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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO (UFRPE)

COORDENAÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD/UFRPE)

Pré-História

Iranilson Buriti de Oliveira

Volume 1

Recife, 2011
Universidade Federal Rural de Pernambuco

Reitor: Prof. Valmar Corrêa de Andrade


Vice-Reitor: Prof. Reginaldo Barros
Pró-Reitor de Administração: Prof. Francisco Fernando Ramos Carvalho
Pró-Reitor de Extensão: Prof. Paulo Donizeti Siepierski
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Fernando José Freire
Pró-Reitor de Planejamento: Prof. Rinaldo Luiz Caraciolo Ferreira
Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Profª. Maria José de Sena
Coordenação Geral de Ensino a Distância: Profª Marizete Silva Santos

Produção Gráfica e Editorial


Capa e Editoração: Rafael Lira, Italo Amorim e Arlinda Torres
Revisão Ortográfica: Marcelo Melo
Ilustrações:
Coordenação de Produção: Marizete Silva Santos
Sumário

Apresentação.................................................................................................................. 4

Capítulo 01 – A Escrita da Memória - Introdução à Pré-História....................................... 6

Capítulo 02 – Assim caminham os homens no tempo e nos espaços.............................. 14

Capítulo 03 – O Gênero Homo na Escala Biológica......................................................... 21

Capítulo 04 – A Linguagem humana: nuances e pontos de vista possíveis..................... 28

Considerações Finais..................................................................................................... 41

Conheça o Autor........................................................................................................... 44
Apresentação
Este é o primeiro volume do material de Pré-História e nele iremos estudar um pouco do fascinante mundo
dos nossos antepassados. Este primeiro módulo constitui-se um link com os demais, pois apresentamos alguns
passos de desenvolvimento do homem na terra para, posteriormente, detalharmos as invenções em cada um dos
subperíodos da Pré-História (paleolítico, mesolítico e neolítico). Para você, aluno ou aluna da EAD, este material
deve se constituir em apenas uma das diversas fontes de leitura e pesquisa. O mesmo deve ser lido com outros
materiais que postamos nas referências bibliográficas, com a leitura e análise de filmes e documentários, com a
leitura das diversas imagens que colocamos em cada capítulo.
Este volume está organizado em cinco capítulos, assim distribuídos. O primeiro capítulo intitulado “A
Escrita da Memória - Introdução à Pré-História” é um momento bastante significativo para aprendermos muita coisa
sobre esse momento histórico tão importante para o homem na terra: a Pré-História, um campo de conhecimentos
mediante o qual entramos em contato com um pouco das muitas realizações feitas por nossos antepassados
distantes. Além de ser uma introdução aos estudos pré-históricos, o capítulo objetiva também mostrar que, desde o
aparecimento do homem na terra, o mesmo tem registrado, ao seu modo, muitas interpretações e representações
acerca dos elementos que o rodeiam. Estas interpretações e representações eram feitas a partir de outros caracteres
e concepções de mundo bem diferentes das que utilizamos hoje em dia. Nesse sentido, para que pudessem
representar o cotidiano e as práticas culturais, os primeiros homens que habitaram a terra, lançavam mão de
formas de representação outras, diferentes da nossa escrita: desenhos nas rochas e cavernas, nas árvores e até
mesmo na própria terra. Neste capítulo veremos, também, que ao longo dos séculos, os homens foram superando
determinadas dificuldades físicas, se acostumando ao ambiente em que viviam e ampliando, paulatinamente, suas
condições de sobrevivência. Criaram e inventaram muitas coisas, dentre elas novas formas de “escrever” a História.
Aos poucos, criaram objetos e soluções a partir de suas necessidades básicas com o objetivo de resolverem os
problemas da vida.
No segundo capítulo, denominado de “Assim Caminham os Homens no Tempo e nos Espaços...” iremos
apresentar uma das temáticas mais polêmicas e instigantes acerca da Pré-História: a origem do homem. Esta
temática é considerada polêmica porque não existe, ainda, uma teoria definitiva sobre tal assunto, e as opiniões
divergem principalmente entre evolucionistas e criacionistas.
O terceiro capítulo - “O Gênero Homo na Escala Biológica” – apresenta uma discussão muito importante
para a compreensão do ser humano na terra: o seu desenvolvimento enquanto sujeito de desejos, de valores e
de novas descobertas e invenções. É um momento em que alunos e alunas descobrirão muitas coisas acerca dos
estágios de desenvolvimento do homem na terra, desde o cuidado com o seu corpo até o uso de ferramentas em
seu cotidiano de trabalho e lazer. Para tornar mais claro esse conteúdo, faremos um passeio, como leitores, pelos
cenários nos quais o homem andou, habitou, construiu habitações, desenvolveu instrumentos de caça, bem como
armas para sua própria defesa.
O quarto capítulo, que denominamos “A Linguagem humana: nuances e pontos de vista possíveis”,
objetiva estudar a linguagem e as diversas teorias explicativas, dentre as quais aquela que concebe o ato de falar e
articular frases como um artefato cultural cuja importância foi gradualmente sendo aumentada, à medida em que
os primeiros grupos de hominídeos iam se tornando maiores e mais complexos. Iremos analisar que a linguagem
facilitou a integração de um maior número de membros no interior de um mesmo grupo social, pois lhes permitiu
viabilizar um aprendizado comportamental bem mais eficiente. Dessa maneira, você irá compreender como a
linguagem foi e continua sendo analisada pelos diversos pesquisadores como uma conquista que contribuiu para a
invenção de novas tecnologias, além de facilitar a comunicação e o diálogo entre os povos.
São, portanto, quatro importantes capítulos que, de modo integrado, procuram abordar este rico momento
para o desenvolvimento do homem na terra: a Pré-História. Quero chamar a sua atenção para os boxes, exercícios,
imagens e filmes que colocamos em cada um dos capítulos. Cada um desses recursos não está no texto por acaso,
são fundamentais para que você, prezado(a) aluno(a), faça suas análises e problematizações. O filme não é “a
verdade” sobre a História, mas apenas uma versão apresentada pelo diretor, pelo roteirista. As imagens não foram

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colocadas apenas para ilustrar o conteúdo, são um rico documento que você poderá ler, analisar e apresentar
conclusões sobre o mesmo. Os exercícios são outra parte importante deste Módulo, pois constituem um momento
privilegiado de reflexão, de rever conceitos e revisar o conteúdo. Leia e responda com atenção cada atividade, pois
é dessa maneira que crescemos como intelectuais.
Para tornar este material o mais didático possível, contei com a leitura e observações sempre atentas dos
meus bolsistas que, com olhos de lince, apontaram sugestões, mudanças de parágrafos, alterações de imagens,
revisão de frases, de modo a facilitar a comunicação entre o autor e os diversos leitores do Brasil. Quero agradecer a
Leonardo Querino, Débora, José Maxsuel e Rosineide Alves que, semanalmente, me davam sugestões para tornar a
linguagem convidativa. Foi gratificante a troca de experiências com vocês.
A você, aluno (a) EAD convido a passear pelos campos do conhecimento e das invenções dos nossos
antepassados. Seja muito bem vindo a este cenário de muitas descobertas!

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Pré-História

Capítulo 01 – A Escrita da Memória -


Introdução à Pré-História

Objetivos:

» Refletir acerca da memória e da história dos homens pré-históricos;


» Analisar as paisagens elaboradas nas cavernas e no material lítico pelos homens da
Pré-História.
» Compreender o cotidiano do homem pré-histórico e suas formas de sobrevivência.
Nesta disciplina, iremos estudar a pré-história. Este campo de conhecimentos
permite entrar em contato com um pouco das muitas realizações feitas por nossos
antepassados distantes. Eles foram denominados pela “historiografia tradicional” europeia
de “homens primitivos” ou “homens das cavernas”. Foram chamados dessa forma em alusão
aos seus modos de viver, de habitar e de se comportar. Estas pessoas experimentaram as
mais diversas situações históricas e humanas, bem diferentes das que caracterizam o nosso
cotidiano.
Mas é importante lembrar que ser “diferente” não significa “inferior”, “selvagem”,
“animalesco”, “pobre” ou “atrasado”, nas piores acepções destas palavras. Esses homens
pré-históricos apenas viveram em uma época bem diferente da nossa, na qual imperavam
outras necessidades, anseios, sonhos e circunstâncias. Assim, dialogaram com o seu meio
ambiente e histórico com as “armas” que estavam à disposição, sem que se possa considerar
que tenham sido piores ou melhores do que nós: eles apenas viveram em uma época
distante da nossa e por isso viveram de uma forma diferente da que vivemos. Por mais
distante no tempo que seja, devemos entender a importância de se estudar a pré-história,
pois a mesma é a nossa própria história. Por mais elementares que sejam os seus costumes,
aos olhos do século XXI, eles estão vinculados com todos os restantes dos homens.
O antropólogo Marshall Sahlins pensou de modo semelhante ao que acabamos de
falar, a relação de alteridade entre o homem pré-histórico e a nossa sociedade moderna.
Veja você o que ele afirmou em um de seus livros “Economia da Idade da pedra”: “Havendo
atribuído ao caçador [ou ao homem “pré-histórico”] impulsos burgueses e ferramentas
paleolíticas, julgamos sua situação desesperada por antecipação.” Juntamente com Sahlins,
acreditamos que ao invés de considerar estas culturas “pré-históricas” como sendo “pobres”,
“inferiores” ou “atrasadas”, o mais adequado é ter em mente a diversidade das experiências
humanas e admitir que estas sociedades apenas experimentaram viver em um mundo bem
diferente do nosso, tiveram “impulsos” e “ferramentas” diversas das nossas, e constituíram
culturas, sociedades, religiões, organizações políticas e econômicas bem diferentes, embora
nem piores nem melhores, do que as nossas próprias instituições.
Para que você tenha uma melhor compreensão da pré-história, de seus estágios e
desenvolvimento, procuramos organizar este material com os seguintes conteúdos:

» O conceito de Pré-história, de História e de Arqueologia.


» O Homem: origens e seu estágio de desenvolvimento
» O gênero Homo na escala biológica
» A paleoantropologia.
» As várias formas de desenvolvimento socioculturais da história humana anteriores
à escrita.

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Pré-História

Vamos iniciar nossa conversa trabalhando o conceito de Pré-História. O que


significa essa expressão? Não havia história antes da escrita? Estas são perguntas que muitos
historiadores já fizeram e continuam fazendo na atualidade. A primeira impressão que
temos é que não havia história antes da escrita. Mas isto é um engano. Esta concepção de
pré-história está bastante relacionada com um determinado conceito de História, elaborado
por historiadores, sobretudo europeus, a partir da segunda metade do século XIX. Diziam
eles que a História seria uma ciência objetiva, orientada para o estudo do passado por meio,
única e exclusivamente, dos documentos escritos, de preferência os oficiais emitidos pelo
Estado.
Como para eles a História só poderia ser escrita por meio dos documentos escritos,
chegava-se facilmente à afirmação de que o marco inicial da História “propriamente dita”
seria a invenção da escrita. No entanto, sabe-se hoje que, em diferentes regiões do mundo,
a escrita começou a ser usada em momentos diferentes. Então, se aceitarmos o argumento
dos nossos historiadores do final do século XIX, a História também teria que começar em
diferentes momentos em cada uma das partes do mundo. Nada mais estranho, não acha?
Segundo Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noelli, a Pré-História compreende os
últimos 100 a 200 mil anos, justamente o período em que existe a espécie humana (Homo
sapiens sapiens), bem como os milhões e milhões de anos que antecedem o seu surgimento,
nos quais viveram na terra os hominídeos, espécies que se acredita terem antecedido a
nossa. Ainda segundo estes dois autores, todo este período de Pré-História corresponde
a mais ou menos 99,9% da trajetória histórica do homem na terra. Dito isto se impõe o
seguinte questionamento: como podemos negligenciar tão vasto passado, considerando
como a História propriamente dita apenas algo em torno de 0,1% do tempo da existência
do homem e de seus ancestrais na terra, que corresponde ao período em que a escrita
existe?(Cf. FUNARI, NOELLI, 2002, especialmente a p.13)
De modo diferente, acreditamos que desde o aparecimento do homem na terra
que o mesmo tem registrado, ao seu modo, muitas interpretações e representações acerca
de todos os elementos que lhe rodeiam. Estas interpretações e representações eram feitas a
partir de outros caracteres e concepções de mundo bem diferentes das que utilizamos hoje
em dia. Nesse sentido, para que pudessem representar o cotidiano e as práticas culturais,
os primeiros homens que habitaram a terra, lançavam mão de formas de representação
outras, diferentes da nossa escrita: desenhos nas rochas e cavernas, nas árvores e até
mesmo na própria terra. Estas, além de representarem o cotidiano e as práticas culturais e
religiosas destes grupos humanos, constituíam uma maneira que os homens tinham para se
comunicar uns com os outros antes da invenção do alfabeto (aproximadamente 4.000a.C,
momento em que um grupo de pessoas da Suméria desenvolveu a escrita denominada
cuneiforme). São imagens cheias de signos, de comportamentos, de vivências.

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Pré-História

O cotidiano do Homem na Pré-História

Frequentemente, fala-se do “homem das cavernas” como se o homem primitivo tivesse vivido
principalmente dentro das profundezas das grutas. Na verdade, ele viveu, sobretudo, na entrada
de cavernas ou em abrigos sob as rochas – inclinações formadas pela erosão nos arenitos, nos
calcários e nos basaltos. Mas se não tivessem sido melhoradas, as entradas das grutas ou as
inclinações seriam abrigos bem deficientes contra o frio glacial. Na realidade, esses homens eram
mestres artesãos, que aproveitavam a pedra ao máximo. Pode-se imaginar que os homens pré-
históricos construíam tendas de pele ou cabanas nesses abrigos.

Em tais cabanas ou em suas proximidades encontravam “lareiras”, por vezes simples locais onde se
acendia o fogo. Nas regiões quentes, o arranjo das grutas e abrigos era sem dúvida mais simples,
sendo as cabanas substituídas por simples anteparos contra o vento.

Mas também se conhecem acampamentos ao ar livre em regiões frias: ou situavam-se em zonas


onde não havia grutas, ou eram acampamentos provisórios de verão. Variam desde a simples
cabana redonda até grandes e complexas habitações. Muitas vezes os apetrechos pré-históricos
são mistos, sendo os utensílios finos feitos de sílex ou obsidiana (pedra de vulcões, com aparência
de vidro), e os mais grosseiros de basalto, quartzo ou quartzito. O homem sabia escolher o material
de acordo com o uso ao qual o utensílio se destinava.

Texto adaptado de BORDES, François. A vida cotidiana na Idade da Pedra. O Correio da Unesco,
1972.

Ao longo dos séculos, os homens foram superando determinadas dificuldades


físicas, se acostumando ao ambiente em que viviam e ampliando, paulatinamente, suas
condições de sobrevivência. Criaram e inventaram muitas coisas. Aos poucos, criaram
objetos e soluções a partir de suas necessidades básicas com o objetivo de resolverem os
problemas da vida. Utilizando toscos instrumentos, como facas de pedra denominadas sílex,
pontas de lanças, ossos e chifres de animais, o homem primitivo começou a esgravatar
Atenção
as paredes da caverna e desenhar diversas figuras: ursos, lanças, homens. Ali estava
representada uma de suas façanhas: “Matei um urso com minha lança1”.
1
DONATO, Hernani. A
palavra escrita e sua O fogo, por exemplo, foi uma das grandes descobertas dos homens pré-históricos
história. 2 ed., São que contribuíram para mudar seu estilo de vida e seus hábitos de caçar e coletar. Com o
Paulo: Melhoramentos,
1951; fogo, eles podiam afugentar animais, aquecer o próprio corpo e cozinharem seus alimentos,
dando-lhes maior sabor e durabilidade, além de permitir, posteriormente, a fundição de
metais.

