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Elementos da Teologia do Antigo Testamento

Thomas Tronco dos Santos

Sumário

Agradecimentos
Prefácio
Introdução

Capítulo 1
A Teologia do Antigo Testamento

Capítulo 2
O Criador

Capítulo 3
A Criação

Capítulo 4
O Pecado
Capítulo 5
A Punição
Capítulo 6
A Salvação

Capítulo 7
A Comunhão

Capítulo 8
Os Decretos

Conclusão
Bibliografia Consultada
Bibliografia de Consulta Sugerida

Agradecimentos
Agradeço a Deus, meu redentor, pelo privilégio
imerecido de servi-lo.
Aos meus mestres por excelência, Pr. Marcos
Granconato, um irmão, e Pr. Carlos Osvaldo Cardoso
Pinto, um pai.
Ao meu amigo Manoel Amorim, que lê tudo o que
eu escrevo fazendo preciosas sugestões e
encorajando... sempre.
Ao Pr. Níckolas Ramos Borges, cujo trabalho de diagramação e
arte ajudam de modo precioso a apresentação de qualquer bom
conteúdo teológico.
À minha igreja, pois cada um dos irmãos e amigos
com quem convivo faz de mim um crente e um pastor
melhor.
À minha família, especialmente minha esposa
Caroline e minha filha Gabriela, presentes do Deus
amoroso e soberano.
Prefácio

Não é fácil escrever o prefácio para o livro de um


autor que chama você de pai. É algo meio emocional e,
por isso, pode ser percebido erradamente pelo leitor
menos avisado. Sinto-me pai e me orgulho disso.
Thomas Tronco é meu filho no sentido em que Jesus
falava dos fariseus e seus filhos, da Sabedoria e seus
filhos, ou como Amós, o ardoroso pregador da justiça
divina, referiu-se a si mesmo dizendo não ser “filho de
profeta”. Thomas é um filho-discípulo, e muito amado
como tal.
Lutou com as línguas originais, com a história do
Oriente Médio Antigo, e com a exegese de todos os
tipos de literatura do Antigo Testamento. Eu o orientei
como professor e aprendi muito com isso. Thomas fez
parte de uma turma que faria a alegria de qualquer
professor – alunos questionadores, esforçados e
dispostos a pagar o preço de conhecer a fundo a
Palavra de Deus. Sei que em breve seus colegas o
seguirão na árdua tarefa de escrever para ensinar.
É gratificante ver que o que discutimos e suamos em
sala de aula resulta em pensamento próprio – adquirido
ou adaptado – na forma deste Elementos da Teologia do
Antigo Testamento.
Parabéns Thomas, por sua obra. Que ela seja bênção
na vida de muitos, cristãos ou não. Parabéns, igreja de
língua portuguesa, pela valiosa obra que chega às suas
mãos.

Carlos Osvaldo Cardoso Pinto


Professor, autor, exegeta
Introdução

Ler o Antigo Testamento não é uma tarefa pequena.


Ler e compreendê-lo é ainda mais difícil. Eis uma das
razões pelas quais os cristãos da atualidade têm se
distanciado cada vez mais desse rico trecho da
revelação.
É muito comum se ouvir, mesmo no meio
evangélico, que o Antigo Testamento é algo
ultrapassado que foi substituído pelo Novo
Testamento, de modo a ter pouca ou nenhuma utilidade
para a igreja contemporânea. Diante dessa triste
realidade, Walter Kaiser afirma:

O Antigo Testamento [...] é claramente ignorado


e frequentemente negligenciado no ministério de
pregação e ensino da igreja. Essa negligência é
ainda mais frustrante quando as reivindicações e os
direitos do Antigo Testamento de ser recebido
como a poderosa Palavra de Deus são tão fortes
quanto os do Novo Testamento.[1]

A equivocada opinião de que o Antigo Testamento é


inútil para a igreja é apenas um pouco mais frequente
do que a ideia de que o Deus do Antigo Testamento é
diferente do Deus dos evangelhos e das epístolas, como
se no intervalo da composição das duas coletâneas ele
tivesse assumido outra postura ou até mesmo tenha
sofrido a transformação do seu caráter. Propõe-se,
também, que tais escritos são voltados exclusivamente
para Israel e não para a Igreja de Cristo.
Por outro lado, há outro segmento eclesiástico que se
lança à lei e aos profetas sem compreender seu lugar na
revelação e seu relacionamento com o Novo
Testamento e com a igreja, conferindo aos textos
significados e ensinos estranhos às Escrituras e ao
Cristianismo. Essa confusão, frequentemente
encontrada sob a forma do legalismo, da prosperidade
ou do misticismo, tem causado tantos ou mais
prejuízos à igreja e à teologia.
Em contrapartida, a história da igreja está repleta de
grandes homens, cujos ensinos ainda edificam o povo
de Deus, que beberam na fonte dos escritos mais
antigos da Bíblia. Chega a ser impressionante o modo
como tais homens foram marcados pelos relatos da
criação e pelos conceitos divinos contidos nos salmos,
por exemplo. A não ser que minha impressão dos
escritos dos cristãos do passado esteja equivocada, me
parece que o Novo Testamento conferia a tais homens,
grosso modo, a base doutrinária para suas vidas,
missões, igrejas, sermões e livros, enquanto o Antigo
Testamento lhes conferia temor a Deus, adoração
genuína e uma devoção que todos nós almejamos
cultivar.
O fato é que toda a Bíblia foi dada por Deus ao
homem e nenhuma parte se tornou irrelevante ou
ultrapassada com o tempo. A teologia do Antigo
Testamento, além de conter informações que o Senhor
desejou transmitir, é também o alicerce sobre o qual o
Novo Testamento está assentado. A julgar pelos rumos
atuais da igreja e do ensino cristão, nunca foi tão
necessário o estudo sério do Antigo Testamento como
parte integrante da revelação de Deus dada pelos
apóstolos e profetas.
Capítulo 1

A Teologia do Antigo Testamento

Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o


nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela
paciência e pela consolação das Escrituras,
tenhamos esperança (Romanos 15.4).

A TEOLOGIA

Uma das dificuldades que as pessoas têm de tratar o


assunto referente à teologia é entender o que ela
significa e do que ela trata. Um significado semântico
da palavra é “o estudo de Deus”. Entretanto, ao
abordarmos o campo teológico, imediatamente nos
deparamos com assuntos que não estão diretamente
ligados à pessoa de Deus. Alguns exemplos de
assuntos vislumbrados pela teologia são o homem, o
pecado, a salvação e a vida futura. A conclusão é que a
teologia contém um escopo maior que o sugerido pelo
significado primário da palavra.
Não há consenso entre os estudiosos sobre uma
definição de teologia, mas em um trabalho no campo
dos fundamentos da teologia é necessário que haja uma
descrição, ainda que simples, que sirva para guiar a
compreensão do assunto. Para tanto, um bom ponto de
partida é o propósito da teologia. Se a palavra não
expressa temas ligados apenas à pessoa de Deus, há
que se concordar que todos os assuntos, de um modo
ou de outro, tendem a alterar o relacionamento do
homem com Deus.
Outro ponto importante a ser observado é a fonte de
onde provém a teologia. Sem a revelação de Deus
sobre ele e sobre verdades que existem ao seu redor, a
teologia seria um conhecimento meramente intuitivo
ou, no máximo, deduzido a partir da observação da
criação. Entretanto, a intuição e a mera dedução são
ineficazes para fazer o homem conhecer o Deus
verdadeiro e manter o relacionamento com ele. Prova
disso é que o resultado dessa tentativa no passado foi a
produção de religiões, conhecidas como pagãs, cujos
deuses, antes de divindades, eram simulacros humanos.
Afinal, o homem só pode induzir ou deduzir a partir da
realidade que conhece.
Portanto, para que se fale de teologia – pelo menos
sob a óptica cristã que estamos tratando –, é preciso
partir do conhecimento que Deus revelou ao homem,
ainda que ele seja superior à nossa realidade. O
processo teológico só é válido e só faz sentido se é
resposta à iniciativa divina de tornar-se conhecido pela
humanidade. E o veículo de tal iniciativa são os
escritos “inspirados por Deus” (2Tm 3.16) por
intermédio da supervisão divina do trabalho de homens
“movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21) para
registrarem suas palavras. Nesse sentido, uno-me a
Eugene Merrill na sua visão da inspiração e inerrância
das Escrituras:

O Antigo Testamento[2] em sua forma primitiva é completamente


inerrante. Isso significa que ele não apenas é teologicamente livre de erros, mas também que
trata acertadamente e com autoridade de assuntos relacionados à ciência e história, sempre que
seja seu propósito fazê-lo.
[3]

Partindo de tais pressupostos, uma definição “útil”


de teologia é o conjunto do conhecimento revelado por
Deus nas Escrituras para que, por meio dele e por
causa dele, o homem conheça a Deus e se curve diante
dele pelos meios que ele mesmo indicou.
Para falar de um conjunto de conhecimentos, é
preciso se referir a “todo” o conteúdo revelado. Nada
pode ser desprezado, o que torna a teologia,
principalmente a do Antigo Testamento, uma matéria
impossível de ser exaurida ou conhecida por completo.
Entretanto, há alguns assuntos que são mais frequentes
e que dirigem todos os escritos em questão. Desse
modo, fazer divisões didáticas e observar seu conteúdo
e desenvolvimento nas Escrituras são um bom modo de
captar uma parte – certamente a mais importante – da
teologia do Antigo Testamento.
Para que tal busca seja denominada “teologia
bíblica”, ela deve partir das Escrituras e, na sequência,
nos fazer voltar a ela a fim de entendê-la melhor. Esse
processo cíclico tem a capacidade de levar os
estudantes da Bíblia a um aprofundamento cada vez
maior do conhecimento da teologia – e, tomara, de
Deus. Alguns diriam que dividir a teologia em assuntos
é tarefa da teologia sistemática e não da teologia
bíblica. Mas a verdade é que uma não pode realmente
existir sem a outra.
A teologia sistemática, apesar da esquematização de
assuntos que promove, deve ter como resultado final
algo que seja não apenas compatível com a totalidade
da Palavra de Deus e com seu desenvolvimento, mas
que seja sua própria expressão. Por outro lado, a
teologia bíblica deve tratar os temas apresentados por
Deus na revelação de modo a serem compreensíveis ao
estudante das Escrituras. A sistematização dos temas é
um veículo fundamental para tanto. A opção a essa
sistematização seria um comentário sequencial de todo
o texto bíblico, o que seria um trabalho monumental,
mas ineficiente no sentido de transmitir a teologia
bíblica. Pode-se registrar assim a teologia de toda a
Bíblia, mas não é possível retê-la na mente ou
compreendê-la por completo.
Sendo esse o caso, pode parecer mais uma vez que o melhor método de tratar a questão da
teologia do Antigo Testamento é traçar o fluxo do material bíblico seriatim,
[4] versículo por
versículo, e capítulo por capítulo, ou seja, do começo ao fim, fazendo observações teológicas ao
longo do caminho. Na verdade, esse é o modelo adotado por, pelo menos, alguns estudiosos, mas
em nossa percepção, isso não é teologia, mas comentário. Falta-lhe estrutura, direção e coerência
e a análise final traz pouca compreensão da totalidade do ensinamento bíblico, compreensão essa
que deve ser adquirida em grande parte pela comparação e integração de textos com textos. Em
outras palavras, a teologia bíblica deve ser sintetizada e sistematizada.
[5]

Outro fator necessário à teologia bíblica ser de fato


teologia, no sentido de promover o conhecimento de
Deus e, também, o relacionamento com ele, é que ela
deve encontrar pontos de relevância e de aplicação para
a vida da humanidade em geral e não apenas para os
homens da época dos acontecimentos bíblicos. A
teologia, apesar de brotar na história, não está presa a
ela, assim como Deus e suas atuações também não
estão. Por isso, a teologia não é um saber morto. Em
lugar disso, tem a função e o poder da “dar vida” (Jo
20.31).

O ANTIGO TESTAMENTO
O Antigo Testamento oferece um material tão vasto
que é difícil explicá-lo ou classificá-lo em poucas
palavras. Prova disso é a diversidade de tentativas de
fazê-lo. Gerhard Hasel, falando sobre o centro
teológico do Antigo Testamento, alista as propostas de
diversos estudiosos, resultados dos seus esforços
acadêmicos: As “alianças” (Eichrodt, Wright e outros),
a “eleição” (Wildberger), a “comunhão” (Vriezen), as
“promessas” (Kaiser), o “reino de Deus” (Klein e
Schultz), o “governo de Deus” (Seebass), a “santidade
de Deus” (Hänel e Sellin), a “experiência de Deus”
(Baab) e o “senhorio de Deus” (Köhler).[6] De certo
modo, todos oferecem temas verdadeiros dentro do
Antigo Testamento, mas que, pela própria
demonstração da pluralidade de propostas, são
insuficientes para serem classificadas como “centro
teológico do Antigo Testamento”.
Nesse sentido, prefiro o esforço de Carlos Osvaldo
Cardoso Pinto de oferecer dois centros teológicos que
tornam tal enfoque mais abrangente e justo com a
mensagem do Antigo Testamento: (1) A “recuperação
da soberania mediada” e (2) o “bem-estar da criatura
sob a autoridade e para a glória de Deus”.[7]
Essa variedade de temas contidos no Antigo
Testamento faz com que haja diversos métodos para o
estudo da sua teologia.[8] Em um trabalho sobre
“fundamentos” teológicos, uma divisão temática se
mostra mais tangível ao leitor que pretende introduzir
tal estudo. Essa divisão também fornece temas
marcantes e relevantes não somente à compreensão da
Bíblia, mas à própria vida cristã. Entretanto, tais temas
devem vir das Escrituras e não ser colocados nela. Para
isso, a busca dos temas principais do Antigo
Testamento deve levar o estudante ao início da
revelação.
A maioria dos livros tem um capítulo inicial
chamado “introdução”. Ele costuma apresentar um
pequeno esboço da ideia do autor quanto ao assunto e
ao propósito do livro, além dos benefícios para o leitor.
Daí para frente, cada capítulo desenvolve e aprofunda
aquilo que foi apenas pincelado na introdução. Isso não
cumpre apenas formas de padrões literários. Cumpre a
forma do raciocínio humano e da comunicação. É
desse modo que as pessoas conversam. É dessa forma
que se expressam. E é desse jeito que uns
compreendem o que os outros querem transmitir.
Como revelação de Deus “aos homens”, as Escrituras
foram compostas seguindo esse formato. Deus
introduziu o assunto de maneira geral e foi
aprofundando cada um dos aspectos que direcionam a
revelação. Esse método de Deus se revelar aos poucos,
construindo uma mentalidade propícia para entender as
verdades, é denominado revelação progressiva. Isso
quer dizer que Deus assentou as bases do
conhecimento que planejou transmitir e foi
desenvolvendo-o à medida que moveu os escritores
bíblicos. Entretanto, as bases da revelação foram dadas
desde o início. E isso é feito de maneira peculiar no
Antigo Testamento. O fato é que, apesar de no Novo
Testamento haver a descontinuidade dos aspectos
legais do Antigo Testamento, os princípios teológicos
fundamentais permanecem.[9]
Assim, como em um edifício cujo alicerce,
independente da altura do prédio, tem o mesmo
formato da edificação, o início da revelação de Deus
contém, de forma embrionária, toda a teologia do
Antigo Testamento. Desse modo, o Pentateuco age
como uma introdução para a mensagem de todo o
Antigo Testamento – e também do Novo Testamento.
Contudo, enquanto a mensagem do Novo Testamento é
dada em um momento histórico com um contexto
específico, a mensagem do Antigo é dada, em grande
parte, por meio da história.
Os primeiros registros das Escrituras foram grafados
pela pena de Moisés, depois da retirada dos israelitas
do Egito, livrando-os do jugo da escravidão. A família
de Jacó já habitava o Egito havia 430 anos (Ex 12.40).
Boa parte desse período foi vivida debaixo das chibatas
egípcias e do trabalho forçado, enquanto uma pequena
família se tornava um grande povo (Ex 1.7,12,20).
Apesar do crescimento, ficavam cada vez mais
distantes a história dos patriarcas e os ditos de Deus a
eles. Em um contexto de alienação por causa da
escravidão, Moisés é chamado por Deus para cumprir
sua promessa a Abraão de libertar seus descendentes de
um jugo previamente anunciado (Gn 15.13,14). Moisés
cumpre sua tarefa enquanto Deus mostra aos israelitas,
aos egípcios e ao mundo quem ele é e que poder ele
tem. Para isso, usa as pragas e a proteção do povo de
Israel ao fazê-los passar pelo mar que para eles abriu.
Há aqui uma transição marcante. Deus não apenas
tornou os israelitas de escravos em libertos, mas os
transformou de um povo em uma nação. Uma enorme
família, dividida em doze tribos, deixa o Egito.
Entretanto, é uma nação que será instalada em Canaã.
Para tal transição, a revelação de Deus por meio de
Moisés no monte Sinai, a aliança feita entre ele e o
povo de Israel e o código legal dado para que o povo o
cumprisse em submissão e adoração ao Senhor agem
de modo marcante e irreversível.
Para transformar um povo em uma nação é
necessário responder a muitas perguntas e preencher
muitas brechas. Uma gente que não sabe de onde veio
é uma gente que também não sabe para onde vai. Não
era preciso que os israelitas conhecessem um Deus
novo para servir. Era necessário conhecerem o Deus
dos seus pais, o Deus que seus patriarcas serviram, o
Deus que os chamou. Por isso, no ato de registrar a lei
recém-dada por Deus no Sinai, no primeiro ano após a
saída do Egito, Moisés também achou necessário dar
ao povo as informações sobre sua própria origem e
interpretar os eventos do passado, do presente e do
futuro à luz da revelação do caráter e da vontade de
Deus.[10]
Gênesis se presta exatamente a isso, abrindo a série
de livros escritos por Moisés. Gênesis, que, em grego,
significa “fonte” ou “origem”, concorda com o sentido
do nome hebraico dado ao livro, cujo significado é “no
princípio”.
O propósito do primeiro livro do Pentateuco é fornecer um breve sumário da história da
revelação divina, desde o princípio até que os israelitas foram levados para o Egito e estavam
prontos para formarem uma nação teocrática.
[11]

Assim, Moisés começa seu escrito e, obviamente,


Deus começa sua revelação. Nessa grande história, o
primeiro personagem a surgir é o próprio Deus. Ele é o
sujeito da primeira ação da Bíblia.
No princípio, criou Deus os céus e a terra
(Gn 1.1 – destaque meu).

Ele é o criador do universo, é o criador do homem e


é o criador de um povo que ele pretende utilizar de
modo especial. Como criador, algumas de suas
qualidades podem ser percebidas pelo homem ao
observar o que foi criado. Ainda que Deus esteja muito
além da compreensão humana, ele pode ser
compreendido como agente da criação. Ela, fruto da
criatividade e poder do Deus ilimitado, guarda certas
semelhanças com atributos daquele que a fez existir.
Toda a criação é perfeita. Perfeitos são todos os
propósitos. Isso perdura até que o pecado interfere de
modo destruidor e separador (Gn 3). Apesar do alerta
claro de Deus e do favorecimento do homem em meio
a toda a criação, seu ímpeto o levou à desobediência. A
queda do homem por meio do pecado não apenas abriu
um abismo entre a humanidade e seu criador.
Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia,
esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do
jardim (Gn 3.8 – destaque meu).

Mas isso não é tudo. A queda também abriu as


portas para o desenvolvimento da maldade. Por isso,
um capítulo após a narrativa da queda, acontece o
primeiro homicídio, que foi, na verdade, um fratricídio
(Gn 4.8). Se isso já é uma demonstração do
desenvolvimento da maldade e do pecado, ele é ainda
menor que o próximo estágio: o homem matar e se
vangloriar do feito (Gn 4.23,24).
O ápice do afastamento da santidade com a qual
homem foi criado parece se encontrar em Gênesis 6.5-
8 – provavelmente a mais negativa afirmação sobre a
humanidade.[12] Isso fez com que Deus reagisse com
uma punição que exterminou toda a vida humana, com
exceção de uma família pela qual Deus deu sequência à
história do homem (Gn 6 - 8). Tal punição marcou o
fato de Deus ser o vingador do mal e do pecado.
Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era
continuamente mau todo desígnio do seu coração; então, se arrependeu o Senhor de ter feito o
homem na terra, e isso lhe pesou no coração. Disse o Senhor: Farei desaparecer da face da terra o
homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os
haver feito (Gn 6.5-7).
[13]

O mundo pré-diluviano, contudo, não foi palco


apenas da insubmissão e da inimizade contra Deus.
Assim como na primeira família surgiu o primeiro
homicida, na mesma família surgiu o primeiro mártir.
Abel foi morto pelo irmão porque sua oferta foi aceita
por Deus, enquanto a de Caim foi recusada. Muito se
diz desse fato sobre o objeto da oferta de cada um.
Muitos dizem que o fato de Abel ter trazido a Deus
uma “oferta de sangue” foi a razão de ela ser aceita.
Contudo, quando Caim se zanga por ter a oferta
rejeitada, Deus não culpou o objeto da oferta, mas o
procedimento do ofertante.

Então, lhe disse o Senhor: Por que andas irado, e por que descaiu o
teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se,
todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será
contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo (Gn 4.6,7).

A verdade é que Abel foi aceito e Caim, rejeitado


(Gn 4.4,5). Se, por um lado, o pecado de Caim o
afastou de Deus, algo em Abel o aproximou.[14] Tal
proximidade restaurou a comunhão entre o homem e
seu Criador. Se isso é apenas deduzido no caso de
Abel, no caso de Enoque é explícito. Moisés registrou
um comentário singular ao dizer que Enoque “andou
com Deus” (Gn 5.22-24). Não só isso, como também o
fato de ele ter sido arrebatado para junto de Deus sem
ver a morte (v.24 cf. Hb 11.5). A expressão “andar com
Deus” é bem forte. Ela denota amizade, parceria,
similaridade de objetivos. Usar nas Escrituras tal
expressão significa que o que foi perdido na queda está
sendo, de algum modo, reconstruído. E o modo pelo
qual isso ocorre é a busca que parte de Deus e é por ele
mesmo efetivada.[15]
O fato de haver servos de Deus antes do dilúvio não
fez com que Deus dispensasse o castigo da humanidade
caída. A raça humana teria desaparecido não fosse
Deus poupar uma família para, a partir dela, encher a
Terra. Um homem, Noé, foi “escolhido” para ser o
novo patriarca da humanidade. Deus orientou Noé a
construir uma arca a fim de sobreviverem ele e sua
família, além dos animais enviados por Deus, quando o
dilúvio viesse com seus poder destrutivo. Nesse
aspecto, a arca agiu como o fator de proteção de Deus,
a salvação da morte e da ira.

De toda carne, em que havia fôlego de vida,


entraram de dois em dois para Noé na arca; eram
macho e fêmea os que entraram de toda carne,
como Deus lhe havia ordenado; e o Senhor fechou a
porta após ele (Gn 7.15,16).

Noé é descrito como um homem bom e justo diante


de Deus (Gn 7.1). O bisavô de Noé, Enoque, recebeu
um tratamento especial no livro de Gênesis, conforme
dissemos. Ao que tudo indica, o bom exemplo de
Enoque passou aos seus descendentes e, tendo chegado
a Noé, promoveu o mesmo que em seu antecessor, pois
ele também “andava com Deus” (Gn 6.9). Entretanto,
ainda que isso tenha ocorrido, Noé não se tornou
merecedor de ser salvo da ira que recaiu sobre o mundo
pelas águas do dilúvio. A verdade é que ele foi
escolhido por Deus pela “graça” (Gn 6.8).[16]
Esse ato de Deus, a eleição de um homem pecador a
fim de conceder a ele sua graça, se manifestou de
modo mais nítido e incisivo na pessoa de Abrão.[17]
Muitos o imaginam como um dedicado servo quando
foi chamado por Deus. Mas a verdade é que ele vinha
de uma família que adorava “outros deuses” e não o
Deus criador e verdadeiro.

Então, Josué disse a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de Israel:
antigamente, vossos pais, Tera, pai de Abraão e de Naor, habitaram
dalém do Eufrates e serviram a outros deuses (Js 24.2 – destaque meu).

Se em Noé não é nítida a sua pecaminosidade pelo


texto de Gênesis, o mesmo não ocorre com Abrão.
Contudo, a exemplo de Noé, Deus escolhe Abrão para
executar nele seus decretos e lhe conceder bênçãos
imerecidas. A eleição de Abrão não é nítida apenas
pelo fato de ele não merecê-la, mas também pela
improbabilidade de tal escolha. A tarefa para a qual
Deus o chamava e o povo numeroso que lhe prometia
exigiam, segundo o pensamento “lógico”, um homem
de capacidade, de destaque e de linhagem forte. Isso é
tudo que Abrão não era.
Diferente de todas as linhagens descritas em
Gênesis, a de Terá, pai de Abrão, é pequena (Gn 11.27-
29). Além disso, Abrão não tinha filhos devido à
esterilidade da sua esposa (Gn 11.30), fazendo com que
o significado do seu nome – “pai exaltado” – perdesse
seu sentido. Assim, contra a lógica e contra os méritos,
o Senhor escolhe e chama Abrão (Gn 12.1).
Com esse chamado, Deus iniciou uma linhagem que
se tornou um povo que, no devido tempo, foi
convertido em uma nação. Assim, Gênesis 1–11, ao se
ocupar com as origens das nações, agem como prólogo
do drama da redenção iniciado em Gênesis 12.[18] Daí
para frente, os acontecimentos, tanto os bons como os
ruins, não foram encarados como vicissitudes da vida.
Na verdade, foram tidos como cumprimento de
alianças feitas por Deus na forma de decretos
irrevogáveis.

Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da


casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande
nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma
bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.1-
3).

Esse esboço histórico é também um esboço


teológico no qual deus, por meio de moisés, rascunha
assuntos como o criador, a criação, o pecado, a punição,
a salvação, a comunhão, e os decretos. Nossa intenção
não é, a partir dos pontos teológicos aqui levantados,
exaurir a revelação veterotestamentária sobre cada um
deles. Pretendemos ressaltar conceitos teológicos
fundamentais do antigo testamento para que o leitor
possa compreendê-los melhor, identificá-los nas
escrituras e se aprofundar em seu conhecimento.

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Em um sentido mais amplo da palavra, o que é


teologia?
Qual é o relacionamento entre a teologia bíblica e a
teologia sistemática?
Diante do conceito da revelação progressiva, que tipo
de informações se espera encontrar nos primeiros
escritos bíblicos?
Qual é a importância do livro de Gênesis para o povo
israelita que foi tirado da escravidão do Egito e que
se estabeleceria em Canaã?
Qual é a relevância de Gênesis 1 – 12 para a teologia?
Capítulo 2

O Criador

Tema ao Senhor toda a terra, temam-no todos os habitantes do


mundo. Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir
(Salmo 33.8,9).

Um texto muito conhecido no Antigo Testamento


tem como fonte o aprendizado de Jó sobre a pessoa de
Deus. Apesar de ser um bom servo, o sofrimento que
lhe expôs muitas dúvidas sobre as razões para tanto e
as palavras finais de Deus, fizeram com que ele
dissesse: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os
meus olhos te veem” (Jó 42.5). É claro que Jó utilizou
uma figura de linguagem para transmitir a ideia de que
ele aprendeu mais sobre Deus e passou a conhecê-lo
melhor. Por si só, esse fato ensina que, ao interagir
com o homem, Deus se faz conhecido a ele. Contudo, o
mesmo Jó olha para o outro lado e reconhece que a
capacidade que o homem tem de conhecer o Senhor é
limitada: “Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas
demais para mim, coisas que eu não conhecia” (v.3).
A razão para essa realidade dupla é que Deus está
muito além da compreensão humana. No entanto,
decidiu revelar ao homem parte da sua natureza e do
seu caráter, o necessário para produzir um
relacionamento com o homem.
Há vários modos didáticos de dividir as qualidades
de Deus (também conhecidas como atributos). Como
nossa visão se baseia no relacionamento de Deus com
o homem, dividiremos tais qualidades em dois grupos
distintos. No primeiro, os atributos nos quais Deus se
distingue da criação e se mostra acima dela. No
segundo, os atributos pelos quais Deus se faz presente
na criação interagindo como ela.

O DEUS QUE ESTÁ ACIMA DO HOMEM

Apesar de as religiões politeístas do passado terem


criado um panteão de deuses e deusas que mais se
parecem com homens e mulheres pecadores com quem
convivemos diariamente, o Senhor criador revelado nas
Escrituras guarda características únicas que só se veem
nele mesmo. Alguns desses atributos nos ensinam o
quanto Deus é diferente e superior a toda a criação.

1. Eterno

A primeira ação descrita em Gênesis, a criação,


mostra que Deus é anterior a ela. A história
apresentada coloca os olhos do leitor “no princípio” (Gn 1.1)
de toda a história. Nessa ocasião, Deus atua criando tudo
que existe, exceto ele mesmo. O agente da criação
existe antes dela: “Ainda antes que houvesse dia, eu
era” (Is 43.13a). Enquanto o universo tem um
princípio, Deus é eterno.
É certo que o conceito da eternidade confunde o
homem. Mesmo sendo fácil definir o eterno e a
eternidade, ao tentar imaginar tais conceitos em termos
da existência de Deus, o homem, com sua capacidade e
com sua natureza limitada, enfrenta problemas sérios
de compreensão da inexistência de limites em Deus,
principalmente no que tange ao tempo. Para a
humanidade, tudo que existe teve um momento inicial,
perdura durante certo tempo e acaba por encontrar seu
término. Nenhuma dessas realidades se aplica a Deus,
pois ele não está, como nós, debaixo do tempo ou preso
a ele, “pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e
como a vigília da noite” (Sl 90.4).
Essa realidade é tão marcante na pessoa de Deus
como alguém cujas características são superiores às
dos homens que ele é chamado várias vezes de “Deus
eterno” (Gn 21.33; Dt 33.27; Is 40.28). Deus sempre
existiu e sempre existirá (1Cr 16.36; Ne 9.5). Sua
existência não tem início, sendo ele aquele “cujas origens
(Mq 5.2).[19]
são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade”
O mesmo diz Habacuque: “Não és tu desde a
eternidade, ó Senhor, meu Deus, ó meu Santo?” (Hc
1.12a).
Esse conceito, que parece ser isolado, tem várias
implicações que fazem parte do conhecimento revelado
a respeito de Deus. Em primeiro lugar, por ser eterno,
entende-se que Deus não teve princípio como a
criação, não havendo também para ele um criador. Jó,
ao se debater com a incompreensão das razões pelas
quais atravessava dificuldades duríssimas, traz à tona a
realidade de que não há ninguém superior a Deus a
quem ele possa recorrer para que o livre da mão do
Senhor (Jó 10.7). O sumo sacerdote Eli, em uma
repreensão aos filhos pelos pecados que cometiam na
função sacerdotal e o modo como se comportavam no
tabernáculo, lhes disse que não havia quem pudesse
agir como árbitro em uma demanda entre Deus e o
homem (1Sm 2.25).
O fato de Deus não ter sido criado significa algo
mais: ele é “autoexistente”, ou seja, existe por causa dele
mesmo e não por causa de outro. Ele é causa de tudo e
não é efeito de nada. Sua vida não depende de nada,
nem ninguém. Por isso, Jeremias chamou o Senhor de
“Deus vivo”, associando essa realidade à sua
eternidade, já que também o chama de “rei eterno” (Jr
10.10). O salmista demonstra que isso faz de Deus
aquele de quem a vida emana afirmando ser ele o
“manancial da vida” (Sl 36.9). Imediatamente, ele
reconhece que nós, e não Deus, somos diretamente
dependentes da sua existência, dizendo “na tua luz,
vemos a luz”.
Por fim, uma das melhores expressões da existência
autônoma e não dependente de Deus é o próprio modo
como ele se apresenta a Moisés e aos israelitas –“eu sou
o que sou” (Ex 3.14) –, transmitindo tanto a ideia não
só de uma existência plena como da sua presença
constante com seu povo,[20] a qual não pode ser
abalada por nada.[21]
A segunda implicação tem a ver com a constância
dos atributos do Senhor e com sua imutabilidade. Deus
não está em desenvolvimento nem sofrendo qualquer
tipo de degradação. Ele não é mais Deus hoje que
antigamente. Em lugar disso, faz jus às palavras de
Moisés: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o
mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2 – destaque
meu). Jeremias, tendo em mente a eternidade de Deus,
o chama de “verdadeiramente Deus” (Jr 10.10), algo
que se contrapõe aos ídolos feitos por homens.[22] Não
há mudança no seu caráter (Sl 25.6; 119.142; Is 54.8),
nem tampouco na sua primazia e soberania sobre tudo
o que existe, já que ele “preside desde a eternidade” (Sl
55.19), seu trono “desde a antiguidade está firme” (Sl
93.2) e seu domínio é domínio eterno (Dn 7.14).
Uma das melhores afirmações da imutabilidade de
Deus se dá por suas próprias palavras: “Eu, o Senhor, não
mudo” (Ml 3.6). Enquanto todos sofrem com o tempo, Deus
se mantém o mesmo e, por isso, lhe diz o salmista: “Eles
perecerão, mas tu permaneces; todos eles envelhecerão como uma
veste, como roupa os mudarás, e serão mudados. Tu, porém, és sempre o
(Sl 102.26,27).
mesmo, e os teus anos jamais terão fim”
A eternidade de Deus, um dos fatores que o fazem
tremendamente distinto da criação, torna-o também
digno de louvores. Apesar de ser comum,
principalmente em nossos dias, as pessoas louvarem a
Deus unicamente pelas coisas que ele faz e pelo modo
bondoso como trata seu povo, o Antigo Testamento é
rico em louvores a Deus por quem ele é. Nesse sentido,
diz-lhe Davi: “Bendito és tu, SENHOR, Deus de Israel, nosso pai, de
eternidade em eternidade” (1Cr 29.10b).
Algo interessante de se notar é que, para que o
homem louve ao Senhor por sua existência e glória
eterna, Deus incutiu nele a noção da eternidade, ainda
que não possa contemplá-la por inteiro: “Tudo fez Deus
formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do
homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio
até ao fim” (Ec 3.11).
Por fim, a eternidade de Deus lhe serve como aval
para sua credibilidade. Ele mesmo lança mão desse
atributo ao assegurar a proteção do seu povo e a
retribuição aos seus inimigos, produzindo neles
confiança: “Levanto a mão aos céus e afirmo por minha vida eterna”
(Dt 32.40). O profeta Isaías reconhece essa relação
entre a eternidade de Deus e a garantia do cumprimento
das suas palavras ao dizer “confiai no SENHOR perpetuamente,
porque o SENHOR Deus é uma rocha eterna” (Is 26.4).

2. Ilimitado e Infinito

Falando sobre as palavras e os caminhos de Deus,


Davi diz: “Tenho visto que toda perfeição tem seu limite” (Sl
119.96a). Sua intenção, ao dizer isso, foi mostrar a
superioridade da perfeição da lei do Senhor.
Entretanto, essa verdade permanece quando aplicada a
outras finalidades. De fato, por melhores que sejam as
pessoas e as coisas ao seu redor, todos têm limites. A
qualidade e o valor de cada coisa, ainda que grandes,
encontram em algum ponto seu alcance máximo. Para
Deus, essa regra não é válida. Ele é um Deus infinito.
A infinitude de Deus lhe confere, em primeiro lugar,
“perfeição”. Isso porque o conceito de um Deus sem
limites não admite a ideia de que haja alguém maior ou
melhor que Deus, nem um estado mais desenvolvido,
ou um caráter melhor. Ainda que o Antigo Testamento
incentive a perfeição de caráter do seguidor do Senhor
(Gn 17.1; Dt 18.13), tomando como base o próprio
caráter divino, a perfeição de Deus é inatingível para o
homem e está além da sua capacidade de compreendê-
la (Jó 11.7). Por isso, tudo que ele faz e diz também é
isento de falhas ou limites, visto que “o caminho de
Deus é perfeito” (2Sm 22.31).
Outra faceta da infinitude de Deus é sua
“onipresença”. Esse termo faz referência ao fato de que
Deus está em todos os lugares ao mesmo tempo. O
universo não é grande bastante para que Deus não
possa estar presente em todo ele. Isso significa que
Deus, na totalidade da sua essência, sem difusão ou
expansão, multiplicação ou divisão, penetra e preenche
o universo em todas as suas partes.[23] O salmista
desenvolve esse tema no Salmo 139: “Para onde me
ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá
estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se
tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me
haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá” (Sl 139.7-10).
A implicação da onipresença de Deus para os
homens reside na responsabilidade pelos atos, já que
todos são feitos diante de Deus. Ninguém pode fazer
algo mau longe da presença do Senhor, segundo diz
Jeremias: “Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o Senhor, e não também
de longe? Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja?
— diz o Senhor; porventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o
Senhor” (Jr 23.23,24 – destaque meu). A pergunta retórica do
Senhor demonstra que não há limites para a sua
presença.
Outra implicação reside no modo de cultuar a Deus,
diferente dos povos pagãos que os imaginavam
especialmente presentes em seus templos ou nos altos
montes. No caso do Deus de Israel, ainda que houvesse
um grande templo onde se realizava seu culto, era
sabido que sua presença não se limitava a certos locais,
pelo que diz Salomão: “Mas, de fato, habitaria Deus na
terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te
podem conter, quanto menos esta casa que eu
edifiquei” (1Rs 8.27). Desse modo, a adoração a Deus,
apesar dos ritos realizados no templo, deveria
acompanhar os adoradores a toda parte.
A ausência de limites espaciais de Deus indica,
também, que ele não está ligado a uma forma física.
Toda forma física é definida pelo seu formato e pelos
seus limites. Deus não os tem. Eis a provável razão
pela qual ele proibiu, no decurso da sua adoração, a
adoção de imagens (Ex 20.4,5). Fossem elas
representações de Deus ou de seres ligados a ele, de
qualquer modo haveria uma diminuição do conceito da
infinitude do Senhor, visto que nada o pode conter,
conformar ou deslocar. Eis o motivo da repreensão
divina ao culto iniciado por Jeroboão em Betel e em Dã
por meio de dois bezerros de ouro que fez. Apesar da
sua intenção não ser a de introduzir um novo deus, mas
um novo modo de culto a Deus,[24] tal culto foi
rejeitado por completo por ser incompatível com a
realidade incorpórea e ilimitada do Senhor.
Finalmente, a infinitude de Deus pressupõe seu
poder ilimitado, ao que a teologia nomeia como
“onipotência”. Significa que não há limites na
capacidade que o Senhor tem de fazer tudo quanto
queira ou deva fazer.[25] Essa capacidade é vista,
inicialmente, no ato de criar tudo que existe, apesar de
não haver, nesse momento, uma afirmação clara do
poder de Deus. Contudo, o Antigo Testamento faz
afirmações claras que associam a criação ao poder
Deus. Jeremias afirma que Deus “fez a terra pelo seu poder” (Jr
51.15a) e o salmista atesta que “os céus por sua palavra se
fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles” (Sl 33.6).
A suficiência de Deus na criação é ainda objeto da
atenção de Isaías: “Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas, que
sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a terra” (Is 44.24b). Diante do
fato de tudo ter ocorrido pelo simples comando de
Deus, ordenando a existência do que antes não existia,
Walter Kaiser conclui, ao examinar Gênesis 1 e 2,[26]
que a criação é resultado da “palavra dinâmica” de
Deus.[27]
A onipotência de Deus não é vista apenas na criação,
mas também ao realizar coisas na história humana que
são impossíveis para o homem. Por isso, ao fazer uma
aliança com Abraão, cujas promessas visavam a
desdobramentos históricos improváveis na concepção
humana, o Senhor se apresenta como o “Deus Todo-
poderoso” (Gn 17.1). Se a simples designação já
transmite a ideia da ausência de limites para fazer o
que quiser, tal poder se faz sentir em ações práticas
como fazer a estéril Sara tornar-se mãe: “Acaso, para o
Senhor há coisa demasiadamente difícil? Daqui a um ano, neste mesmo
(Gn 18.14 cf. 21.1-3).
tempo, voltarei a ti, e Sara terá um filho”
Jeremias completa essa noção dizendo “coisa alguma te é
demasiadamente maravilhosa” (Jr 32.17).
Outro modo de o Antigo Testamento apresentar o
poder ilimitado do Senhor é comparando-o ao poder do
homem. A noção que surge nesse campo é que o
Senhor é poderoso acima de todos e que nada do que
queira fazer pode ser impedido por quem quer que seja.
Isso é exatamente o que diz Jó ao se humilhar perante
Deus: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus
planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). É o que também
está presente em Isaías como garantia de que Deus é
poderoso para salvar seu povo: “Nenhum há que possa
livrar alguém das minhas mãos; agindo eu, quem o
impedirá?” (Is 43.13b). No final das contas, quando
não há consenso entre os desejos da criatura e do
Criador, quem prevalece é o Senhor: “Muitos
propósitos há no coração do homem, mas o desígnio do
Senhor permanecerá” (Pv 19.21).
Deus também se distingue da humanidade no campo
do conhecimento, sendo ele “onisciente”. Enquanto o
homem tem limitações na quantidade de conhecimento
que tem, fato pelo qual vive em processo de contínuo
aprendizado, Deus conhece todas as coisas. Ele é
ilimitado também nisso. Ele conhece tudo que existe,
ainda que o escopo de tal conhecimento seja inatingível
sob a perspectiva humana: “Conta o número das
estrelas, chamando-as todas pelo seu nome. Grande é o Senhor nosso e mui
(Sl 147.4,5).
poderoso; o seu entendimento não se pode medir”
Mesmo as coisas mais ocultas, como o íntimo das
pessoas, são desvendadas diante do conhecimento de
Deus, pois “o Senhor sonda os corações” (Pv 21.2) e “penetra todos os
desígnios do pensamento” (1Cr 28.9), conhecendo por completo
“a mente e o coração” (Sl 7.9), “porque o Senhor não vê
como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o
Senhor, o coração” (1Sm 16.7b).
Mas isso não é tudo. O conhecimento de Deus
abrange também as coisas que ainda não existem por
estarem no futuro. Assim, por meio dos seus servos,
Deus anunciou com antecedência diversos
acontecimentos futuros, como a fome nos dias de José
(Gn 41.25b), as sucessões políticas previstas na estátua
de Nabucodonosor (Dn 2.29b), a destruição do altar
pagão por Josias (1Rs 13.2 cf. 2Rs 23.16) e a
subjugação da Babilônia e a libertação dos israelitas
por Ciro (Is 45.1; 48.14b; cf. Ed 1.1).[28] Esses são
exemplos de profecias já cumpridas. O Antigo
Testamento tem muitas outras previsões divinas que
ainda aguardam o cumprimento e que são tratadas no
campo da escatologia.
Davi faz belas afirmações sobre a onisciência divina:

Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e


quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos.
Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus
caminhos. Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, Senhor, já a
conheces toda.
Salmos 139.1-4

Esse conhecimento produz obras admiráveis e


incomparáveis que não dependem somente do poder de
Deus, mas também do seu conhecimento de tudo:

Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha


mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso
me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe
muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no
oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os
teus olhos me viram a substância ainda informe.
Salmos 139.13-16a
Até mesmo o futuro do salmista era conhecido pelo
Senhor quando o fez:

No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles


escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.
Salmos 139.16b

Davi completa o quadro afirmando que o


conhecimento do Senhor é ilimitado e não pode ser
mensurado:

Que preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! E como


é grande a soma deles! Se os contasse, excedem os grãos de
areia; contaria, contaria, sem jamais chegar ao fim.
Salmos 139.17,18).

Por outro lado, o conhecimento do homem é


limitado e inferior ao de Deus:

Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo


elevado, não o posso atingir.
Salmos 139.6

3. Santo

Ser santo significa que Deus é separado.[29] Nesse


sentido, ele é separado tanto da criação como de tudo
que é indigno ou pecaminoso. Trata-se de uma
absoluta separação do mal.[30] Ele é superior e
separado de tudo que não é Deus e de tudo que não é
perfeito. De modo positivo, pode-se dizer que a
afirmação de que Deus é santo significa que ele é
completamente puro e distinto de tudo o mais que
existe.
A coletânea de definições sobre a santidade de
Deus se deve ao fato de não ser fácil definir o termo.
Entretanto, muitos teólogos afirmam ser justamente
essa qualidade de Deus que define todos os traços do
seu caráter.[31] Isaías confirma a importância no
caráter de Deus (Is 6.3). Ralph Smith afirma que a
santidade no Antigo Testamento significa a essência
divina e diz respeito a tudo sobre Deus que o separa
da sua criação.[32]
A santidade de Deus implica várias coisas. Em
primeiro lugar, ele não faz parte de um panteão, nem
guarda semelhanças com as características dos falsos
deuses adorados pelos povos, pelo que disse Moisés:
“Ó Senhor, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu, glorificado
em santidade, terrível em feitos gloriosos, que operas maravilhas?” (Ex
15.11 – destaque meu). Enquanto os deuses do
paganismo têm características negativas como os
próprios defeitos de caráter dos homens, o Senhor
exposto nas Escrituras é diferente e único: “Não há santo
como o Senhor, porque não há outro além de ti” (1Sm 2.2). Ele
apresenta uma moral perfeita que o faz agir com uma
ética perfeita. Isso o torna distinto de todos os seres:
“A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja
igual? – diz o Santo. (Is 40:25).
A santidade de Deus também aponta para o fato de
que Deus é “único”, visto que o aspecto de separação
contido no significado da palavra “santo” aponta para
uma divisão básica: Deus e o restante. Quanto ao
restante, todo ele foi criado por Deus: “No princípio, criou
Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). A ideia aqui não é apontar
apenas para o céu como um lugar específico e a Terra
como elemento, mas abranger “tudo” que existe pela
expressão “os céus e a terra”. Vislumbrando o conjunto
completo da criação, o salmista brada: “Teus são os céus, tua, a terra; o
mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Sl 89.11). Desse modo, fica claro o
fato de que Deus não divide espaço com outros deuses ou outros criadores.
Ainda que as Escrituras não narrem a criação de todas as coisas (a criação
dos anjos, por exemplo, não é descrita), não há espaço para qualquer outro
criador.[33] Assim, nada mais óbvio que Deus se revelar como “único
Senhor”: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6.4). A
consequência é uma adoração inteiramente voltada a ele sem que seja
dividida com nada, nem com ninguém, pelo que se vê no texto contíguo –
“Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma
e de toda a tua força” (Dt 6.5).
É possível haver alguma confusão quando se veem textos em que outros
“deuses” são personificados, como no caso do juízo de Deus sobre o Egito,
quando o Senhor diz: “Executarei juízo sobre todos os deuses do Egito” (Ex
12.12). Entretanto, esse é um modo de demonstrar a tolice de se confiar em
conceitos de deuses inexistentes criados na mente humana, visto que eles não
resistem diante da atuação do Senhor que “é Deus; nenhum outro há, senão
ele” (Dt 4.35). Diz o próprio Senhor: “Além de mim não há Deus” (Is 44.6),
“porque todos os deuses dos povos não passam de ídolos; o Senhor, porém,
fez os céus” (Sl 96.5) e “a minha glória, pois não a darei a outrem, nem a
minha honra, às imagens de escultura” (Is 42.8).
A noção do santo ou do sagrado como algo separado faz também que o
Senhor considere o que lhe pertence como algo separado do mundo para ele:
“Ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo e separei-vos dos povos
para serdes meus” (Lv 20.26 – destaque meu). Com isso, Archer vê como
consequência natural que o Israel redimido deveria conservar-se puro, isto é,
separado do mundo para servir e prestar culto ao único Deus verdadeiro.[34]
Portanto, a pureza do Senhor e seu contato limitado com os homens impuros
devem também ser imitados pelos que lhe pertencem. É claro que o pecado
tornou todos os homens impuros. Mas Deus, a fim de manter comunhão com
um povo que lhe serve, atua na sua santificação, como se vê em suas palavras
expressas a Israel: “Eu sou o Senhor que vos santifico” (Lv 20.8).[35]
O ato de Deus separar um povo para si não elimina a responsabilidade dos
próprios servos de se consagrarem a Deus. Na verdade, para se ter comunhão
com Deus é necessário que o homem assimile o conceito da santidade do
Senhor[36] e entre no processo de reproduzi-lo em sua vida: “Eu sou o
Senhor, vosso Deus; portanto, vós vos consagrareis e sereis santos, porque
eu sou santo” (Lv 11.44 – destaque meu).[37] A sequência desse texto mostra
que tal consagração inclui a pureza (“não vos contaminareis” – v.44) e a
separação do sistema mundano (“vos faço subir da terra do Egito, para que eu
seja vosso Deus; portanto, vós sereis santos” – v.45). Ser povo santo é,
naturalmente, repudiar e se afastar do que é imoral e corrupto: “O teu
acampamento será santo, para que ele não veja em ti coisa indecente e se
aparte de ti” (Dt 23.14b).
Quando a consagração tinha relação com pessoas, isso implicava limites
nas ações e nos relacionamentos, como no caso dos sacerdotes, o que
lembrava que a prostituição cultual comum em Canaã não tinha relação com
o culto israelita:[38] “Não tomarão mulher prostituta ou desonrada, nem
tomarão mulher repudiada de seu marido, pois o sacerdote é santo a seu
Deus” (Lv 21.7 – ver também Nm 6.1-8). Quando tinha relação com objetos
ou animais, implicava uso exclusivo no serviço de Deus (Lv 8.11) e
qualidade compatível com a função de servir a Deus, como as ofertas “sem
defeito” a serem oferecidas na purificação de pecados (Lv 5.15). Quando a
consagração tinha relação com o tempo – sábados, dias de festa, anos de
descanso, anos de jubileu – havia proibições de trabalho e de plantio,
devendo haver descanso, fosse dos trabalhadores ou da terra (Ex 31.14-16;
Lv 25.10-12).

O DEUS QUE SE APROXIMA DO HOMEM

Todos os atributos de Deus são perfeitos e demonstram que ele está acima
do homem. Entretanto, alguns desses atributos perfeitos se tornam
conhecidos no relacionamento do Senhor com a humanidade, principalmente
com seus servos.

1. Pessoal

A primeira característica de Deus que permite o relacionamento entre ele e


os homens é o fato de ele ser pessoal. Isso não quer dizer que Deus tem um
corpo, mas que tem inteligência, emoções e vontade.[39] Ficam de fora desse
conceito todas as ideias de Deus como uma força cósmica, uma fator de
ligação entre os seres vivos ou a somatória de tudo que existe. Deus, assim
como nós, é uma pessoa.
O primeiro traço da sua personalidade, conforme revelado no Antigo
Testamento, é sua inteligência e isso está patente desde o princípio na obra da
criação. Ao criar tudo que existe, Deus mesmo avalia o que fez e “eis que era
muito bom” (Gn 1.31). Não é somente Deus que notou a que a perfeição da
criação atesta a inteligência do criador. O salmista, ao olhar para o que Deus
fez, notou que a inteligência do criador está impressa na perfeição e na
grandeza da criação: “Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com
sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas” (Sl 104.24 –
destaque meu). Por isso, Davi aprende sobre Deus ao olhar para os céus,
obras do Senhor: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento
anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite
revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e
deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua
voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo” (Sl 19.1-4).
O tipo de intelecto que a criação revela como causa da sua forma, tamanho,
variedade, ordem e funcionamento é extremamente superior ao intelecto
humano. Isso fica nítido no modo como Deus trata Jó antes de dar fim ao seu
sofrimento. Para mostrar o soberano incompreensível e inquestionável, Deus
compara o seu entendimento com o entendimento de Jó – e de todos os
homens – perguntando-lhe: “Onde estavas tu, quando eu lançava os
fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento” (Jó 38.4). Nunca
houve resposta da parte de Jó a essa pergunta. Na verdade, a ela não cabe
uma resposta, pois trata-se de uma pergunta retórica cujo significado é muito
claro: não há entendimento no homem que se compare ao do Senhor.
O minúsculo entendimento do homem diante de Deus se revela ao longo
dos capítulos 38 e 39 de Jó, onde Deus enche seu servo de perguntas às quais
ele não sabia responder. Entretanto, não fica nítida apenas a limitação do
conhecimento e da capacidade intelectual do homem, mas também a falta de
limites da inteligência divina que foi responsável pela criação e pela
manutenção de tudo que fez em perfeita ordem e harmonia como a mais
perfeita obra de arte que se conhece.
Como ser pessoal e inteligente, Deus tem uma característica fundamental
para o conhecermos e nos relacionarmos com ele: a capacidade de se
comunicar. A primeira mostra disso se dá na comunicação pessoal de Deus
ao criar o homem: “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26). Ainda que o Novo Testamento seja
o responsável por apresentar o Deus único em três pessoas distintas, o Antigo
Testamento dá apenas indicações da doutrina da trindade. Nesse caso, Deus
fala consigo mesmo usando um pronome no plural. Ao dizer “nossa imagem”
e “nossa semelhança” fica claro que ele se dirige a alguém da mesma
natureza, comunicando-se dentro da própria divindade.
O mesmo ocorre por ocasião da confusão de línguas na torre de Babel: “E
o Senhor disse: Eis que o povo é um [...] Vinde, desçamos e confundamos ali
a sua linguagem” (Gn 11.6,7). O v.8 mostra que Deus somente foi o
responsável pelo que propôs nos versículos anteriores, demonstrando que a
comunicação expressa nos vv.6,7 não atingiu ninguém fora dele mesmo.
Deus se comunica também com o homem. Isso aconteceu de várias
maneiras. Falou diretamente com homens, como nos casos de Adão (Gn
2.15-17), de Noé (Gn 6.13), de Abraão (Gn 12.1-3), de Moisés (Ex 3.4-10) e
dos profetas. Comunicou-se por meio de escritos como as tábuas da lei (Ex
24.12) e a escrita na parede do palácio da Babilônia (Dn 5.24-28). Por fim, se
comunicou com seu povo por meio dos profetas, os quais agiam como porta-
vozes. Nesse caso, é muito comum a fórmula “assim diz o Senhor”, utilizada
por eles para introduzir as palavras do Senhor (Ex 5.1; Jz 6.8; 1Rs 11.31; Is
7.7; Jr 2.2; Ez 2.4).
Outro traço da personalidade de Deus é o fato de ele ter emoções. Algumas
dessas emoções receberão mais atenção e análise das suas implicações mais à
frente. Entretanto, é necessário, por ora, mostrar como Deus difere de um ser
impessoal cujas emoções inexistem. Como uma pessoa, Deus sente amor.
Desse modo, Jeremias vê Deus se dirigindo a Israel a fim de lhe garantir a
restauração futura dizendo: “Com amor eterno eu te amei” (Jr 31.3). Deus
também se ira. Quando o Senhor chamou Moisés e este passou a
sistematicamente resistir ao chamado, “se acendeu a ira do Senhor contra
Moisés” (Ex 4.14).
A misericórdia e a compaixão são sentimentos vistos em Deus no seu
contato com os seres humanos. Deus revela a Moisés: “Terei misericórdia de
quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer”
(Ex 33.19b). O Senhor, como um ser pessoal, alegra-se. O profeta Sofonias
enche os israelitas de esperança quanto ao seu futuro, dizendo-lhes: “O
Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará
em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo”
(Zc 3.17). Por fim, Deus também se entristece. Ao ver a humanidade anterior
ao dilúvio imersa no pecado, “se arrependeu o Senhor de ter feito o homem
na terra, e isso lhe pesou no coração” (Gn 6.6 – destaque meu).
Apesar de o “arrependimento” também ser um sentimento, no caso de
Deus ele assume outro significado que não o de “mudar de ideia”. Nesse
sentido, o profeta Samuel assegura que “também a Glória de Israel não
mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se arrependa”
(1Sm 15.29 – destaque meu). Por isso, é bom notar que nas ocorrências de
“arrependimento” ligadas a Deus, um elemento comum é a mudança de
atitude de Deus para com o homem, seja da bênção para o castigo (Gn 6.6,7;
1Sm 15.11,35; Jr 18.9,10), seja do castigo para o perdão (Ex 32.14; 2Sm
24.16; Jr 18.8; Am 7.2-6; Jn 3.10), sem, contudo, sair de seu plano
previamente traçado ou das punições ou bênçãos que ele predefiniu na
aliança que fez com os israelitas. Quando o arrependimento é usado no seu
sentido normal, presumindo uma mudança de opinião e de planejamento, a
Bíblia se apressa em dizer que “Deus não é homem, para que minta; nem
filho de homem, para que se arrependa” (Nm 23.19 – destaque meu).
Quando a Bíblia aplica o termo arrependimento a Deus nesses casos, faz
uso de uma linguagem chamada “antropomórfica”, utilizando realidades que
nos são conhecidas a fim de nos apresentar verdades divinas que temos
dificuldade de compreender. Isso faz parte do modo de Deus se revelar ao
homem de forma inteligível, coerente e compatível com a condição humana.
[40]
Eichrodt aponta para o fato de que, no uso do antropomorfismo, é comum
atribuir a Deus não somente ações humanas, como rir, cheirar e assobiar, e
membros do corpo humano, mas também sentimentos humanos como o
arrependimento.[41] Nesse caso, tal linguagem nos auxilia a perceber os
efeitos do pecado do homem sobre a santidade de Deus e da misericórdia do
Senhor sobre o homem pecador. O mesmo tipo de linguagem atribui
didaticamente a Deus membros do corpo humano como mãos e olhos, ainda
que Deus não esteja limitado a um corpo. Sobre esse assunto, Calvino diz:

Os antropomorfitas são também facilmente refutados, os quais


imaginaram um Deus dotado de corpo, visto que frequentemente a
Escritura lhe atribui boca, ouvidos, olhos, mãos e pés. Pois quem,
mesmo os de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim fala
conosco como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as
crianças? Por isso, formas de expressão como essas não exprimem, de
maneira clara e precisa, tanto o que Deus é, quanto lhe acomodam o
conhecimento à pobreza de nossa compreensão. Para que assim suceda,
é necessário que ele desça muito abaixo de sua excelsitude.[42]

O terceiro traço demonstrativo do fato de Deus não ser apenas uma força
ou um conceito é sua vontade. Tal vontade é compatível com sua perfeição e
santidade. Por isso, Davi diz ter como objetivo “fazer a tua vontade, ó Deus meu” (Sl
40.8). Eis a razão pela qual ele ora: “Ensina-me a fazer a tua vontade, pois tu és o
meu Deus
” (Sl 143.10a). Jotão, rei de Judá, a quem a Bíblia qualifica como um
bom rei que “fez o que era reto perante o Senhor” (2Cr 27.2), explica que a
razão para tanto foi “porque dirigia os seus caminhos segundo a vontade do Senhor, seu Deus” (2Cr 27.6).
A vontade do Senhor foi conhecida até mesmo fora de Israel, como se vê
no decreto de Artaxerxes, rei persa, a Esdras, determinando seu retorno a
Jerusalém para o restabelecimento do culto ao Senhor, especificando ao
sacerdote como agir “segundo a vontade do vosso Deus” (Ed 7.18). Além
disso, a vontade de Deus não é cumprida apenas pelos homens que lhe
servem, mas também pelos anjos, “ministros seus, que fazeis a sua vontade”
(Sl 103.21).

2. Soberano

Um traço importante no Antigo Testamento sobre o modo como Deus se


relaciona com a criação e com o homem é sua soberania, a qual merece
atenção especial dos leitores da Bíblia. Seu nome e seus atributos mostram
que ele é soberano.[43] Ainda que a soberania tenha relação direta com a
onipotência, ela não é apenas o poder ilimitado de Deus, mas sua aplicação
prática no controle ativo de tudo que existe. Mesmo sendo essa uma das
ênfases da apresentação de Deus no Antigo Testamento, é certo que muitas
dúvidas surgem nos estudantes da Bíblia que se veem, ao mesmo tempo,
diante do problema do mal e do modo como Deus responsabiliza o homem
por seus atos.
Apesar de a proposta moderna de solucionar tais dificuldades negar a
soberania de Deus, as Escrituras afirmam categoricamente que ele tem poder
para controlar tudo e que, de fato, controla.[44] Dois textos importantes
traduzem o sentido da soberania de Deus:

Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado (Jó 42.2 – destaque meu).

Desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo:

o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade (Is 46.10 – destaque meu).

Assim, soberania não é apenas ter poder para fazer o que quiser, mas ter tal
poder junto com planos e propósitos a serem cumpridos. Não é uma queda de
braço. É o comando pleno de um projeto previamente traçado por Deus, o
qual ele não tem dificuldade de executar, nem encontra impedimentos ou
adversários que o obriguem a capitular ou mudar de rumo. O controle
soberano de Deus, contudo, não pode ser nomeado de “fatalismo”:

O quadro apresentado pela Bíblia não é um quadro fatalista, porquanto o fatalismo deixa a sorte do mundo nas mãos

de uma força impessoal. A Bíblia, porém, deixa o destino do mundo nas mãos de Deus, o Pai, o qual é todo-reto, todo-

sábio e todo-misericordioso.
[45]

Em primeiro lugar, o Antigo Testamento afirma que Deus exerce controle


soberano sobre a “natureza”. O poder infinito de Deus revelado na criação se
mostra também quando Deus, demonstrando o mesmo controle, envia o
dilúvio para eliminar a humanidade com exceção de Noé e sua família. Nessa
ocasião, Deus se apresenta como o autor direto do dilúvio, mostrando que as
forças da natureza atendem às suas ordens: “Porque estou para derramar
águas em dilúvio sobre a terra” (Gn 6.17 cf. v.7).
O mesmo ocorreu por meio das pragas do Egito a fim de se mostrar aos
homens como o Deus incomparável e inspirar nos israelitas reverência e
adoração alegre.[46] Por isso, Deus anuncia a Faraó: “Pois esta vez enviarei
todas as minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os teus oficiais, e sobre o
teu povo, para que saibas que não há quem me seja semelhante em toda a
terra” (Ex 9.14).
Em seu controle sobre a natureza, Deus fez as águas virarem sangue (Ex
7.20), fez o rio produzir rãs em uma quantidade enorme (Ex 8.3,6), fez um
enxame de moscas vir somente sobre os egípcios (Ex 8.24), produziu uma
peste que matou os animais (Ex 9.3,6), produziu feridas abertas – “úlceras” –
nos egípcios e nos seus animais (Ex 9.10), enviou uma chuva de pedras sobre
os homens, os animais e as plantações (Ex 9.22,23), enviou um grande ataque
de gafanhotos que dizimou as flora do Egito e encheu as casas dos moradores
(Ex 10.12-15), fez a luz escurecer apenas na terra dos egípcios (Ex 10.21,22)
e fez morrer todos os primogênitos dos homens e dos animais (Ex 12.29).
Algo que não pode deixar de ser notado, tanto no relato do dilúvio como
no das pregas, é que Deus avisou com antecedência o que faria e explicou seu
propósito, excluindo por completo a possibilidade de tais eventos serem
tratados como eventos ao acaso ou eventos dirigidos por um destino cego que
não seja a decisão e o controle do Senhor.[47]
Deus também se mostrou soberano sobre a natureza ao enviar fartura e
depois seca nos dias de José (Gn 41.25-32); ao abrir o mar diante dos
israelitas (Ex 14.21,22); ao tirar água de uma rocha no deserto (Ex 17.5,6;
Nm 20.7-11); e ao prover, diariamente – exceto aos sábados – o maná (Ex
16.4).
Enumerem-se ainda o evento sísmico, que trouxe punição aos israelitas
rebeldes (Nm 16.31-33); o estancamento das águas do Jordão (Js 3.14-17); os
eventos climáticos surpreendentes, que demonstram sua glória e seu poder
sobre as nações (Ex 20.18; Js 10.11; 1Sm 12.18; Is 29.6); o ato de conter o
Sol e a Lua[48] na batalha liderada por Josué (Js 10.12-14); a seca dos dias
de Elias e o retorno da chuva (1Rs 17.1; 18.1) e dos dias de Davi (2Sm 21.1);
a alimentação do profeta Elias por meio de corvos (1Rs 17.4-6); a tempestade
que se abateu sobre o navio em que estava Jonas (Jn 1.4); e o controle sobre o
peixe que o engoliu e o levou de volta à terra (Jn 1.17; 2.10).
A soberania de Deus também é vista em sua aplicação sobre a “história” da humanidade e das nações. O Senhor controla os

rumos dos acontecimentos e não há nação ou líderes políticos que consigam impor a Deus ou à história os seus próprios planos.

Nesse aspecto, o salmista é categórico:

O Senhor frustra os desígnios das nações e anula os intentos dos povos. O conselho do Senhor dura para sempre; os

desígnios do seu coração, por todas as gerações (Sl 33.10,11).

O contraste desse texto é muito claro. Os planos dos homens sucumbem


diante do controle de Deus. Por outro lado, os planos do Senhor são
efetivados “sempre” e “para sempre”. Mesmo os planos humanos que são
efetivados passam pela direção de Deus: “O cavalo prepara-se para o dia da batalha, mas a vitória
vem do Senhor”
(Pv 21.31). Também os esforços humanos a fim de promover o
bem pessoal estão sob o controle de Deus, pois “o Senhor empobrece e enriquece; abaixa e
também exalta”
(1Sm 2.7).
Esse controle inclui até mesmo os principais líderes das nações. Um
exemplo muito ilustrativo é o caso do rei Acazias, de Judá. Quando o Senhor
decretou que Jeú, a quem ele levantou, fosse o responsável por punir Jorão e,
com isso, a casa de Acabe, também tomou providências soberanas para que o
rei de Judá, Acazias, estivesse presente e fosse morto. Vale frisar que o autor
de Crônicas fez questão de apontar a “vontade de Deus” como o fator
responsável por esse desfecho histórico, dizendo: “Foi da vontade de Deus que Acazias, para a
sua ruína, fosse visitar a Jorão; porque, vindo ele, saiu com Jorão para encontrar-se com Jeú, filho de Ninsi, a quem o Senhor

tinha ungido para desarraigar a casa de Acabe


(2Cr 22.7 cf. 2Rs 8.29 – destaque meu).
O próprio Acabe foi alvo da soberania de Deus que determinou puni-lo
pelas suas maldades. Apesar de Acabe estar disfarçado como um simples
soldado no meio das tropas, “um homem entesou o arco e, atirando ao acaso, feriu o rei de Israel por entre as
juntas da sua armadura” (1Rs 22.34).
A expressão “ao acaso” descreve a ação do arqueiro de
atirar sem um alvo específico. Contudo, ao mirar a multidão como um todo e
acertar justamente Acabe “entre as juntas da sua armadura”, fica claro que o
“acaso” não foi o responsável pelo curso da flecha, mas sim, o controle
soberano do Senhor.
Diante disso, o rei foi retirado da batalha em um carro, mas o ferimento
mortal o fez perecer. O controle de Deus ainda se fez ver no fato de o sangue
que o rei derramou no carro foi lavado em um determinado local, como narra
o autor de Reis: “Quando lavaram o carro junto ao açude de Samaria, os cães lamberam o sangue do rei, segundo a
palavra que o Senhor tinha dito
” (1Rs 22:38). Esse acontecimento cumpriu o que Deus
havia dito que faria por causa da morte do inocente Nabote: “Assim diz o
Senhor: No lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote, cães lamberão o teu sangue, o teu mesmo” (1Rs 21.19b).

