão de Fé” é um “juramento apoético de que o autor morrerá ‘em prol do Estilo’, define a
palavra como algo que não se identifica com a substância das coisas, mas ‘veste-a’ magnificamente”
(BOSI, 2006, p. 227). O poema representa o ideal parnasiano “a arte pela arte” cujo tema principal
era como se devia fazer um poema perfeito. Nas palavras de Franchetti:

Bilac e seus companheiros parnasianos criaram, no final do século XIX, não


apenas um gosto homogêneo e difundido, que persistiria por décadas, mas
ainda a ideia de que construir uma literatura pautada pelo respeito à norma e
pela integração do intelectual na vida política e econômica da nação era um dos
principais requisitos para construir e manter a própria nacionalidade republicana
(FRANCHETTI, 2007, p. 35).

Desse modo, o que subjaz na escola Parnasiana é a perfeição formal, contrapondo-se aos descuidos
e sentimentalismos excessivos de Romantismo. O poeta devia tratar sua obra como se fosse uma
única peça de alto valor. Além disso, a poesia tinha de ser objetiva e despersonalizada, deixando
de lado as características do Romantismo (emoção poética e lirismo).

81
CAPÍTULO 6 • Parnasianismo e Simbolismo

Simbolismo

O Simbolismo é um momento que marca a transição do século XIX para o século XX, definindo
um novo mundo.

Contexto histórico

O movimento simbolista surge no último quarto de século XIX, na França, como uma reação
artística ao materialismo e cientificismo propagado na Europa desde a metade do século.

O mundo ocidental passa por transformações tanto culturais, sociais quanto políticas em fins do
ano de 1880. Toda a Europa, especialmente a Grã-Bretanha, vive a chamada Grande Depressão
(1873-1896), época de instabilidade econômica. A França, como centro propagador de cultura,
perde a guerra contra a Alemanha. A derrota influencia um mundo de ideias e concepções. As
proposições racionalistas e empíricas apresentadas pela ciência da época sofrem uma revisão.

Como consequência, a arte tende ao abandono da objetividade, tão defendido pelo Realismo,
e retoma valores de ordem subjetiva típicos do Romantismo. Passa-se a valorizar o espírito, o
cósmico, o sonho, o absoluto, o sagrado, o belo, o bem.

Enquanto as potências estavam em guerra no ocidente, no Brasil, eclodiam as guerras civis:


Revolução Federalista (1893/1895) e a Revolta da Armada (1893/1894). A primeira, ocasionada
pela oposição ao governo de Floriano Peixoto, gerando cenas de violência no Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná. A segunda também exigia a renúncia de Floriano com navios da
Marinha, na baía da Guanabara, apontando os canhões para o palácio do governo, onde estava
Floriano. Esmagando a Revolta, Floriano consolida a República.

Figura 17. Revolta da Armada.

Disponível em: <http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria22/mh-g22a046.htm>. Acesso em: 8 set. 2017.

82
Parnasianismo e Simbolismo • CAPÍTULO 6

É nesse contexto marcado por frustrações, angústia, falta de perspectiva, que eclode o Simbolismo,
valorizando as manifestações subjetivas e “abafando” a corrente realista-naturalista e parnasiana.
Segundo Bosi:

É apenas de grau a diferença entre o parnasiano e o decadentista brasileiro


[simbolismo]: naquele, o culto da Forma; neste, a religião do Verbo. Em outros
termos: alarga-se de um para o outro o hiato entre a praxis e a atividade artística.
O poeta, inserindo-se cada vez menos na teia da vida social, faz do exercício da
arte a sua única missão e, no limite, um sacerdócio. O divisor de águas acompanha
[...] a passagem da tônica, no nível das intenções: do objeto, nos parnasianos,
para o sujeito, nos decadentes, com toda a sequela de antíteses verbais: matéria-
espirito; real-ideal; profano-sagrado; racional-emotivo (BOSI, 2006, p. 268).

O simbolismo tem como objetivo a busca interior, procurando inter-relacionar o mundo


espiritual e o mundo sensível, diferentemente do realismo-parnasianismo que eram movimentos
anti-idealistas que visavam a exaltar a realidade cotidiana.

