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História do Brasil I
1ª Edição
Brasília/DF - 2018
Autores
Sílvia Alves Peixoto
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4
Introdução.............................................................................................................................................................................. 6
Capítulo 1
O BRASIL PRÉ-COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES
DO TERRITÓRIO............................................................................................................................................................. 7
Capítulo 2
O BRASIL PRÉ-COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO-CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS.... 16
Capítulo 3
O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS.............. 26
Capítulo 4
O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO INICIAL DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO........................................ 35
Capítulo 5
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO-ECONÔMICOS........................................................... 41
Capítulo 6
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO....................................................................................................52
Referências...........................................................................................................................................................................62
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.
Atenção
Cuidado
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
Importante
Observe a Lei
Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.
4
Organização do Livro Didático
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Saiba mais
Sintetizando
Posicionamento do autor
Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.
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Introdução
Normalmente se diz que nosso país tem pouco mais de 500 anos, sendo, portanto, bastante jovem,
principalmente se comparado com países do Velho Mundo. No entanto, o território do que hoje
se chama Brasil, já era largamente habitado por diferentes grupos socioculturais milhares de
anos antes da chegada dos europeus.
Neste Livro Didático, apresentaremos a disciplina História do Brasil I, que vai abarcar tanto o
estudo do Brasil Pré-colonial, como do Colonial. Veremos as evidências arqueológicas dos grupos
que habitaram o território antes da chegada dos europeus, e discutiremos as relações econômicas,
sociais e culturais existentes no período colonial, por meio da análise das diferentes abordagens
historiográficas e fontes documentais.
Objetivos
» Apresentar a Arqueologia como disciplina capaz de resgatar a história que não foi
registrada pelos documentos escritos.
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CAPÍTULO
O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O
POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS
PRIMEIROS HABITANTES
DO TERRITÓRIO 1
Apresentação
Neste capítulo enfatizaremos a concepção de que a História do Brasil não começa no ano de
1.500, apresentando, para tanto, o panorama do continente americano, e mais especificamente,
do território brasileiro, anterior à colonização portuguesa, quando aqui habitavam, há milhares
de anos, os caçadores-coletores.
Objetivos
» Refletir sobre a ocupação inicial do continente americano e o modo de vida dos primeiros
habitantes do território brasileiro.
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CAPÍTULO 1 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO
Introdução
baseiam-se exclusivamente nos vestígios materiais deixados como os hieróglifos dos egípcios, por
exemplo, ou a escrita cuneiforme, dos
por elas, objeto de trabalho dos arqueólogos.
sumérios. A diferença é que essas escritas
precisam ser decifradas por especialistas.
O território do que hoje
Para refletir
se chama Brasil já era densamente povoado por diferentes
Atualmente, boa parte dos grupos culturais milhares de anos antes da chegada dos
pesquisadores prefere utilizar o
portugueses. Quando aqui aportaram, os colonizadores
termo “pré-colonial” em lugar de
“pré-histórico”, por entender que neste
encontraram no litoral somente as tribos que se convencionou
último está embutida a noção ocidental chamar de “índios”, e são esses que figuram nos livros de
e etnocêntrica de que sociedades História, porém, muito antes desses grupos ceramistas cuja
supostamente sem escrita não
subsistência se baseava na horticultura, outros povos, e em
possuem história, o que não é verdade.
diferentes momentos, habitaram o vasto território brasileiro,
valendo-se da caça, da pesca e da coleta em seu cotidiano e manifestando-se culturalmente de
diversas maneiras. As evidências dessas ocupações pré-coloniais estão materializadas nos sítios
arqueológicos e, como dito, são acessadas através da Arqueologia, ramo das Ciências Sociais que
estuda as sociedades humanas através da cultura material confeccionada e utilizada por elas.
No contexto das ciências, a Arqueologia é uma disciplina recente, que se estruturou pouco a
pouco a partir do século XIX, sendo sua origem, entretanto, bem mais antiga. Desde o início um
campo bastante plural e interdisciplinar, ela voltou-se ora para as sociedades sem escrita, ora
para as sociedades urbanas, buscando ora o apoio das ciências da natureza, ora da Antropologia
ou da História.
Já na Grécia Antiga, a Arqueologia emerge convocada, como qualquer outro texto, para provar a
veracidade de uma interpretação histórica. Quando se interessaram pelo seu próprio passado,
os gregos e os romanos criaram a investigação (historia), a partir dos testemunhos (histor).
Este testemunho era o do indivíduo (o historiador) que podia testemunhar, pois tinha visto
pessoalmente ou ouvido falar de fonte segura de testemunhos fidedignos. Entretanto, quanto
mais esta investigação mergulhava no passado, e na ausência de fontes orais ou escritas, mais
ela se transformava em archaiologia, e mais ela se debruçava sobre a cultura material, sobre os
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO • CAPÍTULO 1
Com a queda do Império Romano, a reconstrução teórica do passado passou a ser feita a partir
da ótica do Cristianismo, por meio da Bíblia, utilizando-se uma cronologia bastante curta, que
não ultrapassava quatro milênios entre a criação do homem e o nascimento de Cristo, sendo,
portanto, a Pré-História inexistente.
Uma série de transformações vai ocorrer a partir da segunda Idade Média, não apenas com
a ampliação dos horizontes suscitada pelas Grandes Navegações, mas também por meio do
Humanismo, da Reforma e do Renascimento, em que se estabelecem saberes modernos e
criam-se novas formas artísticas na sociedade europeia. Estas transformações surgem juntamente
com um retorno dos interesses dos intelectuais pelo passado greco-romano, contexto que afetará
tanto a Arqueologia como a História.
Nesse cenário, tem enorme peso a publicação da obra de Jean Bodin em 1566, Methodus historiae,
que alteraria para sempre a construção teórica do passado, ao advogar a existência de uma
“história dos homens”, muito diferente da ciência de Deus (história divina) e das ciências da
natureza (história natural), o que significou uma mudança de rumo importante na concepção da
história dos homens como disciplina autônoma. Trata-se de uma ruptura entre a historiografia
da cristandade medieval e a historiografia moderna, uma separação entre a História e a Teologia.
Assim, a história dos homens transformava-se em uma disciplina que se pretendia investigar o
que os homens criaram, e não diretamente, ou primordialmente, o que Deus criou.
É neste contexto histórico excepcional que surge o que se denomina de “Antiquarismo”, uma
atividade que está na origem da Arqueologia, na acepção contemporânea do termo. Por suas
próprias condições favoráveis, esse campo se destacará na Itália, especialmente em Roma, onde
a necessidade de construir novos edifícios e igrejas da cidade moderna esbarra nos vestígios
materiais e ruínas da antiga capital imperial romana. Liberar o solo da cidade é uma necessidade
urbana que exige competência e sabedoria dos engenheiros, arquitetos e antiquários, que se vêem
obrigados a escavar os escombros, identificando e classificando as antiguidades que surgem
pouco a pouco do solo. Dessa vez, portanto, os antiquários não se restringem a colecionar objetos
raros, como se deu na Antiguidade Greco-Romana, mas agora se torna importante classificar
e compreender. Voltar-se para o estudo das antiguidades é, a partir de então, um papel social
a ser desempenhado. Assim, os antiquários criam um novo campo de estudo, aproximando e
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CAPÍTULO 1 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO
No século XVII um importante passo foi dado no campo da História no que concerne a análise
dos documentos escritos, e que acabou por impactar também o estudo das coleções de objetos
arqueológicos, de arte e de monumentos. O historiador francês Mabillon publica De re diplomatica
(1681), dando origem à Diplomática, ou seja, o estudo das fontes documentais, dos atos oficiais,
dos diplomas. Através de um rigoroso método de classificação cartesiana, escrita, suporte,
forma, estilo e língua são considerados para que o documento seja autenticado e forneça suas
informações. Mabillon estabelece assim uma das bases dos estudos sobre o passado, válida para
os antiquários e para os historiadores: não há estudo do passado sem provas. Nasce, então, o
método histórico, aquele que permite separar o verdadeiro do falso, de dotar a história de um
estatuto científico.
Mas foi o surgimento da Pré-História que permitiu à Arqueologia adquirir um novo status e se
estabelecer como uma das Ciências Humanas. Até então, as explicações sobre a origem da espécie
humana não eram ainda uma problemática científica, e as reflexões eram feitas, em grande parte
fundamentada pelos textos bíblicos, pelos teólogos e filósofos, sem a devida utilização de dados
empíricos. A periodização tradicional abarcava apenas a antiguidade, o período medieval e os
tempos modernos; toda a história da humanidade se resumindo em aproximadamente 6.000 anos.
É preciso ressaltar que, a despeito de todas as diferenças, para os pesquisadores do século XIX,
fossem arqueólogos, historiadores ou geólogos, havia um elemento que os aproximava: a noção
de tempo. Estava claro para esses estudiosos que o tempo era uma espécie de matéria prima,
e que acontecimentos, culturas, animais fósseis e a evolução do próprio homem, tinham que
ser entendidos inscritos na flecha do tempo e evoluindo continuamente. A ideia de sucessão
ao longo do tempo foi essencial, não obstante a multiplicidade de variáveis e uma diversidade
muito grande de contextos e conjunturas.
Assim, ao lado das ciências humanas, mas sem abandonar suas relações com as ciências da natureza,
ao longo do século XIX a Arqueologia se desenvolveu e se institucionalizou, transformando-se em
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO • CAPÍTULO 1
uma ciência reconhecida. Suas diferentes correntes e seus diferentes percursos convergiram para
uma ciência unificada em torno das técnicas e dos métodos empregados, independentemente
das singularidades que pudessem existir nos diversos territórios explorados.
A maioria dos pesquisadores admite a procedência asiática Serra da Capivara, no Piauí, foi declarado
Patrimônio Cultural da Humanidade
das populações fundadoras (claramente expressa no biotipo
pela UNESCO e conta com mais de
dos indígenas americanos), que teriam entrado no continente 1.000 sítios de pinturas rupestres? Para
americano através do Estreito de Bering, em algum momento saber mais, acesse a página da Fundação
Museu do Homem Americano: http://
durante a última glaciação, período no qual a retenção de água
www.fumdham.org.br/
em grandes geleiras fez baixar o nível dos oceanos, emergindo
faixas de terras antes submersas, e ligando o continente asiático à América do Norte (LIMA, 2006).