A Escola dos Annales é um movimento historiográfico que se formou a partir de 1929 na França
com o objetivo de renovar o saber acadêmico, utilizando métodos das Ciências Sociais e aplicando-
os à História.

Idealizada por Lucien Febvre e Marc Bloch, a Escola objetivava superar a visão positivista da história
como crônica de acontecimentos, substituindo o tempo breve da história dos acontecimentos pelos
processos de longa duração. Além disso, os Annales renovaram e ampliaram o quadro das pesquisas
históricas ao propor a abertura da História para o estudo de atividades humanas até então pouco
pesquisadas, rompendo com o isolamento da História e pregando a interdisciplinaridade.

DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo: Edusc, 2003.

No século XIX, muitos historiadores passaram a se preocupar com a história dos


povos ágrafos (“povos sem escrita”), embora muitos defendessem a ideia de que não era
possível escrever a história dos homens mediante documentos não-escritos. Pata tanto,

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Pré-História

alguns destes pesquisadores organizaram a História cronologicamente, pensando-a a


partir de marcos temporais como: Pré-História, História Antiga, História Medieval, História
Moderna e História Contemporânea, geralmente tendo a Europa como o centro do mundo
e dos desdobramentos históricos (concepção que pode ser defendida pelo conceito de
eurocentrismo). Em outros momentos, estudaremos as demais periodizações, porque agora
nos deteremos apenas à Pré-História.
Os historiadores europeus inventaram o conceito de “pré-história”, defendendo
que o mesmo compreendia o período da espécie humana antes da invenção da escrita. No
entanto, novas correntes históricas que emergiram no século XX perceberam que escrever a
história é um exercício que se faz mediante vários documentos, sejam estes escritos, orais,
iconográficos, sonoros e arqueológicos, como desenhos, gravuras em pedras (litogravura
ou inscrições rupestres), machadinhas, peças de cerâmica, fogões, fósseis diversos, dentre
outros que relatam um pouco da história dos costumes desses povos e de sua relação com
a natureza e com outros homens, conforme podemos verificar na imagem reproduzida
abaixo:
Dessa forma, o pensamento sobre como se escreve a história vai se desenvolvendo,
ocorrendo a ampliação das fontes para o historiador. Desenvolve-se, principalmente a
partir de 1930, com a criação de uma escola de pensamento historiográfico denominada
de Escola dos Annales, a multiplicidade de olhares interdisciplinares sobre a pré-história,
com destaque para a Arqueologia, a Antropologia, a Biologia e a História. Assim, o período
pré-histórico deixou de ser visto e dito como uma época sem documentos e sem registros
humanos e passou a ser enxergado como um momento de importantes produções humanas.
Isto se deu porque à medida que se ampliava o diálogo da história com outras
disciplinas, novos temas eram admitidos como possibilidades de pesquisa histórica. Por
outro lado, a ampliação deste espaço temático, de modo a abarcar temas outros que não
apenas as “tradicionais” narrativas históricas sobre economia e política, também tornou
importante ampliar a noção de documento histórico, pois muitas destas temáticas novas
não poderiam ser pesquisadas apenas através de documentos escritos e oficiais produzidos
pelo Estado, suas instituições, líderes e funcionários.
E é nesse contexto de surgimento de novas perspectivas de produção do
conhecimento histórico, e da tríplice ampliação temática, documental e interdisciplinar
pelos quais passou a história, que os historiadores passaram a compreender a Pré-História,
com suas fontes não-escritas, através de outros ângulos e perspectivas, destacando as ricas
possibilidades de se escrever a história de grupos humanos ágrafos por meio de fontes não-
escritas.
Muitas pesquisas foram feitas e continuam sendo realizadas por estudiosos de todo
o mundo representando as artes de viver em cavernas, o nomadismo, os rituais, as festas e
as formas de alimentação desses homens e mulheres. Ler e escrever a história a partir de um
novo olhar resultou em uma grande contribuição para a renovação do saber historiográfico.

Escrita da História

Como se escreve a história? Talvez você já tenha feito esta pergunta algum dia.
Durante muito tempo, aprendemos na sala de aula que apenas alguns escreviam história:
eram os historiadores profissionais. E mais, também aprendemos que apenas alguns faziam
a História: eram os grandes líderes políticos, os chefes de estados e nações, os afamados
estadistas e os membros das elites econômicas, políticas e culturais. Os demais eram
anônimos ou então figuravam em pequenas notas de rodapé.
Mas as mudanças na compreensão do saber histórico afetaram a sociedade de
tal forma que hoje todos são vistos como “construtores da história” e como escritores

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Pré-História

de história. Eu, você, nossos amigos e parentes, todos nós enfim, em nosso dia a dia,
elaboramos acontecimentos que poderão ser escritos em livros, cadernos, agendas,
blogs, Orkut e outras formas de documentação. Quando registramos nossos atos ou o
que as outras pessoas fazem, estamos escrevendo história e elaborando documentos que
falarão sobre nossa época, nossos sentimentos, valores e desafios. Deixamos de ser meros
espectadores e nos tornamos agentes, inventores, construtores de narrativas históricas.
Quando os homens da pré-história desenhavam cenários ou pintavam rochas, assim como
nós, estavam deixando suas marcas, suas leituras de vida e sobre a vida para a posteridade.
A história era contada de maneira muito simples, muitas vezes sem uma temporalidade
linear, mas mesmo assim isto também é história.
A história é um campo de conhecimento cuja preocupação primordial é registrar
acontecimentos do passado, escrever sobre os homens no tempo e no espaço, suas culturas
e valores. Cada pessoa que registra um acontecimento histórico faz isso de modo diferente,
pois a subjetividade de cada um está presente em nossos escritos e em nossas leituras.
Como afirmou o historiador Marc Bloch, a “nossa arte, os nossos monumentos literários,
estão cheios dos ecos do passado; os nossos homens de ação têm a boca cheia das lições do
passado, reais ou imaginárias” (BLOCH, Marc. 1989, p.12). Bloch argumenta que a escrita da
história tem como objeto os homens. É importante perceber que para esse historiador, por
detrás dos traços sensíveis de uma paisagem, dos utensílios utilizados pelos homens antes
ou depois da escrita, por detrás dos documentos escritos ou desenhados, por detrás de cada
machadinha ou flecha que os nossos ancestrais utilizavam, a história pretende apreender e
estudar os homens (1989, p.29).
Um historiador chamado Eduard Carr, certa vez afirmou em seu livro O Que é
História (São Paulo: Paz e Terra, 1996) que os acontecimentos ou fatos históricos jamais
falam por si, pois constantemente são interpretados e resignificados. Um historiador pode
selecionar um evento para estudo que passe totalmente despercebido por outro, ou seja,
não apenas a interpretação é pessoal, mas a própria escolha dos fatos também o é. Isto
ocorre também com as leituras que fazemos da Pré-História, pois existem diversas teorias
sobre a origem do homem e do universo. Não existem versões consensualmente tidas como
importantes. Assim sendo, um cristão poderia reescrever a história da humanidade pelo
ponto de vista do Criacionismo ao invés do ponto de vista Evolucionista (iremos estudar
estas teorias mais adiante). Cada teoria assinala que a visão sobre a história depende da
interpretação, das escolhas próprias que alguém pode fazer. Dessa forma, as interpretações
“evolutivas” ou “criacionistas” da história não são melhores ou piores por si mesmas. Para o
historiador E. Carr, o sentido da história é o sentido que lhe atribuímos.

Revisão

Este capítulo foi fundamental para aprendermos sobre esse momento histórico tão
importante para o homem na terra: a Pré-História, um campo de conhecimentos mediante
o qual entramos em contato com um pouco das muitas realizações feitas por nossos
antepassados distantes. Mostramos que desde o aparecimento do homem na terra que o
mesmo tem registrado, ao seu modo, muitas interpretações e representações acerca de
todos os elementos que lhe rodeiam. Estas interpretações e representações eram feitas a
partir de outros caracteres e concepções de mundo bem diferentes das que utilizamos hoje
em dia. Nesse sentido, para que pudessem representar o cotidiano e as práticas culturais, os
primeiros homens que habitaram a terra lançavam mão de formas de representação outras,
diferentes da nossa escrita: desenhos nas rochas e cavernas, nas árvores e até mesmo na
própria terra. Neste capítulo, vimos também que ao longo dos séculos, os homens foram
superando determinadas dificuldades físicas, se acostumando ao ambiente em que viviam e

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Pré-História

ampliando, paulatinamente, suas condições de sobrevivência. Criaram e inventaram muitas


coisas, dentre elas novas formas de “escrever” a História. Aos poucos, criaram objetos e
soluções a partir de suas necessidades básicas com o objetivo de resolverem os problemas
da vida. É isso! Desde os primórdios que o homem procura resolver problemas!!!

De Olho nas Pesquisas

O Piauí pré-histórico de Norte a Sul

Graças ao trabalho árduo de pesquisa e preservação iniciado pela arqueóloga


paulista Niéde Guidon, no semi-árido piauiense que, no final dos anos 1960, descobriu um
tesouro arqueológico entre os municípios de São Raimundo Nonato, Coronel José Dias,
Brejo do Piauí e João Costa. O lugar ficou conhecido no mundo inteiro: Parque Nacional da
Serra da Capivara, declarado pela Unesco, em 1991, Patrimônio Cultural da Humanidade.
Na Serra da Capivara, foram encontrados vestígios da existência do homem há
cerca de 50 mil anos. Tamanha riqueza atraiu a atenção de arqueólogos do mundo inteiro,
além da imprensa nacional e internacional. Pela primeira vez havia evidências científicas
Você Sabia?
de que o homem penetrou no continente americano muito antes de 12 mil anos, como
afirmavam os pesquisadores. Essa teoria, levantada por Guidon, ainda gera muita polêmica
2
O conto é um gênero
junto à comunidade científica internacional.
textual de ficção,
Para Maria Conceição Lage, a primeira doutora piauiense em Arqueologia, refazer no qual representa
os acontecimentos
a história dos nossos antepassados, a partir de pequenos achados, cacos que o tempo não humanos. É uma prosa
destruiu, é fundamental para o homem moderno, que passa a descobrir a sua origem. breve que se caracteriza
“Imagine identificar como eram os nossos ancestrais, como viviam e o seu desenvolvimento por apresentar a
narratividade como
no tempo, isso é valioso”, afirma. (Adaptado de: Sapiência, n. 5, ano II, março de 2004).
marca essencial.
Outros elementos
estruturais acentuam
as especificidades
do conto como
Exercícios gênero literário: o
reduzido número
de personagens; a
concentração do
1. O comentário é uma reflexão que realizamos sobre um assunto ou temática. É a espaço e do tempo
nossa opinião baseada em leituras e na nossa própria formação. Partindo desse em um único relato;
conceito, pedimos que você elabore um comentário sobre a frase abaixo: e a ação que tende
à simplicidade e à
“Para representar o cotidiano e as práticas culturais, os primeiros linearidade. Um texto,
portanto, conciso
habitantes lançavam mão de desenhos nas rochas e cavernas, nas
e breve que busca,
árvores e até mesmo na própria terra”. na “economia” das
palavras, denunciar
O seu comentário deve contemplar: a) o que os homens da pré-história registravam a condição de
de suas vidas e do seu dia a dia; b) como esses homens pintavam e desenhavam rapidez a que se
o que viam ou ouviam falar; c) como registramos o nosso cotidiano hoje; d) que encontra submetido.
Sua dimensão de
marcas deixamos em nossos cadernos, agendas, blogs, diários, fotografias.
complexidade se dá na
2. Para a grande maioria dos historiadores, a descoberta do fogo foi a grande invenção profundidade do que
foi dito, provocando
do período paleolítico. Imagine que você e a sua família viveram naquele período uma unidade de efeito,
onde a sobrevivência era uma conquista diária. A partir de suas representações, condição basilar de
elabore um conto2 no qual apareçam as transformações que essa invenção causou sustentação semântica.
Ler mais: http://www.
na vida de seus familiares.
luso-poemas.net

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Pré-História

3. Use sua imaginação e construa um final para a história abaixo:


Jebel era uma criança com aproximadamente oito anos de idade. Era nômade e
morava em uma caverna. Isto aconteceu há aproximadamente 4000 anos a.C. Certo
dia, Jebel foi caçar com os seus irmãos. Por sugestão do seu irmão mais velho, cada
um foi para uma direção à procura das presas. Quando deu a hora de voltar para
casa, pois o sol começava a declinar, todos os irmãos voltaram ao lugar que haviam
combinado de se encontrarem. Mas Jebel não voltou...
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
4. Folheando o álbum do meu filho de quase dezesseis anos de idade, percebo quão
preocupado estou em registrar sua existência, mesmo antes do seu nascimento.
Entre as dezenas de fotos, estão momentos que foram por mim selecionados para
que, mais adiante, ele os identifique como sua História. Essa preocupação com a
imagem também fazia parte da vida dos homens pré-históricos, que desenhavam
em cavernas e em outros materiais líticos as representações que tinham sobre o
viver. Imagine que você é um homem ou uma mulher que viveu naquele contexto
e que gostaria de deixar um “álbum de imagens” para os seus descendentes. Dessa
forma, faça um álbum com imagens (coladas e/ou desenhadas) da pré-história,
escrevendo em baixo de cada imagem uma legenda (pequeno texto explicativo
sobre a referida imagem)

Para assistir...

2001 – uma odisseia no espaço


O filme “2001: Uma Odisseia no Espaço” discute questões que fazem referência ao ser humano
e ao seu comportamento junto ao meio ambiente e à sociedade dita primitiva. No começo
da narrativa fílmica, é posta em evidência o desenvolvimento da espécie humana, através do
subtítulo “A Aurora do Homem”. São mostradas espécies de macacos que, conforme a teoria
evolucionista, posteriormente se transformaram em Homo Sapiens, devido à faculdade de dar
significado às coisas. Esses macacos apresentam atitudes primordiais, como a competição pelos
recursos naturais e pela sobrevivência. O filme apresenta uma cena na qual dois grupos rivais de
macacos disputam um recurso necessário a ambos: a água.
Em seguida, o filme aborda o fato de que o homem utiliza o meio ambiente e o que ele
proporciona para se tornar cada vez mais desenvolvido. A cena que demonstra isto de forma
precisa é aquela na qual um dos macacos aprende a usar um osso de um animal morto como
ferramenta para facilitar suas atividades. Ao transformar o osso em uma ferramenta, como arma
para o combate, o homem-macaco torna-se humano. De forma consciente, utiliza o osso para
matar o inimigo. A competição entre os rivais privilegia aquele que faz melhor uso da natureza:
o grupo que tinha aprendido a utilizar o osso usou-o como arma para eliminar o seu rival na
disputa pelo recurso natural. A teoria da evolução é, então, posta em evidência, na medida em
que os recursos proporcionados pela natureza, no caso o osso, permitem o desenvolvimento de
invenções humanas que o ajudam a vencer o conflito na busca por mais recursos naturais.
O diretor de “2001” faz então um corte, uma mudança de cena, que representa a evolução
humana: o macaco atira o osso ao ar e este aparece no futuro como uma nave espacial. O
homem que evoluiu do macaco viaja no espaço através do uso da natureza em proveito próprio.
(Resenha adaptada de FLANEUR, André. A relação entre “A Aurora do Homem”, primeira parte do
filme “2001: Uma Odisséia no Espaço”, e o Meio Ambiente. Disponível em: http://andreflaneur.
blogspot.com. Acessado em 15 de fev. 2011)

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Pré-História

Para navegar...