Características

O Simbolismo é a estética literária do final do século XIX que se opõe ao Realismo. Teve seu início
no Brasil em 1893 – com a publicação de “Missal” e “Broquéis”, de Cruz e Sousa – e seu fim em
1902, quando Euclides da Cunha lança “Os Sertões”, que vai inaugurar o Pré-Modernismo. Além
de Cruz e Sousa, destaca-se também como escritor simbolista Alphonsus de Guimaraens. Bosi
destaca:

O Simbolismo reage às correntes analíticas dos meados do século, assim como o


Romantismo reagira à Ilustração triunfante. Ambos os movimentos exprimem o
desgosto das soluções racionalistas e mecânicas [...]; ambos recusam-se a limitar
a arte ao objeto, à técnica de produzi-lo, a seu aspecto palpável; ambos, enfim,
esperam ir além do empírico e tocar, com a sonda da poesia, um fundo comum
que susteria os fenômenos, chame-se Natureza, Absoluto, Deus ou Nada. (BOSI,
2006, p. 263).

Na literatura brasileira, a poesia parnasiana não ocupou mesmo espaço de significância e duração
do que em outros países. Talvez porque respondia “de modo imediato aos imperativos políticos
do momento e reafirmava a necessidade de construção de um solo referencial básico de cultura”
(FRANCHETTI, 2007, p. 38), valorizando a clareza, o purismo linguístico e a utilização de figuras
mitológicas e históricas. Isso fez com que se criasse um público fiel, que não expressava tanto
interesse pelos simbolistas.

83
CAPÍTULO 6 • Parnasianismo e Simbolismo

Saiba mais

A literatura desta época é chamada de simbolista porque os escritores consideravam que toda poesia é em essência
simbólica. O símbolo, como um “disfarce de ideias”, é o “encontro das perfeitas correspondências entre o mundo
sensível e o mundo abstrato em que a palavra ou conjunto de palavras servem para evocar um estado de espírito
indefinido e cuja tradução jamais é imediata” (GOMES, 1994, p. 30). Os símbolos estão presentes na literatura desde
sempre, através da representação figurativa, fugindo à linguagem prática. Para os simbolistas, o símbolo tem valor
mágico, místico; evoca imaginação, lembrança; admite mais de uma interpretação.

A seguir, detalhamos algumas características principais deste movimento literário.

a. Conteúdo intelectual relacionado ao espiritual, o místico e o subconsciente.

b. Interesse maior pelo particular e individual do que pelo geral ou universal, opondo-se
à poética realista-naturalista e parnasiana e se reaproximando da estética romântica,
procurando o mais profundo do “eu” e buscando o inconsciente, o sonho.

c. Busca por escapar da realidade e da sociedade contemporânea, dando ênfase à imaginação


e à fantasia.

d. Conhecimento intuitivo e não lógico. Sugere através das palavras sem nomear
objetivamente os elementos da realidade.

e. A natureza é desprezada em troca do místico e do sobrenatural.

f. Arte pela arte. A forma é mais importante do que a ideia. Por isso, os simbolistas
empregavam palavras ambíguas, sinestesias, aliteração, recursos fonéticos para acentuar
a musicalidade.

g. Tom altamente poético. Pouco interesse pelo enredo e ação, na narrativa.

h. As personagens são seres humanos em momentos incomuns; por isso, o interesse recai
no espírito íntimo das pessoas.

i. A procura em selecionar os elementos que contribuem para a fantasia ou os que


apresentam a essência em vez da realidade.

j. Linguagem ornada, colorida, exótica, poética, em que as palavras são escolhidas pela
sonoridade, ritmo, colorido, fazendo-se arranjos artificiais de partes ou detalhes para
criar impressões sensíveis, sugerindo antes que descrevendo e explicando. A poesia
devia se aproximar da música.

Adaptado de: COUTINHO, A. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro:


Global Editora, 2003. p. 189.

84
Parnasianismo e Simbolismo • CAPÍTULO 6

Resumidamente, podemos dizer que subjetivismo, valorização do inconsciente e do subconsciente,


busca do vago, musicalidade, sugestão são características da poesia simbolista.

No poema “Ossa Mea”, de Alphonsus Guimaraens, é possível verificar algumas dessas características
simbolistas:

Ossa Mea

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,

De tons marfíneos, de ossatura rica,

Pairando no ar, num gesto brando e leve,

Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve

Alguém que antes os altares sacrifica;

Mãos que consagram, mãos que partem breve,

Mãos cuja sombra nos meus olhos fica ...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,

Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,

Cerrando os olhos das visões defuntas...