Nabucodonosor, rei da Babilônia, provou mais de uma vez a soberania do


Senhor sobre a história e sobre as nações. Em primeiro lugar, ele, que
ordenou a morte dos amigos de Daniel, viu seu decreto anulado quando Deus
livrou milagrosamente os jovens da fornalha (Dn 3.13-26). Há um grande
contraste entre o poder de Nabucodonosor e o de Deus. O poder que o rei
achava que tinha foi reduzido a nada diante do poder do soberano Senhor que
salvou da fornalha os jovens israelitas. Não apenas o poder de Deus foi visto,
mas sua soberania ao realizar seus desejos, o que ficou claro nas palavras dos
jovens: “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó
rei” (Dn 3.17). O rei tirou a única conclusão possível diante de atuação tão soberana: “Não há outro deus que possa livrar como

este” (Dn 3.29).

Se isso não serviu para submeter Nabucodonosor a Deus, ele foi


humilhado pelo Senhor mais adiante ao ponto de se tornar como um animal
(Dn 4.29-33). Antes disso, ele aprende, pela boca do profeta Daniel, que a
plena soberania do Senhor é exercida até mesmo sobre os mais poderosos
homens da Terra e que “o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer” (Dn 4.17,25,32

ver também Dn 5.21). Ao ser restaurado, tanto ao pleno juízo como ao trono
da Babilônia, o rei diz de Deus: “Todos os moradores da Terra são por ele reputados em nada; e, segundo a
sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: que

fazes?” (Dn 4.35 – destaque meu). Sua conclusão final é que Deus “pode humilhar aos que andam na soberba” (Dn 4.37).
[49]
O próprio desfecho da obra do “servo do Senhor” prometido no livro do
profeta Isaías se dá segundo o propósito soberano do Senhor. Isaías 53 prevê
a morte vicária do “renovo” (v.2), sobre quem “o Senhor fez cair [...] a iniquidade de nós todos”
(v.
6). Seria um tratamento muito severo em quem “dolo algum se achou em
sua boca” (v.9). Apesar disso, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o
enfermar” ao dar “a sua alma como oferta pelo pecado” (v.10). O fato de
Isaías dizer que isso foi do “agrado” de Deus não significa que ele teve prazer
nisso, mas que “determinou” assim fazer, demonstrando ser sua soberana
vontade a responsável pelos desfechos históricos dos quais esse talvez seja o
principal.[50]
Por fim, o controle soberano do Senhor se estende até mesmo aos
recônditos onde as pessoas julgam ter o controle máximo, o próprio “coração
dos homens”.

Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina (Pv 21.1).

Um exemplo da aplicação do texto acima pelo aspecto positivo é o modo


como Esdras teve atendido seus pedidos ao rei persa Artaxerxes quando
retornou com os israelitas para a Jerusalém. O texto diz que “segundo a boa mão do
Senhor, seu Deus, que estava sobre ele, o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira
” (Ed 7.6 – destaque meu). É
clara a ideia de que o coração de Artaxerxes foi movido pela “boa mão” de
Deus para atender a Esdras e cumprir os propósitos do próprio Senhor.
Podemos dizer de modo figurado que Deus “amoleceu” o coração do rei.
O mesmo ocorreu com Daniel em relação ao seu superior na Babilônia,
pois “Deus concedeu a Daniel misericórdia e compreensão da parte do chefe dos eunucos” (Dn 1.9 – destaque meu).
Por outro lado, o Senhor também é soberano para “endurecer” corações.
Esse é o caso do Faraó dos dias do êxodo. Ao chamar Moisés e ordenar que
tirasse do Egito o povo de Israel, Deus lhe disse: “Quando voltares ao Egito, vê que faças diante
de Faraó todos os milagres que te hei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o coração, para que não deixe ir o povo
” (Ex
4.21 – destaque meu). O propósito de Deus era libertar os israelitas de uma
situação adversa por meio dos milagres que fez em forma de pragas e da
libertação espetacular por meio do mar aberto para que fosse conhecido como
sendo todo-poderoso tanto por Israel como pelas nações ao redor, pelo que
diz a Faraó: “Para isso te hei mantido, a fim de mostrar-te o meu poder, e para que seja o meu nome anunciado em toda
a terra”
(Ex 9.16).[51]
Deus ainda explica a Moisés que seu propósito se cumpriria por meio do
Faraó a fim de que as gerações futuras também aprendessem sobre sua glória:
“Porque lhe endureci o coração e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes meus sinais no meio deles, e para que contes
a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egípcios e quantos prodígios fiz no meio deles, e para que saibais que eu

sou o Senhor” (Ex 10.1,2 – destaque meu).

A lição do Antigo Testamento sobre a luta entre os propósitos do homem e


o propósito soberano de Deus é que o Senhor sempre ganha e que controla
tudo conforme seus santos desejos: “Muitos propósitos há no coração do
homem, mas o desígnio do Senhor permanecerá” (Pv 19.21).

3. Amoroso

Se, por um lado, o Antigo Testamento apresenta Deus como o soberano


temível, por outro, também o mostra como alguém cujo amor o impulsiona
na direção do homem, de quem realmente não precisa e em quem não tem
nenhuma necessidade atendida. Sua busca do homem se deve puramente ao
seu desejo soberano e ao seu incomparável “amor”. Apesar de isso estar
patente desde o início da revelação, muitas pessoas têm dificuldade em notar
esse amor fora do Novo Testamento. Marcião, que viveu no segundo século
da era cristã, foi um deles:

Ele fez distinção entre o Deus criador do Antigo Testamento, o qual deu a lei do Antigo Testamento e a quem

Marcião considerava mau, e o Deus do Novo Testamento, o qual se revelou em Cristo.


[52]

Essa confusão ocorre em função do rigor com que Deus tratou o pecado de
Israel e das nações. Contudo, em grande contraste com a visão equivocada de
Marcião, umas das frases do Novo Testamento sobre o amor mais conhecidas
que existem, é uma citação literal de um texto contido em Levítico, na forma
de uma lei vinda de Deus:
Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou

o Senhor (Lv 19.18 cf. Mt 22.39 – destaque meu).


[53]

Curiosamente, Gênesis apresenta o amor de Deus como uma qualidade que


convive junto à justiça de Deus em lugar de excluí-la, como pensam alguns.
Ao anunciar a justa punição à cidade de Sodoma, Abraão leva a Deus a
possibilidade de haver ali algumas pessoas justas.
Nesse caso, o motivo de se conter a punição não seria o risco de agir
injustamente, mas o amor de Deus por tais pessoas. Diante disso, Deus
afirma: “Se eu achar em Sodoma cinquenta justos dentro da cidade, pouparei a cidade toda por amor deles” (Gn
18.26 – destaque meu). Ainda que a punição fosse apropriada, ela não
anulava o amor do Senhor. O fato de não haver os dez justos que Abraão
supôs haver na cidade (Gn 18.32), fez com que Deus punisse a cidade, mas
não antes de retirar e manter a salvo Ló e suas filhas (Gn 19.29), a exemplo
do que houve no dilúvio, quando Deus puniu a humanidade poupando Noé e
sua família. Apesar de serem relatos de punições, mesmo assim esse não é
um retrato de um Deus que não se importa com as pessoas.
O amor de Deus não é como o amor humano que tem a possibilidade de
aumentar, diminuir ou mudar de objeto. O amor de Deus permanece
inalterado, não importa quanto tempo passe. Assim, o amor de Deus por
Abraão continua existindo mesmo depois da morte do servo e, como se não
bastasse, permanece dirigindo as ações do Senhor no sentido de honrar esse
amor. Sendo assim, Isaque, filho de Abraão, torna-se beneficiário das
prerrogativas do referido amor, visto que Deus lhe diz: “Abençoar-te-ei e multiplicarei a
tua descendência por amor de Abraão, meu servo
” (Gn 26.24 – destaque meu).
Até mesmo pessoas que não servem a Deus podem ser beneficiadas em
função do amor de Deus por um servo que lhes tenha alguma conexão, como
no caso de Labão que reconhece, ao dizer a Jacó: “Tenho experimentado que o Senhor me
abençoou por amor de ti”
(Gn 30.27); e como no caso de Potifar, de quem o “Senhor abençoou
a casa do egípcio por amor de José; a bênção do Senhor estava sobre tudo o que tinha, tanto em casa como no campo” (Gn 39.5)
.
[54]
O amor de Deus faz com que ele separe para si um povo a quem ele busca
para si, pelo que diz por meio do profeta Jeremias: “Com amor eterno eu te
amei; por isso, com benignidade te atraí” (Jr 31.3). Entretanto, esse amor não
é rendido a todos os homens, visto que nem todos são por ele atraídos. A
preferência que ele dá a seu povo e o modo como luta contra seus inimigos
apontam para o mesmo fato, como corrobora “tudo que o Senhor havia feito a Faraó e aos
egípcios por amor de Israel” (Ex
18.8). Sendo assim, resta-nos saber que critério leva o
Senhor a amar alguns e em detrimento de outros. Nesse aspecto, o Antigo
Testamento associa ao amor de Deus a escolha.

Deus escolhe porque ama e, para ele, amar, em muitos casos, equivale a escolher (cf. Ml 1.2). Primeiro de tudo, isso

fica claro no fato de que o Senhor, por amar os patriarcas ancestrais de Israel e por ter escolhido os descendentes deles,

foi que libertou a nação do Egito (Dt 4.37; cf. 7.8; 10.15). Fica claro que, aqui, o amor de Deus é eletivo, não emotivo,

embora, sem dúvida, possa haver um elemento emotivo por trás dele.
[55]

Se, por um lado, a escolha de Deus é o veículo do seu amor, por outro, a
compaixão divina se faz sentir no relacionamento com o homem. Israel
provou dessa compaixão, segundo diz Isaías: “O Anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor e
pela sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade”
(Is 63.9).
O amor de Deus se faz ver, também, por meio da sua paciência, mesmo
quando o povo merece o oposto: “Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e cheio de graça, paciente e grande
em misericórdia e em verdade”
(Sl 86.15). O amor divino vai além e o faz perdoador de
pecados, como promete fazer a Israel na restauração da nação: “Assim diz o
Senhor Deus: no dia em que eu vos purificar de todas as vossas iniquidades, então, farei que sejam habitadas as cidades e sejam

edificados os lugares desertos


” (Ez 36.33).
O amor de Deus, como razão para o perdão que concede aos seus, encontra
um dos seus ápices no livro de Oséias: para exemplificar o referido amor,
Deus orienta o profeta a tomar de volta sua mulher; esta, deixando a
segurança do seu casamento, foi em busca de amantes.[56] O amor imerecido
de Oséias era uma indicação do amor de Deus pelos seus servos pecadores.
Falaremos mais de tal disposição, assim como a aplicação da graça, no
capítulo sobre a “salvação”.

4. Fiel

Uma qualidade divina muito próxima do amor é a fidelidade de Deus.


Enquanto o Novo Testamento tem uma de suas frases mais famosas escritas
pelo apóstolo João – “Deus é amor” (1Jo 4.8,16) – o Antigo Testamento tem,
no cântico de Moisés, uma afirmação tão poderosa no seu contexto quanto à
do apóstolo: “Deus é fidelidade” (Dt 32.4). Por causa dela, Deus se mostra
verdadeiro para com quem ele é e para com aquilo que promete. Tal
fidelidade independe das circunstâncias à quais as promessas de Deus são
expostas – como a infidelidade dos homens ou a falta de merecimento das
bênçãos de Deus. Independe também da quantidade de vantagem Deus pode
ter em agir fielmente. Sua fidelidade existe por causa dele mesmo e não por
causa das pessoas. O povo de Israel, descendência de Abraão, conheceu
desde cedo esse conceito.

Porque tu és povo santo ao Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio,

de todos os povos que há sobre a terra. Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos

do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o

juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de

Faraó, rei do Egito. Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até

mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos” (Dt 7.6-9 – destaque meu).

Uma das razões pela quais a fidelidade de Deus é um foco teológico


importante no Antigo Testamento é a existência das alianças. Elas, por si só,
rendem um capítulo em qualquer trabalho de teologia das Escrituras
hebraicas. Assim, a fidelidade é um desdobramento do caráter divino que se
torna muito visível no relacionamento de Deus com as alianças que fez,
conforme se vê no texto acima. O “Deus fiel” agiu com Israel, escolhendo-o
dentre os povos, independente do que a nação pudesse oferecer. Isso fica
claro na descrição de Israel como um povo pequeno e fraco em comparação
às nações do mundo. O mesmo texto deixa claro que a razão para Deus agir
beneficamente para com eles foi, segundo declara, “para guardar o juramento que
fizera a vossos pais”
.
A nação de Israel, a quem o Senhor diz, por meio de Isaías, “eu te fortaleço, e te
ajudo, e te sustento com a minha destra fiel
” (Is 41.11), recebe tal tratamento devido ao
tratamento que Deus deu ao patriarca israelita a quem ele escolheu e chamou:
“Mas tu, ó Israel, servo meu, tu, Jacó, a quem elegi, descendente de Abraão, meu amigo, tu, a quem tomei das extremidades da

terra, e chamei dos seus cantos mais remotos, e a quem disse: tu és o meu servo, eu te escolhi e não te rejeitei, não temas, porque

eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus” (Is 41.8-10
). O próprio profeta Isaías associa mais uma vez a
fidelidade de Deus à sua escolha da nação de Israel, registrando as seguintes palavras do Senhor: “Os reis o verão, e os príncipes

se levantarão; e eles te adorarão por amor do Senhor, que é fiel, e do Santo de Israel, que te escolheu” (Is 49.7b – destaque meu).

Se a fidelidade de Deus a Abraão, seu servo, pode ser vista tantas gerações
à frente, Jacó, neto de Abraão, também foi um alvo consciente desse atributo
divino. Seus primeiros atos narrados por Moisés são compatíveis com um
homem infiel ao se aproveitar da fome e da fraqueza – sem falar da tolice –
do irmão (Gn 25.29-34), ao enganar seu pai (Gn 27.1-29) e ao tentar lesar seu
sogro (Gn 30.37-43).[57] Seus dois primeiros golpes lhe fizeram fugir de
Esaú para a terra de Padã-Arã e o último o tornou odioso aos familiares de
modo que seu retorno a Canaã se deu de maneira turbulenta.
Tudo isso fez com que Jacó não fosse um exemplo de caráter, nem alguém
merecedor de bênçãos. Apesar disso tudo, ele foi abençoado, não porque
tenha merecido, mas porque Deus é fiel. Assim, ao retornar à Canaã, Jacó
reconhece: “Sou indigno de todas as misericórdias e de toda a fidelidade que
tens usado para com teu servo; pois com apenas o meu cajado atravessei este Jordão; já agora sou dois
bandos
” (Gn 32.10).
A fidelidade de Deus é tão contrastante em relação ao procedimento dos
homens e dos supostos deuses cridos no passado que ela se torna uma das
alavancas do louvor a Deus. O livro de Salmos é riquíssimo de alusões à
fidelidade do Senhor, de súplicas baseadas nela e de louvores por causa dos
benefícios que ela traz. Para os salmistas, a fidelidade do Senhor só existia
em escala máxima e eles nem sequer imaginavam um Deus que fosse fiel
apenas parte do tempo ou dependendo da situação, pelo que cantam: “A tua
benignidade, Senhor, chega até aos céus, até às nuvens, a tua fidelidade” (Sl 36.5 – ver também 54.10;
108.4).
A consequência prática é que “tudo” que Deus faz e diz é condizente,
“porque a palavra do Senhor é reta, e todo o seu proceder é fiel” (Sl 33.4 – destaque meu); e “o
Senhor é fiel em todas as suas palavras e santo em todas as suas obras” (Sl 145.13b
– destaque meu). A
plenitude da fidelidade não é expressa somente em termos de qualidade e
quantidade, mas também no que tange à sua duração, de modo a não diminuir
com o passar do tempo, “porque o Senhor é bom, a sua misericórdia dura para sempre, e, de geração em
geração, a sua fidelidade”
(Sl 100.5), e “e a fidelidade do Senhor subsiste para sempre” (Sl 117.2 – ver
também 119.90; 146.6).
De maneira surpreendente, a fidelidade do Senhor se conserva durante os
momentos em que ele trata tanto seus filhos como seus inimigos com dureza.
Em relação ao inimigo, a justiça de Deus lhes cai consoante à sua justiça:
“Ele retribuirá o mal aos meus opressores; por tua fidelidade dá cabo deles”
(Sl 54.5).
Normalmente, a fidelidade se une à justiça em ocasiões em que Deus
socorre seus servos das mãos ímpias: “Ele dos céus me envia o seu auxílio e
me livra; cobre de vergonha os que me ferem. Envia a sua misericórdia e a
sua fidelidade” (Sl 57.3). Contudo, no caso dos servos, a fidelidade se une à
santidade de Deus para produzir disciplina, de modo que, mesmo diante da
destruição punitiva de Jerusalém, utilizando Nabucodonosor e a Babilônia
como instrumento, a fidelidade de Deus ainda foi percebida nos lamentos do
profeta Jeremias: “As misericórdias[58] do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas
misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade
” (Lm 3.22,23 – destaque
meu). Bem disse Moisés: “Deus é fidelidade” (Dt 32.4).

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Quanto as Escrituras colaboram para o conhecimento de Deus?


2. As características bíblicas de Deus o colocam em que posição em relação à
criação?
3. A santidade de Deus permite que ele se adapte aos padrões de vida da
sociedade?
4. Qual é a relação entre os acontecimentos históricos e a soberania de Deus?
Como o amor de Deus se relaciona com sua soberania?
Capítulo 3

A criação

Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom (Gênesis 1.31a).

A Bíblia Hebraica é dividida em


três conjuntos de livros: a lei, os profetas e os escritos.
Essa era uma divisão reconhecida nos dias de Jesus (Lc 24.44).[59] O
Pentateuco, conhecido como “tôrá” – “lei” em hebraico –, é o conjunto dos
cinco livros escritos por Moisés, os primeiros do Antigo Testamento. A
ocasião em que eles foram escritos é fundamental para a compreensão do seu
propósito.
Moisés nasceu no Egito em uma época em que a descendência de Abraão,
Isaque e Jacó era escrava em terra estrangeira. Apesar de ser um povo
numeroso, motivo pelo qual foram oprimidos, não podiam ser caracterizados
como uma nação. Em primeiro lugar, eles não possuíam uma terra. A
promessa de Deus a Abraão de dar um território específico para os seus
descendentes ainda não tinha se tornado uma realidade. Em vez disso, eles
habitavam uma terra concedida por um Faraó que lhes beneficiou no passado.
Em segundo lugar, eles também não tinham um governante. O governo vinha
da coroa egípcia em uma relação de poder que os desrespeitava como seres
humanos e como povo. Por fim, também não tinham leis que dirigissem os
direitos e deveres dos israelitas como uma nação. É bem provável que o
próprio sentimento nacionalista estivesse apagado sob os chicotes dos
dominadores.[60]
Em tal contexto, Deus enviou Moisés a fim de tirar o povo do Egito e do
domínio do Faraó e levar-lhe até à terra que Deus prometeu a Abraão (1446
a.C.).[61] Faziam parte do encargo invadir a terra, desarraigar os povos
cananitas e assentar os israelitas na terra. Era uma empreitada tão grande
quanto a transformação que a família de Jacó sofreria. Na verdade, um
“povo” deixaria o Egito, mas uma “nação” seria instalada em Canaã. Essa
seria uma grande transição para o povo de Israel. Assim, era objetivo de
Moisés mostrar o papel da escolha de Abraão, para, com isso, também
explicar o fato de Deus agir por meio de um povo eleito.[62]
Nesse processo, o Senhor fez uma aliança com Israel (Ex 19.3-8) e lhe deu
sua lei. Além disso, apresentou-se a eles como seu líder máximo, dizendo: “E
habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus”
(Ex 29.45). Também garantiu dar-lhes a
posse da terra cananita, a terra que foi prometida (Ex 6.8). Na verdade,
prometeu literalmente torná-los uma nação (uma “nação santa”) e um reino –
um “reino de sacerdotes” (Ex 19.6).
A aliança e a lei, pelo menos sua primeira porção,[63] foram dadas aos
israelitas quando eles estavam aos pés do monte Sinai. A julgar pelo
detalhamento de diversas leis, é quase certo que elas tenham sido de pronto
registradas. Ao que tudo indica, esse novo começo exigiu também de Moisés
o relato e registro de “outros começos”. O povo que, até pouco tempo atrás
ainda era escravo, precisava conhecer sua origem e sua história. Precisava,
também, conhecer aquele que deu início a tudo aquilo e trouxe à tona a
história da salvação. Eles precisavam ser instruídos a fim de cumprir seu
papel histórico.
Que ocasião mais propícia que essa para Moisés registrar os
acontecimentos desde o princípio? Quando se percebe o propósito dos
escritos mosaicos, acaba-se por corroborar a posição que discorda da
compreensão da palavra “tôrá” simplesmente como lei. Em lugar disso, o
sentido da palavra “tôrá”, quando se refere ao Pentateuco, deve ser
“instrução”.[64] De fato, a lei é apenas uma parcela dos escritos mosaicos. A
maior parte contém história a fim de instruir os israelitas que deixaram o
Egito.
As primeiras palavras registradas por Moisés foram: “No princípio, criou
Deus...” (Gn 1.1). Com isso, as mais remotas origens seriam desvendadas
àqueles que mal conheciam sua própria história. Saberiam eles também que o
Senhor Deus que os chamou do Egito era o responsável por tudo que foi
iniciado. Sob essa óptica, Moisés forneceu aos israelitas do êxodo a história
de alguns “começos” relevantes para a realidade deles: o universo, o homem
e o próprio povo de Israel.

O UNIVERSO

O primeiro começo dado nas Escrituras vem da oração “no princípio, criou Deus os
céus e a terra” (Gn 1.1). A expressão “céus e terra”
deve ser compreendida de maneira ampla, que
englobe todo o universo. A partir desse ponto, o texto mostra como Deus
formou a terra e os céus, até criar o homem, o ápice da obra criativa e o
sentido do próprio universo. Dentro disso, várias interpretações têm sido
defendidas pelos estudiosos devido ao modo resumido com que o relato foi
registrado.[65] Pelo menos três problemas relativos ao relato da criação são
frequentemente levantados:

1. A terra sem forma e vazia.

Tão logo Gênesis 1.1 tenha dito que Deus criou os céus e a Terra, o
versículo seguinte afirma que a “a terra era sem forma e vazia” (Gn 1.2).
Alguns estudiosos, lançando mão das palavras hebraicas que são traduzidas
como “sem forma” (tohû) e “vazia” (bohû), afirmaram que a primeira delas,
contendo um de seus sentidos “lugar de caos”, era uma palavra incompatível
com a criação perfeita de Deus afirmada diversas vezes pela avaliação divina:
“E viu Deus que isso era bom” (Gn 1.10,12,18,21,25 – ver também v.31). Em
uma época quando a ciência e o liberalismo teológico afirmavam ser
fantasioso o relato da criação, propondo, por meio do uso do exame com
“carbono 14”, que a Terra tivesse milhões ou até bilhões de anos, a ideia do
estado caótico em Gênesis 1.2 pareceu fornecer um escape que se adequasse
às descobertas científicas da época. Assim, surgiu a teoria do “intervalo”
(“gap” em inglês).
Essa teoria consiste em propor um intervalo de tempo entre o primeiro e o
segundo versículo de Gênesis 1. Desse modo, Deus teria, no primeiro
versículo, criado a Terra em um estado perfeito compatível com seu poder,
sabedoria e perfeição. Contudo, algo ocorreu para que, no versículo seguinte,
a Terra fosse encontrada em um estado imperfeito, caótico e maléfico. Não é
preciso ser muito criativo para, a partir daí, oferecer como sugestão a queda
de Satanás e de parte dos anjos como fator de interferência no estado da Terra,
tornando-a caótica.
Então, quando Gênesis 1.3 diz “disse Deus: Haja luz”, estaria descrevendo a “recriação” da Terra e
não sua “criação”. A vantagem que os defensores dessa teoria tiveram foi que
não era necessário determinar o intervalo de tempo entre a criação e a
recriação, fazendo com que o relato de Gênesis fosse compatível com a
afirmação científica de um “universo velho” com bilhões de anos e com os
achados arqueológicos e os estudos geológicos usados para desacreditar as
Escrituras.
Apesar de criativa, essa teoria enfrenta dificuldades que a tornam
insustentável. Em primeiro lugar, a grandiosidade da criação divina seria
reduzida a uma mera citação: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn
1.1).[66] Toda a glória exaltada em outros textos como a tradução proposta
para corroborar o pensamento – “e a terra tornou-se sem forma e vazia” – não
corresponde ao texto hebraico de Gênesis 1.2. Derek Kidner afirma que, se a
intenção do texto fosse apresentar uma catástrofe, seria empregada uma
construção própria das narrativas e não a construção circunstancial que se vê
no texto.[67]
Além do mais, o próprio uso da palavra “tohû” nas Escrituras demonstra que
ela não tem o sentido obrigatório, em Gênesis 1.2, de algo mau e
incompatível com o Senhor. “Lugar de caos” é um dos sentidos da palavra.
Outros são “sem forma”, “confusão”, “irrealidade” e “vazio”.[68] Como
forma de uso figurado da palavra, o sentido de vazio ou nulo é frequente nos
escritos do profeta Isaías: “Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos
do que nada, como um vácuo
” (Is 40.17 – destaque meu).[69]
Quando a palavra é aplicada em sentido locativo, a ideia do caos tem um
propósito definido – o de mostrar a falta de habitação ou, até mesmo, a
inaptidão para tal: “Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez
e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o Senhor, e não há outro”
(Is 45.18 –
destaque meu). Nesse texto, Isaías oferece a palavra “tohû” como o oposto de
um local “habitado”.
Ele faz o mesmo no capítulo 24: “Demolida está a cidade caótica, todas as casas estão
fechadas, ninguém já pode entrar” (Is 24.10
– destaque meu).[70] Moisés usa o termo como
sinônimo de “terra deserta”:“Achou-o numa terra deserta e num ermo solitário
povoado de uivos; rodeou-o e cuidou dele, guardou-o como a menina dos olhos
” (Dt 32.10 – destaque meu).
Jó faz o mesmo e aponta para um lugar impróprio para a vida: “Desviam-se
as caravanas dos seus caminhos, sobem para lugares desolados e perecem”
(Jó 6.18 – destaque meu).[71]
Com isso, ao notarmos o uso da palavra no relato da criação, dispensamos
a ideia de uma catástrofe e nos deparamos com o estado inicial da Terra, logo
que criada, como um lugar ainda impróprio para a vida, um ambiente
“inóspito’’. David Tsumura, que interpreta os termos “sem forma e vazia”
como a descrição de um estado terreno de “improdutividade e ausência de
habitação”, conclui que a expressão em Gênesis 1.2 não tem sentido de
“caos”, mas tão somente significa “vazio”, referindo à Terra como um “lugar
vazio”.[72]
Desse modo, vê-se que Deus, que poderia ter criado tudo imediatamente,
decidiu seguir um processo de criação ao longo de quase uma semana,
ocasião em que revelou sua existência (Sl 96.5 cf. Rm 1.20), seu poder (Ne
9.6; Sl 33.6,9; 121.2; Is 40.26; Jr 32.17), sua glória (1Cr 16.26; Sl 8.3,4;
89.11,12; Is 37.16) e sua perfeição e sabedoria (Sl 104.24; 139.14; Pv 3.19; Jr
51.15).[73] Criou o homem apenas quando as condições necessárias para a
vida dele estavam presentes, diferente do que aconteceu assim que criou a
Terra “sem forma e vazia”. Essa expressão, portanto, não se refere a um lugar
incompatível com a perfeição de Deus, mas com a vida do homem.
Sendo assim, não há nenhuma razão para que haja um intervalo de tempo
entre a criação e um estado catastrófico, nem para a necessidade de uma
recriação, de modo que o relato de Gênesis 1, ao que tudo indica, é a
descrição da criação em seis dias, desde o dia descrito pela expressão “no
princípio” até o dia anterior ao sétimo no qual Deus cessou a criação: “Porque, em
seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o

dia de sábado e o santificou


” (Ex 20.11 – destaque meu).
É claro que isso coloca a teologia novamente em conflito com as sugestões
científicas com relação à cronologia do universo. Entretanto, as firmes
afirmações científicas do passado têm sucumbido diante da própria ciência.
Já se sabe que a datação pelo uso do “carbono 14” não tem a precisão que os
cientistas afirmavam ter. Paul Mellars, do Departamento de Arqueologia da
Universidade de Cambridge, afirma, em artigo científico publicado na revista
Nature
, que as medições de longas datas pelo carbono 14 não são confiáveis por
dois motivos: a contaminação das amostras – segundo ele, as mínimas
contaminações afetam os resultados – e a inconstância entre a proporção de
carbono 14 em relação ao carbono 12.
Para Mellars, a combinação dessas duas fontes potenciais de erro na
datação por radiocarbono são a “maior complicação” para arqueologistas e
paleontologistas.[74] Herbert Feely afirma que o método é inútil para
datações com mais de 30 mil anos.[75] Ninguém melhor que o professor
Adauto Lourenço para explicar os problemas da tese científica de um
universo com bilhões de anos.[76]
Sustentar, atualmente, a mesma tese é uma ação cuja intenção não é
defender a verdade descoberta pela ciência, mas atacar, por convicções
pessoais, o criacionismo e as Escrituras. Usando as palavras de um amigo
meu, “um método ‘corrompido’ deu vazão à mente ‘corrompida’ das pessoas
que buscam, incessantemente, alguma explicação que remova Deus de suas
vidas. A datação com radiocarbono foi esse estopim para as mentes
réprobas”.[77]

2. Os dias da criação.

Logo após descrever o estado inicial da Terra, o primeiro capítulo da Bíblia


descreve o processo de criação do universo como se fosse a confecção de
uma obra de arte sob os cinzéis do hábil escultor e dos pincéis do fino pintor.
A ordem da criação é bastante razoável, seguindo um sentido bastante lógico,
dia após dia, seis dias ao todo.
No primeiro dia, Deus criou o próprio “dia” criando a “luz” (Gn 1.3-5). É
dito que foram criados, nesse ato, o dia e a noite, pelo que daí por diante os
dias constam de “tarde e manhã”. Uma lacuna no conhecimento que podemos
ter sobre esse evento é a respeito da fonte da luz, visto que o Sol e as estrelas
foram criados apenas no quarto dia. Apesar de o texto não fornecer tal
informação, o último capítulo da Bíblia nos informa que, na vida futura, a luz
não dependerá do Sol e das estrelas, sendo o próprio Deus a fonte da luz:
“Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e
reinarão pelos séculos dos séculos”
(Ap 22.5 – destaque meu).
No segundo dia, Deus atuou no céu que está contido na atmosfera terrestre
separando as águas em dois grandes ajuntamentos: água sobre a superfície
terrestre e água sobre os céus – talvez em uma densa camada de nuvens, bem
mais densa do que a que testemunhamos atualmente (Gn 1.6-8). Essa
possibilidade advém do resultado da precipitação dessas águas no dilúvio (Gn
7.11,12). Apesar da sugestão de alguns de que a água suspensa nos céus não
se encontrava em forma gasosa, mas líquida – um cinturão flutuante de água
–, o texto deixa claro que o ato de Deus abrir as “comportas dos céus” não
criou um derramamento de águas como o despejar de uma jarra, mas
produziu “chuva” (v.12), a qual só cessou quando “fecharam-se [...] as
comportas dos céus” (Gn 8.2). Além do mais, a irrigação se dava não por
chuva, mas por água em estado gasoso (Gn 2.6).
No terceiro dia, Deus tirou a Terra da condição de “sem forma” criando o
relevo que fez com a água, acumulando-se nos locais mais profundos,
revelasse a porção seca de Terra. Imediatamente, Deus também iniciou o
processo de tirar a Terra da condição de “vazia” fazendo brotar vegetação
(Gn 1.9-13). O quarto dia foi quando Deus criou o sol e as estrelas e fez com
que eles passassem a cumprir a tarefa de separar o dia e a noite. Junto com a
criação dos astros, o Senhor criou também seus movimentos ordenados, meio
pelo qual existem na Terra o dia e a noite – movimento de rotação da Terra –
e pelos quais eles servem, segundo diz o v.14, de “sinais, estações, dias e
anos”. Tais movimentos, por exemplo, aproximam e afastam a Terra do sol,
formando as “estações” e definindo os “anos” e, ainda assim, mantém a
ordem do universo de modo a ser possível se orientar geograficamente por
meio dos “sinais” celestes (Gn 1.14-19).
No quinto dia, Deus criou as aves, peixes e répteis. Essa é uma descrição
muito sucinta. Uma lista exaustiva de classes e filos que compreendesse a
gama de animais que foram criados nesse dia ocuparia uma porção grande
demais até mesmo para um livro de biologia (Gn 1.20-23). É notável como,
tanto o processo de disseminação da flora (v.12) como o processo de
procriação da fauna (v.22) são destacados no relato da criação. A criação da
fauna só não foi completa no quinto dia, pois, no sexto dia, Deus criou todos
os animais não contidos na descrição anterior. Como último item, coroando a
criação e dando sentido a ela, Deus criou o homem e lhe deu domínio sobre
animais e lhe deu vegetais como alimento (Gn 1.24-31).
Por fim, o relato prossegue e apresenta o sétimo dia, quando a
característica marcante é o fato de Deus não criar nada: ele abençoa e
santifica tal dia. Uma semana se passou desde “o princípio” (v.1) até que
Deus abençoou o término da sua obra criativa. Justamente esse conceito de
semana e dos dias abre, no meio teológico, espaço para uma interminável
discussão: seriam esse dias “literais”?
Ainda respirando os ares das sugestões científicas de um universo com
bilhões de anos, muitos sugeriram que os dias da criação – todo o relato, na
verdade – é fantasioso, sendo fruto das crenças de povos da antiguidade. O
épico Enuma Elish, de origem babilônica, narra a história de criação do
universo por meio da batalha entre os deuses Marduque e Tiamate, em que
Marduque sai vitorioso e, retalhando o corpo morto de Tiamate, faz dele
matéria-prima para a criação do universo.
O que chama a atenção são certas semelhanças em relação ao relato
mosaico, como a narrativa de um tempo em que as águas não eram separadas
e a terra seca não existia (Tábua I). Na tábua V, Marduque, na função de um
criador, faz separação entre dia e noite e forma as nuvens: “Depois que ele
separou os dias para Samash e estabeleceu os limites da noite e do dia,
tomando a saliva de Tiamate, Marduque [...] formou as nuvens e as encheu
com água”.[78] Semelhanças como essas[79] fazem com que certos teólogos
julguem o relato do início de Gênesis tão fantasioso quanto o épico
babilônico.
Outros, mais conservadores, propõem que o relato é verdadeiro, mas que a
compreensão da palavra “yôm” (dia) deve ser mais ampla que o conceito de
um período de 24 horas. Eles conciliam o relato mosaico às propostas
científicas propondo que cada dia da criação representa, na verdade, uma “era
geológica” ou um “estágio no processo criativo”. Essa posição se iguala à
anterior em negar os dias literais da criação, mas difere dela por não
concordar que o relato seja fantasioso. Em lugar disso, creem na veracidade
da descrição dentro de estágios ou grandes períodos de tempo, figuradamente
chamados de “dias”. Gleason Archer Júnior defende essa posição dizendo:

A teoria “época = dia”, pois, explica os seis dias da criação como sendo um esboço geral da obra criadora de Deus,

na formação da terra e seus habitantes, até o surgimento de Adão e Eva. Geólogos modernos concordam com Gênesis 1

nos seguintes detalhes: (a) A terra começou sua história numa forma confusa e caótica, que subsequentemente cedeu

lugar a um estado mais ordeiro. (b) Surgiram as condições apropriadas à manutenção da vida: a separação do vapor

espesso que cercava a terra em nuvens em cima e rios e mares em baixo, com o ciclo de evaporação e precipitação, e

também com a penetração da luz do Sol [...]. (c) A separação da terra do mar (ou a emergência da terra por cima do nível

das águas, que ia se abaixando) precedia a aparição da vida sobre o solo. (d) A vida vegetal já tinha surgido antes da

primeira emergência da vida animal no período cambriano [...]. (e) Tanto o livro de Gênesis como a geologia concordam

que as formas mais singelas aparecem em primeiro lugar, e só posteriormente as mais complexas. (f) Ambos concordam

em dizer que a raça humana tenha surgido como último e mais alto produto do processo da criação.
[80]

Deve-se notar que a declaração acima concorda que cada descrição


concorda, em termos gerais, com Gênesis 1, sem corroborar sua
historicidade. Ao que tudo indica, os defensores dessa visão consideram que
o texto não pretendeu oferecer uma narrativa histórica, mas verdades
teológicas baseadas em acontecimentos que se deram de maneira diferente do
que foi narrado. Pode-se ver essa noção na seguinte declaração:
Nenhum desses relatos pertence ao gênero “mito”. Mas nenhum deles é “história” no sentido moderno de testemunho

ocular. Antes, transmitem verdades teológicas acerca de eventos retratados principalmente em estilo literário simbólico e

pictório. [...] Essas verdades são todas baseadas em fatos.


[81]

Apesar dessas posições, uma que desconsidera a inspiração das Escrituras


e outra que supervaloriza as “teorias” científicas em detrimento da mensagem
bíblica completa, os dias da criação devem ser entendidos como dias literais
de 24 horas. Uma das razões é que não há no texto (nem de Gênesis, nem do
restante do Antigo Testamento) nenhuma indicação de que a palavra “yôm”
não tenha sido usada em seu sentido simples e normal, apesar de ter diversos
usos ao longo das Escrituras hebraicas.
Em segundo lugar, não é apenas “yôm”, no texto de Gênesis 1, que indica
um período de 24 horas. O uso recorrente de “houve tarde e manhã” revela
um dia no sentido normal. Tal frase precede a numeração de cada dia da
criação (Gn 1.5,8,13,19,23,31). J. Scott Horrell aponta para o fato de que,
além da contagem dos dias, a frase “houve tarde e manhã” indica fortemente
que se trata de dias comuns. Ele pergunta: “Porque a frase ‘tarde e manhã’ se
[o dia] não é literal?”. Sua conclusão é que se trata de um dia de 24 horas,
visto que a expressão se baseia em um dia judaico que começa com a tarde.
[82]
Além disso, uma indicação teológica importante do dia de 24 horas está no
fato de Deus ter ordenado a Israel a guarda do sábado, o sétimo dia: “Seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho”
(Ex
20.9,10a – destaque meu). Como apoio à lei, o Senhor ofereceu o fato de que
ele descansou no sétimo dia, igualando o uso de “yôm” que define o “dia” a
ser guardado com o seu uso no relato da criação: “Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e
a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”

(Ex 20.11 – destaque meu). Nada disso faria sentido caso os dias de Gênesis
1 não fossem literais.

3. Os dois relatos da criação.


Outro ponto de discussão teológica sobre o relato da criação é existência
de “dois relatos”, o primeiro narrando o que Deus fez em cada dia da criação
(Gn 1.1 – 2.3), e outro citando a formação da vegetação e dando mais atenção
à criação do homem e da mulher (Gn 2.4-25). Como o primeiro trecho narra a
criação do homem, o segundo relato da mesma criação fez com que
estudiosos propusessem tratar-se da coleção do trabalho de dois autores
diferentes, cada um deles contando a mesma história sob seu ponto de vista e
sob seu propósito teológico. Na verdade, tal proposta não se faz apenas a
Gênesis 1 e 2, mas a todo o Pentateuco, sugerindo que ele foi escrito por
quatro fontes distintas entre os séculos 9 e 5 a.C. e, ao tempo dos últimos
escritores, compilado e colecionado como se fosse um livro apenas, escrito
por um só autor – Moisés. A essa proposta se dá o nome de “hipótese
documental”:

De acordo com a Hipótese Graf-Wellhausen em sua forma clássica, o


Pentateuco deriva de quatro fontes documentais (assim, o nome
alternativo de “Hipótese Documental”): (1) uma fonte javista (J), escrita
no Sul (Judá) nos primeiros tempos monárquicos, (2) uma fonte eloísta
(E), escrita no Norte (Israel) um pouco mais tarde (essas duas fontes
sendo combinadas em algum momento, uma combinação nomeada
como JE), (3) uma fonte deuteronimista (D), compreendida como o livro
da lei encontrado no templo durante as reformas de Josias em 621 a.C., e
(4) uma fonte sacerdotal (P), que foi originalmente considerada pós-
exílica. Essas quatro fontes foram então combinadas por um redator (R)
para formar o Pentateuco, na forma que conhecemos hoje.[83]

Com essa ferramenta da teologia liberal em mãos, Gerhard von Rad,


tratando da diferença entre os textos teológicos e hínicos que falam da
criação, propõe a descontinuidade do relato e a coleção do texto de duas
fontes:
Há apenas duas declarações expressamente teológicas sobre a criação no Antigo Testamento, apresentando-se sob a

forma de conjuntos mais extensos, o relato da criação do Escrito Sacerdotal (Gn 1.1 – 2.4a) e a narrativa javista (Gn 2.4b-

25).
[84]

Apesar de satisfazer inicialmente a dúvida gerada pelo duplo relato da


criação por duas fontes distintas,[85] é fácil perceber o perigo dessa hipótese:
a diluição do conceito da inerrância bíblica. Outros livros do Antigo
Testamento reconhecem e declaram a autoria mosaica do Pentateuco ou da
“tôrá” (1Rs 2.3; 2Rs 14.6; 2Cr 23.18), chamando-o de “livro de Moisés” (2Cr 25.4; 35.12;
Ed 6.18; Ne
13.1), afirmando ser ela a “lei, os estatutos e os juízos dados por intermédio de Moisés” (2Cr 33.8)
e o “o livro da lei do Senhor, dada por intermédio de Moisés” (2Cr 34.14)
. Um resultado natural da
hipótese documental no sentido de rejeitar a inspiração é também rejeitar o
próprio objeto da revelação de modo que Julius Wellhausen afirmou que o
Pentateuco não comprova a historicidade dos patriarcas.[86]
Considerar tais escritos materiais produzidos de seis a dez séculos após a
vida de Moisés é conferir erro às afirmações bíblicas sobre a autoria mosaica
– incluindo as do Novo Testamento (Mc 7.10; 12.19,26; Lc 20.28,37; Jo
1.45; 5.46; Rm 10.5; 2Co 3.15) –, e ignorar o peso que elas tiveram sobre a
história de Israel na segunda metade do segundo milênio a.C., período esse
que, segundo a hipótese documental, Israel estaria desprovido de Escrituras.
Isso também faz com que tais registros sejam apenas as opiniões de diversas
fontes baseadas em suas necessidades teológicas no meio e no tempo em que
viveram.[87]
Em lugar disso, temos, em Gênesis 1 e 2, não dois relatos, mas a
continuidade do relato mosaico da criação cumprindo seu propósito teológico
que era fazer conhecidas dos israelitas do êxodo a criação do universo e,
principalmente, a criação do homem, para, a partir daí, construir a linhagem
da história dos israelitas. Por isso, o relato completo de Gênesis 1.1 a 2.3
recebe uma explicação adicional em que Moisés deu os detalhes que ele, por
falar de modo resumido, omitiu na primeira parte. Basta notar como ele não
repetiu a criação do universo, nem tampouco da Terra, no capítulo 2. O
versículo 4 já vislumbra a Terra criada, enquanto o versículo 5 a vê
desprovida de vegetação. A explicação para tanto é dupla: (1) ainda não havia
irrigação e (2) não havia quem a cultivasse. Nesse ponto, após essa breve
introdução, Moisés passa a falar da criação do homem, o agricultor que
faltava à terra. Desse modo, Gênesis 2.7-25 é a explicação de como o Senhor
fez o que foi descrito em 1.26-29. Zuck o coloca nos seguintes termos:

Há dois relatos complementares da criação: Gênesis 1, que é de extensão cósmica e universal, e Gênesis 2, que é

decididamente antropocêntrico. Esta estrutura canônica propõe por si mesma a maneira culminante em que é vista a

criação do homem. Ela é a glória apogística do processo criativo. Vemos esse fato claramente já em Gênesis 1, pois o

homem foi criado por último, no sexto dia da criação.


[88]

O HOMEM

Gênesis não informa apenas que o homem foi criado (Gn 1) e como foi
criado (Gn 2), mas dá, também, uma importante informação adicional, no
primeiro capítulo, que qualifica tal criação por meio da decisão divina de
criar o homem, diferente de todo o restante da criação, à “imagem de Deus”:
“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança” (Gn 1.26). Tal fato conferiu ao homem um estado glorioso em
comparação com o restante da criação, motivo pelo qual sua dignidade é
superior à das demais criaturas (Gn 9.3-6).

O ápice consciente da criação é a humanidade (Gn 1.26-28). A monotonia das fórmulas de ordem é quebrada quando

se anuncia a criação da humanidade nos moldes de uma resolução divina: “Façamos o homem à nossa imagem”.

Somente aqui o texto troca a prosa repetitiva, cuidadosamente elaborada, pela beleza e força do paralelismo da poesia

hebraica: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou” (v.27). O

emprego tríplice de “bará”, “criar”, e a estrutura invertida assinalam que aqui o relato atinge o clímax para o qual se

estava encaminhando em estágios sempre ascendentes”.


[89]

Essa é certamente uma expressão muito debatida nas discussões teológicas


e costuma muito frequentemente, principalmente nos meios populares, ser
malcompreendida.

1. O que não é a imagem de Deus no homem.

Quase todos já ouviram alguém ensinar que nunca se pode dizer que
alguém é “feio”, pois ele é “imagem de Deus”. Quando colocado desse modo,
o que está por trás do ensino é que o conceito da “imagem de Deus” teria
relação com a “aparência” do homem ou sua “forma física”. O dano teológico
dessa mentalidade é duplo: (1) prejuízo à doutrina da natureza de Deus e (2)
prejuízo à compreensão da função da imagem de Deus no homem.
O primeiro prejuízo, envolvendo a natureza de Deus, é crer que o aspecto
físico do homem é fruto de um aspecto físico em Deus. Para corroborar essa
posição, costuma-se utilizar textos que falam, por exemplo, das mãos, dos
olhos, dos pés e dos braços do Senhor com a intenção de sugerir que ele tem
um corpo cuja forma ele reproduziu na criação humana. Entretanto, não é
assim que as Escrituras expõem o Senhor.
O Novo Testamento é o responsável por sacramentar parta da natureza de
Deus nas palavras “Deus é Espírito” (Jo 4.24), além de qualificá-lo como
Deus “invisível” (Cl 1.15; 1Tm 1.17), razão pela qual “ninguém jamais viu a
Deus” (Jo 1.18; 1Jo 4.12), sendo impossível que isso aconteça (1Tm 6.16).
Essa descrição aponta para o fato de que Deus, sendo um ser espiritual, não
tem um corpo nem, tampouco, as limitações inerentes de uma forma física.
O Antigo Testamento não é, nesse caso, tão profícuo quanto o Novo no
sentido de afirmar a invisibilidade de Deus. Entretanto, quando o Senhor faz
aliança com Israel no Sinai, depois de tirá-lo da escravidão do Egito, lhes diz:
“Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas
águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto” (
Ex 20.4,5a – destaque meu). Apesar de
esse texto ter um uso contemporâneo aplicado à negativa da
adoração/veneração de outras pessoas que não o Deus eterno, a disposição
dessa ordem dentro do Decálogo parece indicar que Deus não estava
preocupado apenas com a adoração pagã, já que havia previamente ordenado:
“Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20.3). Tendo posto tal alicerce,
a ordem de não fazer imagens e prestar-lhes culto parece apontar para uma
proibição de cultuar o próprio Deus único por meio desse expediente.
Um exemplo de desobediência a essa ordem são os altares construídos em
Dã e em Betel por Jeroboão I, logo após a divisão de Israel em dois reinos –
Judá ao sul e Israel ao norte – a fim de impedir os israelitas do Norte de
adorar a Deus em Jerusalém a fim de que não fossem persuadidos por
Roboão a unificar novamente as doze tribos (1Rs 12.28,29). Apesar do que
possa parecer em uma primeira visão, o que Jeroboão fez não foi oferecer
outro deus para ser adorado, mas outro modo de adorar o Deus de Israel.
O arqueólogo William Albright afirma que Jeroboão, por meio dos touros,
influenciado pela iconografia cananita da época, propôs a adoração do “deus
invisível em pé sobre o bezerro de ouro”. Segundo ele, essa ideia encontrava
paralelo com a figura de Deus entronizado sobre dois querubins na arca
contida no templo de Salomão. Como comprovação dessa visão antiga, ele
diz que foram encontrados, entre os cananeus, arameus e hititas,
representações de deuses montados sobre o lombo de um animal ou assentado
em um trono sobre animais e diz que entre os hurrianos – reino de Mitani –,
dois touros, Sheri e Khurri, suportavam o trono do deus Teshub. Assim,
segundo Albright, conceitualmente não havia diferença entre a representação
de um deus invisível assentado sobre querubins ou assentado sobre um touro.
[90]
Entretanto, Deus, de modo algum, quis ser adorado por meio de uma forma
que, inevitavelmente, acaba por limitar o conceito de Deus e da sua
onipresença. Por esse mesmo motivo, a defesa de um corpo físico em Deus
causa prejuízos a essa teologia e, consequentemente, à própria adoração do
Senhor. Assim, quando Israel fez aliança com Deus no Sinai, o texto de
Deuteronômio fez questão de informar um dado importante a respeito do que
eles viram – ou, na verdade, o que eles não viram: “Então, o Senhor vos falou do meio do
fogo; a voz das palavras ouvistes; porém, além da voz, não vistes aparência nenhuma
” (Dt 4.12 – destaque
meu). Essa citação não é sem motivo, é como se o escritor fizesse um
comentário incidental e irrelevante. A ordem subjacente se vê a seguir:
Guardai, pois, cuidadosamente, a vossa alma, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor, vosso Deus,

vos falou em Horebe, no meio do fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de

ídolo, semelhança de homem ou de mulher, semelhança de algum animal que há na terra, semelhança de algum volátil

que voa pelos céus, semelhança de algum animal que rasteja sobre a terra, semelhança de algum peixe que há nas águas

debaixo da terra. Guarda-te, não levantes os olhos para os céus e, vendo o sol, a lua e as estrelas, a saber, todo o exército

dos céus, sejas seduzido a inclinar-te perante eles e dês culto àqueles, coisas que o Senhor, teu Deus, repartiu a todos os

povos debaixo de todos os céus (Dt 4.15-19


).

O segundo prejuízo de crer que Deus tem um corpo físico é a confusão


sobre a função e as implicações relativas à imagem de Deus no homem. Crer
que a imagem de Deus se relaciona com os aspectos físicos com os quais o
homem foi formado – como olhos, boca, ouvidos, mãos, braços e pés –, é
desconsiderar, de igual modo, que há outros animais que também são
munidos de tais órgãos na sua constituição física, sem, contudo, que a Bíblia
sugira que eles tenham sido criados à imagem de Deus. É, ainda,
desconsiderar as diferenças físicas entre homens e mulheres, visto que o texto
bíblico diz: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn
1.27 – destaque meu).
Nesse caso, as citações que rendem a Deus tais órgãos não passam de uma
figura de linguagem que atribui a Deus partes do corpo físico de Deus a fim
de se referir não à sua forma, mas às suas atuações. Assim, quando fala dos
olhos de Deus, quer se referir ao ato de ele ver, ou, ao falar das suas mãos, do
seu ato de agir. Tal figura recebe o nome de “antropomorfismo”.

2. O que é a imagem de Deus no homem.

Sendo assim, temos de perguntar o que significa tal imagem impressa


exclusivamente na criação do homem. O melhor lugar para iniciar essa busca
é junto ao texto que informa a decisão divina de formar o homem à sua
imagem: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a” (Gn 1.28a
– destaque meu).
Olhando para isso, percebe-se que a natureza do homem como imagem de
Deus estava ligada à tarefa de “governar”[91] e, ao fazê-lo, agir como
legítimo representante de Deus, tanto portando características pessoais
inerentes ao ser divino como em plena santidade, assim como Deus é santo.
A isso se pode dar o nome de exercício da “soberania mediada”,[92] a saber,
o controle de Deus sobre a Terra exercido pelo homem para a glória do
criador. Tal domínio (Gn 1.26), que devia ser exercido pelo homem em
lealdade e obediência absolutas,[93] envolve tanto o cuidado da criação (Gn
2.15) como o usufruto dela (Gn 1.28-30; 9.3,4), sendo necessário, para tanto,
que a raça humana povoasse o planeta (Gn 1.28, 9.1,7).
Com a intenção de que o homem governasse a Terra, Deus dotou-o com
certas características pessoais que lhe permitissem realizar com dignidade a
função, motivo pelo qual ele também seria reconhecido de maneira distinta
em relação aos animais.[94] Assim, de modo único, o homem possui os
elementos que lhe conferem personalidade: intelecto, vontade e emoções –, o
que o leva a se sobressair no meio dos seres criados e exercer, de fato,
domínio sobre eles.
A função do ser humano não lhe confere apenas relacionamento com a
criação, mas, também, com o criador.

A humanidade tem domínio sobre a terra criada por causa de seu relacionamento com Deus (destaque meu). Ela

deveria reinar/dominar como seu representante, em seu caráter. O poder não é o tema teológico, mas o meio do seu

exercício (para si mesmo e para o bem de outros).[95]

Para tanto, Deus criou o homem de maneira a poder se relacionar com ele.
Por isso, o homem foi criado como ser espiritual e não apenas pessoal: “Então,
formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”

(Gn 2.7). Davi se utiliza, para se referir ao ser humano completo, da natureza
corporal e espiritual do homem: “Alegra-se, pois, o meu coração, e o meu espírito exulta; até o meu corpo
repousará seguro”
(Sl 16.9). Com isso, como requisito para o relacionamento entre
Deus e os homens, o Senhor também lhes deu uma condição moral santa: “Eis
o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto”
(Ec 7.29a). Esses aspectos peculiares tornam
o homem apto para governar a Terra e se relacionar com o criador.

O POVO DE ISRAEL

É certo que Moisés iniciou sua instrução aos israelitas do êxodo tratando
da formação do universo e do homem. Entretanto, essa é a introdução do
assunto em que ele queria chegar – a formação de Israel – para, a partir daí,
também lhes falar sobre a função de Israel no mundo como povo escolhido
pelo Senhor. Por isso, ele foi o homem que falou em nome do Deus de Israel
e interpretou os eventos do passado, presente e futuro em termos do seu
caráter e vontade revelados.[96] Mas não é possível falar sobre o presente e o
futuro sem assentar as bases do passado. Portanto, ele, como bom expositor
teológico, deu sequência ao relato da criação do homem passando pela
história das nações até chegar ao chamado de Abraão e à aliança com os
patriarcas, de modo que a história tem uma importância na religião israelita
que não encontra paralelo em nenhuma outra religião das antigas culturas.
[97]

1. As gerações.

As primeiras estações desse trem histórico são as “gerações” (“tôledot”, em


hebraico). Em suas diversas formas, esse termo aparece dez vezes em
Gênesis referindo-se às gerações ou à história: a criação dos céus e da Terra
(2.4), os descendentes de Adão (5.1), os descendentes de Noé (6.9), os
descendentes dos filhos de Noé (10.1), os descendentes de Sem (11.10), os
descendentes de Terá, pai de Abraão (11.27), os descendentes de Ismael
(25.12), os descendentes de Isaque (25.19), os descendentes de Esaú (36.1,9)
e, finalmente, os descendentes de Jacó, cujo nome foi mudado posteriormente
para Israel (37.2).[98] Essas dez gerações formam uma estrutura histórica de
relevância teológica para a mensagem de Gênesis.
As gerações agem como um funil, de modo a abranger toda a criação no
primeiro “tôledot”, tornando-se cada vez mais particularizado até chegar em
Jacó, o pai do povo israelita Israel. Excetuando dessa lista dois dos três filhos
de Noé – Cam e Jafé –, Ismael e Esaú,[99] há uma linhagem de sete
“gerações”, todas elas ligadas à origem de Israel: a criação, Adão, Noé, Sem,
Terá, Isaque e Jacó. Nesse funil há um ponto marcante, o chamado de
Abraão, filho de Terá.

Concluindo os primórdios, o escopo de desenvolvimento é estreitado para abarcar só os semitas (11.10-32). Por meio

de quadros genealógicos que envolvem dez gerações, o registro sagrado finalmente enfoca Terá, que emigrou de Ur para

Harã. O clímax se dá quando da apresentação de Abrão, mais tarde conhecido como Abraão (Gn 17.5), em quem

concentra o início de uma nação escolhida – a nação de Israel, a qual ocupa o centro de interesse por todo o restante do

Antigo Testamento.
[100]

2. O povo de Israel.

A linhagem de Israel começa de maneira surpreendente. Todos os


“tôledot” apresentam grande fertilidade por meio de descendências
numerosas. Entretanto, seguindo o sentido contrário dessa tendência, Gênesis
11 apresenta a descendência de Terá, par de Abraão, como uma pequena
família que, além dos poucos integrantes, sofre com a morte prematura de um
filho e a esterilidade da esposa de outro filho: “São estas as gerações de Tera. Tera gerou a Abrão,
a Naor e a Harã; e Harã gerou a Ló. Morreu Harã na terra de seu nascimento, em Ur dos caldeus, estando Tera, seu pai, ainda

vivo. Abrão e Naor tomaram para si mulheres; a de Abrão chamava-se Sarai, a de Naor, Milca, filha de Harã, que foi pai de Milca

e de Iscá. Sarai era estéril, não tinha filhos” (Gn 11.27-30).


Não é de uma família assim que se espera
saírem grandes e importantes homens para a história. Contudo, é exatamente
dessa família que Deus chama Abraão para ser seu servo e lhe fazer
promessas de abrangência mundial.
Habitando a família de Terá em Ur dos caldeus, Região Sudeste da
Mesopotâmia, próxima do Golfo Pérsico, deslocaram-se para o Noroeste,
seguindo o caminho natural da crescente fértil rumo a Canaã. O motivo da
saída de Ur não é informado e o chamado de Abraão para Canaã é um evento
posterior. Há uma boa possibilidade de que a família de Terá tenha se
deslocado devido à expansão territorial do povo de Guti, promovendo uma
invasão nas terras do Sul. O fluxo amorita, em sentido à Síria e à Canaã, até
as fronteiras do Egito, pode ter sido o motivo que guiou a decisão dupla de
Terá: sair de Ur e ir a Canaã.[101] Entretanto, apesar da decisão inicial,
acabaram por se estabelecer em Harã, atual território da Síria, onde Terá
morreu.
A partir daí, Deus chama Abraão para ir a Canaã e lhe faz a promessa de
lhe dar uma descendência numerosa e um papel de relevância mundial: “Ora,
disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma

grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os

que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.1-3


).
Apesar dessa magnífica promessa de uma família numerosa, a infertilidade
continua a acompanhar sua linhagem de modo que, conforme diz Donner,
“Gênesis narra nada mais que a história de uma família ao longo de três
gerações num horizonte muito restrito, quase sem efeitos para fora e a partir
de fora”.[102]
A promessa feita por Deus demorou a ser notada por Abraão, visto que ele
foi chamado aos setenta e cinco anos de vida (Gn 12.4) e só teve o filho
prometido aos cem anos (Gn 21.5). Nesse ínterim, ele apresenta certa
incredulidade ou impaciência: tentou garantir sua descendência adotando um
servo como herdeiro (Gn 15.2) e teve um filho com Agar, serva de sua esposa
Sara (Gn 16).[103] Não obstante, o Senhor cumpriu sua promessa e Abraão
teve o filho da promessa, Isaque.
Apesar do cumprimento, a infertilidade continua sendo a marca dessa
linhagem, pois Isaque não tem filhos até os sessenta anos de idade. O Senhor
atende suas orações e ele tem dois filhos: Esaú e Jacó (Gn 25.26). Ao
contrário do que se podia esperar, Deus não escolheu o primogênito para dar
continuidade à promessa abraâmica, mas o mais novo, Jacó (Gn 25.23). O
Senhor renovou tanto com Isaque como com Jacó a aliança feita com o
patriarca Abraão de formar uma grande nação a partir deles e lhes dar uma
terra (Gn 17.21; 28.13-15; 35.11,12 cf. Gn 12.1-3; 15.18-20).
Jacó, que também conheceu a esterilidade em sua família e também lançou
mão das servas das esposas para ter filhos, teve doze filhos homens, além de
uma filha chamada Diná. No retorno a Canaã, voltando de Padã-Arã, ele foi
abençoado por Deus e teve seu nome mudado para Israel (Gn 35.10). Seus
doze filhos deram, posteriormente, origem às doze tribos de Israel.[104]
Contudo, apesar da grande prole, antes de Jacó descer ao Egito, sua família
contava com menos de oitenta pessoas (Gn 46.26), um número inexpressivo
diante da promessa de uma descendência numerosa “como as estrelas dos
céus e como a areia na praia do mar” (Gn 22.17). É nesse ponto que o fator
Egito foi utilizado pelo Senhor.
Esse é um ponto crítico para Israel, pois, a fim de continuar existindo e
crescer até se tornar um grande povo, é necessário deixar a terra da promessa
e partir para o Egito,[105] cumprindo o que foi predito a Abraão em termos
dramáticos: “Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será
afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas”

(Gn 15.13,14). O que foi predito ocorreu, de modo que Israel, mesmo
escravizado pelos egípcios, contava, na ocasião do êxodo, com seiscentos mil
homens, sem contar as mulheres e crianças (Ex 12.37). Desceu para o Egito
uma pequena família com uma história de infertilidade, mas, em grande
fertilidade, sai do Egito um grande povo prestes a se tornar uma nação.
Essa é a história do povo que estava com Moisés aos pés do Sinai fazendo
aliança com o Senhor, um povo que agora sabe de onde veio, para onde vai e
porque segue o Deus eterno e se compromete com ele, recebendo bênçãos
imerecidas. Eis a razão pela qual Moisés lhes contou sobre a criação da Terra
e dos céus e da formação de Israel.

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Qual foi o papel de Deus no surgimento de tudo que existe?


2. A teoria do radiocarbono (Carbono 14) invalida o relato da criação ou o
relega à categoria de mito?
3. O que é a imagem de Deus no homem?
4. Por que Moisés alistou tantas genealogias em Gênesis?
Qual é a importância do pequeno “tôledot” de Terá para a teologia do
Antigo Testamento?
Capítulo 4

O Pecado

Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias (Eclesiastes 7.29).

A perfeita e bela criação divina


sob o governo digno e santo do homem acabou por
ceder lugar ao pecado e às maldições que atingiram a raça humana e até
mesmo a natureza impessoal. Gênesis 3 narra a queda do homem e,
consequentemente, de toda a raça humana. O texto de Eclesiastes 7.29
resume muito bem os três primeiros capítulos das Escrituras, enaltecendo a
perfeição e santidade com que o homem foi criado e contrastando com a sua
segunda realidade mediante a desobediência a Deus.

O PECADO DOS ANJOS

Apesar de o assunto de Gênesis 3 ser o pecado do homem, o contexto


demonstra que já há pecado na criação. O primeiro sujeito do capítulo é “a
serpente” (v.1). Nesse caso, é importante notar a presença do artigo definido
que qualifica tal serpente como um ser específico. Não se trata de “uma
serpente”, mas “a” serpente.
Não querendo superestimar a presença do artigo, notamos que o texto
continua qualificando-a ao dizer que ela era “o mais sagaz de todos os
animais selváticos”. Apesar de, pensando em uma perigosa víbora,
concordarmos com essa descrição e nos precavemos com toda atenção para
não sermos vítimas de suas presas, no seu contexto de uma criação em que os
animais se alimentavam de ervas (Gn 1.30) e ainda não havia neles medo em
relação ao homem (Gn 9.2), a descrição parece destoar. O golpe final na
expectativa de se tratar de um mero réptil ocorre quando o texto mosaico
registra as “palavras” da serpente (Gn 3.1,4,5). Fica claro que não se trata de
um animal qualquer, mas de um ser pessoal. Contudo, o Antigo Testamento
se cala sobre a identidade dessa serpente.
O único paralelo entre a figura da serpente e um ser pessoal vem do Novo
Testamento ao dizer que “a antiga serpente” é aquele conhecido como “diabo
e Satanás, o sedutor de todo o mundo”, mesma ocasião em que cita um grupo
associado a ele denominado como “seus anjos” (Ap 12.9). Quanto ao Antigo
Testamento, há uma lacuna no que tange à queda de Satanás e dos anjos – há
apenas indícios ou referências por meio de “tipos” –, além do inexplicável
silêncio sobre a própria criação dos anjos. A atuação tentadora da serpente,
usando da mentira como ferramenta para introduzir o pecado na humanidade
não torna ousada a conclusão de que a serpente de Gênesis 3 seja Satanás ou
um anjo caído.
Tradicionalmente, dois textos dos profetas maiores são tidos como
indicações do pecado de Satanás. Contudo, tais textos são palavras dirigidas a
reis do Oriente Médio Antigo, de modo que nem todos concordam serem eles
referências ao diabo. Entretanto, algumas peculiaridades de tais relatos
sugerem que o “tipo” de pecado de tais reis podem ser aplicados como
representação da queda de Satanás. Desse modo, é necessário utilizar tais
textos cautelosamente, lançando mão da palavra “possivelmente”. Assim,
diríamos: “Esses textos possivelmente são referências indiretas à queda do
diabo”.
O primeiro deles é Isaías 14.12-15 e se trata de palavras dirigidas ao rei da
Babilônia (v.4): “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que
debilitavas as nações! Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte

da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao

Altíssimo. Contudo, serás precipitado para o reino dos mortos, no mais profundo do abismo”.

