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A
Lê o texto.
O avô e o neto
_ Ao ver o neto a brincar,
_ Diz o avô, entristecido,
_ «Ah, quem me dera voltar
_ A estar assim entretido!
Fernando Pessoa, Poesia do eu, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 165 e 166.
Lê o texto.
_ «Vós», diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, «sois o sal da terra»; e chama-
_ lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a
_ corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela,
_ que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal
5 não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores
_ não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo
_ verdadeira a doutrina, que lhes dão, a não querem receber; ou é porque o sal não salga, e os
_ Pregadores dizem uma coisa, e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os
_ ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não
10 salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e
_ os ouvintes em vez de servir a Cristo servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda
mal!
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Padre António Vieira, «Sermão de Santo António», in Obra completa (dir. José Eduardo Franco e Pedro Calafate),
tomo II, volume X, Lisboa, Circulo de Leitores, 2014, p. 137.
4. Apresenta os vários motivos segundo os quais, para o pregador, a palavra de Deus não surte efeito.
GRUPO II
_ 6-janeiro (terça). Um ano veio, outro se foi. Não se conta já o que um ano traz, mas o que
_ o outro leva. Com o correr do tempo, creio que todo o balanço é negativo. Do capital
_ acumulado em ideias, projetos, interesses, o que nos define as contas é sempre uma
_ tremenda delapidação1. Na velhice, uma ou duas ideias fazem já muito barulho. E do que se
5 precisa é de sossego. Que o fim da vida coincida com o esgotamento das reservas. É exemplar,
_ eu sei, afirmar uma perene «juventude». Os que conheço e o fazem são apenas ridículos. A
_ senilidade pode mostrar-se no gosto de jogar o pião. É mesmo normalmente a sua prova. O
_ elogio que um Eça faz de certos velhos é serem «asseados ». O «asseio» é de facto a correção
_ da velhice. Limpeza, sensatez, compreensão da justa medida, saber o que nos pertence e o
10 que é para a vida dos outros. E todavia que fazer? Assalta-me ainda o desejo de escrever dois
_ livros. Só que a morte raro vem na hora própria e corta-nos quase sempre um projeto pelo
_ meio. Terá isso a vantagem de se morrer vivo e não morto? Terá.
_ Decidi largar o liceu este ano. É-me insuportável dar aulas: trabalhosa a sua preparação,
_ trabalhoso o «número» que tenho de fazer. Mas sobretudo preocupa-me a quebra da
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unidade, da cumplicidade com as turmas. Sinto ser para os alunos uma personagem estranha,
póstuma à plausibilidade de fazer parte do seu circuito.
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1
estrago, destruição
_ Tolerado, não aceito. E a coisa agrava-se nas relações com os colegas, uma
_ sarilhada de moças a reinventarem a vida que eu já inventei. A minha invenção
_ pertence ao registo dos mortos, não é já utilizável. Nem sequer como ficha de um
20 ficheiro onde não tem razão de estar. […]
_ 12-abril (segunda). De vez em quando lembro-me de que já não venho aqui há
_ muito. Como quem se lembrasse de já há muito não rezar. Foi assim com intervalos
_ desses que deixei mesmo de ir à missa. Devo estar a perder a crença neste escrito.
_ Como um álcool ou uma febre, vai-me tomando um desejo profundo de passividade.
25 Tudo feito – que resta ainda por fazer? Para as minhas contas e as dos outros, devo
_ começar a estar a mais. Sou uma ficha de um catálogo que já está cheia. Todo o
_ acrescento embaraça a pressa e nitidez de uma classificação. Mas como sobreviver?
_ Hoje já estou de férias. E é duro experimentar como não sei encher o tempo. Mas
_ sentar-me à secretária diante de uma folha de papel e tudo em mim a dizer que não…
30 É-se definitivamente um escritor menor, quando a arte nos não realiza a vida toda.
_ Onde o entusiasmo que me sustentou? E todavia – só mais dois livros... Só, só mais
_ dois. No fundo, não acredito, porque ninguém mais acredita. E eu preciso que os
_ outros acreditem para eu acreditar. De facto? A verdade é que toda a vida me bastei a
_ mim próprio. Foi contra a desconfiança alheia que eu ergui a minha própria. Chove. E
35 há vento. Sozinho em casa, à espera de que o dia passe. Acomodar-me na cova. Quero
ir para Mello2. Arranjem-me lá um sítio em definitivo esquecimento.
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Vergílio Ferreira, Conta-corrente 1, Lisboa, Bertrand Editora, pp. 303, 312 e 313.
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2
terra natal do autor
3. Para o diarista, morre «vivo e não morto» (linha 12) aquele que sendo velho,
(A) já não sonha. (C) resigna-se à sua condição.
(B) não pensa na morte. (D) ainda sonha.
8. Refere o valor modal presente no verbo dever na frase «Para as minhas contas e as dos outros,
devo começar a estar a mais.» (linha 25).
9. Indica a função sintática do pronome pessoal presente em «É-me insuportável dar aulas» (linha
13).
10. Refere a função sintática da oração subordinada presente em «No fundo, não acredito,
porque ninguém mais acredita.» (linhas 31 e 32).
GRUPO III
O bem-estar físico e psicológico de cada um de nós passa por locais, terras ou paisagens que
apreciamos particularmente, aquilo que se chama a nossa «geografia sentimental».
Redige um texto de opinião, no qual comproves esta perspetiva, apresentando, pelo menos,
dois argumentos e respetivos exemplos.
O teu texto deve ter entre 200 e 300 palavras e deve estruturar-se em três partes lógicas.