No entanto, no que diz respeito à cronologia, há grande discordância quanto ao momento exato
em que as primeiras levas migratórias teriam adentrado o continente americano. Duas correntes
opostas de pensamento debatem o tema: a primeira, conservadora, que admite a presença
humana na América apenas a partir de aproximadamente 12.000 anos antes do presente, horizonte
cronológico que corresponderia à caça especializada de animais de grande porte (megafauna)
com o uso de instrumentos de pedra lascada, pontas de lança acanaladas encontradas em sítios
norte-americanos da denominada tecnologia ou cultura Clóvis. A segunda corrente, heterodoxa
e heterogênea, advoga um momento anterior para essa colonização, divergindo, no entanto,
quanto à data exata. Dois sítios sul-americanos, Monte Verde, no Chile, e Toca do Boqueirão da
Pedra Furada, localizado no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, alimentam esse
debate, na medida em que reivindicam antiguidades muito maiores que a indiscutível data de
12.000 anos proveniente dos sítios de caçadores Clóvis. No entanto, os contextos da América do
Sul são ainda bastante controversos e combatidos, na medida em que não apresentaram até o
momento evidências irrefutáveis de uma cronologia muito mais recuada (LIMA, 2006).
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CAPÍTULO 1 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO
o Oceano Atlântico Norte por meio da exploração e caça de animais aquáticos, durante o Último
Máximo Glacial, por volta de 25.000 AP, período em que a plataforma continental europeia era
22.000km mais extensa do que atualmente. Isso significa que, primeiro, os continentes eram
muito mais próximos, e segundo, que muitos sítios arqueológicos encontram-se atualmente
submersos (STANFORD; BRADLEY, 2012).
Fonte: www.museunacional.ufrj.br
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO • CAPÍTULO 1
Pesquisas arqueológicas têm revelado que entre 12 e 5 mil anos atrás esses grupos de
caçadores-coletores viviam de distintas maneiras por quase todo o território brasileiro (FUNARI;
NOELLI, 2001), sendo o estilo de vida nessa porção do continente bem diferente dos caçadores
de megafauna que ocuparam a América do Norte, com uma indústria lítica menos especializada
(ROOSEVELT, 1996) e subsistência baseada mais na coleta de frutos e caça de animais de pequeno
e médio porte (GASPAR, 2003).
as chamadas pinturas rupestres. Esses painéis de pinturas brasileiros, confira “A arte rupestre no
Brasil”, de MaDu Gaspar, publicado
retratavam animais, figuras humanas, formas geométricas,
pela Jorge Zahar Editor.
astros, cenas de caça, de sexo, enfim, tanto a cosmologia como
o cotidiano dos grupos que os confeccionaram. Juntamente às escavações arqueológicas, os
estudos de arte rupestre têm delineado um quadro muito mais rico e complexo que o usualmente
atribuído aos primeiros habitantes do território brasileiro:
Atenção
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CAPÍTULO 1 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO
No sul do Brasil os grupos caçadores-coletores dos atuais estados de São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, foram denominados, a partir de seu conjunto de artefatos, de “Tradição
Umbu”. Por viverem da caça e da coleta nos grandes descampados sulistas, foram chamados de
“caçadores do campo”. Essa tradição tem seus sítios mais antigos datados a partir de 12 mil AP e
teria persistido até mil anos atrás. Durante todo esse longo período, usaram artefatos de pedra
muito semelhantes, com destaque para as pontas de flecha lítica. No entanto, nessa mesma região,
existia outra “tradição tecnológica”, chamada de “Tradição Humaitá”, que ocupou ambientes de
floresta entre 9 e mil AP, e produziu grandes artefatos bifaciais (flechas e lâminas com dois gumes).
Foi, portanto, a oposição entre campo/floresta e pontas de flecha/instrumentos bifaciais que
determinou a classificação dessas evidências arqueológicas em dois conjuntos distintos (FUNARI;
NOELLI, 2001).
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: O POVOAMENTO DA AMÉRICA E OS PRIMEIROS HABITANTES DO TERRITÓRIO • CAPÍTULO 1
Parece ter havido, portanto, grande diversidade tecnológica, econômica e social entre os habitantes
da América do Sul já nos primeiros momentos de ocupação, resultado de uma colonização
anterior a 12 mil anos, por muitos grupos étnicos, o que está na base da grande diversidade dos
períodos posteriores (FUNARI; NOELLI, 2001).
Sintetizando
» Que a história do território brasileiro não começa com os portugueses e é muito mais antiga do que normalmente se
supõe.
» O papel e a importância da Arqueologia como ciência capaz de resgatar esse passado, através da análise da cultura
material deixada pelas sociedades que aqui habitaram.
» Como é complexa e inacabada a discussão sobre o povoamento do continente americano e do território brasileiro.
» As evidências sobre os modos de vida dos primeiros grupos que povoaram nosso território.
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CAPÍTULO
O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS
GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE
ANTECEDERAM OS EUROPEUS 2
Apresentação
No capítulo anterior nós vimos como a história do território do que hoje se chama Brasil é muito
antiga e começa com a chegada dos primeiros grupos de caçadores-coletores, há milhares de
anos atrás. Vimos também as evidências arqueológicas que revelam seus modos de vida.
Neste capítulo aprenderemos sobre outros grupos socioculturais que aqui habitaram e
manifestaram suas crenças e costumes, e como isso vai ficar registrado nos diferentes tipos de
sítios arqueológicos que se espalham pelo território.
Objetivos
» Refletir sobre como diferentes culturas deixam materializadas suas práticas nos sítios
arqueológicos.
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS • CAPÍTULO 2
que apresenta a forma aproximada de uma calota, construída nos sítios arqueológicos. Como numa
fatia de bolo, em que se consegue ver
principalmente a partir de material faunístico, como conchas,
as camadas que foram colocadas em
ossos de peixes e mamíferos. Verifica-se ainda, em muitos sua preparação, no perfil estratigráfico
sambaquis, a presença de artefatos e instrumentos feitos de um sítio arqueológico é possível ver
a sucessão de eventos realizados ao
em pedra e osso, esculturas de pedra, chamadas zoólitos,
longo de sua ocupação.
fogueiras, marcas de estacas utilizadas para erigir cabanas e
também sepultamentos humanos. Essa série de estruturas, combinadas, forma uma complexa
estratigrafia, que é resultado de uma seqüência cronológica de eventos e episódios cotidianos e
rituais, visual e verticalmente verificada nos perfis.
Os sambaquis parecem ter sido erigidos desde aproximadamente 7.000 até 1.000 AP e podem
ser encontrados ao longo de uma significativa extensão do litoral brasileiro – do Pará ao Piauí
e da Bahia ao Rio Grande do Sul -, estando localizados sempre próximos a recursos hídricos,
normalmente em locais de interseção ambiental (GASPAR, 2000), nas regiões de grandes baías
e ao longo dos mangues, próximos a mar aberto e afloramentos rochosos, onde cada um desses
ambientes fornece alimentos específicos e recursos em água, madeira e diferentes tipos de
rocha (PROUS, 1991). Esses sítios variam muito de tamanho, podendo, em algumas regiões do
país, chegar a mais de 30 metros de altura, como é o caso dos sambaquis de Santa Catarina, e
normalmente encontram-se em agrupamentos, onde se vê próximos sambaquis de diferentes
dimensões. Raramente se vê um sambaqui isolado na paisagem.
Desde o início da Arqueologia Brasileira a ocupação do litoral desperta a atenção dos pesquisadores.
Já no final do século XIX, em decorrência do grande interesse que esses sítios suscitavam, um
polêmico debate acabou por tomar conta das abordagens sobre o tema, durante várias décadas.
Basicamente se discutia a origem dos sambaquis e a questão que orientava o estudo desses sítios
era estabelecer se eles eram decorrentes de fenômenos naturais ou artificiais (GASPAR, 2000;
LIMA, 2000). De um lado, os sambaquis eram entendidos como amontoados de restos de comida
de antigas populações indígenas; de outro, acreditava-se que eram resultantes de processos
naturais de acumulação (LIMA, 2000). Tal polêmica dividiu os pesquisadores, que se polarizaram
entre as duas correntes: artificialista e naturalista. Essa discussão duraria anos e somente a partir
da década de 1950 é que as pesquisas nos sambaquis começam a ter contornos mais modernos,
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CAPÍTULO 2 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS
É também a partir desse momento que o tema da preservação dos sambaquis entra em pauta,
desencadeado pelo fato de que desde o período colonial os sambaquis foram largamente
destruídos para a retirada de suas conchas, utilizadas como matéria-prima na fabricação de
cal. Sítios arqueológicos inteiros desapareceram para possibilitarem a construção de edifícios e
igrejas. Essa situação só começaria a mudar com a criação da Lei Federal no 3.924, de 1961, que
protege todos os bens arqueológicos localizados no país.
Atualmente, pesquisas sistemáticas vêm sendo implementadas no litoral brasileiro, sob uma
ótica mais antropológica, onde são privilegiados temas como padrão de assentamento, expansão
demográfica, territorialidade e organização social.