O que chama a atenção no sentido de ser uma referência a um anjo são


partes do texto como “caíste do céu”, “subirei ao céu”, “acima das estrelas de
Deus exaltarei o meu trono” e “serei semelhante ao Altíssimo”. Por outro
lado, há elementos no texto que não podem ser aplicados a Satanás como a
referência às “extremidades do Norte” e à atuação de “debilitar as nações”. O
sentido locativo de “norte” não faz sentido na existência angelical, nem
tampouco havia “nações” a serem debilitadas antes da queda de Satanás – a
julgar pela sua atuação diabólica quando só existiam dois seres humanos. Já,
para o rei da Babilônia, tais palavras expressam perfeitamente seu ímpeto
imperialista e sua oposição ao império assírio, ao norte da Babilônia. Unindo-
se a isso o fato de que não é incomum encontrarmos linguagem figurada na
literatura antiga para se referir a homens como se fossem seres sobrenaturais,
[106] é necessário cautela na aplicação de Isaías 14.12-15 à queda do diabo.
Guardados os devidos cuidados, Ridderbos faz uma ótima colocação,
comentando o texto de Isaías, no sentido do que já foi dito:

Que humilhação para o rei! Ele era como uma estrela da manhã (também chamado do “filho da alva” porque o

surgimento da estrela da manhã coincide com o romper do dia), radiante em fulgor e beleza; mas agora ele é como uma

estrela que caiu do firmamento. Ele, que derruba nações, jaz derrubado por terra. Os pais da igreja como Jerônimo e

Tertuliano consideravam que esse versículo se referia ao diabo, e daí, o nome Lúcifer (estrela da manhã) lhe foi atribuído.

Lutero e Calvino rejeitaram ambos esta ideia como erro grosseiro, e em certo sentido, com razão. Assim mesmo, há um

elemento de verdade nisso tudo: mediante a sua autodeificação, o rei da Babilônia é imitador do diabo e um tipo do

anticristo (Dn 11.36; 2Ts 2.4); portanto, a sua humilhação é também um exemplo da queda de Satanás da posição de

poder que ele usurpou (cf. Lc 10.18; Ap 12.9).


[107]

O outro texto que é interpretado da mesma forma é Ezequiel 28.12-19 e


trata de uma dura repreensão ao rei de Tiro. Assim como no primeiro caso, há
uma linguagem “angelical”,[108] mas também há referências ao
procedimento opressor e ganancioso de um rei terreno e sua iminente
desgraça. Assim como no primeiro caso, traços do pecado satânico parecem
ser visíveis nesse rei, como a soberba e a vaidade.[109]

Filho do homem, levanta uma lamentação contra o rei de Tiro e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus: Tu és o sinete da

perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o

sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os

engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles preparados. Tu eras querubim da guarda ungido, e te

estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o
dia em que foste criado até que se achou iniquidade em ti. Na multiplicação do teu comércio, se encheu o teu interior de

violência, e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim da guarda, em

meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do

teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te contemplem. Pela multidão das tuas iniquidades,

pela injustiça do teu comércio, profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo, que te consumiu, e

te reduzi a cinzas sobre a terra, aos olhos de todos os que te contemplam. Todos os que te conhecem entre os povos estão

espantados de ti; vens a ser objeto de espanto e jamais subsistirás (Ez 28.12-19).

A presença diabólica no Éden e sua ação tentadora sobre a mulher agem


como um agente catalisador do pecado humano. Entretanto, o texto vai
mostrar que a responsabilidade final do pecado de Adão e de Eva é de cada
um deles. Mesmo assim, o engano e a tentação apresentada em Gênesis 3
rendem à serpente uma maldição (v.14).
Se, por um lado, o Antigo Testamento dá nenhuma ou pouca informação sobre a queda de Satanás e de parte dos anjos, ele

afirma a atuação deles como inimigos de Deus e dos homens. Apesar de necessitarmos do Novo Testamento para uma melhor

compreensão do assunto, temos no Antigo Testamento a informação de que Satanás se opõe aos servos de Deus: “Deus me

mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à mão direita dele, para se lhe opor”

(Zc 3.1 – destaque meu). Uma das maneiras de ele efetuar tal oposição aos crentes é por meio da sugestão de desobediência a

Deus a fim de atenderem seus desejos pecaminosos, como o fez no caso de Davi: “Então, Satanás se levantou contra Israel e

incitou a Davi a levantar o censo de Israel” (1Cr 21.1 – destaque meu).


[110]
Um dos casos mais conhecidos da atuação de Satanás no Antigo
Testamento está no início do livro de Jó. Nele, quando o Senhor mostra a
Satanás a inigualável integridade, retidão e temor de Jó, Satanás respondeu:
“Porventura, Jó debalde teme a Deus? Acaso, não o cercaste com sebe, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A obra de suas
mãos abençoaste, e os seus bens se multiplicaram na terra” (Jó 1.9,
10). Isso é uma acusação dupla. A
primeira é que Jó seria um interesseiro qualquer e o motivo de servir a Deus
era apenas ser beneficiado por ele. A segunda é que o próprio Deus era
manipulador, abençoando Jó com o mesmo tipo de interesse, só que, nesse
caso, o objetivo era ser honrado. Depois de tentar manchar a reputação de Jó
e tentar manipular Deus por meio do seu brio, ele propõe tirar os bens, a
família e, posteriormente, a própria saúde de Jó a fim de testar sua fidelidade
a Deus. Em poucas colocações, Satanás mostra toda a sua astúcia e malícia,
além de ficar claro para o leitor o quanto ele é perigoso na execução dos seus
em seus intentos.
Os demônios também são alvo da atenção do Antigo Testamento e lhes
rende a capacidade de enganar os homens para que se desviem da vontade e
dos caminhos de Deus enquanto pensam serem seguidores de divindades
legítimas e dignas de adoração e de serem veneradas pelos homens (Lv 17.7;
Dt 32.17; Sl 106.37).[111] O próprio Deus, com a finalidade de julgar os
israelitas incrédulos, se utilizou dessa atuação demoníaca para trazer punição:
“Perguntou o Senhor: Quem enganará a Acabe, para que suba e caia em Ramote-Gileade? Um dizia desta maneira, e outro, de

outra. Então, saiu um espírito, e se apresentou diante do Senhor, e disse: Eu o enganarei. Perguntou-lhe o Senhor: Com quê?

Respondeu ele: Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas” (1Rs 22.20-22a
– destaque meu).
Ao que tudo indica, todo tipo de adoração falsa é motivada por Satanás e
pelos demônios a fim de afastar os homens do seu criador.

A QUEDA DO HOMEM

Gênesis 3 narra a queda da humanidade. O Antigo Testamento não fica


alheio a isso de modo a ter o pecado como um de seus assuntos mais
frequentes.[112] Entretanto, é o Novo Testamento que construirá a doutrina
clara e precisa sobre ele. O próprio livro de Gênesis apenas narra a queda e
suas consequências sem, contudo, dar definições sobre o pecado. Mesmo
assim, na narrativa há informações valiosíssimas sobre a natureza da queda e
suas consequências.[113]
A narrativa da queda expõe Satanás sugerindo certa contradição na ordem
de Deus quanto ao que o homem poderia comer no jardim: “É assim que Deus disse: Não
comereis de toda árvore do jardim?”
(Gn 3.1). É possível que essa sugestão inicial visasse a,
ao mesmo tempo, incitar a mulher e seu marido a comerem o fruto que Deus
lhes proibiu comer, como se essa fosse uma ação tão simples e normal como
comer qualquer outro alimento e, também, abrir caminho para, a seguir,
questionar a validade e a motivação divina na ordem que deu.
A resposta da mulher foi que, de fato, eles poderiam comer de tudo, exceto
do fruto daquela árvore. Ela chega a estender a ordem de Deus dizendo “nem
tocareis nele” (Gn 3.2), coisa que a Bíblia não registra que Deus lhes tenha
dito. Talvez esse fosse um cuidado que Adão e Eva tenham introduzido pela
preocupação de desobedecer ao Senhor. A preocupação é justificada, pois a
mulher cita corretamente o motivo dado por Deus para se negarem a realizar
o ato proibido: “Para que não morrais”.
O próximo passo de Satanás foi sugerir que essa consequência era falsa e
escondia outras motivações. Ele disse: “É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em
que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal”
(Gn 3.4,5). Essa
afirmação acusa Deus de mentir aos homens e, de modo egoísta, impedir o
homem de progredir tanto no seu conhecimento como na sua posição. Não é
possível precisar se o Diabo sugeriu que tal conhecimento os tornaria “como
Deus”, ou se eles seriam “como deuses que conhecem o bem e o mal”.[114] O certo é que o
homem subiria vários degraus no edifício do poder e da glória, sendo, em
certo sentido, semelhantes a Deus ou compartilhando atributos exclusivos
dele.
A reação a essa sugestão mentirosa e malévola se vê no texto seguinte:
“Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe
do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu”
(Gn 3.6). É notável a aplicação do verbo
“ver” como ação da mulher fazendo uma avaliação pessoal de tudo que ela
tinha ouvido tanto de Deus como do diabo. Em primeiro lugar, ela viu que o
fruto era comestível. Em segundo lugar, chegou à conclusão de que a
aparência sugeria que ele era apetitoso. Finalmente, ela concluiu que a
afirmação da serpente, que contradizia à de Deus, era a verdadeira, de modo
que o fruto produziria benefício e ascensão na sua posição e capacidade.
Chegando a essas conclusões pela avaliação pessoal, ela comeu o fruto, ato
seguido pelo seu marido. Calvino oferece como quadro do pecado original
uma tríade danosa: a ambição, o orgulho e a ingratidão.[115]
O fato de Adão não ser citado no diálogo entre a serpente e a mulher, não
significa que ele não estivesse presente. Seu ato de comer do fruto atesta sua
presença e, certamente, seu processo mental semelhante ao da esposa. A
diferença é oferecida pelo Novo Testamento ao dizer que a mulher foi
enganada pelas sugestões diabólicas, mas o homem não foi enganado, de
modo a pecar por decisão consciente (1Tm 2.14). Sendo assim, o comer o
fruto não foi pecado principal de Adão. Ele foi consequência da sua decisão
de não se submeter a Deus, mas, em lugar disso, tomar as rédeas do seu curso
de atuação.

O pecado original era a declaração, por parte do homem e mulher, da sua independência da autoridade de Deus. No

momento em que os dois colocaram sua própria razão como juiz sobre a revelação de Deus, a fim de decidir se esta era

correta ou não, caíram em pecado. Uma vez que fizeram isso, a decisão de comer o fruto foi uma decorrência natural.

[116]

AS CONSEQUÊNCIAS DA QUEDA

Imediatamente após a queda da condição de perfeição e santidade, a


primeira consequência se fez ver por meio de limites no modo como se
relacionavam livre e harmoniosamente, tendo destroçada a naturalidade com
que se davam um ao outro:[117] “Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus,
coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si” (Gn 3.7)
. Se essa ruptura foi sentida
imediatamente, algum tempo depois outra surgiu diante deles: o medo de
Deus: “Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do
Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim”
(Gn 3.8 – destaque meu).
Tal receio revela a verdadeira consequência por detrás, a quebra aguda da
comunhão com o Senhor em meio a uma consciência natural do afastamento
de Deus e da inadequação do homem com a divindade santa. Tal consciência
se vê desde o passado no modo como os homens tentavam adorar os seus
deuses: por meio do apaziguamento. A ideia da ira divina contra o homem fez com
que os adoradores das falsas divindades fizessem tudo ao seu alcance no
sentido de amainar a ira dos deuses para que esses não lhes fossem
desfavoráveis. O motivo disso é uma ruptura fundamental no relacionamento,
desde a queda, entre o Deus criador e o homem criado.
O terceiro efeito da queda se fez sentir na fuga humana da responsabilidade
pelo mal, tentando, com isso, se autojustificar. Quando o Senhor pediu a
Adão explicações para sua fuga e, obviamente, para a desobediência, ele
respondeu: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu
comi” (Gn 3.12). A sutileza no modo de colocar a questão não esconde a falta
de sutileza da dupla acusação: a de que a culpa era, em primeiro lugar, da
mulher e, depois, de Deus que a deu ao homem. A mulher segue a mesma
tática e diz: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3.13). Ninguém disse nada parecido com o
que escreveu o rei Davi quando reconheceu e se arrependeu do seu pecado:
“Eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que
é mau perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar” (Sl 51.3,4
– destaque
meu).
A partir desse ponto, as consequências da queda vêm de declarações do
Senhor, duras declarações. A primeira delas é uma maldição colocada sobre a
serpente: “Então, o Senhor Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o
és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e

a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”
(Gn
3.14,15). A princípio, Deus parece ter-se dirigido ao animal por meio de
quem Satanás atuou lançando sua tentação maligna. Contudo, uma
interpretação teológica, sobre a qual trataremos no capítulo concernente às
promessas, pode indicar que Deus também se dirigiu ao diabo prenunciando
sua derrota futura.
A mulher é alvo da segunda declaração do Senhor. Duas consequências
são expostas. A primeira, muito fácil de ser compreendida, é que a gestação e
o processo do nascimento trariam sofrimento à mulher: “E à mulher disse:
Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores
darás à luz filhos” (Gn 3.16a). É importante notar o agente da ação de
multiplicar os sofrimentos. Deus diz “[eu] multiplicarei”, assumindo a autoria
da introdução desse sofrimento. Contudo, o contexto deixa claro que a
responsabilidade pela existência de tais condições são os próprios pecadores.
A segunda consequência do pecado sobre a mulher é: “O teu desejo será
para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16a). Essa cláusula não é tão
clara como a primeira, de modo que muitas sugestões são feitas pelos
teólogos como possíveis significados. Uma delas é que a mulher passaria a
“desejar” o marido no sentido de nutrir extremo apego por ele e, até mesmo,
necessidades íntimas a serem supridas pelo sexo masculino. Entretanto,
pensar que isso é uma consequência do pecado parece desprezar a ideia de
que Deus criou a mulher para se unir ao seu marido, amá-lo, preencher seus
anseios e ter, também, os seus próprios preenchidos por ele. Ademais, essa
interpretação tira o caráter negativo da cláusula “e ele te governará”. Sob essa
óptica, parece que a mulher foi amaldiçoada com algo bom como um
relacionamento amoroso liderado pelo marido.
Essa confusão se dissipa no próximo capítulo de Gênesis, quando Deus usa
a mesma construção de palavras ao falar com Caim: “Se, todavia, procederes mal, eis que o
pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo
” (Gn 4.7b – destaque meu). O
“desejo” descrito em Gênesis 3.16 (“teshûqah”, em hebraico) está também
presente em Gênesis 4.7. Significa “afeição, forte desejo, paixão”. Vem de
uma raiz arábica que significa “compelir, impelir, buscar controlar”.[118] O
uso da palavra hebraica nesse contexto parece ser o mesmo dessa raiz, pois
Deus disse a Caim que o pecado tentaria controlá-lo. Por outro lado, o verbo
“dominar” (“mashal”, em hebraico) é usado para descrever tanto a atuação de o
homem governar a mulher como a de Caim de dominar o pecado no sentido
de subjugá-lo e de vencê-lo na luta que define quem domina quem.
Fazendo uma comparação entre esses dois textos, o sentido de Gênesis
3.16 parece ser: “Seu desejo será controlar teu marido, mas ele te subjugará”.
Essa é a consequência do pecado pronunciada contra a mulher. Ela teria
dificuldade de se submeter ao marido e tentaria fazer valeu seu controle e
seus desejos em uma atitude de liderança para a qual ela não estava
autorizada.[119] Em contrapartida, o homem se defenderia desse impulso
com uma ação do mesmo tipo no sentido oposto. Isso redundaria em domínio
masculino, mas, a julgar pelo tom do texto, o que parece saltar aos olhos não
é um controle cuidadoso, amoroso e abnegado como o que Paulo orienta em
Efésios 5.25-30, mas um domínio tão egoísta quanto o desejo da mulher com
a diferença de vir da parte de quem tem mais força, às vezes, abusiva.
Pensando assim, basta olhar para a posição social da mulher no passado,
sendo tratada como mero objeto e até como moeda de troca. Imediatamente,
vê-se o efeito do pecado no convívio humano, principalmente entre homens e
mulheres. Também é interessante notar que o ensino de Jesus e dos apóstolos
age no sentido de desfazer as consequências do pecado de Adão e, assim,
incentiva a submissão da mulher ao marido e o amor cuidadoso do marido à
esposa.
Por fim, Deus se dirige à Adão e lhe diz: “Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da
árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa” (Gn 3.17). A própria natureza
impessoal foi
vítima das consequências da queda humana. A terra ser maldita trouxe ao
homem sua própria maldição na forma de proporcionar dificuldades para que
se cultivassem os alimentos, algo bem diferente do cuidado harmonioso do
jardim do Éden: “Em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua
vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do
campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela
foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.17.19). Assim, aquela
que traria os sofrimentos durante a vida – a terra –, também seria o depósito
devorador do corpo na morte.
Que consequências terríveis! Entretanto, a pior delas foi declarada antes da
queda: “Porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17b –
destaque meu). Não foi apenas o aviso das consequências da queda que
receberam atenção no relato de Gênesis. Depois de a morte se fazer sentir na
raça humana, o livro também ressalta sua presença por meio de repetições da
ação “e morreu”.

Há uma frase recorrente que grifa a história do pecado do homem: “e morreu” (5.5, 8, 11, 14, 17, 20, 27, 31). É

justamente o que Deus havia dito que aconteceria se o homem desobedecesse (2.17). Note também como o pecado se

espalha rapidamente de um indivíduo (3.1) a um casal (3.12), depois a uma família (4.1-15) e, finalmente, ao mundo todo

(11.1-9).
[120]

Com relação à abrangência dessa morte, o Novo Testamento fornece


informações amplas sobre o tema. É certo que os israelitas, haja vista a
revelação progressiva, tinham uma noção que favorecia o aspecto físico dessa
morte. Entretanto, o Novo Testamento nos dá delimitações mais claras de três
aspectos em que a morte advinda da queda atinge o homem: a “morte física”,
a “morte espiritual” – como uso metafórico da morte no sentido de descrever
a total ruptura entre o pecador e do Deus santo –, e a “morte eterna” – estado
de condenação do pecador no lago de fogo ao longo dos séculos sem fim.
Diante desses conceitos teológicos, a resposta à pergunta sobre quais aspectos
da morte atingiram o homem na queda, tomamos de empréstimo as palavras
de Agostinho:

Se... se perguntar com qual tipo de morte Deus ameaçou o homem..., se... foi a morte física, ou a espiritual, ou aquela

segunda morte, responderemos: Foi com todos... Abrange não somente a primeira parte da primeira morte, onde quer que

a alma perca Deus, nem somente a última, em que a alma deixa o corpo,... mas também... a segunda morte, que é a última

de todas, a morte eterna”.


[121]

O HOMEM CAÍDO

Como o Senhor havia alertado, o pecado trouxe ao homem a morte e isso


ocorreu em todos os sentidos. Toda a harmonia e paz na criação e,
principalmente, na humanidade foram quebradas. Quando o Senhor olha para
o homem, não chega mais à mesma conclusão de que “tudo era muito bom”,
conforme notou no decorrer da criação. Em vez disso, ele vê um homem que,
apesar da perfeita criação, se desviou do bem: “Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o
homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias”
(Ec 7.29).
O primeiro vislumbre de uma natureza corrompida, após a narrativa da
queda, surge no capítulo 5 de Gênesis. Nele, o autor afirma que Deus criou
Adão, diz o texto que “à semelhança de Deus o fez” (Gn 5.1). Entretanto, ao
apresentar a linhagem de Adão, diz: “Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um
filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete” (Gn 5.3
– destaque meu). Gerar um
filho à imagem do pai é exatamente o que esperamos. Contudo, o nítido
contraste entre a imagem de Deus no homem e a imagem de Adão em Sete,
parece sugerir que a raça humana não guarda mais, depois da queda, as
mesmas características com que Adão foi criado.
Quando notamos nas Escrituras o caráter e a natureza do homem caído,
percebemos que alguns traços do que é compreendido como “imagem de
Deus” foram preservados (personalidade e espiritualidade), enquanto outros
foram nublados (entendimento, vontade e emoções existentes, mas
corrompidas) e alguns até mesmo deixaram de existir (santidade e pureza).

Segundo Gn 5.3, Adão gerou Sete “à sua semelhança, conforme sua imagem”. Isso significa que Deus deu ao ser

humano o poder de transmitir essa sua mais alta dignidade por intermédio da procriação das gerações. Por causa disso,

não podemos dizer que a qualidade de ser imagem de Deus esteja perdida, tanto mais que, ainda na era de Noé, se

contasse com a sua existência (Gn 9.6b). É certo que a história da queda no pecado relata graves perturbações na natureza

de criatura do ser humano, mas o Antigo Testamento não se pronuncia sobre o modo como essas perturbações se

relacionam com a qualidade de o ser humano ser imagem de Deus.


[122]

O fato é que a presença do pecado no homem afetou toda a raça humana, não somente as pessoas que pecaram no Éden, mas

toda a sua geração, ou seja, todos os seus descendentes. A culpa adquirida na queda pertence até mesmo àqueles que não estavam

presentes no jardim. Assim, segundo Davi, o efeito da queda estava presente nele desde o nascimento: “Eu nasci na iniquidade, e

em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Tal efeito é compartilhado com toda a raça
[123] de modo que ninguém nasce
sem que seja sob o jugo da natureza de pecado, ou sem que a culpa lhe seja imputada: “Desviam-se os ímpios desde a sua

concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras” (Sl 58.3); “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce

de mulher, para ser justo?” (Jó 15.14).

A corrupção humana como consequência da queda se faz ver, também,


pelo modo como as Escrituras o chamam. Das três palavras para se referir ao
homem, duas delas aparecem no Éden: “adam” (homem, humanidade) em Gn
1.26,27, e “îsh” (marido, homem) em Gênesis 2.23,24. A terceira delas, “enosh”
(homem, humanidade), segundo Delitzsch, tem uma conotação de fraqueza
ou de estar doente, a julgar pelo significado da palavra assíria relativa.[124]
Exemplo disso é o modo como “enosh” é utilizado em Jó para mostrar a
ausência de justiça no homem: “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser
justo?”
(Jó 15.14 – destaque meu). Outros textos fazem o mesmo uso
enfatizando a fragilidade e corruptibilidade humana (ex: Is 13.7; 24.6; 33.8;
Sl 56.1; 90.3).
A natureza pecaminosa do homem parece ter tomado conta da raça
humana, desde o início, de maneira crescente. Como resultado, o homem
passou a desenvolver cada vez mais maneiras de aplicar no mundo e na
sociedade a maldade conseguida pela queda. Em pouco tempo se vê o
aprofundamento do domínio do pecado por meio da introdução do homicídio
na história. O primeiro homicídio surgiu na forma de Caim reagir ao desgosto
de ser preterido por Deus diante da aceitação de Abel.[125] E o motivo para
tal recusa por parte de Deus não foi a natureza da oferta de Caim, mas o
pecado que o dominava: “Então, lhe disse o Senhor: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se
procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra

ti, mas a ti cumpre dominá-lo”


(Gn 4.6,7).

Alguns defendem que a oferta de Abel foi aceita por ser um sacrifício, uma oferta de sangue, enquanto Caim

ofereceu apenas cereais. Mas não há qualquer referência nos textos de Gênesis 4 e de Hebreus 11 que deem a ideia de

que Abel tinha que sacrificar um animal para adorar a Deus. [...] Deus não se agradou apenas da oferta de Abel, mas de

“Abel e de sua oferta” [Gn 4.4]. Por outro lado, “de Caim e de sua oferta não se agradou” [v.5]. Quando Caim se zangou

por não ser aceito, Deus não censurou sua oferta, mas a vida que levava e o pecado que o dominava. Não o instruiu a

trazer outro tipo de oferta, mas a proceder bem.


[126]

Se o pecado se aprofundou em Caim, os descendentes deste seguiram o


mesmo caminho tornando a vida do homem e a sociedade cada vez mais
corrompida e distante da santidade do Senhor. Cinco gerações adiante,
conforme o registro bíblico, surge Lameque, um exemplo do
desenvolvimento do pecado. Se Caim matou seu irmão e tentou esconder isso
de Deus (Gn 4.8,9), Lameque, por sua vez, se orgulhou diante de suas
esposas, com uma espécie de canção patética, de ter matado dois homens, um
que lhe havia ferido e outro que lhe havia pisado (Gn 4.23,24). Os motivos
fúteis para esses homicídios reforçam o quadro da maldade crescente.
Um ápice nesse processo surge em Gênesis 6, quando o pecado tinha
tomado conta da sociedade a ponto de Deus decidir punir com a morte todos
os homens, conservando em vida apenas a Noé e sua família: “Viu o Senhor que a
maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração”
(Gn 6.5).
Deus trouxe a punição mundial por meio do dilúvio. O início da nova
sociedade em Gênesis 8 a 10 traz ao leitor a esperança de uma renovação da
moral e da santidade no homem a fim de se ver, na linhagem de Noé,
comunhão com seu criador.
Porém, o capítulo 11 de Gênesis apresenta uma nova e aberta rebelião
contra Deus e contra suas ordens (cf. Gn 1.28; 9.1), por meio da construção
da Torre de Babel, com um desejo renovado de grandeza e, talvez, até mesmo
com aspirações divinas, a exemplo do Éden: “Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade
e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra”

(Gn 11.4 – destaque meu).


Com esse quadro, Moisés introduz a história de Israel, desde o chamado de
Abraão (Gn 12), mostrando as fraquezas dos patriarcas e do próprio povo, de
modo que a graça imerecida de Deus pode ser vista em quase todos os relatos
daí para frente. Menções de pecados específicos dos israelitas serão feitas
adiante, quando necessárias para se entender o relacionamento entre Deus e
Israel e a punição da sua rebeldia.

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Que papel Satanás desempenhou na queda do homem?


2. Como Satanás age em relação aos homens depois da queda?
3. O pecado é um conceito ilusório com função religiosa ou uma desobediência
real a Deus que gera consequências indesejáveis?
4. Quais as implicações da queda para a natureza humana?
Quais as implicações da queda para a família?
Capítulo 5

A punição

Porque o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as nações; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito

tornará sobre a tua cabeça (Obadias 15).

Para os homens que temem a


Deus, uma coisa difícil de lidar é ver a maldade dos
perversos ser coroada por paz e prosperidade. É vê-los zombando da justiça,
dos homens honestos e de Deus e, ainda assim, se saírem bem. É certo que
essa paz muitas vezes é transitória e antecede dias terríveis que eles
atravessarão. Mesmo assim, não é fácil perceber a injustiça prevalecer. E essa
realidade não é exclusividade dos nossos dias. Asafe notou esse fenômeno há
mais de três mil anos: “Eis que são estes os ímpios; e, sempre tranquilos, aumentam suas riquezas” (Sl
73.12).
Apesar do que possa parecer no sentido de valer a pena ser trapaceiro e
injusto, as Escrituras garantem que esse caminho leva à ruína: “O que semeia a
injustiça segará males” (Pv 22.8a). Esse provérbio de Salomão parece ser a versão do
Antigo Testamento do
que conhecemos como “lei da sega” presente no Novo: “Não vos enganeis: de Deus não se
zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará
” (Gl 6.7 – destaque meu). O apóstolo
Paulo prossegue e explica o texto aplicando a ideia da “ceifa” a
consequências eternas que ele chama de “corrupção” em contraposição aos
benefícios da vida eterna para quem fez o oposto: “Porque o que semeia para
a sua própria carne da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida
eterna”
(Gl 6.8 – destaque meu).

A RAZÃO DA PUNIÇÃO

Esse ajuste de contas com a maldade – vimos no capítulo anterior que o


homem é pecador e merecedor de punição – não se deve ao acaso, nem a um
destino justo ou à sabedoria do universo, nem tampouco a um equilíbrio
natural entre o bem e o mal – coisas que, popularmente, se dizem por aí. O
Antigo Testamento afirma que o Deus é o retribuidor da iniquidade, o
punidor dos pecados. A razão para isso não é um deus egoísta, maldoso e
sádico, parecido com os deuses do paganismo antigo, mas um Deus justo e
santo que não pode conviver com o mal, nem pode deixar impune o pecado.
Uma das coisas que impulsiona Deus a punir os pecados é o fato de ele ser
reto, isto é, direto, certo e fiel a uma norma que é sua própria natureza e
caráter.[127] Assim, o padrão da retidão do Senhor é ele mesmo. Essa
afirmação e seu desenvolvimento bem poderiam estar no capítulo que fala
dos atributos de Deus. Contudo, seu papel na atuação punitiva do pecado nos
obriga a considerá-lo no processo de condenação dos injustos. A retidão de
Deus, qualidade intrínseca do seu caráter, tem implicações morais e práticas
no sentido de produzir “caminhos corretos”,[128] seja pela promoção do que
é bom (Ne 9.13; Sl 25.8), seja pela condenação do que é mau.
A consequência de Deus ser reto é que ele atua com justiça. Davi anuncia
que “o Senhor é reto... e nele não há injustiça” (Sl 92.15) e “justo és, Senhor, e retos, os teus juízos” (Sl 119.137).
Munido de tal qualidade, ele a aplica em caráter universal
, ou seja, a todos: “Ele mesmo julga o mundo com justiça;
administra os povos com retidão”
(Sl 9.8).
A santidade do Senhor, além de fazê-lo separado da criação e da maldade,
também o torna um Deus temível, visto que a santidade de Deus aplicada ao
homem pecador resulta em justa punição: “Longe de Deus o praticar ele a
perversidade, e do Todo-Poderoso o cometer injustiça. Pois retribui ao
homem segundo as suas obras e faz que a cada um toque segundo o seu
caminho” (Jó 34.10,11). Perece ter sido nisso em que Isaías pensou quando
teve uma visão do trono de Deus. Ele percebeu que a santidade de Deus, a
qual era exaltada pelos anjos, era incompatível com a imperfeição do homem:

No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes

enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os

seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a

terra está cheia da sua glória. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então,

disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios,

e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (Is 6.1-5 – destaque meu).

Outro fator da personalidade de Deus que o leva a punir a iniquidade é sua


ira contra o mal. Apesar desse termo soar, para muitas pessoas, incompatível
com o Deus de amor da Bíblia, Eichrodt observa que a ligação entre ira
divina e o pecado é normal em toda religião de uma civilização nas quais a
divindade seja considerada protetora da justiça e guardiã da lei.[129] Assim,
não é incomum, nos relatos bíblicos de punições divinas, surgir a frase “se
acendeu a ira do Senhor” e suas variações: “Queixou-se o povo de sua sorte aos ouvidos do Senhor;
ouvindo-o o Senhor, acendeu-se-lhe a ira, e fogo do Senhor ardeu entre eles e consumiu extremidades do arraial. [...] Estava

ainda a carne entre os seus dentes, antes que fosse mastigada, quando se acendeu a ira do Senhor contra o povo, e o feriu com
praga mui grande”
(Nm 11.1,33).

O OBJETO DA PUNIÇÃO

Um dito muito comum de se ouvir nos púlpitos e nas conversas sobre as


boas novas da salvação é: “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”. A
realidade exposta por essa frase não é falsa, mas, se usada de maneira
genérica, sem uma explicação detalhada sobre os aspectos a que se aplica,
também não é verdadeira. O fato é que Deus ama e aceita pecadores a quem
ele salva ou irá salvar. Entretanto, pecadores cuja rebeldia contra Deus
permanece sem tratamento ou arrependimento são alvos da condenação
divina. Deus odeia o pecado, mas pune o pecador. O agente do pecado é
quem recebe a condenação pela culpa do ato pecaminoso e não o ato em si.
Por isso, uma frase que corresponde à verdade é: “Deus ama o pecador
arrependido a quem ele salva por sua graça, mas pune com dureza o pecador
obstinado, cujo pecado Deus odeia”.
Assim, a punição de Deus, que vem por causa dos pecados, atinge
“pessoas”, isoladas ou em grupo, cujo pecado provoca a ira de Deus:

A ira de Deus no Antigo Testamento vem sobre indivíduos: Moisés (Ex 4.14; Dt 1.37); Arão (Dt 9.20); Arão e Miriã

(Nm 12.9); Nadabe e Abiu (Lv 10.1,2); Israel (Ex 32.10 e muitas outras referências); e as nações (Sl 2.5; Is 13.3,5,13;

30.27; Jr 50.13,15; Ez 25.4; 30.15; Sf 3.8).


[130]

O primeiro exemplo de punição divina sobre os homens depois da queda e


das suas consequências foi o evento do dilúvio. O pecado que começou no
primeiro casal e já viu na primeira geração um triste e mortal
desenvolvimento continuou a se espalhar do mesmo modo que crescia a
humanidade em número. Isso ocorreu até que Deus disse: “Viu o Senhor que a maldade
do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração
” (Gn 6.5 –
destaque meu). O pecado se apresenta aqui em duas áreas: atos de pecado e
desejos de pecado. Os atos pecaminosos se multiplicaram, enquanto os maus
desejos tomaram conta e dominaram as pessoas.
Pouco depois, o Senhor denuncia a corrupção do caráter humano e a
violência resultante: “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que
estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo

de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra”
(Gn 6.11-
13). Apesar de dizer “todo ser vivente havia corrompido o seu caminho”, fica
claro que Deus se refere aos homens como seres pessoais, morais e
inteligentes. Não poderia haver uma situação tão diferente daquela na qual
Deus viu o que criara e comprovou que “tudo era muito bom”.
O castigo para o crescimento desenfreado do mal veio na forma de um
dilúvio mundial que fez com que cada ser humano morresse, com exceção da
pequena família que Deus preservou: “Disse o Senhor: Farei desaparecer da face da terra o
homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Porém Noé achou

graça diante do Senhor”


(Gn 6.7,8). O resultado final foi que, enviando o dilúvio, “foram
exterminados todos os seres que havia sobre a face da terra; o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus foram extintos da

terra; ficou somente Noé e os que com ele estavam na arca” (Gn 7.23).

A ideia do dilúvio como instrumento punitivo de Deus encontra um forte


paralelo na versão babilônica do dilúvio. O épico de Gilgamesh, além de
revelar o conhecimento antigo da existência de um dilúvio, traz o conceito da
punição associada a ele quando o deus “Ea” insiste que o deus “Enlil”, autor
de um dilúvio mundial, o aplicasse ao culpado, dizendo: “Sobre o
transgressor caia a sua transgressão, sobre o pecado, o seu pecado”.[131]
Outro exemplo incisivo da punição contra o pecado ocorreu sobre as
cidades de Sodoma e Gomorra: “Ora, os homens de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o
Senhor” (Gn 13.13). A situação dessas cidades era tal que Deus informa a
Abraão: “Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se multiplicado, e
o seu pecado se tem agravado muito. Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até

mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei


” (Gn 18.20,21 – destaque meu).
O que o livro de Gênesis expõe como atitude pecaminosa dos moradores
dessas cidades é um pecado de natureza claramente sexual. Quando os anjos
enviados pelo Senhor a Sodoma foram acolhidos na casa de Ló, os homens
da cidade exigiram que Ló os entregasse: “Traze-os fora a nós para que abusemos deles” (Gn 19.5 –
destaque meu). O que a versão Almeida revista e atualizada traduziu como “abusar” é o
verbo hebraico cujo sentido é “conhecer”. É o mesmo verbo usado por Ló
quando propôs que eles tomassem suas filhas “virgens” (Gn 19.8) –
literalmente, “que não conheceram homem”, ou “que nunca tiveram relação
sexual com um homem”.[132] A proposta foi negada, pois o desejo dos
homens de Sodoma era terem relação sexual com os visitantes. Daí, o uso do
termo “sodomita”.
Além disso, o pecado desses homens tinha agravantes. Um agravante é que
o faziam com o conhecimento público e com a aprovação geral, sem qualquer
recato ou discrição, visto que Isaías acusa Jerusalém de agir dessa maneira:
“Como Sodoma, publicam o seu pecado e não o encobrem” (Is 3.9 – destaque meu). Jeremias
acrescenta mais detalhes comparando os pecados morais de Jerusalém ao das
duas cidades perversas: “Mas nos profetas de Jerusalém vejo coisa horrenda;
cometem adultérios, andam com falsidade e fortalecem as mãos dos malfeitores, para que não se convertam cada um da sua

maldade; todos eles se tornaram para mim como Sodoma, e os moradores de Jerusalém, como Gomorra
” (Jr 23.14 –
destaque meu).
Apesar das claras menções aos pecados de natureza moral, Ezequiel
oferece uma faceta adicional sobre a condição espiritual dos moradores de
Sodoma, a saber, o orgulho, a avareza, a injustiça social e a indiferença para
com os necessitados: “Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera
tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado. Foram arrogantes e fizeram abominações diante

de mim; pelo que, em vendo isto, as removi dali”


(Ez 16.49,50).
A resposta divina a tão grande degradação e depravação veio na forma da
eliminação das cidades e de seus moradores, trazendo a eles dura punição:
“Saía o sol sobre a terra, quando Ló entrou em Zoar. Então, fez o Senhor chover enxofre e fogo, da parte do Senhor, sobre
Sodoma e Gomorra. E subverteu aquelas cidades, e toda a campina, e todos os moradores das cidades, e o que nascia na terra”

(Gn 19.23-25 – destaque meu). Eugene Merrill aventa a possibilidade de


Deus ter produzido, para isso, algum tipo de erupção vulcânica ou explosão
petrolífera cujo resultado seria uma grande quantidade de material magmático
que caiu sobre aquelas cidades.[133]
Essas duas destruições emblemáticas – dilúvio e cidades de Sodoma e
Gomorra – mostram, logo no primeiro livro da Bíblia, que o Senhor pune os
pecados da humanidade. Essa mesma atuação acontece ao longo de todo o
Antigo Testamento sob vários aspectos. O Senhor pune o pecado (Dn 9.16; Jr
30.14), a transgressão (1Cr 9.1; 10.13; Os 10.10), a maldade (Gn 6.5-7; Is
13.11; Lm 4.13,22), a iniquidade (Sl 90.7,8; Ez 9.9,10), a idolatria (Dt 8.19;
Js 23.16), as más ações (Dt 28.20), a rebelião (1Sm15.23; Ez 20.8); a
injustiça (Jr 22.13; Ez 28.18); o orgulho (Sl 76.12; Ez 30.6; Am 6.8), a
opressão (Is 10.1-3; Jr 6.6) e a desobediência (Dt 8.20; 28.15; Ml 2.2). Por
tais pecados Deus puniu os homens que neles andaram.

A APLICAÇÃO DA PUNIÇÃO

Ao derramar sua justa ira contra o pecado, Deus o faz dentro de alguns
parâmetros que se veem ao longo das Escrituras. Um deles é anunciar
previamente o juízo. Adão foi o primeiro a receber a mensagem de alerta:
“Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”
(Gn 2.17 – destaque meu).
Podemos ver nesse ato algumas aplicações. Em primeiro lugar, além de um
anúncio de juízo é, também, uma anúncio da santidade e da justiça do
Senhor. O juízo contra a maldade existe porque em Deus na há maldade. A
punição contra a injustiça ocorre porque em Deus não há injustiça. Assim, a
mensagem do juízo atesta a perfeição do Supremo Juiz.
Em segundo lugar, o anúncio do castigo serve como fator de promoção do
bem. A ideia é: “Se há uma punição para quem infringir a orientação de Deus
e pecar contra sua santidade, não farei nada que me torne alvo da condenação
e do castigo; em lugar disso, manter-me-ei em submissão e obediência àquele
que pode tanto abençoar como punir”. Esse era o pensamento que Adão
deveria ter diante da tentação. Sabendo das consequências, deveria ter
escolhido o bem e a verdade. Essa é uma aplicação preventiva da mensagem.
Por último, o anúncio do castigo deve produzir temor no infrator e levá-lo
ao arrependimento e à correção. Trata-se, agora, de uma aplicação corretiva.
Se o mal não foi impedido, ele pode, pelo menos, ser corrigido e, nesse
sentido, o anúncio do juízo é um dos fatores motivadores. Na verdade, essa
ação está tão presente na mensagem do evangelho que não é possível pregá-
lo sem se referir ao juízo. A própria mensagem da salvação necessita de uma
explicação a respeito daquilo de que os homens são salvos. Se alguém diz
“você precisa ser salvo”, uma pergunta muito justa a se fazer é: “Ser salvo de
que?”. A resposta é inegavelmente: “Ser salvo da ira de Deus contra o
pecado”. Marcos Granconato, analisando a mensagem da punição divina
presente nos pais da igreja do segundo século, diz:

Os pastores e mestres cristãos daqueles dias comprovaram a utilidade e a eficácia do ensino bíblico sobre o inferno

tanto para a ação evangelística como pastoral, utilizando-o para convidar os hereges e os pagãos à fé na verdade, bem

como para desencorajar nos crentes a prática do mal e a apostasia. [...] Os pais da igreja do século II consideraram a

doutrina da perdição futura parte essencial da mensagem cristã e fizeram uso dela como instrumento eficaz na proteção e

divulgação do cristianismo ameaçado pela perseguição, pelo fascínio do mundo e pelas atrações das seitas heréticas.

[134]

Tais aplicações também estão de modo geral presentes nos alertas


veterotestamentários sobre a vinda da mão punitiva do Senhor. Desse modo,
antes de enviar o dilúvio sobre a Terra, “disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a
terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra” (Gn 6.13). É
certo que tal
aviso foi dado sobre quem não cairia por meio dele. Mas, o tempo que a arca
levou para ser construída e a própria construção em si criaram oportunidades
abundantes para que as razões para aquele empreendimento fossem
explicadas aos pecadores. Pedro, ao se referir a Noé, o chama de “pregador
da justiça” (2Pe 2.5), demonstrando que a Noé não coube apenas a função de
construir uma arca, mas de anunciar a justiça de Deus. Não obstante, as
pessoas não deram crédito à sua pregação, nem tampouco se arrependeram
dos pecados:

Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao

dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos” (Mt 24.38,39a).
O rei de Gerar, Abimeleque, foi outro personagem bíblico que ouviu o
anúncio de juízo divino. Gênesis 20 conta o episódio em que Abraão,
deslocando-se para a cidade de Gerar, temeu por sua vida por causa da beleza
de Sara, sua esposa. Seu receio foi o de ser morto por alguém que desejasse
tomar Sara para si. O recurso utilizado por Abraão foi o de dizer que Sara era
sua irmã, omitindo seu estado civil. O rei Abimeleque, ouvindo o relato e não
vendo qualquer impedimento, tomou Sara para seu harém, cerca de um ano
antes do tempo previsto para o nascimento de Isaque.[135] Diante dessa
situação, Deus “veio a Abimeleque em sonhos de noite e lhe disse: Vais ser punido de morte por causa da mulher que
tomaste, porque ela tem marido”
(Gn 20.3).[136]
A diferença do desfecho desse episódio é que Abimeleque, que não havia
ainda possuído Sara, ouviu o alerta e corrigiu seu procedimento (Gn 20.14).
Isso evitou a punição de Abimeleque e fez com que sua família voltasse ao
estado original: “Sarou Deus Abimeleque, sua mulher e suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos; porque o
Senhor havia tornado estéreis todas as mulheres da casa de Abimeleque, por causa de Sara, mulher de Abraão”
(Gn
20.17,18).
A punição do Egito que escravizava o povo israelita é outro bom exemplo
do que estamos tratando. Esse foi um acontecimento previsto por Deus muito
tempo antes, pois disse ele a Abraão: “Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra
alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-

se; e depois sairão com grandes riquezas”


(Gn 15.13,14 – destaque meu). Apesar desse
propósito predeterminado, a opressão que o Egito exerceu sobre os israelitas
o tornou passível de juízo.
Moisés e Arão informaram o Faraó da ordem de Deus de irem ao deserto
adorá-lo, mas seu pedido foi negado (Ex 5.1-5) e houve, ainda, represália
egípcia na forma de sobrecarga de trabalho (Ex 5.6-14). Quando o Senhor
ordenou que Moisés falasse novamente ao Faraó, lhe preveniu dizendo: “Faraó
não vos ouvirá; e eu porei a mão sobre o Egito [...] com grandes manifestações de julgamento” (
Ex 7.4). Diante da
nova negativa, Deus alertou os egípcios, por meio da demonstração do seu
poder na primeira praga, de que era poderoso para julgar com dureza aquele
país: “Assim diz o Senhor: Nisto saberás que eu sou o Senhor: com este
bordão que tenho na mão ferirei as águas do rio, e se tornarão em sangue”
(Ex 7.17). “Assim diz o Senhor” é a fórmula utilizada repetidas vezes na
negociação com o Faraó.[137]
O anúncio foi claro e se repetiu ao longo das pragas, tanto pelo seu efeito
devastador e crescente como por outros anúncios verbais: “Assim diz o Senhor:
Deixa ir o meu povo, para que me sirva. Se recusares deixá-lo ir, eis que castigarei com rãs todos os teus territórios
” (Ex
8.1,2 – destaque meu – ver também Ex 8.20,21; 9.1-3, 13-19; 10.3-6). Ao
final do juízo divino, as terras do Egito estavam arrasadas e o exército do
Faraó, no fundo do mar vermelho. O juízo foi tão grande que Amenotepe II, o
provável Faraó do êxodo, foi um dos monarcas egípcios com menos
campanhas militares, indicação de uma queda drástica do poderio militar do
Egito no seu reinado.[138]
A punição de Deus não recaía somente sobre os inimigos de Israel, mas,
também, sobre os próprios israelitas. Na verdade, em quase todos os casos
registrados no Antigo Testamento, o Senhor não se irou contra a humanidade
em geral, mas contra seu povo.[139] Depois de tirar o povo de Israel do Egito
com mãos poderosas, fazê-los passar em seco no meio do mar, falar-lhe e
lhes dar sua lei no Sinai e conduzi-los todo o caminho por meio de uma
nuvem durante o dia e uma coluna de fogo durante a noite, o Senhor os levou
até Cades, próximo ao limite Sul do território que lhes daria. De lá, por
quarenta dias espias observaram a terra, sua prosperidade e suas fortificações.
Voltaram de lá maravilhados com a fertilidade da terra, mas amedrontaram o
povo – exceto Calebe e Josué – atestando ser impossível transpor as
fortificações das cidades e vencer os guerreiros, dentre eles, vários gigantes.
A reação do povo foi falta de confiança em Deus e desespero:

Todos os filhos de Israel murmuraram contra Moisés e contra Arão; e toda a congregação lhes disse: Tomara

tivéssemos morrido na terra do Egito ou mesmo neste deserto! E por que nos traz o Senhor a esta terra, para cairmos à

espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos para o Egito? E

diziam uns aos outros: Levantemos um capitão e voltemos para o Egito” (Ex 14.2-4 – destaque meu).

Depois de tudo que eles viram, tal incredulidade foi inaceitável para Deus.
A punição veio, mas não sem ser anunciada. E o anúncio foi bem peculiar,
pois se baseou nas conclusões erradas e pecaminosas dos israelitas incrédulos
– veja os destaques no texto acima. Com base no que eles mesmo disseram
em sua rebelião, Deus anunciou seu castigo, fazendo-os voltar atrás no
caminho que seguiam: “Mudai, amanhã, de rumo e caminhai para o deserto, pelo caminho do mar Vermelho”
(Gn 14.25 – destaque meu). Ordenar que eles voltem pelo caminho por onde
vieram equivale, teologicamente, a dizer que eles deveriam tomar a estrada
que vai para o Egito,[140] como eles mesmo propuseram.
Entretanto, Deus deu as coordenadas da viagem, mas também previu o
futuro deles: não era chegar ao Egito, mas perecer no deserto, conforme
também disseram os rebeldes: “Neste deserto, cairá o vosso cadáver, [...] neste deserto, se consumirão e aí
falecerão
” (Nm 14.29a,35b – destaque meu). E, em lugar de lhes dar a terra,
prometeu dar aos filhos deles, aqueles que eles temiam que fossem
escravizados pelo cananitas: “Mas os vossos filhos, de que dizeis: Por presa serão,
farei entrar nela; e eles conhecerão a terra que vós desprezastes
” (Nm 14.31 – destaque meu).
Esse castigo pela desobediência é um entre muitos. Na verdade, Deus
prometeu muitos tipos de punição por não darem ouvidos à sua voz, nem
guardarem sua aliança (Dt 28.15-68). Entre eles estão improdutividade
agrícola e infertilidade pecuária (vv. 16-19, 23-24, 38-40), insucesso nos
empreendimentos (v. 20), doenças e pestes (vv. 21-22, 27-29a, 35, 42, 58-
61), derrotas militares (vv. 25-26, 49-50), despojamento (29b-34, 41, 51),
exílios (vv. 36-37), pobreza (vv. 43-44), escravidão (vv. 48, 68), fome
extrema em cercos militares (52-57), mortes em larga escala (vv. 62-63a) e
dispersão e perseguição entre os povos (63b-67). Entretanto, todos esses
terríveis castigos cumprem funções tanto de punições de Deus como de
anúncios do juízo, de modo que os israelitas não poderiam culpar a sorte ou o
Senhor, mas sua própria iniquidade e infidelidade. O fato é que esses castigos
eram “sinais” que anunciavam a eles que o que sofriam era uma justa e
prenunciada punição:

Todas estas maldições virão sobre ti, e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído, porquanto não ouviste

a voz do Senhor, teu Deus, para guardares os mandamentos e os estatutos que te ordenou. Serão, no teu meio, por sinal e

por maravilha, como também entre a tua descendência, para sempre. Porquanto não serviste ao Senhor, teu Deus, com
alegria e bondade de coração, não obstante a abundância de tudo (Dt 28.45-47 – destaque meu).

Tal sinal seria um anúncio para aquela geração, mas, também, serviria para
alertar, pelos séculos por vir, os descendentes daqueles que haviam sido
desobedientes.[141] Por isso, boa parte dos anúncios dos profetas aos
israelitas, a respeito de uma punição iminente, é interpretação e aplicação
dessa mensagem. Enquanto boa parte do ofício profético envolvia a pregação
contra a atitude errônea das pessoas de buscar segurança, bem-estar e
tranquilidade em detrimento da obediência prazerosa e da confiança total em
Deus,[142] visando a levar o povo ao arrependimento e conversão, outra
parte do seu ofício é o anunciar a vinda do juízo por causa do pecado. Nesse
caso, eles agem como porta-vozes do Senhor e frequentemente introduzem as
duras repreensões e promessas de castigo com a fórmula “assim diz o
Senhor”, rendendo aos seus dizeres a autoridade divina e o peso que o
anúncio merecia.
Algo, porém, que não pode passar despercebido nesse tema e que merece
ser mencionado, é a inegável paciência de Deus na aplicação do juízo. Isso
não significa ser apático, indiferente ou tolerante,[143] mas ter a disposição
de retardar o juízo oferecendo oportunidade de arrependimento e perdão. A
ira do Senhor não vem sobre os homens na forma de um impulso irrefletido.
Ao contrário, ela segue um plano determinado por Deus no qual sobressaem
ao mesmo tempo sua graça amorosa e seu juízo reto. Por isso, por exemplo, a
promessa de castigo por meio de uma nação estrangeira, um povo de outro
idioma (Dt 28.49), registrado por Moisés entre 1407 e 1406 a.C., e
relembrada ao povo, entre outros, por Isaias (Is 28.11), cujo ministério
ocorreu entre cerca 750 e 700 a.C., e Jeremias (Jr 5.15), cujo ministério se
deu entre cerca de 640 e 600 a.C., veio a se cumprir em 722 a.C. no reino do
Norte (Israel) – quando Salmaneser V destruiu Samaria (2Rs 17.3-23),[144] –
e em 587 a.C. – quando Nabucodonosor ordenou a destruição de Jerusalém e
o traslado do restante dos habitantes para a Babilônia (2Rs 25.8-22).

OS MEIOS DE PUNIÇÃO
Resta-nos agora responder às questões relativas aos veículos da punição,
ou seja, os meios que o Senhor utiliza para trazer o merecido castigo aos
pecadores. O Antigo Testamento aponta para muitas punições executadas de
diversas maneiras. Acredito que elas possam ser divididas, para fins
didáticos, de vários modos. Contudo, dada a diferença fundamental entre um
dos castigos previstos nas Escrituras e todo o restante, um bom modo de
tratar o assunto é por meio da distinção do tempo em que tais juízos são
aplicados, sendo alguns durante a história e outro, um juízo pleno, ao final
dela – o Dia do Senhor. Essa divisão também auxilia no cumprimento de
promessas de juízo cuja implicação máxima se dá no juízo pleno e último,
mas que, durante a história, demonstram implicações parciais e pontuais.

1. Punição temporal

Uma pergunta frequente questiona o fato de haver tanta maldade no mundo


sem Deus puni-la. Em lugar disso, muita gente perversa prospera na vida e
experimenta certos tipos de felicidade. Mesmo nos dias dos reis israelitas
essa questão já era levantada e criava um tremendo dissabor nos justos, a
exemplo de Asafe: “Pouco faltou para que se desviassem os meus passos,
pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles
não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio. Não partilham das
canseiras dos mortais, nem são afligidos como os outros homens” (Sl 73.2-5).
Apesar da indignação que a injustiça causa, não é verdade que Deus não
puna os maus, nem lhes lance o resultado da culpa. Também não corresponde
à verdade achar que tais faltas serão punidas somente no futuro, no dia do
juízo. Ainda que Deus tenha reservado esse dia futuro para punir cabalmente
os impuros, já nesse tempo ele lança mão da punição.
Uma das maneiras utilizadas para Deus trazer punição aos pecadores é a
guerra. No relacionamento com Israel, Deus promete, caso eles se afastassem
da justiça e não dessem ouvidos ao Senhor, deixar suas cidades desertas e
destruir seu templo, além de espalhá-los pelas nações (Lv 26.31-33 cf. v.21).
Ele diz: “Trarei sobre vós a espada vingadora da minha aliança” (Lv 26.25). Essa promessa se cumpriu em escalas menos
ferozes várias vezes, até que, por meio da Babilônia, o Senhor trouxe a punição
que é descrita pelo cronista:
“Queimaram a Casa de Deus e derribaram os muros de Jerusalém; todos os seus palácios queimaram, destruindo também todos
os seus preciosos objetos. Os que escaparam da espada, a esses levou ele para a Babilônia, onde se tornaram seus servos e de seus

filhos, até ao tempo do reino da Pérsia”


(2Cr 36.19,20).
Mesmo depois do retorno dos israelitas do cativeiro, os efeitos desse
castigo ainda se fizeram sentir, visto que, nos dias de Neemias, a cidade
permanecia destruída. Neemias assim descreveu a situação de Jerusalém: “A
cidade, onde estão os sepulcros de meus pais, está assolada e tem as portas
consumidas pelo fogo” (Ne 2.3). Apesar da dura lição, gerações à frente os
israelitas viram novamente suas muralhas destruídas, além de ter o tempo
totalmente queimado e revirado pelos romanos, no ano 70 d.C., sob o
comando do general Tito. A guerra foi implacável e a destruição, total. O
historiador judeu Flávio Josefo, testemunha ocular dessa punição divina,
conta que a ruína da cidade e da muralha foi tal que ficou sinal algum que
mostrasse que existiu ali um centro tão populoso.[145]
Deus também pune os pecadores por meio de doenças. O salmista Asafe,
fazendo uma revisão histórica da atuação poderosa de Deus, relembra o
castigo divino no Egito: “Deu livre curso à sua ira; não poupou da morte a alma deles, mas entregou-lhes a vida
à pestilência”
(Sl 78.50). Apesar de esse expediente ser utilizado por Deus para
punir o pecador, não quer dizer que sempre o faça. O fato de Deus usar a
guerra, a doença e outras formas de castigo não quer dizer que cada
ocorrência delas seja devido ao castigo divino. Em outras palavras, Deus
pode punir alguém por meio de uma doença, mas nem toda doença é punição
de Deus.
Exemplo disso é o caso de Jó, cuja doença se deveu à tentativa diabólica de
fazê-lo abandonar o Senhor, quando Jó era tido por Deus como seu melhor
servo no mundo (Jó 1.8). Apesar disso, equivocadamente os amigos de Jó o
acusaram de ser alvo do juízo divino por algum pecado escondido (Jó 4.7,8;
5.17; 11.13-15). A mesma visão equivocada se viu nos discípulos de Jesus
que associaram a cegueira de nascença de um jovem israelita ao pecado, ou
dele ou dos seus pais (Jo 9.1,2). A eles Jesus respondeu: “Nem ele pecou, nem seus pais;
mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9.3).
O fato é que, principalmente depois da
punição divina pelo cativeiro babilônico, se desenvolveu ainda mais a ideia
de que cada sofrimento é devido à culpa pessoal.[146] Entretanto, isso não
faz jus à mensagem do Antigo Testamento.
O Senhor também prometeu punir a iniquidade por meio de feras do
campo (Lv 26.22). Assim, a desobediência de um profeta enviado a pregar
contra o altar idólatra construído por Jeroboão, teve como retribuição a morte
por meio de um leão que, de maneira singular, matou o profeta e não atacou o
animal que o transportava: “Foi-se, pois, e um leão o encontrou no caminho e
o matou; o seu cadáver estava atirado no caminho, e o jumento e o leão,
parados junto ao cadáver” (1Rs 13.24). A zombaria de alguns jovens a
respeito do profeta Elizeu foi punida por meio de um ataque feroz de duas
ursas, as quais mataram quarenta e dois daqueles jovens (2Rs 2.23,24).
Também, quando o reino do Norte (Israel) teve sua capital, Samaria,
destruída e seu povo deportado pelos Assírios, a população colocada para
habitar na terra que pertencia aos israelitas teve seu pecado castigado por
Deus por meio de animais: “A princípio, quando passaram a habitar ali, não
temeram o Senhor; então, mandou o Senhor para o meio deles leões, os quais mataram a alguns do povo” (2Rs
17.25).
A fome é também um instrumento de punição nas mãos de Deus: “Quando eu
vos tirar o sustento do pão, dez mulheres cozerão o vosso pão num só forno e vo-lo entregarão por peso; comereis, porém não vos

fartareis”
(Lv 26.26). O profeta Isaías mostra que esse é um expediente divino no
tratamento do pecado, da rebeldia e da soberba dos israelitas: “Porque eis que o Senhor,
o Senhor dos Exércitos, tira de Jerusalém e de Judá o sustento e o apoio, todo sustento de pão e todo sustento de água”
(Is
3.1). A aplicação de tal punição fez com que os israelitas conhecessem um
sofrimento quase inaudito e fossem testemunhas do preço da iniquidade. Em
meio ao cerco de Samaria por Ben-Hadade, rei sírio, a fome cresceu até
níveis insuportáveis a ponto de algumas pessoas matarem e comerem seus
próprios filhos, de modo que, certo dia, o rei, possivelmente Jeoacaz,[147] foi
procurado por uma mulher com um pedido inacreditável: “Perguntou-lhe o rei: Que tens?
Respondeu ela: Esta mulher me disse: Dá teu filho, para que, hoje, o comamos e, amanhã, comeremos o meu. Cozemos, pois, o

meu filho e o comemos; mas, dizendo-lhe eu ao outro dia: Dá o teu filho, para que o comamos, ela o escondeu”
(2Rs
6.28,29).
O Antigo Testamento contém vários exemplos de punição por meio de
catástrofes naturais. O dilúvio é um desses exemplos. A destruição de
Sodoma e Gomorra e as pragas no Egito por ocasião do êxodo, outros.
Entretanto, mais podem ser vistos na história de Israel. Se as catástrofes
naturais que assolaram o Egito foram bênção e libertação para os israelitas,
depois do Sinai eles são alvos de punições por meio da natureza quando se
rebelam contra o Deus com quem eles fizeram aliança e se comprometeram a
servir.[148]
Outro exemplo é a punição da revolta encabeçada por Corá, Datã e Abirão
contra Moisés e Abirão: “E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra debaixo deles se
fendeu, abriu a sua boca e os tragou com as suas casas, como também todos os homens que pertenciam a Corá e todos os seus

bens
” (Nm 16.31,32 – destaque meu). Punição como essa também se viu entre
os povos cananitas que Deus entregou nas mãos de Israel por causa dos seus
pecados e abominações (cf. Dt 18.9-12). Assim, a punição da iniquidade de
cinco reis amorreus (Gn 15.16) veio não somente pela espada de Israel, mas
por uma chuva de pedras que quase de todo os consumiu: “Sucedeu que,
fugindo eles de diante de Israel, à descida de Bete-Horom, fez o Senhor cair do céu
sobre eles grandes pedras, até Azeca, e morreram. Mais foram os que morreram pela chuva de pedra do que os mortos à espada

pelos filhos de Israel”


(Js 10.11).
Outra aplicação da punição divina, digna de nota, se dava por meio do
homem e da lei. O ensino dado por meio de Moisés previa penas diversas
para diversos tipos de pecado. Para muitos deles havia perdão mediante
sacrifícios de animais e obediência a certas orientações. Entretanto, havia
algumas categorias de iniquidades que não podiam ser compensadas – como
o homicídio –, a não ser pela própria morte do iníquo (Nm 35.31). Roland de
Vaux oferece uma lista com divisões temáticas dos pecados passíveis de
morte:

A pena de morte está prevista para os seguintes crimes: Homicídio voluntário (Ex 21.12; Lv 24.17; Nm 35.16-21)

para o qual nunca se admite uma compensação em dinheiro (Nm 35.31; Dt 19.11,12), o rapto de um homem com a

finalidade de reduzi-lo à escravidão (Ex 21.16; Dt 24.7). As faltas graves contra Deus: idolatria (Ex 22.19; Lv 20.1-5; Dt
13.2-19; 17.2-7; cf. Nm 25.1-5), blasfêmia (Lv 24.15,16), a profanação do sábado (Ex 31.14,15; cf. Nm 15.32-36),

feitiçaria (Ex 22.17; Lv 20.27; cf. 1Sm 28.3,9), prostituição da filha de um sacerdote (Lv 21.9). Faltas graves contra os

pais (Ex 21.15-17; Lv 20.8; Dt 21.18-21). Desvio na conduta sexual: adultério (Lv 20.10; Dt 22.22), diferentes formas de

incesto (Lv 20.11,12,14,17), sodomia (Lv 20.13), bestialidade (Lv 20.15,16).


[149]

Nesses casos, os meios de execução eram diversos. O faltoso podia ser


apedrejado (Lv 20.2,27; Dt 13.10), queimado no fogo (Lv 20.14; 21.9), ou
morto pela espada (Ex 32.27,28). Após a morte, o condenado podia ser
pendurado em uma madeira ou em uma árvore durante o dia em que foi
morto. Ficar pendurado em uma madeira era um claro sinal de que Deus o
amaldiçoara e que dele vinha a punição: “Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e
tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas, certamente, o

enterrarás no mesmo dia; porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus; assim, não contaminarás a terra que o

Senhor, teu Deus, te dá em herança” (


Dt 21.22,23 – destaque meu).

2. O Dia do Senhor

A expressão “Dia do Senhor” nem sempre é compreendida uniformemente. Se ela é pronunciada no meio judaico ou de

movimentos religiosos que guardam semelhanças com o Adventismo do Sétimo Dia, há uma boa chance de que a expressão seja

compreendida como o dia de sábado. Se dita no meio cristão, o domingo.

Entretanto, essa expressão tem uma aplicação especial nas Escrituras, especialmente nos profetas. Tomando como certa a

datação dos profetas fornecida por Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, o livro de Obadias foi o primeiro, entre os livros proféticos, a

ser escrito, associando-o aos dias do reinado de Jeorão de Judá (848-841 a.C.).
[150] Como primeiro dos profetas escritores,
ele oferece pela primeira vez o “Dia do Senhor” como uma ocasião especial e singular de juízo de Deus sobre as nações.

Porque o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as nações; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito

tornará sobre a tua cabeça” (Ob 15).

A profecia de Obadias é voltada à Edom, prevendo seu castigo pelo modo perverso com que agiram contra Israel. O

interessante é notar que o castigo pleno de Edom


se dará em uma ocasião que “está prestes a vir sobre todas
as nações
”. Por sua vez, enquanto as nações perecem sob a mão punitiva do
Senhor, “no monte Sião, haverá livramento; o monte será santo; e os da casa de Jacó possuirão as suas herdades” (Ob 17).
Parece ser um dia de vindicação em favor da nação israelita. De um modo
peculiar, essa é uma resposta à questão a respeito de como um Deus santo
permite que as nações do mundo pratiquem o mal. A resposta é clara: “Assim se
fará contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua cabeça”.
[151]

Um unificador teológico é o conceito da lei de talião, ou a correspondência e pertinência da punição ao crime. Isso é

declarado abertamente no versículo 15b, mas também pode ser visto em exemplos em que o soberbo (v. 3) é humilhado

(v. 2), os que assistiram passivamente à pilhagem de uma nação (vv. 11-14) serão eles mesmos pilhados (vv. 5-9), aos

que hostilizam os sobreviventes (v. 14) nada restará (v. 18) e os participantes de um despojamento serão desapossados

(vv. 7,19).
[152]

Não é difícil imaginar que, com uma mensagem ainda em formação


marcada por uma aparência tão favorável como essa, os israelitas
considerassem Obadias um herói nacional como profeta portador de tão boas
novas. Além disso, pode-se considerar que, pelo menos durante um tempo, o
Dia do Senhor passou a ser aguardado com ansiedade como um dia de vitória
e de reconquista da terra,[153] marcado por extrema alegria para Israel.
Nesse momento, o profeta Joel acrescenta mais uma peça ao quebra-cabeça
profético sobre tal evento.
Joel escreveu após uma catástrofe natural em Israel: um ataque devastador
de gafanhotos que destruiu a produção agrícola: “O campo está assolado, e a
terra, de luto, porque o cereal está destruído, a vide se secou, as olivas se
murcharam” (Jl 1.10). A fome estava presente e até as ofertas do templo
tinham cessado em vista da carestia, de modo que até os sacerdotes passavam
fome: “Cortada está da Casa do Senhor a oferta de manjares e a libação; os sacerdotes, ministros do Senhor,
estão enlutados”
(Jl 1.9). Diante de tão grande sofrimento, Joel anuncia a vinda de
outro: “Ah! Que dia! Porque o Dia do Senhor está perto e vem como assolação do Todo-Poderoso” (Jl
1.15).
Joel analisa o acontecimento dos seus dias e mescla a mensagem com o
anúncio do futuro criando um padrão de comparação entre o presente e o
porvir. Em resumo, o sofrimento do agora – a fome por causa dos gafanhotos
– é uma exemplificação do que o futuro reserva, pelo que é exigido no
presente um arrependimento nacional (Jl 1.14).[154]
Feito isso, ele anuncia com todas as letras: “Tocai a trombeta em Sião e dai
voz de rebate no meu santo monte; perturbem-se todos os moradores da terra,
porque o Dia do Senhor vem, já está próximo; dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão!” (Jl
2.
1,2a – destaque meu). Joel parece também vislumbrar um evento mundial.
Entretanto, o claro alerta a Sião (Jerusalém) desfaz a ideia baseada na
revelação primária em Obadias de que tal dia seria somente voltado às
nações. No “Dia do Senhor”, Israel sofrerá ameaça que justifica a “voz de
rebate” e a perturbação dos moradores. Eles deveriam se preocupar com o
“dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão”.
As trevas são usadas como uma metáfora para, além do juízo sobre todos,
anunciar a vinda de um poderoso exército que, de tão numeroso e feroz,
agiria como uma praga de gafanhotos ou um incêndio que transformam os
campos verdes por onde passam em um “deserto assolado” (Jl 2.2,3). Um
exército tão determinado que, no meio da batalha, não há quem tente recuar
ou quem tenha de empurrar os da frente para que avancem. Em lugar disso,
todos agem como uma máquina de guerra precisa e eficaz (Jl 2.8). É esse o
exército que virá sobre Israel. O chocante é notar que é o próprio Senhor
quem os traz:

O Senhor levanta a voz diante do seu exército; porque muitíssimo grande é o seu arraial; porque é poderoso quem

executa as suas ordens; sim, grande é o Dia do Senhor e mui terrível! Quem o poderá suportar? (Jl 2.11 – destaque meu).