Museu de História Natural de Londres. Disponível em: <http://www.nhm.ac.uk>

Dicionário de termos históricos


Alteridade: é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo homem
social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e
cientistas sociais afirmam a existência do “eu-individual” só é permitida mediante um
contato com o outro.
Cuneiforme: é a designação dada a certos tipos de escrita elaborados com auxílio
de glifos em formato de cunha. É, juntamente com os hieróglifos egípcios, o mais antigo tipo
de escrita, tendo sido elaborado pelos sumérios na região da antiga Mesopotâmia por volta
de 4000 a.C. É considerada a mais antiga língua humana escrita conhecida. A sua invenção
deve-se às necessidades de administração (cobrança de impostos, registro de cabeças de
gado, medidas de cereal, dentre outros.)
Machadinha: instrumento pré-histórico utilizado tanto para corras quanto para
raspar.

13
Pré-História

Capítulo 02 – Assim caminham os


homens no tempo e nos espaços...

Objetivos:

Este capítulo tem como objetivos principais:

» Problematizar as teorias explicativas acerca da origem do homem e do universo.


» Analisar os diversos estágios de desenvolvimento do homem na terra.

Sobre as origens do homem e seus estágios de


desenvolvimento na terra
De onde viemos? Qual é a nossa origem? Para onde vamos? Quando surgiram os
primeiros homens? Será que um Deus criador nos fez a sua imagem e semelhança? Eis alguns
dos questionamentos que tanto inquietam a humanidade. E você, enquanto parte dela, em
algum momento, também deve ter pensado nisso ou até mesmo ter um posicionamento.
Frequentemente, estamos ouvindo essas perguntas em nossas discussões ou através de
programas televisivos ou radiofônicos. Ateus e religiosos, cristãos e muçulmanos, judeus e
budistas, todos apresentam as suas indagações e respostas. Uns constroem a terra como o
paraíso, outros buscam o céu como terra da promissão, a exemplo dos cristãos, dos judeus
e de outros religiosos que acreditam na existência de um Deus Eterno. É normal que nós
tenhamos dúvidas a respeito de onde viemos e para onde vamos. Afinal, somos habitantes
temporários do planeta terra. Cedo ou tarde o deixaremos.
Por não haver uma opinião única e uma teoria “vencedora” a respeito do assunto,
nessa aula, tentaremos trazer ao seu conhecimento algumas das teorias que explicam a
origem da humanidade. Dentre elas, daremos destaque a que tem como norte explicativo
o desenvolvimento do ser humano, por entendermos que é a mais aceita entre os
especialistas. Então, vamos à aula!
Muitas teorias apresentam versões diferentes sobre o surgimento do homem.
Neste capítulo, iremos estudar algumas delas, tais como o Evolucionismo e o Criacionismo.

Teoria Criacionista
Atenção
“No principio, criou Deus os céus e a terra...3” Assim começa o livro de Genesis, o
3
Gênesis 1:1 primeiro da Bíblia, narrando a criação do mundo por Iavé. Em outro trecho, o autor do livro
continua a descrição dos feitos: “Então, formou o senhor Deus ao homem do pó da terra
e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente4”. Este
Atenção
último versículo é uma narrativa suficiente para que você compreenda o posicionamento
da Teoria Criacionista, que entende que o homem foi originado da criação sobrenatural de
4
Gênesis 2:7
um Ser divino. Essa tese tem como adeptos, sobretudo, a população que apresenta vínculos
para com as religiões monoteístas como o Islã e o Judaísmo, além das que derivam do
cristianismo, a exemplo do Catolicismo e do Protestantismo.
Durante séculos, o texto bíblico era aceito como o único documento de explicação
criacionista. Porém, no século XX, diversos cientistas cristãos começaram a fazer pesquisas
para comprovarem a veracidade da narrativa bíblica. Este grupo de estudiosos ficou

14
Pré-História

denominado de “criacionistas modernos” e está espalhado por todo mundo, inclusive no


Brasil. Eles procuram apresentar, cientificamente, a existência de um Criador responsável pela
formação do planeta e dos seres vivos. Dessa forma, as organizações científicas coordenadas
pelos criacionistas, têm crescido significativamente. Em sua maior parte, são compostas por
equipes multidisciplinares, constituídas por biólogos, historiadores, arqueólogos, físicos,
químicos, geólogos, entre outros pesquisadores, os quais produzem material de divulgação
(livros, CDS, DVDs, blogs, sítios eletrônicos, cartilhas). Estas organizações também batalham
pela inserção da teoria criacionista nas escolas. A Sociedade Criacionista Brasileira e a
Associação Brasileira de Pesquisa da Criação são entidades brasileiras que publicam a
grande maioria da literatura voltada para a defesa do criacionismo.
Saiba Mais
A grande maioria dos criacionistas adota a bíblia como fonte explicativa, mas já
existem diversos livros científicos que destacam essa teoria5. Outros adotam o Corão, livro 5
SILVA NETO,
sagrado dos muçulmanos. Em uma das passagens, lemos: Christiano. Origens - a
verdade objetiva dos
“Alá foi quem estabeleceu as duas massas de água; uma doce e fatos. São Paulo: SBC,
saborosa, e a outra é excessivamente salgada, e estabeleceu entre 2009; FLORI, Jean;
ambas uma linha divisória e uma barreira intransponível. Foi Ele quem ASOLOFOMASOANDRO,
criou os humanos da água, aproximando-os, através da linhagem e do Henri. Em busca das
casamento; em verdade, o teu Senhor é Onipotente” (Alcorão, 25; 53- origens: Evolução ou
Criação. São Paulo:
54). Safeliz, 2002
Porém, em decorrência das críticas científicas apresentadas a esta tese, bem como
em função das observações feitas pelo mundo acadêmico, logo emergiram outras teorias,
como a Teoria Evolucionista de Charles Darwin, segundo a qual os organismos vivos passam
por constante processo de modificação motivado pelas condições naturais.

Teoria Evolucionista

O que é a teoria do evolucionismo? Para compreendê-la, vamos voltar um pouco no


tempo e visitarmos o século XIX. Um grande cientista, chamado Charles Darwin, começou a
estudar as transformações das espécies. Em seus estudos, o mesmo concluiu que os seres
vivos são fruto de um longo e demorado processo de evolução, de desenvolvimento. O
que Darwin argumentava? Para ele, os homens e os demais seres vivos se transformaram
de formas mais simples para formas mais bem desenvolvidas. Mas não param por aí. Para
esse cientista, as espécies continuam evoluindo, sofrendo mudanças em sua forma de ser e
viver. Como ocorreram (e ocorrem) várias mudanças no meio ambiente, os seres vivos que
conseguiram se adaptar aos ciclos de transformações, estes sobreviveram e evoluíram, à
proporção que iam sumindo da terra os que não conseguiram se adaptar. Darwin denominou
este processo de seleção natural das espécies. Esta teoria é a mais aceita pela comunidade
científica como a melhor explicação para a adaptação das espécies.
No século XIX, ao realizar estudos comparativos entre espécies que viviam em
lugares diferentes, Darwin percebeu semelhanças entre elas, bem como em relação a outros
seres vivos que já não existiam mais. Depois de estudar muito tais comparações, o mesmo
concluiu que os seres vivos passam por processos constantes de modificação através da
influência do meio e das condições naturais, sobrevivendo apenas aqueles que melhor se
adaptam ao ambiente em que vivem. Isto foi interpretado pelo cientista como um tipo de
competição na qual os mais resistentes às novas situações sobrevivem. Para ficar mais clara
esta explicação, basta que você imagine ser colocado numa ilha deserta, longe da sua casa e
de todo conforto que a vida moderna nos dispõe. Para que você sobrevivesse em um lugar
como esse, as dificuldades seriam elevadas, pois você teria que procurar a comida, a água,
as formas de se proteger do frio e de todas as adversidades naturais. A sua sobrevivência
dependeria do seu esforço, ou pelo menos assim diria Darwin.

15
Pré-História

Ao demonstrar essa evolução por meio de vestígios encontrados na própria


natureza, Darwin também contribuiu com a concepção de que os seres vivos caminham
de estruturas mais simples em direção a organismos cada vez mais complexos, visto que
“evoluem” e, portanto, se desenvolvem. Disso deriva, ainda, a ideia de que as condições
naturais é que teriam dado origem aos seres vivos, sem qualquer intervenção exterior e que,
por meio do processo evolutivo, teria resultado as espécies que temos hoje, incluindo-se
entre elas os próprios seres humanos. Compreenderam a teoria? Segundo os especialistas
no assunto, o evolucionismo é a teoria mais aceita na comunidade científica.
Mas agora você pode estar se perguntando: E daí? Nós evoluímos de que? Darwin,
assim como muitos antropólogos, historiadores e outros estudiosos sobre o assunto
percebeu a grande semelhança entre os humanos e os macacos. Para exemplificar o que
acabo de dizer elenco, a seguir, algumas características dos chimpanzés que, de alguma
forma, guardam certa afinidade com os padrões humanos: semelhança física de conseguir
ficar bípede; punho que se dobra facilmente; estrutura social um pouco mais complexa em
comparação com outros animais “irracionais”; grau de poligamia um proporcionalmente
mais moderado; capacidade de aprender a partir da imitação dos mais velhos, etc. Segundo
Darwin, tantas semelhanças podem ser explicadas em função do princípio de ancestralidade
comum, segundo o qual o homem e o macaco descendem de um mesmo ancestral. Mas
muito cuidado! O cientista não está dizendo que o homem é um descendente direto do
macaco. Ele apenas sugere que ambos possuem o mesmo ascendente que foi extinto.
Explicaremos isso um pouco melhor a seguir.
Mas não vamos falar apenas de semelhanças entre os mesmos. Muitas diferenças
também existem: os chimpanzés não ficam totalmente eretos, pois os pés achatados e a
elevação da bacia não o permitem; o seu cérebro é três vezes menor que o nosso; o queixo
é saliente, dentre muitas outras diferenciações entre o humano e o macaco.
Segundo Darwin, a evolução das espécies começou aproximadamente há 70 milhões
de anos, quando os mamíferos dominavam a terra. Apesar da dificuldade em conhecer
a história evolutiva dos primatas, pela não conservação de seus fósseis, sabe-se que os
seus descendentes, os arborícolas, viveram entre 60 e 40 milhões de anos. Os prossímios,
ancestrais dos macacos, viveram nesse período. Eram espécies que viviam nas matas
subtropicais e colhiam frutos e animais com as mãos. Com o passar do tempo, os prossímios
evoluíram bastante o seu primeiro dedo, fazendo os membros das mãos exercerem funções
antes realizadas pela boca e pelos dentes. A visão também foi desenvolvida, pois esta se
mostrou fundamental para tocar, selecionar e pegar alimentos. Esta evolução acabou
estimulando o desenvolvimento do cérebro.
Por volta de 55 milhões de anos, a América se separou do Novo Mundo e com
isso os descendentes dos prossímios passaram a se desenvolver separadamente. Vamos
Você Sabia? entender isso melhor. Segundo a teoria do alemão Alfred Wegener, há 200 milhões de anos,
a Terra não teria a configuração continental contemporânea. Na verdade, haveria apenas
um único continente denominado Pangeia6, no qual a divisão continental que temos hoje
6
Pangeia é um termo
derivado do grego que (America, Europa, África, Ásia e Oceania) não existia. Então, a partir de um lento processo
significa “toda a terra” de locomoção, esses continentes começaram a se separar, fazendo com que os prossímios
vivessem em lugares diferentes e, portanto, gerassem processos evolutivos também
diferenciados. Isso explica, em parte, as diferenças apontadas acima entre os macacos e o
homem.
Por causa dessa separação dos continentes (que você pode perceber no encaixe
quase perfeito entre as costas dos continentes americano e africano), os prossímios se
adaptaram bem, tendo desenvolvido caldas que permitiam sua fácil locomoção. Nesse
sentido, foi constituída a linha dos cebóides, que não está relacionada à nossa evolução.
Já para os lados do continente europeu, também denominado de “velho mundo”,

16
Pré-História

outra linha, a dos cercopitecóides caracterizou-se por ter perdido a cauda no caminho
da evolução. Uma terceira linha, a dos hominóides, se adaptou melhor à vida terrestre,
originando, dessa maneira, os ancestrais diretos dos antropóides e dos homens. O quadro a
seguir esclarece um pouco o que acabo de afirmar:

Uma possível classificação dos primatas é a seguinte:

Superfamília Ceboidea Macacos do Novo Mundo


Superfamília Cercopithecoidea Macacos do Velho Mundo
Superfamília Hominoidea Antropóides e homem
Família Hilobatedeae Gibão
Família Pongideae Orangotango, chimpanzé e gorila
Família hominideae Homem

Segundo grande parte dos pesquisadores, os primeiros hominóides devem ter


sido organismos não muito especializados. Fisicamente semelhantes ao macaco, viviam
se balançando nas árvores e corriam nas planícies sobre duas pernas. Esses organismos
evoluíram em duas linhas: uma delas originou os antropóides, que usam os braços para a
locomoção; a outra originou os hominídeos, os quais gradualmente abandonaram a vida
nas árvores, passando da posição quadrúpede para a bípede.
Por volta de 20 milhões de anos atrás, no continente africano, viviam os
driopitecíneos. Eles eram muito semelhantes aos antropóides, sobretudo na alimentação
(vegetal) e no aspecto físico. Quando este continente se uniu a Eurásia, esta espécie
evoluiu e originou vários descendentes, dentre os quais destacamos os ramapitecos, que
se multiplicaram na África, Ásia e Europa. As pesquisas que focalizaram o aspecto físico
desses ancestrais humanos, afirmam que, inicialmente, eles desenvolveram a posição ereta,
com pouco aumento cerebral e pouca habilidade no manuseio de instrumentos. Contudo, é
importante ter isto bem claro: esses seres não representam os primeiros humanos, mas os Atenção
humanos mais antigos que se aproximam de nós, conforme a teoria evolucionista, ou, mais
adequadamente, “os humanos mais antigos que se conhecem7”. 7
Sobre esta discussão,
As ideias propostas por Charles Darwin sobre o processo evolutivo dos seres vivos Cf. LIMA, Celso
Piedemonte de.
foram bastante criticadas na época de sua formulação. Porém, hoje são amplamente aceitas Evolução Humana. 2ª
pela maioria dos pesquisadores, uma vez que outras evidências foram coletadas mediante Ed. São Paulo: Ática,
uma série de pesquisas que corroboram a Teoria da Evolução. Dentre tais pesquisas que 2005.
evidenciam a Teoria da Evolução, podemos elencar:

a) O estudo dos fósseis ao longo dos tempos geológicos mostrou um aumento da


complexidade das formas de seres vivos. Isto pode ser visto em diversas pesquisas
que mostram como os seres vivos foram evoluindo ao longo dos anos. No Brasil,
pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (URCA), no Crato-CE, criaram um
Museu de Paleontologia no qual o estudo fóssil é uma das principais atividades do
grupo. O Museu é, atualmente, um dos maiores do gênero no Brasil. Seu acervo
conta com cerca de 10 mil fósseis, incluindo vegetais, invertebrados e vertebrados
e uma das mais ricas coleções de fósseis do período Cretáceo, com destaque
para peixes e pterossauros. Sobre a complexidade das formas dos seres vivos, é
importante destacar que no Museu de Paleontologia da URCA se encontram fósseis
que preservam tecidos moles, fato raro na Paleontologia Mundial.
b) As características apresentadas por sucessivas gerações, dentro de uma espécie, são
herdadas das gerações antecessoras. As cobras cascavéis (Crotalus), por exemplo,
apesar de extremamente venenosas, causam poucos acidentes a humanos quando
comparadas com outras espécies. Este fato se deve ao ruído de seu “chocalho”, um
tipo de “sininho” que avisa sua proximidade e ajuda suas vítimas a perceberem

17
Pré-História

sua presença. No entanto, mesmo avisando suas “vítimas”, as cascavéis têm sido
caçadas e mortas continuamente. As pesquisas científicas dos últimos anos têm
observado que as cobras cascavéis têm ficado mais silenciosas. Por que isto ocorre?
Ocorre porque, conforme a Teoria da Evolução, as características apresentadas
pelas cascáveis antecessoras, em relação ao silêncio, foram herdadas pelas novas
gerações, ou seja, as variedades mais silenciosas foram selecionadas positivamente.
Isto é suficiente para que você compreenda um pouco da nossa história evolutiva.
Que tal agora alguns exercícios para uma revisão de tudo que foi visto? Vamos trabalhar as
faculdades cognitivas?