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS • CAPÍTULO 2
Saiba mais Tendo sido soberanos na costa durante milênios, por volta
Você sabia que a Região dos Lagos, do início da era cristã observa-se uma drástica mudança no
no Rio de Janeiro, é coalhada de modo de vida dos sambaquieiros, ao que tudo indica resultado
sambaquis? As cidades de Saquarema,
da invasão de seu território por grupos indígenas ceramistas
Rio das Ostras, Arraial do Cabo, Cabo
Frio e Búzios abrigam centenas de
provenientes da Amazônia. As pesquisas indicam que no período
sambaquis, de milhares de anos, que entre aproximadamente 7000 e 2000 anos atrás, caçadores
já foram intensamente estudados e sambaquieiros tinham territórios bem distintos, com os
por arqueólogos. Alguns se tornaram
primeiros ocupando o interior e os segundos o litoral, não
inclusive museus, e estão abertos
à visitação, como o Sambaqui da havendo evidências de grande interação social e competição
Beirada, em Saquarema, e o Sambaqui por espaço nesse período. Já por volta de 2000 anos atrás, em
da Tarioba, em Rio das Ostras. Se
função da grande ebulição cultural presenciada na Amazônia,
quiser obter mais informações e
detalhes sobre os sambaquis, leia
envolvendo um expressivo crescimento demográfico e
“Sambaqui: Arqueologia do Litoral o surgimento de grandes aldeias, inicia-se um período de
Brasileiro”, de MaDu Gaspar, publicado frequentes deslocamentos populacionais e consequente contato
pela Jorge Zahar.
interétnico. Assim, os pescadores-coletores vêem chegar ao seu
território grupos com culturas e estilos de vida bastante distintos dos seus, tribos como os Tupi e
os Jê, que têm na guerra, por exemplo, um dos cernes de sua existência, como será visto adiante.
Este contato entre grupos culturalmente tão distintos parece ter sido o principal vetor de transformação
e colapso do modo de vida dos pescadores-coletores que ocuparam a costa, com o total abandono
do projeto de construir sambaquis centenas de anos antes que os portugueses aqui chegassem.
Figura 4. Tipos de artefato em pedra encontrados em sambaquis, incluindo um zoólito em forma de pássaro.
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CAPÍTULO 2 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS
Essa metáfora de Carlos Fausto resume perfeitamente o panorama das pesquisas que se voltaram
às sociedades indígenas pré-coloniais do Brasil até muito recentemente. Durante um longo
tempo, o território amazônico, comparado com as civilizações dos Andes e portanto julgado por
aquilo que não tinha, foi visto como um lugar estéril e inóspito, incapaz de abrigar sociedades
complexas e de refinada cultura material. Acreditava-se que a floresta tropical, supostamente
por sua pobreza de recursos naturais e baixa fertilidade do solo, era o habitat por excelência de
sociedades simples, igualitárias e de pequeno porte (FAUSTO, 2000).
Foram necessárias algumas décadas de pesquisa para que essa visão principiasse a mudar, já
que até a década de 1970 ela foi dominante tanto na Antropologia como na Arqueologia do
continente americano. Foi a partir dos anos 1980 que o panorama começa a se modificar, a
partir das pesquisas realizadas por Anna Roosevelt nos tesos da Ilha de Marajó, aterros artificiais
construídos com fins habitacionais, cerimoniais e/ou funerários, tendo em média 7 metros de
altura, mas podendo chegar à impressionante marca de 20 metros. Datações indicam que esses
sítios arqueológicos começaram a surgir no século IV d.C. e parecem ter sido erguidos até o
século XIV. Além das dimensões dos sítios e da alta densidade demográfica demonstrada pelas
pesquisas, a própria cerâmica marajoara já atesta o refinamento e a sofisticação da cultura dos
grupos que a confeccionaram.
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS • CAPÍTULO 2
Fato é que, quando aqui aportaram, os europeus se depararam com o litoral densamente ocupado
por populações indígenas, com predomínio de grupos filiados ao tronco linguístico Tupi, dentre
eles os Tupinambá e os Guarani, cujos costumes e crenças estão descritos em detalhe nas crônicas
produzidas por viajantes e religiosos. Nesse caso especificamente, da ocupação do litoral por essas
tribos consideradas “históricas”, as pesquisas contam com o auxílio desses textos produzidos pelos
cronistas, ainda que os especialistas ressaltem a necessidade de se relativizar tais documentos,
já que são produtos dos próprios colonizadores e, portanto, deixam transparecer critérios
ideológicos e políticos e interesses específicos, além do fato de documentarem uma sociedade em
seu momento de desestruturação, em virtude do contato com o colonizador (BUARQUE, 1999).
De todo modo, destacam-se as narrativas de Jean de Léry, André Thevet, Fernão Cardim,
Gabriel Soares de Souza, Hans Staden, Anthony Thivet, entre outros, sobre a costa brasileira do
século XVI, especialmente a do Rio de Janeiro. Nesses relatos, são substanciais as informações
sobre a cultura material, seus ornamentos, a configuração das aldeias, hábitos alimentares, o
sepultamento dos mortos, geralmente em urnas cerâmicas, atividades cotidianas etc. A guerra
tinha espaço privilegiado nessas narrativas, estando relacionada às disputas de território e à
captura de inimigos que culminavam com a prática da antropofagia ritual (BUARQUE, 1999,
2011). Ainda que esses sejam documentos que necessitem sempre ser lidos com cautela, como
em toda análise histórica, os vestígios arqueológicos encontrados em centenas de sítios, em
particular os vasilhames cerâmicos e as estruturas funerárias escavadas nos sítios arqueológicos,
têm se mostrado compatíveis com as informações oferecidas pelos cronistas (BUARQUE, 2011).
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CAPÍTULO 2 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS
Ao contrário dos enfeites, armas e outros artefatos muitas vezes confeccionados com materiais
perecíveis, e que portanto dificilmente se conservam, a cerâmica é o elemento mais encontrado
nos sítios arqueológicos desses grupos indígenas. Com uma dieta baseada na mandioca, muitas
das variedades das formas (panelas, tigelas, urnas etc.) estão ligadas ao preparo e consumo desse
alimento, além do armazenamento de água e preparo de bebidas fermentadas utilizadas nas
cerimônias rituais (BUARQUE, 1999). As peças utilitárias usadas cotidianamente geralmente não
apresentam pintura. Já as pintadas, normalmente na face interna, com desenhos muitas vezes
refinados, provavelmente estavam relacionadas ao mundo mágico-religioso desses grupos, como
cerimônias funerárias ou mesmo ao ritual antropofágico reservado aos inimigos.
Evidências indicam que na maioria das vezes vivos e mortos dividiam o mesmo espaço nas
aldeias. Nas estruturas funerárias, no interior da habitação, eram enterrados os corpos de
pessoas da comunidade, bem como as oferendas que faziam parte do ritual (BUARQUE,
1999). A presença do fogo era uma constante nesses rituais, tendo-se encontrado pequenas
fogueiras associadas aos enterramentos, indicativo de que o ritual alimentar em torno
do morto foi uma prática corriqueira. Contudo, quando se trata do tratamento dado aos
mortos entre os Tupinambá, é necessário separar o que era dado àqueles que pertenciam ao
próprio grupo daquele aplicado aos inimigos. Segundo os cronistas, esses grupos se valiam
da antropofagia ritual para assegurar a coesão da sociedade. Assim, a guerra, a captura do
inimigo e o festim canibal não tinham como finalidade matar a fome, como normalmente se
imagina. Essas práticas tinham um simbolismo bastante distinto, nas quais eram vingados os
parentes e amigos mortos por outra tribo. Fato é que a guerra aos adversários era o principal
fundamento dessa sociedade, tendo a captura e a vingança como seus elementos estruturadores
(BUARQUE, 2011).
Sugestão de estudo
O Museu Nacional do Rio de Janeiro, localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, guarda importante e vasto acervo
material das diversas culturas que povoaram o território brasileiro no passado. Vale a pena visitar! Acesse também a página
do museu para dar uma conferida, além das exposições, nos Programas de Pós-Graduação em Arqueologia e Antropologia
oferecidos pela Instituição, vinculada a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ: http://www.museunacional.ufrj.br/
pos-graduacao/
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS • CAPÍTULO 2
Esse foi o cenário encontrado pelos portugueses que desembarcaram no litoral do Rio de Janeiro
no início do século XVI. Essa era uma das diversas sociedades indígenas que habitavam a costa
brasileira nesse momento. Esses foram dois mundos absolutamente distintos que se descobriram
e confrontaram.
Fonte: www.museunacional.ufrj.br
Fonte: www.museunacional.ufrj.br
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CAPÍTULO 2 • O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS
Figura 8. Tigela Tupinambá decorada com motivo serpentiforme escavada no sítio Bananeiras, em Araruama/RJ.
Figura 9. Fragmento de tigela Tupinambá decorada com motivo que remete ao intestino. Sítio Bananeiras,
Araruama/RJ.
Figura 10. Estrutura funerária contendo urna e tigelas associadas escavada no sítio Morro Grande, em
Araruama/RJ.
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O BRASIL PRÉ - COLONIAL: OS GRUPOS SÓCIO - CULTURAIS QUE ANTECEDERAM OS EUROPEUS • CAPÍTULO 2
Sugestão de estudo
Para conhecer mais sobre os diversos grupos indígenas que ocuparam o território brasileiro, bem como sobre outros temas
da Arqueologia Brasileira: “O Brasil antes dos brasileiros – a Pré-História no nosso país”, de André Prous, e “Pré-História
da Terra Brasilis”, livro organizado por Maria Cristina Tenório e que conta com artigos de diversos arqueólogos, cada qual
dissertando sobre seu objeto de estudo. Ambos podem ser encontrados nas principais livrarias do país.
Sintetizando
» Como o território brasileiro foi densamente povoado por diferentes grupos socioculturais e como essas culturas estão
expressas nos sítios arqueológicos.
» A diversidade e a complexidade das manifestações culturais desses grupos, evidentes nos objetos confeccionados por eles,
nos modos de enterrar seus mortos, e na própria construção de seus locais de moradia.
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CAPÍTULO
O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO
NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE
AS CULTURAS 3
Apresentação
Nos capítulos anteriores nós vimos que o território brasileiro já era densamente povoado
muito antes de 1500 por diferentes sistemas culturais, e que cada um desses grupos deixou seus
testemunhos materiais nos sítios arqueológicos que se espalham pelo país, locais pesquisados
através da Arqueologia. Os caçadores, primeiros habitantes do país, deixaram seus instrumentos de
pedra e suas belas pinturas gravadas nas cavernas; os pescadores-coletores erigiram monumentais
sambaquis, que até hoje impressionam por todo o litoral; e os grupos indígenas nos legaram sua
magnífica cerâmica.
Cabe agora tratarmos do momento seguinte da história de nosso território, a chegada dos
portugueses, evento que mudaria para sempre os rumos de todos que aqui habitavam à época e
que para cá vieram. No entanto, é preciso que se entenda os fatores que motivaram e propiciaram
esse processo. E é no continente europeu, evidentemente, que acharemos suas raízes.