[155]

A ideia desse dia como punição de pecados se perfaz plenamente quando, na sequência, o profeta conclama Israel ao

arrependimento e à conversão a fim de fugirem desse triste desfecho histórico por meio da misericórdia de Deus (Jl 2.12-17).

Apesar do risco de plena destruição, “o Senhor se mostrou zeloso da sua terra, compadeceu-se do seu povo” (Jl 2.18), impedindo

o terrível ataque de ser levado até as últimas consequências. Em meio ao anúncio de uma restauração, o profeta diz que no futuro

– “naqueles dias” (Jl 2.28,29) – o Senhor derramaria seu Espírito sobre os homens. Isso precederia eventos cataclísmicos – o Sol

escurecendo e a Lua tendo aparência de sangue – que introduziriam o que ele, agora, denomina “grande e terrível Dia do Senhor”
(Jl 2.31). Sua afirmação posterior é:

E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém,

estarão os que forem salvos, como o Senhor prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar (Jl 2.32 –

destaque meu).

A promessa a que Joel se refere parece ser exatamente o que Obadias


disse, com a diferença que Joel explica que a salvação futura de Sião envolve
o processo de conversão e submissão de Israel ao Senhor e não engloba todos
os israelitas, mas todos quantos forem salvos, os quais serão beneficiados
pelas bênçãos previstas por Obadias. Sob essa nova óptica, Joel reafirma a
mensagem de Obadias sendo mais específico em relação às nações (Jl 3). A
conclusão é que o Dia do Senhor se trata de uma punição severa em larga
escala[156] que irá atingir, em todas as nações da Terra, aqueles que não se
submeteram a Deus nem foram por ele salvos.
Esse é o berço da mensagem sobre o Dia do Senhor de onde os profetas
irão embasar seu anúncio trazendo novos enfoques e aplicações. Nesse
sentido, Amós trás uma nova faceta da questão. O livro de Obadias a Israel
esperança de restauração no juízo das nações. Joel faz o mesmo informando
que isso acontecerá diante de uma grande ameaça contra os israelitas. Em
suma, pode perecer que o “Dia do Senhor” só traria consequências definitivas
sobre os outros povos e não sobre Israel. Não é difícil imaginar os israelitas
dessa época aguardando alegra e ansiosamente esse dia para que fossem
beneficiados.
Entretanto, Amós mostra que esse desejo era fruto de uma falsa sensação
de segurança[157] e afirma a punição dos israelitas rebeldes: “Ai de vós que desejais o
Dia do Senhor! Para que desejais vós o Dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz”
(Am 5.18 – destaque
meu). Tais “trevas” descrevem um duro quadro que certamente tem várias
qualificações bastante sugestivas:

Torna-se claro que a natureza desse período é de ira (Sf 1.15,18; 1Ts 1.10; 5.9; Ap 6.16,17; 11.18; 14.10,19; 15.1,7;
16.1,19), julgamento (Ap 14.7; 15.4; 16.5,7; 19.2), indignação (Is 26.20,21; 34.1-3), provação (Ap 3.10), problemas (Jr

30.7; Sf 1.14,15; Dn 12.1), destruição (Jl 1.15; 1Ts 5.3), escuridão (Jl 2.2; Am 5.18; Sf 1.14-18), desolação (Dn 9.27; Sf

1.14,15), transtorno (Is 24.1-4,19-21), castigo (Is 24.20,21). Em nenhuma dessas passagens encontramos alívio para a

severidade desse tempo que virá sobre a terra.


[158]

Diante desse quadro teológico de um juízo pleno e final, Isaías, clamando


contra a corrupção moral, social e religiosa dos israelitas e informando da
disposição de Deus de desbaratar o orgulho do homem e instaurar um novo
sistema em que ele é centralizado nos corações e nas ações humanas por meio
do seu “servo”, dá nuances bastante aplicativas do Dia do Senhor. Esse dia
vem sobre os soberbos para os abater (Is 2.12), de modo que o único meio de
escapar dele é se voltar para Deus e “andar na luz do Senhor” (Is 1.5). Para
aqueles que rejeitam essa mensagem e esse caminho, o conselho de Isaias é:
“Uivai, pois está perto o Dia do Senhor; vem do Todo-Poderoso como assolação (Is 13.6 – destaque meu). A
razão é que “eis que vem o Dia do Senhor, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra em assolação e dela
destruir os pecadores
” (Is 13.9 – destaque meu). Dizendo isso, Isaías também associa
esse dia àqueles eventos cósmicos previstos por Joel (Is 13.10 cf. Jl 2.31).
Sofonias, oferecendo um ensino concorde com o de seus antecessores,
aponta o fato de que no Dia do Senhor não acontecerá como no presente, em
que os poderosos têm meios de se safar enquanto os fracos caem. Nesse
sentido, prediz a punição de pessoas como oficiais, príncipes, idólatras e
sacerdotes pagãos (Sf 1.7-9).

“Está perto o grande Dia do Senhor; está perto e muito se apressa. Atenção! O Dia do Senhor é amargo, e nele clama

até o homem poderoso. Aquele dia é dia de indignação, dia de angústia e dia de alvoroço e desolação, dia de escuridade e

negrume, dia de nuvens e densas trevas, dia de trombeta e de rebate contra as cidades fortes e contra as torres altas” (Sf

1.14-16).

Jeremias, como profeta que viu Jerusalém cair perante a Babilônia e


anunciou tal queda (Jr 21.7; 24.1; 32.28), afirmou que o Senhor também
traria ao Egito o Dia do Senhor em um morticínio sangrento, país este que
tantos males trouxe sobre Israel (Jr 46.10). Esse texto especifica que o castigo
viria “do norte, junto ao rio Eufrates”, uma referência clara, para a época de
que se tratava da Babilônia, pelo que também aclara: “Palavra que falou o
Senhor a Jeremias, o profeta, acerca da vinda de Nabucodonosor, rei da Babilônia, para ferir a terra do Egito” (Jr 46.13).
Vale
lembrar que, ainda que Jeremias aplique o Dia do Senhor ao Egito na forma
da espada da Babilônia, o Egito, como as demais nações, cairá também diante
do pleno julgamento futuro (Ob 15).
Ezequiel, já na Babilônia como cativo, porém, antes da queda definitiva de
Jerusalém, acusa os falsos profetas de Judá, os “profetas loucos”, que
garantiram que Jerusalém permaneceria.[159] Segundo seu falso testemunho
vindo de visões falsas, Judá não se preparou adequadamente para a chagada
do Dia do Senhor na forma da guerra e do cerco (Ez 13.3-7).
Depois da queda de Jerusalém, um grupo de judeus rebeldes decidiu buscar
abrigo no Egito, contra as orientações de Jeremias (Jr 42). Essa foi uma
atitude, além de desobediente, louca, pois Ezequiel também anuncia que a
destruição vem aos egípcios, dentre outros da região (Ez 30.1-5).
No período pós-exílico, Zacarias oferece uma visão nova do Dia do
Senhor. Jerusalém ainda é alvo do juízo de Deus, mas não pelas mãos de um
povo apenas e de seu exército, mas por “todas as nações”. Jerusalém será
oprimida em demasia e parte do povo será presa e exilada. A diferença é que,
ao final desse juízo, o Senhor lutará contra as nações e as vencerá para
proteger seu povo. O Senhor se colocará sobre o monte das Oliveiras.

Eis que vem o Dia do Senhor, em que os teus despojos se repartirão no meio de ti. Porque eu ajuntarei todas as

nações para a peleja contra Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres, forçadas;

metade da cidade sairá para o cativeiro, mas o restante do povo não será expulso da cidade. Então, sairá o Senhor e

pelejará contra essas nações, como pelejou no dia da batalha. Naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das

Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e

para o ocidente, e haverá um vale muito grande; metade do monte se apartará para o norte, e a outra metade, para o sul

(Zc 14.1-4).
[160]

Por fim, Malaquias, o último dos profetas escritores, em suas palavras


finais fez menção do Dia do Senhor afirmando que ele é posterior ao envio
do profeta Elias (Ml 4.5,6). Essa menção misteriosa, visto que Elias já vivera
e fora arrebatado aos céus (2Rs 2.11), foi interpretada por Jesus como
cumprida no ministério de João Batista (Mt 11.13,14), ainda que o próprio
Elias, junto com Moisés, tenha sido enviado a falar com Jesus na ocasião em
que houve a transfiguração (Mt 17.3). Essas são as aparições da expressão
Dia do Senhor no Antigo Testamento, apesar de expressões correlatas como
“aquele dia”, “o dia” ou “o grande dia” aparecerem mais de setenta e cinco
vezes,[161] enquanto “últimos dias” ocorre treze vezes e “naquele dia”, mais
de cem vezes com sentido escatológico.[162]
A conclusão é que o Dia do Senhor é um evento punitivo, não
necessariamente em um dia apenas, em que Deus lança sobre os pecadores
seu juízo contra a iniquidade. Esse julgamento encontra ocasiões no meio da
história em que acomete nações, incluindo Israel, mas tem seu cumprimento
máximo no futuro, quando Deus vai julgar todos os povos, não antes de
julgar Israel por meio da guerra e do cativeiro até vir pessoalmente libertar
seu remanescente fiel, chamado e salvo por ele mesmo, a fim de abençoá-los
em seu reino. Esse “grande e terrível Dia do Senhor” é identificado no Novo
Testamento como a “Grande Tribulação”.

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Qual é a reação de Deus diante do pecado e da maldade?


2. Por que Deus ainda não puniu o mal completamente?
3. Que relação há entre o dilúvio e a ira de Deus contra o pecado?
4. Qual é o papel do anúncio prévio da punição divina aos pecadores?
O que é o “Dia do Senhor” anunciado pelos profetas e que a sua
abrangência?
Capítulo 6

A salvação
Assiste-nos, ó Deus e Salvador nosso, pela glória do teu nome; livra-nos e perdoa-nos os pecados, por amor do teu

nome (Salmo 79.9).

O estudo do Antigo Testamento é uma jornada na história, mas também na fé. É fascinante aprender sobre as origens de tudo

que existe, incluindo as civilizações antigas. Tal conhecimento é tão relevante que faz parte dos cursos de História do Ensino

Fundamental e Ensino Médio. Tudo isso fica ainda em maior evidência quando se percebe que o estudo secular da história de

nações antigas como Egito, Assíria e Babilônia corrobora muito do que a Bíblia ensina a seus leitores.

Entretanto, ensinar história não é o objetivo principal das Escrituras. Na


verdade, a história é uma ferramenta para o principal propósito dos autores do
Antigo Testamento. Esse propósito é de natureza teológica e visa a apresentar
Deus ao homem e levar o homem a Deus. Nesse sentido, a “fé” é o objetivo a
ser alcançado pela revelação escrita. Basta ver como Hebreus 11 demonstra
que os grandes homens, cujas vidas são relatadas no Antigo Testamento, só
foram aceitos por Deus e produziram obras significantes porque tiveram fé. O
ilustre arqueólogo Nelson Glueck, do Hebrew Union College, disse:

O propósito do historiador e do arqueólogo bíblico não é “provar” a exatidão da Bíblia. Ela é primariamente um

documento teológico
[163] que nunca pode ser “provado”, visto que é baseado na fé em Deus, cujo Ser pode ser
cientificamente sugerido, mas nunca cientificamente demonstrado.
[164]

Ele acusa de “falta de fé” aqueles que buscam corroboração arqueológica


de materiais de fontes históricas para “validar” os ensinos religiosos e
espirituais da Bíblia. Isso porque depender de tais comprovações para poder
afirmar a santidade, a justiça e a veracidade do que foi revelado nas
Escrituras é ignorar a inspiração divina desses escritos. Logo, a fé é fator essencial e
indispensável no estudo da Bíblia e na busca de Deus, da salvação e da comunhão com o criador.

Apesar de a fé não depender dos meios acadêmicos, não se trata de uma fé


“cega” ou “burra”, nem, tampouco, sem sentido. Ela é baseada na verdade.
Ela crê que tudo que a Bíblia diz que aconteceu realmente aconteceu. O que
ela prevê acontecerá. O que ela ensina é correto. Assim, Glueck completa:
É fato, contudo, que pode ser declarado categoricamente que nenhuma descoberta arqueológica jamais contradisse

uma menção bíblica. Os achados arqueológicos têm feito com que se confirmem em linhas gerais claras ou em detalhes

exatos declarações históricas na Bíblia.


[165]

Visto que a fé é tanto o meio como o alvo do estudo bíblico, deve-se


certamente valorizar seu efeito: a salvação do pecador. Essa mensagem, ao
lado da apresentação de Jesus como Deus e como substituto do homem na
condenação dos pecados, ocupa um lugar central no Novo Testamento. Fortes
declarações atrelam firmemente a salvação à fé em Cristo como, por
exemplo: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a
vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”
(Jo 3.36 – destaque meu); e “porque pela graça
sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8 – destaque meu). Diante
disso, devemos nos perguntar, ou melhor, devemos buscar respostas para a
relevante pergunta: “Quanto o Antigo Testamento contribui para a formação
dessa doutrina e para a apresentação dessa mensagem?”.

A PROMESSA DA SALVAÇÃO

Enquanto o Novo Testamento tem um conceito bem definido de salvação,


o Antigo Testamento apresenta essa doutrina em estado de construção.
Entretanto, um ponto fundamental está sempre presente quando se fala de
salvação: a “perdição”. O próprio verbo “salvar” exige, para sua
compreensão, um objeto direto (“quem” deve ser salvo) e um objeto indireto
(“de que” ser salvo). Esses pontos surgem no início da Bíblia diante da
história da queda do homem no jardim do Éden.
Tão logo Adão e Eva tenham cometido pecado e tido consciência disso
(Gn 3.7), imediatamente surgiram ações no sentido de remediar o problema.
O primeiro impulso foi tentar cobrir o erro buscando inutilmente cobrir as
partes do corpo cuja exposição lhes passou a ser vergonhosa. Rapidamente
descobriram como seus próprios meios eram escassos para isso ao utilizarem
o melhor que acharam. Eles juntaram e entrelaçaram folhas de uma figueira
para criar um tipo de proteção. Seu próximo impulso foi fugir da presença
(literalmente “face”) de Deus,[166] a fim de não evidenciar seu pecado (Gn
3.8). Por fim, foram tentativas de esconder tanto sua vergonha física como
espiritual. Não é preciso dizer que tais tentativas fracassaram.
O primeiro passo no sentido de restaurar o que foi perdido não foi dado
pelo homem, mas por Deus. Enquanto o homem se escondia do Criador, este
o chamou no jardim (Gn 1.9). Apesar da simplicidade do ato, é uma
demonstração incisiva da graça de Deus, visto que, em sua santidade e
justiça, poderia simplesmente punir o homem pelo seu pecado à semelhança
do que fez no dilúvio ou nas cidades de Sodoma e Gomorra. Mas não foi o
que aconteceu. Além do gracioso chamado no jardim, o Senhor faz o
primeiro benefício temporal para o homem caído dando-lhe roupas mais
adequadas por meio de um animal que, para fornecer sua pele, teve de ser
morto.
Após pronunciar as condenações ao homem, à mulher e até à natureza,
Deus pronuncia uma maldição contra a serpente, dirigindo-se, possivelmente,
também àquele que estava por trás do animal: Satanás. Se isso é verdade – há
quem ache que a maldição se refere somente à serpente como animal –, tais
palavras parecem conter um breve e velado anúncio do que Deus viria a
fazer.

Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe

ferirás o calcanhar (Gn 3.15).

Para os leitores pré-cristãos, a frase acima devia, normalmente, ser


compreendida somente em termos da hostilidade mútua entre humanos e
ofídios, hostilidade que perdura até hoje.[167] Contudo, o Novo Testamento
tem, por excelência, a capacidade de revelar alguns mistérios ocultos dos
leitores do Antigo Testamento e dos homens que viveram antes da vinda de
Jesus (Cl 1.26). Sob a óptica da revelação progressiva, não é possível olhar
para Gênesis 3.15 sem associar a serpente a Satanás (Ap 12.9; 20.2), nem
lembrar da figura de Deus pisando-o: “E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo
dos vossos pés a Satanás
” (Rm 16.20 – destaque meu).
Com isso, fácil também é associar a descendência da mulher a Jesus, o
qual, sob as agruras da cruz e da morte, como que recebendo uma mordida no
calcanhar, venceu os poderes da morte e do inferno, como que esmagando a
cabeça de Satanás: “E, despojando os principados e as potestades,
publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” (Cl 2.15 – destaque
meu).
Outro apoio a essa ideia é o fato de a palavra “zerá” (descendência) ser
interpretada por Paulo. O apóstolo olha para a mesma palavra hebraica
contida na promessa feita a Abraão: “Apareceu o Senhor a Abrão e lhe disse: Darei à tua descendência
esta terra
” (Gn 12.7a – destaque meu). Apesar de “zerá”, nesse contexto, se referir
ao povo de Israel (Gn 13.15; 15.18; 17.7,8), Paulo olha para o fato de a
palavra estar no singular como uma indicação de um descendente específico
dentro da descendência numerosa de Abraão: “Ora, as promessas foram feitas
a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao
teu descendente, que é Cristo
” (Gl 3.16 – destaque meu).
Tratando-se da mesma palavra usada em Gênesis 3.15 para se referir à
descendência da mulher, surge uma relação chamativa entre a hostilidade
entre a descendência da mulher – ou o “descendente” – e as serpentes, com a
hostilidade entre Cristo e Satanás e entre o fato de Cristo vencer Satanás na
cruz e a cabeça esmagada das serpentes durante seu bote venenoso. Por causa
disso, muitos teólogos consideram Gênesis 3.15 o protevangelium,[168] ou
protoevangelho,[169] ou seja, a primeira menção às boas novas da obra
redentora a ser executada por Cristo, o Deus encarnado (descendência da
mulher).
É certo que essa construção extrapola a teologia do Antigo Testamento.
Entretanto, estamos traçando a progressividade de uma revelação cujas
chaves de interpretação estão no Novo Testamento – ainda que tais chaves
devam ser utilizadas com extrema cautela e dentro dos parâmetros da
interpretação histórico-gramatical para não forçar mensagens do Novo
Testamento para dentro do Antigo.
O próximo passo importante na promessa de salvação se deu no chamado
de Abraão (Gn 12.1-3). O Senhor o chamou da sua terra, do seu clã e da casa
do seu pai para ir a uma terra que lhe seria mostrada (v.1). Abraão, nessa
ocasião, ainda não tinha filhos porque sua esposa era estéril. Apesar disso,
Deus prometeu, a partir de Abraão, gerar uma grande nação. Garantiu ainda
que Abraão seria abençoado e teria um nome grande (v.2). Então, lhe diz:

Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da

terra (Gn 12.3).

Se o patriarca seria alvo das bênçãos de Deus, seria ele, também, fonte de
bênção para outras pessoas. Sua descendência seria abençoada, porém não
somente ela, mas aqueles que, de uma maneira até então não revelada,
bendissessem a Abraão: “Abençoarei os que te abençoarem”. No
cumprimento dessa cláusula não foram postos limites territoriais, políticos ou
étnicos: “E em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Isso, necessariamente, não
quer dizer cada ser humano, mas pessoas de todos os povos.
A mensagem velada é o modo como Abraão poderia abençoar quem lhe
bendissesse. Jesus disse: “Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se” (Jo 8.56).
Ainda que o patriarca soubesse que a promessa implicava advir bênçãos por meio de um povo numeroso, de algum modo ele

percebeu alegremente os benefícios gerados por um membro ilustre da sua família


. Estevão viu o mesmo e
associou Gênesis 12.3 ao “servo” ressurreto que foi enviado a fim de
abençoar Israel (At 3.25,26).
Paulo também assim compreendeu disse que esse texto é um “anúncio
prévio” do evangelho: “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o
evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos”
(Gl 3.8). A consequência natural é: “De
modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão” (Gl 3.9). Com isso,
as bênçãos e o engrandecimento de Abraão foram dados por Deus como
ferramenta a fim de alcançar e redimir pecadores.

O embrião das boas novas da parte de Deus podia ser reduzido á palavra-chave “bênção”. Aquele que foi abençoado
agora vai levar a efeito bênçãos de proporções universais. Em contraste com as nações que buscavam um “nome” para

elas mesmas, Deus fez de Abraão um grande nome a fim de que pudesse ser o meio de bênçãos para todas as nações.

[170]

Assim, tais textos – Gênesis 3.15 e 12.3 – apesar de não terem sido
amplamente compreendidos pelos judeus que receberam o Antigo
Testamento, fazem parte da contribuição veterotestamentária à doutrina da
salvação. De igual modo, isso ocorre com referências posteriores com a
diferença de que, a cada nova peça no quebra-cabeça, a mensagem se torna
mais definida e menos velada até que surjam referências claras ao Messias
por meio dos profetas. Falando sobre a salvação prometida em Gênesis,
Kaiser diz:

Essas palavras de salvação prometida têm continuidade nos oráculos proféticos de salvação. A única diferença entre

as promessas anteriores e as mensagens proféticas de salvação e promessa é o contexto da palavra de Deus que o profeta

transmite. Normalmente, elas aparecem no meio de uma ameaça de juízo a Israel pelo rompimento do concerto, pela sua

idolatria e pelo seu pecado.


[171]

Outra peça importante é assentada por Jacó quando abençoou seus filhos
antes de morrer. Suas palavras tiveram caráter profético com desdobramentos
futuros correspondentes. Entre os filhos, Judá recebeu uma bênção peculiar:
“O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que
venha Siló; e a ele obedecerão os povos” (Gn 49.10).[172]
Trata-se do prenúncio de uma descendência real, como se viu na linhagem
de reis iniciada em Davi, da tribo de Judá. Mas, o que o texto tem de peculiar
é a menção “e a ele obedecerão os povos”. Se por Abraão os “povos” são
abençoados, por parte da descendência de Abraão – uma linhagem real de
Judá – os “povos” serão governados, o que foi repetido a Davi (2Sm 7.16),
estreitando em sua família a bênção de Jacó a Judá.
O profeta Miqueias concorda com a profecia de Jacó de que esse rei vem
da Tribo de Judá, visto que informa que seu nascimento é em Belém, cujo
antigo nome era Efrata (Rt 4.11),[173] dentro do território de Judá e,
também, cidade natal do rei Davi. O que é novidade é a introdução de uma
característica do rei: ele tem origem eterna, assim como Deus. Em outras
palavras, o rei que traria bênçãos e governo sobre todos os povos é
pessoalmente Deus:

E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel,

e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade (

Mq 5.2 – destaque meu).

O contexto apresenta uma realidade histórica que merece atenção. Segundo


diz Miqueias, isso aconteceria depois da queda de Jerusalém, do
destronamento do rei israelita (Mq 5.1),[174] e de o povo de Israel ser
espalhado pelas nações (Mq 5.3a). Entretanto, quando vier o esperado rei,
[175] ele os ajuntará sob seu reinado em seu território (Mq 5.3b – ver
também 4.6,7).[176] Um olhar mais amplo vislumbra a paz e a submissão ao
rei por pessoas de todo o mundo (Mq 4.1-3). Com isso, a mensagem primária
cresceu do estágio inicial de salvar o homem do pecado e do domínio de
Satanás para, já salvo, submetê-lo ao Deus verdadeiro, o criador santo.
O profeta Isaías, contemporâneo de Miqueias, traça os degraus percorridos
por esse rei até o seu trono. Surpreendentemente, o caminho do “Servo do
Senhor”, aquele que tem a tarefa de reunir os israelitas e restaurar Israel,
também foi dado como salvação aos povos do mundo:

Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes de

Israel; também te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra (Is 49.6 – destaque

meu).

Apesar de tão nobre e benéfica função para os homens, ele é “desprezado”


pelas nações, mas virá o dia em que os povos que agora se aborrecem com
ele o “adorarão por amor do Senhor, que é fiel, e do Santo de Israel” (Is 49.7 –
destaque meu). Isso ocorrerá porque o ministério do “Servo do Senhor” tem
abrangência mundial e não apenas entre os israelitas: “Eis aqui o meu servo, a quem

sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os

gentios
” (Is 42.1 – destaque meu).
Traçando, como Miqueias, o caráter divino desse rei, ao dizer que ele será
“adorado” (Is 49.7), Isaías descreve uma obra inacreditavelmente custosa do
servo salvador, pelo que também é conhecido como “Servo sofredor”. Um
dos trechos mais dramáticos e significativos, principalmente dentro da
história da salvação e da demonstração da graça e do amor de Deus pelos
homens, é Isaías 52.13 a 53.12. Uma síntese desse texto é extremamente clara
para que se reconheça, na vida e na obra de Cristo na cruz, tanto o
cumprimento da profecia nele como sua identidade messiânica:

Isaías 52.13: O “Servo do Senhor” tem um caráter íntegro e sábio e uma posição nobre.

Isaías 52.14: Ele seria desfigurado, mediante uma violência ímpar,


[177] de modo a espantar as pessoas que veriam o
seu estado.

Isaías 52.15: A humilhação do servo promoveria seu triunfo diante do mundo,


[178] causando espanto até mesmo nos
cabeças das nações.
[179]
Isaías 53.1: A pregação sobre sua obra era uma mensagem até então inaudita e tão incomparável que seria rejeitada.

Isaías 53.2: O início da obra do “servo do Senhor” se dá em humildade, como um pequeno broto, sem que houvesse

nada em sua aparência que sugerisse sua singularidade pelo que faria nos versículos seguintes.

Isaías 53.3: Seria um homem que experimentaria o sofrimento e, em lugar de ser acolhido, seria desprezado e

decididamente rejeitado pelos homens.

Isaías 53.4: Ele voluntariamente aceitou ser ferido por Deus a fim de ministrar eficazmente o remédio necessário para a

enfermidade dos homens.


[180]
Isaías 53.5: O sofrimento do servo teria caráter vicário, ou seja, em lugar de outros, tomando seu lugar. As palavras

“traspassado” e “pisaduras” descrevem que tipo de castigo ele receberia para trazer paz aos homens.

Isaías 53.6: Deus castigaria o servo como se ele, livre de culpa, fosse culpado pela iniquidade de todos os que andam

longe do Senhor como ovelhas que andam longe de seus pastores. A palavra “mas” sugere que a realidade anterior –
andar desgarrado como ovelhas – seria alterada pelo sacrifício vicário do servo.

Isaías 53.7: Ele sofreria calado todas as agruras da obra redentora, sem se desviar da sua tarefa, ou tentar evitá-la.

Isaías 53.8: Ele seria morto pela violência da agressão que receberia por causa das transgressões.

Isaías 53.9: Em sua morte, seria considerado pelos homens como um criminoso, alguém merecedor de um enterro

desonroso. Entretanto, em vista da sua justiça, a desonra para ele planejada não chegaria a ser cumprida, dando lugar a

um sepultamento distinto e honroso.

Isaías 53.10: A obra sacrificial do servo, em consonância com o propósito de Deus, precederia sua volta à vida para ser

o efetivador da vontade de Deus.

Isaías 53.11: O resultado da sua obra seria plenamente positivo, de modo que justificaria a muitos, tirando-os debaixo

dos efeitos jurídicos do pecado.


[181]
Isaías 53.12: O fato de o servo ter sofrido a morte como sacrifício vicário pelos pecadores como se fosse um transg),

Isaías descreve uma obra inacreditavelmente.

Diante desse quadro, Ridderbos afirma que “o servo do Senhor”, como é


chamado em Is 52.13 e 53.11, não pode ser ninguém mais do que o futuro
Redentor[182] ou Messias.[183] Fica também patente, em Isaías, que o
anúncio de juízo tem anexado a ele uma mensagem divina de “preservação”,
[184] tanto de Israel como dos gentios.
Ao nos referirmos à “identidade messiânica” e a reconhecermos na pessoa
de Jesus Cristo, utilizamos um termo – Messias – que tem um significado
específico na língua hebraica e uma aplicação profética referente à história da
salvação. Vemos isso na promessa de Deus por meio do profeta Daniel que o
Messias, em concordância com a mensagem de Isaías 53.8-10, seria morto.

Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir

destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas

(Dn 9.26 – destaque meu).


Daniel o chama de “Messias” (“mashîah”, em hebraico), cujo significado é
“ungido”, ou seja, aquele sobre quem foi derramado óleo.[185] Esse era um
modo de instituir alguém no ofício real, como é visto nos casos dos reis Saul
(1Sm 15.1), Davi (1Sm 16.1,13), Joacaz (2Rs 23.30) e Jeú (1Rs 19.16).[186]
Assim, segundo Daniel 9.26, o rei seria morto e, na sequência, o “povo de um
príncipe” destruiu Jerusalém e o templo do Senhor de uma maneira tão
terrível que Daniel o comparou ao dilúvio.[187]
A morte de Jesus, ocorrida na década de 30 do primeiro século, precedeu
os acontecimentos do ano 70 d.C., quando o exército romano, sob o comando
do príncipe general Tito – visto que seu pai, Vespasiano, havia recentemente
assumido o trono imperial – invadiu Jerusalém e a destruiu por completo.
Flávio Josefo conta que, apesar de Tito não ter dado ordens nesse sentido, um
soldado romano, erguido por um companheiro, arremessou uma tocha que
iniciou um severo fogo no templo. Com todo esforço pessoal, gritando e
acenando com os braços, Tito ordenava a seus soldados que apagassem o
fogo, mas eles fingiam não entender suas ordens no meio do barulho. Por
fim, foi impossível impedir a destruição e se cumpriu a profecia.[188]
Esse não é o único termo especial usado por Daniel para se referir ao
Messias. Ele também o chama de “Filho do homem” (Dn 7.13).
Normalmente, essa expressão é utilizada no Antigo Testamento para se
referir aos seres humanos, muitas vezes em sua fragilidade e insignificância
diante do Deus todo-poderoso (Jó 25.6; Sl 8.4; 144.3; Is 51.12). Ezequiel, em
especial, utiliza essa expressão sem parcimônia – mais de noventa vezes. Em
seu livro, esse é o modo como Deus se dirige ao próprio profeta a fim de lhe
dar instruções e lhe dizer o que escrever. No próprio livro de Daniel (Dn
8.17), a expressão é uma vez aplicada com o mesmo uso que em Ezequiel.
Apesar disso, Daniel faz uma aplicação do termo, no capítulo 7, que justifica
o sentido messiânico de “Filho do homem” nas palavras de Jesus (Ex.: Mt
8.20; 9.6; 10.23).

Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem, e

dirigiu-se ao Ancião de Dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos,
nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais

será destruído (Dn 7.13,14 – destaque meu).

Pelo menos cinco pontos são características singulares da pessoa e da obra


do “Filho do homem” nesse texto. Em primeiro lugar, sua obra de reinar
sobre a Terra tem como ponto de partida os céus: “Ele vinha com as nuvens
do céu”. Ainda que sua atuação seja entre os homens, ele não está entre eles
até que venha, e o faça “vindo com as nuvens”. Apesar de ser plausível uma
crítica a essa observação dizendo que, em uma visão como a de Daniel,
poderia se esperar algo assim sem que tivesse necessariamente relação com
um evento literal, o paralelo entre o anúncio da segunda vinda de Jesus
parece qualificar como correta a aplicação da expressão “Filho do homem”
pelo próprio Jesus: “Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande poder e glória” (Mc 13.26 –
destaque meu)
.
Em segundo lugar, ele teria um ofício real, munido, como afirma o texto antecedente, de “poder e glória”: “Foi-lhe dado o

domínio, a glória e o reino”. Entretanto, uma oração de Davi demonstra que tais prerrogativas pertencem a Deus somente, de

modo que o “Filho do homem” é também “divino”: “Teu, Senhor, [...] é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos. Riquezas

e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo” (1Cr 29.11,12 – destaque meu). Esse caráter tríplice da divindade é tomado por Jesus

para si mesmo como características pessoais exibidas no seu retorno, a saber, “domínio” (Jo 5.27), “glória” (Mt 16.27; Lc 21.27)

e um “reino” (Mt 13.41; 16.28).


[189]
Seu reinado transcende as barreiras políticas, geográficas e étnicas, pois a
autoridade e o trono lhe serão dados “para que os povos, nações e homens de todas as
línguas o servissem”.
O profeta Isaías já havia profetizado a respeito de uma busca de
ordem mundial por aquele que, em Sião (Jerusalém), julgaria os povos e
converteria as nações (Is 2.3,4). O livro do Apocalipse faz o mesmo: “O sétimo
anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele

reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11.15 – destaque meu).

Finalmente, assim como o texto acima reforça, “o seu domínio é domínio


eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído”. Não se trata de
um reino como os outros com governantes transitórios. Não apenas esse reino
é perene, como também o seu rei, o “Filho do homem”. O autor de Hebreus,
fazendo referência a Jesus, diz: “Mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é
para todo o sempre” (Hb 1.8). Essa verdade foi anunciada pelo anjo que falou
a Maria sobre o filho que ela teria: “Este será grande e será chamado Filho do
Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o
seu reinado não terá fim
” (Lc 1.32,33 – destaque meu).
Olhando para os parâmetros dados por Daniel para o “Filho do homem”,
chega-se à conclusão de que ele apresenta a mesma figura de majestade que
os evangelhos apresentam.[190] Tudo isso indica que Jesus, o “salvador”, é
também o “rei divino”.[191]
Assim, o desenvolvimento da promessa de salvação no Antigo Testamento
começa com um caráter espiritual, passa por libertações e restaurações
terrenas, por uma obra sofredora em lugar dos que seriam salvos e termina
com um governo supremo, benéfico e justo por parte do salvador abnegado,
rei eterno e Deus todo-poderoso.
Esses textos do Antigo Testamento, ao lado de outros, fazem parte de uma
categoria conhecida como “profecia messiânica”. Profecia messiânica é
qualquer texto das Escrituras que, à luz de citação ou alusão posterior, dentro
dos parâmetros do progresso da revelação, apresenta implicações legítimas da
pessoa e obra de Jesus Cristo.[192]

A SALVAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

Ainda que a promessa de salvação tenha surgido assim que o homem


pecou e tenha se desenvolvido à medida que a revelação progrediu por meio
dos profetas do Antigo Testamento, é no Novo que a doutrina salvação
recebe seus retoques finais e ganha contornos bem definidos. Outra vantagem
do Novo Testamento nesse sentido é que, ainda que apresente história, seu
conteúdo é primariamente doutrinário, com um enfoque especial na
mensagem da salvação pela fé em Jesus Cristo, o Deus encarnado, que,
assumindo culpa alheia na cruz, pode oferecer salvação gratuita da
condenação preparada para os pecadores, perdoando-os, justificando-os,
redimindo-os e regenerando-os. No Antigo Testamento, essa mensagem é um
tanto nublada e difusa sob diversas ópticas.
Uma das dificuldades que envolvem a questão é que a salvação, no Antigo
Testamento, tem mais de uma aplicação. Isso se deve ao caráter único do
relacionamento entre Deus e Israel. Também se deve ao longo tempo do
relacionamento descrito pelo Antigo Testamento. Por esse motivo, a salvação
se apresenta pelo menos sob três aspectos: a salvação pessoal/nacional, a
salvação ritual e a salvação espiritual. Cada uma delas tem uma razão, uma
causa, uma fonte, um meio e um resultado.

1. Salvação pessoal/nacional

O primeiro conceito salvífico a surgir nitidamente é o da preservação.


Apesar de o livro de Hebreus afirmar claramente a “justificação” de Abel e
de Enoque “pela fé” (Hb 11.4,5), para o leitor do Pentateuco, nos dias de
Moisés, essa verdade estava certamente velada, carecendo de novas
revelações que a aclarasse. Entretanto, a salvação de Noé e de sua família da
morte e a preservação da raça humana da extinção por meio da arca são
verdades tangíveis até aos leitores mais inexperientes.
A “razão” pela qual Noé e sua família necessitavam de salvação era o risco
de “morte” ao serem pegos pela punição divina à raça humana: “Disse o Senhor: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei”
(Gn 6.7a). A “causa” de serem salvos foi a
“graça” de Deus, o qual desejou poupá-lo: “Porém Noé achou graça diante do Senhor” (Gn
6.8). A “fonte” da salvação foi o próprio Deus, visto que ele escolheu Noé,
com quem Deus se relacionava (Gn 6.9), a fim de preservá-lo por meio de
ordens específicas na promoção da salvação.
O “meio” utilizado para a salvação de Noé e sua família foi dado a partir
de instruções específicas sobre a construção de uma arca que tinha todas as
características necessárias para manter seguros a família de Noé e todos os
animais diante da força das águas e durante o tempo necessário: “Faze uma
arca de tábuas de cipreste; nela farás compartimentos e a calafetarás com
betume por dentro e por fora. Deste modo a farás: de trezentos côvados será o
comprimento; de cinquenta, a largura; e a altura, de trinta. Farás ao seu redor
uma abertura de um côvado de altura; a porta da arca colocarás lateralmente;
farás pavimentos na arca: um em baixo, um segundo e um terceiro.” (Gn
6.14-16). É importante observar que o “meio” dado por Deus para a salvação
da família de Noé pressupunha e exigia obediência às instruções: “Assim fez
Noé, consoante a tudo o que Deus lhe ordenara” (Gn 6.22).
Construída a arca e fechada corretamente com todos dentro – homens e
animais –, veio o dilúvio e matou todos os que estavam fora da arca
protetora. O “resultado” ao final do dilúvio, assim que as águas baixaram, foi,
de fato, a preservação da raça humana e a salvação da família daquele servo
de Deus, além dos animais.[193]
Vários são os exemplos de salvação pessoal no Antigo Testamento, mas
basta-nos acrescentar aqui uma das muitas vezes em que Deus preservou a
vida Davi. O livro de 2Samuel narra o golpe de Estado de Absalão a fim de
destronar seu pai, Davi, e reinar em Israel. O golpe funcionou perfeitamente e
Davi teve de abandonar Jerusalém com uma guarnição militar formada por
soldados e amigos fiéis a ele. A pressa para sair da cidade e se deslocar com
rapidez fez com que eles acampassem às margens do rio Jordão em um
estado de grande exaustão física (2Sm 16.14). Absalão chegou a Jerusalém e
assumiu o comando da cidade e do país, mas o seu plano não estava
completo.
Nesse contexto, a “razão” para Davi precisar de salvação foi um conselho
militar extremamente bem dado: “Disse ainda Aitofel a Absalão: Deixa-me
escolher doze mil homens, e me disporei, e perseguirei Davi esta
noite. Assaltá-lo-ei, enquanto está cansado e frouxo de mãos; espantá-lo-ei;
fugirá todo o povo que está com ele; então, matarei apenas o rei” (2Sm 17.1,2 –
destaque meu). A distância era curta, as defesas de Davi eram poucas e a
estratégia era eficaz. Davi realmente precisava ser salvo.
Se Davi morresse nessa ocasião, seria mais um entre tantos líderes que
tombaram diante da traição de pessoas próximas. Mas ele não morreu e a
“causa” de ter sido salvo foi a promessa de Deus de, antes que se cumprissem
os dias de Davi, ele teria “descanso de todos os teus inimigos” e o próprio
Senhor levantaria seu descendente para reinar (2Sm 7.11,12). Morrer na mão
de um inimigo, ainda que doméstico, não cumpria a promessa com a qual
Deus se comprometeu.
A “fonte” da salvação, ainda que fique apenas subentendido, é o próprio
Deus em pessoa que, no uso da sua plena soberania, guiou os acontecimentos
de modo a preservar seu servo. Vale notar que Davi tinha certeza do controle
do Senhor mesmo quando a situação não lhe era favorável (2Sm 16.7-12).
O “meio” pelo qual a salvação de Davi foi promovida passou pela
fidelidade de um servo de Davi por seu rei e pela atuação do Senhor
conduzindo os corações (Pv 21.1). Depois de receber conselho de Aitofel,
Absalão buscou o conselho de Husai, amigo de Davi. Na intenção de proteger
o verdadeiro rei, deu a Absalão conselho de reunir todo o exército israelita,
fazendo-o perder a vantagem da surpresa, da pequena guarnição de Davi,
dando tempo para que este se refugiasse em um lugar seguro (2Sm 17.7-13).
Apesar de Absalão ser capaz de avaliar a validade dos conselhos e escolher
entre eles, Deus interferiu e fez Absalão tomar a decisão errada: “Então,
disseram Absalão e todos os homens de Israel: Melhor é o conselho de Husai,
o arquita, do que o de Aitofel. Pois ordenara o Senhor que fosse dissipado o bom conselho de Aitofel, para
que o mal sobreviesse contra Absalão
” (2Sm 17.14 – destaque meu). O “resultado” foi a
preservação de Davi, voltando ele ao trono, e as mortes dos conspiradores
Absalão e Aitofel (2Sm 17.23; 18.15).
Esse tipo de salvação não preserva apenas pessoas, mas também nações.
Assim, dentro da mesma categoria, está a “salvação nacional”. O Egito foi
salvo da morte pela fome nos dias de José e a capital da Assíria, Nínive, foi
salva da morte punitiva de Deus nos dias do profeta Jonas. Entretanto, a
ênfase nacional do Antigo Testamento está sobre a nação de Israel com quem
Deus tem um relacionamento especial e para quem o Senhor tem planos –
para ela e por meio dela.[194]
Nesse sentido, um dos grandes momentos redentores do Antigo
Testamento é o livramento de Israel em conexão com o Êxodo.[195] Nesse
caso, é claro que a libertação atinge as pessoas como indivíduos. Entretanto,
há mais que israelitas a serem salvos do domínio e do jugo egípcio. Há uma
nação a quem Deus quer usar, com quem quer ser fiel e por meio de quem ele
quer trazer a suma redenção.
A “razão” de Israel precisar dessa intervenção de Deus é o risco de ela
nunca mais ter liberdade nem se estabelecer como uma nação soberana na
terra que recebeu por promessa. Um risco um pouco mais dramático era o de,
ao continuar ameaçando a soberania egípcia pelo crescimento numérico (Ex
1), ser alvo de uma decisão drástica no sentido de exterminar o povo.
Diante disso, a “causa” da libertação de Israel foi a promessa feita por
Deus a Abraão: “Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em
terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos
anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois
sairão com grandes riquezas” (Gn 15.13,14).
A “fonte” da salvação foi o próprio Senhor (Ex 6.6-8), o qual se utilizou da
mediação de Moisés (Ex 6.10,11). O “meio” utilizado para levar a cabo a
salvação foi a demonstração divina de poder ao lançar sobre o Egito dez
pragas tremendamente destrutivas (Ex 7-12). Posteriormente, o mesmo poder
abriu o mar diante dos israelitas e o fez voltar sobre o exército egípcio,
dizimando-o (Ex 14). O “resultado” foi a plena libertação dos israelitas (Ex
14.30), grande louvor a Deus (Ex 15.1-21) e o testemunho marcante da
pessoa e do poder de Deus a Israel e às nações (Ex 14.31; 15.13-16; Js 2.9-
11).
Esse é um dos exemplos do conceito mais forte e nítido de salvação no
Antigo Testamento,[196] o qual não implica, necessariamente, salvação de
pecados ou justificação, mas Deus salvando o seu povo da morte e extinção –
sejam indivíduos, seja a nação escolhida de Israel.[197]

Porque ele dizia: Certamente, eles são meu povo, filhos que não mentirão; e se lhes tornou o seu Salvador. Em toda a

angústia deles, foi ele angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu,

os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade (Is 63.8,9 – destaque meu).

2. Salvação Ritual

Uma grande dificuldade que os leitores do Antigo Testamento têm é a de


compreender a função dos sacrifícios ordenados por Deus na lei de Moisés. A
primeira impressão é que, enquanto no Novo Testamento os pecados são
perdoados pela fé em Cristo, no Antigo isso se dava por meio do sacrifício de
animais: “E fará a este novilho como fez ao novilho da oferta pelo pecado; assim lhe fará, e o sacerdote por eles fará
expiação, e eles serão perdoados
” (Lv 4.20 – destaque meu).
Contudo, tal impressão é contradita pelo que diz o autor de Hebreus: “É
impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados
” (Hb 10.4 – destaque meu). Os profetas
pareciam pensar do mesmo modo:

Os profetas tinham pouca confiança no sacrifício como meio de se livrar do pecado. Eles falavam primordialmente

de “arrependimento” e “perdão”, como meio de remover o pecado (Is 1.11; Os 6.6; Am 5.23,24; Mq 6.8). Os profetas

expressaram seu desapontamento com a falta de resposta do povo aos apelos ao arrependimento.
[198]

Já que é impossível ser perdoado de pecado por meio de sacrifícios de


animais, a pergunta é: “Para que serviam tais sacrifícios?”. Felizmente, o
próprio livro de Hebreus responde, explicando que “o sangue de bodes e de touros e a cinza de
uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne
” (Hb 9.13 –
destaque meu). Assim, o objetivo de tais ritos não era perdoar a culpa do
pecado – ainda que preparassem o caminho da mensagem da salvação de
pecados pelo “sacrifício” de Cristo, o “cordeiro pascal” (1Co 5.7), ou o
“cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29) –, mas retirar a
“impureza cerimonial”.[199]
A menção do sangue que era “aspergido” tem relação com as ordens de
Deus para a purificação dos israelitas: “O limpo aspergirá sobre o imundo ao terceiro e sétimo
dias; purificá-lo-á ao sétimo dia; e aquele que era imundo lavará as suas vestes, e se banhará na água, e à tarde será limpo

(Nm 19.19). O que era aspergido, nesse caso, sobre pessoas impuras para
purificá-las, era água que havia recebido as cinzas de uma novilha vermelha,
perfeita, sem defeito (Nm 19.3), a qual era completamente queimada (Nm
19.5). Basta, agora, saber o que fazia com que alguém se tornasse impuro.
Segundo o texto, a pessoa ficava imunda ao tocar um corpo morto: “Aquele
que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, imundo será sete dias” (Nm 19.11 – destaque
meu).
É claro que tocar em um cadáver não produz a corrupção do corpo daquele
que o toca.[200] Sendo assim, a impureza não era exatamente física, mas
ritual, ou seja, tornava impura a relação cultual ou cerimonial dos israelitas
para com Deus: “Todo aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum
homem, e não se purificar, contamina o tabernáculo do Senhor” (Nm 19.13 – destaque
meu). Apesar de ser uma impureza ritual, a punição para ela era a morte: “No
entanto, quem estiver imundo e não se purificar, esse será eliminado do meio da
congregação, porquanto contaminou o santuário do Senhor; água purificadora sobre ele não foi aspergida; é imundo”
(Nm
19.20 – destaque meu).
Para que isso não acontecesse, Deus proveu uma maneira de salvar os
israelitas da impureza e das consequências dela. A “razão” para tanto era a
condenação mortal de se manter impuro no meio da nação santa (cf. Ex
19.5,6) que o Senhor separou. A “causa” de a morte ser evitada era a
promessa de Deus de, mediante o rito, reconhecer o estado de pureza
cerimonial: “Se purificará com esta água e será limpo” (Nm 19.12). A “fonte” da salvação era
Deus, visto ser ele aquele que concedeu aos israelitas o meio de purificação
(Nm 19.1). O “meio”, em si, era a morte de uma novilha, cujas cinzas eram
misturadas com água e aspergidas sobre o impuro, transmitindo a ideia de
uma punição do pecado por meio da morte de uma vítima e a purificação e
lavagem dos pecados para que houvesse pureza diante de Deus. O
“resultado” era a purificação ritual que permitia aos israelitas continuarem
vivos, permanecerem no meio do povo de Deus e poderem cultuar o Senhor
no tabernáculo.
Várias coisas tornavam os israelitas impuros – comer alimentos imundos
(Lv 11), menstruar (Lv 15.25), ter emissão de sêmen (Lv 22.4), ter lepra[201]
(Lv 13-14) ou dar filho à luz (Lv 12.2). A diversidade de maneiras de se
tornar impuro, tinha paralelo na diversidade das purificações, às quais
podiam ser por aspersão de água misturada às cinzas de uma novilha
queimada (Nm 19), pela lavagem do corpo e das vestes (Lv 11.40; 15.5-11;
Nm 19.8); por meio do sangue e de certos artefatos ou iguarias (Lv 12.8;
14.5,6), por meio do fogo (Nm 31.22,23) e pelo aguardo de um tempo
específico para o cancelamento da impureza (Lv 11.24; Nm 19.11).[202]
Diante dessa exposição, não é possível ignorar o fato de que os sacrifícios
e ritos do culto israelita afirmavam agir em função de promover “pureza de
pecados”, dando a impressão de que, além de purificar as pessoas de modo
ritual diante de Deus, promoviam salvação da condenação por causa dos
pecados: “Assim, fará expiação pelo santuário por causa das impurezas dos
filhos de Israel, e das suas transgressões, e de todos os seus pecados. Da
mesma sorte, fará pela tenda da congregação, que está com eles no meio das
suas impurezas” (Lv 16.16). Entretanto, o Novo Testamento revela que os
pecados cometidos antes de Cristo pelos homens que foram “justificados”
foram deixados sem punição até que Deus os punisse em Cristo, confirmando
que não há perdão de pecados por meio do sacrifício de animais:

Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs,

no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado

impunes os pecados anteriormente cometidos (Rm 3.24,25 – destaque meu).

Outra coisa que merece destaque é que a purificação ritual era uma
exigência a Israel como um todo, de modo que era realizada mesmo por
pessoas que desconheciam a salvação espiritual e que nunca poderiam entrar
na lista de homens que, nos dias do Antigo Testamento, foram justificados
por fé (Hb 11).

3. Salvação espiritual

“Salvação espiritual” não é um termo que faz jus ao efeito pleno da salvação de pecados, visto que, no que crê, há salvação

do seu corpo e da sua alma. Entretanto, a expressão serve para diferenciar seu conceito da preservação física e da purificação

ritual, além de evidenciar sua abrangência espiritual. Além disso, essa é a salvação cujos efeitos se darão pela eternidade.

Apesar da importância do assunto, dentro da revelação progressiva ele é


esboçado no Antigo Testamento, mas não é desenvolvido com clareza.

Nunca é dito diretamente que o Senhor é o Redentor do pecado. Esse é um conceito do Novo Testamento que,

embora tenha raiz em ideias teológicas do Antigo Testamento, como sacrifício e expiação, não pode ser legitimamente
traçado até a noção de redenção no Antigo Testamento.
[203]

Isso, é claro, não impediu que os servos de Deus do passado tivessem na fé


e na obra redentora do Messias seu meio de justificação e a provisão para
tanto, respectivamente. Entretanto, a mensagem da salvação e seus
desdobramentos eternos seriam incompletos caso tivéssemos em mãos apenas
o Antigo Testamento. Tal visão nos leva a uma necessária análise – às vezes,
à luz do Novo Testamento – da colaboração do Antigo para a formação da
doutrina em questão, além da observação das características dos verdadeiros
homens de Deus do passado.
Um exemplo é Davi. Muito mais que a maioria das pessoas do seu tempo,
ele sabia o que era ser salvo por Deus no sentido de ser preservado da morte.
Seus inimigos o queriam morto e acreditavam que Deus não impediria seu
triste fim, de modo que declara: “São muitos os que dizem de mim: Não há em Deus salvação para ele”
(Sl 3.2 – destaque meu).
Em vista disso, Davi afirma sua esperança em Deus de ser poupado da
morte que se acercava dele: “Do Senhor é a salvação, e sobre o teu povo, a tua bênção” (Sl 3.8 –
destaque meu). Quando seus inimigos estavam perto de dizer “prevaleci
contra ele” (Sl 13.4), Davi declara ao Senhor: “Confio na tua graça; regozije-
se o meu coração na tua salvação” (Sl 13.5 – destaque meu). No Salmo 18 que,
conforme diz seu título, foi escrito “no dia em que o Senhor o livrou de todos os seus inimigos e das
mãos de Saul”, ele exalta o caráter protetor de Deus
: “O Senhor é a minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador; o meu
Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação, o meu baluarte. Invoco o Senhor, digno de

ser louvado, e serei salvo dos meus inimigos


” (Sl 18.2,3).
Essa salvação temporal, ou seja, a preservação da morte e a libertação do
servo das mãos assassinas dos inimigos, parece deixar de ser o enfoque
principal da ideia de salvação quando Davi escreve o Salmo 51. O contexto
desse salmo é o pecado de adultério do rei com Bate-Seba, seguido da trama
que levou o marido dela à morte na frente de batalha (2Sm 11). Diante da
repreensão por parte do profeta Natã (2Sm 12.1-15), Davi se arrepende e
escreve o salmo. Junto ao pedido de perdão, o rei contrasta a salvação do
Senhor não como algo contrário à morte, mas contrário ao pecado,
significando “perdão” e “justificação”. Quando pede por restituição, não pede
por segurança, mas por uma “consciência limpa e tranquila”, ou seja, “paz
com Deus”.

Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito voluntário. Então, ensinarei aos transgressores

os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti. Livra-me dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação, e

a minha língua exaltará a tua justiça” (Sl 51.12-14 – destaque meu).

Isaías perece exibir o mesmo conceito ao se referir à sua função profética


como anunciador da salvação divina e futura restauração de Israel. Apesar de
Isaías ter vivido em Judá (reino do Sul) em tempos de ameaças militares
vindas da Síria e de Israel (reino do Norte), ao falar do seu ofício profético,
associa a salvação que recebeu de Deus com a “justiça” com a qual o Senhor
o envolveu e com a conversão futura das nações. Com isso, a salvação que
tem em mente é mais ampla que o livramento militar que Deus realmente
promoveu nos seus dias.

Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e

me envolveu com o manto de justiça, como noivo que se adorna de turbante, como noiva que se enfeita com as suas

joias. Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o jardim faz brotar o que nele se semeia, assim o Senhor

Deus fará brotar a justiça e o louvor perante todas as nações. (Is 61.10,11).
[204]

Isaías faz a mesma associação outras vezes, introduzindo-as como bênçãos


de natureza permanente e mundial, como em 51.5-8. Ao falar da aplicação da
salvação a Israel, ele a qualifica como “salvação eterna”, cujo benefício é
sentido “em toda a eternidade” (Is 45.17). Apesar de o texto seguinte
demonstrar que a intenção de Deus é fazer isso restaurando Israel à terra que
lhe deu, o caráter permanente dessa atuação pressupõe não só restauração
plena da posse da terra, como também a plena restauração da comunhão com
Deus.
O processo de aplicação da salvação espiritual também é um assunto
vislumbrado no Antigo Testamento na forma da promessa da restauração de
Israel. Ezequiel, prevendo-a, diz:

Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos

ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e

vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus

juízos e os observeis (Ez 36.25-27).

Em primeiro lugar, a figura da aspersão com água para purificação, apesar


de utilizar a linguagem concernente à purificação ritual, aponta para o perdão
dos pecados dos israelitas no contexto da sua futura conversão de ordem
nacional descrita pela ideia da troca do coração insensível à direção do
Senhor por um que lhe seja favorável. Isso, obviamente, envolve a ideia da
regeneração, ou seja, uma nova vida por meio da fé. Esse conceito já estava
presente desde a aliança feita entre Deus e Israel antes da invasão de Canaã:
“Circuncidai, pois, o vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz” (Dt 10.16).

A circuncisão do coração é uma mudança interior, nada menos que a regeneração. No sentido do chamado, podemos

entender isso como a necessidade da conversão de cada pessoa. Ser membro da comunidade visível da aliança, em si, não

bastava para garantir a devoção e a salvação. Era preciso uma experiência pessoal. Por isso, o Pentateuco vincula a

circuncisão do coração ao arrependimento. É preciso que o “coração incircunciso se humilhe” na confissão de pecados

(Lv 26.41).
[205]

Diante desse fato, um novo relacionamento, em que a obediência e


submissão a Deus marcará a disposição dos convertidos, se dará em meio à
habitação corporal do Espírito Santo nos servos (Ez 36.27). Visto ser essa a
realidade presente na igreja de Cristo (Ef 1.13), percebemos que a salvação
nos dias do Antigo Testamento, apesar de ter na “fé” a sua fonte (Hb 11),
assim como nos dias do Novo, não era semelhante no sentido da habitação do
Espírito.
A mesma percepção se tem diante da promessa de Cristo sobre o envio do
Consolador, mostrando ser isso um novo modo de Deus agir com seu povo
(Jo 14.16,26; 15.26; 16.7), e pela oração de Davi para que não se retirasse
dele o Espírito de Deus (Is 51.11). O fato é que, no Antigo Testamento, a
habitação do Espírito tinha outra função que não a de “selo” e “penhor” (Ef
1.13,14), agindo como capacitação para determinadas tarefas como ter
habilidades para construir o tabernáculo (Ex 31.1-5) e reinar sobre Israel
(1Sm 10.1-10). Tal habitação era temporária, durando enquanto cumprisse
seu propósito.
O fato de o Espírito ter se retirado de Saul e ter sido ele atormentado por
um espírito maligno (1Sm 16.14), tanto aponta o caráter não permanente da
habitação do Espírito Santo no Antigo Testamento, como o fato de que essa
habitação podia se dar mesmo em pessoas não salvas, diferente do que ocorre
no Novo Testamento, onde é permanente e sinal da salvação.
A vida eterna, resultado da salvação espiritual por meio da fé, também é
um conceito nublado no Antigo Testamento. É certo que havia a noção da
vida após a morte. Entretanto, sobrepujava a ideia da morte como fim da vida
e não como início de outra. Assim, diz Salomão: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o
conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria

alguma
” (Ec 9.10 – destaque meu). Essa visão pessimista da morte surge,
também, nas palavras de Jó:

Porque há esperança para a árvore, pois, mesmo cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus rebentos. Se

envelhecer na terra a sua raiz, e no chão morrer o seu tronco, ao cheiro das águas brotará e dará ramos como a planta

nova. O homem, porém, morre e fica prostrado; expira o homem e onde está? Como as águas do lago se evaporam, e o

rio se esgota e seca, assim o homem se deita e não se levanta; enquanto existirem os céus, não acordará, nem será

despertado do seu sono. Que me encobrisses na sepultura e me ocultasses até que a tua ira se fosse, e me pusesses um

prazo e depois te lembrasses de mim! Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Todos os dias da minha luta

esperaria, até que eu fosse substituído (Jó 14.7-14).


[206]

Esse modo pessimista de se referir à morte pode simplesmente dever-se à


uma forte expressão de desalento e pesar por causa do fim da vida.[207]
Entretanto, essa noção da morte como fim de tudo parece advir da
compreensão que o homem do mundo antigo tinha da vida e da morte. Ralph
Smith, tratando sobre o que é a morte no Antigo Testamento, diz:

Harmut Gese observou que a mente antiga não compartilhava nosso conceito biológico de vida. Nós dividimos o

mundo na esfera sem vida dos minerais e na esfera viva das plantas, animais e seres humanos. Para o Israel antigo, a vida

estava mais viva que a nossa vida, e as coisas mortas estavam mais mortas que as nossas coisas mortas. Para eles, a vida

era sempre integral e saudável, e a pessoa muito doente já passara para o outro mundo, a esfera em que a morte atua.

[208]

Por outro lado, alguns lampejos da ressurreição e da vida eterna já se


notam na teologia do Antigo Testamento. Em primeiro lugar, Isaías aponta
para a ressurreição de indivíduos, visto que em pessoa ele se incluiu no
evento, mostrando que não se trata de uma referência à restauração futura de
Israel: “Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão;
despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será
como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos” (Is 26.19).
Daniel faz o mesmo e diz que a ressurreição levantará tanto justos como
injustos. Entretanto, o destino deles é diferente: punição para uns e vida
eterna para outros: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para
vergonha e horror eterno”
(Dn 12.2). Essa é primeira menção da expressão “vida
eterna” no Antigo Testamento, apesar de outros autores acolherem o conceito
(Sl 16.11; 17.15; 73.23,24).[209]
Uma última dificuldade a ser mencionada é o “objeto da fé” no Antigo
Testamento. No Novo Testamento, o objeto da fé, ou seja, no que deve ser
crido é o Senhor Jesus, Deus encarnado e redentor, por meio de sua obra na
cruz, daqueles que, crendo, recebem gratuitamente o perdão dos pecados.
Para corroborar ou elucidar essa verdade, há uma série de textos (Ex.: Jo
3.16,36; 14.6; At 4.12; Rm 10.9).
No Antigo Testamento não vemos diretrizes tão nítidas assim. Aliás,
sabemos claramente que a fé foi o meio de justificação para os servos de
Deus do Antigo Testamento por meio das declarações do Novo de que “pela fé,
os antigos obtiveram bom testemunho” (Hb 11.2), Abel (v.
3), Enoque (v.5), Noé (v.7), Abraão (vv.8-
10,17-19), Sara (vv.11,12), Isaque (v.20), Jacó (v.21), José (v.22), Moisés
(vv.23-29) e outros (v.32ss).
Ainda que o Novo Testamento faça tantas afirmações das quais dependem
a nossa compreensão do Antigo Testamento, uma declaração sobre Abraão,
no livro de Gênesis, é específica no sentido de ligar a justificação à fé.
Quando o Senhor lhe garantiu uma descendência numerosa por um meio
humanamente impossível, diz o texto: “Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça”
(Gn 15.6 – destaque meu). A julgar pela descrição da fé de Abraão, assim
como a igreja, os santos do Antigo Testamento criam em Deus, o que os
levava também a crer em suas promessas.
Desse modo, a salvação tem seus alicerces bem fundamentados na
literatura bíblica antes de Jesus e dos apóstolos. Servem de base – direta ou
indiretamente – para a construção da soteriologia na era cristã. Entretanto,
não podem receber uma análise simplista, ou sob a óptica do Novo
Testamento, sem que se analise cuidadosamente o contexto de cada uma
dessas bases. Conclusões precipitadas nessa área certamente levarão a
afirmações como “salvação pelo cumprimento da lei”, “perda de salvação
mediante o pecado” ou até o “universalismo” – que significa salvação para
todos indiscriminadamente.

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Quais foram as primeiras ações divinas no propósito de promover salvação a


homens perdidos?
2. Como Abraão se relaciona com a história da salvação?
3. Quem é o “servo sofredor” de Isaías 53 e qual sua participação na promoção
da salvação para pecadores?
4. Qual o papel dos sacrifícios prescritos na lei mosaica e sua validade no
processo de salvação?
Como os homens eram salvos nos tempos do Antigo Testamento?
Capítulo 7

A Comunhão

Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei na tua verdade; dispõe-me o coração para só temer o teu nome (Salmo

86.11).

O Antigo Testamento não enfatiza apenas


o desejo divino de salvar o homem pecador da
sua merecida condenação, mas revela, também, o desejo de manter
relacionamento com o homem. Entretanto, o modo como isso transparece no
Antigo Testamento não se compara ao modo claro com que o Novo trata a
questão (Ex.: Jo 17.21; 1Co 1.9; 1Jo 1.3).
O Antigo Testamento traz esse conceito de comunhão ou união pessoal
normalmente entre homens (Jz 20.11). Esse senso de associação e união
muita vezes surge ao indicar companheiros unidos para o bem (Sl 119.63; Ec
4.10; Ml 2.14), ou para o mal (Jó 34.8; Is 1.23; Os 6.9). Porém, não há
ênfase, como no Novo Testamento, na comunhão entre o homem criado e seu
criador.
Apesar disso, um relacionamento em particular chama atenção. Por meio
do profeta Isaías, o Senhor se refere a Abraão, chamando-lhe “amigo”: “Mas
tu, ó Israel, servo meu, tu, Jacó, a quem elegi, descendente de Abraão, meu
amigo” (Is 41.8 – destaque meu – ver também 2Cr 20.7 e Tg 2.23).[210] A
palavra utilizada por Deus significa literalmente, “meu amado”. Em
contrapartida, os servos de Deus têm o mesmo tipo de ligação amorosa com
ele e são chamados de “vós que amais o Senhor” (Sl 97.10).
Por outro lado, vemos o pecado como um agente de interferência no
relacionamento entre Deus e os homens: “Eis que a mão do Senhor não está
encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder
ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e
os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça (Is
59.1,2 – destaque meu). Esse texto não revela problemas de surdez no
Senhor, mas a quebra do bom relacionamento mediante a reprovação divina
do estilo pecaminoso de vida: “O SENHOR VIU ISSO E DESAPROVOU O
NÃO HAVER JUSTIÇA” (IS 59.15B). O DISPARATE ENTRE A
SANTIDADE DO SENHOR E O DESPREZO HUMANO DA
NECESSIDADE DE SANTIFICAÇÃO INTERFERE NA COMUNHÃO
ENTRE ELES. AFINAL, “ANDARÃO DOIS JUNTOS, SE NÃO
HOUVER ENTRE ELES ACORDO?” (AM 3.3).

