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JESUS: ADVOGADO, JUIZ OU AMBOS?

Thiago Stabenow Helker


Canal Adventismo Vivo
https://bit.ly/2V9vO9K

INTRODUÇÃO
É comum dizer que Jesus é nosso advogado e nosso juiz. Porém, por vezes, a maneira imprecisa como isso é
dito gera certo menosprezo pelo julgamento celestial. Ao invés de temer a Deus (Ap 14:6,7), as pessoas passam
a celebrar o juízo, como Belsazar, numa falsa segurança de possuírem salvação (certeza da salvação
incondicional) e de que mal nenhum pode lhes ocorrer, pois, se os seus nomes estão no livro da vida, o céu lhes
está garantido. Em outras palavras, muitos dizem que, se Jesus é nosso advogado e juiz, todos os seus clientes
serão aprovados, pois, como juiz, ele inocentará a todos, sem apreciar corretamente cada caso. Então, muitos
vivem a vida tranquilamente, não prestando atenção às altas reinvindicações da lei de Deus e à solenidade do
juízo celestial. Todavia, precisamos ser muito cautelosos com respeito a nosso destino futuro para que não
sejamos pesados na balança e achados em falta (Dn 5:27, ver também Pv 5:21).

Defendemos a ideia de que Jesus é, sim, nosso advogado e nosso juiz; porém, pretendemos provar que Cristo
não desempenha ambos os papeis ao mesmo tempo. Este artigo intenta demonstrar que a função de Cristo
muda no decorrer das fases do juízo. Na fase de investigação, Jesus atua apenas como advogado, pois o Pai é
quem preside o juízo. Após a investigação, Jesus receberá o reino e, aí sim, ele assumirá o papel de julgador
(pois o rei é também juiz).

Nosso objetivo é alertar para a confusão de fazer Jesus advogado e juiz ao mesmo tempo durante a fase de
investigação e para os danosos efeitos que essa confusão produz tanto na compreensão da doutrina da salvação
como na vida prática do cristão.

Em qualquer tema bíblico, precisamos reunir todos os textos inspirados que tratam do assunto com o objetivo
de encontrar a harmonia entre eles (Lc 24:27). É o que juntos vamos fazer agora.

TEXTOS QUE APONTAM JESUS COMO ADVOGADO E DEUS COMO JUIZ


A Bíblia, em vários versos, declara sem rodeios que Jesus, o Filho, é o mediador (intercessor ou advogado) e
que Deus, o Pai, é o juiz. Vejamos alguns textos bem claros:

Mateus 10:32
Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu [Jesus advogado] o confessarei
diante de meu Pai [Pai, o Juiz], que está nos céus;

1 João 2:1
Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado
para com o Pai [Juiz], Jesus Cristo [Advogado], o justo.

Hebreus 12:23,24
e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados;
E a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel.
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Ellen White, em O Grande Conflito, no Capítulo 28, que lida especificamente com o grande juízo investigativo,
tece longos comentários sobre o papel do Pai e do Filho no julgamento. Ela também reconhece que é o Pai
quem preside o juízo e que Cristo é o intercessor. Veja:

“Eu continuei olhando”, diz o profeta Daniel, “até que foram postos uns tronos, e um Ancião de Dias Se
assentou; (...) assentou-se o juízo, e abriram-se os livros.” Daniel 7:9, 10. (...) O Ancião de Dias é Deus,
o PAI. (...) É Ele, fonte de todo ser e de toda lei, que DEVE PRESIDIR O JUÍZO. (p. 479).

“E, eis que vinha nas nuvens do céu Um como o Filho do homem; e dirigiu-Se ao Ancião de Dias, e O
fizeram chegar até Ele (...).” Daniel 7:13, 14 (...) JESUS APARECERÁ COMO SEU ADVOGADO, a fim de
pleitear em favor deles perante Deus. (p. 482)

“Enquanto JESUS FAZ A DEFESA [advogado] DOS SÚDITOS de Sua graça, SATANÁS ACUSA-OS [acusador]
DIANTE DE DEUS [juiz] como transgressores. (p. 484)

“Deus tem um relatório exato de toda conta injusta e de todo negócio desonesto. Não Se deixa enganar pela
aparência de piedade. Não comete erros em Sua APRECIAÇÃO do caráter [ou seja, Deus está exercendo o
papel de Juiz]. (p. 486) Na augusta presença de Deus nossa vida deve passar por exame.” (490)

TEXTOS QUE APONTAM JESUS COMO JUIZ


Ao ler todo esse material, é impossível não reconhecer a clareza do texto apontando Deus como Juiz e o Filho
como advogado. Porém, há alguns textos que parecem discordar do apresentado até aqui. Vejamos:

João 5:22
E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento.

João 8:16
Se eu julgo, o meu juízo é verdadeiro, porque não sou eu só, porém eu e aquele que me enviou.

Romanos 2:16
No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho.

Bem, se tomarmos apenas esses textos e já declararmos que Jesus é o juiz e advogado ao mesmo tempo,
faremos a Bíblia se contradizer.