Exercícios

1. Vamos imaginar que você é um famoso historiador e foi convidado pela Revista de
História da Biblioteca Nacional da Espanha a escrever um pequeno artigo sobre A
história do desenvolvimento humano ao longo dos anos. De acordo com as normas
editoriais da Revista, você precisa redigir o artigo da seguinte forma: a) título em
maiúsculas, seguido do nome do autor; b) até quatro mil caracteres com espaços,
organizados em Introdução, desenvolvimento, considerações finais e referências
bibliográficas.
2. Abaixo apresentamos dois argumentos diferentes, sendo o primeiro escrito por um
defensor do criacionismo e o segundo por alguém que acredita no evolucionismo.
Analise cada uma das teses apresentadas pelos autores e, em seguida, escreva um
terceiro argumento, mostrando as conclusões você chegou após as suas leituras
sobre essa temática desenvolvidas ao longo deste capítulo.

Argumento I

Em defesa do criacionismo

É difícil acreditar no evolucionismo. Ou seja, na série fantástica de transformações


que somos forçados a imaginar que teriam ocorrido em um passado distante.
Mas o que mais preocupa é que, habituadas a consumir as “verdades” ditadas
pela TV e por outros meios de comunicação, as pessoas não duvidam das informações
que recebem. E nem imaginam as dificuldades científicas para provar que as mudanças de
que falam os evolucionistas de fato ocorreram. O mesmo acontece com os cientistas que
aceitam a teoria evolucionista em questionamento.
A razão disso é que os evolucionistas acreditam ter respostas definitivas para três
importantes perguntas. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?
Com isso, a teoria da evolução passou a ser considerada a única explicação racional,
e a crença em um Criador inteligente, que planejou tudo nos mínimos detalhes, foi sendo
deixada de lado.
Por que abandonar a hipótese da existência de um Criador? Não seria irracional
eliminar a única alternativa para se responder àquelas três importantes perguntas?
Felizmente, à medida que fazem novas descobertas, os cientistas vêm mudando sua
postura em relação ao surgimento da vida, fenômeno até hoje inexplicável. Com os avanços
da Biologia Molecular, por exemplo, vem se constatando a perfeição do planejamento de
todos os níveis da vida.
Assim, essas descobertas recentes da ciência só têm aumentado a nossa convicção

18
Pré-História

na existência de um Deus criador “dos céus, e de tudo que neles há”.


(VIEIRA, Ruy Carlos de Camargo Vieira - Presidente da Sociedade Criacionista
Brasileira).

Argumento II

Em defesa do evolucionismo – Texto II

A vida na terra é um rio que começou a correr há 3,5 bilhões de anos e chegou até
nós, no meio de uma diversidade espetacular: leões, mosquitos, coqueiros, algas marinhas
e dezenas de milhões de outras espécies.
Veja o caso dos dinossauros. Dominaram o planeta por mais de 200 milhões de
anos e sumiram num piscar de olhos, varridos por um meteoro que abriu uma cratera de
dez quilômetros no México(…)
Indiferente à tragédia dos desaparecidos, o rio da vida seguiu seu destino impiedoso
de formar novas espécies e abandoná-las à própria sorte. Estima-se que as 30 milhões de
espécies que existem hoje correspondam apenas a 1% das 3 bilhões que já existiram. O
resto foi extinto.
Há uma fração de minuto evolucionário, na África, surgiu um primata diferente dos
macacos comuns: era grande e não tinha rabo. Esse ancestral teve vários descendentes:
orangotango é o mais velho, apareceu há 12 milhões de anos. Depois nasceu o gorila (8
milhões), seguido pelo homem (5 milhões) (…)
Com os chimpanzés, por exemplo, compartilhamos mais de 98% dos genes. A
explicação para serem eles quem são e nós o que somos fica por conta de menos de 2% dos
100 mil genes que constituem nosso patrimônio genético.
(Adaptado de VARELLA, Drauzio. Macacos. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 8-10.)

Argumento III

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Revisão

Neste capítulo, estudamos um assunto muito importante e instigante em Pré-


História: a origem do homem. Este é um dos temas mais polêmicos na História, pois
não existe, ainda, uma teoria definitiva sobre tal assunto. A mais aceita de todas é a
evolucionista, porém ainda há muitas dúvidas sobre a mesma. A teoria criacionista vem
ganhando visibilidade nos últimos anos, principalmente com a criação de grupos de pesquisa
em universidades e de revistas especializadas que divulgam resultados científicos que
comprovam a teoria criacionista. Você, aluno ou aluna de História, pode estudar cada uma
delas e escolher a que melhor lhe convence. A história, como você sabe, é muito dinâmica.

19
Pré-História

As pesquisas arqueológicas estão descobrindo, a cada dia, novas coisas. Talvez você se torne
um famoso arqueólogo que irá descobrir novas teorias sobre a origem da vida.

Dicionário de termos históricos


Arborícola: conceito que serve para descrever animais cuja vida se dá
principalmente nas árvores, tais como muitos primatas, aves, cobras e insetos. Os macacos
e gorilas também são arborícolas. O mais arborícola é o gorila do ocidente.
Cretáceo: na escala de tempo geológico, o Cretáceo é o período que está
compreendido entre 145 milhões e 500 mil anos atrás, aproximadamente.
Prossímios: são uma antiga subordem de primatas que se caracteriza por seus
proeminentes focinhos e longas caudas e, nas espécies mais primitivas, por uma tendência
à disposição lateral dos olhos.
Pterossauros: os pterossauros constituem uma ordem extinta da classe Reptilia,
que corresponde aos répteis voadores do período Mesozóico. Embora sejam seus
contemporâneos, estes animais não eram dinossauros.

Ampliando o debate

Sugestão de documentário:

Vida e obra de Charles Darwin

O que seria da humanidade sem a compreensão sobre suas origens a partir da


Teoria da Evolução de Charles Darwin? Este documentário mostra a trajetória do naturalista
inglês desde sua juventude, passando pela sua fascinante viagem ao redor do mundo
abordo do navio real HMS Beagle que o levou até a chegada ao arquipélago de Galápagos.
Dessa intensa jornada, nasceu a Teoria da Evolução das Espécies, que revolucionou o
mundo científico. Mas, até alcançar esse feito, Darwin trabalhou em segredo anos a fio,
pois os conceitos que pesquisava iam contra a ciência e a moral de sua época. Sua teoria foi
finalmente posta em público através da obra “A origem das espécies”, publicada em 1859.
Atualmente, a teoria da evolução constitui o principal conceito chave para a compreensão
de inúmeros fenômenos biológicos e  estudada até hoje por cientistas em todo o planeta.

Para Navegar...

http://abpc.impacto.org/

20
Pré-História

Capítulo 03 – O Gênero Homo na Escala


Biológica

Objetivos:

» Refletir acerca do desenvolvimento do homem na terra;


» Problematizar como a teoria evolucionista explica os estágios de desenvolvimento
do homem;
» Compreender como o gênero homo andou, habitou e desenvolveu instrumentos de
caça, bem como armas para sua própria defesa.
Provavelmente muitos de vocês, no sofá de sua sala ou no conforto da poltrona e
do ar-condicionado do cinema, já assistiram as agruras passadas por Chuck Noland (Tom
Hanks), no filme Náufrago, inspirado no famoso livro de Daniel Defoe, intitulado Robson
Crusoé. As cenas do filme retratam o quão somos dependentes das descobertas dos nossos
antepassados. Da técnica de produzir fogo, das ferramentas mais simples como uma faca
para abrir um côco, dos instrumentos odontológicos para cuidar de um dente latejante de
dor, das redes de pesca, e de centenas do outros objetos que deixam a nossa vida mais
fácil. Fazendo uma “viagem” no tempo, o personagem vivido pelo ator Tom Hanks ilustra
um pouco das dificuldades que o homem teve que passar (biológico e socialmente) para
chagarmos até aqui.
Este capítulo, portanto, irá narrar algumas dessas descobertas que foram tão úteis
para o personagem Chuck Noland. Até o capítulo anterior, estudamos um pouco sobre as
teorias que explicam o surgimento do homem na terra. Estudamos, também, um conceito
muito utilizado na biologia para explicar os estágios de desenvolvimento humano: o
conceito de evolução. Este conceito é constantemente utilizado pelos cientistas em suas
mais diversas explicações. Porém, é bom deixar claro que nenhuma dessas teorias é aceita
plenamente pela comunidade científica. Todas são contestadas pelos mais diversos motivos.
Uma coisa, porém, é certa e todos notamos isso: nós mudamos bastante!
Certamente você já teve algum bicho de estimação ou, pelo menos, conhece
alguém que ama certos bichinhos: um cão, um gato, uma tartaruga, um coelho, etc. Você
já observou que às vezes parece que eles agem como “gente”? Ou será que, talvez, somos
nós que agimos como eles? Apesar de toda evolução e desenvolvimento, mudanças
tecnológicas e emergência de novos hábitos sócio-culturais, os nossos vínculos com os
animais permanecem. Mas esta relação também apresenta certas contradições. Em relação
a determinados aspectos, somos bem parecidos com eles. Por outro lado, sob várias
circunstâncias, somos extremamente diferentes dos animais, uma vez que produzimos
intensamente o mundo ao nosso redor. Somos os construtores desse mundo e o elaboramos
com os nossos planos, sonhos, vontades e determinação. Mas a pergunta permanece: por
que será que nós nos diferenciamos tanto dos animais?
Para responder esta questão, inicialmente é bom deixar claro que não fomos nós
que nos diferenciamos, mas espécies ancestrais que viveram cerca de milhões de anos
atrás. Nós, os Homo sapines sapiens (“Homem que sabe que sabe”), somos considerados
“recém-nascidos” diante do espetáculo da evolução.
As pesquisas divulgadas até os nossos dias colocam que o grupo dos hominídeos
constitui-se, basicamente, dos Australoptecus e dos demais seres pertencentes ao gênero
Homo. Os primeiros extinguiram-se e os últimos diferenciaram-se e evoluíram ao longo

21
Pré-História

dos milhões de anos, distinguindo-se das demais espécies e adaptando-se enquanto se


espalhavam pelo planeta.
Mas você pode está se perguntando: “Quem são estes Australoptecus?” “O que
aconteceu para que eles tivessem este fim?” Quanto à primeira pergunta, é bem difícil
respondê-la. No século XX, os principais estudos sobre a Pré-História, tais como as análises
arqueológicas e as realizadas por saberes afins, acabaram por desenvolver bastante a
pesquisa e o conhecimento desta substancial parcela da história humana. Apesar disso,
estes estudos acabaram por se constituir na colagem de um verdadeiro quebra-cabeça, do
qual, infelizmente, boa parte das peças se perdeu no tempo.
Quanto à sua extinção, você irá compreendê-la logo em seguida. Esta é uma questão
importante para que possamos compreender um pouco melhor os caminhos da evolução
humana, bem como as características que permitiram a sobrevivência e o desenvolvimento
do Homo sapiens e, ao mesmo tempo, o desaparecimento e extinção do Australoptecus.
Então vamos conhecer algumas das diferenças biológicas entre os seres do gênero Homo e
os Australoptecus.

Lucy: o membro mais famoso da família

Em 1924, na África do Sul, um pesquisador australiano chamado Raymond Dart, descobriu um


crânio com tamanho intermediário entre o dos humanos e o dos chimpanzés. Ele denominou a
nova espécie de Australopithecus, que significa “macaco do sul”.

No início da década de 1950 foram encontrados ossos da bacia do Australopithecus. Seu estudo
mostrou que ele tinha posição ereta.

Em 1974, uma expedição de pesquisadores norte-americanos descobriu outros ossos de


Australopithecus. Esses ossos permitiram reconstruir uma criatura do sexo feminino, com idade
aproximada de 20 anos e que teria vivido há cerca de 3,2 milhões de anos. Ela foi batizada de Lucy,
em homenagem a uma canção dos Beatles (Lucy in the Sky with Diamonds – Lucy no céu com
diamantes), pois um dos pesquisadores ouvia essa música no momento em que examinava seus
ossos.

Lucy, o mais completo fóssil de um Australopithecus, tornou-se em pouco tempo o mais famoso
membro desta espécie.

(Adaptado de: GEWANDSZNAJDER, Fernando; CAPOZOLI, Ulisses. Origem e história da vida. São
Paulo: Ática, 1994.)

Como se forma um fóssil

Os fósseis são vestígios de seres vivos que viveram em nosso planeta há milhares de anos. Quando
o organismo morre, se seus restos estiverem em um fundo de lago e forem rapidamente cobertos
de sedimentos, eles ficam a salvo da ação de organismos decompositores. Ao longo de milhares
de anos, vai ocorrendo um processo em que as partes de seu corpo vão sendo substituídas por
minerais (permineralização), transformando-o em uma pedra, exatamente com o formato do corpo
ou da parte deixada pelo organismo. Pode ser também apenas um vestígio, como uma pegada. É
assim que se forma um fóssil.