ANDAR COM DEUS

ESSA LINGUAGEM USADA POR AMÓS APARECE CEDO NAS


ESCRITURAS PARA REPRESENTAR A COMUNHÃO ENTRE O
CRIADOR SANTO E A CRIATURA REDIMIDA: “ANDOU ENOQUE
COM DEUS; E, DEPOIS QUE GEROU A METUSALÉM, VIVEU
TREZENTOS ANOS; E TEVE FILHOS E FILHAS. TODOS OS DIAS
DE ENOQUE FORAM TREZENTOS E SESSENTA E CINCO
ANOS . ANDOU ENOQUE COM DEUS E JÁ NÃO ERA, PORQUE
DEUS O TOMOU PARA SI” (GN 5.22-24 – DESTAQUE MEU).
ESSA PRIMEIRA DESCRIÇÃO DE “ANDAR COM DEUS” OFERECE
POUCOS ELEMENTOS PARA UMA COMPREENSÃO DETALHADA.
NÃO HÁ REGISTROS DA VIDA DE ENOQUE PARA QUE SE POSSA
OBSERVAR QUE ATITUDES DE SUA PARTE JUSTIFICARAM A
EXPRESSÃO QUE DEFINIU SUA VIDA DIANTE DE DEUS. DE
QUALQUER MODO, FICA NÍTIDA A IDENTIFICAÇÃO ENTRE O
SERVO E O SENHOR.
“ANDOU COM DEUS” É METAFÓRICO E INDICA QUE ENOQUE TINHA UM ESTILO DE VIDA

CARACTERIZADO POR SUA DEVOÇÃO A DEUS. O SENTIDO DE “ANDAR” (HALAK) NESSE GRAU

DEUS. É UMA REMINISCÊNCIA DA EXPERIÊNCIA


VERBAL
[211] INDICA COMUNHÃO OU INTIMIDADE COM

INICIAL DE ADÃO (3.8) E É A MESMA FRASEOLOGIA QUE TIPIFICA NOÉ, QUE É LEMBRADO POR SUA BOA

(6.9).
REPUTAÇÃO
[212]

APESAR DA POUCA INFORMAÇÃO, A ESTRUTURA DE


GÊNESIS 5 PODE DIZER UM POUCO MAIS QUE ISSO. O
CAPÍTULO TODO PARECE SE PRESTAR A PROVAR QUE DEUS, E
NÃO O DIABO, TINHA RAZÃO AO DIZERN “NO DIA EM QUE
DELA COMERES, CERTAMENTE MORRERÁS” (GN 2.17B). ISSO
PORQUE GÊNESIS 5 É UMA ODE À MORTE. A DESCENDÊNCIA
DE SETE VIVE, TEM FILHOS E FILHAS, E “MORRE”. ESSA
TRISTE REALIDADE ADVINDA DA QUEDA É EXPRESSA EM UMA
ESTRUTURA MONÓTONA QUE CONTÉM TRÊS COMPONENTES:

COMPONENTE 1: PESSOA A VIVEU X ANOS E GEROU


PESSOA B.
COMPONENTE 2: DEPOIS QUE GEROU PESSOA B, PESSOA
A VIVEU Y ANOS, E TEVE FILHOS E FILHAS.
COMPONENTE 3: TODOS OS DIAS DE PESSOA A FORAM
X + Y ANOS; “E MORREU”.[213]

A EXCEÇÃO DENTRO DO CAPÍTULO É O CASO DE


ENOQUE, JÁ QUE, EM LUGAR DE DIZER QUE ELE “VIVEU
SESSENTA E CINCO ANOS” E GEROU METUSALÉM, DIZ QUE ELE
“ANDOU COM DEUS”. CONTUDO, A DIFERENÇA MARCANTE SE
DÁ NO FINAL COM A AUSÊNCIA DE “E MORREU” PARA DIZER:
“ANDOU ENOQUE COM DEUS E JÁ NÃO ERA, PORQUE DEUS O
TOMOU PARA SI”. NÃO BASTOU AO TEXTO INFORMAR O
RELACIONAMENTO DE ENOQUE COM DEUS – AO QUAL O
AUTOR DE HEBREUS, CONFORME TAMBÉM O FAZ A
SEPTUAGINTA, DIZ TER ENOQUE “AGRADADO A DEUS” (HB
11.5). O TEXTO FRISOU O FATO DE ENOQUE TER SIDO
TOMADO POR DEUS SEM SER ACOMETIDO PELA MORTE.
É CERTO QUE NEM TODOS OS SERVOS DE DEUS FORAM
TRASLADADOS – NA VERDADE, FORAM SOMENTE DOIS. ESSE
FOI UM CASO ESPECIAL NO QUAL PODEMOS SUPOR QUE DEUS
TINHA UM PROPÓSITO BEM DEFINIDO. DIANTE DA LISTA DE
MORTE DE GÊNESIS 5, A IDEIA FORMADA PELO BREVE RELATO
DO ARREBATAMENTO DE ENOQUE PARECE TRANSMITIR QUE,
APESAR DO PECADO E DOS SEUS EFEITOS, “ANDAR COM
DEUS” É SEGUIR O SENTIDO OPOSTO DA REBELDIA QUE GEROU
A MORTE POR CONSEQUÊNCIA.[214]
FELIZMENTE, A PROGRESSIVIDADE DA REVELAÇÃO FEZ
COM QUE O CONCEITO DE “ANDAR COM DEUS” PASSASSE A
SER DEFINIDO EM QUALIDADES CLARAS NOS SERVOS DE DEUS
QUE EXPERIMENTARAM TAL REALIDADE. VÊ-SE UM AVANÇO
LOGO A SEGUIR, NA PESSOA DE NOÉ, ATRELANDO O CONCEITO
À JUSTIÇA E À INTEGRIDADE: “EIS A HISTÓRIA DE NOÉ. NOÉ
ERA HOMEM JUSTO E ÍNTEGRO ENTRE OS SEUS
CONTEMPORÂNEOS; NOÉ ANDAVA COM DEUS (GN 6.9 –
DESTAQUE MEU). SIGNIFICA QUE NOÉ DESPONTAVA COMO O
MELHOR ELEMENTO DE UMA GERAÇÃO MÁ, UM HOMEM DE
DEUS NOTAVELMENTE COMPLETO.[215]
ISSO NÃO TORNOU NOÉ MERECEDOR DE RECOMPENSAS
DIVINAS (GN 6.8), MAS O TORNOU UM HOMEM CUJA VIDA
ERA FUNDAMENTALMENTE DIFERENTE DAQUELA QUE DEUS
REPROVOU NA SOCIEDADE DOS SEUS DIAS QUE TROUXE A ELES
O JUÍZO EM FORMA DE DILÚVIO. PARA SE TER UMA IDEIA DO
MODO DE VIVER DA NOÉ PERANTE O SENHOR, AS PALAVRAS
QUE O QUALIFICAM ESTÃO TAMBÉM PRESENTES NO LIVRO DE
PROVÉRBIOS, MOSTRANDO SEU EFEITO PRÁTICO: “A JUSTIÇA
DO ÍNTEGRO ENDIREITA O SEU CAMINHO” (PV 11.5 –
DESTAQUE MEU). PARA OSEIAS, A CONCLUSÃO NATURAL ERA
QUE “OS CAMINHOS DO SENHOR SÃO RETOS, E OS JUSTOS
ANDARÃO NELES (OS 14.9 – DESTAQUE MEU). PODEMOS VER,
COMO CONSEQUÊNCIA, O DESPONTAR DA “SANTIFICAÇÃO”
QUE UNE E IDENTIFICA OS SERVOS DE DEUS COM SEU
SENHOR.
NO ANTIGO TESTAMENTO, DEUS ESTABELECEU UM VÍNCULO ENTRE SUA SANTIDADE E A SANTIDADE DE
SEU POVO. O PLANO DE REDENÇÃO TEM COMO ALVO DESFAZER O ESTRAGO DA QUEDA E RENOVAR A IMAGEM
DE DEUS NO SER HUMANO. NATURALMENTE, ISTO INSINUA QUE O POVO ESCOLHIDO E REDIMIDO SERÁ

TRANSFORMADO E SEPARADO PARA, NOVAMENTE, REFLETIR ESSA IMAGEM. QUANDO DEUS EXIGE SANTIDADE
DO SEU POVO ESTA É A RAZÃO: “... SANTOS SEREIS, PORQUE EU, O SENHOR, VOSSO DEUS, SOU SANTO. [...]
EU SOU O SENHOR, VOSSO DEUS” (LV 19.2,4).
[216]

A MESMA PALAVRA HEBRAICA QUE DEFINE A


“INTEGRIDADE” DE NOÉ É UTILIZADA POR DEUS PARA
CHAMAR ABRAÃO A SER ALGUÉM “PERFEITO”: “EU SOU O
DEUS TODO-PODEROSO; ANDA NA MINHA PRESENÇA E SÊ
PERFEITO (GN 17.1B – DESTAQUE MEU). A COMPARAÇÃO
DESSES DOIS TEXTOS COM O DE NOÉ EVIDENCIA QUE TAL
PERFEIÇÃO NÃO SIGNIFICA AUSÊNCIA DE FALHAS, MAS UM
PROCEDIMENTO CORRETO E VERDADEIRO, INGREDIENTE
EXIGIDO NA COMUNHÃO COM O SENHOR.
A AMIZADE ENTRE DEUS E ABRAÃO SE DEVEU, ALÉM DA
GRAÇA DE DEUS, À RESPOSTA POSITIVA DE ABRAÃO A ESTE
CHAMADO DIVINO, DE MODO A, NO FUTURO, TER PODIDO SE
REFERIR AO SENHOR CHAMANDO-LHE “O SENHOR, EM CUJA
PRESENÇA EU ANDO” (GN 24.40 – DESTAQUE MEU). ESSA
MESMA RETIDÃO FOI IMITADA POR ISAQUE DE TAL MODO QUE
JACÓ SE REFERE AOS DOIS COM RELAÇÃO AO SEU
PROCEDIMENTO DIANTE DO SENHOR: “E ABENÇOOU A JOSÉ,
DIZENDO: O DEUS EM CUJA PRESENÇA ANDARAM MEUS PAIS
ABRAÃO E ISAQUE (GN 48.15 – DESTAQUE MEU).
A JUSTIÇA, RETIDÃO, INTEGRIDADE E PERFEIÇÃO, COMO
CARACTERÍSTICAS DE “ANDAR COM DEUS”, RECEBEM O
ACRÉSCIMO DE OUTRAS QUALIDADES A PARTIR DA SAÍDA DOS
ISRAELITAS DO EGITO, POR MEIO DA CONDUÇÃO DE MOISÉS:
“ENTÃO, DISSE O SENHOR A MOISÉS: EIS QUE VOS FAREI
CHOVER DO CÉU PÃO, E O POVO SAIRÁ E COLHERÁ
DIARIAMENTE A PORÇÃO PARA CADA DIA, PARA QUE EU PONHA
À PROVA SE ANDA NA MINHA LEI OU NÃO (EX 16.4 –
DESTAQUE MEU). O TEXTO EM QUESTÃO VISLUMBRA A
NECESSIDADE DE PROVISÃO QUE O POVO DE ISRAEL PASSOU A
TER NO DESERTO (EX 16.1-3). VISLUMBRA TAMBÉM A
NECESSIDADE DE FÉ, POR PARTE DOS ISRAELITAS, NA
CAPACIDADE DE DEUS DE SUSTER O POVO ELEITO QUE
LIBERTOU DO EGITO.[217]
DIANTE DA NECESSIDADE, DEUS PASSOU A ENVIAR DO CÉU
O MANÁ, UM TIPO DE SEMENTE COMO “DE COENTRO, BRANCO
E DE SABOR COMO BOLOS DE MEL” (EX 16.31). DIANTE DA
INFERTILIDADE DO LOCAL EM QUE OS ISRAELITAS ESTAVAM, O
PRIMEIRO IMPULSO DIANTE DE UM POUCO DE SUPRIMENTO ERA
APANHAR E ESTOCAR O MÁXIMO POSSÍVEL, PREVENDO O
PRÓXIMO ESTADO DE NECESSIDADE. CONTUDO, SEGUNDO A
ORIENTAÇÃO DIVINA, ELES NÃO DEVERIAM AGIR ASSIM. EM
LUGAR DISSO, TINHAM DE “ANDAR NA LEI DE DEUS” E
COLHER APENAS O QUE FOSSE NECESSÁRIO PARA A
ALIMENTAÇÃO DA FAMÍLIA NAQUELE DIA. O PRÓXIMO DIA
SERIA SUPRIDO POR UMA NOVA COLHEITA DO MANÁ.
ISSO ACONTECERIA DIARIAMENTE, COM EXCEÇÃO DO DIA
ANTERIOR AO SÁBADO, QUANDO RECOLHIAM O DOBRO, POIS,
NO SÁBADO, NÃO HAVERIA MANÁ: “EIS O QUE O SENHOR VOS
ORDENOU: COLHEI DISSO CADA UM SEGUNDO O QUE PODE
COMER, UM GÔMER POR CABEÇA, SEGUNDO O NÚMERO DE
VOSSAS PESSOAS; CADA UM TOMARÁ PARA OS QUE SE
ACHAREM NA SUA TENDA” (EX 16.16).
DIANTE DESSA ORDEM E DO PANORAMA DESÉRTICO AO
REDOR, “ANDAR NA LEI DE DEUS” ENVOLVIA DUAS COISAS: A
PRIMEIRA ERA “OBEDIÊNCIA” E A SEGUNDA, “CONFIANÇA”.
ESSA ERA UMA PROVA DADA POR DEUS PARA AVALIAR O
MODO COMO O POVO ANDAVA DIANTE DAS SUAS ORDENS (EX
16.4), COMPARADA À POSTURA PRETENDIDA POR JESUS NA
ORAÇÃO QUE ENSINOU AOS SEUS DISCÍPULOS, NA QUAL A
DEPENDÊNCIA DIÁRIA ERA ENFATIZADA – “O PÃO NOSSO DE
CADA DIA DÁ-NOS HOJE” (MT 6.11).[218]
ESSES DOIS FATORES SÃO UNIDOS MAIS DE UMA VEZ PARA
DESCREVER O MODO DE ANDAR DESEJADO PELO SENHOR:
“ANDAREIS EM TODO O CAMINHO QUE VOS MANDA O SENHOR,
VOSSO DEUS, PARA QUE VIVAIS, BEM VOS SUCEDA, E
PROLONGUEIS OS DIAS NA TERRA QUE HAVEIS DE POSSUIR” (DT
5.33 – DESTAQUE MEU). A CONFIANÇA NO CUMPRIMENTO DA
PROMESSA DE LONGEVIDADE NA TERRA PRESSUPUNHA O
ACOLHIMENTO DA LEI DA ALIANÇA MOSAICA.
AINDA COMO PROVA DO AMOR DE ISRAEL, DEUS PEDE QUE
ELES “ANDEM APÓS O SENHOR” EM MAIS UMA SITUAÇÃO
EXTRAORDINÁRIA QUE ERA O SURGIMENTO DE FALSOS
PROFETAS CUJOS SINAIS PROFÉTICOS HOUVESSE SIDO
COMPROVADOS, MAS CUJA MENSAGEM FOSSE DE REBELDIA
CONTRA DEUS (DT 13.1,2). NEM MESMO A DEMONSTRAÇÃO
DE PRODÍGIOS DEVERIA DISTANCIAR O POVO DO SEU DEUS.
TAIS SITUAÇÕES DEVERIAM SER RECONHECIDAS COMO UMA
PROVA DE DEUS PARA VERIFICAR O AMOR DOS ISRAELITAS
POR ELE (DT 13.3). ASSIM, O PROCEDIMENTO A SER
ADOTADO ERA:

ANDAREIS APÓS O SENHOR, VOSSO DEUS, E A ELE TEMEREIS; GUARDAREIS OS SEUS MANDAMENTOS,

OUVIREIS A SUA VOZ, A ELE SERVIREIS E A ELE VOS ACHEGAREIS. ESSE PROFETA OU SONHADOR SERÁ MORTO,
POIS PREGOU REBELDIA CONTRA O SENHOR, VOSSO DEUS, QUE VOS TIROU DA TERRA DO EGITO E VOS

RESGATOU DA CASA DA SERVIDÃO, PARA VOS APARTAR DO CAMINHO QUE VOS ORDENOU O SENHOR, VOSSO

DEUS, PARA ANDARDES NELE. ASSIM, ELIMINARÁS O MAL DO MEIO DE TI (DT 13.4,5 – DESTAQUE MEU).

[219]

A PRESENÇA DE UM FALSO PROFETA ERA UM RISCO


CONSTANTE PARA O POVO DEUS E UMA AFRONTA AO
VERDADEIRO QUE LIVROU ISRAEL DO EGITO. NESSE CASO, OS
ISRAELITAS SÃO ORIENTADOS A “ANDAR APÓS O SENHOR” DE
MODO A “ELIMINAR O MAL QUE ESTAVA NO MEIO DELES”. SOB
TAL VISÃO, AQUELE QUE “ANDA COM DEUS” É, TAMBÉM,
CARACTERIZADO PELA SEPARAÇÃO DAQUILO QUE É MAU E
CORROMPIDO. ESSA BUSCA DE SEPARAÇÃO DO QUE É INDIGNO
DO SENHOR SE CHAMA “SANTIFICAÇÃO”: “O SENHOR TE
CONSTITUIRÁ PARA SI EM POVO SANTO, COMO TE TEM JURADO,
QUANDO GUARDARES OS MANDAMENTOS DO SENHOR, TEU
DEUS, E ANDARES NOS SEUS CAMINHOS (DT 28.9 – DESTAQUE
MEU).
O PROCEDER SANTIFICADOR DAQUELE QUE “ANDA COM
DEUS” NÃO ATINGE SOMENTE ELE. COMO ALGUÉM
INTIMAMENTE LIGADO AO SENHOR, ELE SE PRESTA A
TRABALHAR TAMBÉM PELA SANTIFICAÇÃO DE OUTROS.
QUANDO DEUS SE PRONUNCIOU CONTRA OS SACERDOTES
INÍQUOS DOS DIAS DE MALAQUIAS, ELE OS COMPAROU AOS
SEUS PAIS LEVITAS QUANDO COM ELES FEZ UMA ALIANÇA
PARA O SERVIREM (CF. NM 18). AO COMPARAR A ATUAÇÃO
DOS PRIMEIROS LEVITAS, A QUEM SIMPLESMENTE CHAMA
LEVI, DEUS MOSTRA A AÇÃO SANTIFICADORA QUE TIVERAM E
O RESULTADO DESSA AÇÃO: “A VERDADEIRA INSTRUÇÃO
ESTEVE NA SUA BOCA, E A INJUSTIÇA NÃO SE ACHOU NOS
SEUS LÁBIOS; ANDOU COMIGO EM PAZ E EM RETIDÃO E DA
INIQUIDADE APARTOU A MUITOS” (ML 2.6).[220]
MAIS UM TRAÇO IMPORTANTE DESSE RELACIONAMENTO
COM DEUS É A “FIDELIDADE”. ESSA É A QUALIDADE DE
ALGUÉM QUE É CONFIÁVEL E CONSTANTE. SUA LEALDADE
ESTÁ SEMPRE PRESENTE A FIM DE PRESERVAR O
RELACIONAMENTO. A VERDADE É O QUE SAI DA BOCA DO
HOMEM FIEL. A FIRMEZA É PERCEBIDA NAS SUAS DECISÕES,
MESMO DIANTE DAS SITUAÇÕES DIFÍCEIS.
DOIS REIS
ISRAELITAS SÃO DESCRITOS COMO PESSOAS QUE “ANDARAM
DIANTE DE DEUS COM FIDELIDADE”: DAVI (1RS 3.6) E
EZEQUIAS (2RS 20.2,3). EM CONSEQUÊNCIA DESSE MODO DE
ANDAR, OUTRAS QUALIDADES LHE SÃO ATRIBUÍDAS:
“JUSTIÇA”, “RETIDÃO DE CORAÇÃO”, “INTEIREZA DE
CORAÇÃO” E FEITOS “RETOS” AOS OLHOS DE DEUS.
POR FIM, “ANDAR COM DEUS” REQUER EXCLUSIVIDADE DO
SENHOR. O AMOR A ELE NÃO PODE SER DIVIDIDO. A
ADORAÇÃO, RESPEITO E GLORIFICAÇÃO AO SEU NOME DEVEM
SER RENDIDOS SOMENTE A ELE. ASSIM COMO EM UM
CASAMENTO SANTO, NÃO HÁ LUGAR PARA AMANTES. MESMO
QUE SEJA COMUM NA SOCIEDADE E ACEITÁVEL PELOS HOMENS
UMA DEDICAÇÃO PARCIAL A DEUS, “ANDAR COM ELE”
SIGNIFICA UM COMPROMETIMENTO INTEGRAL E CONSTANTE.
POR ISSO, OLHANDO PARA A GLÓRIA E A OBRA DO MESSIAS,
MIQUEIAS DIZ: “PORQUE TODOS OS POVOS ANDAM, CADA UM
EM NOME DO SEU DEUS; MAS, QUANTO A NÓS, ANDAREMOS EM
O NOME DO SENHOR, NOSSO DEUS, PARA TODO O SEMPRE”
(MQ 4.5).
“ANDAR COM DEUS” NÃO É O ÚNICO MODO DE EXPRESSAR
UM BOM RELACIONAMENTO COM DEUS. FRASES COMO
“RETOS AOS OLHOS DO SENHOR” (EX 15.26; DT 6.18;
12.28; 13.18; 21.9) E “RETO PERANTE O SENHOR” (1RS
15.5,11; 22.43; 2RS 12.2) APRESENTAM AS
CARACTERÍSTICAS PROPÍCIAS PARA A COMUNHÃO ENTRE DEUS
E SEUS SERVOS E, POR ISSO, PODEM SER EXPLORADAS EM UM
ESTUDO SOBRE O CARÁTER QUE O SERVO DE DEUS DEVE
PORTAR. CONTUDO, “ANDAR COM DEUS” TRANSMITE TODA
ESSA OBEDIÊNCIA E BOM PROCEDIMENTO JUNTO COM A NOÇÃO
DE QUE A LIGAÇÃO ENTRE OS HOMENS QUE SEGUEM A DEUS E
SEU SENHOR NÃO SE DÁ SOMENTE NAS ATITUDES, MAS,
TAMBÉM, NO CORAÇÃO.

ANDAR COM DEUS, ASSIM, INCORPORA VÁRIAS IDEIAS


TEOLÓGICAS. PRIMEIRO, AQUELE QUE ANDA COM DEUS É
UMA CRIATURA FEITA À SEMELHANÇA DE DEUS E LIGADA
AO CRIADOR EM UMA RELAÇÃO PAI-FILHO. SEGUNDO,
ANDAR COM DEUS OCORREU DURANTE O REINADO DE
MORTE, TORNANDO O ANDAR UMA EXCEÇÃO AO PADRÃO
NORMAL DE VIVER E MORRER. ASSIM, SIMPLESMENTE
VIVER E MORRER É RETRATADO COMO ABAIXO DA NORMA
DE QUALIDADE. E, INVERSAMENTE, ANDAR COM DEUS É
UM PASSO ACIMA DO MERO VIVER. É A MANEIRA DE
SUPERAR A MALDIÇÃO. TERCEIRO, O ANDAR É DESCRIÇÃO
DE UM ESTILO DE VIDA, UM PADRÃO DE VIDA COM
CONTINUIDADE E DURAÇÃO. QUARTA, ESSE ANDAR, OU
MODO DE VIDA, É PROPOSITAL PARA SER UMA LIÇÃO PARA
O POVO DE DEUS NO FUTURO.[221]

POR ISSO, “ANDAR DEUS” DEVE SER O OBJETIVO DE


COM
TODOS OS SERVOS DO SENHOR. AFINAL, “ANDARÃO DOIS
JUNTOS, SE NÃO HOUVER ENTRE ELES ACORDO?” (AM 3.3).

A LEI DO ANTIGO TESTAMENTO


FÉ, QUALIDADES MORAIS E PROCEDIMENTO JUSTO TAMBÉM
SÃO FATORES FUNDAMENTAIS PARA NUTRIR A COMUNHÃO COM
DEUS NONOVO TESTAMENTO. PORÉM, O ANTIGO TEM UM
FATOR QUE LHE É EXCLUSIVO: A LEI. INDEPENDENTE DE
FUNÇÕES COMO EVIDENCIAR O PECADO E CONDUZIR O
PECADOR AO SALVADOR (RM 3.19,20; 7.7; GL 3.19,22),
AVULTAR A CULPA (RM 4.15; 5.20) E APONTAR PARA
REALIDADES QUE VIRIAM POR MEIO DE CRISTO (CL 2.16,17),
A LEI TAMBÉM SERVIA PARA REGULAR O RELACIONAMENTO
ENTRE A NAÇÃO DE ISRAEL E O DEUS DA ALIANÇA.
EM TERMOS DE RELACIONAMENTO NACIONAL COM SEU
SOBERANO, A ALIANÇA DE DEUS COM OS ISRAELITAS EXIGIA
UMA OBEDIÊNCIA AMPLA A TODOS OS ESTATUTOS DA LEI,
PRESSUPONDO UMA POSTURA DE FÉ, AÇÃO E DEDICAÇÃO.
[222] NÃO SE PODIA ESCOLHER O QUE SEGUIR OU O QUE
OBEDECER. A SUBMISSÃO DEVIA SER PLENA, ASSIM COMO O
BOM RELACIONAMENTO COM DEUS DEVERIA SER O ALVO
MÁXIMO. POR ISSO, DAVI, AO INSTRUIR SALOMÃO, É TÃO
ENFÁTICO NA OBEDIÊNCIA A TODA A LEI QUE REPETE A
MESMA ORDEM DE DIVERSAS FORMAS: “GUARDA OS
PRECEITOS DO SENHOR, TEU DEUS, PARA ANDARES NOS SEUS
CAMINHOS, PARA GUARDARES OS SEUS ESTATUTOS, E OS SEUS
MANDAMENTOS, E OS SEUS JUÍZOS, E OS SEUS TESTEMUNHOS,
COMO ESTÁ ESCRITO NA LEI DE MOISÉS, PARA QUE
PROSPERES EM TUDO QUANTO FIZERES E POR ONDE QUER QUE
FORES (1RS 2.3 – DESTAQUE MEU).
COMO PROMOTORA DE RELACIONAMENTO COM DEUS,
RAPIDAMENTE A LEI SE MOSTROU INEFICAZ DEVIDO AO
PECADO E À REBELDIA HUMANA. EM PRIMEIRO LUGAR, OS
RITOS REALIZADOS POR PESSOAS ÍMPIAS CUMPRIAM
CONDIÇÕES LEGAIS, MAS NÃO AGRADAVAM A DEUS: “O
SACRIFÍCIO DOS PERVERSOS É ABOMINÁVEL AO SENHOR” (PV
15.8A). POR OUTRO LADO, O TEMPO E A INDIFERENÇA DOS
ISRAELITAS FIZERAM COM QUE, NOS TRABALHOS PRESTADOS A
DEUS NO TABERNÁCULO/TEMPLO, FOSSE IGNORADA A
PRÓPRIA COMUNHÃO COM DEUS. EM LUGAR DISSO, CADA VEZ
MAIS OS SACRIFÍCIOS E OFERTAS PASSARAM A SE PARECER
COM AQUELES DAS RELIGIÕES DE APAZIGUAMENTO, JÁ QUE
ERAM REALIZADOS POR MERA “DESINCUMBÊNCIA”: “O FILHO
HONRA O PAI, E O SERVO, AO SEU SENHOR. SE EU SOU PAI,
ONDE ESTÁ A MINHA HONRA? E, SE EU SOU SENHOR, ONDE ESTÁ
O RESPEITO PARA COMIGO? — DIZ O SENHOR DOS EXÉRCITOS
A VÓS OUTROS, Ó SACERDOTES QUE DESPREZAIS O MEU NOME”
(ML 1.6 – DESTAQUE MEU).
“NA TÔRÁ, HÁ DUAS IDEIAS BÁSICAS PREDOMINANTES NO TOCANTE AO SERVIÇO DO TABERNÁCULO:

SACRIFÍCIOS E PUREZA RITUAL. A TÔRÁ APRESENTA LEIS SOBRE DIFERENTES TIPOS DE SACRIFÍCIOS, SENDO

QUE NEM TODOS SE REFEREM À EXPIAÇÃO DE PECADOS. PARECE, ENTRETANTO, QUE NOS SÉCULOS

POSTERIORES AO EXÍLIO BABILÔNICO, A EXPIAÇÃO PELOS PECADOS TORNOU-SE O PONTO CENTRAL DO

SERVIÇO SACRIFICIAL. A EXPIAÇÃO PASSOU A SER CONSIDERADA A PRÓPRIA RAZÃO DE SER DO SERVIÇO DO

TEMPLO.
[223]

CONTUDO, A LEI NÃO É TÃO INFÉRTIL COMO PARECE NO


SENTIDO DE CRIAR COMUNHÃO ENTRE DEUS E SEUS SERVOS.
ISSO NÃO QUER DIZER QUE ALGUÉM POSSA SER SALVO POR
ELA, NEM QUE HAJA CONTINUIDADE DOS ESTATUTOS DA LEI
MOSAICA DEPOIS DA OBRA DECRISTO. O BENEFÍCIO VEM DOS
ENSINOS QUE ESTÃO ALÉM DOS ESTATUTOS. O APÓSTOLO
PAULO AJUDA A ACLARAR ESSA QUESTÃO:
“PORQUANTO O QUE FORA IMPOSSÍVEL À LEI, NO QUE ESTAVA ENFERMA PELA CARNE, ISSO FEZ DEUS
ENVIANDO O SEU PRÓPRIO FILHO EM SEMELHANÇA DE CARNE PECAMINOSA E NO TOCANTE AO PECADO; E,

COM EFEITO, CONDENOU DEUS, NA CARNE, O PECADO, A FIM DE QUE O PRECEITO DA LEI SE CUMPRISSE EM

NÓS, QUE NÃO ANDAMOS SEGUNDO A CARNE, MAS SEGUNDO O ESPÍRITO” (RM 8.3,4 – DESTAQUE MEU).

DEPOIS DE FALAR SOBRE “LIBERDADE DA LEI DO PECADO E


DA MORTE” (RM 8.2), PAULO DEMONSTRA SER ESSA UMA
TAREFA “IMPOSSÍVEL À LEI”, PELO QUE CRISTO TEVE DE
ENCARNAR E ASSUMIR SOBRE SI A CONDENAÇÃO DO PECADO.
AO FAZÊ-LO, ALÉM DE RETIRAR A CONDENAÇÃO AOS QUE
NELE ESTÃO (RM 8.1), O “PRECEITO DA LEI SE CUMPRIU EM
NÓS”. CERTAMENTE, ISSO NÃO QUER DIZER QUE PASSAMOS A
OBEDECER À LEI MOSAICA.[224] FELIZMENTE, O CONTEXTO
SUBSEQUENTE EXPLICA O QUE ELE QUIS DIZER. ELE ANTEPÕE
“OS QUE SE INCLINAM PARA A CARNE” COM OS QUE “SE
INCLINAM PARA O ESPÍRITO” (RM 8.5). AO FAZÊ-LO, DIZ QUE
OS QUE SE INCLINAM PARA A CARNE “NÃO PODEM AGRADAR A
DEUS” E QUE SEU MODO DE VIVER GERA “INIMIZADE CONTRA
DEUS” (RM 8.6,7). SENDO ASSIM, OS QUE ESTÃO NO
ESPÍRITO EXPERIMENTAM O CONTRÁRIO.
TENDO ANTIGO TESTAMENTO ASSENTADO AS BASES DO
O
MODO DE “ANDAR COM DEUS”, POR MEIO DE UM CARÁTER
ÍNTEGRO, SUBMISSO E SANTIFICADO, O EFEITO DA OBRA DE
CRISTO DE FAZER CUMPRIR NOS SALVOS OS “PRECEITOS DA
LEI” EVIDENCIA NELES UM CARÁTER TRANSFORMADO E NÃO O
ASSENTIMENTO A REGRAS. SIGNIFICAVA MANTER A ATUAÇÃO
DE FILHOS VERDADEIROS, OS QUAIS TINHAM DE IMITAR O
MODO DE AGIR DO PAI, O PRÓPRIO DEUS.[225]

ELES [OS ISRAELITAS] DEVIAM SE CONSIDERAR COMO UM POVO SANTO – ISTO É, UM POVO SEPARADO

POR YAHWEH –, MAS YAHWEH ERA UM DEUS NÃO APENAS INCOMPARAVELMENTE PODEROSO, MAS TAMBÉM
INCOMPARAVELMENTE RETO, MISERICORDIOSO E VERDADEIRO PARA COM SUA PALAVRA FIEL. PORTANTO,
HOMENS E MULHERES QUE ERAM SANTOS PARA ELE, SEPARADOS PARA ELE, DEVIAM REPRODUZIR ESSAS

QUALIDADES EM SUAS PRÓPRIAS VIDAS E CONDUTAS.


[226]

ISSO ACONTECE PORQUE A LEI NÃO CONTÉM APENAS


ESTATUTOS LEGAIS, MAS, TAMBÉM, “PRECEITOS JUSTOS”.
ESSES PRECEITOS SÃO BASEADOS NA SANTIDADE E PERFEIÇÃO
DO SENHOR E EXISTEM DESDE ANTES DA LEI SER DADA NO
SINAI. OS PRECEITOS JUSTOS, NA VERDADE, NÃO DEPENDEM
DA INSTITUIÇÃO DE UM CÓDIGO LEGAL, MAS DA EXISTÊNCIA
DE DEUS. ELES SÃO JUSTOS AGORA, ERAM JUSTOS NOS DIAS
DE MOISÉS E ERAM, TAMBÉM, JUSTOS NOS DIAS DE ADÃO.
PORTANTO, QUANDO A LEI FOI DADA POR MEIO DE MOISÉS,
ESSA JUSTIÇA NÃO FOI INSTITUÍDA. ELA SIMPLESMENTE
TRANSPARECEU POR MEIO DOS ESTATUTOS DA LEI.
A PRESENÇA DOS “JUSTOS PRECEITOS” NOS ESTATUTOS DA
LEI PODE SER UM FATOR DE MÁ COMPREENSÃO PARA A IGREJA
DOS NOSSOS DIAS.
PODE DAR A IMPRESSÃO DE QUE A LEI NÃO
É UM BLOCO ÚNICO, MAS UM CONJUNTO DE DIVERSAS LEIS
COM CARACTERÍSTICAS DIFERENTES, HAVENDO UMA PORÇÃO
DE LEI MORAL E OUTRA PORÇÃO DE LEIS CERIMONIAIS E
SOCIAIS. ASSIM SENDO, A IGREJA DEVERIA DEIXAR DE LADO
AS LEIS CERIMONIAIS E CUMPRIR A LEI MORAL, DE MODO QUE
HAVERIA UMA CONTINUIDADE DA LEI MESMO DEPOIS DA OBRA
DECRISTO.
ESSE PENSAMENTO, CONTUDO, NÃO É SANCIONADO PELO
NOVO TESTAMENTO, QUE DIZ: “QUANDO SE MUDA O
SACERDÓCIO NECESSARIAMENTE HÁ TAMBÉM MUDANÇA DE
LEI” (HB 7.12), “QUANDO ELE DIZ NOVA [ALIANÇA],
E
TORNA ANTIQUADA A PRIMEIRA. ORA, AQUILO QUE SE TORNA
ANTIQUADO E ENVELHECIDO ESTÁ PRESTES A DESAPARECER”
(HB 8.13).
ASSIM, NÃO HÁ, NO TEMPO DA IGREJA CRISTÃ, A
CONTINUIDADE DA LEI MOSAICA. PORÉM, ISSO NÃO QUER
DIZER QUE NÃO HAJA CONTINUIDADE DO “JUSTO PRECEITO”
QUE SE FAZ VER NA LEI. ESSE PRECEITO PERMANECE E DEVE
SER SEGUIDO A FIM DE ATENDER AO SENHOR, QUE DIZ:
“SANTIFICAI-VOS E SEDE SANTOS, POIS EU SOU O SENHOR,
VOSSO DEUS” (LV 20.7) E “PORQUE EU SOU SANTO” (1PE
1.16).
O ANTIGO TESTAMENTO NÃO DIVIDE SUAS LEIS EM MORAIS, CIVIS E CERIMONIAIS. TODAS AS LEIS
RECONHECEM O SENHORIO DE JAVÉ. TODAS AS LEIS DO ANTIGO TESTAMENTO FORAM DADAS A UMA

COMUNIDADE CULTURAL ESPECÍFICA. COMO JESUS É O CUMPRIMENTO DAS PROMESSAS FEITAS A ISRAEL,
TODAS AS LEIS DO ANTIGO TESTAMENTO TÊM DE SER INTERPRETADAS PELA PERSPECTIVA DA PESSOA, DA

OBRA E DO ENSINO DE CRISTO; E TODAS PODEM SER INTRUSIVAS HOJE EM DIA PELOS PRINCÍPIOS QUE

INCORPORAM (DESTAQUE MEU).


[227]

SE ISSO É VERDADE PARA A IGREJA DE HOJE, TANTO MAIS


PARA O POVO DA ALIANÇA. MESMO QUANDO TINHAM
ESTATUTOS LEGAIS A “JUSTO
SEGUIR E OBEDECER, O
PRECEITO” DA LEI DEVERIA LEVÁ-LOS A “ANDAR COM DEUS”
E TEREM COMUNHÃO COM ELE. NESSE ASPECTO, ASSIM QUE O
SENHOR ENTROU EM ALIANÇA COM OS ISRAELITAS NO SINAI
(EX 19), TRATOU DE LHES DAR ESTATUTOS (EX 20-24) CUJO
CUMPRIMENTO APONTAVA PARA A SANTIDADE E RETIDÃO QUE
O POVO DA ALIANÇA DEVERIA PORTAR PARA SE RELACIONAR
COM O DEUS SANTO.
PODEMOS TOMAR, DE FORMA EXEMPLAR, O TEXTO DE
ÊXODO 23.1-3: “NÃO ESPALHARÁS NOTÍCIAS FALSAS, NEM
DARÁS MÃO AO ÍMPIO, PARA SERES TESTEMUNHA
MALDOSA. NÃO SEGUIRÁS A MULTIDÃO PARA FAZERES MAL;
NEM DEPORÁS, NUMA DEMANDA, INCLINANDO-TE PARA A
MAIORIA, PARA TORCER O DIREITO. NEM COM O POBRE SERÁS
PARCIAL NA SUA DEMANDA”. ATÉ UMA LEITURA RÁPIDA DO
TRECHO EM QUESTÃO FARÁ VER QUE NÃO SE TRATA APENAS
DE LEIS PARA MEDIR A OBEDIÊNCIA DO POVO, MAS
REVELAÇÃO DA PRÓPRIA JUSTIÇA DE DEUS. VÊ-SE O DESEJO
DE DEUS DE QUE O HOMEM SEJA VERDADEIRO E TENHA UMA
PALAVRA CONFIÁVEL, ALÉM DE NÃO SE ASSOCIAR AOS
PROPÓSITOS E PRÁTICAS DOS ÍMPIOS (EX 23.6-9; LV
19.11,16; DT 16.19).
O TEXTO SEGUINTE ENCARECE A HONESTIDADE QUE SE
DEVE TER PARA COM AS PESSOAS E COM SEUS BENS, MESMO
AS PESSOAS COM QUEM NÃO SE TINHA UM BOM
RELACIONAMENTO: “SE ENCONTRARES DESGARRADO O BOI
DO TEU INIMIGO OU O SEU JUMENTO, LHO RECONDUZIRÁS. SE
VIRES PROSTRADO DEBAIXO DA SUA CARGA O JUMENTO
DAQUELE QUE TE ABORRECE, NÃO O ABANDONARÁS, MAS
AJUDÁ-LO-ÁS A ERGUÊ-LO” (EX 23.4,5 – VER TAMBÉM DT
22.1-4).
TAMBÉM A VIDA É VALORIZADA NA LEI MOSAICA. O
CONCEITO DA PRESERVAÇÃO DA VIDA E DA PUNIÇÃO CAPITAL
NOS CASOS DE ASSASSINATO (GN 9.6) SURGE COMO ESTATUTO
NA COMUNIDADE ISRAELITA: “QUEM FERIR A OUTRO, DE
MODO QUE ESTE MORRA, TAMBÉM SERÁ MORTO” (EX 21.12 –
VER TAMBÉM LV 24.17; NM 35.16-24,30,31; DT 19.11-
13). PORÉM, O SENHOR FEZ DIFERENÇA ENTRE O HOMICÍDIO
INTENCIONAL E O ACIDENTAL. PARA CASOS DE HOMICÍDIO
ACIDENTAL, DEUS CRIOU UMA MANEIRA DE PROTEGER DA
MORTE POR VINGANÇA O QUE SEM INTENÇÃO MATOU ALGUÉM:
“PORÉM, SE NÃO LHE ARMOU CILADAS, MAS DEUS LHE
PERMITIU CAÍSSE EM SUAS MÃOS, ENTÃO, TE DESIGNAREI UM
LUGAR PARA ONDE ELE FUGIRÁ” (EX 21.13 – VER TAMBÉM
NM 35.11,22; DT 19.1-10).
A PRÓPRIA VINGANÇA É PROIBIDA E, EM LUGAR DELA, O
AMOR É O SENTIMENTO QUE DEVERIA SER NUTRIDO, ALGO
QUE O PRÓPRIO JESUS ENCARECEU: “NÃO TE VINGARÁS, NEM
GUARDARÁS IRA CONTRA OS FILHOS DO TEU POVO; MAS
AMARÁS O TEU PRÓXIMO COMO A TI MESMO. EU SOU O
SENHOR” (LV 19.18). O FATO DE JESUS TER ASSOCIADO
ESSE ESTATUTO AO AMOR DEVIDO A DEUS E DIZER QUE DELES
“DEPENDEM TODA A LEI E OS PROFETAS” (MT 22.37-40),
POR SI SÓ DEMONSTRA O CARÁTER SANTO DE DEUS QUE SE
FAZ VER POR MEIO DOS ESTATUTOS DA LEI MOSAICA.
É CERTO QUE NEM TODAS AS LEIS TRANSMITIAM COM
TANTA CLAREZA A RETIDÃO E INTEGRIDADE QUE DEUS
DESEJAVA VER NOS SEUS SERVOS. CONTUDO, AINDA HOJE, EM
TEMPOS NOS QUAIS NÃO ESTAMOS SUJEITOS À LEI, PODEMOS
APRENDER DELA SOBRE O CARÁTER DE DEUS E SOBRE O
“ANDAR” PURO QUE DEVE SER O ALVO DOS QUE AMAM O
SENHOR.

OS DEZ MANDAMENTOS

NO SENTIDO DE REVELAR O CARÁTER SANTO E RETO DE


DEUS E DE EXPRESSAR AO HOMEM A JUSTIÇA QUE DEVE
GUIAR SUA VIDA, O “DECÁLOGO” (EX 20.1-17) É UMA PARTE
NOBRE DA LEI, PRECEDENDO O “LIVRO DA ALIANÇA” (EX
20.22–23.33). SUA FORMA PRIORIZA APRESENTAR
PROIBIÇÕES, ISTO É, APARECEM NA FORMA NEGATIVA – OITO
DOS DEZ MANDAMENTOS[228] –, PROVAVELMENTE POR
APONTAR ONDE O RELACIONAMENTO COM DEUS ESTAVA
SENDO AFETADO.
CONTUDO, COMO LEI DE ESTATUTOS, SOFREU O MESMO
EFEITO QUE O RESTANTE DA LEI DEPOIS DA OBRA DE CRISTO.
PAULO CHEGA A ASSOCIAR O DECÁLOGO – “GRAVADO COM
LETRAS EM PEDRA” – AO QUE ELE CHAMA DE “MINISTÉRIO DA
MORTE” (2CO 3.7) E DE “MINISTÉRIO DA CONDENAÇÃO”
(2CO 3.9), AFIRMANDO QUE SUA GLÓRIA NÃO SE COMPARA
AO “MINISTÉRIO DO ESPÍRITO” E DA “JUSTIÇA” (2CO 3.8,9).
ENTRETANTO, SE COMO ESTATUTO LEGAL, ELE, COM O
RESTANTE DA LEI, CONDENA O HOMEM, COMO EXEMPLO IDEAL
DE “PRECEITO JUSTO”, APROXIMA O SERVO DE DEUS,
JUSTIFICADO PELA FÉ, DA COMUNHÃO E DA INTIMIDADE COM
O SENHOR.
O PRIMEIRO MANDAMENTO REVELA QUE DEUS É ÚNICO E
QUE QUER SER TRATADO COMO DEUS ÚNICO: “ENTÃO, FALOU
DEUS TODAS ESTAS PALAVRAS: EU SOU O SENHOR, TEU
DEUS, QUE TE TIREI DA TERRA DO EGITO, DA CASA DA
SERVIDÃO. NÃO TERÁS OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM” (EX
20.1-3). ELE NÃO FAZ PARTE DE UM PANTEÃO. NÃO É O
MAIORAL ENTRE MUITOS DEUSES. ELE NÃO É O MAIS DIGNO
ENTRE MUITOS SERES VENERÁVEIS. ELE É O ÚNICO E, ASSIM
SENDO, DEVE RECEBER ADORAÇÃO E HONRA EXCLUSIVAS.
NÃO HÁ ESPAÇO PARA A VENERAÇÃO DE OUTRAS
ENTIDADES COMO ANJOS, FORÇAS NATURAIS, SERES
INTERCESSORES OU GRANDES SERVOS DO PASSADO QUE JÁ
MORRERAM. POR ISSO, NO PASSADO
DEUS NÃO ACEITOU
DIVIDIR A ADORAÇÃO COM BAAL (1RS 19.18; 22.54),
ASTAROTE (JZ 2.13-15), BAAL-PEOR (NM 25.3-5),
MOLOQUE (LV 18.21), MILCOM (1RS 11.5,6), QUEMOS
(1RS 11.7,33), OU UM POSTE-ÍDOLO (1RS 16.33), NEM
QUANDO ELES ERAM VISTOS COMO SUBALTERNOS DO SENHOR.
PELA MESMA RAZÃO, HOJE ELE NÃO ACEITA DIVIDIR SUA
HONRA E VENERAÇÃO COM PESSOAS QUE O SERVIRAM NO
PASSADO COMO CRIATURAS QUE ERAM (AT 14.12-15).
OS QUE PERTENCEM A DEUS DEVEM EMPREGAR A VIDA
PARA HONRAR UNICAMENTE O SEU CRIADOR, COM A MENTE
EXCLUSIVAMENTE LIGADA À SUA ADORAÇÃO,[229] POIS ESSA
É SUA FUNÇÃO: “POVO QUE FORMEI PARA MIM, PARA
CELEBRAR O MEU LOUVOR” (IS 43.21 – DESTAQUE MEU).
JESUS REFLETIU O DESEJO DIVINO DE EXCLUSIVIDADE AO
DIZER: “NINGUÉM PODE SERVIR A DOIS SENHORES; PORQUE
OU HÁ DE ABORRECER-SE DE UM E AMAR AO OUTRO, OU SE
DEVOTARÁ A UM E DESPREZARÁ AO OUTRO. NÃO PODEIS
SERVIR A DEUS E ÀS RIQUEZAS” (MT 6.24).
O SEGUNDO MANDAMENTO TEM RELAÇÃO COM O MODO QUE
O HOMEM CULTUA O SENHOR: “NÃO FARÁS PARA TI IMAGEM
DE ESCULTURA, NEM SEMELHANÇA ALGUMA DO QUE HÁ EM
CIMA NOS CÉUS, NEM EMBAIXO NA TERRA, NEM NAS ÁGUAS
DEBAIXO DA TERRA. NÃO AS ADORARÁS, NEM LHES DARÁS
CULTO; PORQUE EU SOU O SENHOR, TEU DEUS, DEUS ZELOSO,
QUE VISITO A INIQUIDADE DOS PAIS NOS FILHOS ATÉ À
TERCEIRA E QUARTA GERAÇÃO DAQUELES QUE ME
ABORRECEM E FAÇO MISERICÓRDIA ATÉ MIL GERAÇÕES
DAQUELES QUE ME AMAM E GUARDAM OS MEUS
MANDAMENTOS” (EX 20.4-6). JÁ TRATAMOS ESSE ASSUNTO
NO CAPÍTULO SOBRE A CRIAÇÃO QUANDO DISSEMOS O QUE
NÃO SIGNIFICA A IMAGEM DE DEUS.
CONTUDO, PODEMOS ACRESCENTAR QUE ESSE
MANDAMENTO É UMA EXPRESSÃO DO DESEJO DIVINO DE SER
ADORADO CORRETAMENTE, SEM QUE O MEIO DE CULTO O
REDUZA, SEJA POR MEIO DE IMAGENS QUE LHE IMPÕE LIMITES
(LV 26.1), SEJA POR MEIO DA IDENTIFICAÇÃO OU DA PRÁTICA
DOS CULTOS DE FALSOS DEUSES (JS 23.6,7). VISTO QUE
DEUS NÃO SE APRESENTOU SOB NENHUMA FORMA, NENHUMA
FORMA PODERIA RETRATÁ-LO (DT 4.15-19), JÁ QUE
NENHUMA SEMELHANÇA – INCLUINDO A FORMA HUMANA –
SERIA ADEQUADA E CADA TIPO DE REPRESENTAÇÃO
PRODUZIRIA UM TIPO DIFERENTE DE FALSA COMPREENSÃO DE
DEUS.[230]
O TERCEIRO MANDAMENTO IMPEDIA QUE OS HOMENS
DESONESTOS ENCONTRASSEM NO NOME DE DEUS UM FIADOR
PARA SUA PALAVRA FALHA: “NÃO TOMARÁS O NOME DO
SENHOR, TEU DEUS, EM VÃO, PORQUE O SENHOR NÃO TERÁ
POR INOCENTE O QUE TOMAR O SEU NOME EM VÃO” (EX
20.7). A MÁ COMPREENSÃO DESSE MANDAMENTO FEZ COM
QUE, MAIS TARDE, SE TORNASSE UMA PRÁTICA JUDAICA A
SUPRESSÃO DO NOME DE DEUS, DIZENDO-SE NO LUGAR
“SENHOR” OU “O NOME DO SENHOR”. O DESENVOLVIMENTO
DE TAL COMPREENSÃO FAZ COM QUE ATÉ MESMO A PALAVRA
“DEUS” SEJA EVITADA E, COMO SE VÊ ATUALMENTE,
SUBSTITUÍDA POR ALTERAÇÕES FORÇADAS DE CARACTERES,
COMO “D’US”.
REALMENTE, NÃO É ESSE O RESULTADO DA OBEDIÊNCIA AO
TERCEIRO MANDAMENTO, VISTO QUE O NOME DO SENHOR FOI
CONSTANTEMENTE UTILIZADO PELOS ESCRITORES DO ANTIGO
TESTAMENTO, COMO NA FREQUENTE FÓRMULA: “ASSIM DIZ O
SENHOR”.[231] O QUE É TRADUZIDO POR SENHOR, NESSES
CASOS, NÃO É A PALAVRA HEBRAICA “ADONAI” (SENHOR),
MAS O TETRAGRAMA, A PALAVRA “JAVÉ”. NO CASO DOS
PROFETAS DE DEUS, USAR A FÓRMULA “ASSIM DIZ O
SENHOR” ANTES DE PRONUNCIAR SUAS PALAVRAS, CONFERIA
A ELAS NÃO SÓ A AUTORIA DIVINA, MAS TAMBÉM A DEVIDA
AUTORIDADE SOBRE OS OUVINTES E A CREDIBILIDADE DO
PROFETA.DESSE MODO, NÃO ERA PROIBIDO USAR O NOME DE
DEUS, MAS USAR O NOME DE DEUS “EM VÃO”.
DIANTE DISSO, O SENTIDO QUE RECAI SOBRE ESSE
MANDAMENTO É O DESEJO DE DEUS DE NÃO VER SEU NOME E
SUA DIGNIDADE USADA A FIM DE DAR CREDIBILIDADE A
DECLARAÇÕES HUMANAS FALSAS, OU A FALSOS JURAMENTOS.
JURAR NÃO ERA UMA PRÁTICA PROIBIDA NO ANTIGO
TESTAMENTO. DAVI DIZ QUE AQUELE QUE TEME O SENHOR
“JURA COM DANO PRÓPRIO E NÃO SE RETRATA” (SL 15.4). O
MOTIVO DE ELE NÃO SE RETRATAR É PORQUE ELE NÃO
PRECISA FAZÊ-LO, POIS NÃO FALTA COM SUA PALAVRA.
OUTRO TIPO DE JURAMENTO FREQUENTEMENTE VISTO É A
FÓRMULA “TÃO CERTO COMO VIVE O SENHOR”,[232] COMO,
POR EXEMPLO, O FAZ O PROFETA MICAÍAS QUE, AO SER
CHAMADO À PRESENÇA DO REI ACABE, JUROU: “RESPONDEU
MICAÍAS: TÃO CERTO COMO VIVE O SENHOR, O QUE O SENHOR
ME DISSER, ISSO FALAREI” (1RS 22.14). ISSO É QUASE COMO
SE ELE DISSESSE “JURO PELO NOME DO SENHOR, O QUE O
SENHOR ME DISSER, ISSO FALAREI”.
POR OUTRO LADO, DIZER ALGO DESSE TIPO SEM
REPRESENTAR A VERDADE OU SEM A INTENÇÃO DE CUMPRIR O
QUE FOI DITO, ERA UM SÉRIO PECADO: “NEM JURAREIS FALSO
PELO MEU NOME, POIS PROFANARÍEIS O NOME DO VOSSO DEUS.
EU SOU O SENHOR” (LV 19.12). A PALAVRA HEBRAICA
TRADUZIDA COMO “PROFANAR” TAMBÉM TEM O SENTIDO DE
POLUIR, CONTAMINAR, VIOLAR A HONRA E TRATAR COMO SE
FOSSE ALGO COMUM. SE LEVÍTICO PREVIA A POSSIBILIDADE
DE ALGUÉM FAZER UM FALSO JURAMENTO PELO NOME DO
SENHOR, JEREMIAS DETECTA ESSE PECADO NOS DIAS DE
REINADO DO REI JOSIAS. DEPOIS DE DIZER QUE NÃO HAVIA
JUSTOS NAS RUAS E PRAÇAS DE JERUSALÉM, ELE COMPLETA:
“EMBORA DIGAM: TÃO CERTO COMO VIVE O SENHOR,
CERTAMENTE, JURAM FALSO” (JR 5.2 – DESTAQUE MEU).
UM SÉCULO ANTES, ISAÍAS DENUNCIOU O MESMO DESVIO:
“OUVI ISTO, CASA DE JACÓ, QUE VOS CHAMAIS PELO NOME
DE ISRAEL JUDÁ, QUE JURAIS
E SAÍSTES DA LINHAGEM DE
PELO NOME DO SENHOR E CONFESSAIS O DEUS DE ISRAEL,
MAS NÃO EM VERDADE NEM EM JUSTIÇA” (IS 48.1 – DESTAQUE
MEU). O PROFETA ZACARIAS ABORDA O ASSUNTO E ASSOCIA
TAL PECADO AO JUÍZO DE DEUS:

ENTÃO, ME DISSE: ESTA É A MALDIÇÃO QUE SAI PELA FACE DE TODA A TERRA, PORQUE QUALQUER QUE
FURTAR SERÁ EXPULSO SEGUNDO A MALDIÇÃO, E QUALQUER QUE JURAR FALSAMENTE SERÁ EXPULSO

TAMBÉM SEGUNDO A MESMA. FÁ-LA-EI SAIR, DIZ O SENHOR DOS EXÉRCITOS, E A FAREI ENTRAR NA CASA

DO LADRÃO E NA CASA DO QUE JURAR FALSAMENTE PELO MEU NOME; NELA, PERNOITARÁ E CONSUMIRÁ A SUA

MADEIRA E AS SUAS PEDRAS (ZC 5.3,4 – DESTAQUE MEU).

UMA SEGUNDA OCORRÊNCIA DESSE PECADO ERA TENTAR


SE UTILIZAR DELE PARA OBTER VANTAGENS PESSOAIS POR
MEIOS SOBRENATURAIS LIGADOS AO NOME DE DEUS. COMO
OS NOMES NO ORIENTE MÉDIO ANTIGO DESCREVIAM
ATRIBUTOS, CARÁTER E DESTINO DOS INDIVÍDUOS, COMO
ACONTECE NO CASO DO PRÓPRIO SENHOR (EX: EX 23.20,21;
1RS 8.33; SL 54.3), O USO DO NOME DIVINO A FIM DE
MANIPULÁ-LO CONSTITUÍA O EQUIVALENTE AO SACRILÉGIO.
[233] CERTAMENTE, A HONRA DO SENHOR NÃO ACEITA QUE
SEU NOME SEJA TOMADO COMO ALGO COMUM E SEM VALOR,
UM JOGUETE NA MÃO DE SALAFRÁRIOS E MANIPULADORES.
UTILIZÁ-LO PARA FAZER OUTROS CREREM EM UMA MENTIRA
OU PARA OBTER RESULTADOS MÁGICOS É IMPENSÁVEL.
O QUARTO MANDAMENTO FALA DO SÁBADO, SÉTIMO DIA DA
SEMANA, O MESMO DIA EM QUE O SENHOR DESCANSOU DA
SUA OBRA CRIATIVA: “LEMBRA-TE DO DIA DE SÁBADO, PARA
O SANTIFICAR.SEIS DIAS TRABALHARÁS E FARÁS TODA A TUA
OBRA. MAS O SÉTIMO DIA É O SÁBADO DO SENHOR, TEU
DEUS; NÃO FARÁS NENHUM TRABALHO, NEM TU, NEM O TEU
FILHO, NEM A TUA FILHA, NEM O TEU SERVO, NEM A TUA
SERVA, NEM O TEU ANIMAL, NEM O FORASTEIRO DAS TUAS
PORTAS PARA DENTRO; PORQUE, EM SEIS DIAS, FEZ O SENHOR
OS CÉUS E A TERRA, O MAR E TUDO O QUE NELES HÁ E, AO
SÉTIMO DIA, DESCANSOU; POR ISSO, O SENHOR ABENÇOOU O
DIA DE SÁBADO E O SANTIFICOU” (EX 20.8-11).
O SÁBADO, QUE COMEÇAVA NO INÍCIO DA NOITE DA NOSSA
SEXTA-FEIRA E TERMINAVA NO FINAL DO DIA SEGUINTE, ERA
UMA OBRIGAÇÃO DOS JUDEUS NA SUA CONDIÇÃO DE POVO
SANTO DE DEUS, SEPARADO PARA EXECUTAR SEUS DECRETOS
E PROMOVER O LOUVOR DA SUA GLÓRIA.
PORÉM, ENQUANTO O NOVO TESTAMENTO REAFIRMA OS
“PRECEITOS JUSTOS” CONTIDOS EM NOVE DOS DEZ
MANDAMENTOS (1CO 8.6; RM 1.22,23; TG 5.12; EF 6.1-
3; 1JO 3.15; HB 13.4; EF 4.28; TG 4.11; HB 13.5), A
GUARDA DO SÁBADO É UMA QUESTÃO BASTANTE SENSÍVEL, JÁ
QUE OS QUE QUERIAM GUARDAR OS DIAS E FESTAS
OBSERVADAS NO ANTIGO TESTAMENTO RECEBERAM UMA
DURA REPRIMENDA DO APÓSTOLO:

MAS AGORA QUE CONHECEIS A DEUS OU, ANTES, SENDO CONHECIDOS POR DEUS, COMO ESTAIS

VOLTANDO, OUTRA VEZ, AOS RUDIMENTOS FRACOS E POBRES, AOS QUAIS, DE NOVO, QUEREIS AINDA

ESCRAVIZAR-VOS? GUARDAIS DIAS, E MESES, E TEMPOS, E ANOS. RECEIO DE VÓS TENHA EU TRABALHADO EM
VÃO PARA CONVOSCO” (GL 4.9-11 – DESTAQUE MEU).