Objetivos
» Compreender o cenário europeu que levou Portugal a se lançar ao mar e terminou por
trazê-lo até a costa brasileira.
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O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS • CAPÍTULO 3
No século XV, a Europa via sua economia cada vez mais prejudicada pelo declínio do consumo dos
bens agrícolas. O mercado interno europeu passava por sérias complicações, e para abastecê-lo,
muitas vezes tinha que recorrer à importação de produtos do Oriente, como especiarias, artigos de
luxo e pedras preciosas. No entanto, para adquirir este material os europeus tinham que negociar
com os mercadores árabes, já que a única rota disponível se dava pelo Mar Mediterrâneo, passando
pelas cidades italianas de Veneza e Gênova. Essas mercadorias eram recolhidas no Oriente pelos
árabes e transportadas por caravanas até as cidades italianas, que serviam de intermediárias para
a venda dos produtos no mercado europeu.
Assim, para diminuir os gastos com impostos sobre essas mercadorias, as monarquias europeias
precisavam quebrar esse monopólio e procurar rotas alternativas para alcançar o Oriente (as
Índias) e adquirir os produtos de forma direta, livrando-se, dessa maneira, das altas taxações.
Portugal, então, lança uma expedição contra Ceuta, tomada aos árabes em 1415. No entanto,
apesar da Conquista de Ceuta representar o marco inicial da expansão ultramarina portuguesa,
os pesquisadores assinalam que ela não representou a construção de uma sólida rede comercial
na África e acabou sendo, na verdade, o primeiro passo do que se chamou de “Périplo Africano”,
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CAPÍTULO 3 • O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS
e o monopólio real sobre as transações com o ouro e a cunhagem a obra literária lusitana de maior
renome.
de moedas (LINHARES, 1990).
Com o objetivo de ampliar a conquista de Vasco da Gama, a Coroa envia no ano de 1500 uma
nova frota às Indias, composta de 13 naus sob o comando de Pedro Álvares Cabral, que acaba
chegando, pouco mais de um mês depois, não às Indias, mas ao Nordeste do que hoje se
chama Brasil.
Nesse debate, primeiro importava saber se teriam sido mesmo os portugueses os primeiros a chegar
ao Brasil, ou se outros europeus os teriam precedido, e, segundo, se teria sido uma “descoberta”
de fato intencional, ou na verdade casual, resultado de um desvio de rota da esquadra lusitana
em função de uma tempestade no Oceano Atlântico.
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O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS • CAPÍTULO 3
reconhecido a costa que hoje corresponde ao Amapá, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará, já no ano
de 1499. De todo modo, se foram os franceses ou os espanhóis os primeiros, pouca importância
tem, já que nenhum deles de fato tomou posse do território e o colonizou, como os portugueses
o fizeram.
Se queriam de fato aportar em nosso litoral, e se foram ou não os primeiros, talvez nunca se
saiba, mas fato é que foram os portugueses que nesse solo pisaram e por aqui acabaram fincando
suas raízes, alterando para sempre os contornos de um território que definitivamente não foi
descoberto em 1500, mas seria profundamente colonizado.
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CAPÍTULO 3 • O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS
No momento da chegada dos portugueses existiam cerca de dois milhões de “índios” no Brasil,
distribuídos por várias nações, pertencentes a dois troncos linguísticos principais: Arawak
e Tupi, esse último abrigando os grupos que se encontravam no litoral quando do contato
(LINHARES, 1990).
Por se tratar de continente até então desconhecido e sociedades nunca antes contatadas,
evidentemente que o primeiro encontro entre os grupos nativos e os europeus se deu aos sustos
de ambos os lados (CORDEIRO, 2011). Dentre os indivíduos componentes das tripulações nesses
primeiros anos após a chegada, e que por aqui ficariam, destacam-se os degredados e desertores,
os encarregados das feitorias e os chamados “línguas”, homens, normalmente franceses, que
tinham a função de conviver com os nativos, aprender sua língua, agenciar o escambo do
pau-brasil, enfim, interagir “politicamente” com os grupos nativos.
Parecem ter havido três momentos desse contato: um primeiro em que os europeus adotam
as populações nativas, um segundo momento em que ambos começam a desenvolver hábitos
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O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS • CAPÍTULO 3
Pesquisas têm indicado, no entanto, que no primeiro século de colonização, apesar de materiais
europeus estarem presentes, os ritos e hábitos europeus não se manifestaram nos sítios, ou
seja, nas aldeias nativas, onde as relações iniciais se estabeleceram. Isso se deve também ao
fato de que os primeiros europeus que se instalaram no litoral eram desprovidos de itens
domésticos, já que, pelo caráter provisório de sua estada, nenhum desses grupos possuía
mobiliário para sua permanência, estando munidos mais de itens portáteis, que serviriam
para as trocas (CORDEIRO, 2011).
As “peças de resgate” são o testemunho material mais significativo e confiável para a compreensão
desse primeiro momento das relações entre as duas culturas. Itens como agulhas, espelhos,
tecidos, garrafas, pentes, anzóis, facas e miçangas eram muito apreciadas pelos nativos, por isso
amplamente utilizadas como facilitador no escambo do pau-brasil e estão representadas nos
sítios arqueológicos de contato.
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CAPÍTULO 3 • O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS
Sítios Neo-Brasileiros são considerados todos aqueles que testemunham o contato entre nativos
sul-americanos e colonos europeus, e todo o processo aculturativo ocorrido (CORDEIRO, 2011).
De fato, o período que se estende pelas primeiras décadas começa a mudar no segundo quartel do
século XVI, quando Portugal instala o regime das Capitanias Hereditárias, forma administrativa
diferenciada que lhe permitiu assegurar-se da posse da terra. Da mesma maneira, a relação com
os nativos começa a mudar. Contingentes populacionais bem mais significativos começam a
chegar ao litoral, o que acarreta em uma exposição maior das populações nativas ao contato
virótico e bacteriológico que muito contribuiu para a mortandade e consequente depopulação
dos indígenas.
catequese e adotar os costumes cristãos, enfim, “a por exemplo a Fortaleza de Santa Cruz, aberta
à visitação.
terem sua vida diária pontuada, em resumo, pelas
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O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS • CAPÍTULO 3
badaladas dos sinos” (VAINFAS, 2000). Assim, o sentido do aldeamento era eminentemente e
radicalmente aculturador.
Os jesuítas e a instituição do aldeamento sofreram sérias resistências, em primeiro lugar por parte
dos próprios índios, que muitas vezes recusaram-se a seguir os padres, em alguns casos chegando
a matá-los, e em segundo lugar por parte dos colonizadores, desejosos de ter os nativos como
mão de obra escrava nos engenhos de açúcar. Dessa maneira, em meio à disputa entre jesuítas
e colonos, surgiram, já no século XVI, as primeiras leis régias que proibiam o cativeiro indígena.
A primeira Lei, de 1570, proibia a escravização ilegal de povos nativos, assegurando na teoria
a liberdade indígena. No entanto, abria exceção no caso da chamada “guerra justa”, ou seja, se
os índios provocassem conflitos contra os cristãos seria lícito aprisioná-los, o que, obviamente,
deu margem a uma serie de contravenções e criações de falsas “guerras justas” como pretexto
para aprisionamentos (VAINFAS, 2000). Assim, a escravização indígena continuou através
dessas guerras justas travadas contra os que se recusavam a aceitar a soberania portuguesa ou
a receber os missionários católicos (SCHWARTZ, 1985). Mas esse é assunto que será tratado
detalhadamente mais a frente.
Figura 13. Recipiente em cerâmica de decoração tradicional indígena, porém, contendo alça.
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CAPÍTULO 3 • O BRASIL EUROPEU: A INVASÃO DO NOVO MUNDO E O CONTATO ENTRE AS CULTURAS
Figura 16. Trabalhadora indígena: mulher tupi “domesticada”, com a casa-grande de um engenho ao fundo.
Sintetizando
» A conjuntura europeia que lançou os portugueses em um processo expansionista e acabou por trazê-los até nossa costa.
» Os dados históricos e as evidências arqueológicas dos primeiros contatos entre os europeus e os grupos nativos.
34
CAPÍTULO
O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO
INICIAL DE OCUPAÇÃO DO
TERRITÓRIO 4
Apresentação
No capítulo anterior nós vimos todo o processo desenvolvido no continente europeu que acabou
por lançar Portugal aos mares em uma empreitada expansionista rumo ao Oriente que culminou
com a chegada ao Brasil e o encontro entre duas culturas absolutamente distintas: os portugueses
e os nativos. Vimos também como foram as primeiras décadas desse contato e as evidências
materiais encontradas nos sítios arqueológicos que atestam a relação entre as duas sociedades.
Veremos agora como foi o processo inicial de ocupação e exploração do território, e a gênese do
que viria a se tornar posteriormente um processo de colonização efetiva.
Objetivos
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CAPÍTULO 4 • O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO INICIAL DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
O período compreendido entre 1500 e 1530 é denominado pela historiografia tradicional como
de colonização de feitorias, momento em que Portugal, mais interessado na exploração do litoral
africano e incursões às Indias, não se ocupa ou transfere recursos para a nova terra “descoberta”,
se limitando basicamente ao extrativismo do pau-brasil.
- que funcionavam como entrepostos, geralmente fortificados realizada à costa brasileira, com objetivo
maior de explorar o pau-brasil.
e instalados em zonas costeiras -, algumas delas parecem ter
desempenhado também funções diplomáticas e militares, que se fizeram presentes em situações
de acordo ou conflito com indígenas e corsários (VAINFAS, 2000).
O sistema das capitanias hereditárias, forma de administração inicial dos domínios atlânticos
portugueses, consistia na concessão real de largos domínios, proventos e privilégios a particulares,
em grande parte membros da pequena nobreza lusitana, que tinham o direito de nessas terras
fundar povoações, nomear funcionários, cobrar impostos etc. Na carta de doação estavam
regulados os privilégios e deveres do chamado donatário, que assumia a obrigação de repartir
as terras em sesmarias, junto a seus colonos, que podiam por sua vez dividir as terras por outros
colonos. Os capitães ficavam também encarregados de receber um certo número de impostos
destinados ao rei (VAINFAS, 2000).
