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Agarrados ao Fortnite.

Texto de Sofia Teixeira

O jogo que larga cem participantes de paraquedas numa ilha com o objetivo de se
eliminarem até à vitória final já tem mais de 200 milhões de jogadores. Está classificado
para maiores de 16 anos, mas é jogado por crianças bastante mais novas e algumas
acabam por ultrapassar os limites daquilo que é saudável e por desenvolver sintomas de
dependência.

Quando, em dezembro passado, a mãe de Afonso, de 11 anos, já desesperada, o proibiu


de jogar Fornite durante a semana, ele deitava-se na cama, horas a fio, a olhar para o teto e em
silêncio. Mas antes disso, o jogo de guerra transformou a casa de Liliana Silva num campo de
batalha.

Durante meses, o filho viveu obcecado. Aos fins de semana acordava às sete da manhã
para jogar e, se ninguém o parasse, lá ficava até às dez da noite. Não queria comer e fazia birra
para ir tomar banho porque não queria sair do computador.

Não falava de mais nada: quem jogava, quem não jogava, como tinha corrido o último
jogo, o miúdo X que tinha conhecido online, o Y que tinha comprado as “skins” que ele também
queria comprar. Na escola, passava os intervalos no YouTube a ver vídeos de outros jogadores.
As notas desceram.

Encontrar alguém disposto a confessar que tem ou teve filhos viciados em Fornite, como
Liliana, é encontrar alguém disposto a dar o corpo às balas. “Admitir o vício dos filhos em jogos
online é ainda um tabu”, defende Ivone Patrão, psicóloga clínica, docente e investigadora no
ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida.“O problema não é
alheio a uma certa permissividade dos pais e a poucas regras no uso de dispositivos. Exporem
o vício dos filhos, em certa medida, é exporem que estiveram pouco atentos”, considera a autora,
entre outros, dos livros “Geração Cordão – A geração que não desliga” e “Dependências Online.”
Na investigação que desenvolveu, um dos dados diz respeito à idade com a qual, hoje, as
crianças começam a navegar online sem supervisão parental, oito anos.

“O Fortnite é um jogo para maiores de 16 anos, será que os pais sabem isso?” questiona
Ivone Pavão. A verdade é esta: o Fortnite, como todos os outros videojogos, é pensado para
viciar. Mas o fenómeno também não pode ser olhado apenas à luz das características e
mecânicas do jogo em si. A explicação para a adesão massiva que o jogo tem tido, defende a
psicóloga Ivone Patrão, deve ser enquadrada com outros dados independentes do jogo,
nomeadamente os estilos parentais mais permissivos e o uso das tecnologias como forma de
manter as crianças entretidas em casa.

Como muitos pais, Liliana Silva sente-se esmagada pela corrente diária: o trabalho, os
transportes, a casa, os compromissos. “Saio de casa às sete da manhã e só regresso às sete da
noite. Com esta vida acabamos por não perceber de imediato certas coisas.” No seu caso, só
percebeu verdadeiramente o que se passava quando começam a surgir sinais de alarme em
Afonso, como não comer, não tomar banho e a descida das notas. Apesar disso, admite que
antes houve outros sinais, menos expressivos, mas evidentes: não querer sair de casa para ir
jogar à bola, faltar a festas de amigos para ficar a jogar e o próprio comportamento que exibia
durante as sessões contínuas do jogo. “Vivia aquilo muito intensamente, sofria, ficava ansioso,
transpirava e cheguei a apanhá-lo a chorar quando os jogos não corriam como queria. Perdia
completamente a noção de tudo e parecia que estava noutro mundo, diferente do nosso”, relata
a mãe.

O Casa de C. é semelhante. Está especialmente preocupada com o filho de oito anos


que reage muito mal quando tento impor regras e revolta-se. Nas fases em que joga mais tempo
fica ” stressado e ansioso. “Até parece que muda de personalidade, não percebo.” Não é de
estranhar. Um estudo recente, publicado em março de 2016, na revista Cyberpsychology,
Behavior and Social Networking mostra que o excesso de videojogos pode, com o tempo, causar
uma diminuição dos níveis de epinefrina e norepinefrina no cérebro, o que significa que os
adolescentes que estão viciados em jogos estão a diminuir a capacidade de regulação do stresse
e a aumentar os níveis de ansiedade.

1. As afirmações de A a E referem-se a situações mencionadas no texto. Escreve as


sequências de letras que corresponde à ordem em qu as ideias são referidas. Começa
pela letra B.

a) O vício do jogo provoca perda de autorregulação da ansiedade.


b) Para a psicóloga Ivone Pavão, a desatenção dos pais fundamenta-se no seu estilo de
vida.
c) As famílias optam pela tecnologia para manterem as crianças entretidas.
d) Os autores dos videojogos querem viciar os jogadores.
e) Os pais não conseguem organizar a vida profissional e ocupar-se dos filhos com
atenção.
2. Escolhe o fim que mais se adequa ao início de cada afirmação.
2.1 Muitas crianças navegam na internet a partir dos oito anos.
a) Com apoio dos pais.
b) Com controlo parental.
c) Sem conhecimento parental.
d) Sem vigilância de um adulto.
e)
2.2 Na frase “Mas o fenómeno não pode ser olhado apenas à luz das características e mecânicas
do jogo em si” (ll.21/22) alerta-se para a ideia de que
a) A ansiedade dos jogadores condiciona a sua prestação.
b) A permissividade dos pais deve ser desconsiderada na atitude dos jogadores
c) A vida familiar é um fator a considerar na atitude dos jogadores.
d) As características do jogo são a +única causa dos comportamentos dos jogadores.

2.3 Ambas as mães que testemunha, as atitudes e os comportamentos dos filhos revelam
a) Despreocupação face às mesmas.
b) Incompreensão perante as mesmas.
c) Entusiasmo quanto às mesmas.
d) Indiferença em relação às mesmas.

3. Escolhe a única afirmação falsa.


a) Tanto o filho de Liliana como o de C. desleixaram os estudos na escola.
b) Tanto o filho de Liliana como o de C. estão viciados no mesmo jogo online.
c) Tanto o filho de Liliana como o de C. manifestam comportamentos aditivos.
d) Tanto o filho de Liliana como o de C. reagem ansiosamente às regras das mães.

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