(Disponível em: www.klickeducacao.com.br)

A postura corporal do Australoptecus é bastante curvada, enquanto os seres


do gênero homo desenvolveram uma postura ereta que possibilitava uma coluna mais

22
Pré-História

alongada. Isto possibilitou a liberdade dos braços para realizar outras tarefas. Essa
característica permitiu aos indivíduos do gênero homo uma maior combatividade na luta
pela sobrevivência, seja na batalha direta e cotidiana com outras espécies, seja na facilidade
para a coleta em tempos de escassez de alimentos.
Além disso, a postura ereta possibilitou que os Homo olhassem o horizonte,
motivando uma maior capacidade de abstração e de leitura do mundo que os rodeava.
Olhar e ler o horizonte eram um desafio e um convite a ir mais longe, a se deslocar de um
lugar para outro, a perceber os perigos que estavam próximos.
Olhar o horizonte possibilitou outras maneiras de lidar com o mundo para o gênero
homo. Paulatinamente, a comida, a sobrevivência e a sexualidade foram dando espaço para
outro exercício neste animal: a curiosidade e a dúvida. Afinal, o que poderia haver para
além do horizonte?
Os Homo possuem um cérebro maior que o dos Australoptecus, mas não é isso
que o faz mais inteligente: na verdade isso se deve à sua maior e mais veloz capacidade de
fazer conexões entre as partes do cérebro. Especialmente no que diz respeito à estrutura da
cabeça há bastante diferenciação entre Homos e Australoptecus: os ossos da face dos Homo
são maiores; seus olhos e caixas oculares são bem mais próximos da dianteira da face. Os
seus dentes são diferenciados em cortadores, perfuradores e mastigadores, enquanto que
os Australoptecus possuíam apenas dentes mastigadores.
Com essas diferenciações, ao gênero Homo tornou-se possível a ingestão da
carne, o que, em certa medida, o libertou um pouco da necessidade imediata da busca de
alimento, uma vez que a digestão da carne é mais lenta. O nariz dos Homo é maior e aquece
o ar antes da entrada nos pulmões, capacidade que os Australoptecus não tinham. Por
conta da associação entre estas características, bem como em função de outros aspectos, Você Sabia?
provavelmente durante a última glaciação os Australoptecus foram extintos e aqueles
pertencentes ao gênero Homo sobreviveram. 8
Os símios,
E nós, o que somos? Fazemos parte do gênero Homo. Talvez isso não pareça uma também conhecidos
como macacos
grande novidade para o leitor. Mas é importante lembrarmos que não somos os únicos. Na antropomorfos, é
verdade, somos o resultado de milhares de diferenciações e adaptações que aconteceram a designação geral
com os nossos antepassados. Basicamente, as pesquisas realizadas até os dias de hoje, empregada pela
zoologia para as
propõem um longo caminho evolutivo, trilhado desde os mais antigos achados fósseis de espécies da ordem
hominídeos do gênero Homo, cuja “linha de chegada” (de uma corrida que aparentemente dos primatas atuais
ainda não terminou) parece estar relacionada com o aparecimento do Homo sapiens e extintos mais
próximos, conforme a
sapiens (Homo sapiens moderno). A seguir, vamos explicar melhor essas diferenciações e
Teoria da Evolução, do
adaptações. homem. Nessa ordem
de espécies estão os
O parente mais velho do Homo sapiens sapiens é o Homo habilis. Seus fósseis gorilas, os chimpanzés,
foram descobertos na década de 60 do século XX, numa região conhecida como garganta os bonobos, e os
de Olduvai, na Tanzânia. Os achados arqueológicos, depois de analisados cientificamente, orangotangos (também
denominados de
tiveram sua existência datada em aproximadamente 2 milhões de anos atrás. Entre suas
grandes símios) e os
habilidades podemos destacar o domínio do uso da pedra lascada. gibões.
Na década de 1970, ainda em Olduvai, foram descobertas algumas evidências que
sustentam a hipótese de que o Homo habilis possuía duas características muito importantes
para a sobrevivência: 1) tentava construir abrigos com rochas e galhos; 2) consumia carne
de maneira diferenciada dos animais.
Outra característica muito significativa era a fabricação e uso de ferramentas de
pedra. Muito mais que caçadores, os habilis tinham hábitos catadores, alimentando-se dos
restos que outros predadores deixavam.
Na mesma região da garganta de Olduvai, outra espécie de hominídeo foi

23
Pré-História

encontrada na década de 1970. Trata-se do Homo erectus, que teve sua existência datada
de aproximadamente 1,6 milhões de anos. Até essa descoberta, a ciência acreditava que o
Homo habilis teria se espalhado pela Europa e pela Ásia. Porém, após 1970, e a partir da
descoberta dos vestígios fósseis do Homo erectus, outra hipótese foi levantada: passou-se a
supor que o Erectus teria sido o nosso primeiro ancestral a conseguir cruzar e povoar estes
continentes.
O Homo erectus era caçador. As marcas deixadas nos sítios arqueológicos revelam
que eles caçavam em bandos e, certamente, possuíam algum modo de organização social
parecida com as encontradas entre o Homo sapiens moderno. Com eles, as cavernas
passaram a ser ocupadas para a proteção contra o frio, e o fogo foi dominado e usado para
a proteção contra predadores. O aquecimento do corpo tornou-se cada vez mais necessário
à sobrevivência. Além disso, o uso da pedra já era bem mais sofisticado se comparado com
o das outras espécies.

Saiba Mais Antes de passar para a discussão do item seguinte, convido-o para assistir um
vídeo muito interessante. O mesmo intitula-se “homo erectus” e está postado no seguinte
endereço: www.youtube.com.br.9
9
Algumas sugestões
podem ser encontradas As pesquisas arqueológicas atuais acreditam que o Homo sapiens foi fruto da
nos seguintes
endereços: adaptação e evolução do Homo erectus. Isto ocorreu por volta de 400 mil anos atrás. Então
quer dizer que chegamos ao fim? Não! É exatamente nesta fase das pesquisas que as
<http://www.youtube.
com/watch?v=zxTZbq origens do Homo sapiens moderno se tornam ainda mais obscura.
XeYrM&feature=fvwrel>
Na Europa, foram encontrados vestígios fósseis do Homo sapiens neanderthalensis,
<http://www.youtube. com idade aproximada entre 75 mil anos e 30 mil anos, período de sua possível extinção.
com/watch?v=4X2GLDP
A82A&feature=related> Este hominídeo possuía uma morfologia muito especializada, provavelmente adaptada para
sobreviver ao frio europeu. As pesquisas arqueológicas mostram que esta espécie possuía
<http://www.youtube.
com/watch?v=oLSYedzi um forte aparelho mastigador e seu peito maior permitia o aquecimento de grandes
NqU&feature=related> quantidades de ar.

Uma narrativa mergulhada em dúvidas e mistério: o desaparecimento do Homo Sapiens


Neanderthalensis

O homo erectus, cujo corpo é basicamente idêntico ao nosso, vai dando lugar a dois descendentes,
o homo neanderthalensis e o homo sapiens fossilis, nosso ancestral direto. Acredita-se que o
homem Neanderthal tenha chegado, à custa de uma especialização excessiva, a um beco sem saída
genético e tenha desaparecido há cerca de 30 mil anos. Não é impossível, contudo, que o homem
moderno, como nós, homo sapiens sapiens, datado de 30 mil anos atrás, tenha incorporado o
Neanderthal, através de cruzamentos sucessivos em que algumas diferenças genéticas tenham
deixado de existir. Há ainda os que acenam com a impossibilidade de cruzamento genético entre
espécies diferentes e acreditam que os neanderthalensis tenham sido mortos pelos nossos
ancestrais diretos, que formavam imensa maioria.

(Adaptado de PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. 2 ed. São Paulo: Atual, 1988, p. 28 – 29.)

Além disso, foram encontrados esqueletos do Homo sapiens moderno na região


da França. Estes vestígios fósseis foram datados em aproximadamente 30 mil anos atrás.
Com efeito, esta descoberta permitiu supor que o Homo sapiens moderno e o homem de
Neanderthal teriam supostamente convivido no mesmo período. Ademais, essas pesquisas
indicavam que esse último teria se extinguido por conta das habilidades superiores do
Homo sapiens moderno, na disputa por comida e por território. Além disso, o aquecimento
do planeta desfavorecia a estrutura biológica do homem de Neanderthal, melhor adaptado
para vida em regiões de frio relativamente intenso.

24
Pré-História

Voltemos à África. As pesquisas mais atualizadas nos levam a outras “conclusões”,


na medida em que apresentam este continente como o suposto “berço” da humanidade.
Isto porque na África, foram encontrados crânios fossilizados de Homo sapiens sapiens que,
ao serem estudados pelo professor da Universidade do Estado de Nova York, Philip Rigtmire,
foram datados com cerca de 100 mil anos.
Isto torna ainda mais complexo o quadro apresentado, haja vista que estes achados
acabam por derrubar a hipótese de que teríamos evoluído diretamente dos Neanderthais.
Portanto, no estágio atual das pesquisas, as hipóteses apontam como origem do Homo
sapiens sapiens um conjunto de adaptações que ocorreram com alguns dos Homo Erectus.
É isto que, até aqui, nos dizem as pesquisas arqueológicas e paleontológicas.
Mas como vimos, elas nos levam para caminhos diferentes e a possibilidade de mudança
acontece a partir de novos achados e novas pesquisas. Você, inclusive, pode ser um grande
historiador que poderá se interessar pela escrita ou reescrita das nossas histórias.

De olho nas pesquisas

O novo membro da família


A linhagem dos seres humanos ganhou um novo membro na semana passada. É
um ancestral que viveu há cerca de 2,5 milhões de anos no norte da África. Batizado de
Australopithecus garhi, ele compõe um elo inteiramente novo na cadeia evolutiva da
espécie. A grande diferença, em relação aos outros ancestrais até então conhecidos, é sua
capacidade de usar ferramentas para matar e destrinchar animais. A dieta à base de carne,
mais rica em proteínas e gorduras, pode ter resultado num salto evolutivo considerável, que
deu a esse ancestral novas habilidades e um cérebro maior e mais poderoso. Seus restos
foram encontrados entre os fósseis de oito hominídeos por uma equipe internacional de
pesquisadores no deserto de Afar, no nordeste da Etiópia. Os achados mais valiosos incluem
o crânio, fragmentos de dentes e alguns instrumentos de pedra.
Os cientistas acreditam que o novo hominídeo seja uma ligação vital entre o
Australoptecus afarensis, que viveu na África há mais de 3 milhões de anos, e os Homo
habilis e erectus, dois ancestrais mais recentes. O afarensis é a espécie a que pertencia Lucy,
o mais famoso dos antepassados da humanidade. Essas criaturas já andavam eretas, mas
ainda tinham os braços longos e as pernas curtas, como os macacos, e nenhuma tecnologia.
O gênero Homo só apareceu muito mais tarde, há cerca de 2 milhões de anos. O que
aconteceu nesse intervalo de 1 milhão de anos é cercado de mistério. Mudanças climáticas
estavam acabando com as floretas onde viviam os homens macacos, forçando sua evolução
para seres adaptados à vida nas savanas. Os hominídeos bípedes tiveram de ocupar um
ambiente de campos abertos, enfrentando grandes predadores como hienas e tigres.
Acredita-se que essa forte pressão seletiva acelerou o passo da evolução na
direção de espécies mais parecidas com o Homo sapiens atual. “Você entra nesse período
com chimpanzés bípedes e sai com hominídeos carnívoros de cérebro desenvolvido”,
diz Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, antropólogo que liderou a
equipe de quarenta pesquisadores envolvidos na descoberta anunciada recentemente. O
Australoptecus garhi pode ser, portanto, a peça que faltava na transição mais importante
da história da espécie. Os cientistas dizem que a chave para as transformações ocorridas
nesse período são os instrumentos de pedra encontrados junto com os fósseis. Com eles,
os hominídeos podiam não apenas destrinchar os animais e aproveitar toda a carne, mas
também quebrar os ossos para sugar o tutano em seu interior – uma fonte precisa de
nutrientes até então inacessível.

25
Pré-História

(Adaptado de: Revista Veja. 24/04/1999)

Revisão

Este capítulo foi fundamental para aprendermos um pouco das teorias que
explicam a origem e o desenvolvimento do homem na terra. Foi um momento em que,
juntos, descobrimos muitas coisas acerca dos estágios de desenvolvimento do homem,
desde o cuidado com o seu corpo até o uso de ferramentas. Neste capítulo, percebemos o
quanto a teoria evolucionista procura se firmar no cenário científico mundial, apresentando
teses, pesquisas e novas descobertas que contribuem para o entendimento de nossos
antepassados. Para tanto, fizemos um passeio pelos cenários nos quais o gênero homo
andou, habitou, construiu habitações, desenvolveu instrumentos de caça, bem como armas
para sua própria defesa. Foi importante estudar que o grupo dos hominídeos constitui-se,
basicamente, dos Australoptecus e dos demais seres pertencentes ao gênero Homo, tais
como o Homo habilis, o homo erectus, o Homo sapiens neanderthalensis e o homo sapiens
sapiens (“o homem que sabe que sabe”). No estágio do homo sapiens sapiens¸ o saber
reflexivo passou a ser uma das principais características. Todos esses gêneros são super
importantes para entendermos um pouco da pré-história do homem.

Atividades

1. O Homo sapiens neanderthalensis desenvolveu uma série de capacidades para


sobreviver em meio à natureza. Dentre suas invenções, essa espécie desenvolveu
vários tipos de ferramentas, dentre as quais raspadeiras, machadinhas, facas e lanças
feitas com galhos. Imagine-se que você é um neanderthalensis vivendo naquele
período. Redija um texto (média de 10 linhas) comentando as transformações que
essas ferramentas proporcionaram no seu dia a dia.
2. O documentário “A Origem do Homem” narra um pouco sobre a existência humana
na Terra. Assista o referido vídeo (você pode baixá-lo gratuitamente na internet)
e responda: Por que muitos cientistas acreditam que os primeiros seres humanos
surgiram na África Oriental? Se essa teoria for verdadeira, por que os humanos são
encontrados em quase todos os lugares do mundo?
3. O fragmento textual abaixo, escrito por Luis Fernando Veríssimo, aborda aspectos
da evolução do Homem estudado neste capítulo. Analise-o e depois responda:
“Quais as vantagens e desvantagens de tantas mudanças tecnológicas ao longo do
tempo”?
O homem não é o único animal...
...que constrói casa, mas é o único que precisa de fechadura
...que foge dos outros, mas é o único que chama de retirada estratégica
...que se ajoelha, mas é o único que faz isto voluntariamente
...que trai, polui e aterroriza, mas é o único que se justifica depois
...que engole sapo, mas é o único que não faz isso pelo valor nutricional

26
Pré-História

...que faz sexo, mas é o único que precisa de manual de instruções.


(O único animal - Luis Fernando Veríssimo)

Dicionário de termos históricos


Glaciação: fenômeno climático que ocorre ao longo da história do planeta Terra. As
glaciações, como o próprio nome sugere, são períodos de frio intenso, dentro de uma era
do gelo, quando a temperatura média da Terra baixa, provocando o aumento das geleiras
(ou glaciares) nos polos e em zonas montanhosas, próximas às regiões de neve perpétua
(que nunca derrete).
Paleontologia: é a ciência natural que estuda a vida do passado da Terra e o seu
desenvolvimento ao longo do tempo geológico, bem como os processos de integração da
informação biológica no registro geológico, isto é, a formação dos fósseis.

Para assistir...