Outro risco também é criarmos figuras absurdas, uma vez que a mesma abordagem fragmentada poderia nos
levar a concluir que o juízo do povo de Deus será realizado pelos salvos:

Lucas 22:30
[Jesus falando] para que comais e bebais à minha mesa no meu reino; e vos assentareis [os discípulos]
em tronos para julgar as doze tribos de Israel.

Portanto, não podemos construir qualquer conclusão baseada em apenas um verso, sem considerar os demais.
Mas, por outro lado, como resolver essa aparente contradição entre Hebreus 12:13 e 24 (que diz ser Deus o
Juiz e Jesus o advogado) e João 5:22 (que diz ser Jesus o responsável por todo o julgamento)?

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RESOLVENDO A APARENTE CONTRADIÇÃO


O problema (bem como sua solução) está nos vários sentidos da palavra juízo. Esses vários significados existem
na língua portuguesa, bem como na língua grega.

Em português, juízo pode se referir à capacidade de avaliar bem uma situação, como na frase “ele tem juízo”, no
sentido de ter maturidade. Juízo pode ser a sessão em que o “juiz avalia as provas”, como pode ser também pode
ser a “sentença” ou a própria “execução da sentença”. Juízo também é sinônimo de “Direito” (Mt 12:18) ou conjunto
de normas legais.

Já em grego, texto no qual foi escrito o Novo Tetamento, temos as palavras κρίσις (2920 – Krisis), κρίμα (2917
– Krima) e κρίνω (2919 – krino).

2920 - Krisis, (substantivo) avaliação entre o bom e o mau ou a execução da sentença


2917 - Krima , (substantivo) a sentença, em geral, desfavorável, condenatória.
2919 - Krino, (verbo) dar uma sentença ou um veredito de condenação

Tendo a compreensão do dos termos na língua original, voltemos ao texto de João 5:22:
João 5:22
E o Pai a ninguém julga [2919 - Krino], mas ao Filho confiou todo julgamento [2920 - Krisis].

Parafraseando:
E o Pai a ninguém SENTENCIA, mas ao Filho confiou A EXECUÇÃO DA SENTENÇA.

Com o intuito de provar que, especificamente em João 5:22, Krisis recebe o sentido de execução da sentença,
e não de avaliação, ou apreciação de casos, seguem-se outros textos que também utilizam a palavra Krisis. E a
tradução para o português nos permite verificar que krisis foi utilizado no sentido de condenação ou execução
da sentença (e não no sentido de apreciação ou investigação):

Mateus 23:33
Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação [2920 - krisis] do inferno?

João 5:29
Os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a
ressurreição do juízo [2920 – krisis].
Judas 1:15
Para exercer juízo [2920 – krisis] contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas
as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios
pecadores proferiram contra ele.

Apocalipse 18:10
E, conservando-se de longe, pelo medo do seu tormento, dizem: Ai! Ai! Tu, grande cidade, Babilônia,
tu, poderosa cidade! Pois, em uma só hora, chegou o teu juízo [2920 - krisis].

João 5:24
Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida
eterna, não entra em juízo [2920 - krisis], mas passou da morte para a vida.
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O texto de João 5:24 merece destaque. Primeiro, está no contexto de João 5:22. Depois, o apóstolo utilizou krisis no sentido
de aplicação da sentença. Não é possível entender Krisis em João 5:24 como avaliação, investigação, apreciação de casos,
pois, se assim fosse, haveria pessoas cujos nomes e obras não seriam avaliados no tribunal celestial, mas a Bíblia declara
“todos compareceremos perante o tribunal de Deus” (Rm 14:10. Ver também Hb 9:27).

Portanto, fica provado, com Mateus 23:33, Judas 1:15, Apocalipse 18:10, João 5:24 e 29, que krisis é utilizado
no sentido de execução da sentença, aplicação do castigo, e que esse sentido é utilizado em João 5:22. Deus
confiou a Jesus pronunciar e executar a sentença.

A aparente contradição de textos bíblicos que estamos analisando decorre da tradução para o português, a qual
impede o completo sentido das palavras gregas utilizadas por João. O texto não está dizendo que Deus não é o
juiz e que é o Filho que vai apreciar os casos de cada pessoa. João não diz que Jesus é advogado e juiz ao mesmo
tempo. Não, ele não está dizendo isso.

O texto de João 5:22 diz que o PAI não dará a SENTENÇA, e que esta foi confiada a JESUS CRISTO. Mas, Jesus
não seria o advogado? Sim, ele é o advogado. Mas, quando terminar a avaliação dos casos, quando ele não mais
tiver ninguém para defender, aí sim ele mudará de função. Ele trocará as suas vestes de sacerdote e coloca
vestes de rei (vestes de vingança, na linguagem de Ellen White). E como rei, ele também é juiz. Aí sim, após a
investigação, caberá a Jesus pronunciar a sentença.