36
O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO INICIAL DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO • CAPÍTULO 4
A maioria das doações foi feita a membros da pequena nobreza, principalmente na forma de
recompensa a funcionários que haviam se destacado na expansão ultramarina no Oriente.
Não obstante ser uma espécie de mercê, a doação das capitanias também funcionava como
eficiente estratégia de captação de recursos para a ocupação e o desenvolvimento das novas
terras (VAINFAS, 2000).
Contudo, pouco tempo depois de estabelecido, o sistema das capitanias mostrava sinais de
profunda crise, sendo o resultado do sistema como um todo desapontador. A verdade é que
muitos dos donatários nunca se estabeleceram de fato no Brasil, e outros desistiram em virtude
das primeiras dificuldades. Assim, algumas das capitanias não chegaram sequer a ser colonizadas
e outras sofreram pela negligência dos donatários, por problemas internos e/ou conflitos com
os indígenas (SCHWARTZ, 1985).
Atenção
Algumas poucas capitanias, no entanto, parecem ter sido
exceções dentro desse cenário, em especial São Vicente, Através do chamado Pacto Colonial,
fundada por Martim Afonso de Souza no litoral do atual Portugal, que era a metrópole,
estado de São Paulo; e Pernambuco, essa sem dúvida a mais mantinha o monopólio comercial com
sua colônia, o Brasil. Nesse regime,
bem sucedida de todas as capitanias, principalmente em
grosso modo falando, os colonos
função de uma feliz combinação de atividades açucareiras só poderiam comercializar com os
e um relacionamento minimamente pacífico com as tribos portugueses, bem como só deveriam
importar bens de consumo destes.
indígenas locais (SCHWARTZ, 1985).
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CAPÍTULO 4 • O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO INICIAL DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
As incursões francesas
Desde o início do século XVI que os franceses conhecem bem o litoral brasileiro. Em suas incursões,
aliavam-se a grupos indígenas, como os Tupinambá do Rio de Janeiro, e transportavam pau-brasil
em larga escala, atividade, no entanto, ilegal, já que o Tratado de Tordesilhas estabelecia a posse
portuguesa da terra recém-descoberta (VAINFAS, 2000).
Foram, no entanto, derrotados em 1560 pelos portugueses, sob o comando de Mem de Sá, que
seguiu de Salvador para São Vicente, onde obteve o apoio dos colonos e dos jesuítas, reunindo
esforços para lutar contra os franceses. Obtiveram, no entanto, uma vitória apenas parcial contra
os franceses ao atacar o forte Coligny, pois, apesar de terem conseguido afugentá-los, ficaram
impossibilitados de persegui-los devido a avarias provocadas pelos combates em inúmeras
embarcações. Por isso, acabaram por abandonar a região.
Assim, com a retirada dos portugueses, os franceses retornaram e ocuparam novamente o forte
Coligny, tomando ainda posições em Uruçu-mirim e Paranapuã. Com o objetivo de resistir e
defender a França Antártica, os franceses conquistaram o apoio dos índios tamoios da região,
que conseguiram se unir a outras tribos e criaram a Confederação dos Tamoios, com objetivo
de lutar contra os portugueses.
Por esse motivo, Mem de Sá solicitou reforços a Portugal, que Saiba mais
enviou, em 1563, uma frota comandada por Estácio de Sá, O índio Araribóia foi recompensado por
sobrinho de Mem de Sá. Além dos reforços recebidos, Mem Mem de Sá com uma sesmaria próxima
de Sá obteve também o apoio do nativo Araribóia, chefe das à Baía da Guanabara, que futuramente
daria origem à cidade de Niterói.
tribos dos Temiminós.
Com a reunião dessas forças, os portugueses iniciaram uma nova campanha. Após travarem
vários combates, conseguiram expulsar os invasores e acabar com a França Antártica. Estácio
de Sá, porém, morreu em decorrência dos combates. De todo modo, de sua expedição resultou
a fundação da cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1565.
No ano de 1612, houve nova invasão, dessa vez nas regiões Norte e Nordeste, que se estendeu
até a Região Amazônica e, principalmente à capitania do Maranhão, onde foi fundada a
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O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO INICIAL DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO • CAPÍTULO 4
França Equinocial, que perdurou até 1615, quando os franceses foram novamente derrotados
pelos portugueses.
Com o sistema das capitanias hereditárias em crise e diante da ameaça dos franceses, que
como vimos cada vez mais se aventuravam em território brasileiro, a Coroa portuguesa decide
nomear um governador-geral em 1548, Tomé de Souza, que administraria o Brasil a partir da
Bahia, capitania que foi comprada pela Coroa e tornada sede do novo Governo-Geral, e na qual
ele ergueria a Vila de São Salvador. Assim, com o objetivo de enfrentar os principais problemas à
época, que eram a pirataria francesa e os conflitos com os indígenas, a Coroa procurou centralizar
em Tomé de Souza os poderes que estavam dispersos entre os donatários (LINHARES, 1990).
O governo-geral seria uma espécie de “coração” do território colonial, capaz de promover maior
articulação entre as diversas regiões da América Portuguesa (GOUVEIA in VAINFAS, 2000).
No que se refere à estrutura administrativa colonial, ela era composta, basicamente, por cinco
esferas de ação: civil, militar, judiciária, fazendária e eclesiástica.
Uma segunda área de ação da administração colonial era constituída pela esfera militar, comandada
pelo governador-geral, depois pelo vice-rei, e então pelos capitães-donatários. A seguir, vinham
as tropas de linha, as milícias e os corpos de ordenança. Além das tarefas militares, prestavam
inúmeros serviços à Coroa, desde a cobrança de impostos até a manutenção de caminhos
(GOUVEIA in: VAINFAS, 2000).
A esfera judiciária estava definida a partir da figura do Rei como fonte de justiça, a partir de
delegações administrativas cedidas por este, primeiro pelas cartas de doação aos capitães-donatário,
39
CAPÍTULO 4 • O BRASIL EUROPEU: O PROCESSO INICIAL DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
que lhes garantiam autonomia nessa esfera até 1548, quando ficaram subordinados à autoridade
do governo-geral, como já vimos, através do ouvidor-geral, cuja jurisdição passou a incluir as
comarcas, divisões judiciais das capitanias. Havia também os chamados juízes de vintena, os juízes
dos órfãos, os juízes ordinários e os juízes de fora. Foi estabelecido ainda o Tribunal da Relação da
Bahia, instância superior sobreposta às ouvidorias-mores, e posteriormente o Tribunal da Relação
do Rio de Janeiro e as Juntas de Justiça em todo o Brasil. Todo esse aparato judicial encontrava-se
subordinado à Casa da Suplicação e ao Desembargo do Paço, sediados em Lisboa, sendo esta a
última instância recursiva (GOUVEIA in: VAINFAS, 2000).
A quarta esfera, constituída pela ação fazendária, se caracterizava pelo controle fiscal das
atividades mercantis e transferência de renda para a metrópole, e estava materializada na
instância da provedoria-mor, à qual estavam subordinados os provedores da capitania (GOUVEIA
in: VAINFAS, 2000).
Por fim, na esfera de ação eclesiástica, a jurisdição mínima eram as freguesias, termo das
paróquias, mantidas através do pagamento de côngruas, espécie de pensão que se dava aos
párocos, conforme previsto pelo padroado (GOUVEIA in: VAINFAS, 2000). Através desse regime
de padroado, cuja origem remonta à Idade Média, a Igreja instituía um indivíduo ou instituição
como padroeiro de determinado território, com o objetivo de que fosse promovida a propagação
e a manutenção da fé cristã. Em troca, esse padroeiro recebia privilégios, como a coleta dos
dízimos e o direito de indicar religiosos para o exercício das funções eclesiásticas. O padroado
tendeu a servir, sobretudo, de instrumento para subordinar os interesses da Igreja aos da Coroa.
Inicialmente, esse regalismo, ou seja, o direito que os reis tinham de interferir nas questões
religiosas, se manifestou na transferência para as ordens regulares da maior parte das obrigações
em relação à manutenção do culto, o que permitia a utilização da receita dos dízimos para outros
fins. Já na segunda metade do século XVIII, embora a Coroa tenha valorizado o clero secular, essa
política sujeitou enormemente os sacerdotes à condição de funcionários da monarquia. Como
resultado, constituiu-se uma organização eclesiástica muito dependente das autoridades civis
(NEVES in: VAINFAS, 2000).
Sintetizando
» Como foram as primeiras décadas de exploração do Brasil pelos portugueses, quando eles ainda não tinham intenção de
ocupar efetivamente o território.
» As frequentes ameaças francesas ao domínio português e a tentativa de estabelecer aqui uma colônia francesa.
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CAPÍTULO
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL:
ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS 5
Apresentação
No capítulo anterior nós vimos como foram os primeiros momentos do processo de ocupação
e exploração do território brasileiro, as ameaças francesas ao domínio português e a gênese da
administração colonial.
Objetivos
» Refletir sobre a crise sucessória que culminou com a união das coroas portuguesa
e espanhola e a crise política entre Portugal e Holanda que terminou por trazer os
holandeses para o Nordeste do país.
» Refletir sobre a relação conflituosa entre Metrópole e Colônia e as revoltas que daí
surgiram.
41
CAPÍTULO 5 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS
A economia colonial
A teoria dos ciclos econômicos na História do Brasil deriva do clássico livro “História Econômica
do Brasil”, publicado em 1937 por Roberto Simonsen, que por sua vez se inspirou no historiador
português João Lúcio de Azevedo, o qual, no seu “Épocas de Portugal econômico”, havia
estabelecido os ciclos sucessivos da economia portuguesa a partir da expansão marítima,
quase todos correspondentes aos produtos coloniais, em sua grande maioria brasileiros.