A Origem do Homem
Gênero: Documentário
Duração: 90 Minutos
Ano de Lançamento: 2002
Muitos cientistas acreditam que os primeiros seres humanos surgiram na África Oriental. Se
isso for verdade, por que os humanos são encontrados em quase todos os lugares do mundo?
Qual a razão de sermos diferentes um dos outros? No documentário A Origem do Homem
entenderemos as respostas para essas e outras questões, utilizando as mais recentes pesquisas
nos campos da genética e da antropologia. Qual foi a causa do grande êxodo desses seres
humanos? Como conseguiram povoar quase toda a extensão da Terra? Como nossos corpos
adaptaram-se com o passar do tempo ao meio ambiente?

Para Navegar...

http://abpc.impacto.org/

27
Pré-História

Capítulo 04 – A Linguagem humana:


nuances e pontos de vista possíveis

Objetivos:

» Discutir como a linguagem foi fundamental para o desenvolvimento do homem


durante a Pré-História;
» Estudar a mudança do comportamento humano e suas relações com o
descobrimento da linguagem oral;
» Analisar a importância da linguagem articulada e a sua contribuição para novas
conquistas dos homens durante a Pré-História.

E o verbo se fez fala...


Atenção
Não há dúvida de que o desenvolvimento da linguagem falada
como a conhecemos foi um ponto de definição na pré-história
10
Adaptado de LEAKEY,
Richard. A origem da humana. Equipados com uma linguagem, os humanos foram
espécie humana. Trad. capazes de criar novos tipos de mundo na natureza: o mundo
Alexandre Tort. Rio de da consciência introspectiva e o mundo que construímos
Janeiro: Rocco, 1995.
e dividimos com os outros, o qual chamamos “cultura”. A
linguagem tornou-se nosso meio e a cultura nosso nicho.10
Atenção
Nossa viagem no trem pré-histórico da humanidade chega hoje a uma estação
decisiva. Recém–chegados a ela, já podemos ver, insinuante, uma de nossas expressões
11
Segundo o Dicionário
Aurélio, (2000) mais idiossincráticas11: parafraseando Richard Leakey, “a arte da linguagem12”. Seguindo
idiossincrasia, palavra essa linha de raciocínio, este foi o tema selecionado para a nossa já habitual conversa sobre
da qual deriva o termo a pré-história humana, realizada por intermédio das linhas que se seguem.
“idiossincráticas”,
significa “maneira A Linguagem Humana: um convite às descobertas
própria de ver,
sentir, reagir, de
cada indivíduo”. Você sabia que a linguagem surgiu na pré-história humana? Pois então, logo após a descoberta da
Nesse sentido, nos mesma, houve uma grande transformação em nossos hábitos. Sabe por que tanta transformação?
apropriamos deste
Porque, como indivíduos, dependemos da linguagem para estar no mundo e simplesmente não
termo para significar
a linguagem como podemos imaginar um mundo sem ela. Além disso, é importante mostrar que a linguagem, por
algo característico meio da elaboração da cultura, transforma o modo pelo qual interagimos uns com os outros.
do gênero humano,
pelo menos no nível
de complexidade em Tanto a linguagem como a cultura nos unem e nos separam. Somos de tal modo produto da cultura
que nossa espécie se que nos molda que muitas vezes falhamos em reconhecê-la como um artefato de nossa própria
comunica. fabricação, até que deparamos com uma cultura muito diferente.

Atenção

12
Cf. LEAKEY, Richard.
A origem da espécie
humana. Trad.
Alexandre Tort. Rio de
Janeiro: Rocco, 1995.

28
Pré-História

A linguagem realmente cria um abismo entre o homem e o resto do mundo natural. Por que ocorre
esse tão grande “abismo”? Porque a linguagem e a habilidade humana de gerar sons discretos, ou
fonemas, é apenas modestamente realçada quando a comparamos com a mesma habilidade nos
macacos: nós temos cinquenta fonemas; o macaco cerca de 10. Não obstante, nossa utilização
desses sons é virtualmente ilimitada. Eles podem ser arranjados e rearranjados para dotar o ser
humano “médio” de um vocabulário de uma centena de milhar de palavras, e estas palavras
podem ser combinadas em uma infinidade de sentenças. Como consequência, a capacidade de
comunicação rápida, detalhada e a riqueza de pensamento do Homo Sapiens não têm rival no
mundo da natureza.

(Adaptado de LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Trad. Alexandre Tort. Rio de Janeiro:
Rocco, 1995.)

Antes de começar o nosso itinerário pré-histórico, meu caro e atencioso leitor, você
não acha que é sempre bom conhecer como se vai percorrer um determinado roteiro de
viagem? Pois bem, aí vão as coordenadas do itinerário narrativo deste capítulo. Primeiro,
buscaremos fazer uma breve leitura sobre as teorias que versam a respeito da importância
da linguagem e sobre como se deu o seu desenvolvimento em se tratando da nossa espécie;
segundo, iremos viajar sobre as hipóteses acerca de sua origem; terceiro, conversaremos
sobre as divergências apresentadas pelos registros anatômicos e artísticos de nossa pré-
história, quando “perguntados” sobre a origem e a evolução da linguagem falada articulada.
De fato, não nos parece muito acertado discordar da maioria dos pesquisadores e
estudiosos da humanidade que defendem o ponto de vista segundo o qual a articulação de
uma linguagem falada constitui um ponto decisivo para a História biológica, social e cultural
dos seres humanos. Como afirmou o linguista Derrick Bickerton, “Somente a linguagem Atenção
poderia ter rompido os grilhões da experiência imediata a que toda criatura está presa,
libertando-nos para as liberdades infinitas do espaço e do tempo. 13” 13
BICKERTON, Derrick,
apud TRIPICCHIO,
Em certo sentido, podemos afirmar a importância do desenvolvimento da Adalberto. Relação
linguagem articulada, em função da grande distância que ela acaba por estabelecer entre Cérebro – Linguagem
Humana em Co-
nós, Homo sapiens modernos, e todas as demais espécies de seres vivos. Afinal, apenas
Evolução. Tese
nós possuímos uma forma de comunicação, que também é instrumento de introspecção, (Doutorado em
tão complexa quanto os sistemas de linguagem articulada falados pelos diversos grupos Filosofia). Universidade
humanos. Federal de São Carlos,
2004, p. 16.
Contudo, mesmo sendo uma das faculdades mentais mais importantes e estudadas
da humanidade, sobre a linguagem ainda pairam dúvidas que, por intermédio de uma visão
Você Sabia?
meio que de soslaio14, parecem sem respostas definitivas, haja vista a grande diversidade de
pontos de vista a seu respeito.
14
Soslaio significa “em
Com efeito, uma destas dúvidas emerge das discussões sobre como teria surgido e direção oblíqua, sem se
se desenvolvido esta faculdade. Depois, associada ainda a este questionamento, pergunta- voltar ou estar voltado
de frente” (Dicionário
se: o que teria levado ao desenvolvimento de uma capacidade tão complexa quanto Aurélio)
idiossincrática da espécie humana.
Sobre estas questões, destacam-se pelo menos dois pontos de vista divergentes.
O primeiro destes defende que a linguagem teria surgido como consequência do Você Sabia?
desenvolvimento cerebral da espécie humana ao longo de sua história evolutiva. Nessa
linha, a faculdade da linguagem é apresentada como algo que surgiu de modo abrupto e 15
Conforme o
bem recente. Isto porque o seu desenvolvimento teria significado a ruptura de um limite Dicionário Aurélio
cognitivo15, que foi superado em função do aumento da capacidade cerebral de nossos (2000) o termo
“cognitivo” pode ser
antepassados pré-históricos. Já para outra perspectiva, por vezes definida pelo conceito
definido como relativo
de “modelo da continuidade”, a linguagem teria se desenvolvido de forma lenta e gradual ao conhecimento de
ao longo do processo de evolução biológica de nossa espécie, impulsionada por meio dos um modo geral.

29
Pré-História

mecanismos da seleção natural.


A respeito desta polêmica, desejamos apenas destacar a perspectiva de análises
do linguista Steven Pinker, com a qual concordamos. Para este pesquisador, é mais plausível
que o cérebro tenha se desenvolvido em função do aperfeiçoamento da linguagem, e não
o contrário disto. Contudo, como esta hipótese implica em defender o desenvolvimento
da linguagem a partir da atuação dos mecanismos da seleção natural, ainda persistiria
uma pergunta: caso os mecanismos da seleção natural tenham sido realmente os grandes
responsáveis pelo desenvolvimento desta faculdade, quais teriam sido especificamente, as
pressões evolutivas que favoreceram o aperfeiçoamento de nossa linguagem?
Sobre este aspecto, novamente destacam-se posições divergentes. Contudo,
gostaríamos de destacar apenas algumas delas. Uma primeira perspectiva sublinha a
complexidade crescente das organizações sociais, como sendo o elemento responsável por
instigar as pressões evolutivas para o desenvolvimento da linguagem articulada em nossos
antepassados pré-históricos.
Assim, à medida que estes grupos humanos adotavam modos de vida mais
elaborados, tais como a caça rudimentar e um sistema de coleta ainda precário, a
necessidade de uma melhor organização social dos mesmos tornava o desenvolvimento
de uma linguagem articulada mais relevante, haja vista a crescente importância de um
sistema social de comunicação, que permitisse aos agrupamentos cada vez maiores uma
Atenção coordenação mais eficiente. Portanto, segundo essa linha de pensamento, “a linguagem,
como a conhecemos hoje, emergiu como um produto das exigências da caça e da coleta16”.
16
LEAKEY, Richard. Outra hipótese a este respeito corporifica-se na teoria que relaciona o aumento
A origem da espécie
do cérebro de nossos antepassados pré-históricos com a sua capacidade de sofisticar
humana. Trad.
Alexandre Tort. Rio de a manufatura de artefatos. Assim, para produzir objetos cada vez mais complexos, o
Janeiro: Rocco, 1995. aperfeiçoamento de um sistema eficaz de comunicação social era muito importante, o que,
possivelmente, teria estimulado o desenvolvimento de uma linguagem falada.
Outra teoria sobre o surgimento da linguagem que gostaríamos de destacar é a
que dialoga com a hipótese da “inteligência social”, encarando o homem mais como um
animal social do que como um fabricador de instrumentos. Nessa linha de argumentação,
a linguagem é apresentada como um artefato cultural cuja importância foi gradualmente
sendo aumentada, à medida que os primeiros grupos de hominídeos iam se tornando
maiores e mais complexos. Assim, a linguagem poderia facilitar a integração de um maior
número de membros no interior de um mesmo grupo social, pois lhes permitia viabilizar
um aprendizado comportamental bem mais eficiente, como podemos verificar na imagem
abaixo:

Linguagem, comunicação e comportamento humano

Se quisermos complicar ainda mais este quadro, podemos aqui nos questionar
sobre quando a linguagem teria desenvolvido rumo a um sistema mais avançado de
comunicação social. Nesse ínterim, novamente parece haver um duplo realce: por um lado,
alguns estudiosos afirmam que esta faculdade teria surgido de modo relativamente recente
e de uma forma súbita para os padrões evolutivos de nossa espécie; por outro lado algumas
hipóteses apostam no remoto aparecimento da linguagem, ao que teria se seguido o seu
desenvolvimento gradual.
Vamos então tomar o primeiro dos caminhos optáveis. Segundo substancial parte
dos antropólogos na atualidade, a linguagem humana teria surgido de modo rápido há pouco
tempo, no momento em que os nossos antepassados hominídeos conseguiram ultrapassar
certo ponto limite no seu desenvolvimento cognitivo. Os estudiosos que advogam a causa
da origem recente e abrupta da linguagem humana a defendem, sobretudo, em função

30
Pré-História

das grandes mudanças no comportamento dos nossos antepassados, cuja data chave é
cerca de 30 mil anos atrás, uma época que de tamanha importância chegou a ser definida
como “Revolução do Paleolítico Superior”. Conforme essa linha de raciocínio, a origem da
linguagem estaria associada à própria emergência da mente humana moderna, que também
teria surgido há pouco tempo e de forma relativamente impactante. A fala tornou-se cada
vez mais fundamental para que os homens compreendessem as coisas do cotidiano, como
nascimento, vida, morte e trabalhos diários.
O Box abaixo explica um pouco acerca desse desenvolvimento da linguagem:

Expressões da linguagem: o maravilhoso mundo da comunicação entre os homens

O arqueólogo Randall White argumenta que os indícios de várias atividades humanas anteriores
há 100 mil anos atrás implicam uma “ausência total de qualquer coisa que os humanos modernos
possam reconhecer como linguagem” Nesta época, apesar de já terem se desenvolvido
anatomicamente, os humanos modernos ainda não haviam “inventado” a linguagem em um
contexto cultural, o que só aconteceria há cerca de 30 mil anos.

White lista sete áreas de indícios arqueológicos que, sob seu ponto de vista, apontam para novas
habilidades linguísticas. Vamos listar, agora, tais indícios:

1 - O sepultamento deliberado dos mortos.

2 - A expressão artística.

3 A aceleração súbita no ritmo da inovação tecnológica e das mudanças culturais.

4 - O primeiro surgimento de diferenças culturais entre regiões.

5 - O início dos primeiros contatos de longa distância através de uma espécie rudimentar de
comercio de objetos exóticos.

6 - Os lugares de moradia aumentaram muito de tamanho, e a linguagem teria sido necessária


com tal grau de planejamento e coordenação.

7 - A tecnologia move-se do uso predominante de pedras para a inclusão de outras matérias-


primas, indicando uma complexidade de manipulação do meio ambiente físico impensável na
ausência de uma linguagem.

White e outros antropólogos estão convencidos de que este acúmulo de “pela primeira vez” na
atividade humana é sublinhado pelo surgimento de uma linguagem falada complexa e totalmente
moderna.

(Adaptado de LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.)

Agora, para uma melhor compreensão do que está posto no Box, veremos esses
indícios mediante imagens:
1º - Sepultamento deliberado dos mortos:
2º. Expressão Artística:
3º. Inovações tecnológicas e mudanças culturais:
4º. Diferenças culturais entre as regiões:

31
Pré-História

5º Contato através de um rudimentar comércio:


6º. Moradias
7º. Utilização do meio ambiente físico para realização de diversas tarefas:
Contudo, veja só meu caro estudante, como não poderia deixar de ser, esta
hipótese para o surgimento recente e abrupto da linguagem humana, de modo algum
está livre de quem a conteste. Assim, uma série de estudiosos do assunto defende a ideia
de que esta nossa faculdade teria surgido um pouco mais cedo, tendo desenvolvido aos
poucos. Nesse sentido, se propõe que as nossas capacidades linguísticas teriam evoluído ao
longo de pelo menos 2 milhões de anos. Isto teria acontecido em função de uma série de
pressões seletivas que foram capazes de catalisar a expansão cerebral e o aperfeiçoamento
das aptidões comunicativas da espécie, sendo que ambos os desenvolvimentos teriam se
dado de modo paralelo e concomitante, ou seja, um influenciando e aperfeiçoando o outro.
Mas o leitor com quem converso poderia supor que os vestígios arqueológicos
podem decidir a favor de qual ponto de vista a balança histórica deverá pender. O problema
é que, enquanto os relatos provenientes dos estudos sobre as mudanças anatômicas de
nossos antepassados apontam para uma direção, os vestígios ofertados pelos artefatos
fabricados pelos homens pré-históricos nos encaminham para conclusões diametralmente
opostas. Sendo assim, é muito importante conhecer os dados provenientes de cada um
destes ramos de pesquisa.
Em suma, os indícios que nos são ofertados pelos estudos sobre o desenvolvimento
anatômico dos hominídeos destacam que a linguagem teria surgido bem remotamente,
sendo que a sua origem teria sucedido uma gradual evolução rumo a uma complexidade
sempre crescente.
Em primeiro lugar, estes estudos tem seguidamente comprovado o aumento
gradual do tamanho do cérebro ao longo de nossa escala biológica. Seguindo esta linha de
pensamento, caso o tamanho cerebral guarde alguma relação com aptidões comunicativas
mais complexas, o nosso desenvolvimento cerebral sugere que a faculdade linguística teve
um surgimento remoto e um desenvolvimento gradual ao longo de nossa história evolutiva.