É nesse sentido que Jesus é juiz. Ele pronuncia a sentença, porém, ele não preside o juízo. ELE É ADVOGADO E
JUIZ, porém, NÃO AO MESMO TEMPO. PRIMEIRO, ADVOGADO, e, DEPOIS, JUIZ.

Nesse sentido é o texto de Ellen White em o Grande Conflito:

O Grande Conflito, p. 666


"Na presença dos habitantes da Terra e do Céu, reunidos, é efetuada a coroação final do Filho de Deus. E
agora, investido de majestade e poder supremos, O REI DOS REIS PRONUNCIA A SENTENÇA SOBRE OS
REBELDES contra Seu governo, E EXECUTA JUSTIÇA sobre aqueles que transgrediram Sua lei e oprimiram
Seu povo. Diz o profeta de Deus: “Vi um grande trono branco, e O que estava assentado sobre ele, de cuja
presença fugiu a Terra e o céu; e não se achou lugar para eles. E vi os mortos, grandes e pequenos, que
estavam diante do trono, e abriram-se os livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida; e os mortos foram
julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras.” Apocalipse 20:11, 12.

Portanto, Jesus é juiz, sim. Mas, não durante o juízo investigativo. Durante esse período, Jesus é o nosso
advogado. Quando terminar de defender seu último súdito, aí, sim, Cristo assumirá o papel de Juiz,
PRONUNCIANDO e EXECUTADO A SENTENÇA.

É por isso que, em João 8:16, Jesus afirma que NÃO É ELE SÓ QUE JULGA, porém, ELE e o PAI.

João 8:16
Se eu julgo [2919 - krino], o meu juízo [2920 - krisis] é verdadeiro, porque NÃO SOU SO EU, porém eu e
aquele que me enviou.

Em outras palavras:
“Se eu porém DOU UMA SENTENÇA, o MEU VEREDITO é verdadeiro, porque não sou eu só, porém eu
e aquele que me enviou.”

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Ou seja, como o veredito poderia ser do Pai, se o juízo foi confiado ao Filho? Bem, Deus preside a apreciação
dos casos, e, depois, Jesus, ao pronunciar a sentença, declarará que ela não é apenas dele, mas também do Pai,
pois o Pai é o juiz durante a fase do Juízo Investigativo. Após isso, Jesus assumirá como Juiz.

Outro texto muito interessante é 2 Timóteo 4:1

“Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que HÁ DE JULGAR [2919 – krino] vivos e mortos, PELA SUA
MANIFESTAÇÃO e pelo seu REINO.”

Ou seja, Jesus vai ao Ancião de Dias com a finalidade de receber o reino (Dn 7:13 e 14). O Ancião de Dias, o Pai,
está presidindo o juízo, no qual os livros estão sendo investigados para se determinar quem poderá ser súdito
do Reino dos Céus. Ao final desse procedimento de investigação é que o reino será conferido a Cristo. Jesus
deixa de ser sacerdote para exercer a função de rei. Depois de receber o reino é que Jesus virá à terra para
buscar os redimidos e inaugurar o seu reino. Ele se assentará no “trono de sua glória” (Mt 25:31), então será
Rei e também Juiz. É esse o sentido de 2 Timóteo 4:1, de que Cristo vai julgar pela SUA VINDA e pelo SEU REINO.

CONCLUSÃO
Concluímos que a obra do juízo é um processo de cooperação entre o PAI e o FILHO. O Pai é o juiz durante a
fase investigativa do juízo, quando os casos do povo de Deus são avaliados. Nessa fase, Jesus é advogado,
mediador, intercessor.

Porém, quando a casa de Deus terminar de ser avaliada, Jesus deixará de ser advogado e se tornará juiz. Jesus
vai pronunciar e executar a sentença. É dessa maneira que harmonizamos Hebreus 12:13 e 14 e João 5:22.

Muitas pessoas afirmam que não precisamos nos preocupar com o juízo, que não precisamos temê-lo (Ap 14:6
e 7), pois Jesus é juiz e advogado ao mesmo tempo, mas isso não é verdade.

Registro que afirmações como essa passam uma ideia de um juízo frouxo, que não é sério, onde o juiz não tem
compromisso com as provas apresentadas. Essa afirmação leva à ideia de que todos os crentes, que
naturalmente possuem Jesus como advogado, automaticamente serão aprovados no julgamento, pois o mesmo
Jesus também é o juiz. Logo, a tese de defesa será naturalmente a sentença final. Ou seja, se algum dia alguma
pessoa professou o nome de Cristo, naturalmente, estaria salva, e nada que ela fizesse seria capaz de levá-la a
perder a salvação, pois Jesus é seu advogado-juiz.

Então, é importante dizer que Deus é o juiz e Jesus o advogado, para não transmitir a falsa ideia de uma
corrupção no tribunal celestial, em que Jesus é advogado e juiz ao mesmo tempo, aprovando automaticamente
todos os seus clientes. Não, isso não está correto. Jesus se tornará juiz quando cessar seu trabalho como
advogado. Ele é juiz e advogado, sim, mas não ao mesmo tempo.

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