PAULO AINDA DIZ QUE A GUARDA DE DIAS NÃO ERA RAZÃO


PARA ALGUÉM SER AVALIADO COMO UM CRENTE MELHOR – E
VICE-VERSA – PORQUE QUE TAIS GUARDAS APONTAVAM PARA
REALIDADES FUTURAS QUE SE CUMPRIRIAM EM CRISTO. DO
MESMO MODO QUE A SOMBRA EM UMA PAREDE NÃO MAIS SE
VÊ QUANDO AQUILO QUE A PRODUZ SE UNE À PAREDE, PARA
PAULO A VINDA DE CRISTO REALIZOU O QUE AS PROIBIÇÕES
DE ALIMENTOS E A GUARDA DO SÁBADO E DAS FESTAS
JUDAICAS APONTAVAM, ANULANDO, ASSIM, TANTO SUAS
FUNÇÕES COMO SUA VALIDADE: “NINGUÉM, POIS, VOS JULGUE
POR CAUSA DE COMIDA E BEBIDA, OU DIA DE FESTA, OU LUA
NOVA, OU SÁBADOS, PORQUE TUDO ISSO TEM SIDO SOMBRA DAS
COISAS QUE HAVIAM DE VIR; PORÉM O CORPO É DE CRISTO”
(CL 2.16,17).
POR ESSA RAZÃO, NEM MESMO A MUDANÇA DA GUARDA
DO SÁBADO PARA O DOMINGO É CAPAZ DE DESVIAR O CRISTÃO
QUE SE COLOCA DEBAIXO DA LEI MOSAICA DAS DURAS
REPREENSÕES POR INVALIDAR A OBRA DO ESPÍRITO (GL 1.6;
3.2,3). NA VERDADE, APESAR DE A LEI DO ANTIGO
TESTAMENTO SER UM ENSINO BEM CONHECIDO DA IGREJA,
PAULO CHAMA A APRESENTAÇÃO DA MENSAGEM LEGALISTA
NA IGREJA DE “OUTRO EVANGELHO” (GL 1.8,9).[234]
DIANTE DA REJEIÇÃO NEOTESTAMENTÁRIA DA GUARDA DE
UM DIA COMO CUMPRIMENTO DE UM ESTATUTO LEGAL DA LEI
MOSAICA, A PERGUNTA NATURAL É: “SERÁ QUE NÃO HÁ
ALGUM ‘PRECEITO JUSTO’ QUE TRANSPAREÇA NO QUARTO
MANDAMENTO?”. A RESPOSTA NÃO É DIFÍCIL DE NOTAR, POIS
AS DUAS MENÇÕES DESSE MANDAMENTO APRESENTAM O
“DESCANSO” COMO VALOR A SER CONSIDERADO. EM ÊXODO
20.11, A RAZÃO DADA PARA O DESCANSO DE TODA A CASA
DOS ISRAELITAS ERA O EXEMPLO DE DEUS AO CRIAR O
UNIVERSO EM SEIS DIAS E DESCANSAR NO SÁBADO. EM
DEUTERONÔMIO 5.15, A RAZÃO ERA A LEMBRANÇA DE QUE
OS ISRAELITAS HAVIAM SIDO ESCRAVOS NO EGITO E O SENHOR
OS HAVIA LIBERTADO E ALIVIADO DA CARGA DE TRABALHOS
FORÇADOS. O DESCANSO E NÃO A CERIMÔNIA É O QUE ESSE
DOIS TEXTOS ENFATIZAM: “PARA QUE O TEU SERVO E A TUA
SERVA DESCANSEM COMO TU” (DT 5.14 – DESTAQUE MEU).
O LIVRO DE HEBREUS FAZ A MESMA RELAÇÃO ENTRE O
QUARTO MANDAMENTO E O DESCANSO: “PORQUE, EM CERTO
LUGAR, ASSIM DISSE, NO TOCANTE AO SÉTIMO DIA: E
DESCANSOU DEUS, NO SÉTIMO DIA, DE TODAS AS OBRAS QUE
FIZERA. E NOVAMENTE, NO MESMO LUGAR: NÃO ENTRARÃO NO
MEU DESCANSO” (HB 4.4,5 – DESTAQUE MEU). ESSA
ASSOCIAÇÃO DO AUTOR DE HEBREUS TEM A VER COM A
PUNIÇÃO DIVINA À REBELDIA E INCREDULIDADE ISRAELITAS
QUE, DIANTE DO RELATO DOS ESPIAS ENVIADOS A
CANAÃ, SE
NEGARAM A TOMAR A TERRA (NM 14). HEBREUS 4.5 É UMA
CITAÇÃO DO SALMO 95.11, ONDE O TEXTO É APLICADO À
LEMBRANÇA DE QUE O POVO REBELDE PERMANECEU
QUARENTA ANOS NO DESERTO (SL 95.10 CF. NM 14.23,28-
30).
DIANTE DISSO, É INTERESSANTE NOTAR AS PALAVRAS DE
JOSUÉ À GERAÇÃO SEGUINTE QUE, DE FATO, ENTROU NA
TERRA E A DOMINOU: “LEMBRAI-VOS DO QUE VOS ORDENOU
MOISÉS, SERVO DO SENHOR, DIZENDO: O SENHOR, VOSSO
D EUS , VOS CONCEDE DESCANSO E VOS DÁ ESTA TERRA” (JS
1.13 – DESTAQUE MEU). DESCANSO FÍSICO E COMUNHÃO
COM DEUS SÃO AS FACES DO “PRECEITO JUSTO” CONTIDO NO
QUARTO MANDAMENTO E, POR ISSO, DEVEM SER VALORIZADOS
E BUSCADOS PELA IGREJA DE HOJE. CONTUDO, ISSO NÃO DEVE
SER FEITO POR MEIO DO ESTATUTO LEGAL, AINDA QUE SE
MUDE SEU FORMATO DO SÁBADO PARA OUTRO DIA DA
SEMANA.
O QUINTO MANDAMENTO VISLUMBRA O RELACIONAMENTO
DOS FILHOS COM SEUS PAIS: “HONRA TEU PAI E TUA MÃE,
PARA QUE SE PROLONGUEM OS TEUS DIAS NA TERRA QUE O
SENHOR, TEU DEUS, TE DÁ” (EX 20.12). O CAPÍTULO
SEGUINTE APONTA O CAMINHO CONTRÁRIO E O RESULTADO DE
SEGUI-LO: “QUEM FERIR SEU PAI OU SUA MÃE SERÁ MORTO.
[...] QUEM AMALDIÇOAR SEU PAI OU SUA MÃE SERÁ MORTO”
(EX 21.15,17). O QUE PARECE SER ENFATIZADO NA ORDEM
DE HONRAR É, EM PRIMEIRO LUGAR, DEMONSTRAR O DEVIDO
RESPEITO TANTO PELA IDADE DOS PAIS COMO PELA SABEDORIA
E CONHECIMENTO QUE ELES ADQUIRIRAM DURANTE A VIDA
(LV 19.3,32 – VER TAMBÉM DT 21.18-21; 27.16). EM
SEGUNDO LUGAR, RESPEITAR A HIERARQUIA FUNCIONAL DADA
POR DEUS NA ESTRUTURA FAMILIAR, VISTO QUE A
OBEDIÊNCIA AOS PAIS É ATRELADA À OBEDIÊNCIA A DEUS:
“FILHOS, OBEDECEI A VOSSOS PAIS NO SENHOR, POIS ISTO É
JUSTO” (EF 6.1).[235]
JUNTO COM A INSTRUÇÃO DE HONRAR OS PAIS, SEGUE O
RESULTADO DE FAZÊ-LO: “PARA QUE SE PROLONGUEM OS
TEUS DIAS NA TERRA QUE O SENHOR, TEU DEUS, TE DÁ”.
ESSA PARTE É ENFATIZADA COMO UMA PROMESSA MESMO NO
NOVO TESTAMENTO (EF 6.1-3). MAS NÃO FICA CLARO SE O
QUE ESTÁ EM VOGA É UMA CONCESSÃO DIVINA DE
LONGEVIDADE, OU SE O FATO DE ACEITAR A DIREÇÃO DOS PAIS
PRODUZIRIA UM CAMINHAR SÁBIO QUE TENDERIA A
PROLONGAR A VIDA DOS FILHOS LIVRANDO-OS DOS CAMINHOS
PERIGOSOS. AO QUE TUDO INDICA, A SEGUNDA OPÇÃO É
PREFERÍVEL, AINDA QUE NÃO EXCLUA A PRIMEIRA, POR
ENCONTRAR RESPALDO ESPECÍFICO NO ENSINO DO ANTIGO
TESTAMENTO.
UM EXEMPLO DISSO SÃO AS PALAVRAS SÁBIAS DE
SALOMÃO AO SEU FILHO, EM PROVÉRBIOS: “FILHO MEU,
OUVE O ENSINO DE TEU PAI E NÃO DEIXES A INSTRUÇÃO DE
TUA MÃE. PORQUE SERÃO DIADEMA DE GRAÇA PARA A TUA
CABEÇA E COLARES, PARA O TEU PESCOÇO” (PV 1.8,9). O
QUE É APENAS CITADO NO INÍCIO DO LIVRO É DESENVOLVIDO
AO LONGO DE TODO O QUARTO CAPÍTULO. ENTRE AS
INSTRUÇÕES RELATIVAS AO ACOLHIMENTO DO ENSINO
PATERNO, SALOMÃO APONTA PARA O FILHO OS BENEFÍCIOS
QUE ELE COLHERIA: “NÃO DESAMPARES A SABEDORIA, E ELA
TE GUARDARÁ; AMA-A, E ELA TE PROTEGERÁ. [...] OUVE,
FILHO MEU, E ACEITA AS MINHAS PALAVRAS, E SE TE
MULTIPLICARÃO OS ANOS DE VIDA” (PV 4.6,10). SEGUNDO
SALOMÃO, SEGUIR A “SABEDORIA” TRANSMITIDA PELO PAI –
MODO DE HONRAR OS PROGENITORES – IMPLICAVA UM ANDAR
SÁBIO QUE LIVRARIA O FILHO DE ARMADILHAS E DE DANOS.
O SEXTO MANDAMENTO PROÍBE O ASSASSINATO: “NÃO
MATARÁS” (EX 20.13). ESSE IMPORTANTE CONCEITO DA LEI
MOSAICA FOI AFIRMADO POR DEUS, NA FORMA DE UM
“PRECEITO JUSTO” VOLTADO A PRESERVAR A VIDA HUMANA,
MUITO TEMPO ANTES DA PRÓPRIA INSTITUIÇÃO DA LEI, NOS
DIAS DE NOÉ: “SE ALGUÉM DERRAMAR O SANGUE DO
HOMEM, PELO HOMEM SE DERRAMARÁ O SEU; PORQUE DEUS
FEZ O HOMEM SEGUNDO A SUA IMAGEM” (GN 9.6).
“DERRAMAR SANGUE”, NESSE TEXTO, NÃO É DESIGNAÇÃO DO
MERO RESULTADO DE UM CORTE, MAS SE TRATA DE UMA
SINÉDOQUE para a morte em si. A razão dada por Deus para a proibição do
assassinato é a dignidade da vida humana por ter sido criada à imagem de
Deus.
Surpreendentemente, a punição para a morte de um homem é a morte do
homem que o matou. Isso revela o fato de que as mortes são tratadas
distintamente no Antigo Testamento. Tomando como modelo o texto de
Gênesis 9.6, a primeira morte – o assassinato – era condenável. Já, a segunda
– a morte punitiva – não somente era aprovada como, também, ordenada por
Deus.
O apóstolo Paulo parece ter validado esse princípio ao dizer que a função
das autoridades era punir os homens que agem mal. Quando tais homens dão
motivos para a punição, diz Paulo: “Se fizeres o mal, teme; porque não é sem
motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar
o que pratica o mal” (Rm 13.4). “Trazer a espada” faz referência à força do
Estado e, também, à pena capital. O notável na afirmação paulina é o fato de
que, ao exercer força, o Estado age como “ministro de Deus”,[236]
aproximando esse princípio do que é encontrado no Antigo Testamento.
Os casos de homicídio também eram distinguidos por Deus entre “morte
intencional” e “morte não intencional”. As mortes não intencionais não eram
punidas com a morte e Deus protegia a vida dos que sem culpa produziam a
morte de alguém por meio da proteção em cidade de refúgio: “Quem ferir a
outro, de modo que este morra, também será morto. Porém, se não lhe armou
ciladas, mas Deus lhe permitiu caísse em suas mãos, então, te designarei um
lugar para onde ele fugirá” (Ex 21.12,13); e “SERÃO DE REFÚGIO ESTAS SEIS
CIDADES PARA OS FILHOS DE ISRAEL, E PARA O ESTRANGEIRO, E PARA O QUE SE
HOSPEDAR NO MEIO DELES, PARA QUE, NELAS, SE ACOLHA AQUELE QUE MATAR
ALGUÉM INVOLUNTARIAMENTE” (NM 35.15 – ver todo o capítulo).
Outro tipo de morte que não é afetado pelo princípio justo da preservação
da vida é a morte na guerra. Essa morte não é considerada um assassinato
punível com a morte, não somente pela natureza da guerra em si, mas porque
o próprio Deus ordenou algumas guerras no Antigo Testamento (Ex.: 1Sm
15.2,3). Agostinho trata a questão da guerra justa e mostra que alguns atos
humanos sob as ordens de Deus são diferentes dos mesmos atos feitos por
vontade própria e dá como exemplo o ato de Abraão, sob as ordens de Deus,
ter-se disposto a sacrificar Isaque:

ABRAÃO SACRIFICAR SEU FILHO POR SUA PRÓPRIA VONTADE É LOUCURA CHOCANTE. ELE FAZER O MESMO SOB O COMANDO DE

DEUS PROVA QUE ELE É FIEL E SUBMISSO. [...] FAZÊ-LO SOB A ORDEM DE DEUS MOSTRA NÃO SÓ O CUMPRIMENTO INOCENTE, MAS

LOUVÁVEL.
[237]

Isso, obviamente, não valida motivos espúrios para levar a guerra adiante
produzindo mortes injustificadas de seres humanos. Atualmente, isso
incidiria nas penalidades dos “crimes de guerra”. No Antigo Testamento,
Deus anunciava punição e, eventualmente, punia a quem agia desse modo,
assim como o fez ao castigar Edom pelo morticínio cruel e sádico dos
israelitas: “NÃO DEVIAS TER PARADO NAS ENCRUZILHADAS, PARA EXTERMINARES OS
QUE ESCAPASSEM; NEM TER ENTREGADO OS QUE LHE RESTASSEM, NO DIA DA
ANGÚSTIA” (OB 14 – o contexto do livro anuncia a destruição de Edom).
No Novo Testamento, o preceito justo desse mandamento é mantido.
Porém, de maneira surpreendente, Jesus fez uma aplicação dele em situações
em que nem chega a haver um homicídio. Ele considerou que o ódio no
coração de alguém, motivo frequente de assassinatos, já era suficiente para
ferir a justiça revelada por Deus: “OUVISTES QUE FOI DITO AOS ANTIGOS: NÃO
MATARÁS; E: QUEM MATAR ESTARÁ SUJEITO A JULGAMENTO. EU, PORÉM, VOS DIGO
QUE TODO AQUELE QUE [SEM MOTIVO] SE IRAR CONTRA SEU IRMÃO ESTARÁ SUJEITO A
JULGAMENTO” (Mt 5.21,22a).
O sétimo mandamento enaltece a unidade e fidelidade do casal: “NÃO
ADULTERARÁS” (Ex 20.14). Essa diretriz parece ter sua fonte na própria
instituição do casamento, reconhecendo-o não somente como um contrato
social, mas como uma união tal que é como se os dois dividissem a mesma
carne: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, TORNANDO-SE
OS DOIS UMA SÓ CARNE” (Gn 2.24 – destaque meu). Desrespeitar essa união se
deitando com a mulher de outro homem era algo que feria as relações
interpessoais e, também, a relação com o Deus santo.
A reprovação divina ao adultério já era nítida desde os tempos dos
patriarcas, bem antes da instituição da lei. Podemos ver esse conceito
expresso na intervenção divina em favor de Abraão e Sara quando ela foi
tomada pelos reis do Egito (Gn 12.17,18) e de Gerar (Gn 20.3), por pensarem
que ela era irmã de Abraão. Isaque lançou mão do mesmo artifício e foi
repreendido pelo rei de Gerar a respeito do risco que ele promoveu de a sua
esposa ser tocada por outro homem, incorrendo, assim, no adultério (Gn
26.10,11).
Isso também se vê na argumentação de José diante do assédio da esposa de
Potifar: “ELE NÃO É MAIOR DO QUE EU NESTA CASA E NENHUMA COISA ME VEDOU,
SENÃO A TI, PORQUE ÉS SUA MULHER; COMO, POIS, COMETERIA EU TAMANHA MALDADE E
PECARIA CONTRA DEUS?” (GN 39.9 – DESTAQUE MEU). AO DIZER ISSO, JOSÉ MOSTRA
QUE, MESMO ENTRE AS NAÇÕES QUE NÃO CONHECIAM O SENHOR, O ADULTÉRIO ERA
VISTO COMO ALGO REPREENSÍVEL.[238]
Apesar de tal proibição, a lei previa a poligamia, sem nunca incentivá-la,
ao contrário, desencorajando-a (Dt 17.17). Para alguns, o casamento de um
homem com várias mulheres visava a proteger as mulheres solteiras.[239] Se
isso fosse verdade, deveríamos, também, argumentar sobre a escravidão
como algum tipo de proteção de pessoas pobres, já que a escravidão também
era prevista na lei. O que realmente parece ser verdade é que Deus, que tinha
planos perfeitos para o homem, foi revelando sua vontade e causando
transformações ao longo da história. Porém, enquanto não promoveu tais
mudanças, tomou providências para que não ocorressem abusos, como no
caso de leis que protegiam escravos e mulheres que eram repudiadas. Já, no
Novo Testamento, tais arestas são aparadas e não há mais essa tolerância.
A justiça prevista nesse mandamento era tal que houve repetições da
ordem com previsão de duras consequências para os desobedientes: “NEM TE
DEITARÁS COM A MULHER DE TEU PRÓXIMO, PARA TE CONTAMINARES COM ELA” (Lv
18.20); “SE UM HOMEM ADULTERAR COM A MULHER DO SEU PRÓXIMO, SERÁ MORTO O
ADÚLTERO E A ADÚLTERA” (Lv 20.10). O “preceito justo” contido na lei,
entretanto, foi lavado, por Jesus, a novas áreas de conduta, visando a atingir a
mente das pessoas e não apenas os seus corpos: “OUVISTES QUE FOI DITO: NÃO
ADULTERARÁS. EU, PORÉM, VOS DIGO: QUALQUER QUE OLHAR PARA UMA MULHER
COM INTENÇÃO IMPURA, NO CORAÇÃO, JÁ ADULTEROU COM ELA” (Mt 5.27,28).
O oitavo mandamento garante a propriedade das pessoas, conforme o
Senhor dá a cada um: “NÃO FURTARÁS” (Ex 20.15; Dt 24.7). A palavra
hebraica traduzida como roubar, significa pegar alguma coisa que pertence a
outra pessoa sem permissão.[240] Esse conceito amplo apontava para vários
modos, previstos na lei mosaica, de se cometer o furto: rapto a fim de
comercialização de escravos (Ex 21.16 cf. Gn 37), posse indevida de algo
dado em penhor, extorsão (Lv 6.1-5), calote no pagamento de prestação de
serviços (Lv 19.13 cf. v.11), desonestidade nas negociações (Lv 19.35,36; Dt
25.13-16) e a subtração de bens alheios (Ex 22.1).
O Novo Testamento prevê esse princípio incentivando o infrator a deixar o
crime e fazer o oposto: “AQUELE QUE FURTAVA NÃO FURTE MAIS; ANTES,
TRABALHE, FAZENDO COM AS PRÓPRIAS MÃOS O QUE É BOM, PARA QUE TENHA COM
QUE ACUDIR AO NECESSITADO” (Ef 4.28). Paulo ainda mostra que a santificação
dos salvos os tira de uma condição anterior deplorável na qual o furto é
plenamente aceitável (1Co 6.10,11). Um exemplo ideal de abandono do furto
na conversão a Cristo se vê na pessoa de Zaqueu: “Senhor, resolvo dar aos
pobres a metade dos meus bens; e, SE NALGUMA COISA TENHO DEFRAUDADO
ALGUÉM, RESTITUO QUATRO VEZES MAIS” (Lc 19.8 cf. v.9,10 – destaque meu).
O nono mandamento implicava uma palavra verdadeira e honesta nos
relacionamentos entre os homens: “Não dirás falso testemunho contra o teu
próximo” (Ex 20.16). Foi preciso pouco tempo depois da saída de Israel da
terra do Egito para Moisés ser sobrecarregado com desentendimentos entre as
pessoas do povo. O sistema primitivo utilizado por Moisés para resolver
demandas, centralizando nele somente todas as decisões (Ex 18.13), foi,
mediante o conselho de Jetro (Ex 18.14-22), substituído por uma estrutura de
várias instâncias que pudesse dar conta de tantos desentendimentos,
reclamações e solicitações. Um dos requisitos dos auxiliares de Moisés nesse
sistema judicial é que os homens instituídos em tais cargos fossem homens
“sem avareza” (Ex 18.21), a fim de não venderem decisões.
Se, por um lado, os juízes deveriam ser honestos, por outro, as testemunhas
também o tinham. Para isso, a ordem de testemunhar a respeito de outros não
podia ser considerada um meio de tirar vantagens para si ou um meio de
promover o mal alheio. A verdade é o que devia sempre sair da boca das
pessoas. Se alguém explorasse o pobre por meio da “perversão do
julgamento”, mediante “falsa acusação”, seria considerado culpado pelo
Senhor (Ex 23.6). Levando em conta o número de pecados cuja pena era a
morte, falar mentira sobre os outros era atentar contra suas vidas: “Não
andarás como mexeriqueiro entre o teu povo; não atentarás contra a vida do
teu próximo. Eu sou o SENHOR” (Lv 19.16).
Apesar da honestidade exigida nos testemunhos judiciais, a obediência a
esse mandamento não impediria a mentira apenas diante de um juiz, mas,
também, os falsos testemunhos de todo tipo, pelos quais a vida, o
relacionamento matrimonial ou a propriedade de um vizinho pudessem sofrer
danos (cf. Ex 23.1; Nm 35.30; Dt 17.6; 19.15; 22.13ss).[241]
O décimo mandamento, diferente dos nove precedentes, não trata de atos,
mas de uma atitude interna das pessoas: “NÃO COBIÇARÁS A CASA DO TEU
PRÓXIMO. NÃO COBIÇARÁS A MULHER DO TEU PRÓXIMO, NEM O SEU SERVO, NEM A
SUA SERVA, NEM O SEU BOI, NEM O SEU JUMENTO, NEM COISA ALGUMA QUE PERTENÇA
AO TEU PRÓXIMO” (Ex 20.17 – destaque meu). A ordem de não cobiçar a
mulher e os bens de outros homens pode parecer redundância, já que há
mandamentos que impedem o adultério e o furto. Entretanto, enquanto esses
dois mandamentos impedem os atos, o último deles mostra que Deus não
aceita o desejo mal, mesmo que ele não se torne um ato.
Tal pecado está presente desde os tempos narrados em Gênesis. Quando,
no Éden, a mulher decide comer o fruto, o texto aponta como uma das razões
a mulher ter achado o fruto “desejável para dar entendimento” (Gn 3.6), e não
qualquer entendimento, mas o entendimento de Deus (Gn 3.5). Esse é um
exemplo de um desejo interior que foi externado em uma ação pecaminosa.
Na verdade, boa parte dos pecados nasce desse desejo ímpio que é acolhido
no coração das pessoas. Contudo, o pecado da cobiça existe mesmo quando
ele não produz atos.

A OFENSA [DA COBIÇA] TEM QUE VER COM UMA DISPOSIÇÃO OU INCLINAÇÃO INTERIOR QUE, NA VERDADE SE NÃO FOR VERIFICADA,

PODE SE MANIFESTAR NO COMPORTAMENTO, MAS QUE PODE NUNCA SER DETECTADA POR UM SINAL EXTERIOR (DESTAQUE MEU).
[242]

Tal proibição demonstra a onisciência divina por ser Deus aquele que
sonda os corações: “De longe penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o
meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos. Ainda a
palavra me não chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces toda” (Sl 139.2b-
4). Sendo assim, Deus se importa com aquilo que os homens pensam e
sentem e não se agrada de vê-los acolhendo desejos de pecados. Não basta
não adulterar; é preciso não desejar impuramente uma mulher. Não basta ter
as mãos puras; é necessário ter o coração puro.
Sendo assim, o decálogo aponta para o fato de que o proceder honesto,
santo e íntegro, contendo diretrizes morais e éticas, é válido para toda a raça
humana e não apenas para os israelitas da aliança.[243] O motivo disso é o
fato de os “justos preceitos” de Deus transparecerem na lei, indicando que
tipo de procedimento é necessário para andar com o Senhor. Em lugar disso,
as gerações posteriores dos israelitas fizeram o contrário, tornando-se
repreensíveis: “QUE É ISSO? FURTAIS E MATAIS, COMETEIS ADULTÉRIO E JURAIS
FALSAMENTE, QUEIMAIS INCENSO A BAAL E ANDAIS APÓS OUTROS DEUSES QUE NÃO
CONHECEIS, E DEPOIS VINDES, E VOS PONDES DIANTE DE MIM NESTA CASA QUE SE
CHAMA PELO MEU NOME, E DIZEIS: ESTAMOS SALVOS; SIM, SÓ PARA CONTINUARDES A
PRATICAR ESTAS ABOMINAÇÕES!” (Jr 7.9,10).
O procedimento moral perfeito apontado no decálogo é coroado pela sua
porção seguinte de lei, chamado “livro da aliança” (Ex 20.22–23.33). A
retidão e a integridade nos relacionamentos, seja com Deus, seja com os
homens, demonstra que o decálogo não é um conjunto utópico de normas
jogadas em um lugar fadado ao esquecimento. A moral perfeita requerida dos
israelitas pode ser vista na síntese de assuntos do livro da aliança proposta
por R. K. Harrison:

I. A forma geral da adoração israelita (20.22-26).


II. Legislação civil (21.1–23.13).
A. O direito dos escravos (21.2-11).
B. O princípio da lex talionis[244] (21.12-32).
C. Leis concernentes à propriedade (21.33-36).
D. Leis concernentes ao roubo (22.1-4).
E. Leis concernentes ao dano de propriedade (22.5-6).
F. Leis concernentes à desonestidade (22.7-15).
G. Leis concernentes à sedução (22.16-17).
H. Leis que envolviam obrigações sociais e religiosas (22.18-31).
I. Proteção dos direitos (23.1-13).
III. Legislação cerimonial com as três principais festas (23.14-19).
IV. O relacionamento do Deus da aliança com seu povo (23.20-33).
[245]
É nítido, no livro da aliança, o desejo de Deus de ver seu povo andando em
santidade, pureza, honestidade e devoção no relacionamento com Deus e com
as pessoas ao redor, o que enaltece o caráter moral do decálogo. Sendo assim,
todos os que querem andar com Deus devem considerar com muita seriedade
os “preceitos justos” contidos nos Dez Mandamentos e no restante da lei,
sem, contudo, o fazer cumprimento de estatutos. Não a lei, mas a justiça da
lei deve ser o modo como nos relacionamos com Deus. Afinal, “andarão dois
juntos, se não houver entre eles acordo?” (Am 3.3).

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. O que se deve entender por “andar com Deus” no Antigo Testamento?


2. Quais são as características pessoais daqueles que “andam com Deus”?
3. Que papel a lei mosaica exercia na comunhão entre a nação de Israel e
Deus?
4. Qual é a diferença entre os “estatutos da lei” e os “preceitos justos da lei”?
Como os Dez Mandamentos podem ajudar os crentes atuais a manterem
comunhão com o Senhor?
Capítulo 8

Os Decretos

TODOS OS MORADORES DA TERRA SÃO POR ELE REPUTADOS EM NADA; E, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE OPERA COM O EXÉRCITO

DO CÉU E OS MORADORES DA TERRA; NÃO HÁ QUEM LHE POSSA DETER A MÃO, NEM LHE DIZER: QUE FAZES? (DN 4.35).

A SOBERANA VONTADE DO SENHOR É


assunto marcante no Antigo Testamento (Jó 23.13; Sl
33.9-11; 115.3; 135.6; Is 43.13). Nesse sentido, uma das maneiras em que é
possível notar esse atributo divino é por intermédio dos seus decretos. Trata-
se de planos específicos e declarações de Deus, ambos prévios, a respeito dos
rumos que ela dará à história da humanidade, das nações, de Israel e de cada
indivíduo.
Assim, Davi olha para o futuro e um reinado soberano sobre todas as
nações, tendo convicção de tais acontecimentos por ser parte do “decreto” de
Deus: “Proclamarei o DECRETO DO SENHOR” (Sl 2.7a cf. v. 8,9 – destaque meu).
O substantivo hebraico “HOQ”, traduzido aqui por “decreto”, além desse
sentido, acomoda as ideias de “algo prescrito” ou “um estatuto”.[246] Sendo
assim, é um termo que, quando aplicado a Deus, aponta para o controle
soberano do Senhor em qualquer esfera em que a palavra for utilizada.
A ordem natural da criação depende dos “decretos” de Deus sobre ela ou,
para usar uma linguagem conhecida, das “leis” naturais que dirigem a
natureza: “Quando determinou LEIS PARA A CHUVA E CAMINHO PARA O RELÂMPAGO
DOS TROVÕES” (Jó 28.26 – destaque meu).
Apesar de Deus decretar leis naturais, alguns dos seus decretos têm relação
mais próxima com os rumos específicos da história humana e das teologias
da salvação e da condenação dos pecadores. Por isso, Jó, em meio às queixas
que acercam seu sofrimento, se vê incapaz de ditar sua sorte. Em lugar disso,
afirma que, da parte de Deus, há ordens (PALAVRA HEBRAICA “HOQ”) que
traçaram previamente o seu destino: “POIS ELE CUMPRIRÁ O QUE ESTÁ ORDENADO
A MEU RESPEITO E MUITAS COISAS COMO ESTAS AINDA TEM CONSIGO” (JÓ 23.14 –
destaque meu).
“Jurar” e “determinar” são dois verbos utilizados para indicar os decretos
soberanos de Deus: “JUROU O SENHOR DOS EXÉRCITOS, DIZENDO: COMO PENSEI,
ASSIM SUCEDERÁ, E, COMO DETERMINEI, ASSIM SE EFETUARÁ” (Is 14.24 – destaque
meu). Quando Isaías se utiliza de tais termos, logo após os associa ao
controle de Deus sobre os rumos da humanidade de modo que ninguém pode
impedi-lo: “Este é o desígnio que se formou concernente a toda a terra; e esta
é a mão que está estendida sobre todas as nações. Porque o SENHOR DOS
EXÉRCITOS O DETERMINOU; QUEM, POIS, O INVALIDARÁ? A SUA MÃO ESTÁ ESTENDIDA;
QUEM, POIS, A FARÁ VOLTAR ATRÁS?” (Is 14.26,27). Isaías desenvolve o tema um
pouco mais e mostra a ocasião em que tais decretos foram assentados por
Deus:

DESDE O PRINCÍPIO ANUNCIO O QUE HÁ DE ACONTECER E DESDE A ANTIGUIDADE, AS COISAS QUE AINDA NÃO SUCEDERAM; QUE DIGO: O

MEU CONSELHO PERMANECERÁ DE PÉ, FAREI TODA A MINHA VONTADE; QUE CHAMO A AVE DE RAPINA DESDE O ORIENTE E DE UMA
TERRA LONGÍNQUA, O HOMEM DO MEU CONSELHO. EU O DISSE, EU TAMBÉM O CUMPRIREI; TOMEI ESTE PROPÓSITO, TAMBÉM O EXECUTAREI

(IS 46.10,11 – DESTAQUE MEU).

Aquilo que o Senhor “disse” – os decretos de Deus surgem na forma de


declarações no Antigo Testamento – é justamente o que ele virá a cumprir
meticulosamente. Essa lição ficou clara nos textos que mencionamos
anteriormente. Entretanto, tais dizeres são anunciados em um tempo
específico: “Desde o princípio” e “desde a antiguidade”. Se alguém perguntar
o que Deus anunciou nos tempos antigos, a resposta será: “O que há de
acontecer” e “as coisas que ainda não sucederam”. Isso indica decretos
prévios que controlam os acontecimentos futuros. Não se trata apenas de
presciência, mas da constatação de que Deus é aquele que efetua tudo isso.
[247] Quando se trata da redenção do homem e dos rumos de Israel e das
nações, esses são os decretos mais importantes que o leitor do Antigo
Testamento – e do Novo, também – irá encontrar.
Dentro desse assunto dois enfoques de tais decretos merecem uma atenção
especial: a “eleição” e as “alianças”.

A ELEIÇÃO

A doutrina da eleição foi um dos temas mais marcantes da Reforma


Protestante, talvez não em importância,[248] mas no impacto que causou e
ainda causa na Igreja. Rendeu grandes debates e desacordos como a
truculenta discussão entre Martinho Lutero e Desidério Erasmo, também
conhecido como Erasmo de Rotterdam.[249] A visão de eleição para os
reformadores pode ser tomada dos “Cânones de Dort”:

ESTA ELEIÇÃO É O IMUTÁVEL PROPÓSITO DE DEUS, PELO QUAL ELE, ANTES DA FUNDAÇÃO DO MUNDO, ESCOLHEU UM NÚMERO

GRANDE E DEFINIDO DE PESSOAS PARA A SALVAÇÃO, POR GRAÇA PURA. ESTAS SÃO ESCOLHIDAS DE ACORDO COM O SOBERANO BOM

PROPÓSITO DE SUA VONTADE, DENTRE TODO O GÊNERO HUMANO, DECAÍDO, POR SUA PRÓPRIA CULPA, DE SUA INTEGRIDADE ORIGINAL

PARA O PECADO E A PERDIÇÃO. [...] DEUS FEZ ISTO PARA A DEMONSTRAÇÃO DE SUA MISERICÓRDIA E PARA O LOUVOR DA RIQUEZA DE

SUA GLORIOSA GRAÇA.


[250]
Apesar de as bases dessa doutrina reformada[251] estarem no Novo
Testamento, principalmente nos livros de Romanos e Efésios,[252] o Antigo
Testamento trata o tema da eleição de Deus. Contudo, dados a relação
específica entre Deus e Israel e o propósito histórico dessa nação, a eleição,
no Antigo Testamento, assume mais de uma forma.

1. A eleição para a salvação

Apesar de esse ser o ponto culminante da doutrina da eleição no Novo


Testamento, no Antigo só podemos chegar a ele por meio de dedução, com o
auxílio da mensagem do Novo Testamento. Podemos ver algumas fagulhas
da eleição para a salvação no cumprimento da salvação entre os gentios,
segundo observou Lucas: “OS GENTIOS, OUVINDO ISTO, REGOZIJAVAM-SE E
GLORIFICAVAM A PALAVRA DO SENHOR, E CRERAM TODOS OS QUE HAVIAM SIDO
DESTINADOS PARA A VIDA ETERNA” (At 13.48 – destaque meu).
Esse acontecimento se deve ao fato de Deus ter decretado tal alcance para
a obra redentora de Cristo que foi prevista por Isaías: “Também te dei como
LUZ PARA OS GENTIOS, PARA SERES A MINHA SALVAÇÃO ATÉ À EXTREMIDADE DA TERRA”
(Is 49.6b – destaque meu).[253] Ressalte-se que, mesmo com a forte conexão
entre esse dois textos, o caráter genérico da profecia de Isaías destoa do
caráter específico e pessoal da constatação de Atos. Sendo assim, ainda é por
dedução que chegamos a ver a eleição pessoal para a salvação no texto do
Antigo Testamento.
Apesar disso, um fator essencial à doutrina da eleição para a justificação
pode ser notado desde o livro de Gênesis: a “incondicionalidade”. Significa
que Deus não procurou condições fora do seu próprio plano ou desejo para
chamar Abraão, visto que não havia nele pontos positivos a se considerar.
Em lugar disso, vemos um Abraão idólatra antes do seu chamado. Isso
porque Abraão, em sua mocidade, junto com sua família participava de uma
adoração pagã: “Antigamente, vossos pais, Tera, PAI DE ABRAÃO E DE NAOR,
HABITARAM DALÉM DO EUFRATES E SERVIRAM A OUTROS DEUSES” (Js 24.2b –
destaque meu). Merrill afirma que “a principal divindade adorada em Ur era
o deus lua sumeriano Nannar, conhecido em acadiano como Sin. Não há
dúvida de que Abrão e sua família eram devotos fiéis a Sin e às divindades a
ele associadas”.[254]
Deus chamou Abraão nessas condições, na sua terra e enquanto vivia como
seus conterrâneos. O chamado de Deus, em primeiro lugar, o afastou da
idolatria do seu povo e da sua casa e o fez andar próximo de Deus rumo a
uma terra que ele não conhecia, fazendo-o confiado na bondade e na
veracidade do Senhor que o chamou. Em meio a essa jornada com Deus, “eLE
CREU NO SENHOR, E ISSO LHE FOI IMPUTADO PARA JUSTIÇA” (GN 15.6) E “FOI
CHAMADO AMIGO DE DEUS” (TG 2.23).
Se percebermos que Abraão nunca teria conhecido nada disso se o Senhor
não o tivesse chamado dentre todos os homens da terra, a dedução da eleição
de Abraão para a justificação por meio da fé não é algo a ser desprezado. Pelo
contrário, ela produziu, mesmo nos mais antigos leitores de Gênesis, uma
noção mais apurada a respeito da graça imerecida que o Senhor aplica aos
homens que chama e santifica para si.
Talvez o exemplo mais nítido da escolha imerecida de Deus por um servo
a quem vai justificar seja o caso de Jacó. Ainda que não haja uma declaração
aberta sobre a eleição para a justificação,[255] está presente só a
“incondicionalidade” da escolha, visto que ele demonstrou falhas enormes de
caráter. Está presente, também, um concorrente na escolha – Esaú – que
também não merecia ser escolhido por Deus para o nobre propósito dado a
Jacó. Entretanto, sendo primogênito, esse seria o fator de desempate em uma
escolha difícil. Entretanto, Deus escolheu o mais moço em lugar do mais
velho (Gn 25.23).[256] Esse é um exemplo palpável de eleição, contudo, não
claramente para a salvação, ainda que a escolha tenha, posteriormente,
resultado nisso.
Isso também revela que Deus escolhe quem quer amar. Por isso, ainda que
os dois meninos fossem filhos dos mesmos pais, nascidos no mesmo dia e
compartilhando a mesma condição espiritual (ver Sl 51.5), Deus “decidiu”
amar Jacó e rejeitar Esaú: “Não foi Esaú irmão de Jacó? – DISSE O SENHOR;
TODAVIA, AMEI A JACÓ, PORÉM ABORRECI A ESAÚ” (Ml 1.2,3). A igualdade entre
os irmãos, expressa na pergunta “não foi Esaú irmão de Jacó?”, aponta para o
“amor” de Deus como fator que distinguiu os irmãos.
Mais um fator comum à doutrina reformada da eleição é a ênfase na
“vontade de Deus” como fator determinante: “RESPONDEU-LHE: FAREI PASSAR
TODA A MINHA BONDADE DIANTE DE TI E TE PROCLAMAREI O NOME DO SENHOR; TEREI
MISERICÓRDIA DE QUEM EU TIVER MISERICÓRDIA E ME COMPADECEREI DE QUEM EU ME
COMPADECER” (Ex 33.19 – destaque meu). O trecho destacado foi utilizado por
Paulo em associação à “justa vontade de Deus” como causa da eleição
incondicional dos seus servos (Rm 9.14,15), e conclui: “ASSIM, POIS, NÃO
DEPENDE DE QUEM QUER OU DE QUEM CORRE, MAS DE USAR DEUS A SUA
MISERICÓRDIA” (RM 9.16).
É nítida a dependência do Antigo Testamento da mensagem do Novo para
formar o conceito da eleição incondicional para a justificação, fato que
conduz à conclusão de que ela é uma doutrina fundamentalmente
neotestamentária (Rm 8.28-30; 9.11-23; Ef 1.4,5,11).[257]

2. A eleição para propósitos específicos

Tendo em mente as limitações do sentido neotestamentário de eleição no


Antigo Testamento, há nele outros dois sentidos não apenas presentes, mas
com presença enfática. O primeiro deles é a eleição de pessoas (nações
também podem ser incluídas nesse sentido, apesar de ser mais raro) a fim de
cumprirem propósitos de Deus na administração da história. Essa eleição
normalmente está ligada também a um chamado para a justificação, mas nem
sempre. Deus elegeu pessoas que simplesmente atuaram historicamente como
Deus pretendia, mas que não chegaram a conhecê-lo como redentor de suas
vidas.
Um exemplo marcante de eleição é Abraão. Nele convergem os três tipos
de eleição. A eleição para a salvação não é afirmada, mas é deduzida pelo
resultado do chamado divino. Sua eleição pessoal é, também, a eleição do
povo de Israel – sendo esse o terceiro sentido de eleição, o qual será tratado
no próximo tópico. Deus o chama, sem que apresentasse méritos pessoais,
para iniciar por meio dele um povo pelo qual o Senhor traria a redenção dos
pecados, um povo de onde viria um salvador. Seria, também, o povo por
meio de quem Deus se revelaria aos homens demonstrando-lhes a
necessidade que têm de buscar o Senhor pela fé para o perdão dos pecados e
para a anulação da sua culpa e condenação.
Nesse sentido, Deus se refere ao propósito da escolha e do chamado de
Abraão nos seguintes termos: “PORQUE EU O ESCOLHI[258] PARA QUE ORDENE A
SEUS FILHOS E A SUA CASA DEPOIS DELE, A FIM DE QUE GUARDEM O CAMINHO DO
SENHOR E PRATIQUEM A JUSTIÇA E O JUÍZO; PARA QUE O SENHOR FAÇA VIR SOBRE
ABRAÃO O QUE TEM FALADO A SEU RESPEITO” (GN 18.19 – destaque meu).
Abraão era o veículo da existência de um povo pactual que Deus utilizaria na
história, era o abençoador não só da sua descendência, mas de todas as
nações (Gn 12.3), além de ser o exemplo motivador de Israel, conforme diz
esse texto, de obedecerem ao Senhor e imitarem as características do
patriarca que foi chamado “amigo de Deus”.
Moisés também foi escolhido por Deus para realizar tarefas da maior
importância na história de Israel e da redenção. Ele foi chamado para tirar
Israel do Egito (Ex 3.7-10), para mediar a aliança entre Deus e Israel (Ex
20.19-22; 24.1-12) e para fazer registros fundamentais das Escrituras (Ex
17.14; 34.27; Dt 31.24). Sobre ele, “disse Samuel ao povo: Testemunha é o
SENHOR, que escolheu a Moisés e a Arão[259] e tirou vossos pais da terra do
Egito” (1Sm 12.6 – destaque meu). A palavra hebraica utilizada nesse texto é
“fazer” (“ASS”, em hebraico). Literalmente, o texto diz: “O SENHOR, que fez a
Moisés”. Esse verbo está ligando a ação de Deus sobre Moisés à tarefa de
tirar os pais da terra do Egito. Sendo assim, o sentido do verbo aponta para o
fato de Deus ter feito de Moisés o agente da sua atuação libertadora. O tê-lo
“feito”, portanto, implica escolha divina, de modo que a tradução acima de
1Samuel 12.6 corresponde à realidade.
A tribo de Levi – os levitas – também foi escolhida e separada por Deus
para um propósito dentro de Israel: “PORQUE O SENHOR, TEU DEUS, O
ESCOLHEU[260] DE ENTRE TODAS AS TUAS TRIBOS PARA MINISTRAR EM O NOME DO
SENHOR, ELE E SEUS FILHOS, TODOS OS DIAS” (Dt 18.5 – destaque meu). Nesse
mesmo sentido, Deuteronômio 21.5 afirma que os propósitos da escolha dos
levitas é separá-los “para o servirem, para abençoarem em nome do SENHOR E,
POR SUA PALAVRA, DECIDIREM TODA DEMANDA E TODO CASO DE VIOLÊNCIA”. ASSIM,
O ENCARGO DE TODOS OS SERVIÇOS NO TABERNÁCULO FICOU SOB A RESPONSABILIDADE
DOS LEVITAS.
Como um levita, Arão também foi escolhido para desenvolver uma
atividade peculiar no culto israelita, que era o “sacerdócio”. Quando Eli peca
contra Deus, fazendo “vistas grossas” aos pecados de seus filhos, Deus fala a
ele sobre o chamado da “casa de teu pai” (Arão), dizendo: “EU O ESCOLHI
DENTRE TODAS AS TRIBOS DE ISRAEL PARA SER O MEU SACERDOTE” (1SM 2.28A). A
NET BIBLE traduz: “Eu escolhi seu ancestral de todas as tribos de Israel para
ser meu sacerdote”.[261] Fica claro que a escolha de Deus é o fator que
alterou o rumo da vida de Arão e seus descendentes e não qualquer qualidade
ligada ao próprio Arão. Como Deus o escolheu, poderia ter escolhido a
qualquer um que desejasse.
O caso de Saul, como escolha divina para iniciar a monarquia israelita, é
curioso. Samuel afirma a escolha divina para o cargo real: “VEDES A QUEM O
SENHOR ESCOLHEU? POIS EM TODO O POVO NÃO HÁ NENHUM SEMELHANTE A ELE.
ENTÃO, TODO O POVO ROMPEU EM GRITOS, EXCLAMANDO: VIVA O REI! (1Sm 10.24 cf.
v.21). Porém, duas realidades tornam tal escolha uma exceção entre os casos
vistos até agora. Em primeiro lugar, a escolha de Saul como rei parece não ter
encontrado o mesmo ato de Deus a fim de justificá-lo pela fé. Tirando seus
primeiros dias como rei – provavelmente, ainda sob a influência da pequena
posição que sua família ocupava mesmo na sua própria tribo (1Sm 9.21) –,
Saul demonstrou ser uma pessoa que não temia a Deus, nem se preocupava
em obedecê-lo.
As sucessivas declarações de rejeição de Saul por parte de Deus (1Sm
13.14; 15.28; 28.17,18) combinam com pecados terríveis, como perseguir
Davi por ciúmes (1Sm 18.8,9) e matar os sacerdotes israelitas (1Sm
22.18.19). O fato de Deus ter retirado dele seu Espírito e, em consequência
disso, ele passar a ser atormentado por um espírito maligno (1Sm 16.14),
sugerem que ele nunca foi justificado pela fé, a exemplo de outros homens do
Antigo Testamento que creram e foram salvos.
Em segundo lugar, Deus o escolheu para exercer um tipo de punição aos
israelitas insubmissos, aplicando-lhes sua ira. Tal insubmissão se viu na ação
de os israelitas pedirem um rei. Seu rei, até então, era o próprio Deus, de
modo que o pedido deles incorria na rejeição do Senhor como líder nacional:
“Disse o SENHOR A SAMUEL: ATENDE À VOZ DO POVO EM TUDO QUANTO TE DIZ,
POIS NÃO TE REJEITOU A TI, MAS A MIM, PARA EU NÃO REINAR SOBRE ELE” (1Sm 8.7). A
motivação parece não ser simplesmente ter um sistema de governo por meio
de uma monarquia – Deus havia incluído esse propósito em suas promessas
(Gn 17.16) –, mas desejar ser como as nações circunvizinhas, nações que o
Senhor não tinha santificado para si. Era, em resumo, uma fuga da
responsabilidade de ser um “povo santo”: “Constitui-nos, pois, agora, um rei
sobre nós, para que nos governe, COMO O TÊM TODAS AS NAÇÕES” (1Sm 8.5b –
destaque meu).
Isso suscitou a ira do Senhor de modo a escolher Saul não para a bênção do
povo, mas como modo de lançar sobre Israel essa ira. Oseias se refere a esse
pedido por um rei e diz: “Dei-te um rei NA MINHA IRA E TO TIREI NO MEU FUROR”
(Os 13.11 cf. v.10 – destaque meu). Ao dizer que em lugar de Saul, Deus deu
Davi como rei, qualificando-o como “homem segundo o meu coração” (At
13.22 cf. v.21), Deus dá mostras de que Saul era o rei “segundo o coração do
povo”, um rei como das outras nações.
O resultado desse desejo foi sofrimento diante da guerra e a eliminação da
casa real corrompida. A escolha de Saul, portanto, é um tipo peculiar de
eleição pessoal para um propósito. Uma na qual o propósito é apenas
histórico e não salvífico. Mesmo assim, é uma eleição que se enquadra no
devido conceito veterotestamentário.
Depois da escolha de Saul como punição aos israelitas, Deus efetua outra
escolha e elege Davi como rei. A nítida escolha surge quando Deus envia
Samuel à casa de Jessé para ungir o próximo rei. Lá, Samuel conheceu
primeiro os irmãos de Davi, mas “O SENHOR NÃO ESCOLHEU ESTES” (1SM
16.10). SABENDO DA EXISTÊNCIA DE OUTRO FILHO QUE ALI NÃO SE ENCONTRAVA,
“mandou chamá-lo e fê-lo entrar. Era ele ruivo, de belos olhos e boa
aparência. DISSE O SENHOR: LEVANTA-TE E UNGE-O, POIS ESTE É ELE” (1Sm 16.12 –
destaque meu). Asafe reconhece essa escolha e declara: “Também ESCOLHEU A
DAVI, SEU SERVO, E O TOMOU DOS REDIS DAS OVELHAS” (SL 78.70 – destaque meu).
Quando Davi é chamado de “homem segundo o meu coração” (At 13.22),
é comum os leitores relacionarem essa designação à ideia de um homem cujo
coração estava ligado a Deus. Ainda que isso seja verdade – a história de
Davi o mostra –, a designação em questão se refere ao coração de Deus e não
de Davi. É como se Deus dissesse: “Esse é o homem segundo o meu
propósito”, ou “segundo o meu desejo”. É uma referência direta à eleição de
Davi como rei que cumpriria a promessa feita aos patriarcas de um rei que
seria da tribo de Judá (Gn 17.16; 35.11; 49.10). Por isso, ele podia se referir a
isso com propriedade: “DISSE, PORÉM, DAVI A MICAL: PERANTE O SENHOR, QUE
ME ESCOLHEU A MIM ANTES DO QUE A TEU PAI E A TODA A SUA CASA, MANDANDO-ME
QUE FOSSE CHEFE SOBRE O POVO DO SENHOR, SOBRE ISRAEL, PERANTE O SENHOR ME
TENHO ALEGRADO” (2Sm 6.21 – destaque meu). A própria escolha de Davi
revela em uníssono a escolha de Judá como tribo da qual viria a linhagem
real da promessa:

DAVI DISSE: “O SENHOR, DEUS DE ISRAEL, ME ESCOLHEU DE TODA A CASA DE MEU PAI, PARA QUE ETERNAMENTE FOSSE EU REI

SOBRE ISRAEL; PORQUE A JUDÁ ESCOLHEU POR PRÍNCIPE E A CASA DE MEU PAI, NA CASA DE JUDÁ; E ENTRE OS FILHOS DE MEU PAI SE

AGRADOU DE MIM, PARA ME FAZER REI SOBRE TODO O ISRAEL” (1CR 28.4 – DESTAQUE MEU).

Salomão, filho de Davi, também foi alvo de uma escolha para uma tarefa
específica. Quando Davi se propôs a construir um templo para o Senhor, em
Jerusalém, que substituísse o tabernáculo – pois achou que um tipo de barraca
não transmitia a glória divina –, o Senhor o impediu a efetuar a empreita e
disse que seu herdeiro o faria.
Davi tinha vários filhos e alguns deles aspiravam ao trono. Entretanto, o
Senhor escolheu quem seria o próximo rei: “TEU FILHO SALOMÃO É QUEM
EDIFICARÁ A MINHA CASA E OS MEUS ÁTRIOS, PORQUE O ESCOLHI PARA FILHO E EU LHE
SEREI POR PAI” (1Cr 28.6 – destaque meu). Davi não deixou de transmitir tal
fato a Salomão (1Cr 28.1-7) e acrescentou que essa escolha se estendia à
tarefa de ser o construtor do templo em Jerusalém: “Agora, pois, atende a
tudo, porque o SENHOR TE ESCOLHEU PARA EDIFICARES CASA PARA O SANTUÁRIO; SÊ
FORTE E FAZE A OBRA” (1CR 28.10 – DESTAQUE MEU).
A eleição para um propósito levantou, também, profetas. Em alguns casos,
isso fica implícito, como nos chamados de Isaías (Is 6.1-10) e de Amós (Am
7.14,15). Contudo, no caso de Jeremias, a escolha prévia para a função
profética é declarada de modo explícito: “ANTES QUE EU TE FORMASSE NO
VENTRE MATERNO, EU TE CONHECI, E, ANTES QUE SAÍSSES DA MADRE, TE CONSAGREI,
E TE CONSTITUÍ PROFETA ÀS NAÇÕES” (JR 1.5).
Líderes políticos de outras nações também são alvo, no Antigo
Testamento, de eleição divina para realizarem uma função de ordem
histórica. Um desses líderes foi Nabucodonosor, chefe do que foi conhecido
como “Império Neo-Babilônico”,[262] o qual durou setenta anos (609-539
a.C.).[263] Como instrumento histórico escolhido por Deus, o Senhor o
chama de “NABUCODONOSOR, REI DA BABILÔNIA, MEU SERVO” (Jr 27.6) e diz que
lhe entregará as nações. Como ferramenta escolhida, ele teria a tarefa de
trazer “espanto” e “ruínas perpétuas” às “nações em redor” (Jr 25.9), ao
distante Egito (Jr 43.10,11) e até à nação de Judá e sua capital Jerusalém,
como punição prevista pelos seus pecados contra o Senhor:

PORTANTO, ASSIM DIZ O SENHOR: EIS QUE ENTREGO ESTA CIDADE NAS MÃOS DOS CALDEUS, NAS MÃOS DE NABUCODONOSOR, REI DA

BABILÔNIA, E ELE A TOMARÁ. OS CALDEUS, QUE PELEJAM CONTRA ESTA CIDADE, ENTRARÃO NELA, PORÃO FOGO A ESTA CIDADE E

QUEIMARÃO AS CASAS SOBRE CUJOS TERRAÇOS QUEIMARAM INCENSO A BAAL E OFERECERAM LIBAÇÕES A OUTROS DEUSES, PARA ME

PROVOCAREM À IRA. PORQUE OS FILHOS DE ISRAEL E OS FILHOS DE JUDÁ NÃO FIZERAM SENÃO MAL PERANTE MIM, DESDE A SUA

MOCIDADE; PORQUE OS FILHOS DE ISRAEL NÃO FIZERAM SENÃO PROVOCAR-ME À IRA COM AS OBRAS DAS SUAS MÃOS, DIZ O SENHOR

(JR 32.28-30 – DESTAQUE MEU).

Outro líder mundial escolhido por Deus para administrar a história foi
Ciro, chefe do império medo-persa, o qual derrubou o império neo-babilônico
na segunda metade do século 6 a.C. Se Nabucodonosor é chamado “meu
servo”, Ciro é chamado “meu pastor” e “ungido do Senhor” (Is 44.28; 45.1).
Em primeiro lugar, sua função é derrubar reinos dentre os quais o principal é
a Babilônia: “ASSIM DIZ O SENHOR AO SEU UNGIDO, A CIRO, A QUEM TOMO PELA
MÃO DIREITA, PARA ABATER AS NAÇÕES ANTE A SUA FACE” (Is 45.1a – destaque meu).
Em segundo lugar, por meio de uma política externa diferente da praticada
pelos predecessores assírios e babilônicos, tinha a função de fazer os
israelitas exilados voltarem a Judá e reconstruírem Jerusalém e o templo:
“DIGO DE CIRO: ELE É MEU PASTOR E CUMPRIRÁ TUDO O QUE ME APRAZ; QUE DIGO
TAMBÉM DE JERUSALÉM: SERÁ EDIFICADA; E DO TEMPLO: SERÁ FUNDADO” (Is 44.28 –
destaque meu) e “na minha justiça, suscitei a CIRO E [...] ELE EDIFICARÁ A MINHA
CIDADE E LIBERTARÁ OS MEUS EXILADOS, NÃO POR PREÇO NEM POR PRESENTES, DIZ O
SENHOR DOS EXÉRCITOS” (IS 45.13 – destaque meu). Se Nabucodonosor foi o
instrumento da “ira” de Deus, Ciro foi o instrumento da sua “graça” e da sua
“fidelidade à aliança”. A eleição de Ciro fica ainda mais evidente quando se
nota que Isaías proferiu essas profecias mais de cento e cinquenta anos antes
de elas se cumprirem.[264]

3. A eleição de Israel

De todos os conceitos da eleição, esse é certamente o mais importante no


Antigo Testamento. A eleição de Israel como povo com quem Deus se
relacionaria de maneira especial e que teria uma função histórica ímpar é um
dos assuntos que guiam a teologia do Antigo Testamento.
O chamado de Abraão, por si só, implica a eleição de Israel como um povo
santificado pelo Senhor para a execução do seu plano redentor – nesse
aspecto, essa eleição encontra paralelos com a eleição de pessoas para
propósitos específicos. Contudo, o chamado do povo escravizado no Egito,
sua libertação e a aliança feita no Sinai são a separação efetiva desse povo
para se tornar um servo especial do Senhor na terra. Não é,
fundamentalmente, uma nação cheia de servos individualmente eleitos, mas
“um servo” como “povo santo”.
A nação israelita, como um todo, é uma entidade com quem Deus fez um
pacto e a quem Deus chamou de “filho”. Comentando sobre a cláusula
“nação santa”, presente na instituição da aliança no Sinai, Walter Kaiser Jr.
diz:

NUNCA MAIS OS DESCENDENTES DOS PATRIARCAS FORAM TIDOS SOMENTE COMO UMA FAMÍLIA. ELES ASSUMIRAM UMA IDENTIDADE
NACIONAL DISTINTA, MAS DE UM TIPO ATÍPICO. COLETIVAMENTE, ELES ERAM DIVINAMENTE DESIGNADOS COMO “MEU FILHO”,

“PRIMOGÊNITO” DE DEUS (EX 4.22 CF. JR 31.9). ESSA IDEIA DE UMA FILIAÇÃO DIVINA DA TODA A NAÇÃO FOI UMA EXTENSÃO DA

IDEIA DA ELEIÇÃO. ESTÁ, TAMBÉM, IMPLÍCITO UM RELACIONAMENTO FAMILIAR NO QUAL ESSE GRUPO COMPARTILHA DOS BENEFÍCIOS

OBTIDOS PARA ELES POR MEIO DO SEU GOEL (“RESGATADOR”) NO ÊXODO. SEU STATUS DE “PRIMOGÊNITO” SIGNIFICAVA QUE ELES

FORAM ESCOLHIDOS PARA PREEMINÊNCIA EM POSTO E POSIÇÃO (NÃO NECESSARIAMENTE EM ORDEM CRONOLÓGICA) NO SENTIDO DE QUE

DEUS PARA TODAS AS NAÇÕES.


ELES PUDESSEM MEDIAR AS BÊNÇÂOS DE
[265]

Diante da escolha desse povo, devemos fazer duas perguntas. A primeira é:


“Por que Deus escolheu Israel?”. Para responder, a primeira observação a ser
feita é a ocasião da eleição do Senhor. Israel não foi uma escolha de última
hora. Essa eleição foi feita previamente, mesmo antes de o povo vir a existir.
Na verdade, a escolha do Senhor, unida à divina soberania, foi a causa da
existência do povo escolhido. Não foi uma escolha em meio a contingências,
mas uma livre escolha baseada somente na “vontade”, simplesmente “PORQUE
APROUVE AO SENHOR FAZER-VOS O SEU POVO” (1SM 12.22).
Se, por um lado, a ideia da eleição de Israel só é introduzida depois de ser,
de fato, aplicada por Deus,[266] Isaías associa a eleição de Israel à sua
própria formação: “AGORA, POIS, OUVE, Ó JACÓ, SERVO MEU, Ó ISRAEL, A QUEM
ESCOLHI. ASSIM DIZ O SENHOR, QUE TE CRIOU, E TE FORMOU DESDE O VENTRE, E QUE
TE AJUDA: NÃO TEMAS, Ó JACÓ, SERVO MEU, Ó AMADO, A QUEM ESCOLHI” (Is 44.1,2
– destaque meu). Desse modo, os critérios utilizados por Deus para realizar a
escolha não foram as qualidades dos israelitas, mas “o amor à nação” e a
“fidelidade às suas promessas”:

NÃO VOS TEVE O SENHOR AFEIÇÃO, NEM VOS ESCOLHEU PORQUE FÔSSEIS MAIS NUMEROSOS DO QUE QUALQUER POVO, POIS ÉREIS O

MENOR DE TODOS OS POVOS, MAS PORQUE O SENHOR VOS AMAVA E, PARA GUARDAR O JURAMENTO QUE FIZERA A VOSSOS PAIS, O SENHOR

VOS TIROU COM MÃO PODEROSA E VOS RESGATOU DA CASA DA SERVIDÃO, DO PODER DE FARAÓ, REI DO EGITO (DT 7.7,8 CF. 10.15;

14.2; EZ 20.5,6 – DESTAQUE MEU).

A segunda pergunta a se fazer diante da eleição de Israel por Deus é: “Para


que Deus escolheu Israel?”. Há, basicamente, duas respostas para isso. Uma
envolve “propriedade” e outra, “função”. Como propriedade, Deus declara:
“POIS O SENHOR ESCOLHEU PARA SI A JACÓ E A ISRAEL, PARA SUA POSSESSÃO” (Sl
135.4). Pode-se criar uma objeção a isso, já que tudo é possessão de Deus:
“Teus são os céus, tua, a terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Sl
89.11).
Diante disso, que novidade haveria em Israel pertencer a Deus? Na
verdade, a própria pergunta provê a resposta. Fica claro que a descendência
de Jacó não é, para Deus, o mesmo tipo de possessão que toda a criação.
Deus tem Israel como uma propriedade especial, ou, segundo as palavras da
formulação da aliança mosaica no Sinai, uma “PROPRIEDADE PECULIAR DENTRE
TODOS OS POVOS” (Ex 19.5).
Como propriedade peculiar de Deus, Israel foi escolhido para ser, também,
um povo santo, isto é, um povo separado por Deus, separado das outras
nações e dos seus vis procedimentos e separado para o propósito e para a
glória do seu Senhor e criador: “Porque TU ÉS POVO SANTO AO SENHOR, TEU DEUS;
O SENHOR, TEU DEUS, TE ESCOLHEU, PARA QUE LHE FOSSES O SEU POVO PRÓPRIO, DE
TODOS OS POVOS QUE HÁ SOBRE A TERRA” (Dt 7.6 – destaque meu).
O fato de Deus ter escolhido Israel para ser sua “posse santa”, implica
abandono de pecado por parte dos israelitas e purificação diante do Senhor.
Isso não é uma sugestão, mas uma obrigação, de modo que, quando o povo
age de modo contrário, o Senhor levanta punição sobre ele: “DE TODAS AS
FAMÍLIAS DA TERRA, SOMENTE A VÓS OUTROS VOS ESCOLHI; PORTANTO, EU VOS PUNIREI
POR TODAS AS VOSSAS INIQUIDADES” (Am 3.1,2 – destaque meu). O fato é que, ser
eleito do Senhor, implica viver de acordo com sua vontade revelada.[267]
Em relação à “função” de Israel como povo eleito, surge, em primeiro
lugar, um objetivo divino em curto prazo de introduzir o povo na terra
prometida a Abraão e fazer dele uma grande nação, cumprindo fielmente as
promessas feitas aos patriarcas: “Porquanto amou teus pais, e escolheu a sua
descendência depois deles, e te tirou do Egito, ele mesmo presente e com a
sua grande força, PARA LANÇAR DE DIANTE DE TI NAÇÕES MAIORES E MAIS PODEROSAS
DO QUE TU, PARA TE INTRODUZIR NA SUA TERRA E TE DAR POR HERANÇA, COMO HOJE SE
VÊ (Dt 4.37,38 – destaque meu).
A longo prazo, a função de Israel, como nação escolhida por Deus, é mais
abrangente e envolve a própria história da redenção do homem pecador. Essa
resposta virá da compreensão das alianças que Deus fez com Israel no Antigo
Testamento. Na verdade, boa parte da compreensão de todo o Antigo
Testamento e do seu relacionamento com a mensagem do Novo depende do
entendimento correto das alianças.

AS ALIANÇAS

A primeira aliança divina clara no Antigo Testamento foi feita com Noé e
a primeira aliança a ter relação direta com os israelitas é a aliança feita com o
patriarca Abraão. Entretanto, há sugestões de outras alianças anteriores.
Arthur W. Pink alista as alianças colocando nos dois primeiros lugares a
“aliança eterna” e a “aliança adâmica”.[268]
O que ele entende por “aliança eterna” é o fato de, antes da criação, Deus
ter decretado entregar seu Filho à morte para fazer “provisão de graça” a fim
de salvar os perdidos arrependidos (Ap 13.8). Gênesis 3.15, o
protoevangelho, seria o primeiro vislumbre dessa aliança feita na eternidade.
Seria uma aliança de salvação pela graça, enquanto as outras eram alianças de
bênção temporais. Fazendo isso, Pink a vê ao das Escrituras. Um exemplo é a
interpretação que ele deu às palavras de Davi: “Pois [Deus] estabeleceu
comigo uma ALIANÇA ETERNA” (2Sm 23.5 – destaque meu).[269]
A dificuldade dessa construção teológica é que o termo “aliança eterna”
aparece várias vezes na Bíblia para se referir ao “caráter permanente” das
alianças. Deus usa a mesma expressão (BERÎT ÔLAM) quando fala a Noé: “O
ARCO ESTARÁ NAS NUVENS; VÊ-LO-EI E ME LEMBRAREI DA ALIANÇA ETERNA ENTRE
DEUS E TODOS OS SERES VIVENTES DE TODA CARNE QUE HÁ SOBRE A TERRA” (GN
9.16). O ARCO, SEGUNDO O CONTEXTO, É “O SINAL DA ALIANÇA ESTABELECIDA ENTRE
MIM [DEUS] E TODA CARNE SOBRE A TERRA” (GN 9.17 – destaque meu).
A aliança, em questão, não é o decreto de salvar pecadores pela graça, mas
não enviar outro dilúvio que matasse toda a carne, incluindo os animais (Gn
9.8-17). “Eterna” é a duração dessa aliança e não uma nova categoria pactual.
[270] Parece que Pink confundiu a “eleição para a salvação” – que, de fato,
ocorreu antes da fundação do mundo – com uma aliança que não é declarada
e que não é necessária para o conceito de eleição. A dependência que as
alianças têm da eleição não se repete no sentido contrário.
A segunda aliança, conforme a proposta de Pink, é a “aliança adâmica”,
também conhecida como “aliança edênica”. Pink associa a ideia da aliança
ao caráter de Adão como representante de toda a humanidade – “cabeça
federal”. Desse modo, quando Adão pecou, o efeito sobre a raça humana é
que cada pessoa se tornou culpada como se ela mesma estivesse no Éden e
desobedecesse ao Senhor (1Co 15.22 cf. Rm 5.12-19).[271] Pink identifica os
elementos de uma aliança na afirmação de morte para Adão caso pecasse (Gn
2.17).[272] Sendo assim, ele aponta para o testemunho de Oséias: “Mas eles
transgrediram A ALIANÇA, COMO ADÃO” (Os 6.7).[273]
O grande problema é que Oséias não está acusando os israelitas de terem
quebrado uma aliança feita no Éden, mas de terem quebrado a “aliança
mosaica”, pela qual o Senhor os atingiu e trouxe punição por meio das
mensagens dos profetas (Os 6.5). Esses, tanto anunciaram o juízo como
evidenciaram os preceitos justos contidos na lei, sem os quais não era
possível agradar a Deus simplesmente cumprindo estatutos (Os 6.6). Parece
que Adão, nesse contexto, é alguém cuja desobediência é comparável à Israel,
já que ambos foram privilegiados com conhecimento do Senhor e bênçãos
maravilhosas da parte dele, ao que responderam com incredulidade, orgulho e
rebeldia. De qualquer modo, essa aliança não é claramente afirmada nas
Escrituras. O conceito de uma aliança é desnecessariamente aplicado no
suporte de verdades bíblicas como a queda da humanidade na queda de Adão.
A primeira aliança declarada no Antigo Testamento – como já dissemos –
é a aliança noaica. Ela é marcada pelo uso da palavra “BERÎT” (aliança),[274]
citada pela primeira vez em Gênesis 6.18. Outra palavra característica das
alianças é o verbo “KARAT” (literalmente, “cortar”),[275] frequentemente
associado a “BERÎT”, mas sua primeira aparição nas Escrituras se dá somente
na celebração da aliança abraâmica (Gn 15.18).[276]
A aliança noaica foi previamente anunciada por Deus a Noé: “CONTIGO,
PORÉM, ESTABELECEREI A MINHA ALIANÇA; ENTRARÁS NA ARCA, TU E TEUS FILHOS, E
TUA MULHER, E AS MULHERES DE TEUS FILHOS” (Gn 6.18). Apesar de a primeira
impressão ser a de que a aliança envolve o salvamento pela arca, quando
Deus, de fato, fez esse pacto, ele apontou para a garantia da inexistência de
outro dilúvio como meio de punição divina. Foi uma aliança da parte de Deus
– somente ele se comprometeu sem exigir certas condições para o
cumprimento, o que faz dela uma aliança “incondicional” –, cujos
beneficiários seriam Noé, sua descendência (a raça humana) e os animais.

DISSE TAMBÉM DEUS A NOÉ E A SEUS FILHOS: EIS QUE ESTABELEÇO A MINHA ALIANÇA CONVOSCO, E COM A VOSSA DESCENDÊNCIA, E

COM TODOS OS SERES VIVENTES QUE ESTÃO CONVOSCO: TANTO AS AVES, OS ANIMAIS DOMÉSTICOS E OS ANIMAIS SELVÁTICOS QUE SAÍRAM

DA ARCA COMO TODOS OS ANIMAIS DA TERRA. ESTABELEÇO A MINHA ALIANÇA CONVOSCO: NÃO SERÁ MAIS DESTRUÍDA TODA CARNE POR

ÁGUAS DE DILÚVIO, NEM MAIS HAVERÁ DILÚVIO PARA DESTRUIR A TERRA (GN 9.8-12 – DESTAQUE MEU).
[277]

Apesar da importância que essa garantia representa para toda a vida,


principalmente a humana, a partir daí, tal pacto não visa produzir um
relacionamento entre os homens caídos e o criador, a não ser impedindo que
sejam exterminados sem que tenham chance de chegar a ele pelos devidos
meios que ele proveu para isso. Não há “mutualidade” nessa aliança, nem,
tampouco, “relação religiosa”.[278] Esse tipo de relação e de mutualidade, só
se vê a partir da aliança abraâmica.

1. A aliança abraâmica

A primeira aliança cujas cláusulas apontam para a eleição de Israel como


povo santo de Deus e para a história da redenção, é o pacto unilateral feito
por Deus com seu servo Abraão. Ela é relevante para a compreensão do papel
de Israel no plano de Deus por causa da perpetuidade que a aliança apresenta.
Entretanto, essa não é uma visão unânime entre os teólogos, pois há quem
veja tal aliança como promessa condicional que perdeu sua validade diante da
infidelidade de Israel como nação pactual e da abertura do evangelho para os
gentios. Por isso, Walvoord analisa a questão nesses termos:

NESSA DISCUSSÃO, TRÊS PONTOS DE VISTA CONCERNENTES À CONTINUIDADE DE ISRAEL COMO NAÇÃO TÊM SIDO CONSIDERADOS:
(1) A VISÃO QUE NEGA QUE ISRAEL EXISTA HOJE E QUE, PORTANTO, NÃO TEM FUTURO; (2) O CONCEPÇÃO DE QUE ISRAEL CONTINUA

COMO RAÇA, MAS NÃO COMO UMA NAÇÃO; (3) A INTERPRETAÇÃO PRÉ-MILENISTA NA QUAL ISRAEL NÃO APENAS TEM CONTINUIDADE

COMO UMA RAÇA, MAS UM FUTURO COMO UMA NAÇÃO NO REINO PRÉ-MILENAR. É EVIDENTE QUE A CONTINUIDADE DE ISRAEL COMO

UMA NAÇÃO DEPENDE, EM PRIMEIRO LUGAR, DA NATUREZA DAS SUAS PROMESSAS COMO BENEFICIÁRIA, COMO POR EXEMPLO, EM

GÊNESIS 17 AONDE A ALIANÇA ABRAÂMICA É QUALIFICADA COMO ETERNA E A TERRA É PROMETIDA A ISRAEL COMO UMA POSSESSÃO

PERPÉTUA.
[279]

Isso evidencia a complexidade e a abrangência da questão, envolvendo a


Bíblia toda e não apenas o Antigo Testamento. Engana-se quem julga ser essa
questão algo que envolve somente o futuro de Israel. A aliança abraâmica
desenha e dirige boa parte da própria história da salvação dos pecadores pela
graça de Deus. Ela é tratada ao longo de toda a Bíblia, mas suas estipulações
são descritas, principalmente, em Gênesis 12, 13, 15 e 17. O primeiro desses
capítulos envolve o chamado de Abraão e um resumo da aliança, a qual
recebe detalhes específicos adiante.
Em primeiro lugar, Deus chama Abraão – aqui ainda chamado Abrão[280]
– a deixar tudo para trás e seguir para uma terra que ele não conhecia (Gn
12.1), mas que pertenceria à sua descendência (Gn 12.7). O problema é que
Abraão não tinha uma descendência. Entretanto, isso foi prometido pelo
Senhor como primeiro dispositivo da aliança: “De ti farei uma grande nação”
(Gn 12.2). O homem cujo lar era infértil, seria pai de um povo incontável.
Além disso – ou por causa disso –, ele seria “abençoado” e seu nome seria
“engrandecido”.
Ele seria fonte de bênçãos para quem o abençoasse e vice-versa. Além
disso, não somente sua descendência seria alvo de bênçãos por causa de
Abraão, mas pessoas de toda a terra (Gn 12.3), de modo a produzir o que
predisse Isaías: “O TEU NOME, EU O FAREI CELEBRADO DE GERAÇÃO A GERAÇÃO, E,
ASSIM, OS POVOS TE LOUVARÃO PARA TODO O SEMPRE” (Is 45.17 – destaque meu).
Deus não explica, nesse momento, como faria tais coisas ou como um
homem de uma família muito pequena poderia ser alguém tão importante,
mas garante o cumprimento pleno.
ORA, DISSE O SENHOR A ABRÃO: SAI DA TUA TERRA, DA TUA PARENTELA E DA CASA DE TEU PAI E VAI PARA A TERRA QUE TE

MOSTRAREI; DE TI FAREI UMA GRANDE NAÇÃO, E TE ABENÇOAREI, E TE ENGRANDECEREI O NOME. SÊ TU UMA BÊNÇÃO! ABENÇOAREI OS

QUE TE ABENÇOAREM E AMALDIÇOAREI OS QUE TE AMALDIÇOAREM; EM TI SERÃO BENDITAS TODAS AS FAMÍLIAS DA TERRA (GN 12.1-

3).