Para construir sua teoria, Simonsen partiu do princípio de que, dependendo do período
histórico de uma sociedade, haveria influência direta ora da religião, ora da cultura e da
política. No caso do Brasil moderno, teria sido a economia o fator preponderante da sua
descoberta e formação como colônia de exploração de Portugal. Assim, o autor dividiu
a história econômica do Brasil em ciclos relacionados à produção para exportação e
concebidos como fases econômicas delimitadas, bem articuladas e sucessivas (FARIA in:
VAINFAS, 2000).
A Caio Prado Jr., em “Formação do Brasil Contemporâneo”, coube a ruptura com essa teoria,
ao ultrapassar a ideia dos ciclos como meras sequências de produtos e regiões e apresentar os
fundamentos que considerou essenciais da economia brasileira, inaugurando, assim, uma análise
estrutural da economia colonial. No que chamou de “sentido da colonização”, alicerçada no tripé
latifúndio, monocultura e trabalho escravo, o autor advoga que a economia criada no Brasil não
dependeria das flutuações conjunturais dos produtos para exportação. Qualquer que fosse a região
ou o produto predominante em certo momento, o motivo único da montagem e funcionamento
das colônias de exportação residiria na transferência de excedente para a metrópole. Com isso,
pressupondo começo, meio e fim de determinado produto na história econômica, a teoria dos
ciclos foi posta em xeque (FARIA in: VAINFAS, 2000).
Além do modelo estrutural de Caio Prado, pesquisas posteriores também questionariam a ideia
de que a economia colonial funcionava por ciclos, indicando que em nenhum momento os
produtos líderes da exportação tiveram suas atividades interrompidas: o pau-brasil foi exportado
até o século XIX, o açúcar nunca deixou de se expandir, inclusive em áreas distantes do Nordeste,
e o ouro continuou sendo extraído, ainda que em escala reduzida, na segunda metade do século
XVIII (FARIA in: VAINFAS, 2000).
Além disso, a exportação não representa a totalidade do que foi a economia colonial. A partir
dos anos 1980, trabalhos como os de João Fragoso demonstraram a existência de um expressivo
mercado interno colonial, que permitiu uma acumulação interna de capital suficiente para
financiar as economias agroexportadoras. Com essas pesquisas, tanto a teoria dos ciclos
econômicos como a do sentido da colonização, tornaram-se insuficientes para explicar a
complexidade da economia colonial (FARIA in: VAINFAS, 2000).
42
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS • CAPÍTULO 5
A cana-de-açúcar e os engenhos
A descoberta do Brasil logo decepcionara pela expectativa frustrada de se
encontrarem aqui os metais preciosos que, contemporaneamente, faziam a
fortuna dos reis de Espanha. Somente a fixação à terra brasileira, com espírito
empresarial, procurando tirar dela o maior proveito com a produção de uma
mercadoria de alto valor na Europa, estimulou a colonização portuguesa (...).
Esse foi o verdadeiro sentido da colonização europeia nos trópicos, de que o
Brasil é um flagrante exemplo. Tratava-se de tirar o maior proveito econômico
de um território virgem e não de ocupar terras sob pretextos civilizadores e até
religiosos. A exploração do açúcar no Brasil era um negócio da coroa portuguesa
e o rei era um mercador (GOMES, 2013).
Foi nas décadas de 1530 e 1540 que a produção de açúcar estabeleceu-se em bases sólidas e
que a geografia econômica do açúcar no Brasil começou a tomar forma. Em 1570, a atividade
concentrava-se solidamente no Nordeste, onde se localizavam 50 dos 60 engenhos existentes
à época. Pernambuco suplantava todas as outras regiões, com mais da metade dos engenhos
brasileiros, seguido pela Bahia, sendo as duas capitanias responsáveis por cerca de três quartos
de toda a produção brasileira de açúcar (SCHWARTZ, 1985).
O açúcar de cana é resultado de um processo de manufatura simples, mas que requer um trabalho
intenso e continuado. A produção compreende várias tarefas, tais como plantar a cana, colhê-la
e moê-la, extraindo-lhe o caldo; cozer o caldo, para a obtenção do açúcar; purificar o açúcar e,
finalmente, embalá-lo (GOMES, 2013).
moenda era movida à água. Os demais, movidos a escravos ou à orifício no fundo onde o caldo do
açúcar era colocado para purgar.
tração animal, e as engenhocas, voltadas principalmente para a
produção da aguardente, eram mais modestos e exigiam investimento menor.
43
CAPÍTULO 5 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS
porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos” (ANTONIL apud
VAINFAS, 2000). Esses senhores tinham em torno de si nos seus engenhos uma vasta gama de
profissionais necessários à produção, como mestres de açúcar, carpinteiros, oleiros, feitores, entre
outros, além obviamente dos escravos, para o trabalho na lavoura e para o serviço doméstico
da casa-grande.
A lucratividade dos engenhos era muito variada, pois o plantio dependia muito do clima e a
produção de inúmeros outros fatores. As frequentes oscilações da economia açucareira estiveram
relacionadas a uma série de fatores vinculados, na maioria das vezes, à conjuntura internacional
e, em menor escala, a fatores internos. De origem externa foram as oscilações decorrentes das
flutuações do preço do açúcar do mercado internacional, desestímulo ao produtor provocado
pela política de baixos preços pela metrópole, perda de mercados e intervenção estrangeira em
consequência de guerras entre as metrópoles, dificuldades de importação de tecnologias de
produção mais avançadas, entre outros (AZEVEDO, 1990). Por outro lado, fatores internos, como
rebeliões, chuvas ou secas por longos períodos, esgotamento do solo e crises de mão de obra,
muitas vezes provocadas por epidemias, aceleravam os processos de crise.
Nesse contexto, a falência não era um fato incomum, tanto é que dificilmente um engenho
passava para a segunda geração de uma família, tamanha era a rotatividade dos proprietários
(VAINFAS, 2000). As oscilações de fortuna eram tão frequentes no Brasil colonial que geraram o
ditado popular “pai taverneiro, filho barão e neto mendicante” (FARIA, 1998). A imagem criada
sobre os engenhos de açúcar está mais vinculada à importância simbólica dos que detinham
sua propriedade do que ao lucro que eles geravam. Por mais que o comércio pudesse ser mais
lucrativo que a agricultura, o verdadeiro prestígio no período colonial vinculava-se à terra, residia
em ser senhor de terras e de homens (VAINFAS, 2000).
Figura 18. Engenhos do século XVII retratados pelo holandês Frans Post.
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS • CAPÍTULO 5
Figura 19. Fôrmas de pão de açúcar, recipientes utilizados para purgar o açúcar. Sua forma inspirou o nome do
Pão de Açúcar do Rio de Janeiro.
No final do século XVI uma grave crise sucessória abalou a estabilidade política do governo
português, iniciada com o desaparecimento do Rei Dom Sebastião durante suas lutas contra os
árabes no norte da África. Por não ter herdeiros, foi proclamado rei seu tio, o cardeal D. Henrique,
que no entanto reinou apenas dois anos, e da mesma maneira não possuía herdeiros diretos.
Assim, esgotada a linha masculina da casa de Avis, em 1580, e tendo em vista a instabilidade
política de Portugal, o rei espanhol Filipe II se aproveitou da situação para unir as coroas dos
dois países.
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CAPÍTULO 5 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS
seguindo o Rio Amazonas e abrindo os sertões do Brasil Central, e espanhola, teve início em Portugal
um movimento místico chamado
em direção a Goiás e Mato Grosso (LINHARES, 1990).
Sebastianismo, uma espécie de
messianismo, no qual o povo, não
É importante ressaltar que um dos principais desdobramentos aceitando a morte do rei, propaga a
da União Ibérica foi o rompimento das relações entre lenda de que ele ainda se encontrava
portugueses e holandeses, acarretado a partir da proibição vivo, e que voltaria no momento certo
para reassumir o trono e pôr fim ao
dos comerciantes holandeses participarem na produção e
domínio espanhol.
distribuição do açúcar brasileiro, o que acabou culminando
na invasão holandesa à Região Nordeste (LINHARES, 1990).
Contudo, após certo tempo iniciam-se revoltas em função dos altos impostos cobrados pelos
holandeses, levando à saída de Maurício de Nassau, e facilitando a ação dos colonos, que começam
um movimento de reação, culminando na expulsão dos holandeses do território brasileiro.
Também chega ao fim a união entre as Coroas portuguesa e espanhola, no ano de 1640, a partir
do movimento de Restauração, que promoveu um conflito entre Portugal e Espanha, encerrando
assim a União Ibérica. Com isso, Portugal e Espanha tiveram que estabelecer uma série de acordos
diplomáticos para resolver as questões de fronteira entre os dois países e redefinirem os limites
dos territórios de suas colônias, sendo o mais importante deles o Tratado de Madri (1750), que
definiu o princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita possideatis (quem tem de fato,
deve ter de direito, ou seja, quem tem a posse, tem o domínio).
A “Idade do Ouro”
No final do século XVII, os rumores sobre a existência de ouro no interior do país, nas chamadas
Minas Gerais, confirmaram-se, tendo-se também encontrado jazidas de diamante. Pouco tempo
depois, no início do XVIII, novas jazidas foram encontradas na Bahia e em Goiás, oferecendo uma
produção contínua e lançando Portugal como um dos grandes centros comerciais da Europa
(LINHARES, 1990).
As atividades de mineração foram administradas com mão de ferro pela Coroa. As chamadas
Intendências, instituições responsáveis pela fiscalização, cobranças e coibição do contrabando,
46
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS • CAPÍTULO 5
estavam sujeitas diretamente à metrópole e não às autoridades coloniais. Abaixo das Intendências,
vinham as Casas de Fundição, onde se recolhia, fundia e recolhia o quinto da Coroa (imposto
obrigatório referente a 1/5 da produção) de todo o ouro extraído (VAINFAS, 2000).
Em 1750, auge da mineração no Brasil, Portugal e suas colônias iniciaram um longo período sob a
administração de Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal,
que teve como marco característico o profundo centralismo (CARDOSO, 1990).