Mãos de esperança para as almas loucas,

Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,

Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Disponível em: <http://www.tvprudente.com.br/dominio_publico/livros/poemas%20alphonsus%20


de%20guimaraes.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2017.

Nota-se que o título do poema “Ossa Mea” (Esqueleto Meu) já é bastante sugestivo para o
tema dele. O poema trata da morte, apontando para o espiritualismo e o mistério da vida, e.
para isso. utiliza várias expressões: “mãos de neve”, “de tons marfíneos” e “ossatura rica”. Há
no poema musicalidade “Mãos que consagram, mãos que partem breve/Mãos cuja sombra
nos meus olhos fica”. Tem também a valorização das cores: “brancas”, “neve”, “marfíneos”,
“luar”, “pálidas”.

85
CAPÍTULO 6 • Parnasianismo e Simbolismo

Autor e obras

O maior simbolista brasileiro foi Cruz e Souza. Suas obras são marcadas pela musicalidade (obtida
pelo uso recorrente de aliterações) e pela linguagem rebuscada. De acordo com Bosi (2006, p.
302), “a linguagem de Cruz e Sousa foi revolucionária de tal forma que os traços parnasianos
mantidos acabam por integrar-se num código verbal novo e remeter a significados igualmente
novos”. Candido e Castelo também já tinham observado essas características em Cruz e Souza:

O traço fundamental de Cruz e Sousa é a potência verbal [...] O verbalismo


requintado e oratório, o senso exaltado da melodia da palavra, o poder de criar
imagens de grande beleza, dão à sua obra um caráter de opulência. Doutro lado,
o senso do trágico e a busca ansiada da transcendência poética lhe infundem
um alto fervor (CANDIDO; CASTELO, 1964, p. 297).

A expressão verbal, o estilo, a manifestação linguística estão presentes na poesia de Cruz e Sousa.

Figura 18. Cruz e Sousa.

Disponível em: <http://www.fcc.sc.gov.br/mhsc//pagina/7450/cruzesousa>. Acesso em: 8 set. 2017.

O texto que vamos ler, a seguir, é parte de um longo poema, dos mais representativos do Simbolismo
brasileiro: “Violões que choram”, de Cruz e Souza.

Violões que choram

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,

Soluços ao luar, choros ao vento...

Tristes perfis, os mais vagos contornos,

Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,

Noites da solidão, noites remotas

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Parnasianismo e Simbolismo • CAPÍTULO 6

Que nos azuis da Fantasia bordo,

Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações a luz da lua,

Anseio dos momentos mais saudosos,

Quando lá choram na deserta rua

As cordas vivas dos violões chorosos.

[...]

Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

[...]

Que esses violões nevoentos e tristonhos

São ilhas de degredo atroz, funéreo,

Para onde vão, fatigadas do sonho

Almas que se abismaram no mistério.

Disponível em: <http://www.revistazunai.com/materias_especiais/cruz_e_souza/Cruz_e_


Souza__O_Poeta_do_desterro_Sylvio_Back.pdf>. Acesso em: 8 set. 2017.

As estrofes anteriores são claramente representativas das ideias do Simbolismo. Logo na primeira
estrofe, temos a presença da figura de linguagem denominada “personificação” – figura através
da qual podemos reconhecer traços e reações físicas de pessoas em coisas: “Ah! plangentes
violões dormentes, mornos”.

Da primeira até a terceira estrofe, o poeta faz uso de outro importante recurso linguístico presente
nas obras simbolistas: a sinestesia – figura que consiste em mesclar sensações percebidas por
diferentes órgãos do sentido. Ou seja, a aproximação do mundo é feita por meio da percepção
sensorial auditiva (referência a sons - “soluços”, “choros”); visual (referência a formas, cores e
luz - “luar”, “contornos”, “azuis”, “visões”); e tátil (“dormentes”, “mornos”); distanciando-se da
lógica e da razão da estética realista.