Abraão simplesmente obedeceu e seguiu para Canaã. Lá, o Senhor lhe dá


novas nuances da promessa que lhe fez antes. Gênesis 13.14-17 têm duas
ênfases: a “terra” e a “descendência”. Quanto à terra, Deus disse: “ERGUE OS
OLHOS E OLHA DESDE ONDE ESTÁS PARA O NORTE, PARA O SUL, PARA O ORIENTE E
PARA O OCIDENTE; PORQUE TODA ESSA TERRA QUE VÊS, EU TA DAREI, A TI E À TUA
DESCENDÊNCIA, PARA SEMPRE” (Gn 13.14,15 – destaque meu). é notável, nesse
ponto, a descrição da durabilidade da promessa: “para sempre”. Quanto à
descendência, disse: “FAREI A TUA DESCENDÊNCIA COMO O PÓ DA TERRA; DE
MANEIRA QUE, SE ALGUÉM PUDER CONTAR O PÓ DA TERRA, ENTÃO SE CONTARÁ
TAMBÉM A TUA DESCENDÊNCIA” (GN 13.6 – destaque meu). O homem sem filhos
teria uma descendência tão numerosa que, de modo hiperbólico, rivalizaria o
número das estrelas do céu ou de grãos de areia à beira-mar[281] (cf. Gn
15.5; 22.17).
Se até aqui as promessas foram feitas por meio de declarações de Deus, no
capítulo quinze elas assumem uma forma dramática. Abraão questiona Deus
por, apesar de o tempo passar, ele ainda não ter filhos (Gn 15.2,3). Deus
confirma a promessa da descendência (Gn 15.4,5) e algo marcante ocorre:
“ELE CREU NO SENHOR, E ISSO LHE FOI IMPUTADO PARA JUSTIÇA” (GN 15.6). O
SENHOR COMPLETA A CONFIRMAÇÃO GARANTINDO, também, a posse da terra
prometida (Gn 15.7). Porém, tão surpreendente como a fé do versículo seis, é
a pergunta do versículo oito: “PERGUNTOU-LHE ABRÃO: SENHOR DEUS, COMO
SABEREI QUE HEI DE POSSUÍ-LA?” (Gn 15.8 – destaque meu).
A palavra de Deus por si é fonte confiável de qualquer promessa.
Entretanto, parece que o Senhor quis reforçar a fé de Abraão utilizando um
meio de que ele conhecia. O Senhor mandou que ele corta-se alguns animais
e colocasse os pedaços um de frente para o outro (Gn 15.9,10). Então, o
Senhor somente se comprometeu fazendo passar por entre os pedaços dos
animais “UM FOGAREIRO FUMEGANTE E UMA TOCHA DE FOGO” (GN 15.17). PARA
ENTENDER O QUE O SENHOR FEZ EM RELAÇÃO A ABRAÃO , é necessário entender o
significado do rito de passar entre os animais partidos. Infelizmente, o livro
de Gênesis não dá tal significado, talvez porque todos, na época, o
entenderiam.
Contudo, Jeremias nos ajuda nesse aspecto ao relatar uma aliança feita
entre o Senhor e o rei Zedequias junto com os príncipes do povo. A
determinação dessa aliança era que eles não tomassem mais israelitas como
escravos, libertando os que estavam nessa condição (Jr 34.8-10). Mas eles
mudaram de ideia e tomaram novamente os escravos que haviam libertado (Jr
34.11). O Senhor, então, os repreende duramente (Jr 34.12-22). Em meio à
repreensão, o Senhor diz: “FAREI AOS HOMENS QUE TRANSGREDIRAM A MINHA
ALIANÇA E NÃO CUMPRIRAM AS PALAVRAS DA ALIANÇA QUE FIZERAM PERANTE MIM
COMO ELES FIZERAM COM O BEZERRO QUE DIVIDIRAM EM DUAS PARTES, PASSANDO ELES
PELO MEIO DAS DUAS PORÇÕES” (JR 34.18 – destaque meu).
Essa descrição nos ajuda a entender o ritual que Deus promoveu em
Gênesis 15. Tudo indica que uma forma de empenhar a palavra em um
acordo no mundo antigo era através de se colocar sob uma “maldição” no
caso de quebrar a palavra. As partes contratantes matavam e partiam os
animais e, ao passarem no meio deles, é como se dissessem: “Se quebrarmos
nosso compromisso aqui assumido, que acontece conosco o que aconteceu
com esses animais”.[282] Ao que tudo indica, foi o que Deus fez com Abraão
naquele dia. Foi uma maneira de “demonstrar” a confiabilidade da sua
promessa unilateralmente, já que somente o Senhor se comprometeu nessa
aliança, sendo assim uma aliança “incondicional” – ela não dependia de
nenhuma condição para que fosse cumprida fielmente.

O SENHOR, POR MEIO DESSE ATO, INVOCOU UMA MALDIÇÃO SOBRE SI MESMO SE NÃO CUMPRISSE A ALIANÇA COM ABRAÃO (V.18).

A OUSADIA DESSA METÁFORA É QUASE INCOMPREENSÍVEL, MAS ELA TRANSMITE A FIRMEZA DO COMPROMISSO DO DEUS QUE NÃO PODE

MENTIR.
[283]

Ao fazer isso, Deus garantiu a Abraão teria uma vida longa e confirmou a
promessa da sua descendência, informando que ela seria escrava em terra
estrangeira por quatrocentos anos até que o Senhor os tirasse de lá com
riquezas (Gn 15.13-16). Quanto à terra – preocupação de Abraão expressa no
versículo oito –, o Senhor garantiu a posse perpétua aos descendentes de
Abraão e delimitou seu território (Gn 15.18-21).[284]
O limite Sul dessa terra seria o “rio do Egito”. Há quem proponha que essa
é uma referência ao rio Nilo. Contudo, se isso for verdade, a península do
Sinai faria parte do território dado por Deus aos israelitas. Isso não condiz
com a preparação para a invasão da terra quando o povo estava em Cades
(Nm 13), nem com a punição da geração rebelde que deixou o Egito, a qual
previa: “NENHUM DELES VERÁ A TERRA QUE, COM JURAMENTO, PROMETI A SEUS PAIS,
SIM, NENHUM DAQUELES QUE ME DESPREZARAM A VERÁ” (Nm 14.23). Levando em
conta que eles passaram quarenta anos na península do Sinai, o rio Nilo não
pode ser o rio que o Senhor marcou como limite sul da terra prometida. Por
outro lado, há um rio intermitente – “Wadi el-Arish” – que, sendo há muito
reconhecido como “fronteira do Egito”,[285] é um bom candidato para
delimitar a terra ao Sul.[286]
A outra fronteira não é difícil de identificar: o “grande rio Eufrates”. O rio
Eufrates é muito extenso e não se deve associar esse ponto geográfico com
fronteira oriental com o Golfo Pérsico através da Jordânia, mas com uma
fronteira ao Norte através da Síria. Se não é difícil identificar o rio Eufrates,
é, pelo menos, surpreendente saber que a fronteira descrita por Deus leva o
território israelita bem além dos seus atuais limites para dentro do território
sírio. Isso representa, por alto, um aumento em duas vezes do território
dominado pelos israelitas na conquista de Canaã.
Israel nunca possuiu toda essa terra.[287] O mais perto que esteve disso foi
nos dias de Davi e, mesmo assim, não como pátria, mas como império (2Sm
8).[288] Todo o território entre esses dois rios é descrito como terra de dez
povos, sendo que essa lista representa todos os povos que habitavam essa
terra (Gn 15.19-21).[289] Tudo isso pertenceria “permanentemente” aos
descendentes de Abraão.
Por fim, Gênesis 17 expõe a aliança de Deus e a responsabilidade de
Abraão diante dela por meio de duas colocações introdutórias: “quanto a
mim” (Gn 17.4) e “quanto a ti” (Gn 17.9). Da parte de Deus, além de
reafirmar uma descendência numerosa (Gn 17.2), Deus introduz um novo
elemento dizendo que Abraão seria pai de mais de uma nação – “numerosas
nações” (Gn 17.4,6) – de modo que seu nome foi mudado para se adaptar à
realidade prometida (Gn 17.5). Na verdade, o próprio livro de Gênesis mostra
essa promessa se cumprindo, por exemplo, na própria nação de Israel, ao lado
da nação de Edom (Gn 25.23-26), e dos ismaelitas (Gn 25.12).
também, reis descenderiam de Abraão (Gn 17.6). Cada uma das nações
que nasceram do patriarca teve seus reis. O reinado ilustre, obviamente, é o
da nação israelita, cuja casa real viria da tribo de Judá (Gn 49.10). Essa
promessa era crida com tal convicção por Moisés que, ao listar os reis de
Edom, tomou como certa a monarquia em Israel, a qual foi instituída somente
quatro séculos mais tarde: “SÃO ESTES OS REIS QUE REINARAM NA TERRA DE
EDOM, ANTES QUE HOUVESSE REI SOBRE OS FILHOS DE ISRAEL” (Gn 36.31 – destaque
meu).[290] Por fim, Deus reafirma para com a descendência especial de
Abraão – o povo de Israel – a posse perpétua da terra de Canaã (Gn 17.7,8).
Por sua vez, Abraão, além de receber orientação de “andar com Deus e ser
perfeito” (Gn 17.1), tinha o dever de manter o sinal da aliança que Deus fez
com ele: a circuncisão de todos os homens da linhagem de Abraão, incluindo
os escravos que habitassem entre eles (Gn 17.9-14). As duas ordens –
procedimento e circuncisão – existem, aqui, em consequência da aliança e
não como cláusula condicionante dos seus termos.
Em termos simples, o fato de Deus buscar Abraão e se comprometer com
ele deveria ser a razão Abraão honrá-lo com um procedimento compatível.
Entretanto, essa não era uma condição para que Deus cumprisse sua
promessa. Mesmo quando Abraão não agiu com nobreza e com integridade,
como no caso da mentira sobre Sara ser sua irmã, o Senhor não desistiu de
cumprir o que garantiu empenhando sua palavra.
O mesmo valia para a circuncisão. A desobediência ao cumprimento do
sinal da aliança geraria punição: “O INCIRCUNCISO, QUE NÃO FOR CIRCUNCIDADO
NA CARNE DO PREPÚCIO, ESSA VIDA SERÁ ELIMINADA DO SEU POVO; QUEBROU A MINHA
ALIANÇA” (Gn 17.14 – destaque meu). Por isso, a ira de Deus contra Moisés
por não ter ele circuncidado seu filho (Ex 4.24-26). Entretanto, ainda que haja
punição para a negligência da circuncisão, a aliança abraâmica permanece
vigente e será plenamente cumprida.
Algo incontestável na aliança abraâmica é a promessa de que a nação
numerosa seria abençoada por Deus. O Pentateuco mostra que Deus abençoa
esse povo de várias maneiras, como no livramento do Egito, o sustento no
deserto e a confirmação da posse da terra ainda que tenha atrasado a
conquista pela rebeldia da primeira geração de israelitas depois do êxodo.
Nesse sentido, os oráculos de Balaão confirmam para Israel as bênçãos de
Deus prometidas a Abraão e demonstram que as bênçãos incondicionais de
Deus não podem ser anuladas pelos atos humanos: “COMO POSSO AMALDIÇOAR
A QUEM DEUS NÃO AMALDIÇOOU? COMO POSSO DENUNCIAR A QUEM O SENHOR NÃO
DENUNCIOU?” (Nm 23.8).
Assim, os oráculos de Balaão, contrariando as intenções dos seus
contratantes de amaldiçoar Israel, previram o crescimento numérico de Israel
(Nm 23.1-12 cf. Gn 12.2), segurança e vitória dos israelitas (Nm 23.13-26 cf.
Gn 15.1,14), prosperidade e poder real (Nm 24.1-9 cf. Gn 17.6,16), um
príncipe dominador em Israel (Nm 24.15-19 cf. Gn 49.10), a ruína do povo
de Amaleque (Nm 24.20 cf. Gn 12.3) e cativeiro e destruição para quenitas,
assírios e hebreus[291] (Nm 24.21-24 cf. Gn 12.3).[292]
Os artigos da aliança abraâmica são claros. Entretanto, um ponto obscuro é
o modo como Abraão seria veículo de bênção e maldição, mesmo para outras
linhagens ao redor do mundo: “ABENÇOAREI OS QUE TE ABENÇOAREM E
AMALDIÇOAREI OS QUE TE AMALDIÇOAREM; EM TI SERÃO BENDITAS TODAS AS
FAMÍLIAS DA TERRA” (GN 12.3). NESSE CASO, O APÓSTOLO PAULO NOS AJUDA AO
IDENTIFICAR A “DESCENDÊNCIA” OU A “SEMENTE” DE ABRAÃO COMO JESUS CRISTO
(GL 3.16).[293] A dificuldade, então, é saber como interpretar a palavra
“descendência” (“ZERÁ”, em hebraico) dentro das promessas da aliança
abraâmica.
Gênesis deixa claro que a descendência seria “numerosa”. Contudo, essa
grande família não tem prerrogativas capazes de transmitir bênçãos, pois são
homens pecadores como os de qualquer outro povo. Por outro lado, Jesus,
como o descendente de Abraão, pode transmitir bênçãos a todos os povos por
causa da sua obra redentora. Mas, ele não preenche todas as características
desse povo numeroso que habitaria em Canaã.
Os exegetas, muitas vezes, se vêem no dilema de ter de decidir entre uma e
outra dessas possibilidades e, para isso, têm de escolher quais verdades
teológicas eles abrem mão. Mas isso não é necessário. As duas verdades
convivem perfeitamente. É indiscutível que a descendência de Abraão em
Gênesis é o povo de Israel. Jesus faz parte desse povo numeroso e produz o
que nenhum outro membro da família abraâmica poderia.
Por meio e por causa desse descendente ilustre, a saber, o Senhor Jesus
Cristo, o nome de Abraão seria motivo de bênção e de maldições e seu nome
seria engrandecido. Por meio desse descendente, a descendência de Abraão
seria veículo de bênção e salvação até mesmo fora da família, ao redor do
planeta. Essa é, também, a razão para a eleição de Israel para ser um povo
particular e santificado ao Senhor.

RESUMO
:[294]

Aliança perpétua feita unilateralmente por Deus em benefício de Abraão e


da sua descendência.
Nome engrandecido, bênçãos e vida longa para Abraão.
Prerrogativa de abençoar ou amaldiçoar outros, incluindo pessoas de
outras nações, de conformidade com a relação que mantivessem com o
descendente de Abraão.
Descendência escravizada em terra estrangeira por quatrocentos anos e
libertada com riquezas para herdar a terra.
Garantia da posse perpétua de uma terra delimitada entre o rio do Egito e
o grande rio Eufrates para a descendência de Abraão.
Surgimento de reis descendentes de Abraão.
Benefícios divinos independem de condições da parte dos homens –
aliança “incondicional”.
2. A aliança mosaica

Se a aliança abraâmica dirige a história da salvação, devido ao teor das


suas promessas, a aliança mosaica dirige o relacionamento entre Deus e Israel
no Antigo Testamento e ocupa uma porção enorme dos escritos de Moisés e
dos profetas, sendo impossível compreender o Antigo Testamento sem se
levar em conta essa aliança.[295] Por causa dela e dos estatutos que ela
estabeleceu, os livros de Moisés (Pentateuco) costumam ser conhecidos como
“lei” (“TÔRÁ”, em hebraico). Já dissemos que a palavra “tôrá”, nesse sentido,
deveria ser compreendida como “instrução”. Entretanto, não há como ignorar
o grande volume que a lei ocupa nesses escritos.

AINDA QUE TRATAR TODO O PENTATEUCO SOB O NOME DE “LEI” SEJA DESCONSIDERAR AS PORÇÕES NARRATIVAS E ATÉ POÉTICAS, A

LEI É UMA TÔNICA MUITO GRANDE NOS ESCRITOS MOSAICOS. POR ISSO, NO ANTIGO TESTAMENTO O PENTATEUCO É CHAMADO DE “LEI”

(JS 8.34), “LIVRO DA LEI” (JS 1.8), “LIVRO DA LEI DE MOISÉS” (JS 8.31), “LEI DO SENHOR” (ED 7.10), “LEI DE DEUS” (NE

10.28,29), “LIVRO DA LEI DE DEUS” (JS 24.26), “LIVRO DA LEI DO SENHOR” (2CR 17.9), “LIVRO DA LEI DO SENHOR SEU DEUS”

(NE 9.3) E “LEI DE MOISÉS SERVO DE DEUS” (DN 9.11). O NOVO TESTAMENTO RECONHECE TAL CARACTERÍSTICA NOMEANDO-O

COMO “LIVRO DA LEI” (GL 3.10), “LEI” (MT 12.5), “LEI DE MOISÉS” (LC 2.22) E “LEI DO SENHOR” (LC 2.23,24).
[296]

A maioria dos leitores do Antigo Testamento já viu tais expressões e sabe


da existência da lei. O que nem todo mundo sabe é a “razão” da existência
dessa lei e sua “serventia” dentro do eterno propósito do Deus soberano. As
respostas a essas questões estão ligadas à compreensão da aliança mosaica.
Dois meses após saíres do Egito, os israelitas chegaram ao monte Sinai (Ex
19.1). Ali, Deus entrou em aliança com Israel, dizendo a Moisés: “ASSIM
FALARÁS À CASA DE JACÓ E ANUNCIARÁS AOS FILHOS DE ISRAEL” (Ex 19.3b). O tom
expõe o fato de que Deus é o alto rei que se dirige à nação.
Em segundo lugar, o Senhor se apresenta como o Deus poderoso que os
tirou do Egito: “Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre
asas de águia e vos cheguei a mim” (Gn 19.4). Com isso, ele também recorda
a preservação milagrosa por meio do mar, já que somente ele poderia
promover algo assim, comparando-a com a ação de uma águia que leva seus
filhotes onde eles não poderiam ir sozinhos: “COMO A ÁGUIA DESPERTA A SUA
NINHADA E VOEJA SOBRE OS SEUS FILHOTES, ESTENDE AS ASAS E, TOMANDO-OS, OS LEVA
SOBRE ELAS, ASSIM, SÓ O SENHOR O GUIOU, E NÃO HAVIA COM ELE DEUS ESTRANHO”
(Dt 32.11,12 – destaque meu). Ao dizer “vos cheguei a mim”, percebe-se a
disposição do Senhor de nutrir um relacionamento amoroso e bondoso com a
nação de Israel.
Sem mais prelúdios, o Senhor apresenta sua proposta: “AGORA, POIS, SE
DILIGENTEMENTE OUVIRDES A MINHA VOZ E GUARDARDES A MINHA ALIANÇA” (Ex 19.5a
– destaque meu). Os estatutos da aliança serão dados na sequência, o
chamado “livro da aliança” (Ex 20–23), além dos dispositivos que regulavam
o culto e os sacrifícios, mas a obediência a todo esse código legal já é assunto
do tratado. A conjunção “se” (“IM”, em hebraico), em seu uso condicional,
[297] fornece uma característica única dentro das alianças: um caráter
condicional. Por esse motivo, diferente de todas as outras alianças, os
benefícios divinos estavam atrelados a certas condições a serem cumpridas
por Israel. Mas note bem: não é a validade da aliança que é condicional, mas
os benefícios que ela irá prover.
Portanto, feita a proposta, Deus oferece os benefícios: “Então, sereis a
minha PROPRIEDADE PECULIAR DENTRE TODOS OS POVOS; PORQUE TODA A TERRA É
MINHA; VÓS ME SEREIS REINO DE SACERDOTES E NAÇÃO SANTA” (Ex 19.5b-6a –
destaque meu). Como “propriedade peculiar”, os israelitas teriam um
relacionamento especial com Deus e ocupariam um lugar ímpar dentro do seu
plano. Como “reino de sacerdotes”, eles desempenhariam uma função
mediatória entre Deus e as outras nações, seja por meio do testemunho que
deveriam dar no relacionamento com Deus, seja por meio da obra de alcance
mundial do israelita Jesus Cristo. E como “nação santa”, eles foram
“separados” nas nações do mundo a fim de andar como uma nação
“separada” para o serviço e para a glória de Deus.
Por ser uma aliança diferente daquelas que Deus se comprometeu
unilateralmente, esse acordo condicional precisava da participação voluntária
do povo de Israel e do seu comprometimento oficial. Sendo assim, o
mediador[298] Moisés “CHAMOU OS ANCIÃOS DO POVO E EXPÔS DIANTE DELES
TODAS ESTAS PALAVRAS QUE O SENHOR LHE HAVIA ORDENADO”. Essa não era uma
decisão que Moisés podia tomar sozinho, pois sozinho não poderia cumprir a
aliança. “Então, o povo respondeu à uma: TUDO O QUE O SENHOR FALOU
FAREMOS. E MOISÉS RELATOU AO SENHOR AS PALAVRAS DO POVO” (Ex 19.8 –
destaque meu).
Com esse acordo prévio, a aliança foi formulada. Imediatamente, foi
acordado entre Deus e Israel o que pode ser chamado de aliança sinaítica (Ex
20 – Nm 10), visto que foi celebrada no Sinai. Não se trata de outra aliança
que não a mosaica. Entretanto, há uma segunda porção acordada quatro
décadas depois com a segunda geração de israelitas – visto que a primeira
geração de rebelou (Nm 14) e morreu no deserto –, conhecida como “aliança
palestiniana” (Deuteronômio), já que foi celebrada na Palestina, mais
precisamente em Moabe, na Transjordânia. A união dessas duas porções
forma o que conhecemos como aliança mosaica.
O formato utilizado para fazer essa aliança – tanto a sinaítica, como a
palestiniana – era conhecido das pessoas do Oriente Médio Antigo.[299]
Assim como Deus usou um modo contratual corrente nos dias de Abraão para
entrar em aliança com ele, fez o mesmo no caso dos israelitas lançando mão
da estrutura de um “tratado de suserania”.
Esse tipo de tratado era utilizado entre nações, no caso de uma nação mais
forte exigir obediência de outra nação mais fraca. O mais forte era o
“suserano” e o mais fraco, o “vassalo”. Os termos contratuais visavam a fazer
com que o forte não destruísse o fraco e com que o fraco se submetesse.
Dadas as circunstâncias, o tratado beneficiava os dois lados, visto que o
suserano tinha garantida a sua preeminência e o vassalo, além de não ser
destruído, tinha benefícios previstos no acordo como proteção de inimigos
externos.
Nos dias de Moisés, os hititas usavam desse expediente para entrar em
acordo com outros reinos, principalmente com os arameus.
O tratado de suserania do império Hitita (1450-1200 a.C.) –
contemporâneo do êxodo (1406 a.C.) –, continha os seguintes componentes:
(1) Preâmbulo; (2) prólogo histórico; (3) as estipulações; (4) provisão para
depósito no templo e leitura pública periódica; (5) a lista de deuses como
testemunhas; (6) a fórmula de maldições e bênçãos; (7) o juramento formal
pelo qual o vassalo prometia sua obediência; (8) alguma cerimônia solene
que acompanhava o juramento, ou que fosse um juramento simbólico; (9)
algum tipo de forma para iniciar processo contra um vassalo rebelde.[300]
A aliança mosaica apresenta esse formato. Não é difícil imaginar a imagem
que o Senhor quis produzir na mente dos israelitas:[301] um relacionamento
“susserano-vassalo” em que Deus, depois de livrar Israel da suserania
egípcia, seria agora, ele mesmo, o suserano que governaria a nação de Israel.
[302] Quanto aos israelitas, lhe seriam vassalos obedientes e submissos. É
possível ver esse formato no conjunto completo das leis do Sinai (Ex 20 –
Nm 10) e na renovação da aliança nas planícies de Moabe (Deuteronômio).
Desse modo, o Senhor apresentou os termos da aliança no Sinai:
Preâmbulo: O início do tratado de suserania continha a identificação do
autor do tratado e seu título. Portanto, o Senhor introduz a aliança nos
seguintes termos: “EU SOU O SENHOR, TEU DEUS” (Ex 20.2a).
Prólogo histórico: Recordava-se o relacionamento prévio entre as partes,
o suserano e o vassalo. O Senhor lhes lembra o passado recente: “Que te
tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Ex 20.2b).
Estipulações: Eram as obrigações impostas sobre o vassalo que, no
acordo, eram aceitas por ele. Nesse sentido, o Senhor estipulou o modo
como os israelitas iriam servi-lo, enaltecendo um procedimento reto e
íntegro (Ex 20.3–23.33). Outras estipulações estão em Êxodo 35–39, no
livro de Levítico e em trechos de Números.
Provisão para depósito no templo e leitura pública periódica: Como o
tratado não envolvia somente o rei vassalo, toda a nação vassala deveria
ouvir periodicamente os termos do tratado para se familiarizar com ele e
segui-lo. Quando não estava sendo lido ao povo, o tratado ficava guardado
em um templo, já que, na visão antiga, ele era protegido pelos deuses.
Seguindo esse parâmetro, Deus indicou um local para as tábuas da lei
dentro do tabernáculo: “E PORÁS NA ARCA O TESTEMUNHO, QUE EU TE DAREI.

[...] PORÁS O PROPICIATÓRIO EM CIMA DA ARCA; E DENTRO DELA PORÁS O

TESTEMUNHO, QUE EU TE DAREI” (Ex 25.16,21).[303] Quanto à leitura


periódica,[304] ordenou na porção palestiniana da lei: “ORDENOU-LHES
MOISÉS, DIZENDO: AO FIM DE CADA SETE ANOS, PRECISAMENTE NO ANO DA

REMISSÃO, NA FESTA DOS TABERNÁCULOS, QUANDO TODO O ISRAEL VIER A

COMPARECER PERANTE O SENHOR, TEU DEUS, NO LUGAR QUE ESTE ESCOLHER,

LERÁS ESTA LEI DIANTE DE TODO O ISRAEL” (DT 31.10,11 – ver, também,
v.12,13).[305]
Testemunhas: Uma parte importante desse tratado eram as testemunhas,
normalmente deuses que trariam punições caso o trato fosse quebrado.
Não havendo ninguém maior que o Senhor Deus para agir de testemunha,
ele tomou elementos da criação para essa finalidade: “OS CÉUS E A TERRA

TOMO, HOJE, POR TESTEMUNHAS CONTRA TI, QUE TE PROPUS A VIDA E A MORTE, A

BÊNÇÃO E A MALDIÇÃO; ESCOLHE, POIS, A VIDA, PARA QUE VIVAS, TU E A TUA

DESCENDÊNCIA” (DT 30.19 cf. 31.28).


Fórmula de maldições e bênçãos: Estipulações penais pela quebra do
contrato também faziam parte do acordo. Por outro lado, a obediência
traria vantagens ao vassalo. Levítico 26 atua nesse sentido – como
Deuteronômio 28, na aliança palestiniana. As fórmulas que introduzem as
bênção e maldições condicionadas ao procedimento do povo israelita são:
“SE ANDARDES NOS MEUS ESTATUTOS, GUARDARDES OS MEUS MANDAMENTOS E OS

CUMPRIRDES , ENTÃO, EU VOS DAREI... [...] MAS, SE ME NÃO OUVIRDES E NÃO

CUMPRIRDES TODOS ESTES MANDAMENTOS; SE REJEITARDES OS MEUS ESTATUTOS, E A


VOSSA ALMA SE ABORRECER DOS MEUS JUÍZOS, A PONTO DE NÃO CUMPRIR TODOS

OS MEUS MANDAMENTOS, E VIOLARDES A MINHA ALIANÇA, ENTÃO, EU VOS FAREI

ISTO...” (Lv 26.3,4a; 14-16a – destaque meu).


Juramento formal: As estipulações dadas pelo suserano deviam ser aceitas
oficialmente pelo vassalo e respeitadas sob força de juramento.[306] No
caso da aliança mosaica, o povo se manifestou ao ouvir os termos da
aliança: “VEIO, POIS, MOISÉS E REFERIU AO POVO TODAS AS PALAVRAS DO

SENHOR E TODOS OS ESTATUTOS; ENTÃO, TODO O POVO RESPONDEU A UMA VOZ E

DISSE: TUDO O QUE FALOU O SENHOR FAREMOS” (Ex 24.3 – ver v.7).
Cerimônia solene: Normalmente, uma cerimônia pública acompanhava o
juramento da aliança e conferia a ele um caráter solene. Com Israel não foi
diferente, visto que celebrou a aliança mosaica oferecendo sangue
sacrificial ao Senhor e tendo uma refeição comunitária (Ex 24.1-18).[307]
Processo contra um vassalo rebelde: Quem não se adequasse ao acordo
fechado entre as nações, era de imediato punido. No Sinal, a aliança mal
havia sido celebrada e o povo enveredou no caminho da idolatria fazendo
para si um bezerro de ouro (Ex 32.1-8). A punição declarada pelo Senhor
era extremamente dura: “TENHO VISTO ESTE POVO, E EIS QUE É POVO DE DURA

CERVIZ. AGORA, POIS, DEIXA-ME, PARA QUE SE ACENDA CONTRA ELES O MEU

FUROR, E EU OS CONSUMA; E DE TI FAREI UMA GRANDE NAÇÃO” (Ex 32.9b-10).


Assim teria acontecido se Deus não tivesse atendido o pedido de Moisés
por misericórdia (Ex 32.11-24). Desse modo, apenas os que se
envolveram na idolatria foram mortos (Ex 32.25-29). [308]

RESUMO
:
Celebrada primeiramente no Sinai (1446 a.C.) e repetida nas planícies de
Moabe (c. 1407-1406 a.C.).
Não substituía a aliança abraâmica, nem alterava suas promessas. Apenas
criava condições de desfrute de tais bênçãos.
Regulamentava a vida do povo da aliança (Israel) visando a estabelecer
seu modo de vida e de culto na terra prometida. Outras nações não entram
nesse pacto, a não ser que passassem a fazer parte de Israel.
Por meio da obediência à aliança, dava as condições para o desfrute da
bênção da presença de Deus.
A obediência também traria paz, prosperidade e permanência na terra
prometida para cada geração. A desobediência traria o oposto: guerra,
carestia e exílio.
A condição de obediência não era cumprida por um ritualismo mecânico,
mas por um coração dedicado e ligado ao Senhor, o qual produziria uma
vida onde a justiça dirigiria todos os relacionamentos.[309]
Apesar do caráter permanente da aliança assim que celebrada no Sinai,
deveria ser renovada regularmente e relembrada ao povo, de geração em
geração, pela leitura pública da lei. Cada geração deveria renovar sua
aliança com Deus e assumir para si o compromisso feito pelos seus pais.
O que ela produzia de resultados práticos para os israelitas dependia da
sua obediência ou não à aliança. Desse modo, apesar da aliança ter um
caráter permanente, seu resultado era condicional.
Pressupõe a futura habitação de Israel nos limites plenos da terra
prometida por meio da ação de Jesus, o descendente de Abraão.

3. A aliança davídica
Certo dia, Davi notou o disparate entre a sua habitação, o palácio real em
Jerusalém, e a habitação da arca do Senhor, um tipo de tenda (2Sm 7.1,2).
Imediatamente, Davi se propôs a fazer uma morada melhor para a arca por
meio da construção de um templo que centralizasse a adoração israelita em
Jerusalém,[310] já que nesses dias havia dois tabernáculos, um em Gibeão –
o tabernáculo construído nos dias de Moisés – e outro em Jerusalém – que
Davi construiu para colocar a arca que estava em Quiriate-Jearim.[311]
Em lugar de o Senhor aceitar a casa de presente, ele fez o oposto. E mais:
prometeu uma casa para Davi: “DAR-TE-EI, PORÉM, DESCANSO DE TODOS OS TEUS
INIMIGOS; TAMBÉM O SENHOR TE FAZ SABER QUE ELE, O SENHOR, TE FARÁ CASA” (2Sm
7.11b – destaque meu). Diante disso, ficou claro a Davi e aos leitores do livro
de Samuel que o reinado de Davi não seria estabelecido pelo que ele poderia
fazer para Deus, mas pelo que Deus faria por ele.[312]
Ao prometer a Davi uma casa, o Senhor não se referiu a uma construção,
visto que o próprio texto revela a propriedade de uma boa casa real: “Disse o
rei [Davi] ao profeta Natã: Olha, EU MORO EM CASA DE CEDROS” (2Sm 7.2a –
destaque meu). Sendo assim, o Senhor se referiu a uma “dinastia real”. Se a
aliança abraâmica prometeu aos israelitas uma “terra”, a aliança
davídica[313] prometeu a Davi e ao povo de Israel um “trono” e uma
“descendência real”: “FIZ ALIANÇA COM O MEU ESCOLHIDO E JUREI A DAVI, MEU
SERVO: PARA SEMPRE ESTABELECEREI A TUA POSTERIDADE E FIRMAREI O TEU TRONO DE
GERAÇÃO EM GERAÇÃO” (Sl 89.3,4 – destaque meu). Na verdade, essa aliança
nada mais é do que uma especificação da aliança abraâmica, já que ela já
havia anunciado a existência de uma monarquia israelita.
Sendo assim, a aliança davídica também não substitui a abraâmica, mas se
soma a ela no que tange à liderança política de Israel. Se a aliança abraâmica
previu reis (Gn 17.6,16) vindos da tribo de Judá (Gn 49.10), a aliança do
Senhor com Davi identificou a linhagem davídica como a dinastia específica
pela qual o reino israelita seria dirigido. O que há de marcante nessa
promessa é a duração desse reinado, pois seria “perpétuo”, assim como a
posse da terra prometida a Abraão.
A recusa divina de receber de Davi a construção de um templo – isso só
ocorreu no reinado de Salomão, filho de Davi – serviu para frisar que a
aliança davídica não era uma troca de favores, mas uma promessa unilateral
iniciada pelo próprio Senhor de maneira incondicional, ou seja, não dependia
de condições humanas para que fosse levada a cabo. Assim, depois de dizer
“te farei casa”, Deus continuou: “Quando teus dias se cumprirem e
descansares com teus pais, então, FAREI LEVANTAR DEPOIS DE TI O TEU
DESCENDENTE, QUE PROCEDERÁ DE TI, E ESTABELECEREI O SEU REINO. ESTE EDIFICARÁ
UMA CASA AO MEU NOME, E EU ESTABELECEREI PARA SEMPRE O TRONO DO SEU REINO”
(2Sm 7.12,13 – destaque meu).
Certamente, a parte menos importante desse trecho é a que mais chama
atenção: “Este edificará uma casa ao meu nome”. Entretanto, esse não é o
centro dessa aliança. Deus mesmo frisou a verdade de que ele nunca habitou
em uma casa entre os israelitas, mas sempre andou entre eles no tabernáculo
(2Sm 7.6). Apesar disso, o filho de Davi realizaria esse empreendimento que
Davi desejou. Se o templo não era o centro da aliança, qual era?
A resposta tem a ver com a descendência real de Davi. Deus garantiu ao rei
que levantaria seu descendente e “estabeleceria o seu reino”. Diferente do que
ocorreu a Saul, o reinado de Israel não passaria a outra dinastia. E mais: Deus
estabeleceria “para sempre o trono do seu reino”. Essa é a garantia
incondicional de um trono “perpetuo” da linhagem davídica.
Apesar da incondicionalidade da promessa, um fator condicional está
presente, nem tanto pela promessa do trono em si, mas por apontar para
pessoas israelitas que estavam sob o tratamento condicional da aliança
mosaica. Assim, o Senhor fala do filho de Davi algo que vale para toda a
linhagem: “EU LHE SEREI POR PAI, E ELE ME SERÁ POR FILHO; SE VIER A TRANSGREDIR,
CASTIGÁ-LO-EI COM VARAS DE HOMENS E COM AÇOITES DE FILHOS DE HOMENS” (2Sm
7.14 – destaque meu). O que o Senhor faz aqui nada mais é que reafirmar as
maldições da aliança mosaica pela desobediência (ver Lv 26 e Dt 28).[314]
Entretanto, apesar do tratamento condicional da aliança mosaica, o
benefício da aliança davídica – a garantia do “trono perpétuo” – jamais seria
esquecido ou rejeitado, pelo que Deus garante na sequência: “Mas a minha
misericórdia se não apartará dele, como a retirei de Saul, a quem tirei de
diante de ti. Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante
de ti; teu trono será estabelecido para sempre” (2Sm 7.15,16). Essa é a
garantia de que até o final da história da humanidade haverá um descendente
real da casa de Davi e um trono em Israel onde esse rei exercerá seu poder
governamental.
Essa mesma dinâmica – punição dos indivíduos pecadores da dinastia da
aliança, mas a garantia do trono e do reino perpetuamente – se vê no Salmo
89. Ele anuncia a punição dos reis pecadores: “SE OS SEUS FILHOS DESPREZAREM
A MINHA LEI E NÃO ANDAREM NOS MEUS JUÍZOS, SE VIOLAREM OS MEUS PRECEITOS E
NÃO GUARDAREM OS MEUS MANDAMENTOS, ENTÃO, PUNIREI COM VARA AS SUAS
TRANSGRESSÕES E COM AÇOITES, A SUA INIQUIDADE” (Sl 89.30-32). Entretanto,
garante:

MAS JAMAIS RETIRAREI DELE A MINHA BONDADE, NEM DESMENTIREI A MINHA FIDELIDADE. NÃO VIOLAREI A MINHA ALIANÇA, NEM

MODIFICAREI O QUE OS MEUS LÁBIOS PROFERIRAM. UMA VEZ JUREI POR MINHA SANTIDADE (E SEREI EU FALSO A DAVI?): A SUA

POSTERIDADE DURARÁ PARA SEMPRE, E O SEU TRONO, COMO O SOL PERANTE MIM. ELE SERÁ ESTABELECIDO PARA SEMPRE COMO A LUA E

FIEL COMO A TESTEMUNHA NO ESPAÇO (SL 89.33-37 CF. V.3,4,28,29 – DESTAQUE MEU).

O Antigo Testamento vê a aliança davídica se cumprir plenamente em um


rei especial, nascido em Belém, “CUJAS ORIGENS SÃO DESDE OS TEMPOS ANTIGOS,
DESDE OS DIAS DA ETERNIDADE” (Mq 5.2). Ele viria somente depois de a
linhagem de Davi ser, de fato, punida conforme a própria prescrição da
aliança[315] – Miquéias 5.1 diz: “pôr-se-á sítio contra nós; ferirão com a vara
a face do juiz de Israel”.
Tendo o cumprimento de Miquéias 5.1 ocorrido em 587 a.C. com o
destronamento de Zedequias, o último rei da casa de Davi a reinar em Israel,
o Novo Testamento identifica Jesus como o herdeiro do trono davídico e
garante seu futuro reinado na mesma função ocupada por antecessor, o rei
Davi, pelo que o anjo garante a Maria: “ESTE SERÁ GRANDE E SERÁ CHAMADO
FILHO DO ALTÍSSIMO; DEUS, O SENHOR, LHE DARÁ O TRONO DE DAVI, SEU PAI” (LC
1.32).
Para que não se confunda o caráter desse reinado, o anjo completa: “Ele
reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim” (Lc
1.33). Esse é o pleno cumprimento da aliança davídica. Se hoje não há um rei
da dinastia de Davi reinando em Jerusalém sobre a nação de Israel, é por
causa do tratamento condicional disciplinar que essa aliança previu. Mas a
garantia do trono existe e, no momento que Deus preparou para tanto, Jesus
retornará e assumirá seu lugar no trono de Davi cumprindo a aliança de
caráter perpétuo.
O momento desse cumprimento é vislumbrado em um momento que, para
nós, ainda é futuro: “O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes
vozes, dizendo: O REINO DO MUNDO SE TORNOU DE NOSSO SENHOR E DO SEU CRISTO,
E ELE REINARÁ PELOS SÉCULOS DOS SÉCULOS” (Ap 11.5). O fato de essas vozes
dizerem que o reino “se tornou”[316] indica que eles não se referem ao
reinado eterno e soberano do Senhor sobre o universo, mas de um reinado
específico que ele não teve sempre e que, na verdade, ainda não assumiu. Por
isso, a ação seguinte se vê no tempo futuro mesmo da perspectiva daqueles
dias: “e ele REINARÁ PELOS SÉCULOS DOS SÉCULOS” (AP 11.5B – DESTAQUE MEU).

RESUMO
:

Celebrada no Monte Sião (Jerusalém).


Iniciada por Deus e garantida unilateralmente por Ele.
Promessa de uma dinastia contínua e de um herdeiro eterno especialmente
prenunciado, cujo caráter divino promoverá um reinado de justiça plena.
Promessa de um trono perpétuo cujo reino, também perpétuo, é a nação de
Israel, a qual Davi governou.
O rei eterno, da dinastia de Davi, exercerá, também, preeminência sobre
as nações.[317]
Tratamento condicional aos indivíduos da dinastia, com promessa de
disciplina temporal para os reis que pecassem conforme as prescrições da
aliança mosaica.
Aliança de caráter incondicional.
Pressupõe o futuro reinado de Jesus, o descendente de Davi, sobre Israel
restaurado e assentado na terra prometida.

4. A nova aliança

Por fim, a última aliança anunciada no Antigo Testamento é a “nova


aliança”. Esse termo foi cunhado no livro de Jeremias, mas está presente na
pena de vários profetas. Para entender a nova aliança, é necessário entender a
dinâmica da promessa de purificação de Israel seguida do estabelecimento
pleno e definitivo da nação na terra prometida e sob o trono prometido.
Já falamos sobre esse estabelecimento de Israel quando nos referimos ao
Dia do Senhor. Mediante a punição das nações, o Senhor traria estabilidade
aos israelitas: “Porque o Dia do SENHOR ESTÁ PRESTES A VIR SOBRE TODAS AS
NAÇÕES. [...] MAS, NO MONTE SIÃO, HAVERÁ LIVRAMENTO; O MONTE SERÁ SANTO; E
OS DA CASA DE JACÓ POSSUIRÃO AS SUAS HERDADES” (Ob 15a,17 – destaque meu).
Contudo, esse anúncio primário foi acrescido de certa dinâmica para seu
cumprimento, a qual envolve a prévia punição do pecado de Israel antes haja
o restabelecimento não apenas territorial, mas também relacional, na qual a
comunhão com Deus será verdadeira.[318] Isso se pode ver em Isaías 2.[319]
O Senhor promete um futuro restaurado e glorioso para Israel e para o mundo
por meio de Israel:

NOS ÚLTIMOS DIAS, ACONTECERÁ QUE O MONTE DA CASA DO SENHOR SERÁ ESTABELECIDO NO CIMO DOS MONTES E SE ELEVARÁ

SOBRE OS OUTEIROS, E PARA ELE AFLUIRÃO TODOS OS POVOS. IRÃO MUITAS NAÇÕES E DIRÃO: VINDE, E SUBAMOS AO MONTE DO

SENHOR E À CASA DO DEUS DE JACÓ, PARA QUE NOS ENSINE OS SEUS CAMINHOS, E ANDEMOS PELAS SUAS VEREDAS; PORQUE DE SIÃO

SAIRÁ A LEI, E A PALAVRA DO SENHOR, DE JERUSALÉM. ELE JULGARÁ ENTRE OS POVOS E CORRIGIRÁ MUITAS NAÇÕES; ESTAS

CONVERTERÃO AS SUAS ESPADAS EM RELHAS DE ARADOS E SUAS LANÇAS, EM PODADEIRAS; UMA NAÇÃO NÃO LEVANTARÁ A ESPADA

CONTRA OUTRA NAÇÃO, NEM APRENDERÃO MAIS A GUERRA (IS 2.2-4).


Porém, as condições de Israel nos dias de Isaías não condizem com a
realidade da promessa futura, pois o povo é injusto, idólatra (Is 2.6-8). Por
isso, o juízo do Senhor também punirá os israelitas incrédulos e pecadores,
cheios de orgulho e de malícia (Is 2.9-22). Por esta razão, o estabelecimento
pleno sempre é anunciado na forma de um livramento e de uma restauração.
O pecado de Israel lhes produz, pela aliança mosaica, um inevitável juízo.
Assim, o profetas primeiro anunciam o juízo nacional – pela
condicionalidade da aliança mosaica – e depois, para consolo e esperança do
remanescente fiel, anunciam a restauração da nação na terra prometida – pela
incondicionalidade da aliança abraâmica. Como a aliança davídica também é
incondicional e está diretamente ligada à abraâmica, os profetas também
anunciam, mediante a restauração nacional, o estabelecimento do trono justo,
santo e perpétuo do rei eterno. QUE FONTE MARAVILHOSA DE CONSOLO E
ESPERANÇA!
A restauração geopolítica, entretanto, não pode acontecer sem que haja
uma restauração espiritual de ordem nacional. Não há bênçãos para uma
nação rebelde, orgulhosa e distante de Deus. Por isso, a promessa de Isaías
2.2-4 é seguida do convite: “VINDE, Ó CASA DE JACÓ, E ANDEMOS NA LUZ DO
SENHOR” (Is 2.5 – destaque meu). Essa dinâmica está presente na mensagem
de vários profetas.
Nesse mesmo contexto, o profeta Jeremias, em meio à mensagem de uma
punição iminente por meio da destruição de Jerusalém e do desterro dos
israelitas, apresenta a mensagem de esperança em uma redenção e
restauração plena a acontecer no futuro, promovendo um novo modo de
relacionamento entre Israel e Deus.[320] Essa mensagem vem no formato de
uma aliança do Senhor com Israel: “Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que
firmarei NOVA ALIANÇA COM A CASA DE ISRAEL E COM A CASA DE JUDÁ” (Jr 31.31 –
destaque meu). As primeiras perguntas a serem feitas são “por que NOVA
aliança?” e “se essa é a nova, qual é, então, a velha?”. Felizmente, o contexto
irá responder essas duas justas indagações.
A sequência imediata explica a categoria dessa aliança: “NÃO CONFORME A
ALIANÇA QUE FIZ COM SEUS PAIS, NO DIA EM QUE OS TOMEI PELA MÃO, PARA TIRÁ-LOS
DA TERRA DO EGITO; PORQUANTO ELES ANULARAM A MINHA ALIANÇA, NÃO OBSTANTE
EU OS HAVER DESPOSADO, DIZ O SENHOR” (Jr 31.32). Essa é uma descrição da
aliança mosaica, celebrada com os israelitas retirados do Egito e levados para
o Sinai. Ao afirmar que a nova aliança é diferente aliança feita com os pais,
entende-se que a nova aliança é uma contraposição – “Não conforme a
aliança...” – à aliança mosaica, a qual é envelhecida pelo surgimento da
nova: “QUANDO ELE DIZ NOVA [ALIANÇA], TORNA ANTIQUADA A PRIMEIRA. ORA,
AQUILO QUE SE TORNA ANTIQUADO E ENVELHECIDO ESTÁ PRESTES A DESAPARECER”
(Hb 8.13).
Se até aqui fica claro que a nova aliança substitui a aliança mosaica,
somente na sequência é especificado o modo e o objeto dessa substituição. Se
Jeremias 31.32 diz que os israelitas debaixo da aliança mosaica “ANULARAM A
MINHA ALIANÇA, não obstante eu os haver desposado”, a sequência oferece o
modo como Deus reverterá esse afastamento na nova aliança: “PORQUE ESTA É
A ALIANÇA QUE FIRMAREI COM A CASA DE ISRAEL, DEPOIS DAQUELES DIAS, DIZ O
S ENHOR : NA MENTE, LHES IMPRIMIREI AS MINHAS LEIS, TAMBÉM NO CORAÇÃO LHAS
INSCREVEREI; EU SEREI O SEU DEUS, E ELES SERÃO O MEU POVO” (Jr 31.33). Sendo
assim, a apostasia será substituída por uma atitude de fidelidade a Deus.[321]
A cobrança divina de obediência permanece, mas Deus lhes concede a
obediência, ATENDENDO À NECESSIDADE DO HOMEM PECADOR EXPRESSA NA ORAÇÃO
DE AGOSTINHO: “CONCEDE-NOS O QUE NOS ORDENAS, E ORDENA O QUE QUISERES”.
[322]
A lei mosaica teve seu início gravado em tábuas de pedras (Ex 32.15,16).
Elas continham um código legal justo que o povo não guardou, trazendo
sobre si condenação. Por fim, o efeito prático da velha aliança sobre o
homem foi trazer conhecimento do pecado (Rm 3.20; 7.7), suscitar a ira de
Deus (Rm 4.15), fazer avultar a ofensa (Rm 5.20) e produzir morte (Rm
7.10), pelo que também foi chamada de “ministério da morte gravado com
letras em pedras” (2Co 3.7). Seria a lei ruim? Não, mas o pecado que há no
homem torna a lei inútil para salvar quem quer que seja:

ACASO O BOM SE ME TORNOU EM MORTE? DE MODO NENHUM! PELO CONTRÁRIO, O PECADO, PARA REVELAR-SE COMO PECADO,

POR MEIO DE UMA COISA BOA, CAUSOU-ME A MORTE, A FIM DE QUE, PELO MANDAMENTO, SE MOSTRASSE SOBREMANEIRA
MALIGNO. PORQUE BEM SABEMOS QUE A LEI É ESPIRITUAL; EU, TODAVIA, SOU CARNAL, VENDIDO À ESCRAVIDÃO DO PECADO (RM

7.13,14).
[323]

Se essa é uma doutrina clara no Novo Testamento, é também uma


realidade visível e marcante no Antigo, pois, apesar dos convites à vida (Dt
30.19),[324] os israelitas “anularam a minha aliança” (Jr 31.32). Para
produzir algo diferente disso, o Senhor deixará de lado a lei gravada com
letras em pedra e “na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no
coração lhas inscreverei” (Jr 31.33). Essa é uma descrição figurada de uma
transformação pessoal e espiritual, algo que chamamos “conversão”.
O que Deus quis dizer foi que, já que por obediência voluntária os
israelitas não se achegaram à ele, então ele mesmo os transformaria e
produziria servos verdadeiros ao lhes dar uma nova natureza, contrária ao
pecado, ao orgulho e à rebeldia. O Senhor trabalharia na fonte a fim de
aproximar a si o Israel que se perdeu no pecado. Assim, “o Senhor exige que
seu povo se arrependa dos seus pecados [...], mas ele fornece a graça
necessária para fazer isso”.[325]
O resultado final será não apenas conversão de israelitas, mas conversão de
todo o povo a Deus, de modo que não haverá mais um “remanescente fiel”,
[326] mas uma nação fiel: “Não ensinará jamais cada um ao seu próximo,
nem cada um ao seu irmão, dizendo: CONHECE AO SENHOR, PORQUE TODOS ME
CONHECERÃO, DESDE O MENOR ATÉ AO MAIOR DELES, DIZ O SENHOR. POIS PERDOAREI AS
SUAS INIQUIDADES E DOS SEUS PECADOS JAMAIS ME LEMBRAREI” (Jr 31.34). No
cumprimento dessa promessa há, também, a restauração da nação como tal a
ponto de reverter os efeitos da desobediência na forma das maldições
previstas na lei. Sendo assim, se tivéssemos que resumir o centro da
promessa da nova aliança, esta seria “conversão e restauração nacional de
Israel”.
Essa é uma aliança incondicional, pois não olha para a desobediência e
incredulidade dos israelitas, mas para a fidelidade de Deus à sua palavra
empenhada para produzir os resultados finais:
“ASSIM DIZ O SENHOR, QUE DÁ O SOL PARA A LUZ DO DIA E AS LEIS FIXAS À LUA E ÀS ESTRELAS PARA A LUZ DA NOITE, QUE AGITA

O MAR E FAZ BRAMIR AS SUAS ONDAS; SENHOR DOS EXÉRCITOS É O SEU NOME. SE FALHAREM ESTAS LEIS FIXAS DIANTE DE MIM, DIZ O

SENHOR, DEIXARÁ TAMBÉM A DESCENDÊNCIA DE ISRAEL DE SER UMA NAÇÃO DIANTE DE MIM PARA SEMPRE. ASSIM DIZ O SENHOR: SE

PUDEREM SER MEDIDOS OS CÉUS LÁ EM CIMA E SONDADOS OS FUNDAMENTOS DA TERRA CÁ EMBAIXO, TAMBÉM EU REJEITAREI TODA A

DESCENDÊNCIA DE ISRAEL, POR TUDO QUANTO FIZERAM, DIZ O SENHOR” (JR 31.35-37).

Sendo assim, toda a promessa de restauração espiritual da nação de Israel


tem relação com a nova aliança. Nesse sentido, Ezequiel 36 tem um lugar
especial na compreensão dessa aliança.[327] Com uma dinâmica semelhante
à de Isaías 2, em que a restauração futura passa por um julgamento presente,
Deus promete: “ASPERGIREI ÁGUA PURA SOBRE VÓS, E FICAREIS PURIFICADOS; DE
TODAS AS VOSSAS IMUNDÍCIAS E DE TODOS OS VOSSOS ÍDOLOS VOS PURIFICAREI” (EZ
36.25). A FIGURA DA ÁGUA PROVÊ A IDEIA DA PURIFICAÇÃO DOS PECADOS DOS
ISRAELITAS,[328] produzindo, também, justificação.
Unido a isso, está a ideia da conversão e transformação: “Dar-vos-ei
coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de
pedra e vos darei coração de carne” (Ez 36.26). Até mesmo traços da
conversão vivenciada pela Igreja atualmente se farão ver em Israel como a
habitação do Espírito Santo e a santificação de vida: “Porei dentro de vós o
meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e
os observeis” (Ez 36.27). Essa é a descrição de uma conversão e uma
transformação espiritual.
Joel 2 também enfatiza o caráter espiritual da futura restauração israelita.
Depois de anunciar a vinda do Dia do Senhor e de, mediante a mensagem de
juízo, convidar a um arrependimento verdadeiro, fruto de quebrantamento de
coração, o Senhor anuncia “a inauguração de uma nova era no
relacionamento de Deus com seu povo”:[329]

E ACONTECERÁ, DEPOIS, QUE DERRAMAREI O MEU ESPÍRITO SOBRE TODA A CARNE; VOSSOS FILHOS E VOSSAS FILHAS

PROFETIZARÃO, VOSSOS VELHOS SONHARÃO, E VOSSOS JOVENS TERÃO VISÕES; ATÉ SOBRE OS SERVOS E SOBRE AS SERVAS DERRAMAREI O

MEU ESPÍRITO NAQUELES DIAS. MOSTRAREI PRODÍGIOS NO CÉU E NA TERRA: SANGUE, FOGO E COLUNAS DE FUMAÇA. O SOL SE

CONVERTERÁ EM TREVAS, E A LUA, EM SANGUE, ANTES QUE VENHA O GRANDE E TERRÍVEL DIA DO SENHOR. E ACONTECERÁ QUE TODO
AQUELE QUE INVOCAR O NOME DO SENHOR SERÁ SALVO; PORQUE, NO MONTE SIÃO E EM JERUSALÉM, ESTARÃO OS QUE FOREM SALVOS,

COMO O SENHOR PROMETEU; E, ENTRE OS SOBREVIVENTES, AQUELES QUE O SENHOR CHAMAR (JL 2.28-32).

A bênção espiritual da nova aliança, porém, não é desatrelada da concessão


de bênçãos temporais como a reunião dos israelitas espalhados pelo mundo
em consequência das maldições da lei na terra que lhes foi prometida. Isso
fica claro ao olharmos o texto anterior e o texto posterior de Ezequiel 36.25-
27, em que a conversão nacional é prometida: “Tomar-vos-ei de entre as
nações, e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra.
[...] Habitareis na terra que eu dei a vossos pais; vós sereis o meu povo, e eu
serei o vosso Deus” (Ez 36.24,28).
Joel faz o mesmo, ao dizer: “EIS QUE, NAQUELES DIAS E NAQUELE TEMPO, EM
QUE MUDAREI A SORTE DE JUDÁ E DE JERUSALÉM. [...] JUDÁ, PORÉM, SERÁ HABITADA
PARA SEMPRE, E JERUSALÉM, DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO” (Jl 3.1,20).
também Jeremias o faz: “Eis que os trarei da terra do Norte e os
congregarei das extremidades da terra; e, entre eles, também os cegos e
aleijados, as mulheres grávidas e as de parto; em grande congregação,
voltarão para aqui. Virão com choro, e com súplicas os levarei; guiá-los-ei
aos ribeiros de águas, por caminho reto em que não tropeçarão; porque sou
pai para Israel, e Efraim é o meu primogênito” (Jr 31.8,9). Na verdade, no
retorno à terra Jeremias vê a restauração das bênçãos de modo amplo:

O POVO DE DEUS TERIA CURA ESPIRITUAL E DESFRUTARIA DAS BÊNÇÃOS DIVINAS DE PAZ E PROSPERIDADE. OS ISRAELITAS DO

NORTE E DO SUL VOLTARIAM À TERRA (30.10; 31.27; 33.7) E SE ALEGRARIAM COM COLHEITAS FRUTÍFERAS E REBANHOS E MANADAS

ABUNDANTES (31.4,5,24; 33.10-13). OS NORTISTAS IRIAM DE BOA VONTADE A JERUSALÉM (31.6) PARA CELEBRAR AS BÊNÇÃOS DO

SENHOR (31.12-14). TENDO RECEBIDO PERDÃO (33.6,8), OS EX-EXILADOS JÁ NÃO LAMENTARIAM QUE ESTAVAM SENDO FORÇADOS A

SOFRER PELOS PECADOS DOS SEUS PAIS, MAS RECONHECERIAM QUE DEUS TRATA COM JUSTIÇA OS HOMENS EM BASE INDIVIDUAL

(31.29,30 CF. EZ 18.1-32).


[330]

É fácil perceber a relação da nova aliança com a aliança abraâmica


(promessa da posse perpetua da terra prometida), de modo que o
cumprimento da nova garante o cumprimento da abraâmica. Na verdade, não
coincidentemente nesse momento também se cumprirá a aliança davídica
(trono perpétuo do descendente de Davi), pois tanto a conversão como o
retorno à terra se dão debaixo da atuação do rei prometido e esperado: “E tu,
Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá,
de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade. [...] Ele se manterá firme e
apascentará o povo na força do Senhor, na majestade do nome do Senhor,
seu Deus; e eles habitarão seguros, porque, agora, será ele engrandecido até
aos confins da terra” (Mq 5.2,4 cf. Ez 34.23,24 – destaque meu).
Por fim, Ezequiel aglutina o cumprimento das três alianças ao prometer
conversão, posse da terra em um reino unificado sob o rei davídico – a quem
Ezequiel chama Davi – apontando, assim, para a restauração da dinastia
davídica:[331]

DIZE-LHES, POIS: ASSIM DIZ O SENHOR DEUS: EIS QUE EU TOMAREI OS FILHOS DE ISRAEL DE ENTRE AS NAÇÕES PARA ONDE ELES

FORAM, E OS CONGREGAREI DE TODAS AS PARTES, E OS LEVAREI PARA A SUA PRÓPRIA TERRA. FAREI DELES UMA SÓ NAÇÃO NA TERRA,

NOS MONTES DE ISRAEL, E UM SÓ REI SERÁ REI DE TODOS ELES. NUNCA MAIS SERÃO DUAS NAÇÕES; NUNCA MAIS PARA O FUTURO SE

DIVIDIRÃO EM DOIS REINOS. NUNCA MAIS SE CONTAMINARÃO COM OS SEUS ÍDOLOS, NEM COM AS SUAS ABOMINAÇÕES, NEM COM

QUALQUER DAS SUAS TRANSGRESSÕES; LIVRÁ-LOS-EI DE TODAS AS SUAS APOSTASIAS EM QUE PECARAM E OS PURIFICAREI. ASSIM, ELES

SERÃO O MEU POVO, E EU SEREI O SEU DEUS. O MEU SERVO DAVI REINARÁ SOBRE ELES; TODOS ELES TERÃO UM SÓ PASTOR, ANDARÃO

NOS MEUS JUÍZOS, GUARDARÃO OS MEUS ESTATUTOS E OS OBSERVARÃO. HABITARÃO NA TERRA QUE DEI A MEU SERVO JACÓ, NA QUAL

VOSSOS PAIS HABITARAM; HABITARÃO NELA, ELES E SEUS FILHOS E OS FILHOS DE SEUS FILHOS, PARA SEMPRE; E DAVI, MEU SERVO, SERÁ

SEU PRÍNCIPE ETERNAMENTE. FAREI COM ELES ALIANÇA DE PAZ; SERÁ ALIANÇA PERPÉTUA.
[332] ESTABELECÊ-LOS-EI, E OS
MULTIPLICAREI, E POREI O MEU SANTUÁRIO NO MEIO DELES, PARA SEMPRE (EZ 37.21-26 – DESTAQUE MEU).

RESUMO:

A ser celebrada no futuro com o povo de Israel.[333]


É uma aliança diferente da aliança mosaica no sentido de produzir pela
graça os resultados que a obediência à lei não produziu. Sendo assim,
substitui a aliança mosaica.
Foi iniciada por Deus e é garantida por ele.
Garantirá o cumprimento da promessa da posse perpétua da terra,
envolvendo uma reunião na terra prometida dos israelitas que estão
dispersos pelo mundo.
É cumprida no e pelo rei que se levantará em cumprimento à aliança
davídica.
Dará a Israel uma nova relação com Deus por meio da conversão e do
perdão de pecados promovidos pelo Senhor.
É uma aliança de caráter incondicional.
Pressupõe a futura conversão nacional de Israel e seu retorno e posse da
terra prometida pela instrumentalidade de Jesus.

_____________

PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO

1. Qual é a contribuição do Antigo Testamento para a doutrina reformada da


eleição?
2. Por que Deus escolheu Israel para ser-lhe um povo particular?
3. O que são alianças no Antigo Testamento?
4. Que aliança prevê salvação para pessoas de todas as nações e por que meio
ela previu tal benefício?
Qual é a relação entre a igreja dos nossos dias e a aliança mosaica?
Conclusão

LÂMPADA PARA OS MEUS PÉS É A TUA PALAVRA E LUZ PARA OS MEUS


CAMINHOS (Sl 119.105).

DIANTE DOS FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO


Antigo Testamento, percebemos a importância do
seu uso pessoal e eclesiástico como produtor de três benefícios fundamentais
ao cristianismo: conhecimento, santificação, felicidade, e devoção. É
marcante o modo como tais benefícios transparecem no Salmo 119.
Em termos de conhecimento, a Palavra de Deus é alvo do estudo e da
reflexão do salmista: “MEDITAREI NOS TEUS PRECEITOS E ÀS TUAS VEREDAS TEREI
RESPEITO” (SL 119.15). Conforme o que diz o apóstolo Paulo, o conhecimento
da palavra inspirada por Deus se mostra “útil” (2Tm 3.16,17), fazendo com o
que homem que se dedica a encontrar o conhecimento revelado por Deus seja
afastado daquilo que é mal: “Por meio dos teus preceitos, consigo
entendimento; por isso, detesto todo caminho de falsidade” (Sl 119.104). Um
benefício como esse é preciso a ponto de se tornar o desejo e a oração do
servo de Deus: “Sou teu servo; dá-me entendimento, para que eu conheça os
teus testemunhos” (Sl 119.125).
Como promotora de santificação, a Palavra de Deus produz pureza no
servo ao apontar, segundo os padrões de Deus, o que é moralmente correto e
o que é injusto: “De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu
caminho? Observando-o segundo a tua palavra” (Sl 119.9). Desse modo, o
estudo e a retenção da mensagem bíblica se revelam uma ferramenta
incomparável na busca da comunhão com Deus pelo afastamento do pecado:
“Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti” (Sl 119.11).
Tais palavras promovem santificação ao guardar o servo de Deus de se
apegar aos pecadores e à iniquidade: “VI OS INFIÉIS E SENTI DESGOSTO, PORQUE
NÃO GUARDAM A TUA PALAVRA. [...] ABOMINO E DETESTO A MENTIRA; PORÉM AMO A
TUA LEI” (SL 119.158,163 – destaque meu).
A Palavra de Deus também promove verdadeira felicidade ao guardar o
fiel dos caminhos destrutivos do pecado fornecendo a verdadeira sabedoria –
não aquela enaltecida pelo mundo e que tem suas fontes no orgulho e no
egoísmo, mas aquela da perspectiva de Deus que olha o homem como um
todo, assim como a história e a eternidade: “OS TEUS MANDAMENTOS ME FAZEM
MAIS SÁBIO QUE OS MEUS INIMIGOS; PORQUE, AQUELES, EU OS TENHO SEMPRE COMIGO.
[...] SOU MAIS PRUDENTE QUE OS IDOSOS, PORQUE GUARDO OS TEUS PRECEITOS. DE
TODO MAU CAMINHO DESVIO OS PÉS, PARA OBSERVAR A TUA PALAVRA” (SL
119.98,100,101 – destaque meu). Além de evitar danos que levam à tristeza e
à perda da paz, a revelação de Deus, por si só, produz verdadeira felicidade
ao fornecer ao homem a esperança de um futuro pleno de alegria junto a
Deus por meios das promessas feitas pelo Senhor: “Alegro-me nas tuas
promessas, como quem acha grandes despojos” (Sl 119.162). Desse modo, a
plena felicidade que aguarda os que verão a eterna salvação que vem de Deus
é experimentada no presente por meio das Escrituras: “Suspiro, SENHOR, POR
TUA SALVAÇÃO; A TUA LEI É TODO O MEU PRAZER” (SL 119.174).
Em termos de devoção, o louvor a adoração ao Senhor estão diretamente
ligados à contemplação de Deus por meio do que revelou ao homem:
“Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver aprendido os
teus retos juízos” (Sl 119.7). Isso acontece porque a perfeição de Deus se
deixa ver na perfeição da revelação: “Tenho visto que toda perfeição tem seu
limite; mas o teu mandamento é ilimitado” (Sl 119.96). Portanto, o salmista
se dedica a louvar o Senhor por tudo o que aprendeu sobre ele: “Profiram
louvor os meus lábios, pois me ensinas os teus decretos” (Sl 119.171). Tal
conhecimento é a alavanca indispensável para que o homem cumpra seu
propósito de glorificar o criador eterno e soberano: “Viva a minha alma para
louvar-te; AJUDEM-ME OS TEUS JUÍZOS” (Sl 119.175 – destaque meu).
Quando o salmista enalteceu as Escrituras desse modo, o material que
tinha em mãos era parte do Antigo Testamento. Mesmo assim, todos esses
benefícios foram nele produzidos. Jesus e os crentes do Novo Testamento
encontraram as mesmas bênçãos no uso do Antigo Testamento (Lc 24.27; Jo
5.39,45-47; At 8.32-35; 17.11; 2Tm 3.14-17). Os pais da igreja ensinaram e
adoraram a Deus com o que extraíam desse preciso material.
Sendo assim, a igreja brasileira do século 21 também tem muito a ser
edificada por meio dos escritos dos servos de Deus do passado. Em meio às
incontáveis distorções do presente, tanto sobre os atributos e prerrogativas de
Deus como do papel do seu povo em um mundo perdido e em franco
processo de corrupção, o estudo sadio e a correta compreensão da mensagem
do Antigo Testamento, ao lado do Novo, se fazem fundamentais para a
formação de uma igreja que cumpra sua função régia de ser “raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de
proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz” (1Pe 2.9).
Bibliografia Consultada

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YOUNGBLOOD, Ronald. The Heart of the Old Testament. Grand Rapids: Baker
Book House, 1989.
ZUCK, Roy. Teologia do Antigo Testamento. Traduzido por Luís Aron de
Macedo. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.
Bibliografia de Consulta Sugerida

Em notas de rodapé sugerimos leituras de alguns livros ou trechos de livros


de acordo com temas tratados ao longo do livro. As sugestões abaixo são de
bons livros que têm capacidade de dar ao leitor uma boa visão do Antigo
Testamento e da sua teologia.