47
CAPÍTULO 5 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS
Em sua administração, o sistema de capitanias hereditárias foi extinto, a capital foi transferida
para o Rio de Janeiro, em 1763, consagrando o predomínio que o centro-sul vinha adquirindo
com a intensa imigração portuguesa e de escravos, decorrente das atividades mineradoras, como
já vimos, e a justiça colonial foi ampliada e reformada. Foram realizadas também inúmeras
reformas no sistema de contabilidade e cobrança de impostos, e adotadas medidas para coibir
ou prevenir o contrabando de ouro, com intensa repressão (CARDOSO, 1990).
No campo econômico, sua administração destacou-se pelo fomento agrícola e pela criação de
companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e Companhia
de Pernambuco e Paraíba, com o objetivo de recuperar o controle português sobre o comércio
de exportação na metrópole e nas colônias, a partir de um grupo reduzido de mercadores
portugueses ligados à máquina estatal (CARDOSO, 1990). Com isso, suas medidas levaram ao
enriquecimento de um seleto grupo de grandes comerciantes, o que acabou despertando grande
descontentamento e consequente oposição.
No entanto, é provável que a atuação mais notória e polêmica do Marquês de Pombal tenha
sido seu conflito com os jesuítas. Parece ter havido intenção já clara de atuação contra os
religiosos desde o início de seu comando, sob a convicção de que a extinção dos aldeamentos
indígenas por eles dirigidos permitiria a intensificação do controle político e do fomento
agrícola, com a liberação dos nativos para utilização como mão-de-obra, prática fortemente
combatida pelos jesuítas.
Revoltas coloniais
Movimentos Nativistas
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS • CAPÍTULO 5
Revolta de Beckman
Foi um movimento liderado por dois irmãos de origem alemã Manuel e Thomas Beckman, em
1684, no estado do Maranhão, em função do embate entre colonos, em especial senhores de
engenho, e jesuítas a respeito da escravização de indígenas.
Em 1680, uma determinação real instituiu que todos os índios do Maranhão fossem declarados livres
e recebessem uma porção de terra para cultivar. A insatisfação com a proibição da escravização
dos indígenas foi manifestada pelos senhores locais, levando à sublevação de parte do povo
maranhense, comandado pelos irmãos Beckman (VAINFAS, 2000). O movimento foi, no entanto,
derrotado pelos portugueses, e teve seus líderes presos, mortos ou deportados.
Foi um conflito civil travado entre paulistas e os grupos recém-chegados à região de Minas Gerais
entre 1707 e 1709, chamados de emboabas. Com a descoberta de ouro pelos paulistas no final
do século XVII, um número muito grande de forasteiros, vindos de Portugal ou mesmo de outras
capitanias, passou a circular em Minas em busca de enriquecimento rápido, o que causou enorme
descontentamento entre os paulistas. No embate, a supremacia numérica dos emboabas lhes
garantiu a vitória, acarretando na saída dos paulistas da região. A Coroa portuguesa decidiu, então,
criar a Capitania de São Paulo e Minas Gerais, separando-a do Rio de Janeiro (VAINFAS, 2000).
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CAPÍTULO 5 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS
Com o objetivo de coibir o contrabando do ouro em pó, a Coroa Portuguesa decidiu instalar
quatro casas de fundição, onde todo ouro deveria ser fundido e transformado em barras, que
levariam obrigatoriamente o selo do Reino. Assim, ficava impossibilitado o contrabando paralelo
do ouro em pó e, consequentemente, o lucro maior dos donos das minas. Essa conjuntura incitou
um movimento para acabar com as casas de fundição, os impostos e o forte controle sobre o
contrabando, liderado pelo rico fazendeiro Filipe dos Santos. No entanto, a revolta foi suprimida
pelos portugueses, sendo seus líderes presos e Filipe dos Santos condenado à morte.
Movimentos Separatistas
Inconfidência Mineira
Como vimos anteriormente, na segunda metade do século XVIII, a economia mineradora dava seus
primeiros sinais de crise. O contrabando, o esgotamento das jazidas e a profunda dependência
econômica fizeram com que Portugal aumentasse os impostos e a fiscalização sobre as atividades
mineradoras na colônia.
Após denúncia de Joaquim Silvério dos Reis, que delatou seus companheiros pelo perdão de suas
dívidas, instaurou-se um processo e os acusados foram inquiridos e condenados no desenrolar
das devassas ordenadas pelo governador, Visconde de Barbacena e pelo Vice-Rei do Brasil, Luís
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: ASPECTOS POLÍTICO - ECONÔMICOS • CAPÍTULO 5
Conjuração Baiana
Foi um movimento ocorrido em Salvador no ano de 1798, cuja plataforma era bastante heterogênea.
Reivindicava-se coisas de caráter pontual, como o aumento dos salários das tropas, mas também
reformas de caráter mais abrangente, como a liberdade de comercializar com outras nações,
proibida pelo Pacto Colonial. Tratou-se de um movimento inspirado pelos ideais revolucionários
da Revolução Francesa, que propunha a fundação de uma “República Bahiense”. No entanto,
foi severamente reprimido pela Coroa Portuguesa, com prisões e mortes por enforcamento
(VAINFAS, 2000).
Sintetizando
» Como o eixo econômico do país se deslocou do Nordeste para o Sudeste, com o aumento da importância do Rio de Janeiro,
porto mais próximo das cidades mineradoras.
» As motivações para a série de revoltas ocorridas devido às relações conflituosas entre Metrópole e Colônia.
51
CAPÍTULO
A COLONIZAÇÃO DO BRASIL:
A ESCRAVIDÃO 6
Apresentação
Além disso, discutiremos como a Arqueologia pode trazer à tona a história dos africanos
escravizados, através do resgate de sua cultura material e costumes.
Objetivos
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO • CAPÍTULO 6
Introdução
Contudo, foi além-mar que as anomalias e os ajustamentos da escravidão, já presentes nas lavouras
canavieiras ibéricas, tornaram-se mais salientes. Juntamente com a transferência dos métodos
comerciais e técnicos próprios do fabrico do açúcar, portugueses e espanhóis transferiram para
as colônias também o emprego do trabalho escravo como característica lógica, e necessária,
da indústria açucareira. Uma força de trabalho compulsória, e em geral etnicamente distinta
(SCHWARTZ, 1985).
A mão-de-obra indígena
A grande lavoura açucareira na colônia brasileira iniciou-se com o uso extensivo da mão-de-obra
indígena, força de trabalho relativamente barata e prontamente acessível nas primeiras décadas
de colonização. Contudo, a escravização dos nativos e o uso de sua mão-de-obra na produção
da cana revelaram-se etapa transitória no desenvolvimento da indústria açucareira, que
passaria a utilizar em larga escala a partir do século XVII outro tipo de trabalhador, o africano
(SCHWARTZ, 1985).
53
CAPÍTULO 6 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO
O processo de utilização dos indígenas como força de trabalho envolveu três estratégias, algumas
vezes utilizadas simultaneamente. A primeira delas, empregada pelos colonos, consistia na
coerção direta, sob a forma de escravização. A segunda, experimentado pelos jesuítas e depois
por outras ordens religiosas, foi a criação de um campesinato indígena, através dos processos
de aculturação e destribalização. A terceira estratégia foi aplicada tanto por leigos quando por
religiosos, e consistia em utilizar os indígenas individualmente como trabalhadores assalariados.
Assim, os engenhos obtiveram força de trabalho indígena por meio de três métodos principais:
escravização, escambo e pagamento de salários (SCHWARTZ, 1985).
A relação conturbada entre jesuítas e colonos no que diz respeito à escravização dos indígenas
já foi tema abordado em capítulo anterior. Contudo, cabe aqui ressaltar que esse confronto
ocorreu em um contexto econômico e teológico específico, o qual estabeleceu limitações a
ambas as posições e à resposta da Coroa às duas partes. Por um lado, os monarcas portugueses
eram impelidos por considerações morais e teológicas a reconhecer a “humanidade” dos índios,
a levar a sério a obrigação da Coroa de convertê-los à fé católica, e como súditos de Portugal,
proibir sua escravização ilegal. Por outro lado, a metrópole defrontava-se também com a realidade
econômica do Brasil, em que a produção açucareira demandava uma grande força de trabalho
e os senhores de engenho ainda não dispunham de capital necessário para suprir inteiramente
suas necessidades através do dispendioso tráfico atlântico de escravos africanos, dependendo,
portanto, dos trabalhadores indígenas (SCHWARTZ, 1985).
Como vimos anteriormente, a Coroa resolveu esse impasse, entre a culpa por escravizar e a
necessidade da mão-de-obra indígena, ao deixar brechas na legislação que permitiam aos colonos
obter cativos nas chamadas “guerras justas”.
No entanto, na década de 1580, a legislação régia e a crescente eficácia dos jesuítas começaram
a criar problemas para os que desejavam obter trabalhadores indígenas por meio de resgate e
“guerra justa”. Assim, engenhos passaram a utilizar nativos das aldeias jesuíticas, ou os contratavam
diretamente, sendo então o trabalho de índios livres ou forros uma realidade na época.
Diante do conflito com os colonos, que viam nos indígenas uma força de trabalho barata, os
jesuítas começaram a reunir grandes contingentes de nativos em aldeias relativamente isoladas dos
núcleos urbanos, como meio de fazer avançar sua atividade apostólica, seu projeto missionário.
Com isso, no ano de 1686 foi assinado o Regimento das Missões, que dava aos religiosos o direito
de tutela dos indígenas capturados. Contudo, ao alterar radicalmente o modo de vida dos grupos
nativos, esses aldeamentos missionários acabaram por desarticular as culturas indígenas, o que
posteriormente foi objeto de forte crítica. A mais proeminente dessas Missões Jesuíticas foi a
colônia de Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul.
Enfim, o acesso aos índios das aldeias, à mão-de-obra indígena livre, permitia aos senhores
concentrar seus escravos africanos nas tarefas fundamentais do fabrico do açúcar, já que os
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO • CAPÍTULO 6
nativos normalmente eram designados para tarefas específicas e auxiliares nos engenhos, como
em consertos, na pesca, na caça e no corte de lenha. Assim, concentrava-se o capital investido
nos escravos africanos nos aspectos fundamentais da produção e onde o trabalho contínuo
justificasse o capital fixo que os cativos representavam (SCHWARTZ, 1985).