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CAPÍTULO 6 • Parnasianismo e Simbolismo

Segundo Cruz e Souza, o poeta simbolista:

[...] é o “eleito da arte”, “o impressionado”, “o assinalado”, “o iniciado”, o qual tem


uma “missão singular”, “quase divina”: o de se mostrar “impassível diante de
tudo que não seja expressão de uma Estética, a afirmação de uma estesia rara,
a latente, profunda originalidade sensacional” [...] “não vive a vida externa dos
homens, não participa, de fato, do meio ambiente”. Assim, se o poeta é “o grande
Assinalado” que “povoa o mundo despovoado”, o campo da produção artística,
a poesia, no caso, torna-se a instância onde a metáfora da transcendência se
realiza (CRUZ E SOUZA, 1979 apud GIL, 2005, p. 2).

A musicalidade, uma das características mais importantes do simbolismo, também pode ser
percebida no poema. Nos versos da 4ª estrofe, “Vozes veladas, veludosas vozes/Volúpias dos
violões, vozes veladas/Vagam nos velhos vórtices velozes/Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas”,
constatamos o uso de duas figuras: a aliteração (repetição de sons consonantais) e a assonância
(repetição de sons vocálicos), conferindo musicalidade ao poema.

Bastide (1979) comenta sobre a musicalidade em Cruz e Sousa, salientando:

O que caracteriza a música simbolista, sobretudo em Verlaine, é a linha melódica,


a doçura, os suspiros longos dos violinos. É bem essa música que Cruz e Sousa
coloca nos seus versos, para fazer esquecer o ritmo selvagem e profundo do
tantã, uma música que canta docemente, em menor, que canta e violiniza, por
exemplo, nos “Violões que choram” (BASTIDE, 1979 apud Coutinho, 1979, p. 187).

É essa “busca de musicalidade encantatória, por meio da repetição vocabular e de palavras


cognatas, da exploração sistemática da aliteração, bem como a versificação mais flutuante e o
gosto das maiúsculas que atestam a filiação simbolista” (FRANCHETTI, 2007, p. 39).

A visão de mundo pessimista do eu lírico é explicitada em todo o poema. Entretanto, na última


estrofe, isso fica mais evidente. As palavras do mesmo campo semântico, como “nevoentos”,
“tristonhos”, “ilhas”, “funéreo”, “fatigadas” e “mistério”, fazem referência à dor de existir do eu
lírico. A metáfora “são ilhas de degredo atroz” sugere que os violões nevoentos servem como um
exílio, um repouso para as almas fatigadas.

Para Gil (2005, p. 2), a poesia de Cruz e Souza, há a articulação dois aspectos: “de um lado,
uma consciência artística de que o poeta é, ao mesmo tempo, vidente/visionário e ser exilado
do mundo [...] e, de outro, a consciência de que é a partir da posição específica do artista no
mundo que a poesia pode expressar-se”, enquanto o lugar das formas e dos sentimentos ideais
e espiritualizados.

Principais obras de Cruz e Souza:

» Broquéis (1893).

» Faróis (1900).

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» Últimos sonetos (1905).

» Tropos e fanfarras (1885) em conjunto com Virgílio Várzea.

» Missal (1893).

» Evocações (1898).

Considerações finais

Chegamos ao final da nossa disciplina! Esperamos que tenha aproveitado esta oportunidade
para aprimorar seus conhecimentos sobre Literatura Brasileira. É importante lembrar que esse
percurso não termina por aqui. Sugerimos que você aprofunde seus conhecimentos por meio da
leitura de outros materiais. Afinal, “Aprender é estabelecer um diálogo constante entre as variadas
possibilidades do conhecimento.” Ou, como afirma o escritor português José Saramago, “tudo
no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas”.

Sintetizando

Vimos até agora:

» O Parnasianismo teve como principais características o princípio da arte pela arte, o rigor formal, a objetividade
(eliminação do eu), o descritivismo e o retorno à temática greco-romana.

» A publicação do livro “Fanfarras”, de Teófilo Dias, inaugurou o Parnasianismo no Brasil.

» Os livros “Missal” e “Broquéis” serviu de marco inicial do Simbolismo.

» O Simbolismo se opôs ao objetivismo realista, naturalista e parnasiano, retomando valores de ordem subjetiva
típicos do Romantismo. Há uma valorização do espírito, do cósmico, do sonho, do absoluto, do sagrado, do belo, do
bem.

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Referências
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