A anatomia cerebral e os mistérios da linguagem

A arquitetura cerebral subjacente à linguagem é muito mais complexa do que se pensava. Parece
haver muitas áreas relacionadas com a linguagem, espalhadas por diversas regiões do cérebro
humano. Se estes centros pudessem ser identificados em nossos ancestrais, estaríamos em uma
boa posição para decidir a questão da linguagem. Entretanto, os cérebros fossilizados não dão
pistas de sua estrutura interna. Felizmente, um aspecto do cérebro relacionado de algum modo
com a linguagem e com a utilização de artefatos é visível sobre a superfície do cérebro. Este aspecto
é a área de Broca, uma saliência localizada perto da têmpora esquerda (na maioria das pessoas).

Um segundo sinal possível é a diferença em tamanho entre o lado esquerdo e o lado direito do
cérebro nos humanos modernos. Na maioria das pessoas, o hemisfério esquerdo é maior do que
o hemisfério direito – uma consequência, em parte, da concentração, lá, da maquinaria associada
com a linguagem. Também associada com esta assimetria é o fenômeno da destreza nos humanos.
Noventa por cento da população humana é destra; a destreza e a capacidade de linguagem podem,
portanto estar relacionadas com um cérebro esquerdo maior.

(Adaptado de LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Trad. Alexandre Tort. Rio de Janeiro:
Rocco, 1995.)

Além disso, ao menos quatro aspectos particulares de nossa evolução anatômica

32
Pré-História

apontam para o surgimento remoto e o progresso gradual de nossas capacidades linguísticas.


Assim, a presença da área de Broca e do desenvolvimento mais acentuado do hemisfério
esquerdo do cérebro (ver o Box sobre “A anatomia cerebral e os mistérios da linguagem”)
encontrado já nos crânios fossilizados do Homo Habilis, demarcaria o surgimento desta
faculdade humana, obviamente não com o nível de complexidade que conhecemos hoje, na
altura dos 2 milhões de anos atrás.
Somam-se a estas informações, os relatos oferecidos pelo desenvolvimento de
nosso aparelho vocal e da base de nossos crânios. Para o primeiro caso, sabe-se que os
seres humanos só são capazes de enunciar uma grande diversidade de fonemas, em função
de que sua laringe se localiza na parte de baixo de sua garganta. Isso faz com que a nossa
faringe, localizada acima das cordas vocais, se transforme em uma verdadeira caixa de som.
Assim, para muitos pesquisadores, para que nossos antepassados pudessem desenvolver
uma fala mais elaborada, eles deveriam possuir uma faringe um pouco maior do que a dos
demais mamíferos. O pesquisador Gerhard Neuweiller afirma:

“Uma característica da fala é o perfeito controle da musculatura do


aparelho fonador. É notável que nossa destreza manual também
se apoie em uma motricidade refinada. Somos capazes de controlar
a musculatura das mãos e braços com mais precisão que qualquer
animal. Mas é importante observar que esse controle motor já começa
a se manifestar nos primatas. Seus dedos se tornaram mais rápidos,
e sua mímica, mais pronunciada, mas essas capacidades ainda não
bastam para a articulação vocal. Só o homem tem o dom da fala, assim
como só ele é capaz de realizar atividades manuais complexas”. (2010,
p.64)
A garganta humana foi modificada para facilitar a fala. Nós temos uma câmara
ressonância de 1 polegada e meia acima da laringe que serve para vocalização dos sons.
O fabuloso alcance de sons que o aparato vocal humano pode produzir vai dos grunhidos
e guinchos animais até a execução perfeita de uma ópera. Por outro lado, tal adaptação
da garganta humana para fala possibilita a ocorrência de sufocamento com alimentos, um
perigo inexistente para a maioria das criaturas. (Disponível: http://www.assis.unesp.br/
darwinnobrasil/humanev3.htm Acessado: 16 mar. 2011)
Desse modo, caso fosse possível determinar a posição da laringe e o tamanho da
faringe de nossos antepassados pré-históricos, os pesquisadores poderiam definir qual de
nossos ancestrais já possuía capacidades de emissão de sons e linguagem relativamente
desenvolvida. Só que, neste caso, o problema é que o nosso aparelho vocal é formado por
tecidos que não se fossilizam. E é aí que a base dos nossos crânios pode ajudar a desvendar
este mistério, pois através dela se pode saber se uma determinada espécie de hominídeo
era dotada da aptidão de emitir certos sons.
Nesse sentido, nossos destemidos pesquisadores teriam que estar atentos para
a forma desta base haja visto que, de um modo geral, os demais mamíferos, dotados de
uma capacidade de comunicação bastante limitada se comparada à nossa, possuem a base
do crânio notadamente achatada; já nós, Homo Sapiens modernos, bem como os nossos
ancestrais que tinham a capacidade de pronunciar uma linguagem minimamente articulada,
a possuímos distintamente arqueada.
Seguindo esta perspectiva de análise anatômica e arqueológica, notamos que os
fósseis dos Australoptecus, nossos mais remotos ancestrais hominídeos, ainda possuíam
a base do crânio visivelmente achatada, indicador de que a sua capacidade de emissão
sonora ainda era bem precária. Por outro lado, a mudança na forma da base do crânio dos
hominídeos foi observada pela primeira vez no Homo erectus, datado em cerca de 2 milhões
de anos atrás.

33
Pré-História

Assim, conforme o ponto de vista com o qual estamos operando no momento,


o Homo erectus seria o nosso primeiro ancestral hominídeo capacitado a produzir certos
sons como algumas vogais, o que, embora nem se compare com a complexidade de nossa
linguagem adulta atual, o deixava apto a desenvolver uma competência linguística similar à
de uma criança de mais ou menos seis anos de idade.
O que importa notar neste caso é o fato desta perspectiva de análise anatômica
dos achados arqueológicos, apontar para a origem notadamente remota destas faculdades
linguísticas no gênero Homo, as quais, além disso, parecem ter se desenvolvido de modo
gradual, partindo de códigos rudimentares de comunicação para sistemas de linguagem
cada vez mais complexos e articulados.
Mas e o que nos dizem os indícios arqueológicos relacionados com a expressão
artística e a fabricação de artefatos sobre a origem e o desenvolvimento da linguagem no
gênero Homo? Será que esta modalidade de vestígios pré-históricos confirma as descobertas
das pesquisas sobre a evolução anatômica de nossa espécie? Ou será que eles contam uma
história diferente?
Se eu desejasse apenas facilitar a sua vida, e diminuir a possível confusão que o
itinerário narrativo deste capítulo poderá causar ao leitor menos atento, eu simplesmente
escolheria a primeira opção colocando assim um ponto final em nossas discussões sobre
a origem e o desenvolvimento da linguagem humana. No entanto, receio lhe informar,
meu prezado leitor, que em se tratando da pré-história humana (como você já deve ter
percebido) as coisas não são tão simples assim.
Pois é, como você já deve imaginar as primeiras expressões artísticas, e a tecnologia
de artefatos de nossos ancestrais pré-históricos, sem desmentir completamente os indícios
anatômicos, narram outra trajetória para a linguagem humana: esta teria surgido em um
tempo menos remoto e se desenvolvido de um modo mais súbito, não tão gradual como
supõe os estudiosos da anatomia.
Neste caso, os pesquisadores afirmam que, quando falamos a respeito de
expressões artísticas mais elaboradas, devemos imaginar seus fabricantes como possuidores
de uma mente humana minimamente desenvolvida, o que implica em dotar-lhes de
uma capacidade linguística já apreciável. E isto por que a elaboração de imagens, que
simbolicamente representam algo, para manter o propósito para o qual foram criadas, deve
ser ao menos acompanhada de um sistema de significados compartilhados. Ora, devemos
atentar para o fato de que a nossa linguagem serve como articuladora destes significados
partilhados socialmente. Assim, admite-se que a expressão artística de nossos ancestrais
necessitou de um sistema linguístico minimamente articulado, para que os significados
expressos simbolicamente, por meio das imagens retratadas no interior das cavernas,
pudessem ser acessíveis pelo menos para os membros de um determinado grupo.
Ademais, se aceitarmos que existe alguma relação entre o desenvolvimento de
aptidões linguísticas e o aperfeiçoamento na produção de artefatos, pesquisas recentes
indicam que “apenas” há 35 mil anos, durante a já conhecida Revolução do Paleolítico
Superior, a inovação e o estabelecimento de certos padrões para a produção de artefatos se
tornaram bem mais difundidos. Nessa época, não só foram produzidos artefatos mais finos
e inovadores. Houve também um salto substancial de aperfeiçoamento na tecnologia de
produção destes objetos, o qual se processou em uma escala de tempo relativamente curta,
conforme vemos na imagem abaixo.
Portanto, se aceitarmos o ponto de vista de que estes melhoramentos guardam
uma relação de interdependência evolutiva com o aperfeiçoamento da linguagem humana,
poderíamos supor que esta faculdade também teria surgido neste momento, ou seja, há
cerca de 40 mil anos.

34
Pré-História

Assim, as informações concedidas pelos indícios arqueológicos provenientes


da expressão artística e da feitura de artefatos, indicam que a linguagem surgiu a menos
tempo do que imaginam os estudiosos da anatomia de nossos antepassados pré-históricos.
Sim, pois o aparecimento das primeiras pinturas e gravações em abrigos rochosos, bem
como o aperfeiçoamento da produção de artefatos, expressões do funcionamento de uma
mente humana já “moderna” e de uma linguagem um pouco mais articulada do que os
limitados sistemas de comunicação dos demais mamíferos, aparece de forma abrupta no
registro arqueológico há cerca de 40 mil anos. Ademais, como esta perspectiva de estudos
admite que ao surgimento das primeiras expressões artísticas corresponda o advento de
uma linguagem falada articulada, ambas resultando da ultrapassagem de um “ponto crítico”
em nosso incremento cerebral, ela diverge das afirmações que sustentam um aparecimento
remoto seguido por um aperfeiçoamento lento e gradual das aptidões linguísticas.
Para uma melhor compreensão deste assunto, no quadro a seguir, estão elencadas
as diversas hipóteses sobre a origem e o desenvolvimento da linguagem que foram
abordadas neste capítulo:

Teorias que defendem uma origem remota e Teorias que defendem uma origem recente e
um desenvolvimento gradual da linguagem um desenvolvimento abrupto da linguagem
Surgimento da linguagem significando o
Modelo da continuidade rompimento de um limite cognitivo: teoria do
“ponto crítico”
Surgimento da linguagem há cerca
de 2 milhões de anos, seguido de um Surgimento da linguagem associado aos
desenvolvimento gradual impulsionado pelas avanços cognitivos observados na “Revolução
pressões dos mecanismos de seleção natural do Paleolítico Superior” Atenção
da espécie.
Teorias que se fundamentam nos indícios
17
Sobre este aspecto, o
já mencionado Richard
Teorias que se baseiam nos estudos sobre a arqueológicos relacionados com a expressão
Leakey, diz o seguinte:
evolução anatômica de nossa espécie artística e o aperfeiçoamento da tecnologia de “Até agora, toda a
produção de artefatos. discussão da evolução
dos hominídeos
Quadro adaptado pelo autor a partir das fontes de pesquisa que foram utilizadas neste texto. neste livro aponta
para uma importante
mudança na adaptação
hominídea quando
Como acontece com as discussões sobre a origem do Universo, o surgimento da
o gênero Homo
linguagem humana é um tema bastante controverso. Por isso, neste capítulo, nossa opção apareceu. Portanto,
foi discutir um pouco algumas das teorias mais aceitas sobre o surgimento desta faculdade suspeito que apenas
com a evolução do
tão importante quanto idiossincrática para a espécie humana. À guisa de conclusão gostaria
Homo habilis alguma
apenas de esclarecer que em meio a tantas discordâncias podemos elencar algumas forma de linguagem
convergências sobre o desenvolvimento das aptidões linguísticas humanas. falada começou.
Como [Derrick]
Primeiro, é importante deixar claro que, qualquer que tenha sido a sua origem ou Bickerton, suspeito
modo de aperfeiçoamento, a linguagem, que constitui uma das faculdades cognitivas mais que isto era um tipo
de protolinguagem,
fundamentais e incontornáveis para a espécie humana na atualidade, foi muito importante
simples em conteúdo
para que evoluíssemos ao ponto de complexidade biológica e cognitiva dos Homo sapiens e estrutura, mas um
modernos. Isto por que o desenvolvimento de uma linguagem articulada provavelmente meio de comunicação
contribuiu para o aumento de nossas capacidades cerebrais e cognitivas. mais avançado do que
o meio de comunicação
Depois, não podemos discordar de que a nossa linguagem acaba por nos distinguir dos macacos e
australopitecíneos.
completamente dos demais seres vivos. Ademais, podemos afirmar com certo grau de
Cf. LEAKEY, Richard.
segurança, que nossas competências linguísticas, certamente ainda rudimentares, apenas A origem da espécie
surgiram com o aparecimento do gênero Homo na escala biológica17. humana. Trad.
Alexandre Tort. Rio de
Por fim, é importante destacar que algumas pesquisas mais recentes têm Janeiro: Rocco, 1995.

35
Pré-História

estabelecido relações íntimas entre o desenvolvimento cognitivo dos seres humanos, o uso/
fabricação de instrumentos e o aperfeiçoamento das competências linguísticas, ressaltando
que todas estas realizações humanas dialogam diretamente com o aumento da capacidade
cerebral. Segundo essa linha de pensamento, o fato destas aptidões dependerem umas das
outras para se aperfeiçoar, faz com que seja difícil de acreditar que qualquer uma delas
tenha evoluído sozinha e abruptamente. Assim, somos levados a imaginar que é um pouco
mais plausível que a linguagem tenha surgido remotamente e se desenvolvido de forma
lenta e gradual, paralelamente ao incremento da capacidade cerebral, e ao aperfeiçoamento
cognitivo, social e cultural da espécie humana.
Ademais, tomar partido nas discussões sobre a origem e o desenvolvimento de
nossas aptidões linguísticas pode significar bem mais do que uma simples opção teórica
e analítica, fundamentada rigorosamente na leitura estrita dos indícios arqueológicos.
Isto porque a defesa de alguma das duas hipóteses sobre o tema, que, aliás, foram por
demais discutidas neste capítulo, subjaz uma determinada concepção sobre o que pode ser
considerado um sistema de linguagem propriamente humano.
Assim, é bem provável que os defensores da hipótese segundo a qual nossas
competências linguísticas surgiram cedo e evoluíram devagar, aceitam que mesmo não
sendo tão complexas quanto a nossa atual linguagem, estas aptidões já constituíam um
meio de comunicação bem mais avançado do que o dos demais primatas superiores ou o
dos Australoptecus, tendo sido aperfeiçoadas até chegarem a um nível de complexidade
de estrutura e conteúdo semelhante ao atual. Sendo assim, estes estudiosos advogam
que tanto o surgimento quanto o gradual desenvolvimento da linguagem humana, estão
provavelmente associados com o aparecimento do gênero Homo e o seu respectivo
aperfeiçoamento cerebral, cognitivo, social e cultural na escala biológica.
Por outro lado, é plausível supor que os “advogados” da teoria que conjetura
um surgimento recente e um desenvolvimento súbito de nossas capacidades linguísticas
avaliem como linguagem propriamente humana apenas os sistemas de comunicação social
que tenham atingido um grau de complexidade próximo das competências linguísticas dos
humanos modernos. Assim, não consideram que os sistemas de comunicação de nossos
ancestrais mais remotos, ainda bem limitados, possam ser apreciados como linguagem
falada articulada. Portanto, ao invés de ir buscar as origens desta faculdade no surgimento
das primeiras espécies do gênero Homo, eles as encontram no desenvolvimento de
competências linguísticas mais elaboradas com o aparecimento da mente e do homem
modernos.
Enfim, a opção por um destes dois pontos de vista pode representar uma concepção
filosófica sobre o lugar do Homem na natureza e no espetáculo da criação/evolução, pois
como esclarece Leakey:

[...] aqui há muito mais em jogo do que a reconstrução da pré-história.