ARCHER JR, Gleason Leonard. Merece Confiança o Antigo Testamento?


Edições Vida Nova.
HILL, ANDREW E., E JOHN H. WALTON.
Panorama do Antigo Testamento. Editora Vida.
HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. Editora Vida.
MERRILL, Eugene. História de Israel no Antigo Testamento. CPAD.
_______. Teologia do Antigo Testamento. Shedd Publicações.
PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento. Editora Hagnos.
ZUCK, Roy. Teologia do Antigo Testamento. CPAD.

[1] Walter Kaiser Jr., Pregando e Ensinando a partir do


Antigo Testamento, p. 22-23.
[2] Essa citação se refere apenas ao Antigo Testamento,
pois é retirada de uma obra que trata da história do
Antigo Testamento. Apesar disso, tanto a visão do
autor da citação como a do autor desse livro é que o
mesmo vale para o Novo Testamento.
[3] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 3.
[4] Seriatim é uma palavra latina cujo significado é “em
série”, apontando para uma exposição sequencial de
todo o material.
[5] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
46. Vale a pena analisar a observação de Gerhard
Hasel, Old Testament Theology, p. 195-196, que diz:
“Deve-se enfatizar que os teólogos bíblicos e os
teólogos sistemáticos não competem uns com os
outros. Sua função é complementar. Ambos precisam
trabalhar lado a lado, aproveitando um do outro. O
teólogo bíblico apresenta categorias bíblicas, temas,
motivos e conceitos, que, em contraste com as “idéias
claras e distintas” do teólogo sistemático, às vezes não
são tão claras e distintas. Porém, as categorias bíblicas
são frequentemente mais sugestivas e dinâmicas para
expressar a rica revelação do profundo mistério de
Deus. Como resultado disso, a teologia bíblica é capaz
de dizer algo para o homem moderno que a teologia
sistemática não pode dizer”. Sendo assim, um trabalho
no campo dos fundamentos da teologia do Antigo
Testamento certamente deve mesclar características
das teologias bíblica e sistemática.
[6] Gerhard Hasel, Old Testament Theology, p. 159.
[7] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 19.
[8] Para saber sobre os diversos métodos para o estudo
teológico do Antigo Testamento de um modo
resumido, consultar Ralph Smith, Teologia do Antigo
Testamento, p. 72-74.
[9] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 68.
[10] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 14.
[11] Edward J. Young, Introdução ao Antigo
Testamento, p. 53. Outra colocação do propósito de
Gênesis é oferecida por Andrew Hill e John H.
Walton, Panorama do Antigo Testamento, p. 76: “O
propósito de livro de Gênesis é contar a maneira e o
motivo de Javé escolher a família de Abraão e fazer
aliança com ela”.
[12] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p. 85.
[13] Judas 14,15 se refere à Enoque, antecessor de Noé,
como um profeta que anunciou uma punição de Deus
a fim de “exercer juízo contra todos e para fazer
convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras
ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas
as palavras insolentes que ímpios pecadores
proferiram contra ele”. Essa pode ser uma referência
ao juízo diluviano dos dias de Noé, sendo uma
punição exemplar para que o caráter justo de Deus
sobre o pecado aja como um anúncio para os homens
de todas as eras.
[14] Hebreus 11.4 desvenda o fato de que a fé de Abel o
tornou aceitável a Deus e justo e, em consequência,
sua oferta foi aceita.
[15] A primeira demonstração da disposição de Deus de
buscar o homem perdido se dá tão logo o homem
tenha caído (Gn 3.8,9). Contudo, nessa ocasião, só o
que se vê é Deus prenunciando primariamente algo
que só seria contemplado no decorrer da história e da
revelação (Gn 3.15). Demonstrações mais claras desse
propósito têm seu início com o chamado de Abrão
(Gn 12).
[16] Um conceito clássico do significado teológico de
graça é “a disposição de Deus de conceder ao homem
bênçãos que ele não merece”. Uma versão resumida
diz que graça é “o favor imerecido de Deus”.
[17] Somente em Gênesis 17.5 Abrão teve seu nome
mudado para Abraão, que significa “pai de
multidões”.
[18] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
160.
[19] O texto de Miquéias 5.2, em comparação com o
Novo Testamento, aponta para a pessoa de Jesus (Mt
2.6) que é também Deus (Cl 2.9; 1Jo 5.20), tendo a
mesma essência do Pai (Jo 10.30). Entretanto, apesar
de haver indícios da trindade no Antigo Testamento
(ex: Gn 1.26; 3.22), esse é um conceito revelado mais
claramente no Novo Testamento. No Antigo, é frisado
o conceito do Deus único (Dt 6.4), o que não ocorre
com prejuízo da trindade.
[20] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, p.
164.
[21] R. K. Harrison, Introduction of the Old Testament,
p. 580, diz que a raiz do verbo “hayâ” (ser) tem sido
geralmente compreendido no sentido estático de
existência [ser], mas que também pode enfatizar a
ação inerente ao sentido básico do verbo [estar].
Seguindo essa interpretação, Deus estaria se revelando
como o Deus da criação e da aliança.
[22] R. K. Harrison, Jeremias e Lamentações :
Introdução e Comentário, p. 74.
[23] Augustus Hopkins Strong, Systematic Theology, p.
279.
[24] Carl Friedrich Keil e Franz Delitzsch, Biblical
Commentary on the Old Testament : The Books of
The Kings, p. 198-199.
[25] Como forma de contestação ao conceito da
onipotência, é comum se ouvir alguns exemplos que
distorcem a lógica, como a famosa pergunta: “Deus
pode criar uma pedra tão dura que ele não possa
destruir?”. Qualquer resposta cria uma aparente
incapacidade em Deus, seja no criar tal pedra, seja no
tentar sem sucesso destruí-la. Contudo, essa é uma
distorção no conceito da onipotência, pois assim como
Deus, tal atributo é coerente com a verdade, a lógica e
o caráter de Deus. Frases como “Deus não pode
morrer”, “Deus não pode mentir”, “Deus não pode
criar alguém melhor ou mais forte que ele” e “Deus
não pode criar um triângulo com quatro lados”, além
de não afetarem sua onipotência, atestam sua
perfeição, santidade, sabedoria e coerência.
[26] Especificamente Gn 1.3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26, 29;
2.18.
[27] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento,
p. 74.
[28] Há uma corrente teológica moderna, didaticamente
chamada de “teísmo aberto”, que, em uma teodiceia
às avessas e em uma cruzada pelo livre-arbítrio
humano, tenta explicar o problema do mal diante do
Deus justo propondo não apenas que Deus não
interfere nos acontecimentos a fim de dar liberdade
plena aos seres humanos, como que também não os
conhece. Para os teístas abertos, Deus fica tão
surpreso quanto os homens diante dos fatos que
ocorrem. Essa visão, porém, não resiste de modo
algum à revelação bíblica.
[29] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 872-873.
[30] R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr. e Bruce K.
Waltke, Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo Testamento, p. 1320-1325.
[31] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
68.
[32] Teologia do Antigo Testamento, p. 183.
[33] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 87.
[34] Gleason Archer Jr, Merece confiança o Antigo
Testamento?, p. 158.
[35] Essa é uma atuação enfatizada pelo Senhor ao dar a
Israel a lei, pelo que serve tanto de motivo como de
motivação para que os servos lhe sejam obedientes e
mantenham pureza nos relacionamentos com Deus e
com as pessoas (Ex 31.13; Lv 21.8,15,23; 22.9,16,32;
Ez 20.12).
[36] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 92.
[37] O verbo hebraico para “consagrar” (qadash) é da
mesma raiz do adjetivo “santo” (qadosh). Desse
modo, consagrar significa santificar, separar, tornar
sagrado.
[38] R. K. Harrison, Levítico : Introdução e Comentário,
p. 194.
[39] Marcos Granconato, Pequeno Manual de Doutrinas
Básicas, p.10.
[40] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 18.
[41] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, p.
185.
[42] João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião
Cristã, (Livro I, Cap. XIII, §1), p. 127-128. Nessa
citação, “antropomorfistas” não são pessoas que
utilizam a “linguagem antropomórfica”, mas aqueles
que realmente creem que Deus tem um corpo com
boca, ouvidos, olhos, mãos e pés.
[43] Ronald Youngblood, The Heart of the Old
Testament, p. 19.
[44] Para saber mais sobre o “teísmo aberto” – posição
teológica que nega a soberania de Deus dizendo que
ele se limita no uso do seu poder e controle por amor
ao homem – e a comparação com a visão tradicional,
ver Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemática, p. 308-310.
[45] D. James Kennedy, Verdades que Transformam, p.
11.
[46] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 100.
[47] A maior dificuldade do estudante das Escrituras
diante da soberania de Deus em tragédias não é
entender a soberania em si, mas os propósitos do
Senhor. Estes, segundo o ensino bíblico, são
“insondáveis” (Rm 11.33,34). Entretanto, alguns
exemplos de propósitos cumpridos em catástrofes nos
dão pistas de razões divinas para situações que
causam grande sofrimento como o bem dos crentes
que sobrevivem à tragédia (Tg 1.2-4), o traslado dos
crentes que morrem para os céus e para junto de Deus
(Fp 3.20,21; Sl 116.15; Fp 1.23), o convite de
conversão aos incrédulos (At 16.26-28,30-32), a
punição de homens rebeldes (Gn 6.7,17; Nm 16.31-
33) e a apresentação dos “sinais dos tempos” que nos
fazem lembrar a aproximação dos eventos
escatológicos (Mt 16.3; Mt 24.6,7).
[48] Parar o Sol e a Lua é, na verdade, uma maneira
didática de falar aos homens, principalmente os
homens daqueles dias. É um evento descrito com a
perspectiva do homem que vê o céu, onde a impressão
é que o Sol e a Lua pararam. Com o que conhecemos
hoje pela ciência, o provável é que Deus tenha
suprimido a rotação da Terra ou, até mesmo, parado
todo o movimento do universo. Mesmo assim, a
linguagem ainda é válida para transmitir a ideia em
questão. Basta lembrar que tal linguagem é ainda
utilizada nos nossos dias quando dizemos, por
exemplo, que o “Sol está se pondo”, quando, na
verdade, é a Terra quem está rotacionando. De
qualquer modo, o evento de Josué 10 é especial no
intento de mostrar a soberania do Senhor.
[49] Norman Geisler e Peter Bocchino, Fundamentos
Inabaláveis, p. 255-258, mostram como Deus às vezes
beneficia as pessoas por meio do sofrimento e do seu
controle soberano sobre as dificuldades.
[50] O Novo Testamento concorda com essa posição ao
narrar o discurso de Pedro que rendeu a Deus o
controle da situação na morte de Jesus, sendo a mão
por trás das autoridades envolvidas na crucificação:
“Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade
contra o teu santo servo Jesus, ao qual ungiste
Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de
Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu
propósito predeterminaram (At 4,27,28 – destaque
meu).
[51] Para melhor compreensão da atuação soberana e do
propósito do Senhor em relação ao “endurecimento”
como fez com Faraó, ver Rm 9.17,18, o qual cita Ex
9.16 dando, em seguida, uma conclusão teológica ao
fato.
[52] Paul Enns, The Moody Handbook of Theology, p.
416.
[53] R. K. Harrison, Levítico : Introdução e Comentário,
p. 184, afirma que esse é um dos preceitos morais
mais destacados do Antigo Testamento e é singular no
mundo antigo.
[54] Um sentido parecido com esse se vê em 1Co 7.14,
onde o cônjuge incrédulo é “santificado” pelo
convívio com o cônjuge crente. Isso não quer dizer
“ter salvação”, mas ser beneficiado tanto pelo
exemplo do servo de Deus, como pelo tratamento do
Senhor à família do crente por amor a ele.
[55] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
74. Esse assunto será tratado no capítulo que fala
sobre a “Eleição”.
[56] Walter Kaiser Jr, Teologia do Antigo Testamento, p.
204-206.
[57] O fato de Deus ter trabalhado para abençoar Jacó
dando-lhe crias de modo a lhe pertencerem dentro do
acordo feito com Labão, não escusam Jacó de ter, por
meio de um tipo de crendice popular, tentado lesar seu
sogro ao tentar determinar o resultado das crias. O
procedimento infiel de Jacó permanece mesmo diante
da mesma disposição do sogro para com ele, já que
este também tentou determinar o resultado das crias
retirando matrizes com certas características que
favoreceriam o genro.
[58] R. K. Harrison, Jeremias e Lamentações : Introdução
e Comentário, p. 177-178, afirma que, nesse contexto,
“hesed”, que pode ser traduzido como “misericórdia”,
tem o sentido de “lealdade à aliança”, ou
“misericórdia da aliança”. Assim, a fidelidade de
Deus diante do que prometeu é a causa de ser
misericordioso com a nação.
[59] Franklin Ferreira, Teologia Cristã, p. 47.
[60] Moisés, quando ainda vivia na corte de Faraó,
demonstrou tal sentimento ao matar um egípcio que
espancava um israelita (Ex 2.11,12). Entretanto, em
lugar de ser reconhecido como um herói nacional, ele
recebeu um tratamento por parte de um israelita que
demonstrou desrespeito e desdém (vv. 13,14). Esse
fato sugere que o nacionalismo de Moisés não
encontrava um sentimento semelhante no povo
escravizado.
[61] Para saber mais sobre a datação do êxodo, consultar
Sean M. Warner, The Dating of the Period of the
Judges, Vetus Testamentum 28/4, 1978, p. 455-463.
Esse trabalho se baseia no reconhecido livro de Edwin
R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew
Kings, Grand Rapids: Eerdmans, 1965, propondo um
fator adicional a ser analisado – a contagem do ano do
jubileu –, fazendo retroceder em cerca de meio ano a
contagem de Thiele, o suficiente para que o êxodo
tenha ocorrido na metade final de 1446 a.C.
[62] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 77.
[63] Uma segunda porção da lei, registrada em
Deuteronômio, foi dada quase 40 anos depois, quando
Israel, que estava em Moabe – parte da Transjordânia
–, já estava prestes a entrar em Canaã para dominá-la.
[64] Eugene Merrill, “Uma Teologia do Pentateuco”, in
Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 20.
Com ele concorda Claus Westermann, Teologia do
Antigo Testamento, p. 19. “Instrução” é um dos
sentidos de “tôrá” segundo Luis Alonso Schökel,
Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 700.
[65] Os primeiros onze capítulos de Gênesis têm essa
característica. A partir do capítulo 12, o relato rende
mais atenção aos detalhes. A razão para tanto é que o
relato das origens visava a embasar o propósito
teológico central de Moisés em seus dois primeiros
livros: dar a Israel sua própria origem, desde o
chamado de Abraão até a retirada do povo da terra do
Egito.
[66] Gleason L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo
Testamento?, p. 94.
[67] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário, p.
42. Na nota 2 ele sugere, como referências para a
análise do assunto, o debate entre P. W. Heward e F.
F. Bruce em Journal os the Transactions of the
Victoria Institute, LXVIII, 1946, p. 121-131, o texto
de E. J. Young em Westminster Theological Journal,
XXIII, 1960-1, p. 151-178, e B. Ramm, The Christian
View of Science and Scripture, p. 135-144.
[68] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 1062.
[69] Ver também o v.23, onde “tohû” tem a idéia de
“nulidade”, assim como em 41.29, 44.9, 49.4 e 59.4.
[70] Ver também o exemplo da palavra “tohû” como
lugar vazio e inabitado em Is 34.10,11 (cordel de
destruição).
[71] Outros exemplos desse uso no livro de Jó são 12.24 e
26.7.
[72] David Toshio Tsumura, The Earth and the Waters in
Genesis 1 and 2 : A Linguistic Investigation, p. 42-43.
[73] Agostinho de Hipona, Confissões, p. 340-341, se
refere ao propósito de Deus se revelar na ação de criar
a terra sem beleza seguido de um processo de fazer
dela um mundo belo.
[74] Paul Mellars, “A New Radiocarbon Revolution and
the Dispersal of Modern Humans in Eurasia”, Nature,
vol. 439, 23 de fevereiro 2006, p. 931-935.
[75] Herbert Feely, Journal of the American Scientific
Affiliation, setembro de 1955, p. 47-48, in Gleason
Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?,
p. 93.
[76] Para uma análise profunda e séria do assunto é
altamente recomendada a leitura de Adauto Lourenço,
Como tudo começou : uma introdução ao
criacionismo, Editora Fiel. Ele, que possui credenciais
acadêmicas mais que suficientes para falar com
propriedade sobre ciência, defende o criacionismo e o
“universo novo” coerente com o relato bíblico da
criação. Para saber especificamente sobre os métodos
de datação, incluindo o “carbono 14”, seus problemas
e seus mitos, consultar p. 157-193.
[77] Frase escrita em correspondência eletrônica, em 20
de julho de 2011, pelo Dr. Leandro Boer, médico e
pesquisador, graduado pela Unicamp, especialista em
cardiologia clínica pela Santa Casa de Misericórdia de
Ribeirão Preto e doutorando em farmacologia pela
Unicamp.
[78] James B. Pritchard (Ed.), The Ancient Near Eastern
Texts : Relating to the Old Testament, p. 501.
[79] Para uma análise da comparação entre os relatos da
criação bíblica e da criação na visão babilônica,
consultar o capítulo 2 de Merril Unger, Arqueologia
do Velho Testamento, Editora Batista Regular.
[80] Gleason Archer Jr, Merece Confiança o Antigo
Testamento?, p. 97-98.
[81] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, p. 22.
[82] J. Scott Horrell, Apostila de teologia sistemática, p.
31.
[83] Kevin L. Barney, “Reflections on the Documentary
Hypothesis”, p. 58.
[84] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, p.
139.
[85] Gleason Archer Jr, A Survey of Old Testament
Introduction, p. 97-98, diz que, na visão documental, a
fonte javista foi escrita em Judá por volta de 850 a.C.,
enquanto a fonte sacerdotal é uma composição em
vários estágios desde Ezequiel, por volta de 570 a.C.,
até Esdras, no período pós-exílico.
[86] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 62.
[87] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 22,
oferece argumentos conservadores contra a hipótese
documentária.
[88] Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 26.
[89] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, p. 24-25.
[90] William F. Albright, From the Stone Age to
Christianity, p. 229-230.
[91] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
176.
[92] Para entender melhor o conceito ligado à expressão
“soberania mediada”, ver Carlos Osvaldo Cardoso
Pinto, Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 19.
[93] Eugene Merrill, “Uma Teologia do Pentateuco”, in
Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 31.
[94] Gênesis 9 demonstra que, enquanto os animais e os
vegetais serviriam de alimento para o homem (vv. 2-
4), este, de modo algum, poderia ser morto (vv. 5,6) a
exemplo dos animais. Fica nítida a dignidade peculiar
conferida ao homem dentro da criação por causa da
sua natureza à imagem de Deus.
[95]
Bob Utley, How it All Began : Genesis 1-11, p. 33.
[96] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 13.
[97] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, p.
28.
[98] Para ver um quadro didático sobre os “tôledot” e sua
estrutura a qual sustenta o conteúdo de Gênesis,
consultar William LaSor, David Hubbard e Frederic
Bush, Introdução ao Antigo Testamento, p. 18.
[99] Essas gerações, apesar de não fazerem parte da
linhagem israelita, têm relevância fundamental para a
história de Israel, pois dão origem a povos
aparentados com quem os israelitas terão de conviver
normalmente em meio a consideráveis atritos, em
disputas territoriais e em danosa influência religiosa.
[100] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo
Testamento, p. 17.
[101] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 15-17.
[102] Herbert Donner, História de Israel e dos Povos
Vizinhos, p. 83.
[103] Kenneth Kitchen, Ancient Orient and Old
Testament, p. 153-154, diz que “os costumes
familiares dos patriarcas em Gênesis 15 a 31 não são
familiares para os leitores modernos, mas seus
significados têm sido extraordinariamente iluminados
por paralelos de tábuas cuneiformes encontradas em
Ur e especialmente em Nuzi, na Mesopotâmia, De
acordo com o procedimento [descrito] nesses
documentos, um casal sem crianças podia adotar
como herdeiro um dos seus servos, exatamente como,
em Gênesis 15, Abraão adotou seu servo Eliezer como
herdeiro. Ou, também, a esposa podia produzir um
herdeiro “por substituição” (como é dito) entregando
sua serva ao seu marido. Assim, Ismael nasceu de
Abraão por meio de Agar como resultado da iniciativa
de Sara (Gn 16)”.
[104] Segundo Roland de Vaux, Instituições de Israel no
Antigo Testamento, p. 23-24, o vínculo sanguíneo é o
que faz que, na união tribal, todos sejam considerados
“irmãos”, formando uma imensa árvore genealógica –
o que certamente foi um fator importantíssimo de
união de um povo tão grande como o que deixou o
Egito. Analisando a estrutura tribal, ele diz: “Cada
tribo se reporta a um antepassado único, e duas tribos
aliadas se reportam a dois antepassados que eram
irmãos em sentido próprio”.
[105] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
106.
[106] Exemplos desse tipo de linguagem, a qual sugere a
divindade real, podem ser vistas em Derek Kidner,
Gênesis : Introdução e Comentário, p. 78, nota 18, que
cita Mallowan informando de uma lista suméria de
reis que afirma que alguns deles tiveram reinados de
“trinta mil anos” cada um; James B. Pritchard (Ed.),
The Ancient Near Eastern Texts : Relating to the Old
Testament, p. 496, onde o quarto monarca da terceira
dinastia de Ur, chamado Shu-Sin (c. 2000 a.C.),
recebe a designação de “meu deus” e “deus da sua
terra”; e W. L. Moran (Ed.), The Amarna Letters., EA
23, uma correspondência entre Tushratta, rei de
Mittani, e Nimmureya, rei do Egito, informando a
visita de Shaushka de Nínive, a qual é chamada de
“senhora de todas as terras”, “senhora dos céus” e
“minha deusa”, além de fazer um tipo de oração
pedindo a ela proteção para ambos os reis.
[107] J. Ridderbos, Isaías : Introdução e Comentário, p.
148-149.
[108] “Tu és o sinete da perfeição”, “estavas no Éden,
jardim de Deus”, “tu eras querubim da guarda
ungido”, “permanecias no monte santo de Deus”.
[109] John B. TAYLOR, Ezequiel : Introdução e
Comentário, p. 177-178, diz que o texto, ao falar do
orgulho do rei de Tiro, o associa ao pecado de Adão e
não de Satanás, oferecendo como comprovação as
abundantes referências ao Éden. Em verdade, ele nem
sequer cita Satanás nesse contexto.
[110] O pecado de Davi tem relação com a desobediência
às regras expressas na lei para o levantamento de um
censo (Ex 30.12-15; Nm 1.2-4,47-49). Tratou-se de
um erro tão gritante da parte de Davi que Joabe, a
quem não se pode classificar como “fiel servo de
Deus”, repreendeu-o por tal desejo, alertando sobre a
culpa que recairia sobre eles. O real motivo que levou
Davi a fazê-lo foi seu desejo egoísta de se sentir
poderoso, líder de um grande povo e comandante de
um grande exército. O texto de 2Sm 24.1 esclarece
que o Senhor queria punir Israel, de modo que
“incitou a Davi contra eles”. Isso revela, assim como
2Co 12.7, que Deus se utiliza até mesmo de Satanás
para efetuar seus planos. Mesmo assim, isso não anula
a malignidade com que Satanás ataca os servos de
Deus.
[111] Esses textos mostram que os demônios estavam por
trás das falsas divindades adoradas pelos homens,
enganando-os e induzindo-os ao erro.
[112] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
263.
[113] Para saber mais sobre a doutrina do pecado
(Hamartiologia), seu desenvolvimento na história e as
visões sobre ela fora do cristianismo, consultar
Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia Sistemática,
p. 423-479.
[114] A palavra “elohîm” é o plural de “el” ou “eloah”
(Deus). Pode-se aplicar ao Senhor como se fosse um
substantivo singular, apesar da sua forma plural, de
modo a enaltecer a divindade do Senhor – W.
Gesenius e S. P. Tregelles, Gesenius' Hebrew and
Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures, p.
49, chamam esse uso de “plural de majestade”. Pode-
se, também, aplicar tal palavra em um sentido plural
simples, o que faria referência a um grupo de deuses,
sem querer apontar para o Deus criador – um exemplo
desse uso se vê no Salmo 82.6: “Sois deuses” – texto
citado por Jesus em João 10.34. Charles Ryrie,
Teologia Básica, p. 53-54, propõe três possibilidades
para esse uso do plural: (1) Plural politeísta; (2) plural
trinitariano; (3) plural majestático.
[115] João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião
Cristã, (Livro II, Cap. I, §4), p. 19.
[116] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemática, p. 452.
[117] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p. 81.
[118] John F. MacArthur Jr, Different by Design, p. 22-
23.
[119] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
206.
[120] Raymond Brown, Entendendo o Antigo
Testamento, p. 13.
[121] Agostinho de Hipona, A Cidade de Deus, XIII, §12;
in Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 64-65.
[122] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento,
p. 145.
[123] Wood e Marshall, New Bible Dictionary, p. 1106,
se refere a essa realidade utilizando um termo
teológico chamado “solidariedade racial”, ou
“solidariedade da raça”. Para saber mais sobre o
assunto, consultar Russell P. Sheed, A Solidariedade
da Raça : O Homem em Adão e em Cristo, São Paulo:
Vida Nova.
[124] Franz Delitzsch, Old Testament History of
Redemption, p. 34.
[125] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 78.
[126] Thomas Tronco dos Santos, Boas Intenções Não
Bastam, p. 54-55.
[127] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento,
p. 221.
[128] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemática, p. 208.
[129] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, p.
230.
[130] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
200.
[131] Conforme Merril Unger, Arqueologia do Velho
Testamento, p. 55.
[132] O mesmo verbo aparece em Gênesis 4.1 para dizer:
“Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta
concebeu e deu à luz a Caim” (destaque meu).
[133] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 30.
[134] Marcos Granconato, Eles Falaram Sobre o Inferno,
p. 14.
[135] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 68.
[136] O mesmo recurso foi usado por Abraão quando
esteve no Egito (Gn 12.10-20). Nesse caso, o Senhor
puniu Faraó sem lhe dar aviso prévio (v.17).
[137] Noel Osborn e Howard Hatton, A Handbook on
Exodus, p. 166.
[138] Yohanan Aharoni e M. Avi-Yonah, The Macmillan
Bible Atlas, p. 34.
[139] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
83.
[140] Gordon J. Wenhan, Números : Introdução e
Comentário, p.129.
[141] J. A. Thompson, Deuteronômio : Introdução e
Comentário, p. 264.
[142] Georg Fohrer, Estruturas Teológicas do Antigo
Testamento, p. 131.
[143] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
204.
[144] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 421.
[145] Flávio Josefo, História dos Hebreus, p. 1385.
[146] Claus Westermann, Teologia do Antigo Testamento,
p. 105-106.
[147] Kittel in John Bright, História de Israel, p. 310, nota
65.
[148] Georg Fohrer, Estruturas Teológicas do Antigo
Testamento, p. 255.
[149] Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo
Testamento, p. 193.
[150] Carlos Osvaldo Cardoso PINTO, Foco e
desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 729-730.
A datação da composição de Obadias e de Joel é
dificílima. Vários teólogos, especialmente os liberais,
datam Obadias no período pós-exílico. Alguns apoios
para uma datação no século 9 a.C. são Eugene Merrill
(História de Israel no Antigo Testamento, p. 405),
Gleason Archer Jr. (Merece Confiança o Antigo
Testamento?, p. 228-230), Carl Friedrich Keil e
Franz Delitzsch (Biblical Commentary on the Old
Testament : The Twelve Minor Prophets, vol. 1, p.
349), Edward J. Young (Introdução ao Antigo
Testamento, p. 273), Merril F. Unger (Introductory
Guide to The Old Testament, p. 343) e Howard F. Vos
(Beginnings in the Old Testament, p. 137-138).
[151] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, p. 405.
[152] David W. Baker, T. Desmond Alexander e Richard
J. Sturz, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque
e Sofonias : Introdução e Comentário, p. 30.
[153] John Bright, História de Israel, p. 451.
[154] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 710.
[155] Merril F. Unger, Introductory Guide to The Old
Testament, p. 339, reconhece a ocasião da vinda do
“Dia do Senhor” sobre Israel (Jl 2.11) como as
movimentações militares das nações a fim de
exterminar Israel no Armagedom.
[156] David Allan Hubbard, Joel e Amós : Introdução e
Comentário, p. 90, aponta a repetição da palavra
“multidões” em Joel 3.14 como veículo para se
conferir ao texto um tom superlativo, cuja
compreensão deveria ser “o maior ajuntamento
possível de multidões”.
[157] Ibdem, p. 198.
[158] J. Dwight Pentecost, Manual de Escatologia, p. 258.
[159] Um exemplo disso foi Hananias, falso profeta
concorrente de Jeremias que, em lugar de acatar e
confirmar a profecia de Jeremias, vaticinou um cerco
de apenas dois anos sem que a cidade fosse tomada (Jr
28.1-4). Esse profeta caiu morto como punição divina
contra a falsa profecia e a oposição ao verdadeiro
profeta (Jr 28.15-17), mostrando ao povo a penalidade
da apostasia e da rebelião (R. K. Harrison, Jeremias e
Lamentações : Introdução e Comentário, p. 104).
[160] Esse texto parece ser o prenúncio da volta corporal
de Jesus vindo da mesma forma e na mesma região de
onde partiu, cumprindo também a palavra dos anjos
(Lc 24.50-53; At 1.11).
[161] J. Dwight Pentecost, Manual de Escatologia, p. 254.
[162] Ryrie, Teologia Básica, p. 566.
[163] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 3, afirma que “o verdadeiro impulso
do Antigo Testamento é teológico”.
[164] Nelson GLUECK, Rivers in the Desert : A History of
the Negev, p. 30-31.
[165] Ibdem, p. 31. Gerhard Hasel, Old Testament
Theology, p. 202, diz que “a história de Israel é
estudada no contexto da história da antiguidade, com
especial ênfase no Oriente Médio Antigo, onde a
arqueologia tem sido inestimável no fornecimento do
cenário histórico, cultural e social para a Bíblia”
(destaque meu). Vale fazer a ressalva de que, apesar
da afirmação de Glueck, os autores Andrew Hill e
John H. Walton, Panorama do Antigo Testamento, p.
326-327, mostram que, em alguns casos, a
arqueologia aumentou a controvérsia sobre
acontecimentos bíblicos, seja por reconstituições
diferentes do ocorrido, seja pela ausência de achados
de certos períodos ou acontecimentos. Entretanto, R.
K. Harrison, Introduction of the Old Testament, p.
105-133, no capítulo intitulado “The Archaeological
Background of the Old Testament”, oferece subsídio
suficiente para corroborar a afirmação de Glueck.
[166] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 65.
[167] NET Bible, nota 41, cita uma antiga interpretação
judaica dessa passagem, a qual, afirmando a terrível
inimizade entre os homens e as cobras, diz: “Um
protege sua cabeça, o outro, seu calcanhar, pois a
morte está ao alcance na proximidade entre os homens
e as malignas serpentes peçonhentas (ver Sib. Or.
1.59–64)”. Também oferece a interpretação de Flávio
Josefo, Antiguidades Judaicas, 1.1.4, como exemplo
dessa visão [Em português: História dos Hebreus,
1.1.5, p. 77].
[168] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 66; Eugene Merrill, Teologia do Antigo
Testamento, p. 247.
[169] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemática, 175.
[170] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento,
p. 94.
[171] Walter Kaiser Jr., Pregando e Ensinando a partir do
Antigo Testamento, p. 127.
[172] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 202, ressalta o fato de que Siló em nenhum outro
lugar é usado para se referir ao Messias. Entretanto, a
possível – e, talvez, provável – forma “shelloh”
formaria o sentido de “até que ‘o que é seu’ venha” e
seria associado a “até que venha aquele a quem ela
pertence de direito” (Ez 21.27).
[173] James Swanson, Dictionary of Biblical Languages
with Semantic Domains : Hebrew (Old Testament),
verbete n° 716.
[174] Desde que se cumpriu a profecia de Miqueias 5.1
com o destronamento e humilhação de Zedequias (Jr
39.4-7), nenhum outro rei da dinastia de Davi reinou
em Israel. William LaSor, David Hubbard e Frederic
Bush, Introdução ao Antigo Testamento, p. 750,
afirma que os livros de Esdras e Neemias demonstram
que a linhagem davídica foi estabelecida novamente
em Zorobabel. Entretanto, em Zorobabel não foi
restabelecido o trono davídico, pois os judeus que
voltaram do cativeiro não tiveram rei. A dinastia real
dos asmoneus, que se levantou sobre o trono em
Jerusalém no século 2 a.C., não descendia de Davi,
nem da tribo de Judá, mas da tribo de Levi, visto que
Flávio Josefo (História dos Hebreus, p. 563) informa
que Matatias, bisneto de Asmoneu, era um
“sacerdote”. Seu filho Simão se tornou príncipe de
Judá (p. 608) e o neto de Simão, Aristóbulo, se tornou
rei (p. 619). Quanto a Herodes, o grande, que
destronou o rei asmoneu Antígono, tinha ele
ascendência idumeia (p. 651). Sendo assim, desde o
destronamento de Zedequias em 587 a.C., o próximo
rei da descendência de Davi a reinar será justamente o
Messias eterno, Jesus Cristo (Mq 5.2). Ezequiel
concorda com isso e anuncia a queda de Zedequias – a
quem chama “profano e perverso” –, seguida de um
hiato temporal cujo término se dá na entronização de
Jesus, “a quem ela [a coroa] pertence de direito” (Ez
21.25-27).
[175] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do Antigo
Testamento, p. 562, diz que “em [Miquéias] 5.2-9, o
salvador não é denominado ‘rei’, mas ‘governante’. O
termo Messias não foi usado pelos profetas pré-
exílicos como referência ao rei davídico ideal do
futuro. Assim, tal pessoa deve ser considerada pela
função e não pelo título. [...] Não há dúvida de que
Miquéias falava do rei davídico ideal ao qual temos o
costume de chamar Messias”.
[176] Miqueias parece associar o nascimento do rei ao seu
reinado, como se não houvesse um hiato temporal
entre os dois fatos. Entretanto, o contexto mostra que
os acontecimentos surgem na ação do “rei” e não do
“recém-nascido”.
[177] R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr. e Bruce K.
Waltke, Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo Testamento, p. 1548, traduz a palavra hebraica
“mishhat” como “desfiguração de rosto”. Luis Alonso
Schökel, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p.
407, informa que “mishhat” em associação com a
palavra “meîsh”, como ocorre em Isaías 52.14,
significa “não parecia homem”, promovendo a noção
de uma violência extrema como a causadora de tal
estado de aparência.
[178] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 613.
[179] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento,
p. 225, localiza esse acontecimento no “segundo
advento” de Cristo.
[180] Os versículos 5 e 6 mostram que a enfermidade do
versículo 4 é uma metáfora para o pecado e a
iniquidade.
[181] O ato de justificar é uma ação jurídica que significa
“considerar inocente”. Para tanto, é necessário retirar
a “culpa” do transgressor. Nesse caso, a culpa do
homem não é desconsiderada, mas é retirada mediante
a condenação do “servo do Senhor” no lugar do
pecador. Desse modo, a culpa do homem justificado
não deixa de ser punida.
[182] Citações ou alusões de Isaías 53 no Novo
Testamento: Jo 12.38; Rm 10.16 (53.1); Lc 18.31-33
(53.3); Mt 8.17 (53.4); 1Pe 2.24 (53.5); Mt 26.63;
27.14; At 8.32 (53.7); Mt 27.57-60; 1Pe 2.22 (53.9);
1Pe 1.11 (53.11); Mc 15.28; Lc 22.37 (53.12).
[183] J. Ridderbos, Isaías : Introdução e Comentário, p.
420. Para ver outras opções de identificação do “servo
do Senhor” em Isaías e uma ótima defesa da
identidade messiânica na pessoa de Cristo, ver p. 420-
424. Outro material excelente nesse sentido é o tópico
“O servo sofredor” de Ralph Smith, Teologia do
Antigo Testamento, p. 395-402.
[184] Howard F. Vos, Beginnings in the Old Testament,
p. 144.
[185] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, p. 845, nota nº1
referente ao capítulo 51, em referência à afirmação de
que no Antigo Testamento a palavra Messias não é
utilizada no sentido técnico neotestamentário, diz que
“alguns estudiosos lêem ‘Messias’ em Dn 9.25s., mas
lá não é acompanhado de artigo, sendo melhor
traduzir ‘um príncipe ungido’ (NRSV)”.
[186] A “unção” também era usada na consagração dos
sacerdotes (Ex 28.41; 29.1,7; 30.30; Lv 8.12,30; Nm
3.3) e dos utensílios do tabernáculo (Ex 30.26; 40.9-
15; Lv 8.10-12; Nm 7.1,10).
[187] A palavra “dilúvio” cumpre aqui uma função
claramente metafórica, em vista da aliança divina feita
com Noé (Gn 9.11).
[188] Flávio Josefo, História dos Hebreus, p. 1364-1366.
Para ver a terrível fúria com que os soldados romanos
destruíram a cidade e exterminaram as pessoas e,
também, o terrível sofrimento experimentado pelos
judeus, prosseguir a leitura até a página 1384.
[189] O Novo Testamento tem um paralelo perfeito dessa
tríade na oração ensinada por Jesus: “Pois teu é o
reino, o poder e a glória para sempre. Amém!” (Mt
6.13b). Como faz parte de uma oração a Deus, a
divindade do Messias seria ainda mais ressaltada.
Entretanto, trata-se de um trecho cuja autenticidade é
questionável. Bruce M. Metzger e United Bible
Societies, A Textual Commentary on the Greek New
Testament, p. 14, diz que “a ausência de qualquer
citação em representantes antigos e importantes de
Alexandria (‫ א‬B), do ocidente (D e a maioria dos
latinos antigos) e em outros tipos de texto (f 1), bem
como em antigos comentários patrísticos sobre a
Oração do Senhor (como Tertuliano, Orígenes,
Cipriano), sugere que uma atribuição, geralmente em
uma forma tríplice, foi [posteriormente] composta
(talvez com base em 1Cr 29.11-13) a fim de adaptar a
Oração para o uso litúrgico na igreja primitiva”.
[190] Joyce G. Baldwin, Daniel : Introdução e
Comentário, p 163.
[191] Para ver outras propostas de interpretação do “Filho
do homem” em Daniel 7.14, consultar Joyce G.
Baldwin, Daniel : Introdução e Comentário, p. 157-
163.
[192] Definição formulada por Carlos Osvaldo Cardoso
Pinto em aula do curso de Mestrado em Teologia e
Exposição Bíblica do Antigo Testamento, no
Seminário Bíblico Palavra da Vida, em Atibaia (SP),
em junho de 2011.
[193] O Novo Testamento também tem exemplos de
salvação pessoal, como nos casos de Jesus (Mt 2.13-
15), de Pedro (At 12.6-11) e de Paulo (At 27.23-26 cf.
42-44). Entretanto, esse conceito não recebe destaque
quando comparado à ênfase na mensagem da salvação
espiritual pela fé em Cristo.
[194] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
158, diz: “A maior parte do Antigo Testamento diz
respeito a Israel como nação ou grupo; assim, a
principal função de Javé como Deus salvador era
livrar Israel de seus inimigos”.
[195] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
130. Merrill ainda destaca outro momento de especial
redenção para Israel como a restauração escatológica
da nação.
[196] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 77, mostra que essa atividade
continuou a ser marcante depois da saída do Egito
através de “uma série de atos miraculosos de Deus por
meio dos quais ele redimiu, libertou e sustentou o seu
povo” (destaque meu).
[197] Para outros exemplos da salvação pessoal/nacional,
consultar os contextos de Jz 2.18; 1Sm 14.23; 2Rs
14.27; 2Cr 32.22; Sl 37.39,40; 144.10; Is 10.24,25;
31.5.
[198] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
293.
[199] John F. Walvoord et al, The Bible Knowledge
Commentary : An Exposition of the Scriptures, vol. 2,
p. 801.
[200] Dizemos isso em termos gerais que não incluem os
casos em que doenças contagiosas podem ser
transmitidas mesmo a partir de um cadáver.
[201] Na época, o termo lepra definia várias afecções
cutâneas – também nas roupas e nas casas – e não
somente a “Hanseníase”.
[202] Para um tratamento mais detalhado dos meios de se
tornar impuro e de se purificar na lei de Moisés,
consultar Walter A. Elwell e Philip W. Comfort
(Eds.), Tyndale Bible Dictionary, p. 290-292.
[203] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
130.
[204] Apesar de o texto ter sido usado por Cristo com
referência à sua obra redentora (Lc 4.17-21) – sendo
assim reconhecido como profecia messiânica –, no
contexto de Isaías também se aplica a ele como
pregador da verdade. J. Ridderbos, Isaías : Introdução
e Comentário, p. 491, diz sobre Isaías 61.10: “O
orador do versículo 1 tem estado em segundo plano
desde o versículo 4, a fim de permitir uma elaboração
do conteúdo desta mensagem redentora. Agora ele
vem novamente para primeiro plano. Ele fala da sua
alegria no Senhor, que acaba de ser descrita. Quando
ele diz que foi vestido com vestes de salvação, e que a
salvação lhe foi dada, e que, portanto, ele é possuidor
dela, em parte ele está relacionando-se com o que os
versículos 1-3 haviam dito dele como pregador, e
desta forma portador daquela salvação”.
[205] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemática, p. 790.
[206] Ver também Sl 30.9; 88.10-12; 115.17; Is 38.18,19.
[207] Davidson, Theology of the Old Testament, p. 425,
in Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
361.
[208] Gese, Death in the Old Testament, p. 299, in Ralph
Smith, Teologia do Antigo Testamento, p. 359.
[209] Joyce G. Baldwin, Daniel : Introdução e
Comentário, p 216-217.
[210] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo
Testamento, p. 33, liga tal relacionamento a uma
atitude especial da parte de Deus para com o servo:
“A comunhão íntima e companheirismo que havia
entre Deus e Abraão é algo belamente retratado no
décimo oitavo capítulo [de Gênesis], onde ele
intercede em favor de Sodoma e Gomorra. Talvez seja
com base em Is 41.8 [...] que a tradução da
Septuaginta tenha inserido as palavras “meu amigo”
em Gn 18.17. Através dos séculos, desde então, o
portão sul de Jerusalém, que conduz a Hebrom e
Berseba, tem sido intitulado de “portão da amizade”,
em memória a esse relacionamento entre Deus e
Abraão”.
[211] Grau Hitpael (wayyithallek). Luis Alonso Schökel,
Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 180,
informa que o verbo “halak” (andar) no grau Hitpael,
associado à preposição “et” – como é o caso em
Gênesis 5.22,24 –, significa “andar com”, “proceder
de acordo com”.
[212] Kenneth A. MATHEWS, New American
Commentary : Genesis 1–11:26, p. 313.
[213] Timothy J. Cole, “Enoch, a Man Who Walked
with God”, p. 290. A fraseologia foi adaptada à versão
na língua portuguesa Almeida Revista e Atualizada.
[214] Hebreus 11.5,6 não deixa espaço para que alguém
“ande com Deus” sem que antes tenha tido “fé”, à
qual o Novo Testamento liga exclusivamente à pessoa
de Cristo e sua obra.
[215] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 81.
[216] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemática, p. 858.
[217] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
135.
[218] R. Alan Cole, Êxodo : Introdução e Comentário, p.
126.
[219] J. A. Thompson, Deuteronômio : Introdução e
Comentário, p. 167, enfatiza o caráter do
relacionamento ideal do povo com Deus, dizendo:
“Confrontado com tal teste, Israel deveria continuar a
andar após Javé, a temê-lo, a guardar seus
mandamentos, a obedecê-lo e a apegar-se a ele”.
[220] Ao dizer “andou comigo em paz”, parece fazer
menção ao levita Fineias, neto de Arão, cuja ação de
punir um israelita e uma midianita adoradora de Baal-
Peor, apaziguou a ira de Deus preservando, assim, os
israelitas. Por isso, Deus fez com ele uma “aliança de
paz” (Nm 25.10-13).
[221] Timothy J. Cole, “Enoch, a Man Who Walked
with God”, p. 293.
[222] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
138.
[223] Oskar Skarsaune, À Sombra do Templo, p. 88.
[224] Paulo desencoraja os cristãos de se colocarem sob
a lei (Gl 5.2-4; Cl 2.16-23) e o faz de modo enfático
(Gl 4.9-11; 5.11,12).
[225] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento,
p. 107.
[226] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 15.
[227] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
335.
[228] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 107.
[229] Ronald Youngblood, The Heart of the Old
Testament, p. 71.
[230] R. Alan Cole, Êxodo : Introdução e Comentário, p.
149-150.
[231] A frase “assim diz o Senhor” (“koh amar yehwâ”,
em hebraico) aparece na Bíblia Hebraica mais de 130
vezes. O tetragrama (“yehwâ”, em hebraico), quase
4.800 vezes. Algumas versões das Escrituras
traduzem “yehwâ” como Senhor grafando-o com
caracteres em formato caixa-alta – “SENHOR” – para
diferenciá-lo de “adonai” – “Senhor”.
[232] R. Alan COLE, Êxodo : Introdução e Comentário,
p. 151.
[233] Eugene Merrill, “Uma Teologia do Pentateuco”, in
Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 51.
[234] Marcos Granconato, A Essência do Evangelho de
Paulo, p. 12, fala sobre a natureza dos problemas das
igrejas da Galácia, explicando qual era o “outro
evangelho” acusado por Paulo: “De fato, fica claro em
toda a carta que os crentes da Galácia estavam
acolhendo os ensinos de mestres judaizantes que
afirmavam a necessidade dos cristãos se submeterem
à lei judaica. Mesmo sendo provavelmente em sua
maioria gentios (cf. At 13.46-52), aqueles crentes
viram certo atrativo na mensagem dos mestres
legalistas”.
[235] A ordem paulina prevê, na sequência (Ef 6.4), a
autoridade dos pais de criar e disciplinar os filhos.
[236] Quando Paulo escreveu isso, a autoridade era o
governo do Império Romano, ainda que esse fosse
mantido por homens de idoneidade questionável e
ligados a uma adoração pagã. Assim, ser “ministro de
Deus”, nesse caso, não implica justiça humana ou
submissão ao Deus único, mas ser um instrumento nas
mãos soberanas de Deus para punir o mal.
[237] Agostinho de Hipona, “Contra Faustum
Manichaeum”, XXII, 73, in Philip Schaff, The Nicene
and Post-Nicene Fathers, Vol. 4, p. 300. Para ver toda
a argumentação de Agostinho sobre a guerra justa, ver
parágrafos 73-79 (p. 300-304).
[238] Douglas K. Stuart, The New American Commentary
: Exodus, p. 463, nota 66, cita W. L. Moran, “The
Scandal of the ‘Great Sin’ at Ugarit,” JNES 18
(1959): 280–81, afirmando que a expressão “grande
pecado”, que aparece em Gn 20.9, Ex 32.21,30,31 e
2Rs 17.21 para descrever o adultério, fazia parte da
linguagem conhecida de textos ugaríticos e egípcios.
Com isso, fica evidente que o mesmo conceito do
adultério, como algo negativo que devia ser evitado,
estava presente nas diversas culturas antigas e não
apenas entre os israelitas.
[239] R. Alan Cole, Êxodo : Introdução e Comentário, p.
154.
[240] Noel Osborn e Howard Hatton, A Handbook on
Exodus, p. 480.
[241] Carl Friedrich Keil e Franz Delitzsch, Biblical
Commentary on the Old Testament : The Pentateuch
(Vol. 2), p. 124.
[242] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
337-338.
[243] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
329.
[244] “Lei de talião” (talio, em latim, significa
“idêntico”). É um tipo de lei de reciprocidade
encontrado no código de Hamurabi (c.1780 a.C.),
muito conhecido por meio do princípio “olho por
olho, dente por dente”.
[245] R. K. Harrison, Introduction of the Old Testament,
p. 584.
[246] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 349.
[247] J. Ridderbos, Isaías : Introdução e Comentário, p.
383.
[248] É provável que a maioria dos teólogos concorde que
o pilar de suma importância da Reforma foi a
“salvação pela fé somente”.
[249] Para saber mais sobre esse debate, consulte
Martinho Lutero, Nascido Escravo, Editora Fiel.
[250] “Cânones de Dort” (I.7) in Franklin Ferreira e Alan
Myatt, Teologia Sistemática, p. 742.
[251] Ao nomeá-la como “doutrina reformada”, não
ignoramos que homens anteriores à Reforma a
defenderam magistralmente, como é o exemplo de
Agostinho de Hipona, cujo trabalho nesse campo
embasou a compreensão bíblica dos reformadores.
[252] Atos e Apocalipse, entre outros, têm importantes
contribuições à doutrina.
[253] Na verdade, o anúncio feito por Isaías foi primeiro
feito a Abraão (Gn 12.3). Paulo faz essa associação na
carta aos Gálatas: “Ora, tendo a Escritura previsto que
Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o
evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os
povos” (Gl 3.8 – destaque meu).
[254] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 13.
[255] É límpido o fato de que Jacó foi escolhido para dar
sequência à linhagem abraâmica da promessa.
[256] A eleição incondicional é destacada por Paulo na
escolha entre os filhos de Isaque: “E ainda não eram
os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o
mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição,
prevalecesse, não por obras, mas por aquele que
chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do
mais moço. Como está escrito: Amei Jacó, porém me
aborreci de Esaú” (Rm 9.11-13 – destaque meu).
[257] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, p.
959, reconhece nos israelitas, já no período da
composição de 2Macabeus (c. 90 a.C.), um conceito
que ele chama de “certeza de uma eleição ou uma
rejeição eterna do indivíduo”.
[258] O verbo hebraico “yadá” significa “conhecer”, ou
também “distinguir”, e é associado a Israel como
“povo escolhido” (Francis Brown, S. R. Driver e
Charles Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs
Hebrew and English Lexicon, p. 393-394, § 2).
[259] Arão também foi alvo de uma escolha para uma
tarefa específica – veremos adiante –, mas, nesse caso,
sua atuação está ligada à escolha de Moisés, de modo
que Arão lhe serviu de porta-voz.
[260] Aqui é utilizado o verbo “bahar”, cujo significado é
“escolher”, sendo a palavra usual para refletir o ato de
Deus escolher alguém.
[261] “I chose your ancestor from all the tribes of Israel to
be my priest”.
[262] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 416.
[263] Essas datas se referem à derrubada do domínio
assírio, cujo golpe fatal se deu na queda de Aram em
609 a.C., marcando o início da hegemonia babilônica
(a capital Nínive foi derrubada em 612 a.C., de modo
que a sede da coroa assíria foi transferida para Aram).
O domínio babilônico teve seu fim na queda da sua
capital no ano 539 a.C. pelas mãos de Ciro, causando
o retorno dos israelitas exilados para Judá. Esse
intervalo de setenta anos cumpre o que foi previsto
por Jeremias: “Logo que se cumprirem para a
Babilônia setenta anos, atentarei para vós outros e
cumprirei para convosco a minha boa palavra,
tornando a trazer-vos para este lugar” (Jr 29.10 –
destaque meu).
[264] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 448, identifica o ano 740 a.C., o ano
da morte de Uzias, como o início do ministério de
Isaías, ou seja, duzentos anos antes de Ciro derrubar a
Babilônia. Difícil é determinar em que ponto do seu
longo ministério ele previu o domínio de Ciro, já que
ele viveu até o ano 680 a.C. (p. 455).
[265] Walter Kaiser Jr., “The Theology of the Old
Testament”, p. 295.
[266] Claus Westermann, Teologia do Antigo Testamento,
p. 36.
[267] William LaSor, David Hubbard e Frederic
Bush, Introdução ao Antigo Testamento, p. 272.
[268] Arthur W. Pink é tomado aqui como um exemplo de
uma linha numerosa de teólogos.
[269] Arthur W. Pink, The Divine Covenants, p. 13-16.
[270] O que ocorre com a aliança noaica, acontece com as
outras alianças: abraâmica (1Cr 16.16-18; Sl 105.9-
11), mosaica (Ex 31.16; Lv 24.8; Is 24.5), davídica
(2Sm 7.16 cf. 23.5) e a nova aliança (Jr 32.40; 50.5 cf.
31.31).
[271] Arthur W. Pink, The Divine Covenants, p. 27-31.
[272] Ibdem, p. 41. Diz ele: “Aqui estão os elementos
constituintes de uma aliança: (1) Aí estão as partes
contratantes, o Senhor Deus e o homem; (2) aí está
uma estipulação ordenada, à qual o homem (assim
como era seu dever) estava ligado para cumprir; (3) aí
está uma penalidade prevista, que ocorreria no caso de
falha; (4) ali estava, como implicação clara e
necessária, uma recompensa prometida, a que Adão
seria liberto pelo seu cumprimento da condição; (5) a
“árvore da vida” era o sinal divino ou a ratificação da
aliança, como o arco-íris foi o sinal da aliança que
Deus fez com Noé”.
[273] Ibdem, p. 57-58.
[274] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 136-137, dá vários sentidos para “berît”,
como aliança, pacto, tratado ou acordo.
[275] James Swanson, Dictionary of Biblical Languages
with Semantic Domains : Hebrew (Old Testament),
verbete n° 4162, diz que “karat”, além do sentido
básico de cortar, significa “fazer aliança”,
“formalmente fazer um solene acordo entre partes,
com estipulações, benefícios e responsabilidades,
como uma expressão de cortar um animal como modo
de fazer algumas alianças (1Sm 20.16)”. Esse sentido
– cortar animais na celebração de uma aliança – pode
ser visto em Gênesis 15.10 (cf. v.17,18) e Jeremias
34.18.
[276] Para uma análise sucinta, mas interessante sobre a
ideia e a importância da “aliança” na teologia do
Antigo Testamento, ver Ralph Smith, Teologia do
Antigo Testamento, p. 132-139.
[277] O sinal dessa aliança foi a instituição de um arco
nas nuvens (Gn 9.12-17).
[278] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 95.
[279] John F. Walvoord, Israel in Prophecy, p. 61-62.
[280] NET Bible, nota 14, em Gn 17.5, informa o
significado de “Abrão” como “pai exaltado”, sendo
uma provável homenagem a Terá, pai de Abraão. Já, o
nome “Abraão” significa “o pai de uma multidão”.
Essa mudança de nome ocorre em Gênesis 17.5 por
iniciativa de Deus.
[281] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento,
p. 91.
[282] Cross, Canaanite Myth and Hebrew Epic, p. 265-
266, in Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento,
p. 146, afirma que rituais semelhantes foram
encontrados em Mári, Alalakh e Aslan Tash.
[283] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
243.
[284] Apesar de Ronald Youngblood, The Heart of the
Old Testament, p. 43, enxergar em Gênesis 15 o
formato de um tratado de suserania hitita, boa parte
dos teólogos afirma que a de aliança abraâmica segue
a forma de uma “aliança de doação real” (Carlos
Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e Desenvolvimento no
Antigo Testamento, p. 29 – apesar de ele reconhecer o
formato de tratado de suserania e vassalagem em
Gênesis 17.1-27 – e Eugene Merrill, “Uma Teologia
do Pentateuco”, in Roy Zuck, Teologia do Antigo
Testamento, p. 39 – ele chama esse modelo de
“concerto de concessão de terras”, seguindo Moshe
Weinfeld, “The Covenant of Grant in the Old
Testament and in the Near East”, in Journal of the
American Oriental Society, 90, 1970, p. 184-203).
[285] Thomas V. Brisco, Holman Bible Atlas, p. 155.
[286] Ele também condiz geograficamente com outras
referências ao “rio do Egito”, visto que é associado às
localidades no limite sul do território israelita da
época (Nm 34.5; Js 15.4,47; 2Rs 24.7; 2Cr 7.8). Um
ótimo texto sobre o assunto, que vale a pena ser
consultado, é Kenneth A. Kitchen, “Rio do Egito”, in
J. D. Douglas (ed.), O Novo Dicionário da Bíblia, vol.
1, p. 482-484.
[287] John F. Walvoord et al, The Bible Knowledge
Commentary : An Exposition of the Scriptures, vol. 1,
p. 56.
[288] Derek Kidner, Gênesis : Introdução e Comentário,
p. 117.
[289] Kenneth A. Mathews, New American Commentary
: Genesis 11.27–50:26, p. 177.
[290] H. D. M. Spence (Ed.), The Pulpit Commentary:
Genesis, p. 422, diz: “A referência aos reis israelitas
nesse ponto tem sido explicada como uma evidência
de uma autoria pós-mosaica (Le Clerc, Bleek, Ewald,
Bohlen, et alii), ou, pelo menos, como uma
interpolação tardia de 1Crônicas 1.43 (Kennicott, A.
Clarke, Lange), mas é suficientemente explicado pela
recordação de que, em Gênesis 35.11, foram
prometidos reis a Jacó”. Ver também Gênesis 17.6,16
e 49.10.
[291] O termo “hebreus”, nessa descrição, não se refere à
nação de Israel (visto que Deus garante à nação
israelita as suas bênçãos e sua permanência), mas a
uma linhagem vinda de Héber. Gênesis 10.21 mostra
que Héber deu origem aos povos semitas, dentre os
quais Israel é apenas um deles. Talvez, desejando
evitar essa confusão, o Targum Onkelos (uma antiga
tradução aramaica do Pentateuco hebraico usada nas
sinagogas) definiu Héber, em Números 24.24, como
“Héber do Eufrates” (“evar perat”), apontando para os
semitas do Norte e/ou da Mesopotâmia e excluindo,
com isso, os israelitas desse grupo.
[292] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 130.
[293] Isso foi tratado no tópico “A Promessa da
Salvação”, no capítulo 6.
[294] Esses resumos das alianças baseiam-se em um
material de aula sobre “o relacionamento das
alianças” produzido por Carlos Osvaldo Cardoso
Pinto.
[295] John Bright, História de Israel, p. 188.
[296] Edward J. Young, Introdução ao Antigo
Testamento, p. 47-48.
[297] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Fundamentos para
Exegese do Antigo Testamento, §19.11, p. 140.
[298] Segundo as Escrituras, Moisés não foi o único
mediador dessa aliança. Os anjos também agiram
como intermediários da aliança mosaica (At 7.53; Gl
3.19; Hb 2.2 cf. Dt 33.2; Sl 68.17). Essa realidade não
estava presente somente no pensamento dos teólogos,
mas do povo em geral. Herodes, em um discurso a fim
de encorajar os israelitas em uma batalha contra os
árabes, diz “que recebemos de Deus as nossas santas
leis, pelo ministério dos anjos, que são os seus arautos
e mensageiros” (Flávio Josefo, História dos Hebreus,
p. 704-705 – destaque meu).
[299] Ronald Youngblood, The Heart of the Old
Testament, p. 69.
[300] George E. Mendenhall, “Covenant Forms in
Israelite Tradition”, p 50-76.
[301] Thomas L. Constable, “Uma Teologia de Josué,
Juízes e Rute”, in Roy Zuck, Teologia do Antigo
Testamento, p. 118, afirma que Deus lançou mão da
imagem do rei (suserano) sobre os seus súditos
(vassalos), na forma de uma “analogia” para descrever
sua relação com Israel.
[302] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 75.
[303] Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo
Testamento, p. 335, explica o que vem a ser esse
“Testemunho”: “O ‘Testemunho’ ou ‘Lei solene’ são
as duas ‘tábuas do Testemunho’, as tábuas da Lei
recebidas de Deus (Ex 31.18) e depositadas na arca
(Ex 25.16; 40.20). Por essa razão, a Tenda que contém
a arca será chamada de Tenda do Testemunho (Nm
9.15; 17.22; 18.2)”.
[304] Levando em conta que em Deuteronômio a aliança
já estava sendo ensinada e renovada na segunda
geração de israelitas depois do êxodo, Raymond
Brown, Entendendo o Antigo Testamento, p. 38,
observa que ela já vislumbra o ensino subsequente da
lei às gerações seguintes: “A passagem que se
encontra no início (Dt 5.1-27) lembra à congregação
reunida os Dez Mandamentos que lhe foram dados em
Horebe, e é-lhe dito que não pertencem ao passado,
mas devem cuidadosamente transmiti-los para os
filhos, nas gerações sucessivas (Dt 5.28–6.25)”.
[305] Exemplos da aplicação desse estatuto nas gerações
futuras podem ser vistos em Js 8.34,35; 2Rs 23.2; Ne
8.1-8,13,18; 9.3.
[306] R. K. Harrison, Introduction of the Old Testament,
p. 117, diz que o código hitita enfatizava a
inviolabilidade dos juramentos, alianças e tratados,
assim como outros sistemas de jurisprudência do
Oriente Médio Antigo.
[307] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
148.
[308] Para ver um gráfico que delineia o tratado de
suserania nos dois conjuntos da aliança – alianças
sinaítica e palestiniana –, além da renovação da
aliança em Josué 24, consultar John F. Walvoord et al,
The Bible Knowledge Commentary : An Exposition
of the Scriptures, vol. 1, p. 137.
[309] Apesar disso, Walter Eichrodt, Teologia do Antigo
Testamento, p. 33, mostra que, com o tempo, a prática
externa dos ritos como “sacrifícios, celebrações,
peregrinações e jejuns, trouxeram consigo o
esquecimento do aspecto ético-social das exigências
divinas”. Por isso, um clamor dos profetas era a
obediência que ia além dos ritos: “Pois misericórdia
quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus,
mais do que holocaustos” (Os 6.6). Roland de Vaux,
Instituições de Israel no Antigo Testamento, p. 492,
ao comentar os textos Os 6.6 e 1Sm 15.22, diz que “os
profetas se opõem ao formalismo de um culto
exterior, ao qual não correspondem as disposições do
coração”.
[310] Samuel J. Schultz, A História de Israel no Antigo
Testamento, p. 141.
[311] Eugene Merrill, História de Israel no Antigo
Testamento, p. 251-256.
[312] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 299-300.
[313] O texto de 2Samuel 7, que estamos tratando como
celebração da aliança davídica, não contém a palavra
“aliança” (“berît”, em hebraico). Entretanto, nas
últimas palavras de Davi – 2Samuel 23.5 – ele se
refere a essas promessas como sendo uma “aliança”
(Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
149).
[314] Especialmente Lv 26.17,25,29,32-34,38 e Dt
28.25,36,48-57. Destaque especial para: “O Senhor te
levará e o teu rei que tiveres constituído sobre ti a uma
gente que não conheceste, nem tu, nem teus pais; e ali
servirás a outros deuses, feitos de madeira e de pedra”
(Dt 28.36).
[315] Isaías previu o mesmo, dizendo: “Porque um
menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo
está sobre os seus ombros; e o seu nome será:
Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o
seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de
Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar
mediante o juízo e a justiça, desde agora e para
sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto” (Is
9.6,7 – destaque meu). Jeremias também associa esse
reinado ao governo da nação israelita (Jr 23.5,6;
33.15-17).
[316] Do verbo grego “gínomai”, que significa “ser feito”,
“tornar-se”, “tomar lugar” (W. Arndt, F. W. Danker e
W. Bauer, A Greek-English Lexicon of the New
Testament and other Early Christian Literature, p.
196-199). Comprar esse sentido ao texto subsequente:
“Graças te damos, Senhor Deus, Todo-Poderoso, que
és e que eras, porque assumiste o teu grande poder e
passaste a reinar” (Ap 11.17 – destaque meu).
[317] Ver Miquéias 4.1-3 cf. 5.2.
[318] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento,
p. 656, afirma que, na profecia clássica, predições de
desgraça e predições de salvação estavam
abruptamente lado a lado.
[319] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 597,
mostra que o livro todo segue a mesma dinâmina, pelo
que propõe como mensagem do livro o seguinte: “A
salvação prometida por Yahweh consiste na remoção
da presente ordem rebelde e no estabelecimento de
uma ordem teocêntrica sob a direção de seu Servo, em
quem as bênçãos universais são concretizadas”.
[320] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 81.
[321] R. K. Harrison, Jeremias e Lamentações :
Introdução e Comentário, p. 109.
[322] Agostinho de Hipona, Confissões, p. 294.
[323] Paulo apresenta uma utilidade da lei na salvação do
perdido, não produzindo justiça, mas, por meio da
produção da condenação, mostrar ao pecador a
necessidade que tem de Cristo (Gl 3.22-25).
[324] “Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas
contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a
maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a
tua descendência” (Dt 30.19).
[325] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
509.
[326] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
435.
[327] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento,
p. 657, ao comentar Ezequiel 36.24-28, diz: “A
palavra ‘aliança’ não figura aqui, mas isso não tem
importância (em outras passagens, Ezequiel chamou o
evento salvífico de aliança – Ez 34.25; 37.26), pois,
por seus conteúdos paralelos, esse texto apresenta
traço por traço uma estreita correspondência com a
perícope de Jeremias sobre a nova aliança (Jr
31.31s)”.
[328] John B. Taylor, Ezequiel : Introdução e Comentário,
p. 207.
[329] David Allan Hubbard, Joel e Amós : Introdução e
Comentário, p. 78.
[330] Robert B. Chisholm Jr., “Uma Teologia de Jeremias
e Lamentações de Jeremias”, in Roy Zuck, Teologia
do Antigo Testamento, p. 384.
[331] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, p. 397.
[332] Essa “aliança de paz” é uma referência à futura
aliança anunciada por Jeremias, a qual chamou de
“nova aliança” (Jr 31.31). O nome “aliança de paz”
não designa outra aliança, mas fornece o caráter da
nova aliança como promotora de paz entre Israel e
Deus (Jr 32.40) e provedora de paz na habitação da
terra prometida (Jr 32.41 cf. Mq 5.4).
[333]Não tratamos aqui da relação atual da nova aliança
com a igreja – isso é assunto para uma Teologia do
Novo Testamento. Concentramo-nos na apresentação
da nova aliança nos moldes e com os resultados
previstos no Antigo Testamento. Pode-se – deve-se –
também frisar que a provisão para tal celebração já foi
providenciada na cruz, pelo derramamento do sangue
da nova aliança (cf. Lc 22.20).

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