Nos engenhos baianos, os indígenas constituíram a principal força de trabalho durante quase um
século, e a escravidão, o trabalho dos nativos aldeados, o escambo e o assalariamento existiram
simultaneamente. A importância relativa da predominância de cada forma de trabalho variou
conforme o local e a época, embora a tendência geral tenha sido a passagem da escravidão para
tipos de trabalho voluntário remunerado (SCHWARTZ, 1985).
Figura 21. Ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul.
Africanos escravizados
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CAPÍTULO 6 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO
mão-de-obra dos engenhos era racialmente mista, proporção que foi mudando crescentemente
em favor dos africanos no século seguinte, época em que a indústria açucareira experimentou
rápida expansão e considerável desenvolvimento interno, devido aos altos preços internacionais
do açúcar e do crescimento do mercado europeu (SCHWARTZ, 1985).
Os primeiros cativos negros vieram para o Brasil como criados particulares ou como trabalhadores
especializados, e não necessariamente para trabalhar na lavoura. Documentos relativos aos
engenhos indicam que havia um alto percentual de africanos com várias especializações e que
as tarefas mais complexas eram destinadas a eles, prática que, assim como o preço mais elevado
dos africanos em relação ao dos nativos, pode ser parcialmente explicada pelas características
culturais dos dois povos. Fato é que muitos cativos provinham da África ocidental, de culturas
em que o trabalho com o ferro e outras atividades úteis para a agricultura eram praticados, o
que os tornava a longo prazo mais valiosos e mais lucrativos para os portugueses no contexto
específico da indústria do açúcar.
Na sua imensa maioria, os escravos africanos viveram, trabalharam e morreram nas áreas rurais.
Quando se fala em escravidão rural, de imediato se pensa na agroindústria exportadora, em
especial os engenhos de açúcar. Apesar de suas dimensões variáveis, o engenho era uma das
formas mais complexas de empresa quanto às instalações que exigia e o grau considerável de
divisão do trabalho que apresentava (CARDOSO, 1990).
O número de escravos necessário para operar um engenho variava de acordo com o tamanho
e o tipo da moenda e a quantidade de trabalhadores livres empregados. Calcula-se, em termos
gerais, que em um turno de trabalho em um engenho de vulto, eram necessários sete a oito
cativos na casa da moenda para trazer a cana, passar pelos tambores, levar embora o bagaço,
cuidar das candeias e da roda d’água, quando existente, e levar o caldo às caldeiras; quatro a seis
escravos para alimentar as fornalhas; quatro caldeireiros; quatro tacheiros e duas mulheres para
cuidar das candeias e transportar as escumas; quatro purgadeiras na casa de purgar, dois homens
para carregar as fôrmas e um para preparar o barro, e cerca de doze escravos nas atividades de
acondicionamento. Portanto, só para os processos de moagem e cozimento eram demandados
de 20 a 25 cativos em cada turno, número que é acrescido pelos trabalhadores de “enxada”, que
sempre representavam mais da metade dos cativos arrolados nos inventários (SCHWARTZ, 1985).
Cabe ressaltar, no entanto, que essa era a realidade de um grande engenho, típico da região
Nordeste, e que pesquisas têm demonstrado nos últimos anos, especialmente para os engenhos
do Sudeste, ser reduzido o número de grandes plantéis de escravos e alto o de donos de poucos
cativos (CARDOSO, 1990).
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO • CAPÍTULO 6
Submetidos aos senhores em zonas às vezes distantes, onde o poder colonial era rarefeito, os
escravos certamente eram vítimas da exploração mais brutal, tendo na maioria dos casos poucas
chances de ascensão social através da alforria. No entanto, era nas zonas rurais que muitos
dos cativos recebiam parcelas de terra em usufruto e certo tempo livre para cultivá-las, com a
permissão de comercializar os eventuais excedentes que produzissem, acumulando assim um
mínimo de capital que poderiam utilizar para comprar sua liberdade (CARDOSO, 1990).
Além da escravaria utilizada na esfera produtiva, existiam ainda os escravos domésticos, grupo que
foi foco de análise do renomado livro “Casa-Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre. Sua situação
caracterizava-se por certa ambiguidade. Tinham, certamente, privilégios que eram inacessíveis
aos outros cativos. A relação mais próxima com a família senhorial proporcionava-lhes a alforria
com frequência bem maior do que no caso dos outros escravos. Por outro lado, esse convívio mais
íntimo significava também uma maior dependência e uma vigilância constante (CARDOSO, 1990).
Como vimos em capítulo anterior, a partir do início do século XVIII, o desenvolvimento das
atividades de mineração suscitou intenso processo de urbanização na região de Minas Gerais e
o crescimento acentuado da importância do Rio de Janeiro, porto de abastecimento das região
mineradora e de escoamento do ouro. Todo esse contexto levou a uma intensificação também
da escravidão, e por conseguinte, do tráfico que o alimentava. Calcula-se que quase 2 milhões
de africanos tenham desembarcado em portos brasileiros no século XVIII (CARDOSO, 1990).
Pela conjuntura em que viviam, os escravos urbanos gozavam de maior liberdade de movimentos,
numa sociedade que ofertava aos cativos e alforriados, mais do que a área rural, uma diversidade
maior de atividades, onde podiam ser artesãos, vendedores, carregadores, “escravos de ganho”
etc. Não somente havia maior chance de os cativos acumularem certo capital e comprarem sua
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CAPÍTULO 6 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO
Figura 22. Escravos indígenas e africanos em engenho de Pernambuco. Pintura de Frans Post.
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO • CAPÍTULO 6
Estima-se que aproximadamente nove milhões e meio de africanos desembarcaram nas Américas
e na Europa, e desse total, aproximadamente quatro milhões e meio desembarcaram em território
brasileiro, número que, acrescido de seus descendentes, faz do Brasil a maior região escravagista
do mundo moderno.
A partir do uso combinado de fontes documentais e materiais, as pesquisas sob esse viés procuram
analisar nos sítios arqueológicos os locais de atividade e auto-expressão desses indivíduos
escravizados, espaços normalmente subalternos, alternativos, espaços de contestação, que exigem
um olhar mais aguçado do arqueólogo para ser identificado e compreendido. Isso se deve ao
fato de que, apesar de o cativo ter participado de atividades diversas, e portanto, ter tido acesso
a uma variedade de lugares e espaços, muitas de suas esferas de interação se situavam além da
paisagem dominante (SOUZA, 2013).
Essa é uma discussão que tem sido problematizada a partir de duas abordagens, em princípio
dicotômicas. Uma delas, denominada afrocêntrica, trabalhando a partir de evidências materiais
como a cerâmica, a arquitetura e objetos religiosos, tem como argumento central a ideia de que
os africanos não foram despossuídos da sua cultura em função da diáspora e teriam mantido
no novo território muitas das suas práticas originais do continente africano. A outra abordagem,
analisando por exemplo a produção local de utensílios de uso cotidiano e/ou a criação de
comunidades diaspóricas, os chamados quilombos, se concentra em explorar a emergência de
práticas materiais inteiramente novas entre grupos escravos e a forma como elas foram construídas
cotidianamente no contexto da escravidão (SOUZA, 2013).
Contudo, as duas abordagens não são em hipótese alguma excludentes, na medida em que,
conforme as evidências arqueológicas têm demonstrado, os escravos, por um lado, se utilizaram
de toda uma gama de informações, conhecimentos e práticas provenientes de seus locais de
origem e, por outro, inevitavelmente transformaram muitas de suas práticas originais, face ao
novo contexto em que se viram obrigados a (sobre)viver.
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CAPÍTULO 6 • A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO
Assim, estudos têm apontado tanto a manutenção de memórias e práticas sociais oriundas do
continente africano, que permitiram o desenvolvimento de um forte senso de identidade dentro
da comunidade, como práticas culturais híbridas, ligadas aos universos cultural e religioso
africano e brasileiro, resultante do diálogo entre diferentes tradições e agentes (SOUZA, 2013).
Pesquisas da mesma maneira têm indicado, a partir de categorias materiais diversas, como
mobiliário, itens usados no consumo de alimentos e vestimentas, relações assimétricas
estabelecidas entre os segmentos dominantes e dominados, mostrando que mecanismos de
dominação foram amplamente empregados por meio da manipulação da cultura material, de modo
a reforçar as diferenças existentes entre livres e escravos e fortalecer as hierarquias sociais.
Mais ainda, análises, sobretudo de cachimbos e cerâmicas utilitárias, demonstram que esses grupos
escravizados certamente não reagiram passivamente a essas estratégias de dominação, por vezes
lançando mão da cultura material para resistir às vontades da classe senhorial. Os quilombos são
o grande testemunho dessa resistência coletiva. Porém, mesmo no contexto da vida em cativeiro,
das senzalas, os escravos procuraram se diferenciar e, com isso, resistir (SOUZA, 2013).
Figura 24. Cais do Valongo, encontrado durante as escavações do projeto de revitalização da Zona Portuária
do Rio de Janeiro. Atualmente, o sítio arqueológico é um museu a céu aberto.
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A COLONIZAÇÃO DO BRASIL: A ESCRAVIDÃO • CAPÍTULO 6
Saiba mais
Um dos trabalhos mais importantes de resgate da cultura material e da memória dos africanos escravizados no Brasil
foi realizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, onde a equipe coordenada pela Profª. Tania Andrade Lima, do Museu
Nacional/UFRJ, encontrou o antigo Cais do Valongo, construído no início do século XIX e no qual desembarcaram milhares
de escravos. As pedras do cais encontram-se expostas, no que se tornou um museu a céu aberto, e o local está concorrendo
ao título de Patrimônio Mundial da Humanidade.
Também na região portuária do Rio de Janeiro, na Rua Pedro Ernesto, encontra-se o Cemitério dos Pretos Novos, local onde
eram depositados os corpos dos escravos que não resistiam às longas e penosas viagens de navio. O cemitério foi encontrado
quando da realização de uma reforma em uma residência, já foi alvo de pesquisa arqueológica, e acabou virando um museu.
Vale a pena a visita!
Sintetizando
» Como a Arqueologia pode ajudar a revelar aspectos importantes sobre os modos de vida, crenças e identidades desses
grupos escravizados.
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