A visão de nós mesmos e do nosso lugar na natureza está também
em jogo. Aqueles que desejam manter os humanos como especiais
darão boas-vindas a indícios que apontam para uma origem recente
e abrupta da linguagem. Aqueles que se sentem confortáveis com a
conexão humana com o resto da natureza não ficarão desestimulados
com um desenvolvimento precoce e lento desta faculdade humana.
Atenção Imagino que se, por algum capricho da natureza, ainda existissem
populações de Homo habilis e Homo erectus, nós as veríamos com
18
LEAKEY, Richard. gradações de linguagem referencial. A distância entre nós e o resto
A origem da espécie
humana. Trad.
da natureza seria, portanto coberta por nossos próprios ancestrais.18
Alexandre Tort. Rio de
Janeiro: Rocco, 1995.

36
Pré-História

Resumo

Este foi um dos mais longos capítulos da Pré-história que estudamos até agora.
Mas todo esse conjunto de informações foi necessário para que compreendêssemos
melhor como surgiu e como se desenvolveu a linguagem na Pré-História. Sem este capítulo,
não ficaríamos sabendo que o estudo da linguagem apresenta diversas teorias, dentre as
quais aquela que concebe o ato de falar e articular frases como um artefato cultural cuja
importância foi gradualmente sendo aumentada, à medida que os primeiros grupos de
hominídeos iam se tornando maiores e mais complexos. Assim, a linguagem poderia facilitar
a integração de um maior número de membros no interior de um mesmo grupo social,
pois lhes permitia viabilizar um aprendizado comportamental bem mais eficiente. Dessa
maneira, a linguagem foi e é analisada pelos diversos pesquisadores como uma conquista
que contribuiu para a invenção de novas tecnologias, além de facilitar a comunicação e o
diálogo entre os povos.

De Olho nas Pesquisas

Linguagem e Observação

A fala distingue o homem de outros animais. Aprendemos a falar por imitação, e


não deve ser por acaso que nosso centro da fala, a área de Broca, tenha claramente se
desenvolvido a partir da área F5 dos símios, onde as instruções para os movimentos
coordenados levam em conta também informações visuais. Como todos os primatas, somos
“animais visuais”, isto é, agimos em grande medida orientados pela visão. As crianças
aprendem a falar não apenas ouvindo, mas também observando os movimentos da boca.
Não é por acaso que conseguem aprender uma linguagem de sinais tão facilmente como
uma linguagem falada.
(NEUWEILLER, Gerhard. A origem de nosso entendimento. Revista Scientific
American Brasil. Edição Especial n. 37, 2010.)

Exercícios

1. A Bíblia, o livro sagrado do cristianismo, narra no capítulo 11 do livro de Gênesis


a história da Torre de Babel. Até o período da construção da Torre, todos falavam
a mesma língua, até que, por causa do desejo do homem em tocar os céus com
a referida torre, Iavé confundiu a língua dos homens e os povos passaram a falar
diversos idiomas. Dessa forma, a comunicação entre os construtores da torre foi
prejudicada e ninguém entendia mais o que significava pedra, tijolos, areia, betume,
argamassa e outros materiais. Imagine-se que você era um desses homens que
participaram da construção desse edifício. Como você resolveria esse problema?
Para tanto, sugerimos que você escreva uma epístola (carta) para os edificadores da
Torre apontando as possíveis soluções e os encaminhamentos necessários.
2. Como o nosso capítulo enfocou a linguagem como uma arte, ou a arte da linguagem,

37
Pré-História

monte um painel com imagens diversas acerca da comunicação na Pré-História.


Você pode intercalar imagens coladas com desenhos feitos por você mesmo.
3. Antes de ler o texto sobre a Arte da Linguagem, responda a estas perguntas. Depois,
leia o texto e verifique as suas respostas:
Antes de ler Depois de ler
A linguagem é a faculdade
mental mais acessível à mente
racionalizadora
Tanto a linguagem como a
cultura nos unem e nos separa
O ser humano não é fruto
da cultura, mas apenas da
linguagem
As culturas são elaboradas
pela linguagem
A linguagem é um sistema
codificado que surgiu na Pré-
História

Texto: A Arte da Linguagem


A linguagem surgiu na Pré-história humana e, ao fazê-lo, transformou-nos como
indivíduos e como espécies. De todas as nossas faculdades mentais, a linguagem
é a que está mais profundamente abaixo do limiar de nossa percepção, a menos
acessível à mente racionalizadora. Como indivíduos, dependemos da linguagem
para estar no mundo e simplesmente não podemos imaginar um mundo sem
ela. Como espécie, a linguagem, por meio da elaboração da cultura, transforma o
modo pelo qual interagimos uns com os outros. Tanto a linguagem como a cultura
nos unem e nos separam. Somos de tal modo produto da cultura que nos molda
que muitas vezes falhamos em reconhecê-la como um artefato de nossa própria
fabricação, até que deparamos com uma cultura muito diferente.
(Adaptado de LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro: Rocco,
1995, p. 118-119)
4. Na pré-história, com o surgimento da linguagem, o homem percebeu o quanto
esta lhe ampliava o poder sobre a realidade, pelo ato de dar nome às coisas. Desse
modo, eram muitas as tribos que criam no poder que certa pessoa tinha ao escrever
o nome de alguém. Imagine-se vivendo nesse período, onde você foi convidado
pelo chefe de sua tribo para batizar árvores, animais, rios e outros elementos da
natureza. No entanto, o seu chefe pediu para justificar para a posteridade cada
nome atribuído. Dessa forma, elabore um pequeno diário (pode ser em seu
caderno) e registre suas atividades de “criador de nomes”, os nomes atribuídos por
você e a justificativa de cada um deles.
5. Leia a imagem abaixo e depois responda: quais as relações que o autor da charge
faz entre a comunicação e a linguagem na Pré-História e nos dias atuais?

Para assistir...

38
Pré-História

2001 – uma odisseia no espaço

O filme “2001: Uma Odisseia no Espaço” discute questões que fazem referências
ao ser humano e ao seu comportamento junto ao meio ambiente e à sociedade dita
primitiva. No começo da narrativa fílmica, é posta em evidência o desenvolvimento da
espécie humana, através do subtítulo “A Aurora do Homem”. São mostradas espécies de
macacos que, conforme a teoria evolucionista, posteriormente se transformaram em Homo
Sapiens, devido à faculdade de dar significado às coisas. Esses macacos apresentam atitudes
primordiais, como a competição pelos recursos naturais e pela sobrevivência. O filme
apresenta uma cena na qual dois grupos rivais de macacos disputam um recurso necessário
a ambos: a água.
Em seguida, o filme aborda o fato de que o homem utiliza o meio ambiente e o
que ele proporciona para se tornar cada vez mais desenvolvido. A cena que demonstra
isto de forma precisa é aquela na qual um dos macacos aprende a usar um osso de um
animal morto como ferramenta para facilitar suas atividades. Ao transformar o osso em
uma ferramenta, como arma para o combate, o homem-macaco torna-se humano. De
forma consciente, utiliza o osso para matar o inimigo. A competição entre os rivais privilegia
aquele que faz melhor uso da natureza: o grupo que tinha aprendido a utilizar o osso usou-o
como arma para eliminar o seu rival na disputa pelo recurso natural. A teoria da evolução é,
então, posta em evidência, na medida em que os recursos proporcionados pela natureza, no
caso o osso, permitem o desenvolvimento de invenções humanas que o ajudam a vencer o
conflito na busca por mais recursos naturais.
O diretor de “2001” faz então um corte, uma mudança de cena, que representa a
evolução humana: o macaco atira o osso ao ar e este aparece no futuro como uma nave
espacial. O homem que evoluiu do macaco viaja no espaço através do uso da natureza em
proveito próprio.
(Resenha adaptada de FLANEUR, André. A relação entre “A Aurora do Homem”,
primeira parte do filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, e o Meio Ambiente. Disponível
em: http://andreflaneur.blogspot.com. Acessado em 15 de fev. 2011)

Para Navegar...

Museu de História Natural de Londres. Disponível em: <http://www.nhm.ac.uk>

Dicionário de termos históricos


Alteridade: é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo homem
social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos
e cientistas sociais afirmam, a existência do “eu-individual” só é permitida mediante um
contato com o outro.
Cuneiforme - é a designação dada a certos tipos de escrita elaborados com auxílio
de grifos em formato de cunha. É, juntamente com os hieróglifos egípcios, o mais antigo tipo
de escrita, tendo sido elaborado pelos sumérios na região da antiga Mesopotâmia por volta
de 4000 a.C. É considerada a mais antiga língua humana escrita conhecida. A sua invenção

39
Pré-História

deve-se às necessidades de administração (cobrança de impostos, registro de cabeças de


gado, medidas de cereal, dentre outros.)
Machadinha – instrumento pré-histórico utilizado tanto para corras quanto para
raspar.

Para Navegar...

http://www.mundoeducacao.com.br/historiageral/idade-dos-metais.htm

http://www.ethnologue.com

http://tipografos.net/escrita/antes-das-letras1.html

http://www.arqueologyc.hpg.ig.com.br

http://www.brasilescola.com

http://www.comciencia.br/reportagens/linguagem/bibliografia.htm

Para ler e pesquisar...

Revista Aventuras na História


Revista Portuguesa de Arqueologia

Para assistir...

A Guerra do Fogo
Ficha Técnica:
Título original: La Guerre du feu,
Ano de produção: 1981, FRANÇA/CANADÁ
Dir.: Jean-Jacques Annaud.
Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.
Comentário: cinema e linguagem
“Lançado em 1981, numa produção Franco-Canadense, A Guerra do Fogo é um longa que trata
de levantar hipóteses sobre a origem da linguagem através da busca de três homo sapiens para
conseguirem uma nova fonte de fogo perdida por sua tribo; este, o fogo, elemento divino e
tenebroso para eles. O delírio sobre como esses três guerreiros se relacionariam/comunicariam,
encontrariam, disputariam e fariam interações subjetivas é a base do roteiro assinado por
Anthony Burguess, foneticista e consagrado autor do livro Laranja Mecânica. Burguess faz crível
as adaptações e linguagens usadas por aqueles hominídeos além de fazer compreensível toda
uma história recheada de grunhidos, mamutes mal-acabados e situações que, aos nossos olhos
de hoje, não parecem mais que absurdas”.
Leia mais:
http://obviousmag.org/archives/2008/03/a_guerra_do_fogo.html#ixzz1JcmT8Ec1

40
Pré-História

Considerações Finais
Chegamos ao fim do nosso primeiro volume de Pré-História. Para mim, autor
deste material, foi um privilégio trabalhar cada assunto, pensar cada item, pesquisar cada
imagem contida no mesmo, pois tivemos como objetivo apresentar de uma forma didática
as invenções e descobertas do homem.
O que você aprendeu ao ler cada um dos capítulos deste modulo? Que novos
conhecimentos foram incorporados aos outros saberes que você possuía? Dessa forma,
este momento de falar das considerações finais, gostaria de compartilhar com você alguns
princípios que são fundamentais para o nosso desenvolvimento como sujeito e como
estudantes:

1. O saber é uma busca constante. Por mais que conheçamos sobre o assunto,
devemos diariamente renovar as nossas leituras, elaborar novas pesquisas,
conversar com outras pessoas, tirar dúvidas com os tutores ou professores.
2. O exercício da escrita constitui um momento privilegiado para todos nós. Quando
mais escrevemos, mais aprendemos a escrever. Portanto, sinta-se estimulado a
desenvolver cada exercício posto neste livro. Apesar de estar dando esse “conselho”
nas considerações finais, um lugar não muito apropriado para falar de escrita,
meu objetivo é mostrar para você que escrever deve fazer parte de sua rotina.
Portanto, se você não fez alguma das atividades propostas, volte ao capítulo, releia
as informações e, depois, responda cada uma das atividades, pois esta atitude é
fundamental para o seu crescimento intelectual.
3. No próximo volume, faça anotações sobre suas dúvidas e, quando necessário,
retorne a este material e reveja cada capítulo, revendo os boxes e os textos
principais. A segunda leitura de um texto nos permite ver e ler coisas que não
enxergamos durante a primeira leitura. Portanto, reler os capítulos é um exercício
fundamental para compreendermos melhor as ideias e sugestões do autor.
Espero ter contribuído com o seu crescimento intelectual e despertando em você o
interesse por este assunto tão importante para a compreensão da História.

41
Pré-História

Referências

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1992.
ARAGUAIA, Mariana; SOUSA, Rainer. Teoria evolucionista. Disponível em <http://
www.brasilescola.com/historiag/criacionismo.htm> Acessado em 21 fev. 2011.
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BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Euro-América, 1997.
BORDES, François. A vida cotidiana na Idade da Pedra. O Correio da Unesco, 1972.
BRANCO, Samuel Murgel. Evolução das espécies: o pensamento científico, religioso
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CARR, Eduard Carr. O Que é História. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
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DOSSE, François. A História em Migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo:
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andreflaneur.blogspot.com. Acessado em 15 de fev. 2011

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HAEYK, Samir El. O significado dos versículos do Alcorão Sagrado com comentários.
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42
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TRIPICCHIO, Adalberto. Relação Cérebro – Linguagem Humana em Co-Evolução.
Tese (Doutorado em Filosofia). Universidade Federal de São Carlos, 2004, p. 16.

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Pré-História

Conheça o Autor
Iranilson Buriti possui graduação em História pela Universidade Federal da Paraíba
(1994), mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1997), doutorado
em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2002) e pós-doutorado em História
das Ciências e da Saúde na Casa de Oswaldo Cruz - Rio de Janeiro. Atualmente é pesquisador
do CNPq e membro do conselho editorial da Revista Mneme (1518-3394) e da Revista de
Humanidades da Universidade de Fortaleza. É professor Associado I da Universidade Federal
de Campina Grande. Foi coordenador do Curso de Mestrado em História da UFCG. Faz parte
do quadro de avaliadores institucionais e de curso do BASIs/INEP/MEC. Autor de livros
didáticos na área de História. Tem experiência na área de História e de Pedagogia.

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